3. A GLOBALIZAÇÃO E O ESPAÇO DA CULTURA - · PDF filesão que os...

33
3. A GLOBALIZAÇÃO E O ESPAÇO DA CULTURA PORTUGUESA “Portugal, no mundo globalizado tem de ter um projecto”. 280 José António Saraiva O fenómeno da globalização está a processar-se a um ritmo incontrolável. Ao criarem-se os meios que permitem chegar cada vez mais depressa a qualquer ponto da terra, o mundo fica mais pequeno e interdependente. As relações internacionais intensificam-se, as permutas comerciais generalizam-se e as economias interdependem umas das outras. Deixou de haver fronteiras intransponíveis para o progresso do conhecimento. Este é um processo fruto tanto do desenvolvimento dos mercados sem fronteiras como da sociedade da informação, ambos potenciados pelas novas tecnologias. À permuta mundial não escapam também as relações culturais e linguísticas com claro predomínio dos mais poderosos economicamente procederem a uma pressão cultural sobre os mais débeis. Se “a globalização está assinada em língua inglesa”, 281 neste espaço cultural sem fronteiras reafirmamos que a lusofonia reune as potencialidades e pode munir-se das ferramentas, para fazer frente, com sucesso, ao assalto cultural e linguístico de feição anglo-saxónica. Toda a cultura pressupõe a incorporação de valores de outras culturas. A portuguesa teve o seu momento mais alto, quando nos descobrimentos encontrou a sua vocação cosmopolita e universalista. Em contrapartida a lógica salazarista do “orgulhosamente sós” atirou-nos para um dos seus piores momentos da história nacional. No Estado Novo, o nacionalismo foi “exacerbado” a um ponto que consideramos doentio, pela defesa da Pátria, todos os sacrifícios eram poucos, a interiorização destes e outros valores era fundamental à sobrevivência do regime e factor de práticas de políticas colonialistas e de dominação. Este discurso pejado de vários “tiques” do nacional-socialismo está ultrapassado e torna-se até ridículo, é necessário reinventar um outro de que a nossa afirmação no mundo se fará com a defesa de uma identidade cultural, no respeito mútuo e no desenvolvimento de traços comuns que 280 José António Saraiva, “E se Figo fosse espanhol?” In Expresso - Política à Portuguesa, 9 de Novembro de 2002 (Caderno Principal), p.5. 281 Eduardo Lourenço, “palavras com força e ideias-chaves” in Jornal de Notícias (sec. Sociedade) 16/10/2002.

Transcript of 3. A GLOBALIZAÇÃO E O ESPAÇO DA CULTURA - · PDF filesão que os...

Page 1: 3. A GLOBALIZAÇÃO E O ESPAÇO DA CULTURA - · PDF filesão que os pais destes mesmos jovens lutavam há uma geração pelo aumento da ... a Asteca no México, a dos Maias no Yucatan

3. A GLOBALIZAÇÃO E O ESPAÇO DA CULTURA

PORTUGUESA

“Portugal, no mundo globalizado tem de ter um projecto”.280

José António Saraiva

O fenómeno da globalização está a processar-se a um ritmo incontrolável. Ao

criarem-se os meios que permitem chegar cada vez mais depressa a qualquer ponto da

terra, o mundo fica mais pequeno e interdependente. As relações internacionais

intensificam-se, as permutas comerciais generalizam-se e as economias interdependem

umas das outras. Deixou de haver fronteiras intransponíveis para o progresso do

conhecimento. Este é um processo fruto tanto do desenvolvimento dos mercados sem

fronteiras como da sociedade da informação, ambos potenciados pelas novas

tecnologias. À permuta mundial não escapam também as relações culturais e linguísticas

com claro predomínio dos mais poderosos economicamente procederem a uma pressão

cultural sobre os mais débeis. Se “a globalização está assinada em língua inglesa”,281

neste espaço cultural sem fronteiras reafirmamos que a lusofonia reune as

potencialidades e pode munir-se das ferramentas, para fazer frente, com sucesso, ao

assalto cultural e linguístico de feição anglo-saxónica.

Toda a cultura pressupõe a incorporação de valores de outras culturas. A

portuguesa teve o seu momento mais alto, quando nos descobrimentos encontrou a sua

vocação cosmopolita e universalista. Em contrapartida a lógica salazarista do

“orgulhosamente sós” atirou-nos para um dos seus piores momentos da história

nacional. No Estado Novo, o nacionalismo foi “exacerbado” a um ponto que

consideramos doentio, pela defesa da Pátria, todos os sacrifícios eram poucos, a

interiorização destes e outros valores era fundamental à sobrevivência do regime e factor

de práticas de políticas colonialistas e de dominação. Este discurso pejado de vários

“tiques” do nacional-socialismo está ultrapassado e torna-se até ridículo, é necessário

reinventar um outro de que a nossa afirmação no mundo se fará com a defesa de uma

identidade cultural, no respeito mútuo e no desenvolvimento de traços comuns que

280 José António Saraiva, “E se Figo fosse espanhol?” In Expresso - Política à Portuguesa, 9 de Novembro de 2002 (Caderno Principal), p.5. 281 Eduardo Lourenço, “palavras com força e ideias-chaves” in Jornal de Notícias (sec. Sociedade) 16/10/2002.

Page 2: 3. A GLOBALIZAÇÃO E O ESPAÇO DA CULTURA - · PDF filesão que os pais destes mesmos jovens lutavam há uma geração pelo aumento da ... a Asteca no México, a dos Maias no Yucatan

muitos séculos em conjunto souberam criar. A nossa identidade formou-se nessa osmose

universal de contactos com povos e línguas, enriquecendo-nos mutuamente Torna-se

imperioso criar a noção de que pertencemos a uma comunidade de povos em que é

importante estreitar laços de fraternidade, potenciar histórias comuns, desenvolver

projectos em parceria alicerçados no respeito das especificidades próprias.

Cremos que o espaço ideal para iniciar e desenvolver a “batalha” de afirmação

dos valores e da cultura portuguesa é a escola. Nela é possível semear atitudes e

comportamentos, promover aprendizagens que terão de ser passos seguros, consistentes

e duradouros para a persecução destas tarefas. A escola é o espaço ideal para “fomentar

a consciência nacional aberta à realidade concreta numa perspectiva de humanismo

universalista, de solidariedade e de cooperação internacional e desenvolver o

conhecimento e o apreço pelos valores característicos da identidade, língua, história e

cultura portuguesa”.282 A educação/formação permitir-nos-á enfrentar com sucesso as

novas exigências de um mundo em mudança. É também com a educação que se podem

veicular os valores democráticos, de cidadania e do respeito intercultural que têm

caracterizado as nossas sociedades e permitido o seu desenvolvimento. O exercício da

cidadania exige e pressupõe também a “educação para os media” que é necessária, neste

século banhado de informação, encetar desde os primeiros anos de escolaridade. A

escola deixa de ser o exclusivo centro de transmissão de cultura mas vê alargado o seu

âmbito e até a sua natureza, posicionada num mundo inundado de informação deve

aprender a ser “um lugar de aprendizagem de metodologia que permita um olhar crítico

em relação a essa informação”.283

3.1 A globalização e a afirmação da diversidade e da interculturalidade

282 Objectivos do Ensino Básico. Lei de Bases do Sistema Educativo n.º 43/86. 283 Mary Warnok com obra escrita sobre educação e ética, citada por Ana Gomes Ferreira, “O medo da americanização do Planeta tem mais de paranóia do que de realidade”, Público (secção: Sociedade), 17 de Outubro de 2002.

Page 3: 3. A GLOBALIZAÇÃO E O ESPAÇO DA CULTURA - · PDF filesão que os pais destes mesmos jovens lutavam há uma geração pelo aumento da ... a Asteca no México, a dos Maias no Yucatan

O conceito de globalização entrou no vocabulário recentemente e a sua origem é

anglo-saxónico, o termo preferido pelos franceses é o de “mundialização” por ser um

conceito mais ligado à utopia e aos valores do que à economia284. Outro vocábulo

também utilizado, porém, de abrangência mais restrita, é o da internacionalização que

designa qualquer coisa que escapa ao âmbito dos estados285. Este fenómeno que se

caracteriza pela interdependência dos povos começou por ter uma tonalidade económica

estendeu-se depois a todos aos quadrantes da sociedade. Tem tido abordagens diversas e

é objecto de análises calorosas. Não nos interessa tanto para esta reflexão o sentido

marcadamente ideológico que opõe aqueles que pugnam por um mercado aberto e

global, sob a égide ideológica do neoliberalismo como factor de desenvolvimento da

humanidade porque cria riqueza e bem-estar e aos outros, delatores deste processo, o

acham responsável pelo aumento da exclusão social, do fosso entre ricos e pobres e

directamente responsável pelas grandes crises internacionais Estes manifestam-se aberta

e militantemente nos conhecidos grupos antiglobalização nas ruas de Seatle, Praga,

Washington, Londres, Davos, Gotemburgo, Génova, Barcelona, etc. Sinais dos tempos

são que os pais destes mesmos jovens lutavam há uma geração pelo aumento da

liberdade, esbracejavam contra as ditaduras que fechavam as fronteiras e impediam a

livre circulação de pessoas e mercadorias, enquanto que hoje as causas dos seus filhos

parecem inversas manifestando-se contra a abertura desmesurada das mesmas fronteiras.

