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Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)Núcleo de Educação à Distância - Universidade de Pernambuco - Recife

Bezerra, Benedito Gomes

Letras: linguística II / Benedito Gomes Bezerra. - Recife: UPE/NEAD, 2010.

56 p. il.

ISBN

1. Linguística – Estudo e ensino. 2. Linguagem – Estudo e ensino. 3. Língua. I. Universidade de Pernambuco - UPE. II. Título.

B574l

CDU 801

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Impresso no Brasil - Tiragem 150 exemplaresAv. Agamenon Magalhães, s/n - Santo AmaroRecife - Pernambuco - CEP: 50103-010Fone: (81) 3183.3691 - Fax: (81) 3183.3664

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Linguística iiProf. Dr. benedito Gomes bezerra

Carga Horária | 60 horas

EmEnta

Formalismos x funcionalismos em linguística. Linguística cognitiva. Sociocogni-tivismo e sociointeracionismo em linguística. Língua e linguagem em perspectiva sociointeracionista. Teorias de gêneros textuais. Temas em linguística aplicada ao ensino: concepções de língua e linguagem; gêneros textuais e ensino; variação linguística e ensino.

ObjEtivO gEraL

Analisar diferentes teorias sobre língua e linguagem na linguística contemporâ-nea: pontos de aproximação e/ou de afastamento.

aprEsEntaçãO da discipLina

Caro estudante!

Você já teve um primeiro contato com a disciplina Linguística. Espero que te-nha gostado e esteja aproveitando tudo que pode desse campo de estudos tão importante para a sua formação em Letras. Em Linguística II, você terá a oportu-nidade de aprofundar e ampliar sua compreensão do estudo científico dos fatos da língua e da linguagem em geral. Não perca essa oportunidade e retire dela o máximo de proveito.

Nesta disciplina, teremos contato com as principais ideias e teorias sobre os fatos e fenômenos da língua e linguagem em geral e da nossa língua em particular. Com esse estudo, você entenderá por que o ensino de língua portuguesa hoje ocorre de uma forma bastante diferente do que era no passado, uma vez que agora podemos ter uma noção muito mais adequada do que seja aprender uma língua, falar e ouvir, escrever e ler, compreender e ser compreendido.

A Linguística, em sua forma contemporânea, é uma disciplina jovem, mas já conta com uma significativa contribuição para o esclarecimento das questões re-levantes sobre a língua e tudo mais que está relacionado com ela. Você não pode deixar de se beneficiar dessa contribuição.

Portanto, boa sorte e muita disposição para aprender coisas novas nessa etapa de sua formação!

Abraços!Benedito

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7Capítulo 1 77Capítulo 1

ObjEtivOs EspEcíficOs

• Compreenderapolêmicaformalismosxfuncionalismosemlinguística;

• ConhecerasdiversastendênciasfuncionalistasnaEuropa,nosEstadosUni-dos e no Brasil;

• Entenderosprincipaisconceitospropostospelofuncionalismo.

intrOduçãO

Este capítulo apresenta a você as principais questões relacionadas com as tendên-cias funcionalistas em linguística, começando por um olhar contrastivo entre os formalismos, que caracterizaram a maior parte do século XX, e os funcionalis-mos, que se opuseram a estes a partir dos anos de 1970. Em seguida, você com-preenderá, mais a fundo, o que são as diversas teorias funcionalistas, divididas em dois grandes ramos, quais sejam o funcionalismo europeu e o funcionalismo norte-americano, além de algumas informações sobre esse tipo de linguística no Brasil. O capítulo se encerra com uma discussão em detalhe dos principais con-ceitos propostos por uma linguística funcional.

1. a pOLêmica fOrmaLismOs x funciOnaLismOs

Conforme Marcuschi (2008), o século XX testemunhou o triunfo dos formalis-mos de variada espécie. Na linguística, disciplina cuja constituição, nos tempos modernos, tem como marco fundador a publicação do Curso de linguística geral de Ferdinand de Saussure em 1916, os formalismos estiveram representados pelo estruturalismo, iniciado a partir dos estudos do próprio Saussure, e pelo gerati-vismo, teoria proposta por Noam Chomsky em fins da década de 1950.

Já as diversas teorias e tendências da linguística caracterizadas como funciona-lismos tomaram forma especialmente no decorrer da segunda metade do século XX e, aos poucos, ofuscaram as tendências formalistas, assumindo uma posição central nos estudos da linguagem ao fim da primeira década do século XXI. Uma vez que os formalismos representados pelo estruturalismo e pelo gerati-vismo já foram estudados em Linguística I, não entraremos em detalhes sobre eles. Assim, vamos nos concentrar, ao longo deste capítulo, em algumas tendên-cias funcionalistas, detendo-nos, de forma especial, no chamado funcionalismo norte-americano.

Mas em que consiste a oposição formalismo x funcionalismo?

funciOnaLismOs Em Linguística

Prof. Dr. benedito Gomes bezerraCarga Horária | 15 horas

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8 Capítulo 1

Tentaremos entender isso com mais clareza. Pri-meiro, é preciso dizer que o mestre de Genebra, Saussure, não podia senão refletir e, em parte, re-produzir um legado que já recebera dos estudiosos que o precederam, em especial no século XIX. Nes-se século, os estudos da linguagem assumiram uma forte conotação historicista e comparativista, ou seja, os fenômenos linguísticos eram estudados em sua evolução histórica e também numa perspectiva comparativa entre as diversas línguas conhecidas.

De acordo com Marcuschi (2008), Saussure rece-beu como legado da linguística histórico-compara-tiva a concepção de que a língua pode e deve ser vista como uma instituição social, cuja forma é a de um sistema autônomo de significação, totalmente organizado como um sistema de signos arbitrários, que pode, em consequência, ser estudado em si e por si mesmo, sem considerações a respeito do uso linguístico ou do contexto, por exemplo.

Esta era uma maneira de ver a língua inteiramente voltada para a sua forma e não para a sua função, como se tornou mais comum na linguística con-temporânea. Embora Saussure definisse a língua (langue) como uma instituição social e não indivi-dual, o termo “social” não tinha o sentido que a linguística lhe atribui hoje, isto é, um sentido li-gado ao uso da língua pelas pessoas na sociedade. Nas palavras de Marcuschi, “o mestre genebrino concebia a língua como um fenômeno social, mas analisava-a como um código e um sistema de sig-nos” (2008, p. 27).

Assim, tanto o estruturalismo como o gerativis-mo, em suas formas clássicas, negaram qualquer espaço para considerações sobre o uso concreto da linguagem ou, dizendo de outra maneira, so-bre a sua função. Diversos conceitos, formulados de maneira dicotômica (isto é, na forma de pares opostos), caracterizaram a linguística formalista do século XX, na maioria dos casos, definindo o que deveria e o que não deveria ser objeto de estudo. O que ficava de fora invariavelmente tinha a ver com o uso individual, real e concreto da língua e da linguagem. O que era incluído dizia respeito a considerações sobre o sistema abstrato, desvincula-do do uso e apegado às formas.

Entre as diversas dicotomias, típicas da linguística do século XX e hoje decididamente em crise, Mar-cuschi (2008) aponta as seguintes:

Língua (Langue) x fala (parole)Sincronia x diacronia

Significante x significadoSintagmático x paradigmático

Social x individualCompetência x desempenho

Sentido x referênciaConotação x denotação

Literal x figuradoEscrita x fala

A principal característica de um projeto formalista, na linguística do século XX, é a exclusão dos aspec-tos relacionados ao uso e funcionamento do sis-tema linguístico. Em função disso, determinou-se que não cabia à linguística preocupar-se com a fala, que, por ser individual, seria consequentemente tão caótica que não poderia ser objeto de estudo científico.

Entretanto, a preocupação de linguistas como Saussure e Chomsky, entre outros, com um estudo rigorosamente científico da linguagem e da língua não gerou, como consequência, o sucesso desse es-tudo. Na opinião de Marcuschi, “ao que tudo indi-ca, uma das tristes heranças do século XX foi a in-suficiência explicativa e o reducionismo decorrente do projeto formalista” (2008, p. 31). Quer dizer, a preocupação exclusiva com os aspectos formais empobreceu a linguística, diminuiu sua eficácia e a impediu de apresentar explicações mais completas e adequadas dos fenômenos da linguagem.

Nesse contexto, floresceram as tentativas de des-crever a língua não apenas de um ponto de vista formal mas também do ponto de vista de seu fun-cionamento. O que importava, diziam os funcio-nalistas, não era apenas o estudo do sistema como abstração mas o estudo da língua em sua relação com os usuários e com as situações concretas em que ela é usada. Vejamos a seguir a proposta fun-cionalista em detalhe.

2. Os funciOnaLismOs: panOrama

Para uma visão de conjunto dos modelos funcio-nalistas em oposição aos formalistas, veja o quadro abaixo:

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9Capítulo 1

As oposições enfocadas no quadro refletem já uma polêmica aberta entre as propostas funcionalistas que iam se delineando no final do século XX e o paradigma gerativista, a quem se pode atribuir, com exclusividade, todas as teses formalistas, com exceção da primeira, que também era uma marca central no estruturalismo. Quer dizer, a batalha principal dos funcionalistas contemporâneos foi contra Chomsky e o gerativismo e não, contra o estruturalismo saussureano, que a essa altura já ti-nha seu prestígio bastante diminuído.

Como se pode perceber no quadro, o funciona-lismo se apresenta, em contraposição ao estrutu-ralismo e ao gerativismo, como um conjunto de perspectivas teóricas que se preocupam em estudar a relação entre a estrutura gramatical das línguas e os diferentes contextos comunicativos em que são usadas. Não se considera suficiente, portanto, estudar apenas o sistema linguístico como tal. Para os fun-cionalistas, a linguagem tem como função central propiciar a interação social, mais do que transmitir informações ou expressar o pensamento individu-al, embora essas funções não sejam descartadas. O essencial é que, num modelo funcionalista, o estu-do da linguagem concentra-se no uso real da língua e não nas possibilidades abstratas do sistema.

Em síntese, poderíamos afirmar, conforme Cunha (2008), que os funcionalistas defendem duas teses essenciais:

1. A língua desempenha funções que são exter-nas ao sistema linguístico como tal;

2. As funções externas, controladas pelo uso, influenciam a organização interna do sistema linguístico.

Consequentemente, é necessário admitir a existên-cia de fenômenos linguísticos que não podem ser explicados pelo simples apelo à análise gramatical. Imagine o seguinte diálogo:

1. Você é desonesto.2. desonesto é Você.

Do ponto de vista de uma análise formal e tradi-cional, a diferença de A para B é que, em A, temos uma frase na ordem direta (sujeito + verbo de li-gação + predicativo do sujeito), enquanto, em B, encontramos a “mesma” frase em ordem inversa (predicativo do sujeito + verbo de ligação + sujei-to). O sentido de ambas as frases seria idêntico, e a inversão é apenas uma possibilidade do sistema. Note que não há, nessa explicação, nenhuma refe-rência ao contexto de uso dos enunciados.

Já numa explicação do ponto de vista funcionalis-ta, o que causa a inversão em B é um fator externo ao sistema linguístico. No hipotético contexto de uso, que agora é centralmente levado em conta, o primeiro enunciado é um insulto de A dirigido a B, em que “você” é o tópico de que se fala, e “deso-nesto” é o comentário sobre o tópico. Na réplica de B dirigida a A, o tópico passa a ser “desonesto”, e o comentário, “você”. Portanto, o que causa a inver-são no segundo enunciado é o ato de replicar a um insulto, de modo que as necessidades dos falantes acabam interferindo e moldando a organização da própria estrutura linguística.

Traçando uma síntese das tendências teóricas da linguística no século XX, Marcuschi (2008) oferece um quadro composto de cinco diferentes modelos que, de forma simplificada, mostra os principais desenvolvimentos da disciplina desde seu surgi-mento até os dias de hoje.

Formalismos Funcionalismos

Estudo da linguagem como sistema autônomo

Estudo da linguagem em relação com suas funções sociais

A língua como fenômeno mental

A língua como fenômeno social

Os universais linguísti-cos como derivados de herança genética

Os universais linguísticos como derivados dos usos da linguagem

A aquisição da lingua-gem como capacidade inata

A aquisição da lingua-gem como desenvolvi-mento de necessidades comunicativas

Modelos Caracterização

1. Modelos formalistas

Foco na estrutura e no sistema lin-guístico; estudos da língua como código verbal (estruturalismo, ge-rativismo)

2. Modelos pragmáticos

Foco na relação entre a língua e seus usuários; estudos da língua como forma de ação (pragmática)

3. Modelos sociolingüísticos

Foco na percepção e identificação da variação social da linguagem; estudos da língua em sua relação com a sociedade (sociolinguística)

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10 Capítulo 1

Observe que os modelos de 2 a 5 podem todos ser considerados funcionalistas num sentido amplo, uma vez que todos eles se caracterizam por aban-donar uma abordagem meramente formal aos fe-nômenos da linguagem, embora com ênfases, por vezes, muito diferentes. Acrescente-se ainda que as distinções entre um modelo e outro são pou-co mais do que distinções didáticas, pois, na vida real, os modelos tendem a se comunicar bastante e provavelmente pode-se dizer que nenhum linguis-ta pratica um determinado modelo sem nenhuma consideração pelos demais. A prática de aproveitar contribuições teóricas e metodológicas de um e de outro modelo ao invés de se isolar numa perspec-tiva única parece ser, ademais, uma marca que a cada dia vai caracterizando a linguística brasileira por oposição a tendências internacionais.

A figura acima, em que as subdisciplinas que cons-tam no centro se caracterizam como o “núcleo duro” da linguística por oposição às tendências cir-cundantes, representa outra maneira de caracteri-zar abordagens essencialmente formalistas em sua

relação com os modelos funcionalistas. Noutras palavras, também análise da conversação, pragmá-tica, psicolinguística e outras subdisciplinas da lin-guística podem ser consideradas funcionalistas em sentido amplo, enquanto fonologia, morfologia e sintaxe, por exemplo, na maioria das vezes, estão associadas a um estudo linguístico mais formal do que funcional.

Conforme Pezatti (2004), as principais teses fun-cionalistas poderiam ser resumidas como se segue:

1. Recusa das explicações formalistas para os fa-tos da linguagem;

2. A linguagem como instrumento de comunica-ção e interação social;

3. Objeto de estudos baseado no uso real (não-se-paração entre sistema e uso; estudo do sistema subordinado ao uso);

4. Linguagem como ferramenta cuja forma se adapta às funções que exerce;

5. Processos diacrônicos têm motivação funcio-nal;

6. A linguagem não é um fim em si mesmo, mas um requisito pragmático da interação ver-bal;

7. A pragmática abrange e determina a semântica e a sintaxe.

Para os fins de nossa disciplina, é possível classificar os modelos funcionalistas em dois grandes grupos por procedência geo-gráfica: o funcionalismo europeu e o fun-cionalismo norte-americano. Vamos a uma breve caracterização de ambos.

3. O funciOnaLismO EurOpEu

Cunha (2008, p. 159) lembra que, embora muitas vezes contrastado com o estrutu-ralismo clássico, é exatamente das fileiras deste que o funcionalismo emerge. Nesse

sentido, as primeiras análises funcionalistas, espe-cialmente voltadas para os estudos da fonologia, provêm do Círculo Linguístico de Praga, destacan-do o papel dos fonemas em distinguir e demarcar as palavras. Nessa escola, fundada pelo tcheco Vi-

4. Modelos cognitivistas

Foco na linguagem como fenôme-no cognitivo; estudos da língua numa perspectiva dos processos e modelos cognitivos (cognitivismo, sociocognitivismo)

5. Modelos discursivos

Foco no discurso, no texto e na enunciação; estudos da língua numa perspectiva textual e discur-siva (análises do discurso, linguís-tica de texto, teorias enunciativas)

Figura 1: Microlinguística e macrolinguística

Font

e: (W

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200

2, p

. 11)

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11Capítulo 1

lém Mathesius em 1926, os linguistas não concor-davam com a distinção rígida entre sincronia e dia-cronia, conforme defendida por Saussure, assim como não aceitavam a ideia de que a língua fosse um sistema homogêneo.

Os linguistas do Círculo de Praga foram respon-sáveis pelas seguintes contribuições para o funcio-nalismo:

1. O uso dos termos “função” e “funcional”;

2. O estabelecimento dos fundamentos básicos do funcionalismo;

3. A inclusão de parâmetros pragmáticos e dis-cursivos em suas análises.

Entretanto, foi na área dos estudos fonológicos que a Escola de Praga obteve maior destaque, em especial com dois de seus mais ilustres representan-tes, os russos Nikolaj Trubetzkoy e Roman Jakob-son. Responsável por desenvolver os fundamentos da fonologia em geral, Trubetzkoy nos legou as se-guintes contribuições:

1. A definição de uma teoria estruturalista do fo-nema;

2. A distinção funcional entre os conceitos de fo-nética e fonologia;

3. O conceito de fonema como feixe de traços distintivos simultâneos;

4. A teoria dos sistemas fonológicos desenvolvida em parceria com Jakobson.

Segundo a teoria da Escola de Praga, os fonemas, embora tidos como elementos mínimos do sistema linguístico, caracterizam-se como feixes de traços distintivos perfeitamente funcionais no interior do sistema. Dessa forma, se considerarmos o par mínimo /p/ - /b/, temos os seguintes traços, res-pectivamente:

/p/ - oclusivo, bilabial, surdo/b/ - oclusivo, bilabial, sonoro

Portanto, os fonemas /p/ e /b/ distinguem-se tão somente pelo traço de sonoridade. Dizemos que o /b/ é + sonoro e o /p/ é – sonoro. Essa distin-ção (+ ou – sonoro) caracteriza ambos os fonemas

como um par mínimo e permite a diferenciação entre palavras, como pata x bata e pico x bico.

De acordo com Trubetzkoy, os fonemas possuem uma função tríplice: distintiva (vista acima), de-marcadora e expressiva. A função demarcadora é responsável por indicar os limites entre uma e outra palavra na fala. Em português, o acento grá-fico, ao indicar a tonicidade da sílaba na palavra, configura-se como um importante traço suprasseg-mental do fonema, capaz de demarcar a diferença entre “fábrica” (substantivo) e “fabrica” (verbo). A função expressiva refere-se à possibilidade de um fonema ser usado para manifestar o estado emo-cional do falante, como no alongamento da vogal em /liiindo/.

Jakobson, por sua vez, foi o introdutor do conceito de marcação, primeiramente na fonologia e depois na morfologia. O conceito de marcação comporta a oposição entre duas categorias (marcada e não marcada) com base em um traço distintivo e fun-cional. Na fonologia, a distinção entre /p/ e /b/, vista anteriormente, é um bom exemplo. Nesse par, o /b/ é marcado como sonoro, enquanto o /p/ é não marcado quanto a esse traço. No par “meninos” x “menino”, a primeira forma traz a marca “+ plural”, ausente na segunda. “Meninos”, pois, é uma forma marcada quanto à categoria de número. A forma no singular, “menino”, é não marcada (– plural).

Os estudos do linguista fundador do Círculo Lin-guístico de Praga, Vilém Mathesius, deram origem ao que posteriormente se chamaria de análise funcional da sentença ou perspectiva funcional da sentença. No enfoque de Mathesius, um par de orações, como o exposto abaixo, que aparente-mente se refere ao mesmo fato, apenas ordenando os componentes das orações de forma variada, no entanto não é equivalente do ponto de vista prag-mático:

a) Eu já li esse livro.b) Esse livro eu já li.

VOCÊ SABIA?

Embora os linguistas de Praga pensassem em si-

tuações de fala convencionais, hoje será bastante

produtivo considerar a exploração expressiva dos

fonemas em práticas de interação virtual (chats e

outras ferramentas da Internet), em que o alonga-

mento de vogais é um fenômeno bem frequente.

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12 Capítulo 1

O que motivaria a colocação de “esse livro” no fi-nal da frase seria seu status informacional como informação nova. Inversamente em b), o segmento “esse livro” viria para o início do enunciado por se tratar de informação dada ou velha.

Jan Firbas, no começo dos anos de 1960, denomi-na tema a parte da sentença que contém informa-ção dada e, portanto, apresenta menor dinamismo comunicativo. A parte da sentença que contém informação nova e consequentemente possui um elevado grau de dinamismo chama-se rema. Trata-se de uma maneira de descrever funcionalmente a ordenação da sentença, de acordo com o status da informação. Veja o diálogo:

A) O que Maria comprou?B) Maria comprou [T] uma bolsa preta [R].

Em B, “Maria comprou” representa o tema (infor-mação dada em A), e “uma bolsa preta” é o rema (informação nova). A ideia é a de que os segmen-tos com menor dinamismo comunicativo sejam ex-pressos no início da sentença, enquanto as partes de maior dinamismo vêm no final.

A contribuição da Escola de Praga, portanto, foi extremamente relevante por enfatizar o caráter multifuncional da linguagem num contexto em que, como lembra Cunha (2008, p. 161), se enfo-cava “o estudo da linguagem enquanto expressão do pensamento”.

Outras contribuições para o funcionalismo na Eu-ropa vieram da Escola de Genebra, em que Char-les Bally desenvolveu estudos sobre a estilística e seu impacto sobre o sistema, enquanto Henri Frei analisou desvios da gramática normativa do ponto de vista funcional.

No âmbito da Escola de Londres, Michael Halli-day, na década de 1970, desenvolve uma teoria fun-cional que abrange desde as unidades estruturais menores até os textos, além de defender uma semi-ótica social em que a linguagem é tratada como sis-tema semiótico, encarado no contexto dos papéis sociais de cada indivíduo.

Na Holanda, Simon Dik defende, no final da dé-cada de 1970, uma sintaxe funcional em três níveis (sintático, semântico e pragmático), conforme o exemplo:

João chegou cedo.

