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O ENSINO DA DISCIPLINA “GRAMÁTICA DA LÍNGUA PORTUGUESA” NA PROVÍNCIA DE SERGIPE (1870-1873) Christianne de M. Gally 1 Universidade Tiradentes No século XIX, tanto na Corte quanto em Sergipe, a disciplina Gramática da Língua Portuguesa era considerada a responsável pela formação primeira dos que freqüentariam o ensino secundário, uma vez que esta precedia o ensino de Retórica e Poética, cadeira última do curso de Humanidades 2 . Por disciplina escolar entende-se tudo aquilo que se ensina, ou ainda, tudo aquilo que favorece a disciplina do espírito, através de métodos e regras que versem sobre, não só os diferentes domínios do pensamento, como também do conhecimento e da arte. (cf. Chervel, 1999). Apesar de serem apontados três grandes problemas que cerceiam a constituição e o funcionamento das disciplinas de ensino – gênese, finalidade e funcionamento–, apenas preocupar-se-á com um deles: a finalidade. Entre 1873 e 1874, foram publicadas no Jornal do Aracaju 3 as Apostilas de gramática (aos meus discípulos), de Brício Cardoso, professor do ensino primário superior em Estância e, mais tarde, catedrático do Atheneu Sergipense. 4 Essas publicações compuseram, mais tarde, a obra Tratado da Língua Vernácula na qual é possível entrever as formulações de suas categorias teóricas acerca do ensino da Gramática da Língua Portuguesa. Uma de suas grandes preocupações era demonstrar quão importante era o ensino desta disciplina para o aprendizado das outras ciências. Cônscio das teorias materialistas irrompidas ao longo do dezenove, Brício reivindicou o status de ciência para a disciplina Gramática, uma vez que acreditava ser ela não somente a primeira das ciências, mas também um saber passível de observação. Para ele, “as leis e regras da gramática (...) colhem-se na prática; a indução, a observação e a comparação são os grandes instrumentos que as tornam parentes à indefesa inteligência das crianças”. (Cardoso, 1944). Nesse ínterim, vislumbram-se, através das reformas curriculares pelas quais atravessava o Colégio Pedro II, as idéias relativas à cientificidade, em que algumas disciplinas, como a física e química, ganhavam mais ênfase. Tratar-se-se-á, portanto, neste trabalho, sobre a relação existente entre a função da disciplina Gramática da Língua Portuguesa, esboçada por Brício Cardoso, e os novos moldes impressos pelo colégio Pedro II, na Corte, ao currículo do curso de Humanidades.

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O ENSINO DA DISCIPLINA “GRAMÁTICA DA LÍNGUA PORTUGUESA” NA PROVÍNCIA DE SERGIPE (1870-1873)

Christianne de M. Gally1

Universidade Tiradentes

No século XIX, tanto na Corte quanto em Sergipe, a disciplina Gramática da

Língua Portuguesa era considerada a responsável pela formação primeira dos que

freqüentariam o ensino secundário, uma vez que esta precedia o ensino de Retórica e

Poética, cadeira última do curso de Humanidades2. Por disciplina escolar entende-se tudo

aquilo que se ensina, ou ainda, tudo aquilo que favorece a disciplina do espírito, através de

métodos e regras que versem sobre, não só os diferentes domínios do pensamento, como

também do conhecimento e da arte. (cf. Chervel, 1999). Apesar de serem apontados três

grandes problemas que cerceiam a constituição e o funcionamento das disciplinas de

ensino – gênese, finalidade e funcionamento–, apenas preocupar-se-á com um deles: a

finalidade.

Entre 1873 e 1874, foram publicadas no Jornal do Aracaju3 as Apostilas de

gramática (aos meus discípulos), de Brício Cardoso, professor do ensino primário superior

em Estância e, mais tarde, catedrático do Atheneu Sergipense.4 Essas publicações

compuseram, mais tarde, a obra Tratado da Língua Vernácula na qual é possível entrever

as formulações de suas categorias teóricas acerca do ensino da Gramática da Língua

Portuguesa. Uma de suas grandes preocupações era demonstrar quão importante era o

ensino desta disciplina para o aprendizado das outras ciências.