A metodologia de trabalho que adoptámos está, pois, distante das diferentes

manipulações ideológicas não é que não tenhamos opinião, mas ela não nos parece

relevante para este estudo. Retiramos então o significado propagandístico ao termo e,

globalização, para nós, significa que todos estamos mais interdependentes, mais perto

uns dos outros e que é possível neste diálogo intercultural todos cabermos e nos

relacionarmos. Este não é um processo novo, embora esteja na moda, iniciou-se há

séculos e passou por várias fases de implementação como veremos. Os tempos que

284 É uma explicação de François Gros, biólogo molecular, na Conferência da Fundação Gulbenkian sobre “Globalização – Ciência, Cultura e Religiões” realizada nos dias 15 e 16 de Outubro de 2002 conf. Dina Margato, “Mundialização nas Universidades”, Jornal de Notícias (secção Sociedade), 17 de Outubro de 2002. 285 É curiosa a posição dos franceses que consideramos os mais arraigados na defesa de uma cultura própria frente à invasão da matriz inglesa. Este posicionamento revela-se em todos os quadrantes sociais e culturais. Apesar da Língua Francesa ser menos falada que a Portuguesa, eles conseguem, através de uma política bem agressiva manter uma identidade própria e impor nos organismos internacionais a prevalência do francês como segunda língua universal logo a seguir ao Inglês.

Page 4: 3. A GLOBALIZAÇÃO E O ESPAÇO DA CULTURA - · PDF filesão que os pais destes mesmos jovens lutavam há uma geração pelo aumento da ... a Asteca no México, a dos Maias no Yucatan

decorrem são apenas mais uma fase do processo que, as TIC, primordialmente,

transformaram o nosso mundo na metáfora de Mcluan da “aldeia global”.

3.1.1 O processo evolutivo da globalização

Poderemos distinguir três fases neste processo de encontro entre os povos. O

primeiro, que se inicia com as descobertas e se prolonga até ao início da

industrialização; o segundo, prolonga-se até à queda do muro de Berlim e; o terceiro, é

aquele que decorre nos nossos dias. Estes períodos estão contextualizados por factores

de ordem política, social e económica. Se a navegação à vela foi a técnica suporte do

primeiro processo de encontro entre os povos, no segundo momento, foi pautado pelo

desenvolvimento dos meios de transporte, então o sustentáculo da relação inter-nações

enquanto que, presentemente, é o desenvolvimento dos mass media, proporcionado pelas

novas tecnologias que sustenta a interligação dos povos como nunca se tinha visto.

Até ao início das descobertas, na generalidade da sociedade europeia vive-se uma

sociedade feudal, predominantemente fechada e auto-suficiente. No entanto, existem

algumas economias que são preponderantes sobre outras, num mesmo espaço, as

determinam. Exemplo disso, para não recuarmos mais no tempo286, são as cidades –

-estado italianas que estabeleceram laços comerciais, influenciaram e dominaram

culturalmente grande parte dos povos mediterrânicos. O comércio é também a actividade

económica que permite definir no sudeste europeu a hegemonia do império turco sobre

uma vasta área. No Oriente, o império da China estendia a sua influência à Coreia, à

Indochina e à Malásia. O dinamismo económico que partia das cidades de Cantão e

Xangai estendia toda a sua influência ao mar da China.

A Índia, graças à sua posição estratégica, traficava num raio económico mais

amplo. A ele convergiam diversos mercadores predominantemente árabes que

transacionavam especiarias e tecidos finos que também chegavam ao Ocidente. A cobiça

destes mercados perseguiu boa parte dos líderes europeus e seria uma pequena nação,

situada na parte mais ocidental da Europa, que elegeu como desígnio nacional e pedra-

chave da sua política expansionista a descoberta do caminho marítimo para assim poder

286 Os impérios romano e árabe e outros são também tentativas globalizadoras de vastos espaços territoriais.

Page 5: 3. A GLOBALIZAÇÃO E O ESPAÇO DA CULTURA - · PDF filesão que os pais destes mesmos jovens lutavam há uma geração pelo aumento da ... a Asteca no México, a dos Maias no Yucatan

dominar o rico comércio do Oriente. Esta descoberta seria depois reforçado com a

criação do império português da Índia. Note-se que este território era de tal maneira

importante que o vice-rei era, na altura, a segunda figura da nação.

Mas não é só na Europa e na Ásia que se assiste a movimentos globalizadores,

também nas Américas pontuam civilizações territorialmente globalizadoras como sejam

a Asteca no México, a dos Maias no Yucatan e a Inca no Peru, organizadas em redor da

cultura do milho e na elaboração de tecidos. No entanto, eram auto-suficientes e não se

conheciam, nem se relacionavam quer por via terrestre quer por via marítima.

A internacionalização global do comércio e a aproximação das diferentes

culturas à escala dos cinco continentes só viriam a realizar-se com a gesta dos

descobrimentos e das empresas marítimas iniciadas pelos portugueses. Este

empreendimento marcou de uma forma indelével toda a actividade humana,

modificando completamente as relações comerciais, a economia e os aspectos culturais e

sociais da humanidade, como diz Manuel Alegre foi “fonte de um ver claramente visto e

de uma consciência experimental que estariam na origem de uma nova mentalidade e de

uma revolução cultural e científica precursora do renascimento europeu” 287 e da construção

da mentalidade moderna. Este cometimento viria a ser complementado, porém, de formas

distintas, por espanhóis, ingleses, holandeses e franceses.

A primeira fase da globalização, resultante da procura de uma rota marítima para

as Índias, aproximou definitivamente o Oriente do Ocidente. Seria ainda este propósito

que levaria Colombo a descobrir as Índias Ocidentais288, o continente desconhecido – a

América. Posteriormente as conquistas das terras do “Novo Mundo” estabeleceram o

mercantilismo à escala planetária. Fernão de Magalhães consubstanciaria esse abraço

universal com a realização da primeira viagem de circum-navegação. As mercadorias

aportavam às importantes cidades litorais europeias de Lisboa, Sevilha, Roterdão e

Londres, provenientes de todos os pontos do mundo. Para abastecer os mercados das

nações colonizadoras foram programadas vastas explorações baseadas num único

produto (café, açúcar, tabaco, minério) sustentado com trabalho escravo, recrutado em

África.289 Estabelece-se durante três séculos um sólido triângulo comercial. A Europa

287 Manuel Alegre, “Uma causa chamada Portugal” in Expresso (secção Opinião), n.º 1561 de 28/9/2002. 288 O objectivo de Colombo era o de viajar para o Ocidente e chegar à Índia. 289 Estima-se que 11 milhões de africanos (40% deles destinados ao Brasil) fossem transportados pelo Atlântico para trabalhar nas explorações agrícolas e nas minas das Américas.

Page 6: 3. A GLOBALIZAÇÃO E O ESPAÇO DA CULTURA - · PDF filesão que os pais destes mesmos jovens lutavam há uma geração pelo aumento da ... a Asteca no México, a dos Maias no Yucatan

fornece as manufacturas e a intteligentsia, da África subsariana são recrutados os

escravos e a América290 inunda o Ocidente de produtos coloniais. O contexto político em

que decorre esta fase da globalização é o das monarquias absolutistas que concentram

grande poder nas mãos dos reis e mobilizam grandes meios para consolidarem e

expandirem os seus impérios coloniais. A doutrina económica presente é a do

mercantilismo, caracterizada pelo proteccionismo, pelos incentivos fiscais e instauração

de monopólios. O objectivo último é o da acumulação de bens. O poder do rei é medido

pela quantidade de riqueza que consegue armazenar. Os grandes impérios são o inglês, o

espanhol, o português, o francês e o holandês.

A partir do século XVIII, inicia-se a industrialização que é um fenómeno que irá

revolucionar as relações entre estados e condicionar todas as actividades humanas,

dando origem ao período denominado de capitalismo que irá caracterizar o segundo

período globalizador. O processo foi iniciado em Inglaterra que graças à sua riqueza em

carvão e aço permitiu-lhe consagrar as riquezas adquiridas através da política colonial ao

desenvolvimento da indústria que por seu turno, com a dominação dos mares,

conquistava o mercado mundial. Com o desenvolvimento do caminho de ferro, novas

portas se abriram ao desenvolvimento do comércio e foi este que permitiu o

desenvolvimento da industrialização em França, na Bélgica, na Alemanha e em Itália.

Uma nova classe social emerge com toda a pujança – a burguesia industrial e bancária.

A doutrina económica é a do capitalismo.

Na génese deste movimento que se caracteriza por um espírito crítico e racional

que teve como seus mentores, entre outros, os franceses Rousseau291, Voltaire e

Montesquieu abrem novos caminhos ao pensamento político e social e são os ideólogos

das duas grandes revoluções que mudam radicalmente a relação de forças no mundo

pelas implicações do ideário político-social que veiculam, são elas a revolução

290 A partir do final do século XVIII e princípios do século XIX, com a independência das colónias americanas os objectivos de criação de impérios coloniais viram-se para África. Portugal vê frustradas muitas das suas intenções com o ultimato inglês ao mapa cor-de-rosa. 291 Rousseau escreve o “Contrato Social” em 1712 e nele apregoa: “o homem nasce livre e senhor da sua própria vontade e não pode ser governado por quem quer que seja sem o seu próprio consentimento”. Ao defender que todo o governo deve estar submetido à vontade maioritária, abre as portas para o articulado político que se há-de implementar nos tempos modernos - os regimes legitimados pela vontade do povo. Cf. Jean-Jacques Rousseau, O Contrato Social, Lisboa: Livros de bolso Europa – América, 1974, pp. 16 - 25.