Em que “João” é sujeito (sintaxe), agente (semântica) e tema (pragmática). Portanto, para Dik, a linguís-tica deve tratar de regras (1) semânticas, sintáticas, morfológicas e fonológicas (estrutura) bem como de regras (2) pragmáticas (interação verbal).

Por último, mas não menos importante, cabe aqui uma também rápida referência ao linguista rome-no Eugenio Coseriu, que teve uma longa e produ-tiva atividade na linguística da segunda metade do século XX. Essa atividade desenvolveu-se em di-versos países onde Coseriu trabalhou ou os quais visitou, incluindoentreelesaItália,oUruguaiea Alemanha, além de passagens pela Argentina, Brasil e outros países. As publicações de Coseriu abrangem os idiomas romeno, italiano, espanhol, alemão, inglês e francês.

Para esse linguista tão importante e culto, o estudo de muitos fenômenos linguísticos, particularmen-te o estudo dos textos como nível autônomo da lin-guagem, só poderia ocorrer como uma abordagem funcional. Para Coseriu (2007), a “verdadeira” e “própria” linguística do texto necessariamente de-veria receber uma “fundamentação funcional”, pois a mera compreensão do significado linguístico pre-sente em um texto não garante a compreensão do sentido desse texto.

No exemplo dado por Coseriu, alguém pode en-tender perfeitamente o conto A metamorfose de Franz Kafka do ponto de vista do que ele signifi-ca, digamos, ao pé da letra: um homem chamado Gregor Samsa acorda e se vê, numa determinada manhã, transformado em um monstruoso inseto. O eventual leitor pode compreender, ainda, os eventos narrados a partir desse fato. Mesmo assim, poderá não alcançar o sentido do texto num senti-do muito mais profundo.

4. funciOnaLismO nOrtE-amEricanO

A diversidade de enfoques autodenominados funcionalistas fez surgir uma inusitada compara-ção. Segundo Elisabeth Bates (citada por NEVES, 1997), o funcionalismo seria como o protestantis-mo: diversos grupos separados que concordam em um só assunto – a rejeição ao papa (no caso dos funcionalistas, entenda-se o “papa” como Noam Chomsky, o fundador do gerativismo).

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13Capítulo 1

NosEstadosUnidos,ocenáriolinguísticofoido-minado inicialmente pelo estruturalismo na linha de Leonard Bloomfield, na primeira metade do sé-culo XX, até que este veio a perder prestígio, sendo ofuscado pelo gerativismo proposto pelo já citado Chomsky nos últimos anos da década de 1950.

O funcionalismo iria se impor gradativamente, a partir do trabalho de alguns precursores que cha-maram a atenção para aspectos pragmáticos e fun-cionais em meio ao estruturalismo e gerativismo prevalecentes. Nomes, como Dwight Bolinger e Joseph Greenberg, fizeram parte dessa história.

Entretanto, é a partir de 1975 que estudos propria-mente funcionalistas se tornam comuns na lin-guística norte-americana. Passa-se a defender, em comum com os funcionalistas europeus, a impossi-bilidade de uma descrição linguística que não leve em conta os aspectos comunicativos e a vinculação entre discurso e gramática. A explicação dos fatos da língua deveria se prender à análise tanto do con-texto linguístico como da situação extralinguística.

Uma tese comum no funcionalismo será a afir-mação de que a gramática é modificada pelo uso. Isso equivale a defender que a língua está sujeita à mudança e variação. Essa tese hoje não causa mais nenhum espanto, mas não era nada comum no contexto do apogeu do gerativismo e da influência continuada do estruturalismo.

Conforme Cunha (2008), o funcionalismo norte-americano tem como marco a publicação de The origins of syntax in discourse [A origem da sintaxe no discurso], de autoria de Gillian Sankoff e Penelo-pe Brown, no ano de 1976. Na obra, as autoras demonstram que as mudanças sintáticas podem efetivamentesermotivadaspelodiscurso.Umase-gunda publicação importante foi From discourse to syntax [Do discurso para a sintaxe] (1979), em que Talmy Givón busca oferecer explicações funcionais paraos fatosgramaticais.Umaterceiraobrarele-vante foi Transitivity in grammar and discourse [Tran-sitividade na gramática e discurso] (1980), em que os autores Sandra Thompson e Paul Hopper argu-mentam sobre a existência de fatores discursivos que condicionam a gramática no que diz respeito à transitividade.

Outro enfoque bastante produtivo resultou da aproximação entre linguística funcional e linguís-tica cognitiva, em particular a tendência represen-

tada por dissidentes do gerativismo como Ronald Langacker, George Lakoff e outros, que rejeitaram a tese chomskyana da autonomia da sintaxe. Esses autores defendem, particularmente, a incorpora-ção dos processos sociocognitivos nos estudos lin-guísticos.

Em síntese, de acordo com Pezatti (2004), três grupos se destacam no funcionalismo norte ame-ricano:

1. o grupo da Califórnia, que inclui Talmy Gi-vón, Sandra Thompson, Wallace Chafe e Paul Hopper, entre outros;

2. o grupo de Buffalo, Nova Iorque, organizado em torno de Van Valin, sob o rótulo de Gra-mática de Papel e Referência (Role and Referen-ce Grammar);

3. o terceiro e último grupo, situado em Berke-ley, também na Califórnia, representa uma tendência funcional-cognitiva, promovida por George Lakoff e Ronald Langacker, conforme visto acima.

Como você pode ver, diversidade é, de fato, uma boa palavra para descrever as diversas formas de funcionalismo.

5. funciOnaLismO nO brasiL

Em nosso país, os estudos funcionalistas ganha-ram impulso a partir da década de 1980 com a constituição de vários grupos de pesquisa e com o espaço criado por esses pesquisadores em eventos científicos e programas de pós-graduação de várias universidades. Cunha (2008) destaca como repre-sentante pioneiro do funcionalismo no Brasil o trabalho de Rodolfo Ilari, publicado em 1987, com o título Perspectiva funcional da frase portuguesa. Nes-se trabalho, o autor explora os conceitos de tema e rema, aplicados à frase em português, seguindo, portanto, na linha do funcionalismo europeu da Escola de Praga.

Entre os projetos e grupos de pesquisa constituí-dos, segundo os princípios funcionalistas, Cunha (2008) aponta:

1. o conhecido Projeto Norma Urbana Culta(NURC), que foi aplicado a cinco capitais

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14 Capítulo 1

brasileiras, entre elas o Recife. Muitos estudos ainda são feitos hoje com base nos dados reu-nidos por esse Projeto;

2. oProjetodeEstudodoUsodaLíngua(Peul),ligadoàUniversidadeFederaldoRiodeJanei-ro (UFRJ), de tendência sociolinguística, emque se destacou a presença do linguista An-thony J. Naro. O grupo foi influenciado pelo funcionalismo norte-americano e, em especial, pelos trabalhos de Talmy Givón;

3. o Grupo de Estudos Discurso & Gramática, composto por pesquisadores de várias univer-sidadesdoRiode Janeiro epelaUniversida-deFederaldoRioGrandedoNorte(UFRN),criado por Sebastião Votre e também baseado no funcionalismo norte-americano, desenvol-vendo estudos principalmente na temática da gramaticalização (ver definição adiante). O li-vro Manual de linguística, organizado por Mário Eduardo Martelotta, embora não se dedique exclusivamente ao funcionalismo, foi produzi-do por autores ligados ao Grupo.

6. funciOnaLismO nOrtE-amEricanO: principais cOncEitOs

Considerando que o funcionalismo norte-ameri-cano apresenta categorias bastante influentes no pensamento linguístico brasileiro, destacaremos os principais conceitos dessa corrente que, como se verá, são conhecidos e aplicados por muitos pes-quisadores que não se identificam a si mesmos primeiramente como funcionalistas, mas como linguistas de texto ou sociolinguistas, por exemplo.

6.1. infOrmatividadE

De acordo com Cunha (2008, p. 166), “o princípio da informatividade focaliza o conhecimento que os interlocutores compartilham, ou supõem que compartilham, na interação verbal”. Na linguística funcional, a aplicação do princípio da informativi-dade está relacionada com o status informacional das palavras numa sentença, o qual interfere em sua posição no enunciado. Do ponto de vista do status, a informação contida numa palavra (refe-rente) pode ser classificada como dada, nova, dis-ponível ou inferível. Vejamos detalhadamente cada uma dessas situações:

1. Informação dada – também chamada de in-formação velha, acontece em duas situações distintas. A informação pode ser considerada velha ou dada, quando: a) já ocorreu no texto ou b) está disponível no contexto de interação. Chamamos a informação que já ocorreu no texto de referente textualmente dado. Por sua vez, a informação disponível na situação de fala chama-se de referente situacionalmente dado. Veja os exemplos dados por Cunha (2008, p. 166):

a) aí o mecânico falou que... (ø) não sabia qual o homem que tinha apertado aquilo ((riso))

b) e: e:: agora eu queria que você me... me dis-sesse... alguma coisa que você sabe fazer... Ou que você... goste de fazer... e como é que se faz isso...

No primeiro caso, o sujeito de “não sabia” é

omitido (a omissão é representada pelo símbo-lo ø) por já ser conhecido dos interlocutores. Trata-se do referente “o mecânico”, que é dado no enunciado anterior. Trata-se de um referen-te textualmente dado.

No segundo caso, somente as pessoas que estão envolvidas na situação de fala expressa pelo enunciado sabem quem está sendo re-presentado pelo termo “você”. Sabemos que “você” é aquela pessoa a quem nos dirigimos como interlocutor. Embora não saibamos de quem exatamente se trata nesse caso, o refe-rente é dado ou velho para os interlocutores. É um exemplo de referente situacionalmente dado.

2. Informação nova – é aquela que está sendo in-troduzida pela primeira vez no discurso. Veja o exemplo, em que os referentes “um ônibus” e “um caminhão” representam informação nova para o interlocutor:

c) aí quando chegou... ali na:: descida/ porque é... Barra... Tijuca... né? quando estava quase chegando a... Tijuca... vinha... um ônibus na:: direção deles... e tinha um caminhão... parado aqui...

3. Informação disponível – refere-se a uma informa-

ção que já consta na mente do ouvinte por ser geralmente um referente único no contexto. É o caso de termos, como “o sol”, “a lua”, “a

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15Capítulo 1

terra”, “Pelé” ou nomes de cidade como “Pe-trópolis”:

d) ... mas... eu fui a Petrópolis com uma amiga...

que nunca tinha subido a serra. 4. Informação inferível – neste caso, o referente é

identificável por um processo inferencial a par-tir de certas informações disponibilizadas para o interlocutor. Cunha (2008) afirma que infor-mações inferíveis normalmente são introduzi-das por artigo definido. No exemplo a seguir, apesar de que não constitui informação dada, o referente “motorista” pode ser inferido da referência a “ônibus”.

e) ... quando ela viu o ônibus passar... mas o

ônibus já estava indo... e ela começou a gritar e todo o ponto de ônibus assim lotado... né? ela começou a gritar pro motorista... mas ela estava um pouco longe...

6.2. icOnicidadE

Este é um princípio caro aos funcionalistas, uma vez que para eles a estrutura da língua revela a estrutu-ra da experiência, ou o funcionamento da mente. Desse modo, o princípio da iconicidade expressa a tese de que há uma correlação natural e motivada entre a forma linguística e sua função, ou entre o código lin-guístico e o significado, entre a expressão e o conteúdo. O princípio não é sempre fácil de sustentar, pois, em muitos casos, a relação forma e função é arbi-trária ou perdeu sua motivação original. Vejamos alguns exemplos em que a relação de motivação (iconicidade) se perdeu:

1. Perda da iconicidade por modificação na es-trutura fonética e morfológica:

Em boa hora > embora

A expressão “em boa hora”, além de sofrer altera-ção fonética e morfológica na sua mudança para “embora”, ainda passa por alterações semânticas, perdendo a relação com “hora”, isto é, tempo. As-sim, para se recuperar o aspecto icônico em “embo-ra”, será necessário retomar a história da palavra, ou seja, será necessário entrar em considerações diacrônicas.

2. Alteração semântica como resultado de pro-cessos metafóricos: o termo “entretanto” pas-

sa, no processo histórico, de um sentido tempo-ral para um sentido adversativo, de modo que sua iconicidade se anula ou fica enfraquecida.

Percebe-se, portanto, que a noção de iconicida-de se torna problemática em várias situações, até porque há situações em que uma só forma corres-ponde a várias funções bem como diversas formas podem corresponder a uma única função. Confira o quadro abaixo:

Em função dessas dificuldades, a iconicidade re-cebeu uma versão moderada, que se manifesta em três princípios:

1. Princípio da quantidade – pelo qual “quan-to maior a quantidade de informação, maior a quantidade de forma” (CUNHA, 2008, p.168). De acordo com esse princípio, a quan-tidade de estrutura linguística corresponde à complexidade do pensamento que se expressa. Confira o exemplo apresentado por Cunha (2008) em que o progressivo aumento no ta-manho das palavras corresponderia a uma am-pliação do nível de complexidade dos respecti-vos conceitos:

Belo > beleza > embelezar > embelezamento 2. Princípio da integração – o qual estabelece

que “os conteúdos que estão mais próximos cognitivamente também estarão mais integra-dosnoníveldacodificação”(CUNHA,2008,p. 168). Dito de outra forma, significaria que a proximidade mental se reflete numa proximi-dade sintática, confirmando a tese funcionalis-ta de que a estrutura linguística reflete os usos sociais bem como os processos cognitivos. Se-gundo o princípio da integração, nas frases a seguir, haveria um progressivo distanciamento

Uma forma Diversas funções

Embora • Concessiva: “Embora tenha estu-dado, não passou.”

• Partícula de afastamento: “Vou-me embora pra Pasárgada...”

Diversas formas Uma função

EmboraMesmo queAinda queApesar de

Concessiva

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16 Capítulo 1

entre as ações expressas pelos verbos “ordenar” e “ficar”, “fazer” e “ficar” e “querer” e “ficar”, respectivamente, que se reflete na ampliação da distância sintática entre a primeira e a últi-ma frase:

a) Maria ordenou: fique aqui. b) Maria fez a filha ficar ali. c) A filha não queria ficar ali. 3. Princípio da ordenação sequencial – segundo

o qual, em primeiro lugar, tende a haver uma ordenação linear das orações no discurso, re-presentando a sequência temporal em que os eventos ocorrem:

Sabe como é feito um bom strogonoff... compra

o camarão:: limpa o camarão... põe o cama-rão... boto cebola... pimentão... tomate... cozi-nho ele... deixo ele cozinhar um pouquinho assim...

Ligado a esse princípio, existe ainda um sub-princípio da relação entre ordem sequencial e topicalidade. Por esse subprincípio, há uma correlação entre o status informacional e a po-sição que o referente assume na frase: infor-mações novas tendem a ocorrer no final da sentença, enquanto as informações velhas vêm no início:

Tenho vários amigos, mas meu preferido é

Carlos. Carlos está sempre comigo nas horas de diversão.

6.3. marcaçãO

O conceito de marcação se refere à oposição es-tabelecida entre dois elementos de uma categoria linguística, nos planos fonológico, morfológico ou sintático, em que um dos elementos será conside-rado marcado e o outro, não marcado. A forma marcada se caracteriza por apresentar um traço ausente na forma oposta, tida como não marcada. Umexemplodeformamarcadaenãomarcada,namorfologia, pode ser dado pela categoria de núme-ro, em que o elemento no plural será marcado, e o elemento no singular, não marcado:

Livros [+ plural]Livro [– plural]

Cunha (2008, p. 170) salienta que as formas não marcadas apresentam várias características:

1. Maior frequência de ocorrência;2. Contexto de ocorrência mais amplo;3. Forma mais simples ou menor;4. Aquisição mais precoce pelas crianças;

Assim, no nível sintático, a marcação resulta numa frase mais rara e, por isso mesmo, mais expressiva, menos neutra. A forma marcada pode expressar as emoções do falante de um modo muito mais claro do que a forma não marcada. Compare os exemplos:

a) Eu uso esta roupa.b) Esta roupa eu uso.

Você entendeu qual é a forma marcada (ou seja, qual é a forma menos comum,

menos frequente etc.)?

Se você pensou na opção b), está completamen-te certo. Agora observe como a opção b) é muito mais expressiva do que a opção a) em que a ordem direta é respeitada.

6.4. transitividadE E pLanO discursivO

Ao contrário da gramática tradicional, a gramática funcionalista não opõe binariamente verbos tran-sitivos a intransitivos. Para Hopper e Thompson (citadosporCUNHA,2008,p.171),a transitivi-dade é uma “propriedade escalar, que focaliza di-ferentes ângulos da transferência da ação de um agente para um paciente em diferentes porções da oração”. Nesse sentido, há uma escala crescente de transitividade nas frases de a) a d), considerando fatores, como a dinamicidade do verbo, a agentivi-dade do sujeito e o efeito sobre o objeto:

a) Esse rio tem uma forte correnteza.b) A Mulher Gato não gostava do Batman.c) Então o Pinguim chegou na festa.d) Batman derrubou o Pinguim com um soco.

Segundo o pensamento funcionalista, a transitivi-dade tem uma função pragmática, sendo constru-ída de acordo com os objetivos do falante e sua percepção sobre o interlocutor. Dessa forma, uma transitividade elevada corresponderia, no texto, à importância do segmento no conjunto do plano discursivo. Expressões menos centrais no pensa-

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17Capítulo 1

mento do produtor do texto poderão ter um grau menor de transitividade.

6.5. gramaticaLizaçãO

Conforme Cunha (2008, p. 173), a gramaticaliza-ção designa “um processo unidirecional, segundo o qual itens lexicais e construções sintáticas, em determinados contextos, passam a assumir funções gramaticais e, uma vez gramaticalizados, continu-am a desenvolver novas funções gramaticais”. É o que acontece nos exemplos abaixo, em que os ele-mentos destacados sofrem um desgaste semântico e assumem funções meramente gramaticais. Veja o exemplo em que o verbo “querer” passa a ser utili-zado como uma simples conjunção alternativa:

Quer chova, quer faça sol...

atividadEs | Escolha um livro didático de língua portuguesa do ensino Fundamental ou Médio, de sua preferência, e responda:

1. Examinando o livro didático, ainda que superficialmente, você diria que a abordagem contida nele é predominantemente formalista ou funcionalista? Justifique sua resposta. 2. Entre os temas funcionalistas destacados neste capítulo, quais deles estão contemplados nas leituras e atividades propostas pelo livro didático? De que forma?

rEsumO

Neste capítulo, vimos um panorama das teorias funcionalistas que vêm sen-do desenvolvidas no âmbito da Linguís-tica. Para introduzir o capítulo, abor-damos a oposição entre formalismos e funcionalismos como uma possibilidade de síntese do pensamento lingüístico, que vigorou no século XX. Em segui-da, apresentamos o funcionalismo em geral, para depois nos determos espe-cificamente nas correntes europeias da teoria bem como no chamado funcio-nalismo norte-americano. Depois de al-gumas informações sobre o impacto do funcionalismo no pensamento linguís-tico brasileiro, estudamos os principais conceitos teóricos apresentados pelas correntes funcionalistas.

SAIBA MAIS!

Se você desejar aprofundar o conteúdo

deste capítulo, pode encontrar muitos

subsídios disponíveis na Internet. Veja

aqui algumas sugestões de leitura:

• Para uma boa síntese da aborda-

gem de Pezatti (2004) a respeito do

funcionalismo em linguística, veja

a página Web http://teoriadalin-

guagem.wikispaces.com/Aula+30-

04-2009, em que você encontrará

a apresentação PowerPoint pre-

parada pela mestranda Amanda

D’Alarme Gimenez sobre o texto

da autora. Se, depois, você desejar

ler o texto integral de Pezatti, veja a

referência ao final deste capítulo.

• Para uma perspectiva integradora

entre linguística formal e linguís-

tica funcional, leia o artigo “For-

malismo e funcionalismo: fatias da

mesma torta” (OLIVEIRA, 2003),

disponível em http://www.uefs.br/

sitientibus/pdf/29/formalismo_e_

funcionalismo_fatias_da_mesma_

torta.pdf.

• Para saber sobre a contribuição

do funcionalismo para o ensino de

língua portuguesa, confira o artigo

escrito por Mariangela Rios de Oli-

veira e Maria Marta Cezario, intitu-

lado “PCN à luz do funcionalismo

linguístico” (OLIVEIRA e CESARIO,

2007), disponível no endereço

http://rle.ucpel.tche.br/php/edico-

es/v10n1/03Maria.pdf.

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18 Capítulo 1

rEfErências

CUNHA, Angélica Furtado da. Funcionalismo. In: MARTELOTTA, Mário Eduardo (Org.). Ma-nual de linguística. São Paulo: Contexto, 2008. p. 157-176.

MARCUSCHI, Luiz A. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo: Pará-bola, 2008.

NEVES, Maria Helena de Moura. A gramática funcional. São Paulo: Martins Fontes, 1997.

OLIVEIRA, Luciano Amaral. Formalismo e fun-cionalismo: fatias da mesma torta. Sitientibus, Feira de Santana, n. 29, p. 95-104, jul./dez. 2003. Disponível em: <http://www.uefs.br/sitientibus/pdf/29/formalismo_e_funcionalis-mo_fatias_da_mesma_torta.pdf> Acesso em: 29 abr. 2010.

OLIVEIRA, Mariangela Rios de; CEZARIO, Ma-ria Marta. PCN à luz do funcionalismo linguís-tico. Linguagem & Ensino, v. 10, n. 1, p. 87-108, jan./jun. 2007. Disponível em: <http://rle.ucpel.tche.br/php/edicoes/v10n1/03Maria.pdf.> Acesso em: 29 abr. 2010.