Cônscio das teorias materialistas irrompidas ao longo do dezenove, Brício

reivindicou o status de ciência para a disciplina Gramática, uma vez que acreditava ser ela

não somente a primeira das ciências, mas também um saber passível de observação. Para

ele, “as leis e regras da gramática (...) colhem-se na prática; a indução, a observação e a

comparação são os grandes instrumentos que as tornam parentes à indefesa inteligência das

crianças”. (Cardoso, 1944). Nesse ínterim, vislumbram-se, através das reformas

curriculares pelas quais atravessava o Colégio Pedro II, as idéias relativas à cientificidade,

em que algumas disciplinas, como a física e química, ganhavam mais ênfase.

Tratar-se-se-á, portanto, neste trabalho, sobre a relação existente entre a função da

disciplina Gramática da Língua Portuguesa, esboçada por Brício Cardoso, e os novos

moldes impressos pelo colégio Pedro II, na Corte, ao currículo do curso de Humanidades.

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A Gramática no curso de Humanidades

Uma das disciplinas que compunham o trivium, a gramática constituía-se na “chave

necessária para abrir todas as fechaduras”, ou seja, detinha o conhecimento necessário para

a compreensão de todos os livros e , por conseguinte, de qualquer ciência. (Durkheim,

1995, p. 58).

Vários títulos foram-lhe dados, como Gramática Nacional5, Gramática Filosófica6,

Gramática descritiva7 ou tão somente Português. Cada uma dessas nomenclaturas apontava

para uma determinada concepção lingüística8, baseada, por sua vez, em concepções

filosóficas que atravessaram este período. É possível entrever, a partir das reformas e

regulamentos, que estas denominações refletiam as finalidades da educação a qual estavam

atreladas.

No século XIX, a disciplina Gramática da Língua Vernácula constituía o curso de

Humanidades que designava um ideal de educação voltado para a formação integral do

homem. Era do interesse da educação clássica “desenvolver um certo número de

qualidades, ou seja, a clareza do pensamento e da expressão; o rigor no encadeamento das

idéias e das proposições; o cuidado com a medida e o equilíbrio; a adequação mais justa

possível da língua à idéia”.9 Com um programa extenso, sobrecarregado de assuntos,

informações, bibliografias, etc., as Humanidades tinham como objetivo primordial a

construção de uma elite.10

As gerações que se formaram sob sua [dos jesuítas] direção espiritual, em mais de dois séculos, souberam, pois, transmitir quase na sua integridade o patrimônio de uma cultura homogênea, – a mesma língua, a mesma religião, a mesma concepção de vida e os mesmos ideais de ‘homem culto’(...). Humanistas por excelência e os maiores de seu tempo, concentraram todo o seu esforço, do ponto de vista intelectual, em desenvolver, nos seus discípulos as atividades literárias e acadêmicas que correspondiam, de resto, aos ideais, de homem culto em Portugal onde, como e toda a península ibérica, se encastelara o espírito da Idade Média e a educação, dominada pelo clero, não visava por essa época senão formar letrados e eruditos. (Azevedo, s.d, p. 516).

A cultura humanística, dessa forma, pode ser muito mais definida por sua finalidade

própria do que por seu conteúdo lingüístico e literário. Ela representava uma “educação

gratuita, desinteressada, isto é, desprovida de todo objetivo imediatista”. (Chervel, 1992).

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Era, portanto, função dos estudos de Humanidades formar a aristocracia e preparar as elites

condutoras do país.

... o caráter desse modelo serviu a uma elite que tinha como parâmetro de cultura o mundo ocidental europeu, que incluía a admiração ao seu passado clássico. Os textos gregos e latinos, além da ênfase no estudo da Antigüidade, reforçavam, pelo ensino, a ligação espiritual do restrito círculo de pessoas que viajavam e conheciam a língua e a história das nações civilizadas. Essa cultura, especulativa e desinteressada foi a marca de distinção de uma elite (...) que permitia aos seus possuidores títulos oficiais, cargos e funções públicas. (Gasparello, 2002, p. 274).

Em 1870, contudo, através do decreto 4.468 de 1º de fevereiro de 1870, o programa

implantado no Colégio Pedro II apontava para uma nova concepção de educação

secundária através das mudanças curriculares: ao invés de formar e fortalecer o espírito da

mocidade, formando eruditos, a maior atenção fora dada ao ensino das ciências físicas e

naturais, além de demonstrar maior preocupação com as ciências matemáticas, dentre

outras medidas. (cf. Haidar, 1972).

Com um novo currículo adotado, não somente foi a leitura dos autores clássicos

expressamente recomendada, como também a ele foi acrescido o estudo histórico da língua

portuguesa. Além disso, o programa ainda definiu que toda gramática estrangeira ensinada

no Pedro II (latina, grega, francesa, inglesa e alemã) deveria ser sempre comparada com a

da língua portuguesa. (cf. Razzini, 2000). Disseminava-se, assim, o método histórico-

comparativo, representante de uma nova perspectiva aos estudos da linguagem que dava

novo rumo às práticas pedagógicas das línguas modernas, assim como das línguas mortas.