Page 7: 3. A GLOBALIZAÇÃO E O ESPAÇO DA CULTURA - · PDF filesão que os pais destes mesmos jovens lutavam há uma geração pelo aumento da ... a Asteca no México, a dos Maias no Yucatan

americana (1776) e a francesa (1789) e do movimento europeu que apregoa a liberdade

individual.

As grandes invenções que se iniciam no século XVIII e se prolongam por todo o

século XIX ajudam à aproximação dos povos e à intensificação das suas relações. São

entre elas: o comboio, o barco a vapor, o telégrafo, o telefone, etc. Perfilam-se dois

conceitos principais de alinhamento dos países genericamente denominados de

“capitalistas” e “socialistas”. Estabelece-se uma nova ordem mundial perfilando-se duas

superpotências: Os Estados Unidos da América (EUA) e a União Soviética (URSS). São

dois projectos globalizadores que perduram rivalizando nos interesses e confrontando-se

indirectamente em múltiplos conflitos mundiais (guerra da Coreia, do Vietnam, de

Angola,...). A competição ideológica292, armamentista e tecnológica quase levou a

humanidade a uma catástrofe como foi o caso da crise dos mísseis de Cuba em 1962.

Após a Perestroika de Gorbatchev na URSS e a queda do muro de Berlim em

1989 foi proclamado um único sistema vencedor. No terreno, actualmente, apenas se

posiciona uma única superpotência mundial com todas as implicações daí resultantes. Os

EUA são o único país com capacidade para realizar intervenções militares em qualquer

parte do mundo (Kuwait em 1991, Haiti em 1994, Somália em 1996, Bósnia em 1997,

Afeganistão em 2001, em...). O dólar é a moeda forte e a base das transações comerciais,

assiste-se à “americanização” do mundo, fenómeno caracterizado pela difusão dos

valores culturais (língua inglesa), sociais e políticos americanos. A Europa apenas em

termos económicos consegue ombrear com o gigante do outro lado do Atlântico e na

definição das regras mundiais é apenas um espectador perante a força militar dos EUA.

Em termos económicos, neste início do séc. XXI, os EUA e os países que

integram a União Europeia, com particular relevância para a Alemanha, a França e o

Reino Unido, constituem no mundo actual os pólos mais poderosos do desenvolvimento

e isto porque dispõem de uma grande capacidade financeira, porque assentam em

estruturas organizadas muito poderosas e porque desenvolveram e acumularam

conhecimentos, tecnologias e capacidade executiva em praticamente todos os sectores da

actividade humana. Acresce serem estes os países que, ao longo dos últimos 50 anos,

criaram as estruturas, os mecanismos e os instrumentos capazes de prosseguir e

292 De um lado o bloco capitalista ou ocidental liderados pelos Estados Unidos e do outro o bloco socialista ou de leste com o ideário marxista e sob a égide da URSS.

Page 8: 3. A GLOBALIZAÇÃO E O ESPAÇO DA CULTURA - · PDF filesão que os pais destes mesmos jovens lutavam há uma geração pelo aumento da ... a Asteca no México, a dos Maias no Yucatan

aprofundar o desenvolvimento conducente à melhoria das condições de vida das

populações através de sistemas políticos que, apesar de todos os seus defeitos e

insuficiências, procuram respeitar os direitos humanos e fazer intervir os cidadãos nas

decisões que respeitam à vida colectiva e aos interesses do Estado. São estes dois

grandes grupos económicos que constituem os espaços de vanguarda do nível de vida e

também esperança para o desenvolvimento para muitos outros países. Por outro lado,

são sede das grandes empresas transnacionais que ditam as leis do mercado. Por detrás

delas estão maioritariamente dinheiros e interesses americanos, alemães, japoneses,

ingleses, franceses, italianos, etc. Na sua grande maioria estão ligados à indústria dos

automóveis, do petróleo e das novas tecnologias.

A nova globalização caracteriza-se por dois modelos que, em termos económicos

se têm mostrado pouco conciliatórios e são até rivais na sua concepção e prática. O

modelo europeu que pretende dosear a competitividade com a solidariedade social,

apostando mais ou menos generalizadamente num Estado-Providência que preconiza a

assistência social aos desprotegidos e mais necessitados, a par de um controlo na

flexibilidade salarial em que os sindicatos têm ainda um papel preponderante e

significativo na sua negociação. Estas características, para além do contexto cultural,

advêm de a Europa ser ainda um agrupamento de países não federados e possuírem

relativa autonomia para definirem as grandes linhas macroeconómicas próprias. Por

outro lado, o modelo americano onde o Estado tem uma posição menos reguladora do

mercado e se impõe uma competitividade maior. Isto tem propiciado a criação de

grandes grupos económicos que influenciam decisivamente as opções políticas e são a

vanguarda do efeito da globalização caracterizado pelo neo-liberalismo.

3.1.2. A era da aldeia global

Nos anos 80 inicia-se a última fase da globalização que coincide com o

desenvolvimento e massificação dos computadores e da Internet. Esta teve como origem

uma arquitectura militar, durante os anos sessenta, os serviços básicos de conectividade

remota, transferência de ficheiros e correio electrónico surgiram em finais da década de

70 e o serviço de informação mais utilizado actualmente, a World Wide Web, surgiu em

1989 (CERN, Suíça), como podemos ver no tema redes de comunicação do I capítulo

Page 9: 3. A GLOBALIZAÇÃO E O ESPAÇO DA CULTURA - · PDF filesão que os pais destes mesmos jovens lutavam há uma geração pelo aumento da ... a Asteca no México, a dos Maias no Yucatan

deste trabalho. É também por esta altura que se massifica a utilização dos computadores

que suportam e simplificam muitas das actividades humanas e contribuem para unir os

continentes e os povos do mundo.

A nova globalização caracteriza-se por uma livre circulação, sem precedentes, de

capitais, bens e serviços. As relações tornam-se complexas, a tecnologia,

nomeadamente, a Internet e os meios de comunicação modernos, permitem fazer

negócios em qualquer parte do mundo sentado em casa ou no escritório de qualquer

empresa. As leis nacionais revelam-se insuficientes para regular as trocas comerciais e

os negócios. São necessários organismos internacionais que superintendam as relações

humanas. Aos cidadãos escapa o controlo dos seus actos e a participação na escolha de

poderes nacionais que se revelam fracos, frente às estruturas supranacionais, cria uma

sensação de impotência e frustração.

Na opinião de Joaquín Estefanía293 “se trata de un proceso por el cual las

políticas nacionales tienen cada vez menos importancia y las políticas internacionales,

aquellas que deciden lejos de los ciudadanos, cada vez más”294. Este afastamento das

pessoas dos actos de decisão das suas vidas e dos representantes, por si escolhidos,

implica debilidade da democracia que se reflecte no enorme e generalizado

abstencionismo aquando de actos eleitorais. Esta tese também se confirma pelo facto dos

movimentos antiglobalização combaterem as organizações internacionais (FMI, G7,

OMC, ECOFIN, UE, etc.) e não os governos dos países. As decisões são

predominantemente tomadas em organismos que ninguém escolheu e que actuam

segundo princípios não muito claros para o vulgar dos cidadãos. A evolução gradativa

da globalização tem tendência para enfraquecer cada vez mais os estados e fortalecer as

instituições supranacionais. Os mercados regionais e intercontinentais são exemplo deste

processo, que tem visibilidade na Comunidade Europeia, no Mercosul, na NAFTA, etc.

O resultado é a interdependência de nações, principalmente, nos aspectos económicos,

mas a tendência é para outras políticas comuns deliberadas por organismos que o povo

não escolhe directamente. Na perspectiva de muitos, estas estruturas federativas serão a

293 Célebre jornalista espanhol e autor de vários livros sobre esta temática. “La nueva economía”, “La globalización”, “Contra el pensamiento único”, “Aquí no puede ocurrir”, “El nuevo espirito del capitalismo”, “El poder en el mundo”, “Diccionario de la nueva economía”. 294 Joaquín Estefanía, Hij@, qué es la globalización? La primera revolución del siglo XXI, 1.ª edição janeiro de 2002, Madrid: Santillana Ediciones Generales, S.L., 2.ª edição Fevereiro de 2002, p. 28.

Page 10: 3. A GLOBALIZAÇÃO E O ESPAÇO DA CULTURA - · PDF filesão que os pais destes mesmos jovens lutavam há uma geração pelo aumento da ... a Asteca no México, a dos Maias no Yucatan

base de uma administração mundial que já tem alguma visibilidade na Organização

Mundial do Comércio.

Ideologicamente esta fase é caracterizada pela crescente generalização dos

regimes democráticos e pela adopção quase universal da teoria neoliberal, caracterizada

pela primazia da iniciativa privada e pela livre circulação de produtos com a progressiva

abolição das taxas alfandegárias.

A globalização tem trazido modernidade à sociedade dita ocidental, porém o

fosso entre as sociedades subdesenvolvidas tem-se alargado, o claro privilégio dos

recursos fósseis tem levado à delapidação dos recursos naturais em detrimento do

desenvolvimento de novas formas energéticas, a teoria da insustentabilidade do Estado

de bem-estar, da ineficiência do sector público, a promoção da competividade e da

precaridade do trabalho tem criado instabilidade social o que deverá proporcionar uma

profunda reflexão.

A rejeição de formas de convivência cultural com medo do risco da

uniformização tem criado formas de nacionalismo e de construção de radicalismo que

explodem em formas de terrorismo colocando em risco um relacionamento saudável

entre os povos. As sociedades que se fecham ao intercâmbio dos povos têm tendência a

tornar-se totalitárias.