PEZATTI, Erotilde Goreti. O funcionalismo em linguística. In: MUSSALIM, Fernanda; BENTES, Anna Christina (Org.). Introdução à linguística: fundamentos epistemológicos (v. 3). São Paulo: Cortez, 2004. p. 165-218.

WEEDWOOD, Bárbara. História concisa da lin-guística. São Paulo: Parábola, 2002.

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19Capítulo 2Capítulo 2

dO cOgnitivismO aO sOciOintEraciOnismO

ObjEtivOs EspEcíficOs

• Conhecerapropostateóricaeascontribuiçõesdalinguísticacognitiva;

• CompreenderatransiçãodocognitivismoaosociocognitivismoemLinguís-tica;

• Entenderaperspectiva sociointeracionistae seupapelnaLinguísticacon-temporânea.

intrOduçãO

Neste capítulo, apresentaremos algumas das novas tendências em Linguística, com destaque especial para a linguística cognitiva, o sociocognitivismo e o socio-interacionismo. Você compreenderá como a Linguística seguiu um percurso, em que se moveu de perspectivas intensamente formais, conforme visto no Capítulo 1, para diversificadas perspectivas em que os aspectos sociais e cognitivos passam a ser considerados ao lado dos aspectos linguísticos. Como você poderá verificar, as tendências de que trataremos neste capítulo têm mostrado uma grande influ-ência sobre os rumos do ensino de língua portuguesa em nosso país, o que por si só as credencia como um importante tema de estudo.

1. O cOgnitivismO Em Linguística: rELaçãO cOm O gErativismO

Uma verdadeira revoluçãocognitivista ocorre nos anos de 1950, quando as inves-tigações sobre a relação língua-cognição surgem em oposição ao behaviorismo (comportamentalismo) do-minante. Com origem na psicologia cognitiva, os estu-dos cognitivistas se estabele-cem numa rica inter-relação entre os campos da ciência da computação, matemáti-ca, teoria da informação e linguística, entre outros.

Prof. Dr. benedito Gomes bezerraCarga Horária | 15 horas

Figura 1: Cérebro e linguagem

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20 Capítulo 2

Com o cognitivismo, dá-se uma reabilitação dos processos mentais como objeto de investigação, de modo que as seguintes questões são levantadas:

como o conhecimento é representado e estruturado na mente?

Como a memória se organiza?

A mente é dividida em partes independentes ou há uma conexão entre elas?

O conhecimento é inato ou derivado da experiência?

Como ressaltam Martelotta e Palomanes (2008), o cognitivismo tem um papel de destaque na lin-guística do século XX, por meio da perspectiva ge-rativista de estudo da linguagem. O gerativismo, caracterizado como uma abordagem mentalista aos fatos da língua, põe, em relevo, os aspectos cognitivos envolvidos na compreensão da lingua-gem, mas limita a cognição a questões meramente biológicas. No gerativismo, não se estabelece uma ligação entre a cognição e as questões sociais, cul-turais, históricas e interacionais.

Para o gerativismo, a linguagem é um sistema for-mal e racional que pode ser explicado por uma teoria lógico-matemática. A linguagem seria um componente mental, um módulo entre outros mó-dulos responsáveis pelas diversas ações de que os seres humanos são capazes. Entre as teses clássicas do gerativismo, inclui-se, portanto, a modularida-de da mente, em que se postula um módulo sin-tático autônomo em relação aos demais módulos linguísticos e não linguísticos.

Outra tese fundamental para o sistema gerativista é a do inatismo linguístico: todos os seres huma-nos nascem dotados de uma espécie de dispositivo mental de geração da linguagem, o que consequen-temente dispensará os aspectos sociais, julgando-os irrelevantes para a compreensão dos fenômenos linguísticos.

Característica dos estudos que estamos chamando de linguística cognitiva é uma revisão de vários pos-tulados do gerativismo. Entre eles, a modularidade é repensada e criticada, de modo que se considera que não é necessário distinguir entre conhecimen-to linguístico e outros conhecimentos na mente. As diversas formas de conhecimento operam inte-

gradamente, e não de forma modular. Embora não se questione o inatismo em si, entende-se que as línguas não podem ser explicadas apenas por me-canismos formais e abstratos.

Perguntas importantes e desafiadoras para um cognitivismo mentalista são: como se dá a capta-ção, compreensão e armazenamento de dados da experiência na memória? E ainda, como se dá a organização, acesso, conexão, utilização e transmis-são desses dados? Contra o gerativismo, necessário é afirmar a impossibilidade de separar linguagem, pensamento e experiência. Daí o termo sociocog-nitivismo, pelo qual se confere especial destaque aos aspectos sociais da cognição. Dito de outra for-ma, a significação é entendida como um processo que se define na interação.

2. dO cOgnitivismO aO sOciOcOgnitivismO

Koch e Cunha-Lima (2004, p. 251) ressaltam que o sociocognitivismo, ao contrário do gerativismo, não é um programa de pesquisa bem delimitado nem uma tendência unificada, algo assim como uma “escola”. Antes, se trata de “um conjunto de preocupações e uma agenda investigativa em ascen-são na Linguística atual”.

Compreendida como dissidência do cognitivismo gerativista inaugurado por Chomsky, a Linguísti-ca Cognitiva rompe com o modelo modularista da mente, compreendendo a linguagem como um fenômeno integrado a “uma grande rede de capa-cidades cognitivas da mente humana”, no dizer de Carrara,UchoaeRodrigues(2009).Assim,naLin-guística Cognitiva, a produção e a recepção da lin-guagem conectam-se a uma dimensão experiencial, que é tanto individual como social, integrando modos de vida, cultura e interação. Proponentes célebres dessa visão foram George Lakoff e Ronald Langacker.

De acordo com Martelotta e Palomanes (2008, p. 179), o termo sociocognitivismo enfatiza “a impor-tância do contexto nos processos de significação e o aspecto social da cognição humana”. Desse modo, a cognição deixa de ser visto como um fenômeno apenas mental, individual e estanque e passa a ser considerado no interior de relações sociais, cultu-rais e históricas mais amplas.

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21Capítulo 2

O conceito de cognição, portanto, é significativa-mente ampliado no sociocognitivismo. Para Koch e Cunha-Lima:

Ampliar esse campo significa incluir entre os fatos a serem investigados não apenas capacidades cognitivas nobres, como a linguagem, o raciocínio matemático, mas também fenômenos bem mais simples em sua aparência, como, por exemplo, nossas capacidades de nos movermos em uma sala, sem esbarrar nos móveis; de, dadas diferentes condi-ções de iluminação, enxergarmos as cores de forma consis-tente; ou, ainda, nossa capacidade de, ao balançarmos uma caixa de leite, sabermos, aproximadamente, quanto de leite

resta lá dentro (2004, p. 253).

Nessa concepção, não só o conhecimento é um processo complexo mas também o sentido das ex-pressões linguísticas não é algo pronto e acabado, porém é construído no decorrer da própria intera-ção. Os autores exemplificam esse aspecto com o processodecategorizaçãodarealidade.Umaope-ração simples como reconhecer um objeto como sendo uma xícara de café implica associar represen-tações diversas: visuais (aparência) e táteis (manei-ra de segurar, expectativas sobre a temperatura), olfativas (cheiro do café) e gustativas (sabor especí-fico, modo de consumir). Essas representações são criadas em diferentes regiões do cérebro, sempre que ouvimos ou lemos o nome do objeto.

Além disso, a maneira como categorizamos objetos (por exemplo, a xícara de café) e atividades (como gestos, por exemplo) implica larga medida e aspec-tos marcados por nossa herança sociocultural. As-sim é que o simples ato de tomar café ou fazer um sinal de positivo tem significados bastante peculia-res em culturas diferentes. Numa visão integradora da linguagem, a forma linguística em si é, apenas, uma pista, um fator para a construção do sentido, que se constrói em associação com outros aspectos cognitivos.

Portanto, um aspecto importante no sociocogniti-vismo é o caráter interacional do significado. A gra-mática da língua não é simplesmente um conjunto de regras, mas um conjunto de princípios dinâmi-cos que produzem o sentido quando associados a rotinas cognitivas que são moldadas, sustentadas e modificadas pelo uso diário da língua. A comuni-cação, portanto, é uma atividade compartilhada, co-construída pelos interlocutores. Não cabe a ima-gem de um emissor e um receptor isolados e alter-nando posturas ativas (falante) e passivas (ouvinte) na produção da linguagem. O sociocognitivismo

compreende que os usuários da língua estão no centro mesmo da construção do significado e são co-participantes dessa construção.

O sociocognitivismo, portanto, entende a lingua-gem como uma forma de ação no mundo, que se dá de forma integrada com outras capacidades cognitivas. Para Koch e Cunha-Lima (2004, p. 255), “compreender a linguagem é entender como os falantes se coordenam para fazer alguma coisa juntos, utilizando simultaneamente recursos in-ternos, individuais, cognitivos e recursos sociais”. A questão central para o sociocognitivismo não é, entretanto, como relacionar os aspectos cognitivos e os aspectos sociais, mas como integrá-los numa só questão: o modo como a cognição se constitui no próprio curso da interação.

3. aspEctOs dE uma tEOria cOgnitiva: O pEnsamEntO cOrpOrificadO

Segundo o princípio do pensamento corporifica-do (embodied), baseado no pensamento de George Lakoff, a percepção que temos do mundo é orien-tada e limitada pela percepção que temos do nosso corpo. Desse modo, compreende-se que a mente não é, ao contrário do que diz a noção tradicio-nal, separada do corpo, e o próprio pensamento é corporificado. Isso quer dizer que o pensamento é uma espécie de extensão do corpo, que por sua vez determina nossa percepção de espaço e tempo.

É assim, por exemplo, que falamos de fatos pas-sados e futuros (tempo) em termos de para trás e para frente (noções espaciais) por analogia com a movimentação do nosso corpo:

Cem anos atrás, o mundo era diferente...daqui para frente, as coisas serão diferentes.

Figura 2: De mãos atadasFo

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22 Capítulo 2

à centralidade que conferimos a um elemento em detrimento de outro na mesma cena. O ele-mento em destaque se chama figura e aparece em primeiro plano; o elemento denominado fundo funciona como uma espécie de moldura e não constitui o centro de nossa atenção. Nos enunciados a seguir, temos o “quadro” como figura em a); no enunciado b), “quadro” assu-me o lugar de fundo em relação a “sofá”.

a) O quadro está sobre o sofá. b) O sofá está sob o quadro. c) Enquadres e domínios conceituais – os en-

quadres se entendem como a base do conheci-mento em relação à qual se impõe um determi-nado foco de atenção comunicativa, enquanto os domínios conceituais se definem como con-juntos de conhecimentos estruturados, es-paços de referenciação ativados por formas linguísticas ou por fatores pragmáticos para a construção do significado e Os subdivididos em domínios estáveis e domínios locais (MARTE-LOTTA e PALOMANES, 2008). Para melhor compreensão, confira o esquema:

Vejamos cada um desses conceitos:

1. Domínios estáveis são conjuntos de conheci-mentos bastante gerais, armazenados na me-mória pessoal ou social, como uma espécie de herança da humanidade, subdivididos, confor-me o esquema em modelos cognitivos idealizados, molduras comunicativas e esquemas imagéticos.

Nesse caso, o corpo e a noção de espaço se tornam a base de nossos sistemas perceptuais, levando à conclusão de que os processos abstratos, entre eles a noção de tempo, são essencialmente metafóricos. Segundo essa teoria, o sentido se constrói metafo-ricamente através da gradual extensão do sentido, a partir de noções espaciais até noções mais abs-tratas. Confira o exemplo dado por Martelotta e Palomanes (2008, p. 182), que transportamos para o quadro abaixo:

Encarado dessa forma, o corpo entra decisivamen-te na construção dos sentidos que resulta de nossa interação com os objetos no mundo. Os sentidos são, de acordo com os cognitivistas, entidades concei-tuais, e as formas da língua são recursos para a re-presentação de cenas e fatos da vida. Toda ativida-de de conceitualização é atividade situada, ou seja, ligada à perspectiva do falante ou, dito de outra forma, dependente do lugar que seu corpo ocupa na situação de uso da língua.

Martelotta e Palomanes (2008) exemplificam isso com as noções de ponto de vista, alinhamento de fi-gura e fundo e enquadre comunicativo. Vejamos exem-plos de cada uma delas:

a) Ponto de vista – nos exemplos abaixo, para dentro ou para fora correspondem simplesmen-te ao lugar em que o falante se situa cognitiva e corporalmente. Essencialmente, a cena é a mesma, e o fenômeno descrito é idêntico nos dois enunciados.

a) O caminho para dentro da floresta é

tortuoso. b) O caminho para fora da floresta é tor-

tuoso. b) Alinhamento de figura e fundo – neste

caso, a relação figura-fundo diz respeito

Frase Noção

O ministro foi para São Paulo.

Espaço

O ministro adiou a en-trevista para amanhã.

Tempo

O ministro elaborou o relatório para mudar a opinião do presidente.

Finalidade

O ministro entregou o relatório para o presi-dente.

Movimento/destino

Domínios conceituais

Domínios estáveis

Domínios locais

Modelos cognitivos

Moldurascomunicativas

Esquemasimagéticos

Espaçosmentais

Definição Exemplo

Modelos cognitivos idealizados

Estruturas pelas quais o conhe-cimento sobre entidades, eventos e atividades é orga-nizado

Domingo é um con-ceito compreendido no interior da cons-trução sociocultural de semana

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23Capítulo 2

2. Domínios locais (espaços mentais) são opera-dores do processamento cognitivo, de caráter dinâmico e sequencial, que podem ser ativa-dos por conectores, os quais exercem o papel de construtores de espaços mentais (conectivos, sintagmas preposicionais ou adverbiais, ora-ções). Veja alguns exemplos de espaços men-tais:

4. tEOria sOciOcOgnitiva da mEtáfOra

A partir da publicação de obras, como o livro Me-taphors we live by (1980), de George Lakoff e Mark Johnson, traduzido para o português como Metáfo-ras da vida cotidiana (2002), foram lançadas as bases para uma nova compreensão desse fenômeno, que sempre foi considerado apenas como uma “figura de linguagem” e frequentemente circunscrita ao domínio da literatura. Os estudos realizados nes-sa linha resultaram numa teoria sociocognitiva da metáfora que, em parte, já estudamos no tópico anterior, quando tratamos do pensamento corpo-rificado.

Para Lakoff e Johnson (2002), a metáfora não é uma propriedade, apenas, da literatura ou mesmo da linguística, mas determina, so-bretudo, a forma como pensamos e agimos. Assim, todo o nosso sistema conceptual seria metafórico por natureza. Nossa forma de pen-sar e agir é metafórica por natureza. A metáfo-ra, portanto, longe de ser apenas uma figura de linguagem, é um fenômeno que determina a maneira como conceitualizamos nossa expe-riência corpórea e social no mundo.

As metáforas, conforme esses autores, podem ser classificadas como conceituais, orientacio-

nais e ontológicas. Veremos cada um desses tipos.

Por meio de metáforas do tipo conceitual, articu-lamos conceitos diversos que fazem parte de nos-savidadiária.Umexemplodessasmetáforas,quepodemoscitaraqui,éDISCUSSÃOÉGUERRA.A partir dessa metáfora, encontramos afirmações como:

Seus argumentos são indefensáveis.Ele atacou cada ponto fraco do meu argumento.

Suas críticas atingiram o alvo.Eu demoli o argumento dele.

Jamais venci um debate com ele.Ele arrasou com todos os meus argumentos.

As metáforas orientacionais tomam o corpo como referência muito clara, particularmente com base na noção de espaço, como vimos anteriormente. Exemplos de metáforas dessa categoria são BOM É PARACIMA eMAUÉ PARABAIXO. Essasmetáforas geram enunciados como:

Ele me deixou com o ânimo elevado.Estávamos sempre de alto astral.

Fomos bem-sucedidos e ficamos por cima.Suas palavras me deixaram na fossa.

Estava me sentindo no fundo do abismo.Ela estava extremamente deprimida/para baixo.

Já as metáforas ontológicas tomam por base a nos-sa experiência com objetos e entidades físicas, por meio das quais explicamos noções abstratas, como eventos, emoções e ideias. Essas metáforas assumem a forma de esquemas imagéticos, como a noção de contentor (objeto que contém outros objetos ou substâncias). A metáfora O CORPO HUMANOÉCONTENTORDEEMOÇÕESéresponsável por frases como:

Molduras comunicativas

Estruturas de co-nhecimento relacio-nadas com formas organizadas de interação

Uma aula tem uma forma própria de organização em que os participantes cumprem papéis so-cialmente previstos e estabelecidos

Esquemas imagéticos

“Estrutura abstracta que tem por base a experiência humana na sua interacção fí-sica e corporal com o mundo” (FERRÃO, 2010)

Recipiente, origem-percurso-destino, parte-todo, em cima-embaixo, dentro-fora, atrás-à frente

Espaços mentais Modelos

Na novela, o ator brasileiro é americano.

Modelo cultural

Na fotografia, Brad Pitt está feio.

Imagem

No Brasil, as pessoas não falam inglês.

Lugar

Quando eu era pequeno, eu assistia desenho animado.

Tempo

Se ele estivesse aqui, saberia como agir.

Hipótese

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24 Capítulo 2

Eles quase explodiram de alegria.Estava prestes a rebentar de tanta raiva.Não podia se conter de tanta emoção.

Conforme defendem Lakoff e Johnson (2002), as metáforas são estruturadas em termos de “cone-xões entre domínios cognitivos”, quer dizer, entre um domínio fonte (guerra) e um domínio alvo (discus-são). Verificamos, então, o princípio de projeção, pelo qual os elementos próprios do domínio fonte são projetados sobre o domínio alvo. É assim que usamos termos próprios da guerra para descrever uma discussão e nem nos damos conta disso. Pode-mos presumir que, numa cultura não competitiva como a nossa, a discussão pudesse ser metaforizada de uma forma totalmente diferente (talvez como uma dança, por exemplo). A metáfora, na verdade, tanto estrutura como é estruturada por nossos pró-prios valores culturais.

A construção do sentido, nos parâmetros estabele-cidos pela linguística cognitiva, se realiza com base no princípio de projeção, responsável por estabe-lecer diferentes formas de ligação entre domínios cognitivos (domínio fonte e domínio alvo). Pode-mos falar aqui de três formas de projeção:

a) Projeção de domínios conceituais estrutura-dos – forma de projeção bem representada nas metáforas e analogias. Por exemplo, as metáfo-ras em que o tempo (domínio alvo) é descrito como espaço (domínio fonte). Nessa metáfora, falamos de tempo como se fosse um lugar atrás ou na frente.

Cem anos atrás, a transmissão das informa-

ções era mais difícil. “Daqui pra frente, tudo vai ser diferente.” OutroexemploéametáforaCOMUNICAR

(domínio alvo) É ENVIAR (domínio fonte), em que falamos de ideias como se fossem obje-tos que enviamos de um lugar para outro e de pessoa para pessoa.

Não soube passar a ideia. Não recebeu bem minhas palavras. Não sei colocar isso em palavras. b) Projeção de funções pragmáticas – forma de

projeção que se dá em virtude de uma relação estabelecida pragmaticamente, como acontece nas metonímias do tipo:

Joana nunca leu Machado de Assis. O que se estabelece é uma relação entre o

autor e sua obra, de modo que o enunciado deverá ser entendido como “Joana nunca leu os livros que compõem a obra de Machado de Assis”, e não como se ela literalmente jamais tivesse lido o autor propriamente.

c) Projeção entre espaços mentais – nessa for-ma de projeção, os sentidos são construídos na relação entre espaços mentais, ligados por sistema de referenciação (por analogia) entre distintos domínios cognitivos. No seguinte exemplo de Martelotta e Palomanes (2008), os espaços mentais em questão dizem respeito à vida e à pintura, e o enunciado propõe uma construção do sentido em que a vida é projeta-da como sendo uma tela.

A vida tem a cor que você pinta. O processo que estabelece as relações de proje-

ção entre domínios é também compreendido como mesclagem de espaços mentais, na teoria proposta por Gilles Fauconnier, na década de 1980.Umexemplodousodesseprocessocog-nitivo se encontra na frase a seguir, em que espaços mentais diferentes se relacionam para formar um espaço-mescla:

A floresta amazônica é o pulmão do mundo.

Podemos fazer a seguinte representação do enun-ciado, explicitando os espaços em relação:

Espaço fonte 1 Floresta amazônica (parte)Mundo (todo)

Espaço fonte 2 Pulmão (parte)Corpo humano (todo)

Esquema imagético

Árvores “respiram” gás carbônico e liberam oxigênioPulmões respiram oxigênio e liberam gás carbônico

Espaço-mescla A Amazônia é importante para o mundo, pois lhe oferece ar puro.

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25Capítulo 2

Como foi dito no início, o cognitivismo e o so-ciocognitivismo não são programas de pesquisa ou escolas teóricas fechadas, mas tendências variadas e representadas por diferentes autores. Outras no-ções e outros autores, como Eleanor Rosch, e a teoria dos protótipos, por exemplo, poderiam ter sido incluídos neste tópico, mas optamos por nos restringir aos temas de que tratamos até aqui.

5. sObrE O intEraciOnismO Em Linguística

Como você facilmente perceberá, não é possível falar das diversas tendências ou modelos epistemo-lógicos vigentes em Linguística sem algum grau de sobreposição teórica. Assim como não é possível falar de cognitivismo sem de algum modo tocar em tendências que já foram tratadas sob o rótulo de funcionalismo, igualmente não será possível enfo-car os modelos interacionistas sem mencionar as abordagens cognitivistas com as quais eles, muitas vezes, estão relacionados. É importante frisar que não estamos tratando de escolas de pensamento ou teorias linguísticas em sentido restrito e, sim, dos fundamentos epistemológicos que embasam as correntes mais produtivas na Linguística contem-porânea.