As letras e a ciência

Travou-se, a partir desta nova concepção curricular, uma polêmica entre os

defensores das letras e os propugnadores dos estudos científicos. Embora muitos

reconhecessem a importância das ciências na instauração de uma nova ordem, ainda eram

os estudos literários os responsáveis supremos pela formação e condução dos alunos ao

bacharelado. Outros, porém, acreditavam que o ensino científico seria a única alternativa

que animaria toda a atividade educativa, instaurando uma nova conduta intelectual.

O ensino científico foi inaugurado, portanto, pelo Colégio Pedro II como a

bandeira da “ilustração brasileira”, e sendo a ele confiado a missão de formar

integralmente o novo cidadão. As disciplinas relativas às ciências naturais, físicas e

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químicas tiveram, nesse período, sua ascensão. Os novos métodos que sobrepunham a

reflexão na aprendizagem ao uso da memória também contribuíram para incrementar os

estudos científicos. No campo dos estudos literários, por exemplo, começou-se a condenar

o ensino excessivo da Gramática, por considerá-la cheia de regras minuciosas, de

definições e de vocábulos sem que houvesse compreensão de texto e o uso do raciocínio.

No final do século XIX, porém, as correntes evolucionista e positivista já

influenciavam a construção de gramáticas e a maneira pela qual suas finalidades eram

articuladas. A gramática, por exemplo, de Júlio Ribeiro reflete o “desejo de se aplicar às

línguas controvertidos princípios do evolucionismo biológico que domina o clima

intelectual da época”. (Bezerra, 1985, p. 168-169).

As dissensões entre os estudos científicos e as letras eram também visíveis nos

discursos de Rui Barbosa que afirmava serem os dois elementos inseparáveis, uma vez que

“sem o gosto e a beleza do estudo literário, a ciência decai de parte sua dignidade, e perde

um meio poderoso de influência sobre o espírito humano.” (Barbosa, 1882, p. 36-38).

Imbuídos das teorias positivistas, muitos intelectuais viam na ciência uma nova atitude que

deveria impulsionar a educação, uma vez que, para estes, a ciência não era somente a

transmissão de conhecimentos úteis, mas um meio de desenvolver uma atitude crítica que

caracterizava a educação dos sentidos, ao invés de hábitos mecânicos de decorar e repetir.

Daí, em 1870, instaurou-se um novo programa no Colégio Pedro II, que foi

proposto pelo ministro e Secretário de Estado e de Negócios do Império Paulino José

Soares de Sousa (cf. Haidar, 1972), no qual se deu maior desenvolvimento ao ensino das

ciências físicas e naturais –concentradas nas últimas quatro séries do secundário –

distribuiu os estudos matemáticos de acordo com o desenvolvimento mental dos alunos,

atribuiu maior importância ao vernáculo e restringiu as exigências referentes aos estudos

literários.

O movimento em prol da vitalização do ensino, entretanto, também oferecia suas

resistências quanto ao ensino da Gramática. Era necessário abandonar os métodos

mnemônicos que só serviam para sobrecarregar a memória de definições, de vocábulos e

de regras e sutilizas gramaticais para exigir do aluno provas de haverem compreendido o

texto e as explicações do professor, por meio do raciocínio.

Gramática “é ciência”

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Em Sergipe, essas reformas provocaram algumas dissensões no palco do curso de

Humanidades do Atheneu Sergipense que apresentava um caráter enciclopédico,

desprovido de todo objetivo imediatista e, inicialmente, constituído pela reunião das

disciplinas isoladas de Latim, Francês, Geografia e História, Aritmética, Álgebra e

Geometria, Retórica e Poética, filosofia Racional e Moral, Inglês e Gramática Nacional.