No mundo árabe há grupos que se diabolizam com receio da perda da identidade

face à colonização ocidental e particularmente a norte-americana criam-se ideologias

fundamentalistas que desabam em grande número de casos ou em sociedades fechadas e

asfixiantes ou engordam organizações terroristas que constituem verdadeiras ameaças à

civilização ocidental cujo exemplo mais flagrante é o “11 de Setembro”. A propósito da

dimensão cultural da globalização Jorge Sampaio refere que “se ela estará promovendo a

homogeneização ou mesmo, em última análise, a americanização dos gostos, práticas e

consumos culturais; ou se, pelo contrário, à medida que cresce a consciência desse risco

de uniformização, não estará a mesma globalização provocando um pouco por todo o

lado e em reacção, um movimento de intensa afirmação das identidades e culturas

nacionais, regionais e locais, quando não, em alguns casos, a própria rejeição de formas

elementares de convivência cultural”.295

295Jorge Sampaio, “Discurso de abertura da Conferência - Globalização, Ciência , Cultura e Religiões – da Fundação Gulbenkian”, Lisboa, 15 de Outubro de 2002, p. 4,

Page 11: 3. A GLOBALIZAÇÃO E O ESPAÇO DA CULTURA - · PDF filesão que os pais destes mesmos jovens lutavam há uma geração pelo aumento da ... a Asteca no México, a dos Maias no Yucatan

Todas as hipóteses são passíveis de uma verificação e ser aceitáveis, no entanto,

cremos que a superação das barreiras quer sejam físicas ou simbólicas entre os espaços

nacionais beneficiam o desenvolvimento humano e a “osmose informativa” não é apenas

um avanço técnico mas civilizacional pois “abre potencialidades enormes para a difusão

das ideias, da literatura, das ciências e das artes, ou seja para a democratização da

cultura (...) constitui um passo em frente para o conjunto da sociedade”.296

A construção da sociedade da informação é condição essencial para a

transformação da natureza do trabalho e a organização da produção e é condição

essencial para o progresso e um maior relacionamento entre os povos. Esta edificação

num mundo global é irregular e em alguns espaços muito deficiente. As desigualdades

são gritantes, apenas, como já o afirmamos 4% da população mundial tem acesso à

Internet297. Se, nos países desenvolvidos, o objectivo é o apetrechamento da sociedade

com as novas tecnologias, nos numerosos países do chamado terceiro mundo, o

objectivo principal é o combate à fome. Por outro lado, A qualidade da informação

disponível, na net, é polémica, pois ela serve particularmente os países desenvolvidos. È

necessária para além da promoção do acesso incentivar a diversidade das línguas298. A

tecnologia que deveria servir para criar um mundo mais perfeito e justo tem acentuado

as diferenças. Entre os muitos que defendem que as tecnologias e a Internet estão a

aumentar o fosso entre ricos e pobres destacamos Cess Hamelink299, responsável pelo

Departamento de Comunicação da Universidade de Roterdão, argumenta que muitas das

promessas estão ainda por cumprir, pois “muitas pessoas estão a ficar excluídas” ele

defende ainda que a generalização das tecnologias criaria um mundo insustentável em

(http://www.gulbenkian.org/globalizacao/presidente.pdf). 296Mario Vargas Lhosa, escritor peruano, citado por Ana Gomes Ferreira, “O medo da americanização do Planeta tem mais de paranóia do que de realidade”, Público (secção: Sociedade), 17 de Outubro de 2002. 297 A taxa de acesso ao serviço de telefone (fixo e móvel) era, em 1998, de 72% nos países membros da OCDE, em oposição a 8 por cento registados nos países não pertencentes. Nos países desenvolvidos a taxa de acesso à Internet é de mais de 30%, como vimos enquanto nos países africanos esta é inferior a 2%. Fonte: Diário de Notícias (secção net), “África não quer perder a corrida”, 26/05/2002. 298 Enquanto a presença de páginas em Inglês se situa na ordem dos 75%, restando as línguas latinas um valor na ordem dos 10.5%. Os conteúdos em Português situam-se na ordem dos 1,1% contra 3,2% do universo de falantes. Fonte: União Latina, “A presença das línguas e das culturas latinas na Internet”, 1998, (http://www.unilat.org/dtil/lenguainternet/pt/lingua/linguas_cap1.htm#1.1.%20Síntese%20dos%20Resultados). 299 Entrevista ao Público (Suplemento Computadores) conduzida por Isabel Gorjão Santos “As tecnologias e as assimetrias” de 6 de Maio de 2002.

Page 12: 3. A GLOBALIZAÇÃO E O ESPAÇO DA CULTURA - · PDF filesão que os pais destes mesmos jovens lutavam há uma geração pelo aumento da ... a Asteca no México, a dos Maias no Yucatan

termos ambientais. Esta tese deveria servir para se repensar o tipo de desenvolvimento

que teremos de implementar.

As escolas terão forçosamente de se adaptar a este mundo em mudança. Algumas

experiências revelaram-se demasiado economicistas e falharam o objectivo essencial da

formação de pessoas. Pela educação/formação passa muita da esperança da construção

de um mundo mais justo.

3.1.3 A escola no mundo globalizado

Desde a década de 80 que as novas tecnologias e a Internet contribuíram para a

partilha de informação entre diversas estruturas do ensino superior. Investigadores a

trabalhar nos lugares mais dispersos conseguiram intercambiar experiências e em

parceria desenvolver projectos comuns de investigação. O processo iniciou-se nos EUA,

porém a Europa ao dar-se conta do seu atraso em relação á conexão em rede das

instituições do Ensino Superior, encetou um processo de rápida construção da Sociedade

da Informação, como vimos em capítulo anterior. Uma das primeiras medidas que toma

no âmbito do eEurope é o de construir uma rápida ligação entre instituições de Ensino

Superior. A utopia de um desenvolvimento sem precedentes e desinteressado do

conhecimento baseado numa verdadeira teia, que todos contribuíssem para a construção

de um mundo melhor poderia concretizar-se. Esta visão pressupôs um caminho tortuoso

e semeado de dificuldades e a utopia está longe de concretizar-se. O fosso entre os

países mais desenvolvidos e os outros tem-se alargado, a par das injustiças sociais.

A necessidade de formação profissional e de formação em exercício de

actividade permitiu que o número das escolas se multiplicasse, e muitas empresas

privadas entraram no negócio do ensino/formação. As Universidades aliaram-se a

grandes empresas em parcerias de investigação, o ensino estandardizado especializou-se

e retiraram dos currículos as cadeiras generalistas, desenvolveu-se o negócio do ensino

para o emprego imediato em que as aulas têm uma forte componente de elearning300.

Dan Schiller301 traça-nos uma panorâmica das transformações do ensino particularmente

nos EUA e a mutação do ensino tradicional universitário, não lucrativo, em

300 Ensino à distância pela Internet. 301 Dan Schille,, A globalização e as novas tecnologias, Lisboa: Presença, 2001, pp. 169 - 230.

Page 13: 3. A GLOBALIZAÇÃO E O ESPAÇO DA CULTURA - · PDF filesão que os pais destes mesmos jovens lutavam há uma geração pelo aumento da ... a Asteca no México, a dos Maias no Yucatan

oportunidade de negócio, deitando mão às redes informatizadas, especialmente a

Internet, que tiveram uma importância fundamental, originando ao que chama “o

capitalismo digital” no ensino. “Este aumento vigoroso da procura de formação técnica

foi uma consequência quase inevitável do aumento de dependência da indústria em

relação à investigação científica”. 302 Por outro lado, as empresas são, por natureza,

grandes consumidoras de tecnologias, o que significa que ciclicamente, o departamento

de informática tem de proceder a uma reciclagem de conhecimentos. Outras razões

devem-se acrescentar a este aumento da procura de ensino, como seja o número

crescente de empregos em perigo, o desfazer do mito de uma carreira para toda a vida,

derivada do triunfo das políticas neoliberais.

A formação nas TIC tornou-se o mercado mais dinâmico do negócio da

educação/formação.303 O ciberespaço como fonte do conhecimento, aliado às

necessidades de formação para acompanhar a vertiginosa substituição de equipamentos e

aplicações, atraiu o investimento privado, numa perspectiva de lucro. No sector da

educação, onde antes havia instituições não lucrativas, começaram a surgir interesses

privados com o objectivo de adquirir dividendos. As empresas privadas criaram as suas

próprias escolas e durante a década de noventa, nos EUA, “o leque de matérias

ensinadas no sistema paralelo tinha crescido até se tornar tão abrangente como o das

escolas superiores e universidades”.304 A juntar a esta componente de prestação directa

de serviço surge o negócio do ensino em rede digital, do software educativo, da

programação de informática, material de testes, software de gestão de escolas, bases de

dados on-line, etc. A utilização crescente das novas tecnologias tornaram o negócio da

educação/formação um dos mais atractivos para os interesses empresariais e movimenta

um dinheiro incalculável e também múltiplos interesses.

A escola virtual transporta virtualidades transnacionais e globalizadoras. O

tráfego de estudantes para as universidades estrangeiras dos países mais desenvolvidos

apenas conhece a fronteira do custo, “segundo uma estimativa, em 1990, cerca de doze

302 Ibid., p. 182. 303 111 é o número de cursos superiores que no ano lectivo de 2002/2003 vão se disponibilizados em Portugal para um universo de 6565 alunos. Em relação ao ano lectivo anterior há um ligeiro decréscimo (7095 vagas forma as havidas no ano lectivo 2001/2002) segundo fonte: Hugo Séneca, “6565 vagas para TI” in Exame Informática, n.º 86 de Outubro de 2002, p. 20. 304Dan Schiller, A globalização e as novas tecnologias, Lisboa: Editorial Presença, Maio de 2002, p. 180.