Para apresentarmos um panorama bastante geral sobre o interacionismo no campo linguístico, to-maremos como nossa principal fonte de informa-ção o ensaio de Morato (2004) sobre esse assunto. Para a autora, em um sentido mais amplo, pode-mos considerar como interacionistas disciplinas

lingüísticas, como a Pragmática, a Sociolinguísti-ca, a Psicolinguística, a Semântica Enunciativa, a Análise da Conversação, a Linguística Textual e a Análise do Discurso, entre outras, uma vez que todas elas se caracterizam por uma reação contra o “psicologismo”, que dominava as ciências da lin-guagem até a segunda metade do século XX, além de que “se pautam por uma postura externalista a respeito da linguagem” (p. 312).

Com o tempo, o interacionismo se afirmou como uma importante perspectiva para o estudo da lin-guagem e outros aspectos da vida humana, con-siderando-se que “toda ação humana procede da interação”. Para Morato (2004), isso significa que a Linguística cometeria um grave equívoco sempre que negligenciasse ou deixasse de considerar “que existe língua, porque existem falantes e que os fa-lantes existem em função das ações que os instam de várias maneiras e em diferentes níveis de exigên-cia a permanecer em relação a alguma coisa e na relação com alguma coisa” (p. 313).

Entretanto, embora seja consenso que o interacio-nismo constitui uma abordagem central nos estu-dos da linguagem, não se pode dizer que haja uma compreensão única sobre o conceito nem que to-dos os pesquisadores querem dizer a mesma coisa quando se referem à interação e ao interacionismo. De acordo com Morato (2004, p. 315), “aquilo que chamamos algo genericamente de interacionismo parece ser de fato um mosaico de inteligibilidades e métodos”.

Apesar da diversidade de pensamentos e teses de-fendidas, o interacionismo é marcado por ideias bastante características. Vejamos algumas:

a) A noção de uso da língua como ação conjun-ta: a interação supõe a presença de indivíduos em ação, seja ela conflituosa ou cooperativa, de modo que o estudo do fenômeno permite indagar sobre a qualidade e as circunstâncias em que se dá o encontro dessas pessoas em variados contextos, práticas e situações.

b) A interação é constitutiva do sentido, ou seja,

o sentido é produto da interação, uma vez que precisamos do outro tanto para sabermos o que dizer como para construir o sentido do que dizemos. A interação, portanto, não é algo simplesmente externo à linguagem, mas é con-dição de sua realização.

Figura 3: Interacionismo

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26 Capítulo 2

c) A noção de cognição situada: existe uma re-lação de interdependência entre ação e refle-xão. O contexto social, interacional, em que a atividade se desenvolve faz parte da própria atividade, não sendo apenas uma espécie de moldura para o seu desenrolar. Assim, “todo ato cognitivo deve ser visto como uma respos-ta específica para um conjunto de circunstân-cias” (MORATO, 2004, p. 327).

Essas e outras ideias subjazem aos diversos enfoques que podem ser destacados como interacionistas.

6. dEstaquEs EntrE Os EnfOquEs intEraciOnistas

A chamada Linguística Interacional considera como “material interativo” aspectos como as prá-ticas, estratégias e operações de linguagem, as di-nâmicas de trocas conversacionais, a comunicação verbal e não verbal, a construção de valores cultu-rais, as atividades referenciais e inferenciais reali-zadas pelos falantes e as normas pragmáticas que governam a utilização da linguagem, entre outros. Apesar da ênfase na ação conjunta, cabe dizer que monólogos, solilóquios e discurso interior tam-bém são considerados como interacionais.

A linguista suíça Lorenza Mondada defende que o estudo interacional da linguagem deve conceder à interação “um papel constitutivo não apenas nas práticas dos falantes e das falantes como também na estruturação dos recursos linguísticos” (citada por Morato, 2004, p. 336). Esse estudo deve ser levado a sério a ponto de causar uma verdadeira redefinição metodológica nos procedimentos da Linguística. Para Mondada, o simples trabalho com dados transcritos da interação oral, por exem-plo, não significa que o pesquisador está fazendo Linguística Interacional. O pesquisador deveria ir além e mergulhar mesmo na vida dos sujeitos pesquisados e interagir com o objeto de sua pes-quisa. De acordo com a pesquisadora suíça, quatro tendências atuais favorecem o crescimento dessa forma de fazer linguística:

a) o surgimento de gramáticas do uso oral;

b) o estabelecimento de corpora (conjuntos de dados) orais autênticos e sociolinguisticamen-te diversificados;

c) o interesse de correntes, como a Sociolinguís-tica Interacional, a Pragmática e a Análise do Discurso pela interação verbal;

d) a difusão de uma Análise da Conversação de inspiração etnometodológica.

O sociointeracionismo ou interacionismo socio-cultural derivado de Lev Vygotsky, por sua vez, se concentrou no desenvolvimento da cognição, com base na interação social por meio da linguagem. Para Morato (2004), temas, como a construção da referência, os processos meta, o discurso interior, a indeterminação semântica, o contexto pragmáti-co das operações cognitivas e a reflexividade, entre outros, foram dinamizados na Linguística, a partir de uma herança dos trabalhos de Vygotsky sobre a cognição humana.

Para Vygotsky, o pensamento é mediado tanto ex-ternamente pelos signos linguísticos como interna-mente pelos sentidos. A linguagem é uma forma privilegiada de cognição, que se realiza de duas ma-neiras: primeiro, é por meio da linguagem que a criança experimenta o processo de internalização, pelo qual passa da condição de interpretada pelo discurso do outro (os pais, por exemplo) para intér-prete das pessoas e das coisas no mundo.

Em segundo lugar, e consequentemente, no pro-cesso de internalização, a linguagem exerce uma função organizadora que emerge na relação entre fala e ação. Isso determina toda uma transforma-ção cognitiva na criança. Conforme Vygotsky:

Umavezqueascriançasaprendemausarefetivamenteafunção planejadora de sua linguagem, o seu campo psico-lógicomudaradicalmente.Umavisãodofuturoé,agora,parte integrante de suas abordagens ao ambiente imedia-to... com a ajuda da fala, as crianças adquirem a capacidade de ser tanto sujeito como objeto de seu próprio comporta-mento (citado por MORATO, 2004, p. 325).

Como se pode perceber, em Vygotsky, interação e cognição são fenômenos intrinsecamente relacio-nados, o que também é um aspecto muito presente em várias correntes linguísticas contemporâneas.

Relacionada com o nome do pensador russo Mi-khail Bakhtin, verificamos, na Linguística de hoje, “uma teoria social forte aplicada ao entendimento da noção de interação” com grande influência em vários domínios. A interação verbal ocupa, para

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27Capítulo 2

Bakhtin, um lugar central no funcionamento das relações sociais, apresentando-se mesmo com a “realidade fundamental da língua”. Na leitura que Geraldi (citado por Morato) faz de Bakhtin, “os sujeitos se constituem como tais, à medida que in-teragem com os outros” (2004, p. 331). Essa intera-ção acontece em um contexto social e histórico, de modo que interação verbal e interação social estão necessariamente ligadas. A concepção de interação em Bakhtin se relaciona com a noção de dialogis-mo como característica da linguagem humana. Dito de outra forma, a interação tem um lugar central na linguagem, porque esta é inerentemente dialógica: o outro sempre está presente no discurso de um determinado falante, ainda que se trate de um monólogo ou do chamado discurso interior.

7. O (sOciO)intEraciOnismO E Os EstudOs dO tExtO nO brasiL

Ainda seguindo o estudo de Morato (2004) so-bre o interacionismo, destacaremos, nessa seção, o impacto dessa abordagem sobre a pesquisa em Linguística no Brasil. Apesar de reconhecermos igualmente uma grande diversidade desses estu-dos no país, com muitos representantes de valor e com abordagens muito variadas que podem ser classificadas como interacionistas, concordamos com Morato (2004) em destacar aqueles que são os dois linguistas, cujo trabalho representa um marco indiscutível nos estudos do texto falado e escrito no Brasil. Ao destacar o trabalho de Luiz Antonio Marcuschi e Ingedore Grünfeld Villaça Koch, faze-mos igualmente a opção de enfatizar os estudos do texto em especial, embora a pesquisa interacionista possa legitimamente seguir, e de fato siga, outros rumos além deste.

Marcuschi e Koch se alinham com uma “aborda-gem interacionista de base sociocognitiva” (MO-RATO, 2004, p. 338), por meio da qual têm-se dedicado ao estudo da conversação face a face, da textualidade, do processamento textual, da referen-ciação, da construção dos objetos de discurso, dos processos de compreensão, da metáfora e da rela-ção entre sentido literal – não literal, entre outros temas.

A partir dessa perspectiva, Marcuschi identifica como percurso produtivo para a Linguística “o ca-minho que vai do código para a cognição”, enten-

dido como um percurso em que “o conhecimento seja um produto das interações sociais e não de uma mente isolada e individual”. Nessa inter-rela-ção entre interação e cognição, esta “passa a ser vista como uma construção social e não individu-al, de modo que para uma boa teoria da cognição precisamos, além de uma teoria linguística, tam-bémdeumateoriasocial”(MARCUSCHI,2003,p. 45).

Operando com um conceito de língua como ati-vidade sociointerativa situada e não como mero sistema de formas ou como simples código, Mar-cuschi defende que é “na interação (seja com um texto ou um outro indivíduo) que emergem os sen-tidos numa espécie de ação coletiva”. Essa perspec-tiva adotada por Marcuschi se reflete não só em seus trabalhos mas também em muitos outros que foram influenciados por ele, mostrando-se uma linha muito produtiva na pesquisa linguística bra-sileira.

Os estudos das atividades textuais-discursivas re-alizados por Marcuschi e Koch, em geral abriga-dos sob o rótulo de Linguística Textual, sempre estiveram muito próximos, chegando mesmo a surgir como fruto de diálogo e parceria entre os dois pesquisadores. Koch (2001, p. 66) define a lin-guagem como “inter-ação, ação inter-individual e, portanto, social”, alinhando-se a uma concepção de língua como atividade social e interacional. O funcionamento da língua, apoiado formalmente numa gramática específica, se dá, de modo especial e necessário, “no interior de situações sociais” às quais as ações linguísticas se dirigem para construir e reconstruir. Nessa concepção, Morato (2004, p. 340) observa que a linguagem “não está ligada à ação ou ao outro, ela é a ação”. Considerada como atividade, a linguagem resulta de estratégias de na-tureza diversificada:

a) Estratégias cognitivas, em que estratégias são entendidas como instruções globais “para cada escolha a ser feita no curso da ação”;

b) Estratégias sociointeracionais, que incluem a maneira de realizar os diversos atos de fala, a preservação das faces e a polidez, entre outros aspectos;

c) Estratégias textualizadoras, que dizem respei-to à forma de organização das informações, formas de referenciação e de “balanceamento entre explícito e implícito”.

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28 Capítulo 2

Para Koch, os textos são formas de cognição social que permitem aos seres humanos organizarem o mundo em que vivem. Os textos são estratégias de organização cognitiva da própria realidade social, de modo que muitos aspectos dessa realidade só existem enquanto organizados discursivamente.

Em suma, a noção de interação, ou de sociointe-ração, assume hoje uma importância decisiva nos estudos linguísticos contemporâneos. Em balanço final do seu estudo sobre o interacionismo, Mora-to (2004) apresenta quatro pontos para reflexão:

• Primeiro, a autora fazumacríticaao fatodeque muitos usam “interação” e “interacionis-mo” sem definir com clareza o que querem dizer com isso. Notamos que isso se reflete não só nos estudos acadêmicos mas também no discurso pedagógico, em que professores da Educação Básica, por exemplo, repetem esses termos sem mostrar uma compreensão ade-quada do que estão dizendo.

• Segundo,Morato(2004)destacaanecessidade

de pensar a linguagem em relação com outros fenômenos que também fazem parte do con-ceito de interação. Isso significa falar de inte-ração verbal em relação com interação social e interação interpessoal, por exemplo.

• Terceiro,destacam-seasvantagensqueouso

do conceito de interação tem trazido para o avanço da ciência linguística. Podemos ir além e reconhecer esse avanço também no plano do ensino, que hoje deixa de ser, apenas, trans-missão de formas e regras linguísticas e requer uma firme consideração dos aspectos sociais, cognitivos e interacionais relacionados, sobre-tudo, com a leitura e produção de textos.

• Porúltimo,aautora levantaa seguinteques-

tão: o “interacional” seria uma dimensão do estudo da linguagem, um aspecto do tema, ou a linguagem efetivamente deve ser vista de uma perspectiva interacionista mais global? Para Morato (2004), essa é uma questão a ser respondida pelos pesquisadores.

Independentemente dos questionamentos, aliás, necessários para o avanço da ciência, a autora re-conhece que a noção de interação é responsável hoje por boa parte do status da Linguística como ciência relevante para a nossa época. A interação e

o interacionismo são, com toda certeza, noções es-senciais não só para a compreensão da linguagem e da língua mas também para a aplicação dessa com-preensão ao ensino.

rEsumO

Neste capítulo, tivemos como objetivo conhecer algumas tendências que ali-mentam, com muita força, as principais teorias linguísticas contemporâneas. Em razão disso, examinamos a proposta te-órica e as contribuições apresentadas pelos modelos cognitivistas e meados do século passado. Vimos que o cog-nitivismo, tomado inicialmente como fenômeno estanque e individual, foi suplantado por uma perspectiva social que deu origem ao termo cognitivismo social ou simplesmente sociocognitivis-mo, que teve e tem uma grande e pro-dutiva influência sobre a Linguística. A partir daí, apresentamos a você as no-ções de interação e interacionismo em diversas perspectivas, destacando, no final de nosso capítulo, a contribuição e a influência de um interacionismo social ou sociointeracionismo sobre a Linguís-tica no Brasil. Para isso, destacamos es-pecialmente a obra e o pensamento de dois linguistas extremamente influentes no país, Marcuschi e Koch, cujas pes-quisas têm se voltado preferencialmente para os estudos do texto escrito e falado.

Mais uma vez chamamos sua atenção para a importância que as tendências estudadas neste capítulo têm não só como teoria mas como conhecimentos construídos e aplicados, de modo espe-cial, ao ensino de língua portuguesa em nosso país.

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29Capítulo 2

atividadE | Para resolver a atividade a seguir, você novamente precisará utilizar um livro di-dático de língua portuguesa, do ensino Fun-damental ou Médio, como objeto de análise.

1. Examine o que o livro didático diz sobre metáforas. Como se define a metáfora? Que atividades são propostas com metáforas e figu-ras de linguagem?

2. Há algo em comum entre o tratamento da metáfora no livro didático e neste capítulo deste livro? Diferenças? Comente.

SAIBA MAIS!

Para aprofundar os temas tratados nes-

te capítulo, seguem algumas sugestões:

• Para uma apresentação da teoria

cognitivista da metáfora, veja o tex-

to de Maria Clara Teodoro Ferrão

em http://www.ifl.pt/arquipelago/

files/1/metafora%20conceptual.

pdf.

• Para um curioso trabalho de pes-

quisa que aplica os conhecimentos

sobre metáforas a piadas, veja o

texto “A metáfora SEXO É ALIMEN-

TO como estratégia de coerência

textual nas piadas” no endereço:

http://www.ufjf.br/revistagatilho/

files/2009/12/ARTIGO1.-A-meta-

fora-SEXO-ALIMENTO.pdf.

• Para um estudo sobre o chamado

interacionismo simbólico, consulte o

endereço: http://www.sepq.org.br/

IIsipeq/anais/pdf/mr1/mr1_4.pdf.

• Sobre as contribuições do intera-

cionismo sociodiscursivo, tendência

ligada ao nome de Jean-Paul Bron-

ckart, para o letramento escolar,

leia o texto que se encontra em:

http://www.unisinos.br/publicaco-

es_cientificas/images/stories/pdfs_

calidoscopio/13calidoscopiov2n2_

artigo08.pdf.

rEfErências

CARRARA, Anna Carolina F.; UCHOA, Danielle N.; RODRIGUES, Paulo S. A metáfora SEXO É ALIMENTO como estratégia de coerência tex-tual nas piadas. Juiz de Fora/MG, Revista Ga-tilho, p. 1-15, 2009. Disponível em: <http://www.ufjf.br/revistagatilho/files/2009/12/AR-TIGO1. -A-metafora-SEXO-ALIMENTO.pdf> Acesso em: 20 maio 2010.

FERRÃO, Maria Clara Teodoro. Teoria da me-táfora conceptual: uma breve introdução. Dis-ponível em: <http://www.ifl.pt/arquipelago/files/1/metafora%20conceptual.pdf> Acesso em: 04 jun. 2010.

KOCH, Ingedore G. V. A inter-ação pela lingua-gem. 6. ed. São Paulo: Contexto, 2001.

KOCH, Ingedore Villaça; CUNHA-LIMA, Maria Luíza. Do cognitivismo ao sociocognitivismo. In: MUSSALIM, Fernanda; BENTES, Anna Chris-tina (Org.). Introdução à linguística: fundamen-tos epistemológicos (v. 3). São Paulo: Cortez, 2004. p. 251-300.

MARCUSCHI, Luiz Antonio. Do código para a cognição: o processo referencial como ativida-de criativa. Juiz de Fora/MG, Veredas, v. 6, n. 1, p. 43-62, jan.-jun. 2002 [2003].

MARTELOTTA, Mário Eduardo; PALOMANES, Roza. Linguística cognitiva. In: MARTELOTTA, Mário Eduardo (Org.). Manual de linguística. São Paulo: Contexto, 2008. p. 177-192.

MORATO, Edwiges Maria. O interacionismo no campo linguístico. In: MUSSALIM, Fernanda; BENTES, Anna Christina (Org.). Introdução à linguística: fundamentos epistemológicos (v. 3). São Paulo: Cortez, 2004. p. 311-351.

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31Capítulo 3Capítulo 3

tEOria dOs gênErOs tExtuais

ObjEtivOs EspEcíficOs

• Compreenderaamplitudeeaimportânciadoconceitodegênerostextuais;

• Conhecerasdiversasabordagensteóricasepráticasàquestãodosgênerostextuais;

• Refletirsobreasimplicaçõesdeumateoriadegênerosparaoensinodelín-gua portuguesa.

intrOduçãO

O objeto deste capítulo, ao contrário dos anteriores, não serão os modelos ou paradigmas epistemológicos que alimentam as diversas tendências da linguísti-ca contemporânea. Trataremos de um tema bem mais concreto e que tem sido de fundamental importância para a definição dos rumos tanto da pesquisa em linguística como da sua aplicação ao ensino de língua portuguesa: os gêneros textuais. Apesar de uma ligação natural entre esse tema e a Linguística Textual, os gêneros textuais são hoje uma premissa para os estudos em várias disciplinas da linguística. Além disso, por sua aplicação atual como base para o ensino de escrita e leitura na escola, os gêneros assumem uma centralidade decisiva. Para o desenvolvimento deste capítulo, apresentaremos inicialmente as principais ten-dências em estudo de gêneros. Em seguida, exporemos alguns conceitos funda-mentais relacionados com o estudo dos gêneros.

1. OrigEns dO cOncEitO dE gênErO

Nas últimas décadas, o termo gênero tem sido utilizado por muitos autores nos mais variados campos do conhecimento e com as mais diversas conotações. Na área de linguística, particularmente, os gêneros se tornaram um conceito central tanto do ponto de vista teórico como do ponto de vista da aplicação ao ensino de língua portuguesa.

Conforme a estudiosa do texto Ingedore Koch, a preocupação particular da lin-guística com os gêneros está diretamente ligada ao desafio que enfrenta de acom-panhar as mudanças sociais ao lado das quais os novos gêneros emergem e se constituem.Umavezqueasmudançasnavidadasociedadesefazemnecessaria-mente acompanhar do desaparecimento ou da transmutação de velhos gêneros, por um lado, e do surgimento de novos gêneros, por outro, a discussão desses fenômenos se torna hoje algo incontornável.

Prof. Dr. benedito Gomes bezerraCarga Horária | 15 horas

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32 Capítulo 3

A noção de gênero é muito antiga, embora o termo tivesse uma aplicação muito mais restrita, situação que só mudou há muito pouco tempo. Conforme indica Marcuschi (2002a), o conceito de gênero, encontrado já no filósofo grego Aristóteles e rela-cionado com os estudos de retórica, remonta, na verdade, a Platão e aos estudos literários.

Com Aristóteles, a arte retórica desenvolve-se no sentido de capacitar escritores e oradores a produ-zirem diferentes gêneros textuais, de acordo com diferentes propósitos e audiências particulares. As-sim, estreitamente ligada à oratória, a retórica per-mitiu a criação e o desenvolvimento de diferentes gêneros, definidos em função de “tema, audiência, ponto de vista, propósito, sequência de idéias e os melhores recursos linguísticos para expressar essas idéias” (ARAÚJO, 1996, p. 22-23).

Desde a Antiguidade até os primórdios do século XX, o conceito de gênero esteve quase completa-mente limitado à área dos estudos literários, na qual a classificação tradicional dos gêneros perma-neceu presa a convenções de forma e de conteúdo. Nessa concepção, divisavam-se três gêneros literá-rios maiores, o lírico, o épico e o dramático, cada um deles admitindo algum tipo de subclassificação em gêneros menores, como o soneto, a ode, a epo-peia e a tragédia. Dentro dessa classificação, o gê-nero caracterizava-se como “(a) primariamente lite-rário, (b) inteiramente definido por regularidades textuais de forma e de conteúdo, (c) fixo e imutável e (d) classificável em categorias e subcategorias or-denadas e mutuamente exclusivas” (FREEDMAN e MEDWAY, 1994b, p. 1).