Apesar de ser instalado em 1870, no momento em que a reforma estava ainda sendo

implantada, o Atheneu Sergipense enfrentou algumas dificuldades em estabelecer

definitivamente o curso de Humanidades. Em relação a este fato, o articulista do jornal A

Liberdade se pronunciou:

É verdade que já temos visto quem condene o ensino clássico que se faz no Atheneu e, entre outras heresias que nesta matéria ouvimos proferir na Assembléia Provincial por um membro da comissão de instrução pública, sobressaía essa extravagante opinião do que a mocidade sergipana carece apenas dos esclarecimentos que lhe permitiam alcançar essa ou aquela indústria. Não nos parece porem que as pessoas que estudam os problemas e sobre ele pensam refletidamente possam abraçar semelhante opinião, que serve unicamente para demonstrar que também ha materialistas em questões de instrução pública. Em um século todo de tendências positivistas, quando a vontade de enriquecer é uma verdadeira que abaixa deploravelmente o nível social, e os progressos sempre crescentes da democracia fazem diminuir cada dia o número daqueles que se podem exclusivamente ocupar com as cousas do espírito, é perigoso preparar e estimular a mocidade para correr em busca do ouro. (Cardoso, 1873).

Concomitantemente a estes embates, Brício Cardoso – que, mais tarde, seria

catedrático e membro da Congregação do Atheneu Sergipense, diretor da Escola Normal e

sócio-fundador do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe – defendia a idéia de que o

ensino da Gramática da Língua Portuguesa deveria acontecer antes de qualquer outra

ciência. Para ele, a Gramática era a primeira das ciências, era a ciência inicial.

O fato de considerá-la “ciência” já reflete a preocupação em defini-la conforme as

novas concepções positivistas. Ou seja, Brício imputava à gramática um lugar de destaque

dentro da classificação spenceriana de ciência. Para isso, ele se justifica afirmando que a

gramática, “uma verdadeira ciência”, apresenta, além da parte mecânica “que considera os

vocábulos como novos sons articulados, sujeitos às leis físicas dos corpos sonoros e do

movimento”, também possui uma parte lógica “que os considera como sinais artificiais das

idéias, sujeitos às leis psicológicas que regem a alma do homem no exercício de suas

operações e formação dos seus pensamentos”.

O importante, ademais, era que a Gramática não só representava a erudição, a

ilustração, a sabedoria nas letras, como também era a arte da escrita. Nenhum outro ramo

científico, portanto, poderia ser aprendido sem o seu conhecimento. Daí a insistência de

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Brício em afirmar que não adiantariam a física, a química, etc., se a criança, em sua

bagagem cultural, não levasse consigo os saberes da gramática da língua vernácula. Quem

sabia falar e escrever, necessariamente também sabia aprender a conhecer, a bem pensar, a

querer a bem sentir.

Eu não sei que se possa aprender a filosofia, as matemáticas, e psicologia, a química, a moral, a política, a jurisprudência, a história, a literatura, a estética, a lógica, a física, a fisiologia, a medicina, a astronomia, a crítica, a poesia, etc., desconhecendo as línguas em que escreveram os grandes apóstolos dessas ciências. Se ao sair da escola primária, abrem-se-lhe as portas das escolas das línguas sábias, é da maior vantagem que leve o conhecimento da gramática da língua vernácula, pois que para o estudo daquelas, é indispensável o conhecimento desta. (Cardoso, 1873).

Assim sendo, ao menino brasileiro seria indispensável o ensino da ciência da

linguagem, que era também arte e ciência. A todas as crianças, portanto, era primordial o

seu aprendizado pois que se constituía numa das etapas do aprender a ler e a bem

escrever11 para, só depois, compreender as outras disciplinas. Afinal, “ler e escrever eram

habilidades fundamentais para a inserção numa sociedade da escrita e constituíam

oportunidades inequívocas de formação de caráter”. (Souza, 1998, p. 177).

Não somente o estudo da Gramática da Língua Vernácula serviria para aprender

não só a todas as ciências e a todas as línguas modernas e vivas, como também o latim com

maior facilidade12, língua que, apesar de estar em declínio nesse período13, ainda era

considerada importante na formação clássica, ainda vigente no século XIX.

Se vai aprender as línguas mortas, sai-lhe, em luta titânica, a sublime e escabrosa teoria gramatical que, aplicada à própria língua (...), percebe-se e compreende-se muito mais facilmente do que aplicada às línguas desconhecidas. (...) Isto é claro, porque todas as línguas estão sujeitas às mesmas noções gerais e imutáveis, porque a ciência gramatical é anterior a todas as línguas e, finalmente, porque as diferenças que se notam entre elas são acidentais, são de formas, são de construções, mas nunca de princípios. (Cardoso, 1873).14

Aprender as outras ciências, aprender o latim ou aprender as outras línguas vivas,

como o alemão, o francês, etc, o aprendizado da gramática ainda contribuía, decisivamente

na formação do homem educado, civilizado15. Como era a disciplina responsável por