Page 14: 3. A GLOBALIZAÇÃO E O ESPAÇO DA CULTURA - · PDF filesão que os pais destes mesmos jovens lutavam há uma geração pelo aumento da ... a Asteca no México, a dos Maias no Yucatan

por cento dos cientistas e engenheiros americanos tinham nascido no estrangeiro”.305 O

inglês que aprece como língua franca dos negócios e também da ciência possibilita a

internacionalização deste negócio que tem como ponto de partida os países anglo-

saxónicos, particularmente os EUA. A procura de cursos de formação estandardizados e

modulares é cada vez mais, porque é mais rápido e fácil de adquirir e importa em menos

custos. Corremos o risco de o conhecimento técnico-instrumental objectivado pela teoria

neoliberal ser castrador da dimensão cognitiva do ser humano. A qualidade do ensino

não pode pura e simplesmente aparecer atrelada á lógica de mercado. Muitos jovens

estão a substituir uma formação generalista por cursos de formação de tecnologias,

intensivos e de um período bastante curto que lhes garante mais depressa emprego, mas

que esquece a valência global do indivíduo.306 Para além do carácter instrumental, outros

valores devem ser desenvolvidos para que nos diferenciamos de puros instrumentos ao

serviço do mercado de trabalho. Neste espaço de confronto entre a escola a que

chamaremos “tradicional”, que se preocupa na formação integral e as novas práticas que

se direccionam para o imediato, a melhor resposta que as escolas podem dar é o de

“garantir uma educação relevante e de grande qualidade para todos os estudantes (...) e

[usar] a tecnologia como um recurso e não como um fim”.307

Um outro fenómeno ligado à globalização e que tem íntima repercussão na

escola é o dos fluxos migratórios. O aumento da circulação de pessoas, potenciada pela

globalização e o desequilíbrio entre países, tem originado nos mais desenvolvidos

comunidades imigrantes que colocam novos problemas sociais à sociedade e ao sistema

escolar. Estes estão ligados à discriminação, racismo, xenofobia, dificuldades de

integração, comunidades de imigrantes clandestinos e ilegais de difícil resolução. Em

Portugal e nos outros países europeus estão já criados nichos, a maior parte marginais,

que a sociedade tem problemas em integrar. Esta dificuldade acrescida das barreiras

305 Catherine Yang, “Give Me Your Huddled... High-Tech Ph.D.s”, Business Week, 6 de Novembro de 1995. pp.161-164 citado por Dan Schiller, A globalização e as novas tecnologias, Lisboa: Editorial Presença, Maio de 2002, p. 226 306 Um artigo de Hugo Séneca, “Renovação de matrícula”, Exame Informática, n.º 88, Outubro de 2002. Pp. 73 a 78 nele se fala de cursos tão intensivos que podem demorar dois a três dias. Aí podemos constatar que se posiciona no mercado português um conjunto de empresas direccionadas para este segmento de ensino disponibilizando múltiplas ofertas e em concorrência com as Universidades. Na sua maioria são leccionados à distância com uma forte componente de e-learning. 307 Malcolm Skilbeck, “Os sistemas educativos face à sociedade de informação” in Rui Marques et al., Na sociedade da informação: o que aprender na escola?, (1.ª edição, 1998), Porto: Edições Asa (Perspectivas actuais), 2ª ed. 1998, p. 33.

Page 15: 3. A GLOBALIZAÇÃO E O ESPAÇO DA CULTURA - · PDF filesão que os pais destes mesmos jovens lutavam há uma geração pelo aumento da ... a Asteca no México, a dos Maias no Yucatan

linguísticas encontra de uma forma geral uma escola básica inadaptada, pensada para os

alunos nacionais e em que os professores têm pouca preparação para este tipo de casos.

A utilização de novas tecnologias poderá ajudar à integração e à educação multicultural

na medida em que possibilita o intercâmbio, a descoberta e a comunicação.

O outro aspecto que nos interessa analisar neste contexto e que vem associado

aos meios de comunicação servidos pelas novas tecnologias e à aproximação entre os

povos, é a imposição crescente de padrões uniformes de cultura, de valores e

comportamentos medidos sempre por uma bitola de consumismo e de perenidade. Jean

Baudrillard chama a estes modelos a “cultura dos mass media” que necessita de uma

continua reciclagem porque é efémera e nada consistente, ao sabor das modas “é para

actualizar todos os meses ou todos os anos a panóplia cultural (...) Outrora indicavam

um livro para a posterioridade e era divertido. Agora assinalam determinado livro para a

actualidade e é eficaz”. 308

As preocupações dos agentes culturais devem ser a da afirmação da diversidade e

da interculturalidade frente a poder avassalador da cultura americana que dispõe de

instrumentos poderosos para a universalização dos seus valores culturais em face de

outras especificidades, como refere Rui Marques “a universalização de uma língua

dominante e a presença avassaladora de uma cultura acentuam a uniformização”.309

Assim, a sociedade de informação, “como espaço de liberdade, deverá estimular o

diálogo na diversidade, a partilha de recursos culturais e a afirmação de cada pessoa,

povo ou cultura”.310 A educação/ formação na sociedade globalizada deve tomar o

compromisso de poder contribuir para a construção de um homem autónomo,

participativo, de uma sólida consciência crítica para participar numa cultura que não é

apenas local mas de todo o planeta, pois é no espaço global que deverá afirmar-se pela

diferença. É urgente o desenvolvimento de atitudes pedagógicas nesta sociedade

globalizada, mas carente de todas as especificidades para uma afirmação plural, mais

rica porque multifacetada. As escolas, lugar privilegiado da recepção de conhecimento

deverão também ser produtoras de informação, de dados científicos e de todo o tipo de

conhecimento para compartilhar com a comunidade nomeadamente no ciberespaço. A

308 Jean Baudrillard, A sociedade de consumo, Lisboa: Edições 70, 1991, pp. 106 e 107. 309Rui Marques et al., Na sociedade da informação: o que aprender na escola?, (1.ª edição, 1998), Porto: Edições Asa (Perspectivas actuais), 2ª ed. 1998, p.,18. 310 Ibid., p. 19.

Page 16: 3. A GLOBALIZAÇÃO E O ESPAÇO DA CULTURA - · PDF filesão que os pais destes mesmos jovens lutavam há uma geração pelo aumento da ... a Asteca no México, a dos Maias no Yucatan

atitude a desenvolver é a de inverter a tendência da passividade da recepção para formar

cidadãos interactivos e geradores de informação.

O contínuo esvaziamento da autoridade dos estados na definição das políticas

económicas deverá ser preenchida pelo aumento da responsabilidade na promoção das

políticas culturais e educacionais que promovam a autonomia educativa, a educação

permanente ao longo da vida, a promoção de conteúdos educativos e também o papel de

árbitro e de definidor, em diálogo com os diversos intervenientes, de itens de avaliação

de qualidade no confronto entre as estruturas lucrativas e não lucrativas do ensino. A

transformação do “status quo” no sentido de preservar as especificidades culturais e

construir uma identidade passa pela definição de um novo paradigma de escola e de

educação virada para a autonomia e a cidadania. Como escreve Agostinho da Silva

«Valioso... para mim... é a noção... de que o que importa não é educar, mas evitar que os

homens se deseduquem. Cada pessoa que nasce deve ser orientada para não desanimar

com o mundo que encontra à volta. Porque cada um de nós é um ente extraordinário,

com lugar no céu das ideias... seremos capazes de nos desenvolver, de reencontrar o que

em nós é extraordinário, e transformaremos o mundo”. 311

3.2 A cultura portuguesa e o espaço global

A identidade de um país livre e democrático provém da sua afirmação cultural e

científica. Se esta se dilui numa outra dominante, deixa de ter significado e razão de

existir e os povos definham ou morrem. Os contactos culturais desejados com outros

povos não deverão ser vistos, nos tempos modernos, numa óptica de dominação ou de

ser dominado, devem pautar-se pelo respeito mútuo, pela afirmação constante das

identidades próprias numa lógica de possível intercâmbio e de aprofundamento de laços

comuns que a história construiu como podem ser, por exemplo, a língua.

Por outro lado, reconhecemos que a defesa de uma matriz não deve ser

confundida com estagnação, ou isolamento, pois ela só terá importância se confrontada.

No espaço global dos tempos modernos, a interdependência é absolutamente vital para o

progresso e a construção de sociedades onde se viva melhor. Os países que não

311Agostinho da Silva, “Entrevista” a Filosofia, publicação periódica da Sociedade Portuguesa de Filosofia, nº 2, Dezembro de 1985, p.162. In Dispersos, ICALP, 1988, p. 51.

Page 17: 3. A GLOBALIZAÇÃO E O ESPAÇO DA CULTURA - · PDF filesão que os pais destes mesmos jovens lutavam há uma geração pelo aumento da ... a Asteca no México, a dos Maias no Yucatan

acompanham os progressos científicos e tecnológicos terão tendência a definhar.