Assim, o enfoque literário ao estudo dos gêneros, mesmo em sua configuração contemporânea, ain-da se concentra em certas categorias genéricas tra-dicionalmente valorizadas, de modo que para o crí-tico literário será muito mais natural, como lembra Bazerman (1997), refletir sobre gêneros líricos ou cômicos do que sobre uma questão da vida cotidia-na, como, por exemplo, um manifesto a respeito de um problema ambiental.

Além do mais, ressalta esse autor, dado o caráter geralmente contemplativo da produção e recepção de gêneros literários, à parte das exigências con-cretas da vida, no âmbito de tais estudos “a im-bricação social do gênero tem sido menos visível” (BAZERMAN, 1997, p. 20).

O estudo dos gêneros, portanto, ao deixar de se referir, apenas, aos gêneros da literatura ou da retó-rica, e ao se estender para os domínios mais diver-sificados da atividade humana, inclusive ao âmbito do dia a dia e da interação humana em geral, en-trou decisivamente na agenda acadêmica do nosso tempo. Conforme ressalta Bhatia (2002, p. 3), a análise de gêneros sempre foi uma “atividade mul-tidisciplinar”, caracterizada por perspectivas analí-ticas variadas, de modo que o pesquisador pode legitimamente se perguntar “se há algum elemento comum entre essas perspectivas, quer em termos de paradigmas teóricos, enquadres metodológicos ou campos de aplicação”. No tópico a seguir, vere-mos como essa pluralidade de enfoques costuma ser classificada em termos de escolas ou tradições específicas.

2. tEndências cOntEmpOrânEas Em

EstudOs dE gênErO

De acordo com Bhatia (2004), a teoria de gêneros desenvolveu-se inicialmente na forma das seguintes escolas: a Escola Americana, também chamada de “Nova Retórica”, representada por autores como Carolyn Miller e Charles Bazerman; a Escola de Sydney, derivada da linguística sistêmico-funcional de Michael Halliday, conforme desenvolvida por John Martin e Brian Paltridge, entre outros e a Escola Britânica (também chamada no Brasil de “abordagem sociorretórica”), voltada para o estudo de Inglês para Fins Específicos e representada por John Swales e pelo próprio Vijay Bhatia. Paralela-mente, cabe acrescentar, por sua grande importân-cia no Brasil, a chamada Escola de Genebra, re-presentada por autores, como Bernard Schneuwly e Joaquim Dolz, e amplamente baseada nas ideias do russo Mikhail Bakhtin. Vamos saber mais so-bre as diversas escolas, começando pela Escola de Genebra.

2.1. a EscOLa dE gEnEbra Ou “intEraciOnismO sOciOdiscursivO”

Combinando elementos teóricos provenientes dos estudiosos russos Mikhail Bakhtin e Lev Vygotsky, integrantes da equipe de ciências da educação da UniversidadedeGenebrarealizamumaaplicaçãoeducacional (transposição didática) da teoria de gêneros para a Educação Básica. Esses estudiosos enfatizam, propriamente, a teoria da enunciação

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33Capítulo 3

tal como proposta por Bakhtin (1997), a fim de se elucidar e até possibilitar a inserção da criança no universo das instituições sociais, por meio do uso dos diversos gêneros. Ao contrário dos demais en-foques de gênero, concentrados basicamente nos gêneros mais complexos (chamados de “secundá-rios” por Bakhtin), aqui se destaca o uso e o do-mínio de gêneros primários (mais simples) como passo para a construção dos gêneros secundários por parte das crianças. Os principais teóricos, nes-sa abordagem, são Jean-Paul Bronckart, Bernard Schneuwly e Joaquim Dolz.

Para Schneuwly, o gênero pode ser considerado como “uma ferramenta psicológica no sentido vygotskyano do termo”, ou um “mega-instrumen-to”, que possibilita a mediação entre a criança e a situação social em que ela se insere. Essa mediação ou instrumentalização inicia-se no “nível real” dos gêneros primários e vai se tornando, cada vez mais, complexa até se chegar aos gêneros secundários. Tal instrumentalização funciona de acordo com as seguintes particularidades:

1. Modos diversificados de referência a um con-texto linguisticamente criado;

2. Modos de desdobramento do gênero;

3. Pela “existência e construção de um aparelho psíquico de produção de linguagem” (Schneu-wly, 1994, p. 7), não mais imediato, como no caso dos gêneros primários.

A abordagem da Escola de Genebra tem grande influência no Brasil por ter sido aquela que mais diretamente se refletiu na formulação dos Parâ-metros Curriculares Nacionais, constituindo as diretrizes primárias para toda atividade de leitura e produção de textos em vigor no ensino de língua portuguesa, na atualidade.

2.2. EscOLa nOrtE-amEricana Ou “nOva rEtórica”

Nesta tendência, destacamos as ideias de dois es-tudiosos muito influentes mundialmente falando, e também no Brasil, país que ambos têm visitado com certa frequência nos últimos anos, tendo tam-bém algumas de suas obras mais importantes sido recentemente traduzidas para a língua portuguesa. Trata-se de Carolyn Miller e Charles Bazerman.

Na literatura sobre a reconceituação dos gêneros textuais, tornou-se muito comum qualificar o ar-tigo de Miller (2009) como “seminal”, devido à relevância de sua contribuição teórica para os tra-balhos posteriores. Nesse artigo, “Gênero como ação social”, publicado originalmente em 1984, Miller redefine o gênero como uma entidade instá-vel, que “transforma-se, desenvolve-se e decai”, de forma que “o número de gêneros existente em uma sociedade é indeterminado e depende da comple-xidade e diversidade daquela sociedade”. Miller supera, dessa forma, a tradicional classificação de gêneros como simples exemplares de tipos de tex-to. O gênero é então encarado como ação social praticada dentro de um contexto retórico amplo, em situações recorrentes.

A noção de gênero como uma realidade socialmen-te construída implica, para além da mera teoria e crítica de gêneros, uma nova concepção do próprio processo de inserção humana na vida da socieda-de. De acordo com a autora, “o que aprendemos, quando aprendemos um gênero, é mais que um simples padrão formal ou mesmo uma maneira de atingir nossos objetivos. Antes, aprendemos quais objetivos podemos ter”. Assim, a contribuição de Miller consiste em localizar a noção de gênero no contexto das ações sociais, retóricas, empreendidas pelos atores sociais em situações recorrentes, de modo que os gêneros possibilitam exatamente “a chave para a compreensão sobre como participar das ações de uma comunidade”.

Já de acordo com Charles Bazerman, os gêneros não podem ser reduzidos a simples estruturas for-mais, identificáveis por traços textuais peculiares. Embora não deixe de ter certa utilidade para a des-crição e interpretação de textos e documentos, a mera identificação formal dos gêneros nos levaria a uma concepção enganosa e incompleta. Os gêne-ros não devem ser vistos como conjuntos de traços formais, e sim como lugar privilegiado de constru-ção da realidade social:

Gêneros são formas de vida, modos de ser. Eles são en-quadres para a ação social. São ambientes para a apren-dizagem. São lugares em que o sentido é construído. Os gêneros moldam os pensamentos que formamos e as re-lações comunicativas pelas quais interagimos. Os gêneros são os lugares familiares a que recorremos para realizar atos comunicativos inteligíveis e as placas de sinalização que usamos para explorar um ambiente desconhecido (BA-

ZERMAN, 1997, p. 19).

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34 Capítulo 3

Os gêneros, portanto, devem ser concebidos e analisados a partir de sua inserção na vida social, como parte importante da própria organização das interações humanas. Outros autores apoiarão essa concepção de que critérios meramente formais são insuficientes para distinguir os gêneros, pois duas características centrais dos gêneros são precisamen-te (1) a orientação para um propósito ou objetivo e (2) a sua natureza histórica, ou seja, eles se desen-volvem e se transformam de acordo com transfor-mações socioculturais correspondentes. A forma, portanto, tem um papel secundário em relação à função e à historicidade dos gêneros.

Essa visão a respeito dos gêneros implica localizá-los no interior de complexas relações sociais e psicológicas. Sejam eles textos orais ou escritos, o fato é que os gêneros se referem à “vida diária com padrões sócio-comunicativos característicos definidos por sua composição, objetivos enunciati-vos e estilo, realizados por forças históricas, sociais, institucionais e tecnológicas” (MARCUSCHI,2003, p. 17). Também para Bazerman, os gêneros, tais como percebidos e usados pelas pessoas, “se tornam parte de suas relações sociais regulares, de seu panorama comunicativo e de sua organização cognitiva” (1997, p. 22), apresentando-se como re-cursos multidimensionais que ajudam o indivíduo a localizar sua ação discursiva no âmbito da vida social estruturada. Os gêneros se definiriam como recursos para responder à própria complexidade da interação social.

A partir dessa compreensão dos gêneros como “fenômenos psicossociais de reconhecimento”, relacionados com processos e atividades social-mente organizadas, Bazerman propõe os conceitos de “conjunto de gêneros”, “sistema de gêneros” e “sistemas de atividades”, com a finalidade de elu-cidar como os gêneros efetivamente se encaixam e atuam no conjunto das relações sociais (ver item 4 adiante).

2.3. a EscOLa dE sydnEy Ou “pErspEctiva sistêmicO-funciOnaL”

A Escola de Sydney deve esse nome a sua vincula-çãocomoDepartamentodeLinguísticadaUni-versidade de Sydney, anteriormente dirigido pelo estudioso Michael A. K. Halliday. Nesse grupo, o estudo de gêneros caracteriza-se como uma aplica-ção pedagógica da linguística sistêmico-funcional. Embora dentro do próprio grupo não haja uma

orientação completamente unificada, os pesqui-sadores que seguem essa tradição sustentam, em comum, uma forte ênfase nas implicações políticas e ideológicas dos gêneros.

As preocupações do grupo abrangem desde a de-monstração crítica de como os diferentes gêneros incorporam e afirmam os valores das classes do-minantes até o compromisso pedagógico de dotar os estudantes menos favorecidos dos recursos ne-cessários para que possam dominar esses gêneros socialmente prestigiados. Assim, a ênfase pode ser colocada no estudo dos condicionamentos sociais por trás do texto ou na explicitação didática das características textuais de cada gênero, como parte do currículo escolar desde os níveis iniciais.

Como uma espécie de subdivisão dentro da escola australiana, existe uma primeira tendência, relacio-nada com a obra de John Martin e Joan Rothery, que se concentra mais numa descrição linguística e estrutural do texto, sem desprezar sua função e sua relação com o contexto. Para esses autores, o termo gênero envolve tudo que se possa relacionar linguisticamente com o texto. O foco dos estudos é colocado no propósito e nas tarefas que os pro-dutores de um texto desejam realizar com e por meio do texto.

Numa segunda vertente, representada por Gun-ther Kress, o interesse maior concentra-se “nos tra-ços estruturais da ocasião social específica em que o texto foi produzido”. A configuração linguística peculiar a um gênero é, nessa visão, reflexo das es-truturas e relações sociais que o circundam. A prio-ridade, para os estudiosos, é a análise dos fatores sociais em torno do texto, uma vez que “todos os aspectos desse texto têm uma origem social e po-dem ser explicados em termos do contexto social em que o texto foi formado”. Essa análise do con-texto social precede qualquer consideração sobre as características intrínsecas do gênero textual.

De acordo com os autores Freedman e Medway (1994a), a Escola de Sydney apresenta as seguintes características:

1. a primazia do social e do papel do contexto na comunicação dos gêneros, ao lado de uma ênfase na elucidação de aspectos textuais ba-seados nos esquemas hallidayanos de análise linguística;

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35Capítulo 3

2. uma concepção estática de gênero, com ten-dências prescritivistas, refletidas no projeto escolar australiano, chegando a contrariar a teoria linguística hallidayana que lhe serviu de fonte;

3. por outro lado, a “Escola de Sydney” é marca-da por uma “postura liberacionista”, que leva seus adeptos a considerarem o seu projeto e a si mesmos como agentes de transformação social em favor dos alunos menos favorecidos. Termos como “poder” e “dominação” são co-muns em seus escritos.

Em consonância com as vertentes que, conforme dissemos, caracterizam a Escola de Sydney, alguns dos seus representantes podem ser criticados por tacitamente aceitarem os gêneros como entidades estáticas, baseando neles uma pedagogia prescriti-va, que busca, apenas, prover o acesso aos gêneros por parte dos alunos, parecendo esquecer que os gêneros são entidades dinâmicas e complexas. Es-ses autores tenderiam a ver o ensino de gêneros como ensino de modelos fixos, o que pode limi-tar a eficácia do processo pedagógico. Os gêneros, embora inevitavelmente implicados nos processos econômicos e políticos, não deixam de ser “mutá-veis, revisáveis, localizados, dinâmicos e sujeitos a uma ação crítica”.

É essa visão crítica que a tendência defendida por Gunther Kress procura despertar, uma vez que esse autor explicitamente defende a necessidade de se enfocar, no ensino de gêneros, “as possibilidades e os meios de alterar as formas genéricas” (Kress, 1993, p. 28). Especificamente, Kress postula um projeto pedagógico mais ambicioso que o simples projeto de acesso às formas privilegiadas de gêne-ro. Tal projeto, pensado em termos de “reforma linguística e social”, deveria “não só proporcionar a todos os cidadãos uma parcela igual do capital cultural, mas, pelo menos, alimentar a possibi-lidade de reforma das estruturas e dos processos existentes, onde quer que eles sejam vistos como limitadores das potencialidades humanas” (p. 37).

2.4. a EscOLa britânica Ou “abOrdagEm sOciOrrEtórica”

Para Freedman e Medway (1994a), os estudos de gênero nessa vertente apresentam, em relação à Escola de Sydney, um perfil ideológico particular, ao lado da premissa comum acerca da primazia do

social e do contexto na compreensão dos gêneros textuais. De acordo com os autores, as ênfases des-sa escola são as seguintes:

1. A revelação da complexidade das relações en-tre texto e contexto, que decorre do fato de que ambos os conceitos são também muito complexos;

2. A defesa de um conceito dinâmico de gênero. A estabilidade do gênero é “provisória e frá-gil”, pois é possível, pelo menos para certos usuários, “jogar” com os gêneros, embora isso não seja normalmente permitido ou esperado de escritores iniciantes.

A ideia principal é a de que, no que diz respeito à produção e compreensão de gêneros textuais, “especialistas criticam e questionam; novatos repe-tem” (Johns, 1993, p. 14). Vijay Bhatia, outro autor importante nessa vertente, reconhece a existência de relações de poder entre membros experientes e membros iniciantes de uma dada comunidade, refletidas no trato com as restrições impostas pelas convenções de cada gênero. Assim, a possibilida-de de exploração dos gêneros para “efeitos espe-ciais” demanda uma grande familiaridade com as convenções estabelecidas acerca de seu propósito, modo de construção e uso. O novato não possui tal familiaridade, motivo pelo qual “escritores es-pecializados de gêneros muitas vezes parecem ser mais criativos” (BHATIA, 1993, p. 15). Claramen-te, para Bhatia, o discurso acadêmico bem como o profissional não ocorrem entre iguais. Em suas palavras, a igualdade é “mais excepcional que ha-bitual” (p. 9).

Nesse sentido, o que se deseja é chamar a atenção para a insuficiência de um tratamento dos gêneros textuais como modelos de texto para produção. Os gêneros devem ser vistos como respostas típi-cas dos usuários em múltiplos contextos sociais de funcionamento da língua.Uma vez que essescontextos são fluidos e dinâmicos, não faz sentido se concentrar, apenas, no ensino das características formais dos gêneros.

Na perspectiva sociorretórica, John Swales defende a concepção de gênero como um “evento comuni-cativo”. Conforme esse autor:

Umgênerocompreendeumaclassedeeventoscomunica-tivos, cujos membros compartilham um conjunto de pro-

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36 Capítulo 3

pósitos comunicativos. Esses propósitos são reconhecidos pelos membros especializados da comunidade discursiva e dessa forma passam a constituir o fundamento do gênero. Esse fundamento modela a estrutura esquemática do dis-curso e influencia e limita a escolha de conteúdo e estilo (SWALES, 1990, p. 58).

Para Swales, o principal critério que transforma um grupo de eventos comunicativos em um de-terminado gênero é a existência de propósitos comunicativos em comum. Entretanto, além de apresentarem “um conjunto de propósitos comu-nicativos”, os gêneros também são marcados por padrões de similaridade quanto à estrutura, ao es-tilo,aoconteúdoeàaudiênciapretendida.Umavez preenchidas essas expectativas, a comunidade discursiva na qual circula um determinado gênero poderia reconhecê-lo em suas diferentes e concre-tas realizações, a partir de uma noção geral de pro-totipicidade.

No entanto, Swales mostra que existem variadas formas de compreender e definir os gêneros textu-ais. Para o autor, as diferentes definições de gêne-ro são metáforas que têm, cada uma delas, algum mérito em captar algum aspecto relevante do com-plexo fenômeno sob descrição. Cada definição, à sua maneira, lança “em diferentes proporções, e de acordo com as circunstâncias, sua própria luz em nossa compreensão” (Swales, 2004, p. 61). O pró-prio autor seleciona e discute seis dessas metáforas, cada uma delas definindo gêneros com diferentes implicações:

Diretamente relacionada ao conceito de gênero, Swales ainda destaca a noção de comunidade dis-cursiva. Segundo o autor, comunidades discursi-vas definem-se como:

[...] redes sociorretóricas que se formam a fim de atuar em favordeumconjuntodeobjetivoscomuns.Umadasca-racterísticas que os membros estabelecidos dessas comuni-dades possuem é a familiaridade com gêneros particulares que são usados nas causas comunicativas desse conjunto de objetivos. Em conseqüência, gêneros são propriedades de comunidades discursivas; o que quer dizer que gêneros pertencem a comunidades discursivas, não a indivíduos, a outros tipos de grupos ou a vastas comunidades de fala (SWALES, 1990, p. 9).

As comunidades discursivas são grupos sociorre-tóricos bastante heterogêneos, que compartilham objetivos e interesses profissionais, acadêmicos ou ligados ao lazer, entre outras possibilidades. Essas comunidades não são agrupamentos naturais, mas surgem e se mantêm relativamente estáveis em tor-no dos propósitos e necessidades comunicativas de seus integrantes.

Mas como podemos reconhecer uma comunidade discursiva? De acordo com Swales, uma comunida-de discursiva se caracteriza pelas seguintes marcas:

1. A existência de um conjunto de objetivos pú-blicos amplamente aceitos. No entanto, deve ser reconhecida a possibilidade de conflitos internos quanto aos objetivos da comunidade discursiva;

2. A posse de mecanismos de intercomunicação (como boletins, jornais, listas de discussão on-line) entre seus membros;

3. O uso de mecanismos de participação para prover informações e feedback. O uso desses mecanismos de participação possibilita tanto a inovação como a manutenção de sistemas de crenças e valores e a ampliação do espaço pro-fissional;

4. O domínio e a utilização de um ou mais gêne-ros para o encaminhamento de seus objetivos. Porém, o uso de conjuntos ou agrupamentos de gêneros para a realização de objetivos não é estático, mas dinâmico;

5. O desenvolvimento de um léxico específico. Deve-se reconhecer, porém, a expansão cons-tante desse léxico da comunidade discursiva;

6. A admissão de novos membros dotados do nível apropriado de conhecimento relevante e habilidade discursiva. No entanto, esses proces-

Metáforas (definições de gênero)

Implicações

Frames para a ação social

Princípios orientadores

Padrões de linguagem

Expectativas convencionais

Espécies biológicas

Historicidades complexas

Famílias e protótipos

Conexões variáveis com o centro

Instituições Contextos modela-dores; papéis

Atos de fala Discursos direcionados

metáforas sobre gêneros (SWALES, 2004)

Gên

ero

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37Capítulo 3

sos de admissão e promoção interna dos mem-bros da comunidade são orientados por uma estrutura hierárquica explícita ou implícita.

3. gênErOs acadêmicOs E prOfissiOnais na pErspEctiva sOciOrrEtórica

De acordo com Bhatia (1999), o estudo dos gêne-ros deve ser capaz de abranger os vários aspectos que compõem o fenômeno. Para tanto, o autor propõe como elementos a serem considerados:

1. Os propósitos comunicativos definidos como relevantes pela comunidade;

2. Os produtos, entendidos como os textos ou gêneros que são produzidos ou lidos;

3. As práticas, procedimentos e processos discur-sivos em uso naquele contexto;

4. E os participantes, identificados por uma rela-ção de pertença com a comunidade discursiva ou profissional.

Na visão de Bhatia (2004, p. 23), a abordagem baseada em gêneros compreende “o estudo do comportamento linguístico situado em contextos acadêmicos ou profissionais institucionalizados”. Concretamente, a concepção de gênero aí defendi-da abrange os seguintes pressupostos:

1. Gêneros são eventos comunicativos, caracteri-zados por um conjunto de propósitos comu-nicativos, identificados e compreendidos pela comunidade acadêmica ou profissional em que ocorrem;

2. Gêneros são construtos altamente estrutura-dos e convencionados, com pouco espaço para a contribuição individual em sua construção;

3. Os membros experimentados das comunida-des profissionais e acadêmicas possuem um co-nhecimento e uma compreensão muito maior do que os novos membros, os aprendizes ou os de fora sobre o uso e a exploração dos recursos dos gêneros;

4. Embora os gêneros sejam construtos conven-

cionados, os membros especializados das co-munidades profissionais e disciplinares mui-tas vezes exploram os recursos genéricos para expressar “intenções particulares” e organiza-cionais ao lado dos “propósitos comunicativos socialmente reconhecidos”;

5. Como reflexo de culturas organizacionais e disciplinares, o foco dos gêneros se concentra na atividade social imbricada no interior das práticas disciplinares e profissionais;

6. Todos os gêneros disciplinares e profissionais possuem uma integridade própria, que geral-mente se identifica com relação a uma combina-ção de fatores textuais, discursivos e contextuais.