“estabelecer os princípios fundamentais e as leis gerais que presidem à construção lógica e

a análise filológica da proposição”, não era lícito

a quem quer que seja, a nenhum homem, deixar de conhecer a lei do discurso, as leis da proposição, o valor e peso específico das palavras, dependendo o valor de suas idéias da lógica e sã construção da frase e do verdadeiro emprego dos vocábulos. O homem pode

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não ser homem de ciência, mas cometerá um crime da lesa sociabilidade, se descurar-se de ser homem de educação, o que a ninguém é livre. Será porventura bem educado aquele que, desprezando a cultura da palavra, o estudo da mecânica da frase desce até quase confundir-se com o bruto? Certamente não. O mecânico, o artista, o agricultor, todos devem saber tão bem a sua língua, como o literato e o homem da ciência.

Era, portanto, finalidade do ensino da Gramática de Língua Vernácula formar, não

só letrados ou cientistas, mas também disciplinar e robustecer o espírito, preparando as

crianças para os estudos superiores. Por defendê-la como a primeira das ciências, Brício

revela ser um intelectual preocupado com a “febre” cientificista que norteava as reformas

dos currículos do

Colégio Pedro II. Apesar da ascensão das ciências naturais, físicas e químicas, o ensino da

Gramática, para ele, excedia-se em importância quando se tratava de construir o

conhecimento necessário à formação do homem civilizado, douto.

Notas

1 Mestre em Educação/ UFS e professora do Curso de Letras da Universidade Tiradentes. 2 O curso de Humanidades foi alvo de inúmeras definições. Considerada como, “antes, e principalmente, uma educação, educação estética, Retórica, mas também igualmente moral e cívica” (cf. CHERVEL, André & COMPÈRE, Marie-Madeleine. As humanidades no ensino. Educação e Pesquisa. São Paulo: FENSP, v. 25, n.2, p.149-170, jul./dez., 1999), as Humanidades imprimiram um modelo de formação intelectual nos séculos em que vigorou. (Cf. SOUZA, Roberto Acízelo. O império da eloqüência: Retórica e poética no Brasil oitocentista. Rio de Janeiro: EDUFF: EDUERJ, 1999). 3 O período das publicações estende-se de 22 de outubro de 1873 a 14 de abril de 1874. 4 Fundado em 1870, o Atheneu Sergipense fora o responsável pelo ensino secundário na Província. Era ele composto dos cursos Normal e de Humanidades. Sobre esse assunto, ver GALLY, Christianne. Brício

Cardoso no cenário das Humanidades do Atheneu Sergipense (1870-1874). São Cristóvão: UFS, 2004. Dissertação de Mestrado; NUNES, Maria Thetis. História da Educação em Sergipe. Rio de Janeiro: Paz e Terra; Aracaju: Secretaria de Educação e Cultura do Estado de Sergipe: Universidade Federal de Sergipe. 1984; CALASANS, José. O ensino público em Aracaju: 1830/1871. Revista do IHGS. Aracaju, v. 15, n.º 20, p. 96-120, 1949/1951; TORRES, Araújo Acrísio. O velho Ateneu Sergipense hoje Colégio Estadual de Sergipe. Aracaju: Imprensa Oficial, 1970.5 Esta dominação reflete a luta pela nacionalidade impressa pela corrente romântica. Sobre esse assunto ver RIBEIRO, João. A língua nacional e outros estudos lingüísticos. Petrópolis: Vozes, 1979; CUNHA, Celso. Língua portuguesa e realidade brasileira. 8ªed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1981; ELIA, Silvio. O

problema da língua brasileira. Rio de Janeiro: INL: MEC, 1961. GUIMARÃES, Eduardo. Língua de civilização e línguas de cultura. A língua nacional do Brasil. In: BARROS, Diana Luz Pessoa de(org.). Osdiscursos do descobrimento. São Paulo: EDUSP; FAPESP, 2000. CASTRO, José Ariel. Formação e desenvolvimento da língua nacional brasileira. .In: COUTINHO, Afrânio (direção)& COUTINHO, Eduardo de Faria (co-direção). A literatura no Brasil. 4ed. São Paulo: Global, 1997. Vol.1. 6 Também conhecida como Gramática Geral, a Gramática filosófica foi a que talvez exercera maior influência no ensino de Gramática da língua portuguesa durante quase todo o século XIX Ela propunha ser a ciência das leis da linguagem às quais se submetiam todas as línguas e utilizava a comparação do vernáculo com o latim. 7 Desde o século XVIII, alguns gramáticos queriam não estipular normas de conduta, mas apenas descrever as línguas, baseando-se no método histórico-comparativo, que dava suporte às mais recentes pesquisas científicas na lingüística.