Portugal inserido neste espaço e tempo deve participar deste processo mundial de

desenvolvimento e dar a sua contribuição, pois também da sua história pode retirar

alguns ensinamentos. Jorge Sampaio aponta esse caminho: “o universalismo do qual

Portugal se orgulha de ter sido pioneiro não é confundido com a massificação

uniformizadora. Pelo contrário! Pressupõe a unidade na riqueza da diversidade humana,

que se expressa em todas as formas de criação e vivência cultural: das línguas à

gastronomia, das artes à filosofia”.312

Portugal nasceu da confluência de várias culturas, “acolheu ao longo dos séculos

variados povos que nele deixaram um legado cultural do mais alto valor”.313 Até à

independência operada pelo nosso primeiro rei, D. Afonso Henriques, aqui aportaram ou

se estabeleceram: os fenícios, os gregos, os celtas, os cartagineses, os romanos, os

suevos, os visigodos, os árabes, entre outros. Miscigenaram-se na troca de todo o tipo de

valores, de afectos e até de sangue e deixaram marcas indeléveis que permanecem na

língua, nos costumes, na arqueologia, na religião, nas instituições, de maneira a formar

esses traços comuns que nos permitem caracterizar o povo português.

Esta identidade completou-se e ficou enriquecida com a expansão originada da

epopeia marítima. Portugal contribui, como vimos, para o processo de globalização e de

encontro de povos. Neste contacto influenciou e até determinou a cultura de outros

povos e por eles também foi influenciado. Este fenómeno de osmose provocou

profundas influências na cultura que se reflectiram, para além dos usos, costumes e

hábitos, na língua. Se esta tem a matriz latina, também colheu vocábulos nos diversos

povos que aqui aportaram como sejam os fenícios (o sufixo ippo em Olisipo – Lisboa e

Collipo – Leiria), os gregos (a maior parte dos helenismos foram introduzidos por

influência romana), os celtas e os celtiberos (o sufixo briga que aparece, por exemplo,

em Conímbriga), os germânicos suevos e os visigodos (de onde derivaram palavras

como aio, íngreme, espora, luva), para não falar dos árabes que contribuíram com

inúmeros vocábulos.

312 Jorge Sampaio, “Discurso de abertura da Conferência - Globalização, Ciência , Cultura e Religiões – da Fundação Gulbenkian”, Lisboa, 15 de Outubro de 2002, p. 5 , (http://www.gulbenkian.org/globalizacao/presidente.pdf). 313Joaquim Veríssimo Serrão, História de Portugal (1080-1415) – 1.ª edição 1977, Lisboa: Editorial Verbo, 5.ª edição, 1995.

Page 18: 3. A GLOBALIZAÇÃO E O ESPAÇO DA CULTURA - · PDF filesão que os pais destes mesmos jovens lutavam há uma geração pelo aumento da ... a Asteca no México, a dos Maias no Yucatan

Com os descobrimentos, a influência índia e africana transmitiu ao português

numerosos vocábulos ainda hoje correntes: abacaxi, caipira, jacaré, batuque, samba.

Estas palavras normalmente eram de pronúncia suave, e foi esta característica que o

Brasil desenvolveu produzindo um linguajar próprio que levou Eça a dizer que aí “fala-

se português com açúcar”. A recente edição do “Dicionário Houaiss de Língua

Portuguesa” inclui vocábulos brasileiros e portugueses, ampliando-se a “palavras dos

crioulos orientais e africanos de origem portuguesa, além de diversos vocábulos de

outros idiomas - por exemplo, do chinês – incorporadas no nosso léxico por se

registarem em obras literárias cujo meio de expressão foi o português”314. Achamos

natural, retirados os devidos exageros, a introdução de vocábulos da língua inglesa ou

outra para designação de objectos ou conceitos que se estão a tornar mais ou menos

universais. Esta contínua actualização é característica de uma língua viva.

Não foram somente razões de comércio que levaram à expansão portuguesa, mas

também razões ideológicas que se centraram na disseminação dos valores religiosos na

ânsia de converter outros povos à doutrina cristã. Contudo, esta empresa que constitui a

página mais brilhante da História de Portugal serviu para, e parafraseando Camões, dar

“novos mundos ao mundo” mas também para difundir o espírito da “velha Europa” e

dos valores do humanismo, que muito contribui para uma nova concepção do homem e

da história, da cultura e das ciências e que se reflectiu no experimentalismo e na

observação da fauna e da flora das regiões contactadas, abrindo portas a uma nova era da

humanidade - a idade Moderna que iniciou uma época de progresso. Mal grado a

escravatura, a dominação e a deportação de populações que foi uma outra face da moeda

que também convém não esquecer para esconjurar novas ou futuras injustiças,

consideramos que a nossa expansão marítima foi diferente das demais, o que nos leva a

concordar com Veríssimo Serrão de que Portugal “criou um conceito de expansão que

nenhum outro povo da Europa conseguiu superar ou mesmo igualar, pelo convívio

humano e pela fixação às terras onde soube forjar – à imagem do Brasil (...) – um ‘outro’

e grandioso Portugal.”315

314 Este dicionário tem 228500 entradas e o projecto dirigido por António Houaiss demorou 15 anos a ser realizado, cf. Carlos Câmara Leme, “Vêm aí o mais completo dicionário de Língua Portuguesa”, in Público (secção Cultura), 25 de Setembro de 2002. 315 Joaquim Veríssimo Serrão, op. cit., p. 23.

Page 19: 3. A GLOBALIZAÇÃO E O ESPAÇO DA CULTURA - · PDF filesão que os pais destes mesmos jovens lutavam há uma geração pelo aumento da ... a Asteca no México, a dos Maias no Yucatan

António José Saraiva e Óscar Lopes definem o caminho a trilhar para que

Portugal se continue a cumprir. “Ao contrário dos homens, cuja vida biológica tem os

limites da própria existência, as nações podem atravessar períodos de glória ou

estagnação, mas não conhecem o destino da morte, enquanto as gerações guardarem a

terra de origem, os vínculos da língua e do sentimento e o legado cultural que as liga ao

passado”.316Somos por natureza geográfica e por razões culturais e económicas uma

terra europeia, mas, fruto da nossa história, possui condições únicas para estabelecer

esse vínculo de ligação aos povos de África, Oriente e Brasil alicerçado nos laços

comuns da língua, os valores do espírito e os interesses recíprocos terão de ajudar a

revigorar e a perdurar.

3.2.1 Alguns choques de aculturação

Ao longo da nossa história assistimos a períodos de torpor e de aculturação tão

fortes que poderiam pôr em causa a própria independência nacional. Estes processos são

fruto de vários condicionalismos, quantas vezes imperceptíveis e pouco claros,

funcionam também como lenitivo para cerrar fileiras, desenvolver actividades de

promoção da cultura autóctone, despontando vultos das letras que proporcionam

momentos fecundos e vivificantes de produção cultural. Vamos destacar dois deles.

O primeiro, é o que se refere ao antes, durante e depois da perca da

independência nacional, sob o domínio dos Filipes. Irónica será a circunstância do

surgimento desta crise de identidade numa altura da consolidação da língua. António

José Saraiva e Óscar Lopes referem-se a esta ocorrência como “a preocupação de exaltar

e cultivar o idioma”, fenómeno que vem “desde meados do século XVI (Barros,

Camões, António Ferreira, J. Ferreira de Vasconcelos, Fernão Álvares do Oriente,

Rodrigues Lobo), numa reacção de fundo nacional contra a tendência de unificação

dinástica castelhanizante, atingindo o auge sob a dinastia filipina, no século XVII”.317 A

produção literária, no pensar dos dois intelectuais, acrescida do trabalho dos gramáticos

ajudou à fixação do Português. A intelectualidade portuguesa vale-se da língua e torna-a

bandeira no confronto com a unificação ibérica, este estandarte parece-nos determinante

316 Ibid., p .33. 317 A. J. Saraiva e Óscar Lopes, História da Literatura Portuguesa, s.l.: Porto Editora, s.d., 17.ª edição, p. 26.

Page 20: 3. A GLOBALIZAÇÃO E O ESPAÇO DA CULTURA - · PDF filesão que os pais destes mesmos jovens lutavam há uma geração pelo aumento da ... a Asteca no México, a dos Maias no Yucatan

no accionar do processo da Restauração. Neste período de indefinição da nossa

identidade estrutura-se o esteio mais importante da lusofonia. Curioso!

O segundo momento particularmente visível de aculturação é o de influência da

cultura francófona, que se inicia a partir do século XVIII. A vida portuguesa é marcada

pelo século das Luzes desde o reinado de D. João V, e prolonga-se durante séculos,

quase até aos nossos dias, repercutindo-se em todos os sectores da vida nacional. As

invasões francesas inverteram momentaneamente esta aculturação, pelo menos no ânimo

popular, prevalecendo o sentimento antifrancês. Filinto Elísio no seu exílio na pátria de

Vitor Hugo relançará as relações culturais com a tradução de várias obras. Esta

influência prolonga-se durante todo o século XIX e a crise do segundo império que

culmina com a comuna de Paris influencia ideologicamente a geração de 70. A pressão

sobre a cultura e a língua é asfixiante o que leva Eça a exclamar: “Portugal é um país

traduzido do francês em vernáculo”318.