Em síntese, os traços mais importantes a serem destacados nessa visão de gênero dizem respeito, por um lado, ao aspecto convencionado de sua construção e, por outro, à sua dinamicidade. Esses dois traços, aparentemente contraditórios, com-põem a natureza do gênero de forma central. Nos termos de Bhatia (2004, p. 24), o gênero se carac-teriza simultaneamente por uma ênfase no aspecto convencional e por uma tendência à inovação, o que gera uma tensão inerente à sua própria cons-trução e uso. Essa tensão se expressa, de acordo com o autor, da seguinte forma:

1. Embora sejam identificados por traços con-vencionais, os gêneros mudam e se desenvol-vem constantemente;

2. Embora estejam associados a padrões de tex-tualização típicos, os gêneros costumam ser explorados pelos usuários experientes para a criação de novos padrões;

3. Embora sirvam a propósitos comunicativos so-cialmente reconhecidos, os gêneros podem ser apropriados para a veiculação de “intenções particulares ou organizacionais”;

4. Embora sejam frequentemente identificados e descritos como formas puras, no mundo real, os gêneros, muitas vezes, se apresentam como formas híbridas, mistas ou imbricadas;

5. Embora os gêneros possuam nomes típicos, nem sempre recebem a mesma interpretação de todos os membros da comunidade especia-lizada;

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38 Capítulo 3

6. Embora os gêneros muitas vezes transponham as fronteiras disciplinares, frequentemente se verificam variações de disciplina para discipli-na, especialmente no contexto acadêmico;

7. Embora a análise de gêneros normalmente seja vista como investigação textual, estudos mais abrangentes podem utilizar uma varieda-de de ferramentas, tais como análise textual, técnicas etnográficas, procedimentos cogniti-vos e análise computacional, entre outras.

Como você pode verificar, a Escola Britânica ou Sociorretórica é uma abordagem bastante adequa-da e produtiva, especialmente para o estudo dos gêneros textuais em contextos acadêmicos e pro-fissionais.

4. prOduçãO, usO E circuLaçãO dE gênErOs nO ambiEntE acadêmicO

Conforme posto anteriormente, para descrever a forma como os gêneros se apresentam no comple-xo das variadas atividades sociais, Charles Bazer-man (2004) propõe os conceitos de conjunto de gêneros, sistemas de gêneros e sistemas de ativi-dades.

Umconjuntodegênerosdesignaatotalidadedosgêneros que um determinado indivíduo, no exercí-cio de sua função profissional, por exemplo, prova-velmente virá a produzir, quer falando quer escre-vendo.Umsistemadegênerosabrangeosdiversosconjuntos de gêneros produzidos por pessoas que desempenham atividades similares e inter-relacio-nadas de modo organizado, mas inclui também as relações padronizadas que se desenrolam na pro-dução, circulação e utilização desses gêneros. Por sua vez, o sistema de gêneros se caracteriza como parte de um sistema de atividades, sendo este compreendido como os enquadres que organizam a produção dos gêneros e a execução das demais ações próprias do ambiente.

Em certas atividades, os gêneros podem ser predo-minantemente orais, mas noutras, eles poderão ser essencialmente escritos. Ainda noutras situações, como entre os atletas em um jogo de futebol, por exemplo, predominará a atividade física e não, a produção de gêneros escritos. A vantagem dessa vi-

são ampla da produção, circulação e uso dos gêne-ros, de acordo com Bazerman, reside em “concen-trar-se no que as pessoas estão fazendo e no modo como os textos as ajudam a fazê-lo, e não nos textos como fins em si mesmos” (2004, p. 319).

Em síntese, e nos próprios termos de Bazerman, “juntos, os tipos de textos se encaixam em conjun-tos de gêneros dentro de sistemas de gêneros, os quais fazem parte dos sistemas de atividade huma-na” (2004, p. 311). Assim, entende-se que, por meio dos textos, as pessoas criam “novas realidades de sentido, relação e conhecimento” (BAZERMAN, 2004, p. 309), que podem ser definidas como “fa-tos sociais” que vieram a existir pela mediação dos textos. O foco analítico, aqui, se concentra no pa-pel que os textos desempenham na realização das atividades das pessoas e não, nos próprios textos.

O ambiente acadêmico em geral, como um dos muitos domínios da atividade humana, eviden-temente abrange e produz incontáveis gêneros, localizáveis dentro de conjuntos de gêneros, que, por sua vez, se integrarão a sistemas de gêneros e sistemas de atividades. Basta considerar, por exem-plo, o conjunto de gêneros que um estudante de graduação deverá produzir até chegar à conclusão de seu curso. Ou nos variados gêneros que um professor produz no cumprimento das diversas res-ponsabilidades impostas por sua vida profissional e acadêmica. Pode-se presumir que um professor universitário deverá produzir um conjunto de gê-neros bastante complexo para atuar intensamente em sua profissão. É fácil perceber a inviabilidade de se tentar descrever todos os gêneros, conjuntos de gêneros e sistemas de gêneros produzidos por alunos, professores e outros atores sociais no am-biente acadêmico.

Apenas a título de exemplo, podemos traçar o se-guinte percurso, pensando nos processos que ge-ram a produção escrita, publicada por um profes-sor universitário. O professor, localizado em um determinado departamento universitário, vincula-do a um programa de pós-graduação, desenvolve uma determinada linha de pesquisa. Ele, junta-mente com outros colegas e/ou alunos de gradu-ação e pós-graduação, produz um projeto de pes-quisa, que será submetido a um órgão de fomento. O encaminhamento do projeto poderá requerer a produção de outros gêneros, como algum tipo de comunicação por e-mail ou carta, ou algum de tipo formulário a ser preenchido.Uma vez aprovado,

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39Capítulo 3

o acompanhamento do projeto exigirá a produção de relatórios sobre o andamento da pesquisa.

Esse professor, como fruto de sua participação no projeto de pesquisa, produzirá comunicações ou conferências para congressos; para isso, provavel-mente submeterá um resumo ou abstract do seu trabalho à comissão organizadora do congresso; uma vez apresentado oralmente, o trabalho será impresso e publicado na forma de um artigo em periódicos especializados e/ou nos anais do con-gresso. Do mesmo projeto de pesquisa e dos tra-balhos originalmente apresentados em congressos, obras individuais ou coletivas poderão ser organi-zadas e publicadas na forma de livro.

Na publicação do livro, além do conteúdo central, qual seja, um ensaio individual ou uma coletânea de artigos por diversos autores, entre eles o referi-do professor, diversos outros gêneros poderão ser produzidos. A mesma pessoa que contribuiu com um capítulo para o livro pode ser convidada a es-crever uma apresentação, prefácio ou introdução. Pode ser que ela produza um desses textos na qua-lidade de organizadora da obra. Ou pode ser convi-dada, porque seu nome serve como referencial de autoridade na respectiva área disciplinar.

Dentro do mesmo processo, o autor ou colabo-rador do livro em si pode ainda produzir gêneros como dedicatória, epígrafe e agradecimentos. Portanto, se considerarmos individualmente as pessoas envolvidas com a produção dos gêneros acadêmicos, incluídos os introdutórios, podemos visualizar, apenas nesse aspecto particular da vida acadêmica, um conjunto de gêneros bastante ex-pressivo relacionado com cada um desses atores. Esses conjuntos individuais de gêneros formarão complexos sistemas de gêneros, por meio dos quais o jogo das relações sociais, envolvendo questões como prestígio, autoridade e poder, se desenrolará no interior do sistema de atividades ligado à pro-dução acadêmica impressa.

5. rEsumindO: O quE EntEndEmOs

pOr gênErO tExtuaL

Considerando todas as escolas e suas abordagens específicas à problemática dos gêneros textuais, como podemos defini-los de modo abrangente? Vejamos.

• Emprimeirolugar,devemosentendergênerotextual como evento comunicativo dotado de um ou mais propósitos comunicativos no sentido em que é definido por Swales (1990) e Bhatia (2004), entre outros. Assim compre-endidos, os gêneros textuais se apresentam em situações dinâmicas e recorrentes da vida diá-ria, assumindo padrões característicos em sua composição, estilo e propósitos, de forma a realizar ações sociais (MILLER, 2009) no qua-dro das relações pessoais, profissionais, institu-cionais e sociais em geral.

• Em segundo lugar, concebemos os gênerostextuais como formas de vida ou “enquadres para a ação social”, concordando com Bazer-man (1997, p. 19). Os gêneros devem ser vis-tos como realidades localizadas no interior de práticas sociais complexas. Uma implicaçãodisso é que a análise de gêneros textuais não pode ser reduzida à análise de formas, embora eles obviamente apresentem “padrões sócio-comunicativos característicos”, como ressalta Marcuschi (2003, p. 17).

• Em terceiro lugar, embora o gênero textualnão deva ser analisado essencialmente como forma, pois admitimos com Atkinson que “critérios formais jamais serão suficientes para distinguir os gêneros” (1999, p. 8), isso não sig-nifica que os gêneros não apresentem algum tipo de padrão mais ou menos estável, como já apontava Bakhtin (1997), entre muitos outros. Entendemos que as dimensões concretas des-sa estabilidade variam de gênero para gênero, numa relação complexa com fatores sociais va-riados, tais como as relações de poder e o grau de inserção na respectiva comunidade discur-siva ou de práticas. Os gêneros são entidades mais ou menos estáveis, maleáveis mas tam-bém dotados de propriedades que lhes permi-tem ser vistos como “fenômenos psicossociais de reconhecimento” (BAZERMAN, 2004). Essas são facetas da complexidade dos gêneros textuais, reflexo da complexidade da própria realidade social da qual procuram dar conta.

• Emquartolugareemdecorrênciadospontosanteriores, acreditamos que os gêneros podem ser analisados do ponto de vista de sua cons-trução textual e retórica, como ponto de parti-da para uma análise mais profunda, do gênero como construto sociocomunicativo e socioin-

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40 Capítulo 3

teracional.

• Em quinto e último lugar, vemos o gênerocomo uma entidade definida essencialmente pelo seu propósito comunicativo, sem descon-siderar a importância de outros aspectos como a forma composicional, o conteúdo e o supor-te em que o gênero se realiza.

atividadEs | O estudo de gêneros textuais não é apenas teórico. Encontramos os gêneros em todas as atividades que desenvolvemos no dia a dia. Nos estudos, inevitavelmente lida-mos com gêneros. Considerando isso, faça o que se pede:

1. Elabore uma listagem dos gêneros textuais acadêmicos (mínimo de 05) com que você teve contato na prática (lendo, escrevendo, ouvin-do ou falando) como consequência de estar cursando Letras a Distância;

2. Descreva brevemente sua experiência em lidar com esses gêneros: dificuldades, desco-bertas etc.

rEsumO

Neste capítulo, apresentamos um pa-norama das principais teorias de gêne-ros textuais, enfatizando a perspectiva sociorretórica, que se concentra prio-ritariamente no estudo dos gêneros do mundo acadêmico e profissional. No desenvolvimento do tema, você teve contato com os principais autores e seus conceitos nessa área de tão gran-de importância para os estudos da lín-gua, especialmente no que diz respeito à leitura e produção de textos. Como dissemos no início do capítulo, o tema é por demais pertinente, considerando a centralidade atual do ensino baseado na perspectiva dos gêneros textuais.

SAIBA MAIS!

Para aprofundar os temas tratados neste

capítulo, seguem algumas sugestões:

• Para saber mais sobre o uso de gêne-

ros textuais no ensino de leitura, leia

o artigo científico que se encontra em

http://www3.unisul.br/paginas/ensi-

no/pos/linguagem/cd/Port/99.pdf.

• Ainda sobre a temática do ensino

de gêneros textuais, veja um texto

que analisa a questão a partir dos

Parâmetros Curriculares Nacionais

em http://www.unioeste.br/prppg/

mestrados/letras/revistas/travessias/

ed_004/artigos/linguagem/pdfs/

G%EAneros%20Textuais%20-%20

Cristina.pdf.

• Para uma variedade de recursos so-

bre gêneros textuais, consulte o blog

do Grupo de Pesquisa GenTe (Gêne-

ros Textuais e Ensino), no endereço

http://grupogente.blogspot.com/.

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41Capítulo 3

rEfErências

BAKHTIN, M. M. Os gêneros do discurso. In: Estética da criação verbal. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997. p. 279-326.

BAZERMAN, Charles. Gêneros textuais, tipifica-ção e interação. São Paulo: Cortez, 2005.

_____. Escrita, gênero e interação social. São Paulo: Cortez, 2007.

BEZERRA, Benedito G. A distribuição das infor-mações em resenhas acadêmicas. 2001. Dis-sertação (Mestrado em Linguística) – Universi-dade Federal do Ceará, Fortaleza.

_____. Gêneros introdutórios em livros acadê-micos. 2006. Tese (Doutorado em Linguística) – Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2006.

BIASI-RODRIGUES, Bernardete; ARAÚJO, Jú-lio César; SOUSA, Socorro Cláudia Tavares de (orgs). Gêneros textuais e comunidades discur-sivas: um diálogo com John Swales. Belo Hori-zonte: Autêntica, 2009.

BRONCKART, Jean-Paul. Atividade de lingua-gem, texto e discursos: por um interacionismo sócio-discursivo. – São Paulo: EDUC, 1999.

DIONÍSIO, Angela P.; MACHADO, Anna Ra-chel; BEZERRA, Maria Auxiliadora (Org.) Gêne-ros textuais e ensino. Rio de Janeiro: Lucerna, 2002.

MARCUSCHI, L. A. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo: Parábola, 2008.

MILLER, Carolyn R. Estudos sobre gênero textu-al, agência e tecnologia. Recife: Ed. Universitá-ria da UFPE, 2009.

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43Capítulo 4Capítulo 4

tEmas Em Linguística apLicada aO EnsinO

ObjEtivOs EspEcíficOs

• Compreenderdiversasconcepçõesdelíngua/linguagemesuasimplicaçõespara o ensino;

• Entenderapropostadeumensinodelínguabaseadonadiversidadedegê-neros textuais;

• Refletirsobreanecessidadedeumapedagogiadavariaçãolinguística.

intrOduçãO

Neste capítulo, você conhecerá mais especificamente como se dá a relação entre linguística e ensino de língua portuguesa. Inicialmente, veremos como uma con-cepção adequada do que seja a língua e a linguagem está na base de um ensino de qualidade em língua portuguesa, uma vez que permite uma visão mais abran-gente do que se deve estudar e aprender, não se limitando à mera transmissão de formas gramaticais. Num segundo momento, destacaremos a aplicação do tema dos gêneros textuais, como contribuição da linguística textual em diálogo com outras abordagens linguísticas, ao ensino de leitura e produção de textos na escola. Por último, destacaremos a contribuição da sociolinguística, que chamou a atenção para a língua como um complexo de variedades linguísticas a serem reconhecidas e valorizadas pela escola, sem esquecer a importância de se concen-trar no padrão culto como instrumento de empoderamento social dos alunos. Desta forma, você terá, neste capítulo final de Linguística II, uma breve noção das relevantes contribuições que as ciências da linguagem têm trazido para o ensino de língua portuguesa.

1. cOncEpçõEs dE Língua/LinguagEm E suas impLicaçõEs

para O EnsinO

A concepção que o professor tem de sua língua, ou do que é, afinal de contas, a linguagem humana, determina, em larga medida, a maneira como esse professor se comporta em sala de aula, que conteúdos privilegia no ensino, como vê seus alunos enquanto usuários da língua, como trata as variedades linguísticas não padrão trazidas para o ambiente escolar e de que forma encara a leitura e a pro-dução de textos, entre outras coisas.

Prof. Dr. benedito Gomes bezerraCarga Horária | 15 horas

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44 Capítulo 4

Embora muitos não se deem conta disso, o fato é que há mais de uma maneira de se conceber o que é língua/linguagem. A linguística, particular-mente, trouxe a possibilidade de se encarar o fenô-meno da linguagem humana de várias maneiras, umas consideradas mais, outras menos adequadas.

Como você aprendeu no Capítulo 1, os estudos da linguagem, desde o surgimento da linguística no século vinte, seguiram um percurso dos modelos formalistas aos modelos funcionalistas. A polêmi-ca formalismos x funcionalismos teve uma grande força, com um predomínio inicial das visões for-malistas e uma gradual supremacia dos enfoques funcionalistas a partir dos últimos vinte e cinco ou trinta anos do século passado. Apesar de hoje pre-dominarem as concepções funcionalistas, isto é, aquelas baseadas no uso da linguagem mais do que em sua forma, ambos os modelos ainda exercem uma grande influência sobre o modo como se con-cebe a linguagem e a língua e, consequentemente, sobre como são ensinadas.

Os modelos formalistas, representados especial-mente pelo estruturalismo, originado em Saus-sure, e pelo gerativismo, proposto por Chomsky, caracterizaram-se por apresentar a língua como sis-tema de formas virtual e abstrato. Segundo o estru-turalismo, esse sistema ou estrutura era de nature-za social, e não individual. Com isso, Saussure, por exemplo, queria dizer que o indivíduo não tinha muita importância na definição da língua, pois ela seria uma espécie de convenção social, coletiva e abstrata, acima do uso concreto e, portanto, dos indivíduos históricos e reais. Já no modelo gerati-vista, a língua seria uma estrutura mental de cará-ter imanente e inata à espécie humana. A língua, gerada por um dispositivo biológico, também não dependia, em sua análise científica, de se conside-rar o uso individual, que seria variável e caótico, enquanto o sistema em si seria matematicamente coerente.

Os paradigmas funcionalistas, por sua vez, rom-piam com os formalismos por encarar a língua como entidade funcional, interacional, cognitiva, social e cultural, sem desprezar o aspecto linguís-tico em si, ou seja, o componente formal que, em última instância, permite a interação numa deter-minada língua. Ao contrário dos formalismos, no entanto, os funcionalismos colocam o indivíduo em posição de destaque e elegem como objeto de análise não mais o sistema formal e abstrato, mas

o uso concreto, histórico e cultural da linguagem, dando atenção, ainda, a aspectos, como a cognição e a interação social.

Como você pode perceber, essas concepções tão díspares só podiam estar na base de noções igual-mente diferentes quando se trata de responder à questão: Para que serve a língua/linguagem? O que significa, afinal, usar uma língua? Quem é o sujeito usuário dessa língua? O que significa ler e escrever textos numa determinada língua? Vejamos as no-ções que se tornaram clássicas:

1.1. Língua cOmO rEprEsEntaçãO dO pEnsamEntO

Nessa concepção, a língua é um sistema abstrato e autossuficiente, e o contexto de uso não tem qualquer importância. Segundo Oliveira e Wilson (2008, p. 236),

“de acordo com tal perspectiva, não importa à análise quem, como, quando ou para que (se) faz uso da língua, uma vez que o que está no foco da atenção é tão-somente a própria estrutura linguística, de certo modo descolada de todas as interferências comunicativas que cercam sua

produção e recepção”.

Conforme Koch e Elias (2006), na concepção de língua como representação do pensamento, acredi-ta-se que o texto é produzido por um autor-sujeito psicológico, individual, soberano em sua vontade e ações. Esse autor se utiliza da língua, adquirida como um sistema formal, para articular e exteriori-zar seu pensamento.

As implicações de uma visão como essa para o en-sino são claras. Se a escrita é o processo de exte-riorização e registro do pensamento, a leitura, por sua vez, consiste na atividade de captação da repre-sentação mental impressa no texto pelo autor. As-sim, a escrita seria um processo ativo de registro do pensamento, enquanto a leitura seria um processo passivo de captação das ideias do autor, sem con-siderar as experiências e os conhecimentos prévios doleitor.Umavisãocomoessaseriaextremamenteprejudicial para a formação de leitores na escola. Todo o foco desse tipo de concepção está no su-jeito falante ou escritor e em suas intenções, vistas como recuperáveis pelo ouvido ou pela leitura.

Do ponto de vista da análise linguística ou gramati-cal, essa concepção tende a se pautar pelas noções

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45Capítulo 4

de certo e errado, além de limitar as atividades à palavra, ao sintagma ou à frase. O trabalho com textos se desenvolve em torno da ideia da identifi-cação de um sentido único, refletido em atividades do tipo “retire a ideia central do texto”.

1.2. Língua cOmO instrumEntO dE cOmunicaçãO

A língua e a linguagem também foram vistas, a partir de certa interpretação dos estudos de Ro-man Jakobson, linguista proveniente do Círculo de Praga, como um instrumento de comunicação. Essa concepção teve um período de tal popularida-de que a disciplina de língua portuguesa chegou a ser chamada, no que seria hoje o Ensino Funda-mental, de “comunicação e expressão”. No centro dessa abordagem, estavam as chamadas funções da linguagem, respectivamente: expressiva, conativa, referencial, metalinguística, poética e fática. Cada uma dessas funções está ligada a um dos elemen-tos envolvidos no processo de comunicação: emis-sor, receptor, referente, código, mensagem e canal. Confira na ilustração abaixo:

do pelo sistema linguístico e caracterizado como uma “não-consciência”. O texto, nessa concepção, é visto como mero produto da codificação de um emissor; o papel do leitor é somente decodificar a mensagem. Para isso, precisa conhecer o código. Tudo está no código, e tanto emissor como recep-tor são apenas usuários de um código sobre o qual não exercem nenhuma interferência. Apenas pro-curam usá-lo bem, livre de “ruídos” que perturbem a comunicação.