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8 Era o método histórico-comparativo aplicado à aprendizagem considerado como o mais inovador no ensino da língua vernácula. As doutrinas de Max Muller, Miguel Bréal, Gaston Paris, Whitney, Littré, Darmesteter, Ayer, Brunot, Brachet, Fréderich Diez, Bopp, Adolpho Coelho e outros, passaram a influenciar o ensino da disciplina Gramática, não só inovando seu método de ensino, como também seus mecanismos de exposição dos assuntos inerentes a ela. Sobre esse assunto, ver LEROY, Maurice. As grandes correntes da lingüística moderna. São Paulo:Cultrix, 1971; ROBINS, R. H. Pequena História da Lingüística. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1983; NEF, Frederic. A linguagem: uma abordagem filosófica. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1995. 9 CHERVEL, André. “Quando surgiu o ensino secundário?” Revista da Faculdade de São Paulo, São Paulo, V. 18, n. 1, p.99-112, 1992. 10 O curso de humanidades oferecido pela instrução secundária se destinava “a formar a elite ilustre e ilustrada, inserida mais plenamente nos atributos de liberdade e propriedade, portadora de privilégios do pequeno círculo que participava do poder de Estado, tanto no nível local, quanto no nível mais amplo do Império”. (NUNES, Clarice. O ‘velho’ e ‘bom’ ensino secundário: momentos decisivos. Revista Brasileira

de Educação. n. 14. mai./jun./jul./ago. 2000.) Ainda sobre esse aspecto, ver NUNES, Maria Thétis. O ensino secundário e sociedade brasileira. São Cristóvão: Editora da UFS, 1999.; SILVA, Geraldo Bastos. A

educação secundária: perspectiva histórica e teoria. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1969; e HAIDAR, Maria de Lourdes Mariotto. O ensino secundário no Império. São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo, 1972. 11 Sobre a escolarização dos saberes, ver HEBRARD, Jean. A escolarização dos saberes elementares na época moderna. Revista Teoria & Educação. Porto Alegre: Ed. Pannonica, 1990. 12 Desde as reformas pombalinas, a gramática era considerada a porta dos outros estudos, da qual depende a boa eleição dos mais. Mas este aprendizado não deveria partir do estudo da gramática latina como vinha sendo feito pelos jesuítas. Sobre esse assunto, ver BEZERRA, op. cit.; FÁVERO, Leonor Lopes. As concepções lingüísticas no século XVII: a gramática portuguesa. Campinas,SP: Unicamp, 1996. 13 Em 1870, através do decreto 4.468 de 1º de fevereiro de 1870, “o programa implantado nesse estabelecimento dava sinais de declínio da formação tradicional, com nova queda do latim e da Retórica (...). O quadro de horário das aulas no Colégio Pedro II, de 1865, aponta a diminuição de 23% na carga horária de latim, assinalando mais um degrau rumo ao declínio da formação clássica, queda que se tornaria irreversível e acentuada nos programas seguintes”. (RAZZINI, op. cit.). 14 Ele ainda continua: “aquele que estudou a teoria gramatical na sua língua, facilmente, sem enfado, com pouco trabalho, a estuda nas línguas estranhas. Se tem de aprender as línguas vivas, o conhecimento da língua vernácula faz delas desaparecer toda a dificuldade etimológica e sintática, por tornar-se fácil de achar a razão de certas estruturas gramaticais, e de conhecer e de distinguir caráter e a índole de umas e de outras, restando apenas o embaraço da prosódia, que, nas línguas do norte da Europa, é o desespero dos estudantes”. 15 O conceito de civilização sempre foi bastante discutido na esfera intelectual. Relacionada, às vezes, ao nível de tecnologia, às maneiras e aos costumes de cada sociedade, a idéia de “civilização/Kultur” expressa uma consciência nacional (para os franceses e ingleses) ou ainda uma auto-imagem do estrato intelectual da classe média (para os alemães). Foi a partir da consciência de superioridade ou da consciência de civilização do seu próprio comportamento e sua corporificação na ciência, nas artes e na tecnologia que a França, constituiu, por exemplo, para o ocidente, um padrão do que seria civilização numa sociedade. Cf. ELIAS, Norbert. O processo civilizador: uma história dos costumes. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994. V. 1.

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