Num texto brilhante com o título genérico “O que é o francesismo?” e com a

ironia que lhe é característica penitencia-se por também ser um dos responsáveis de

“desportuguesar Portugal” e até se denomina de “afrancesado e estrangeirado”. Porém,

segundo ele, a culpa é do “sistema” que atravessa todos os sectores da vida social,

minada que está pelo vírus do “francesismo”. Desde criança, continua Eça, lhe

insuflaram a cultura gaulesa e, até nessa idade tão determinante, lhe disseram que heróis

e santos “só em França se produziam com perfeição”. E não terminou na infância esta

“angústia”. Em todo o trajecto escolar “só encontrava, só respirava francês” (...) Sobre

as mesas só havia livros franceses; nas cabeças só rumorejavam ideias francesas. Toda a

arte nacional era desprezada e não havia lugar para a criatividade nacional, pois ela era

logo desprezada, só havia “arremedos baratos de França”. E por aí adiante: “esta geração

cresceu, entrou na política, nos negócios, nas letras, e por toda a parte levou o seu

francesismo de educação, espalhou-o nos livros, nas leis, nas indústrias, nos costumes e

tornou este velho Portugal de D. João VI uma cópia de França, malfeita e grosseira”. É a

pena demolidora de Eça a chamar a atenção para a descaracterização do país e para a

necessidade de arrepiar caminho.

318 Eça de Queirós, “O francesismo” in Últimas Páginas (manuscritos inéditos), Porto: Livraria Chardron, 1912.

Page 21: 3. A GLOBALIZAÇÃO E O ESPAÇO DA CULTURA - · PDF filesão que os pais destes mesmos jovens lutavam há uma geração pelo aumento da ... a Asteca no México, a dos Maias no Yucatan

Neste tempo e espaço de forte influência francófona surge um grupo conhecido

como a “Geração de 70”, influenciada pelos ideais da “Comuna de Paris”, respirando e

suando francês, que inicia uma intensa produção cultural, modificando o país e ajudando

a construir a identidade moderna da lusofonia. Deste grupo faziam parte Antero, Teófilo

Braga, Manuel de Arriaga, Eça de Queirós, Oliveira Martins, Jaime Batalha Reis,

Ramalho Ortigão, Guerra Junqueiro entre outros que se tornaram grandes vultos da

cultura portuguesa. António José Saraiva refere que «homens desta qualidade intelectual

e afectiva foram como carvões que mutuamente se aquecem e que produziram uma luz

que alumiou o final do século.”319 A influência francesa que se faz sentir sobre Garrett e

Eça não impede que eles produzam uma verdadeira revolução na língua portuguesa. “A

língua que nós usamos hoje é ainda em grande parte a língua de Eça, a que ele

conquistou a Garrett (...) A agilidade, a coloquialidade, o ‘jargon’ de Eça são em grande

medida, ainda os nossos.”320

Nestes tempos modernos e conturbados de forte aculturação derivados da

globalização, e por extensão da globalização linguística em favor da língua inglesa fruto

também da realidade incontornável das novas tecnologias e da estruturação de um

mercado global, acima descritos, a Língua Portuguesa revela um extraordinário

dinamismo que lhe deu José Saramago com a conquista do Nobel de Literatura, que lhe

dão também pela genialidade vultos como Jorge Amado, Mia Couto e Pepetela e

conquista e há-de conquistar sólido espaço no mercado global da cultura.

3.2.2 A vocação da universalidade lusíada

O papel messiânico e profético atribuído a Portugal faz parte do pensamento

escatológico que atravessou séculos e chegou aos nossos dias. Foi alimentado por

grandes homens da cultura de várias épocas, entre outros destacamos Luís de Camões, o

P.e António Vieira, Fernando Pessoa e Agostinho da Silva. Os Lusíadas de Camões são,

e a propósito da viagem de Vasco da Gama à Índia, uma exaltação do espírito e da

coragem dos portugueses. A epopeia da gente lusa culmina na utópica “ilha dos

319 António José Saraiva, A TERTÚLIA OCIDENTAL estudos sobre Antero de Quental, Oliveira Marques, Eça de Queiroz e outros; 2.ª edição - Lisboa: GRADIVA, Cultura e História,1996; p.14 320Entrevista de Fernando Venâncio a António Reis, um dos maiores especialistas queirosianos “Entrevista – A irreverente actualidade” in Revista do Expresso - Eça vida que eu tive n-º 1450 de 12 de Agosto de 2000, pág.42.

Page 22: 3. A GLOBALIZAÇÃO E O ESPAÇO DA CULTURA - · PDF filesão que os pais destes mesmos jovens lutavam há uma geração pelo aumento da ... a Asteca no México, a dos Maias no Yucatan

Amores”, que seria o justo prémio da aventura e para alguns, prenúncio do que estaria

reservado aos portugueses pelas suas façanhas. É com o P.e António Vieira que nasce o

mito do Quinto Império que consistiria na conversão universal, advento da última vinda

de Cristo a terra, este seria o último dos tempos do mundo cujos protagonistas, os

portugueses, o povo eleito, governariam o mundo em grande progresso e concórdia sob a

liderança do ressuscitado D. João IV ou dos seus sucessores. Esta metáfora surge num

tempo e espaço próprios e determinantes - o grande desaire da história nacional, após a

tragédia de Alcácer-Quibir e a morte de D. Sebastião. A dominação espanhola provocou

uma reacção nacionalista que inspirou diversas “invenções” como o diálogo de Cristo

com D. Afonso Henriques antes da batalha de Ourique e a “vaga messiânica do

Sebastianismo”.321 A perda da independência e a subjugação a Espanha faz-se crer que a

crise será vencida com o aparecimento de D. Sebastião envolto em nevoeiro. Este sonho

é sustentado e difundido por várias pessoas, que têm diversos intuitos que vão de uma

crença cega ao despertar a revolta contra a humilhação espanhola e de diversas maneiras

em que sobressaem as “Trovas” do Bandarra de Trancoso.

Foi, no Brasil, a “Nova Lusitânia” no dizer de Hernani Cidade322, um local que

constitui uma reserva cultural e patriótica muito importante na restauração da

independência, que o P.e António Vieira, nos últimos anos de vida e refugiado na Baía,

deu a última demão a um livro de escatologia, Clavis Prophetarum, que era o

desenvolvimento e a justificação teológica da ideia de Quinto Império, Terceiro Estado

da Igreja ou reino de Cristo consumado na Terra323 Esta teoria emanada das suas

meditações da Bíblia leva o padre a teorizar a ressurreição de D. João IV para se cumprir

o Quinto Império. Seria um império mais glorioso e persistente que os quatro da

antiguidade (impérios assírio, egípcio, persa e romano).

Em Fernando Pessoa vamos ainda encontrar esta ideia, mas em moldes

completamente distintos, pois o que ele prognostica é metafórico e de matiz imaterial.

Na “Mensagem”324 ele exprime poeticamente a sua visão mítica e nacionalista de

321 Hernani Cidade e Carlos Selvagem, Cultura Portuguesa, s.l.: Editorial Notícias, Edição Especial patrocinada pela Direcção-Geral da Educação Permanente, vol. V,s.d. pp.12 e 13 322 Ibid.p.12. 323 A. J. Saraiva e Óscar Lopes, História da Literatura Portuguesa, s.l.: Porto Editora, s.d., 17.ª edição, p. 519. 324 Segundo António José Saraiva os três livros sobre Portugal são Os Lusíadas de Camões, a História de Portugal de Oliveira Martins e Mensagem de Fernando Pessoa, cf. António José Saraiva, A TERTÚLIA

Page 23: 3. A GLOBALIZAÇÃO E O ESPAÇO DA CULTURA - · PDF filesão que os pais destes mesmos jovens lutavam há uma geração pelo aumento da ... a Asteca no México, a dos Maias no Yucatan

Portugal prefigurando um ressurgimento da cultura e do pensar lusíada como baluarte a

defender e a divulgar: “... Grécia, Roma, Cristandade, / Europa – os quatro se vão / Para

onde vai toda a idade / Quem vem viver a verdade / / Que morreu D. Sebastião? (Quinto

Império da Mensagem) ... Ó Portugal, hoje és nevoeiro ... / É a Hora! (Nevoeiro da

Mensagem).

Agostinho da Silva inspira-se na profecia das três idades de Joaquim Fiore, abade

cisterciense, na Calábria (1187-1202) para teorizar o seu pensamento apocalíptico e

defender o espírito ecuménico português para a edificação de uma idade virtuosa. Será

clarificador explicar a teoria do “bom abade Joaquim”. Joaquim de Flora e

particularmente os seus seguidores, “os espirituais”, divulgaram a doutrina de que todas

as coisas eram dividas em tríades a partir da Trindade Divina.

A primeira tríade era a dos homens, divididos em três classes: casados vivendo

sob o Pai; clérigos cujo patrono era o Filho; e os mais venturosos e perto da perfeição

seriam os monges que viveriam sob o Espírito Santo. A segunda tríade era a das

doutrinas dividia-se em três épocas: a Primeira idade foi a do Pai que corresponderia à

do Antigo Testamento caracterizada pelo temor a Deus e tempo dos patriarcas; a

segunda foi a do Filho correspondendo ao Novo Testamento e caracterizada pela

evangelização e pelos sacerdotes; a terceira e última época será a do Espírito Santo ou

Paracleto, caracterizada pelo domínio do espírito em que os homens se amarão e viverão

em perfeita harmonia governados por um Papa Angélico ou um Imperador Virtuoso, a

seguir virá o fim dos tempos com a última vinda de Jesus Cristo. Nesta teoria do

Joaquimismo haverá ainda uma terceira tríade que corresponde à maneira individual de

viver: os que vivem sobre a Carne, vivem sob o Pai; sob o Filho vivem a um tempo sob

a carne e o espírito; os que vivem apenas sob o espírito estão sob a influência do Espírito

Santo; nesta linguagem metafórica entenda-se a carne os prazeres do mundo e o espírito

será a entrega total a Deus. Os descobrimentos portugueses seriam a tentativa de

realizar na terra esta terceira idade sob a celebração do Espírito Santo.