Por seu lado, a leitura exige do leitor o pronto re-conhecimento do sentido das palavras e das estru-turas do texto. Temos assim, como na concepção anterior, uma ênfase na forma e na estrutura. O foco desse tipo de leitura está na linearidade do texto, e também aqui a leitura é uma atividade de reconhecimento e reprodução de sentidos que se consideram “codificados”, prontos e acabados. Esse tipo de abordagem à língua foi e é responsável por um ensino formalista, gramaticalista, pouco capaz de lidar com textos reais e pouco sensíveis às condições sociais em que são produzidos.

1.3. Língua cOmO Lugar dE intEraçãO sOciaL

Na concepção de língua como lugar de interação social, que Oliveira e Wilson (2008) preferem chamar de “concepção funcional e pragmática”, a linguagem é encarada como um fenômeno constituí-do e constituinte da interação humana e da atividade sociocultural, atividade dia-lógica por natureza. As estruturas linguís-ticas deixam de ocupar o primeiro plano na atenção dos estudiosos e passam a ser vistas como um aspecto entre outros que constituem e possibilitam as práticas dis-cursivas. Os aspectos dialógicos e socioin-

teracionais são vistos como responsáveis inclusive por alterações no próprio sistema linguístico, que está sujeito à mudança e variação decorrentes das diversas situações em que a linguagem é utilizada.

Conforme Koch e Elias (2006), ao contrário das concepções anteriores, na concepção interacional e dialógica da língua, tanto o autor como o leitor são tidos como sujeitos sociais ativos, construtores e construídos no texto. O texto, consequentemen-te, é visto como lugar de interação e de constitui-ção dos interlocutores, e não como uma realidade independente e preexistente.

Figura 1: Funções da linguagem

Font

e: h

ttp:

//ac

d.uf

rj.br

/~pe

ad/t

ema0

1/lin

gfun

coes

.htm

l

Destinador

Referente

Código

Destinatário

(função referencial)

(função conativa)(função expressiva)

(função metalinguística)

Mensagem(função poética)

Contato(função fálica)

Segundo Oliveira e Wilson (2008), apesar de se originar de uma concepção funcionalista da lin-guagem, essa abordagem tratou o esquema das funções de Jakobson como algo fora de contextos reais de interação e, dessa forma, transformou as funções em entidades ideais e estruturais, descui-dando dos problemas reais que interferem na situ-ação de comunicação.

Para Koch e Elias (2006), a concepção de língua como código ou instrumento de comunicação caracteriza o autor como um sujeito determina-

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46 Capítulo 4

A leitura se torna, por sua vez, uma complexa ati-vidade interativa de produção de sentidos, que mobiliza não só os elementos linguísticos mas tam-bém vários outros saberes envolvidos no evento co-municativo. Numa concepção interacional de lin-guagem, o foco da leitura se desloca do autor e do texto como elementos isolados para uma relação integrada entre autor e leitor, mediada pelo texto.

O leitor, na interação com o texto, não só decodi-fica informações explícitas mas também participa ativamente da construção do sentido. A leitura de um texto, pois, considera outras experiências do leitor, e não apenas o conhecimento do código lin-guístico. É essa concepção mais complexa, conside-rando não só a estrutura linguística mas também os fatores contextuais mais amplos (sociais, cultu-rais, cognitivos e interacionais), que tem alimenta-do as propostas e diretrizes para o ensino de língua portuguesa em nossos dias.

2. gênErOs tExtuais E EnsinO dE

Língua pOrtuguEsa

2.1. Os pcn E O EnsinO dE gênErOs

Com a implantação dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) a partir dos últimos anos do sé-culo vinte, o ensino de língua portuguesa confor-me proposto pelas diretrizes nacionais de ensino assumiu um caráter muito mais afinado com o progresso da pesquisa nas diversas disciplinas que integram a linguística.

O ensino de leitura e escrita, por exemplo, não tem mais como ser realizado sem alguma referência ao conceito de gêneros textuais (ou discursivos). Con-forme os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (PCNEM), “o estudo dos gêneros discursivos e dos modos como se articulam propor-ciona uma visão ampla das possibilidades de usos da linguagem, incluindo-se aí o texto literário” (p. 8).

Em outro documento oficial, intitulado Orienta-ções Educacionais Complementares aos Parâme-tros Curriculares Nacionais (PCN+EM), também se destaca a grande importância dada aos gêneros. Segundo os autores do documento, quando se pen-sa no trabalho com textos, o conceito de gêneros se torna “indissociável”, uma vez que os gêneros re-presentam a forma como os textos se materializam. Refletindo uma conhecida passagem bakhtiniana, os PCN+EM afirmam que os gêneros devem ser estudados “tomando-se como pilares seus aspectos temático, composicional e estilístico” (p. 77).

Em sua formação, os alunos devem ter a oportu-nidade de travar conhecimento com gêneros es-pecíficos que efetivamente façam ou possam vir a fazer parte de suas vidas em todos os âmbitos. En-tretanto, numa leitura crítica dos PCN, Marcuschi (2008) levanta a questão:

será que existe um gênero ideal para tratamento em sala de aula?

Poderíamos acrescentar muitas outras:

Que gêneros devem ser ensinados no ensino fundamental e médio?

Como selecionar os gêneros para cada nível?

A escola deve privilegiar os gêneros da escrita ou deve incluir também os gêneros orais?

E quanto aos gêneros que circulam em ambientes digitais como a Internet?

Qual o lugar deles no ensino escolar?

Como você pode ver, são muitas as questões e tal-vez ainda não haja respostas adequadas para todas elas.

Do ponto de vista do ensino de leitura e de escrita, de acordo com os próprios PCN, parece haver gê-neros cujo tratamento é mais adequado para uma ou outra finalidade. Ou seja, parece haver gêneros que seria mais produtivo ensinar do ponto de vista da escrita e outros que seriam mais adequados do ponto de vista da leitura. E isso porque no mundo real há gêneros que a maioria de nós só “consumi-mos”, ou seja, podemos ler ou ainda ouvir, mas não podemos produzi-los.Figura 2: PCN+EM

Font

e: h

ttp:

//w

ww

.cdc

c.us

p.br

/cd

a/pc

n/pc

m-m

ais-

astr

ono-

mia-e-astrofisica.html

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47Capítulo 4

Por exemplo, todos nós podemos tanto escrever como ler um bilhete ou um e-mail. Todos nós Po-demos ler uma reportagem de jornal, contanto que, de alguma forma, tenhamos acesso ao jornal. Entretanto, poucas pessoas podem escrever uma reportagem de verdade e, ainda mais, vê-la publi-cada no jornal. Esse aspecto chama a atenção para o fato de que não basta ensinar modelos de gêne-ros textuais, mas é preciso refletir sobre o que os alunos realmente vão fazer com o que estão apren-dendo.

Será útil ensinar a escrever algo que os alunos nunca irão usar de verdade?

Neste caso, é possível que o mais indicado seja en-sinar o aluno a compreender aquele gênero, não só do ponto de vista formal mas também do ponto de vista discursivo. Isso significa incluir na reflexão a pergunta sobre a relação entre gêneros e poder, entre gêneros e papéis sociais: por que algumas pessoas podem escrever textos que têm grande in-fluência na vida dos outros, e por que a maioria só pode consumir esses textos? Por esse caminho, os gêneros textuais passam a ser reconhecidos como parte da própria vida social com suas ideologias e relações desiguais entre as pessoas.

Marcuschi (2008) destaca que os PCNs correta-mente defendem uma relação entre oralidade e es-crita no contexto do contínuo de gêneros textuais. Quer dizer, o ensino de gêneros deverá considerar que não há uma oposição radical entre gêneros orais e gêneros escritos. Não há uma relação di-cotômica, segundo a qual os gêneros da oralidade seriam caóticos, desorganizados e não planejados, enquanto os gêneros da escrita seriam marcados pela ordem, organizados e planejados.

Nesse contexto, também é bom lembrar que a terminologia bakhtiniana de gêneros primários e gêneros secundários não corresponde a uma divi-são entre gêneros orais e escritos. Isso quer dizer que há gêneros orais que são bastante complexos, como um debate entre candidatos a cargos políti-cos, por exemplo, e gêneros escritos que são bas-tante simples, como um bilhete. Nesse caso, nem o debate é um gênero primário somente por ser oral, nem o bilhete é um gênero secundário apenas por ser escrito. Não foi intenção de Bakhtin opor, sem mais nem menos, a oralidade e a escrita. No ensi-no, é preciso considerar o contínuo em que se en-quadram tanto os gêneros orais como os escritos:

uns e outros podem ser mais ou menos complexos, dependendo de fatores como os propósitos, os par-ticipantes da interação e outros.

Por fim, Marcuschi (2008) critica os PCN por não fazerem uma distinção sistemática entre tipos (en-tendidos como construtos teóricos e linguísticos que definem a organização textual em padrões como narrativa, descrição, argumentação, injun-ção e exposição) e gêneros textuais (entidades em-píricas que são os textos concretamente produzi-dos e recebidos no dia a dia: e-mails, cartas, ofícios, editoriais, anúncios, avisos, telefonemas etc.). De fato, como mostra Alves (2010), a confusão ou a não distinção entre tipos e gêneros textuais, que faz toda a diferença entre o ensino tradicional de redação e o ensino atual de leitura e escrita, tam-bém é comum na escola e traz grandes dificulda-des para professores e alunos. Não é possível haver ensino baseado na diversidade de gêneros textuais sem se fazer claramente essa distinção.

Por último, Marcuschi (2008) ainda critica os PCN por sugerirem o trabalho com gêneros pouco co-muns na vida diária, desprezando, consequente-mente, gêneros que seriam muito mais relevantes para os alunos. Em especial, tendem a ser pouco trabalhados ou mesmo esquecidos os gêneros da oralidade, ou pela pouca tradição que a escola tem de trabalhar com eles, ou porque se julga que eles não precisam ser ensinados. É que o trabalho com a oralidade em sala de aula costuma se reduzir à conversa informal entre os alunos, em atividades escolares, trabalhos em grupo etc. Os gêneros orais públicos mais formais tendem a não ser enfatiza-dos em situações didáticas.

Ressalte-se que essas críticas dirigidas aos PCN não invalidam a constatação de que com eles temos um grande avanço no que diz respeito à proposta de trabalho com a língua portuguesa na escola, espe-cialmente quando pensamos em como o ensino estava reduzido a questões meramente formais e voltadas para as estruturas linguísticas. Vejamos, a propósito, como uma pedagogia de gêneros assu-me uma forma específica por meio das chamadas sequências didáticas.

2.2. EnsinO dE gênErOs pOr sEquências

didáticas

Umasequênciadidáticapodeserdefinidacomo

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48 Capítulo 4

“um conjunto de atividades escolares organizadas, de ma-neira sistemática, em torno de um gênero textual oral ou

escrito”(MARCUSCHI,2008).

Assim, com a finalidade de apresentar um deter-minado gênero aos alunos, a sequência didática proporciona um trabalho gradual, dividido em di-versas etapas, que culminam com a produção do referido gênero como avaliação final do processo. A Figura 3 exemplifica as partes que compõem uma sequência didática:

plares do gênero aos alunos. Essa apresentação inclui a leitura/audição dos gêneros pelos alunos com acompanhamento do professor.

A produção inicial é a etapa em que se dá a pri-meira formulação do texto pelos alunos por meio de tarefa realizada coletiva ou individualmente. Do ponto de vista da avaliação, pode ser atribuída uma nota, mas é necessário se ter, em mente, que os alunos ainda não têm todos os elementos para que lhes seja cobrada uma produção mais consoli-dada. A produção inicial pode até mesmo ter a for-ma de um esboço geral, como um primeiro treino para ajustes posteriores. O fundamental é que essa etapa será seguida de revisões e avaliações necessá-rias até chegar ao estágio final.

Os módulos, embora exemplificados como três na ilustração, podem ser vários, até que os alunos tenham treinado o suficiente a produção, chegan-do-se à elaboração final para a elaboração final do texto com sua avaliação somativa. Inicialmente, trabalham-se os problemas que apareceram na pri-meira produção. Por exemplo, como foi o plane-jamento do texto? Foi adequado ou é necessário enfatizar mais esse passo?

Em seguida, podem-se fazer atividades de observa-ção e análise de textos bem como comparar textos do mesmo gênero ou não, dependendo dos aspec-tos que o professor deseja destacar. É aconselhá-vel que os problemas sejam analisados coletiva e democraticamente, incentivando-se a participação do maior número possível de alunos.

No processo, espera-se, ainda, que professor e alu-nos trabalhem com diferentes sequências ou tipos textuais. É o momento também de se ressaltar a aquisição de linguagem técnica sobre o gênero e a área a que pertence. Os alunos podem ser estimu-lados a produzir glossários contendo as definições mais relevantes para o estudo.

A última etapa é a produção final do gênero, acompanhada de avaliação somativa. Nessa etapa, o aluno deve ter obtido controle satisfatório sobre sua própria aprendizagem, saber o que fez, por que e como. Deve ser capaz de selecionar a situação em que o gênero pode ser produzido. A avaliação deve considerar tanto os progressos do aluno como o que lhe falta para chegar a uma produção efetiva do gênero pretendido.

Apresentaçãoda Situação

ProduçãoInicial

ProduçãoFinal

módulo 1

módulo 2

módulo 3

Figura 3: Sequência didática

Font

e: M

arcu

schi

(200

8)

A etapa denominada apresentação da situação de-fine a situação em que é formulada a tarefa para os alunos. É o momento em que se definem os prin-cipais aspectos da tarefa, dos objetivos e de outros aspectos, como, por exemplo, decidir a modalida-de de produção do gênero, se oral ou escrita. Em seguida, é necessário definir qual gênero será pro-duzido, quais serão os destinatários desse gênero, ou seja, para quem se vai produzi-lo, qual é a forma de produção (pode ser para veiculação em rádio, jornal, blog etc.).

A sequência didática pode ser planejada como um projeto coletivo que resultará na produção do gê-nero. Ainda na apresentação da situação, definem-se os conteúdos a serem desenvolvidos. Os alunos podem ser solicitados a fazer uma pesquisa sobre a área em que se situa o gênero sob estudo, após o que chegará a hora de o professor apresentar exem-

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49Capítulo 4

2.3. agrupamEntO dE gênErOs E prOgrEssãO

Outra contribuição da linguística para o ensino do texto na escola, também relacionada com o conceito de gêneros, consiste em propor seu agrupamento e distribuição pelas diversos níveis de ensino, conforme critérios bem definidos. Com base na proposta de Schneuwly e Dolz (2004), os gêneros são agrupados de acordo com o trabalho a ser feito por meio de sequências didáticas, considerando-se:

1. Os domínios sociais de comunicação, por exemplo, “documentação e memorização das ações huma-nas”;

2. Os aspectos tipológicos, por exemplo, “relatar”, que aponta para gêneros organizados linguisticamente em torno de uma tipologia textual narrativa;

3. As capacidades de linguagem dominantes, por exemplo, a “representação, pelo discurso, de experiên-cias vividas, situadas no tempo”.

Esses três aspectos, intimamente inter-relacionados, apontam para gêneros específicos a serem ensinados em determinados momentos da formação escolar dos alunos. No caso exemplificado, os gêneros cor-respondentes sugeridos incluem relato de experiência, testemunho, diário pessoal e reportagem, entre outros.

Umaquestãoimportanteéqueocritériodeagrupamentosãoasmodalidadesretóricasquecorrespondemaos tipos textuais ou sequências tipológicas contidas no interior dos gêneros. Em outras palavras, significa uma decisão metodológica de ensinar sobre textos por meio de gêneros e não de tipos textuais, como se fazia tradicionalmente. Vejamos o quadro completo com a sugestão de alguns gêneros que poderiam ser trabalhados em cada uma das cinco subdivisões:

Domínios sociais de ComunicaçãoAspectos tipológicos

Capacidades de linguagem dominantes

Exemplos de Gêneros Escritos e Orais

Cultura literária ficcionalNarrar

Mimese da ação através da criação da intriga no domínio verossímil

Conto maravilhoso/ Conto de fadas/ Fábula/ Lenda/ Narrativa de aventura/ Narrativa de

ficção científica/ Narrativa enigma/ Narrativa mítica/ Sketch ou história engraçada/ Biografia romanceada/ Novela fantástica/ Conto/ Crôni-

ca Literária/ Adivinha/ Piada

Documentação e memorização das ações hu-manas Relatar

Representação pelo discurso de experiências vividas, situadas no tempo

Relato de experiência vivida/ Relato de uma viagem/ Diário ìntimo/ Testemunho/ Anedo-ta ou caso/ Autobiografia/ Curriculum vitae/

Notícia/ Reportagem/ Crônica social/ Crônica esportiva/ História/ Relato histórico/ Ensaio ou

perfil biográfico/ Biografia

Discussão de problemas sociais controversosArgumentar

Sustentação, refurtação e negociação de toma-da de posição

Textos de opinião/ Diálogo argumentativo/ Carta de Leitor/ Carta de reclamação/ Carta de solicitação/ Deliberação informal/ Deba-te regrado/ Assembléia/ Discurso de defesa

(Advocacia)/ Discurso de acusação (Advocacia)/ Resenha crítica/ Artigos de opinião ou assina-

dos/ Editorial/ Ensaio

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50 Capítulo 4

Nessa proposta de progressão curricular, combi-nando sequências didáticas e gêneros, temos, por-tanto, o agrupamento de gêneros baseados em nar-ração, exposição, argumentação, instrução e relato. Podemos notar também que os grupos são orga-nizados pelas semelhanças tipológicas e pelas situ-ações de produção dos gêneros. O procedimento tem um enorme potencial de facilitar a escolha de gêneros adequados para cada série ou nível de en-sino e possibilita uma progressão em espiral para seu ensino. Outra vantagem é a criação de eixos no ensino de gêneros: torna-se possível escolher os gêneros mais adequados, dentro de cada subgrupo, para as diversas séries de ensino, retomando-se o estudo a cada ano e assim ampliando as capacida-des dos alunos.

Isso significa que, nessa progressão articulada em torno de um grupo de gêneros, que por sua vez estão inseridos numa ou mais modalidades discur-sivas (oral ou escrita) ou em tipos textuais básicos predominantes, a progressão se dá em espiral: cada gênero é dominado em vários níveis e volta a ser estudado de forma mais profunda, acompanhan-do o desenvolvimento da capacidade cognitiva dos estudantes.

Em síntese, o que os autores propõem é a organiza-ção de uma progressão temporal do ensino, cons-truída sobre a base de um agrupamento de gêneros e considerando-se os diferentes níveis de operações da linguagem, em que os gêneros são tratados de acordo com o ciclo de ensino, sendo sua escolha

flexível para cada ciclo. A ideia é também que a aprendizagem precoce garante o domínio ao lon-go do tempo, uma vez que os mesmos textos são produzidos mais de uma vez ao longo dos ciclos. Apesar do procedimento em espiral, cada gênero é abordado em níveis diversos de exigência, evitan-do-se a mera repetição.

3. pOr uma pEdagOgia da variaçãO Linguística

3.1. Os pcn E O Lugar da divErsidadE Linguística nO EnsinO

Entre os diversos ramos da linguística contempo-rânea, a sociolinguística tem se destacado por ofe-recer uma concepção de língua que alcançou certa visibilidade na mídia e em outros fóruns de debate, particularmente por se opor, com muita clareza, à noção tradicional de uma língua “admiravelmente unificada” de norte a sul do país, como se as pes-soas falassem e escrevessem da mesma forma, nas diversas regiões, sem variações relativas também à faixa etária, ao nível de escolarização, à situação de comunicação e outras.

No contexto brasileiro, coube à sociolinguística mostrar que a língua portuguesa, apesar de ser o idioma nacional, falado, escrito e compreendido em todo o país, não é nem poderia ser isento de variação, obedecendo a um pretenso padrão váli-

Domínios sociais de ComunicaçãoAspectos tipológicos

Capacidades de linguaguem dominantes

Exemplos de Gêneros Escritos e Orais

Transmissão e construção de saberesExpor

Apresentação textual de diferentes formas dos saberes

Texto expositivo (em livro didático)/ Exposição oral/ Seminário/ Conferência/ Comunicação oral/ Palestra/ Entrevista de especialista/ Ver-bete/ Artigo enciclopédico/ Texto explicativo/

Tomada de notas/ Resumo de textos expositivos e explicativos/ Resenha/ Relatório científico/

Relatório oral de experiência

Intruções e prescriçõesDescrever Ações

Regulação mútua de comportamento

Instruções de montagem/ Receita/ Regulamen-to/ Regras de jogo/ Instruções de uso/ Coman-

dos diversos/ Textos prescritivos

Figura 4: Agrupamento de gênerosFonte: Schneuwly e Dolz (2004)

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51Capítulo 4

do para todas as situações. O português brasileiro, como todas as línguas existentes, é uma entidade complexa e sujeita à variação em múltiplos contex-tos de uso. Esse fato, longe de ser algo negativo, faz parte da riqueza da língua, capaz de se adaptar às múltiplas demandas de seus usuários nas diversas situações da vida.

Como falantes proficientes de nossa língua, exe-cutamos, de formas bastante diferentes, uma ação trivial como pedir um copo d’água, dependendo apenas de a quem estamos pedindo. Por exemplo, uma coisa é pedir água ao nosso irmão mais novo; outra coisa, muito diferente, é pedir a mesma coi-sa a uma pessoa totalmente desconhecida, numa terra desconhecida. A ação é a mesma, mas as es-tratégias linguísticas e discursivas mudam. Em ter-mos muito simples: tudo indica que não usaremos a mesma frase nem a mesma entonação de voz em ambos os casos, embora o sentido do que falamos seja o mesmo.

Sobre essa questão, os PCN também se posicio-nam com muita clareza. De acordo com Marcuschi (2008), os PCN acertadamente adotam uma postu-ra crítica em relação ao preconceito socialmente ar-raigado, que defende a identificação da fala de uma dada região como a língua “certa”. Corretamente, os PCN reconhecem que nenhuma região detém uma fala “mais correta” ou “mais bonita”, apesar das noções folclóricas que existem nesse assunto. Por exemplo, como lembra Bagno (2000), um mito comum é aquele que considera o português falado no Maranhão “o mais correto do Brasil”.

Assim, os PCN+EM ressaltam a grande importân-cia do tema da variação linguística no ensino de língua portuguesa. Falando do desenvolvimento de competências no aluno, o documento afirma que

“entre os procedimentos relativos ao desenvolvimento da competência gramatical, convém ressaltar aqueles que di-

zem respeito à variação linguística” (p. 82, itálicos meus).

Não fazer isso, no ensino de língua portuguesa, é negar aos alunos um conhecimento mais exato e realista de sua língua além de contribuir para des-valorizar as variedades mais populares de fala e es-crita em português, que serão esquecidas em favor da “norma culta”.

A propósito disso, segundo os PCN, o desenvolvi-

mento das competências gramatical e interacional pressupõe que “a partir da observação da variação linguística”, os professores compreendam os valo-res sociais nela implicados e, consequentemente, estejam prontos para ajudar a superar “o precon-ceito contra os falares populares em oposição às formas dos grupos socialmente favorecidos”. Perce-bemos, assim, que é dever do professor “aplicar os conhecimentos relativos à variação linguística e às diferenças entre oralidade e escrita na produção de textos” (PCN+EM, p. 82). Como você pode perce-ber, os PCN dão uma grande ênfase à questão da variação linguística, sem a qual o ensino de língua portuguesa tem sido incompleto e não tem contri-buído para a igualdade social.

Fundamental e grande, devido à aplicação da lin-guística ao ensino, é o reconhecimento de que “em nosso país convive uma enorme variedade linguís-tica, determinada por regiões, idades, lugares so-ciais, entre outros”. Consequentemente, os alunos não podem ser expostos apenas ao ensino da gra-mática e a suas regras e a exercícios que enfatizam as noções de certo e errado, pois estas, segundo os PCN, “tão típicas da abordagem normativa ou prescritiva, cederiam espaço para as noções de ade-quação ou inadequação em virtude das situações comunicativas de que o falante participa”.

Esse é, portanto, o tipo de ensino para o qual o professor de língua portuguesa deve estar prepara-do, pois “é papel da escola lidar, de forma produ-tiva, com a variedade linguística de sua clientela, sem perder de vista a valorização da variante lin-guística que cada aluno traz consigo para a escola e a importância de se oferecer a esse aluno o acesso à norma padrão” (PCN+EM, p. 82).

É certo que há muitos desafios a superar nessa apli-cação da sociolinguística, por meio do conceito de variação, ao ensino. Logo surgem as dificuldades. Umadelas,apontadaporMarcuschi(2008),équeos PCNs não têm uma resposta clara para o profes-sor que se pergunta:

“Então o que faço com o meu aluno que diz ‘nós vai’?”

A conclusão, evidentemente equivocada, a que muitos chegam é que agora “vale tudo” no ensino de língua portuguesa. “Não vamos mais corrigir nossos alunos, pois o que importa é que ele consi-ga se comunicar.” Apesar de muito comum, essa é

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52 Capítulo 4

uma péssima forma de entender a linguística. Na verdade, é uma distorção da linguística, que nunca afirmou nem defendeu tais coisas.

Novamente, a concepção da linguística está muito bem expressa nos PCN, quando lembram:

“Não é porque a escola deva acolher as variedades linguísti-cas de seus estudantes, para posteriormente realizar ativida-des de linguagem em torno delas, que o professor deva se eximir de conhecer muito bem o padrão culto da língua e

as bases da gramática normativa” (PCN+EM, p. 86).

Quer dizer, a questão não é excluir a norma culta do ensino de língua portuguesa, mas lhe negar o privilégio de ser a única digna de atenção por parte de professores e alunos: “A norma culta, conside-rada com uma das variedades de maior prestígio quando se trata de avaliar a competência interativa dos usuários de uma língua, deve ter lugar garanti-do na escola, mas não pode ser a única privilegiada no processo de conhecimento linguístico propor-cionado ao aluno” (p. 76).

Os PCN, portanto, concluem pela necessidade de aplicar os conhecimentos e as contribuições da sociolinguística ao ensino: “O conhecimento de alguns conceitos de sociolinguística é essencial para que nossos alunos não criem ou alimentem preconceitos em relação aos falares diversos que compõem o espectro do português utilizado no Brasil” (p. 27).

3.2. uma pEdagOgia da variaçãO Linguística

“Por uma pedagogia da variação linguística.” Essa tem sido a reivindicação de diversos estudiosos da linguística contemporânea no Brasil, conforme re-fletida nos PCN, como vimos acima.

O que deveria ser incluído em tal pedagogia?

Conforme Oliveira e Wilson (2008),

“a observação e análise de distintos usos linguísticos – como as gírias, os jargões profissionais, as marcas dialetais das diversas regiões brasileiras, entre outras manifestações – relacionando esses usos com os fatores sociais que cer-

cam os grupos que assim se expressam” (p. 238).

Numa pedagogia da variação linguística, a norma culta passa a ser vista como mais uma variedade

de uso, uma dentre as várias disponíveis na língua portuguesa, cujo prestígio não deriva de alguma qualidade intrínseca, como se o falar culto urbano fosse superior ao falar matuto, não escolarizado, por exemplo, mas de fatores sociais, políticos e eco-nômicos, entre outros. O domínio dessa variedade culta deve ser cultivado como um direito dos alu-nos, direito de aprender “uma prática necessária à ocupação dos postos de prestígio, uma ferramenta capaz de concorrer para a ascensão a lugares de maior visibilidade e mérito social” (OLIVEIRA e WILSON, 2008, p. 238).

Numa pedagogia da variação linguística, as formas de expressão trazidas para a escola pelos alunos, ainda que contrariem o padrão culto, não serão objeto de discriminação, mas servirão como ponto de partida para o trabalho do professor. As formas linguísticas específicas dos alunos das classes po-pulares, por exemplo, à luz da ciência linguística, não deverão ser vistas como menos eficientes ou linguisticamente inferiores. Devem ser encaradas apenas como diferentes, mas igualmente integran-tes do patrimônio vivo da língua portuguesa.

Apesar dos avanços em reconhecer e utilizar a noção de variação linguística no ensino de língua portuguesa, alguns problemas são recorrentes. Pri-meiro, em geral, a tendência dos manuais didáti-cos e, consequentemente, dos professores é a de eleger como exemplo para a variação linguística a fala de pessoas analfabetas, oriundas do meio rural e, frequentemente, da região Nordeste do Brasil. Então, fica parecendo que só a fala (e não a escrita) de analfabetos, caipiras ou matutos e nordestinos é que varia. Marcos Bagno (2007) chama a aten-ção para isso, ao denunciar que os exercícios com variação, nos livros didáticos, destacam sempre exemplos do personagem Chico Bento (caipira), do poeta cearense Patativa do Assaré (nordestino e semianalfabeto) e do cantor e compositor Adoni-ran Barbosa (que usou uma linguagem de “analfa-beto paulistano” em suas composições).

O segundo problema é o tipo de atividade didática que se propõe para trabalhar variação linguística. Conforme Bagno (2007), a maioria das atividades solicita que os alunos “passem para a norma cul-ta” o conteúdo que apresenta variação linguística. Com isso, a ideia que se transmite é a de que a va-riação linguística é algo inferior e errado, que pre-cisa ser corrigido, reescrito na norma culta. Essa forma de ensinar a variação contraria, no seu âma-

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53Capítulo 4

go, o propósito mesmo de se incluir tal conteúdo no ensino escolar. Parece que, nessa temática, mui-to progresso ainda precisa ser feito até chegarmos a uma situação adequada e a um padrão de ensino satisfatório.

atividadEs | Baseando-se em um ou mais livros didáticos de ensino fundamental ou mé-dio, tente responder ao seguinte:

1. Qual é ou quais são as concepções de lín-gua e linguagem expressas na maneira como o livro seleciona e organiza as atividades de leitu-ra, escrita e análise linguística?

2. Até que ponto o livro didático escolhido por você atende à diversidade de gêneros expressa na proposta de Schneuwly e Dolz (veja quadro neste capítulo)? Que gêneros são explorados no livro didático?

3. O livro contempla o tema da variação di-dática? Em caso positivo, como você avalia os exercícios propostos?

rEsumO

O propósito deste capítulo foi o de apresentar a você um panorama das contribuições da linguística para o en-sino de língua portuguesa, em especial no ensino fundamental e médio. Con-forme vimos brevemente, três foram as áreas selecionadas para a apre-sentação dessas contribuições. Primei-ramente, a contribuição fundamental da linguística diz respeito a possibilitar professores e alunos a uma concepção de língua e linguagem mais adequada e que respeite uma diversidade de as-pectos envolvidos no uso linguístico. Em segundo lugar, destacamos o ensino de gêneros textuais como uma das formas mais produtivas de se tratar o texto na escola e como uma firme contribuição da disciplina chamada Linguística Textu-al. Por último, apresentamos o conceito de variação linguística como a maior contribuição da Sociolinguística para o ensino de língua portuguesa. Com esses destaques, esperamos que você perceba, cada vez mais, a grande im-portância da Linguística para a sua for-mação como professor.

SAIBA MAIS!

Para o aprofundamento do que você viu neste

capítulo, gostaria de apresentar-lhe algumas

boas sugestões de leitura. Destaco, nesta se-

ção, textos que são acessíveis na Internet, mas

convido você a, na medida do possível, usar

também os subsídios representados pelas refe-

rências listadas ao final deste capítulo.

• Para um texto acessível sobre as funções

da linguagem, especialmente sobre a lín-

gua como instrumento de comunicação,

veja: http://acd.ufrj.br/~pead/tema01/

lingfuncoes.html.

• No site da Revista Nova Escola, veja a ma-

téria “Concepções de linguagem alteram o

que e como ensinar (http://revistaescola.

abril.com.br/producao-de-texto/concep-

coes-de-linguagem.shtml).

• Sobre a proposta dos PCN para o ensino de

gêneros textuais no ensino fundamental,

veja: http://www.unioeste.br/prppg/mes-

trados/letras/revistas/travessias/ed_004/

artigos/linguagem/pdfs/G%EAneros%20

Textuais%20-%20Cristina.pdf.

• Sobre variação linguística, consulte o site

do professor e pesquisador Marcos Bagno,

em que você encontrará textos interessan-

tes e outros recursos: http://marcosbagno.

com.br/site2/index.htm.

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54 Capítulo 4

rEfErências

ALVES, Cibele Helena. A diferenciação de gê-neros e tipos textuais na escola. 2010. Mo-nografia (Especialização em Ensino de Língua Portuguesa) – Universidade de Pernambuco, Garanhuns, 2010.

BAGNO, Marcos. Nada na língua é por aca-so: por uma pedagogia da variação linguística. São Paulo: Parábola Editorial, 2007.

____________. Preconceito linguístico: o que é, como se faz. 4. ed. São Paulo: Loyola, 2000.

BRASIL. Ministério da Educação. Orientações Educacionais Complementares aos Parâme-tros Curriculares Nacionais. Linguagens, Có-digos e suas Tecnologias. Brasília: 2000. Dis-ponível em: <http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=12598:publicacoes> Acesso em: 29 jul. 2010.

BRASIL. Ministério da Educação. Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. Parte II: Linguagens, Códigos e suas Tecnolo-gias. Brasília: 2000. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=12598:publicacoes> Acesso em: 29 jul. 2010.

KOCH, Ingedore G. V.; ELIAS, Vanda Maria. Ler e compreender: os sentidos do texto. São Pau-lo: Contexto, 2006.

MARCUSCHI, Luiz A. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo: Pará-bola, 2008.

OLIVEIRA, Mariangela Rios de; WILSON, Victo-ria. Linguística e ensino. In: MARTELOTTA, Má-rio Eduardo (Org.). Manual de linguística. São Paulo: Contexto, 2008. p. 235-242.

SCHNEUWLY, Bernard; DOLZ, Joaquim. Gêne-ros orais e escritos na escola. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2004.

GLOSSÁRIO

capítuLO 1

Cognitivismo – estudo científico da mente e dos proces-sos e ações ligados ao conhecimento, incluindo atenção, percepção, pensamento, memória, raciocínio e lingua-gem, entre outros.

DiaCronia – na teoria saussuriana, designa uma aborda-gem evolutiva e histórica dos fatos da língua, a qual Saus-sure não considera como sendo objetivo da linguística.

DiCotomia – refere-se a uma forma de encarar a realida-de em termos de pares opostos, contrários entre si, tais como fala x escrita, competência x desempenho e outros.

Estruturalismo – teoria originada do pensamento de Ferdinand de Saussure (embora ele mesmo não usasse o termo), que privilegia o estudo da língua como sistema formal e abstrato de signos organizados como um conjun-to de relações de oposição.

Formalismo – paradigma que, nos estudos linguísticos, se caracteriza pelo foco na forma linguística, na estrutu-ra formal, na língua como código, independente de seus usuários e do contexto de uso.

FunCionalismo – paradigma que privilegia a abordagem da língua como sistema determinado pelo uso, caracteri-zado pela interação entre os sujeitos falantes e não, pelos aspectos formais descontextualizados.

gErativismo – teoria proposta por Noam Chomsky, carac-terizada por uma visão da língua como realidade mental e inata, instalada na herança biológica dos seres humanos, pela qual, com um mínimo de estímulos, somos capazes de gerar frases infinitas em nosso idioma materno.

linguístiCa históriCo-Comparativa - corrente predomi-nante no século XIX. Abordava a língua numa perspectiva diacrônica, observando tanto relações evolutivas como leis e regularidades, especialmente fonético-fonológicas, que definiram a história das línguas.

pragmátiCa – área da linguística que enfatiza a relação entre os usuários e os signos da língua, ou entre o uso linguístico e os participantes da situação de interação.

signo linguístiCo – unidade da língua composta, segundo Saussure, por duas faces que são o significado e o signifi-cante (o conceito e o material linguístico que o define); apro-ximadamente equivalente ao conceito popular de “palavra”.

sinCronia - na teoria saussuriana, designa a abordagem dos fatos da língua em um recorte horizontal, não evolu-tivo, a qual Saussure considera como sendo objetivo da linguística.

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55Capítulo 4

capítuLO 2

soCiointEraCionismo – em linguística, trata-se de uma abordagem aos fenômenos da língua do ponto de vis-ta da interação social entre os sujeitos falantes. Por essa abordagem, os aspectos linguísticos não podem ser ana-lisados isoladamente, mas, no interior de uma concepção de língua como lugar de interação entre pessoas concre-tas, sociais, em situações reais de comunicação.

soCioCognitivismo – segundo esta concepção, os proces-sos cognitivos envolvidos na produção da linguagem de-vem ser encarados como processos sociais e não apenas como fenômenos individuais.

mEntalismo – em uma concepção linguística como o ge-rativismo, o mentalismo se caracteriza como a ideia de que a linguagem se origina na mente, de forma indepen-dente do contexto social de uso.

moDulariDaDE – no cognitivismo, representa a noção de que a mente é um sistema dividido em diversos módulos independentes, cada um responsável por uma função di-ferente. Na versão gerativista do conceito, a linguagem estaria contida em um desses módulos da mente, e, ain-da, cada aspecto do processamento da linguagem, como a sintaxe, por exemplo, se daria de forma isolada e inde-pendente dos outros aspectos (morfologia, por exemplo).

inatismo – no gerativismo, designa a concepção de que a capacidade de linguagem está registrada na herança bio-lógica da espécie humana. A linguagem, portanto, é algo que o indivíduo traz como potencial desde o seu nasci-mento, e sua aquisição independe de fatores contextuais.

mEtáFora – tradicionalmente, designa uma forma de lin-guagem figurada, em que dois termos são, de alguma forma, comparados, mas sem o uso de um conectivo tí-pico das comparações. Na metáfora, um termo substitui outro em vista de uma relação de semelhança entre os referentes que esses termos designam. Nos atuais estudos da metáfora, ela é tida como indissociável de nossa lin-guagem em todos os níveis e não como uma característi-ca da linguagem literária.

capítuLO 3

rEtóriCa – em sentido amplo, designa a arte de usar a lin-guagem com vistas a persuadir ou influenciar. Em sentido restrito e tradicional, alude, ainda, ao emprego ornamen-tal ou eloquente da linguagem, quando se aproxima do conceito de oratória. “A retórica é a técnica (ou a arte, como preferem alguns) de convencer o interlocutor atra-vés da oratória, ou outros meios de comunicação” (Wi-kipédia).

gênEros tExtuais – “Modo tipificado de reconhecer, res-

ponder e agir de maneira significativa e consequente em situações recorrentes e, dessa forma, participar de sua re-produção” (Bawarshi e Reiff, 2010). Essas formas de ação se realizam por meio de textos escritos ou orais caracterís-ticos, normalmente reconhecidos pelos interlocutores em situações culturalmente compartilhadas. Os gêneros são representados pelos textos que conhecemos por nomes bem definidos, como cartas, bilhetes, telefonemas e ser-mões, entre outros.

intEraCionismo soCioDisCursivo – abordagem teórica do discurso, segundo a qual as ações humanas devem ser tratadas em suas dimensões sociais e discursivas, conside-rando-se a linguagem como a principal característica da atividade social humana.

EnunCiação - corresponde ao processo pelo qual se colo-ca a língua em funcionamento numa situação de discurso, dependente da atividade conjunta do locutor e do inter-locutor (ou ouvinte). É o evento histórico correspondente à atividade conjunta de ativação discursiva, realizada por aquele que fala, no momento em que fala, e por aquele que ouve.

linguístiCa sistêmiCo-FunCional (lsF) – abordagem lin-guística baseada na obra de Michael Halliday, segundo a qual a estrutura linguística está inteiramente relacionada com a função social e o contexto de uso da linguagem. Para a LSF, a linguagem se organiza de uma determinada forma, numa cultura, em função dos propósitos sociais que desempenha naquele contexto.

propósito ComuniCativo – na teoria de gêneros de John Swales, é o propósito a que um determinado gênero se presta, sendo definido em relação com os objetivos comu-nicativos compartilhados por uma comunidade discursiva.

ComuniDaDE DisCursiva – segundo Swales, as comuni-dades discursivas são agrupamentos sociorretóricos, ca-racterizados por objetivos comuns, gêneros específicos, terminologia compartilhada, mecanismos de intercomuni-cação e uma massa crítica de membros preparados para transmitir seus objetivos e propósitos comunicativos aos novos membros.

Conjunto DE gênEros – na teoria de gêneros de Charles Bazerman, o conjunto de gêneros é usado por uma de-terminada comunidade para realizar as ações discursivas típicas dessa comunidade.

sistEma DE gênEros – designa uma quantidade de con-juntos de gêneros que coordena as ações de múltiplos grupos de pessoas dentro de um sistema de atividades. O sistema de gêneros envolve a interação dos usuários em diferentes níveis hierárquicos, por meio dos gêneros apro-priados às diversas situações sociais de comunicação.

sistEma DE ativiDaDEs – um sistema de atividades media-

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56 Capítulo 1

das, interativas, compartilhadas, motivadas e, às vezes, concorrentes. As interações discursivas dentro do sistema de atividades são mantidas por meio de sistemas de gê-neros, que são responsáveis por definir modos de agir dis-cursivamente, nas diversas situações.

FunçõEs Da linguagEm – segundo a proposta de Roman Jakobson, as funções da linguagem são: função refe-rencial, emotiva (ou expressiva), conativa (ou apelativa), fática, metalinguística e poética. Cada uma delas se re-laciona com um dos elementos presentes no processo de comunicação, respectivamente: o referente (ou objeto), o emissor, o receptor, o canal, o código e a mensagem.

parâmEtros CurriCularEs naCionais – conjunto de diretri-zes oficiais, emanadas do governo federal brasileiro, que orienta o ensino nos níveis Fundamental e Médio.

sEquênCia DiDátiCa – na tradição suíça de estudos de gê-neros, refere-se a um conjunto de atividades interligadas e planejadas para ensinar um gênero escrito ou oral etapa por etapa. Hoje são utilizadas para qualquer disciplina e para ensinar os mais diversos conteúdos.

agrupamEnto DE gênEros – na teoria de gêneros da Escola de Genebra, trata-se de uma forma de selecionar gêneros escritos ou orais específicos, distribuindo-os como objetos de ensino pelas diversas séries da Educação Básica.

tipo tExtual – designa a forma como um texto se organiza do ponto de vista de aspectos linguísticos, como tempos verbais característicos por exemplo. Os tipos textuais exis-tem em número limitado e referem processos, como nar-rativa, descrição, dissertação, exposição e injunção.

variação linguístiCa – refere-se ao fenômeno pelo qual entendemos que a língua não é a mesma em todos os lugares e tempos nem para todas as pessoas. A língua varia, e essa variação é inerente a ela, não representa uma anormalidade.

variEDaDE linguístiCa – variedades são formas específicas (dialetos sociais) como a língua se organiza, do ponto de vista da variação. No português brasileiro, por exemplo, uma variedade linguística integrante da língua seria a variedade caipira típica do Sudeste. Cada variedade lin-guística apresenta variantes específicas que determinam suas diferenças em relação a outras variedades da língua. O conjunto das variantes típicas das diversas variedades linguísticas juntamente com estas representam a variação numa determinada língua.