Agostinho da Silva transporta esta tese para os tempos actuais e dirá “estamos no

limiar daquela idade de que profetizou o bom abade Joaquim”.325 O culto popular do

OCIDENTAL, estudos sobre Antero de Quental, Oliveira Martins, Eça de Queirós e outros, Lisboa: Gradiva, s.d., p.102. 325 Paulo Pereira, “Agostinho, o regresso de D. Sebastião”, A Revista do Expresso, 31 de Março de 1990, pp. 12 e 13.

Page 24: 3. A GLOBALIZAÇÃO E O ESPAÇO DA CULTURA - · PDF filesão que os pais destes mesmos jovens lutavam há uma geração pelo aumento da ... a Asteca no México, a dos Maias no Yucatan

Espírito Santo nos Açores, Tomar e Sintra são a prova de que há vontade, no mínimo

inconsciente de aspirar a esta utopia. Nos Açores é instala uma criança como Imperador

do Mundo. A criança pura, sem o estigma da escola, representa o modelo do homem que

se aspira, então está aqui o padrão daquilo que se deve fazer – “eles só coravam

“imperador do mundo aqueles que tinham escapado à educação”.326 É também partindo

daqui que se deve entender a tentativa de Agostinho da Silva, sempre muito vaga, por

vezes contraditória e, no mínimo polémica, de reformar a pedagogia e a escola

portuguesa. “A educação não terá nenhuma outra tarefa senão a de deixar que a bondade

inicial esplenda e seja”327 está eleito o ponto de partida para a construção de uma

sociedade melhor.

3.2.3 Agostinho da Silva: o universalismo português e o reflexo num projecto de

escola

Agostinho da Silva estabelece um dos traços de união entre o universalismo

português e as atitudes pedagógicas. Sem querer dar receitas e eleger uma corrente

pedagógica como a mais correcta, a sua obra é uma afirmação nos valores da liberdade e

do respeito pelo homem, acrescida da forte convicção que a tecnologia e o conhecimento

são vectores essenciais do progresso humano. O seu pensamento é filosófico mas

também polémico porque tudo põe em causa, os seus apotegmas encerram um sentido

profético “Portugal vai ser um dos países condutores do mundo”.328 Apesar de ser

obrigado a sair do país, ter sido preso e o seu magistério se ter localizado,

primordialmente, no Brasil, após o 25 de Abril e de regresso a Portugal, nos seus últimos

anos de vida foi considerado, por terras lusas, um intelectual da “moda”, principalmente

após o programa televisivo “Conversas Vadias”. Congregou em seu redor múltiplos

políticos e originou um estranho unanimismo sendo por isso considerado o ideólogo do

novo regime329. Porém, não faltaram os seus delatores, aparecidos essencialmente do

facto de privilegiar a relação com os povos de língua oficial portuguesa em detrimento

326 MACHADO, Luís – A última conversa - Agostinho da Silva (com prefácio de Eduardo Lourenço). Lisboa: Editorial Notícias, Fevereiro de 2001, p. 100. 327 Agostinho da Silva, “A educação em Portugal”, in Textos pedagógicos II, Lisboa: Âncora Editora, 2000, pp. 94. 328 Luís Coelho, “O tele-visionário acidental” in Revista do Expresso, 31 de Março de 1990 p. 8. 329 Paulo Pereira, artigo citado Ibidem, pp. 12 e 13.

Page 25: 3. A GLOBALIZAÇÃO E O ESPAÇO DA CULTURA - · PDF filesão que os pais destes mesmos jovens lutavam há uma geração pelo aumento da ... a Asteca no México, a dos Maias no Yucatan

da integração europeia. Carrilho chama-lhe falso profeta e escreve que ele “não é autor

de nenhuma teoria, nem de uma doutrina cujas teses se possam discutir: o que ele

oferece é uma declamação para ‘pegar ou largar’ e opiniões de intenção utópica, mas de

uma utopia que abdicou num profetismo algo trapeiro”330.

Da sua obra transpira um profundo humanismo e a certeza de que a escola é o baluarte fundamental para a transformação do mundo, “a escola deve servir o mundo e tentar modificá-lo”.331 As suas ideias sobre a educação são paradoxalmente complexas e ao mesmo tempo actuais e simples. Complexas, pois projectam-se sempre para uma escola no domínio da utopia, mas que parece perfeitamente atingível se o homem assim o desejar. Simples e actuais porque o objectivo é o de todos os homens tenham “a mesma liberdade, os mesmos direitos e os mesmos deveres, os mesmos recursos e as mesmas perspectivas”332. As tónicas do seu pensamento pedagógico são colocadas na liberdade do aluno como valor supremo de qualquer método pedagógico porque cada homem é um ser diferente e o objectivo último de qualquer sistema de ensino deve ser a sua realização pessoal. Provocador, adepto mais da reflexão do que o do apontar caminhos, Agostinho da Silva não tem pejo em afirmar-se “contra a pedagogia”, mas totalmente a favor da “escola (...) em que a iniciativa pertence ao aluno e não ao professor”.333

Um dos princípios que defende é a necessidade da universalização da cultura,

fundamental para o progresso da humanidade. Todos devem ter a obrigação de aprender

o mais e melhor que puderem e ao mesmo tempo proporcionar aos que consigo

interagem a oportunidade de se elevarem culturalmente. “Temos, sobretudo de aprender

duas coisas: aprender o extraordinário que é o mundo e aprender a ser bastante largo por

dentro, para o mundo todo poder entrar”.334 O nível de desenvolvimento dos povos ‘e

directamente proporcional ao nível de literacia “o problema da educação está entre os

primeiros que têm de resolver-se e sem uma sólida preparação cultural, nenhum povo

pode assegurar-se um progresso duradouro e profundo”.335 É neste sentido que avança,

nos anos 30, com o projecto do “Núcleo Pedagógico de Antero de Quental”, projecto

ambicioso que consta das realizações de missões de cultura pelas vilas e aldeias (pasme-

se! Na altura fazia-se acompanhar de um projector de slides o que era um instrumento

muito raro!); conferências pedagógicas para tratar de todos os problemas relativos à

330 Manuel Maria Carrilho, “O profeta e a tribo”, Revista do Expresso, 31 de Março de 1990, pp. 10 e 11. 331 Agostinho da Silva – Textos pedagógicos I. Lisboa: Âncora Editora, Março de 2000, p. 208. 332 Ibidem, p. 284. 333 Helena Maria Briosa e Mota, “Introdução” in Textos Pedagógicos I, Lisboa: Âncora Editora, Março de 2000. p. 13. 334 Luís Machado, A última conversa – Agostinho da Silva, (1.ª edição, 1995), Lisboa: Editorial Notícias, 8.ª edição, 2001. 335 Ibidem, p. 233.

Page 26: 3. A GLOBALIZAÇÃO E O ESPAÇO DA CULTURA - · PDF filesão que os pais destes mesmos jovens lutavam há uma geração pelo aumento da ... a Asteca no México, a dos Maias no Yucatan

educação de crianças e adultos; publicação de um boletim de divulgação pedagógica;

publicação de boletins de iniciação cultural para crianças e adultos; fundar escolas

experimentais onde se testem as novas pedagogias; criação de bibliotecas pedagógicas e

de temáticas gerais, organizar sessões de cultura pela rádio. Para além de conferencista,

nunca se negou a qualquer solicitação e de uma intensa publicação de escritos na

imprensa, meteu ombros a uma empresa impressionante de redacção de opúsculos para

todas as idades. São os cadernos “À Volta do Mundo... – Textos para a Mocidade e

Textos para a Juventude” (1938-1943), a par das “Biografias” (1943-1944) que visavam

um público entre os dez e os dezasseis anos. Para um nível etário equivalente ao

Secundário, mas também para públicos mais instruídos, que tinham como objectivo

permitir uma sólida base cultural, se destinaram os cadernos “Iniciação e Divulgação

Cultural”336 (1940-1947). Na mesma altura, surge a colecção “Antologia de Grandes

Autores”337 (1941-1947) que constavam de textos escolhidos de todos os autores do

mundo.

Neste esforço de construção de leituras didácticas e de contribuir para uma

transformação da escola e com ela do país e como consequência do próprio mundo,

lança-se ao estudo de diversos pedagogos, de correntes pedagógicas inovadoras e não se

coíbe de dar ideias e conceber projectos. Na obra Miguel Eyquem, Senhor de

Montaigne338, apresenta-nos um Montaigne precursor do humanismo e credor de duas

características pedagógicas a desenvolver e “cheias de consequências; o gosto da

observação e o amor do raciocínio”.339 Os descobrimentos tinham revelado um novo

mundo, os saberes absolutos e totais, que os clássicos tinham produzido, revelaram-se

tão só uma ínfima parte do saber. À verdade dogmática da escolástica, contrapõe-se a

dúvida como móbil do conhecimento. O saber constrói-se “pelo juízo [e] (...) pela

experiência”340 e pela aprendizagem natural. O bom método “é aquele que avança

lentamente, preocupado com tudo, dando importância a todos os pequenos resultados,

não os aceitando sem experiência nem os ensinando sem prova”.341 Como veremos o

336 São 10 séries de 6 títulos cada e ainda uma 11.ª Série de 3 títulos 337 São 8 séries com 6 títulos cada e ainda uma 9.ª Série com 5 títulos 338 Agostinho da Silva, “Miguel Eyquem, Senhor de Montaigne” in Textos Pedagógicos I, Lisboa: Âncora Editora, 2000 pp. 39 a 128. 339 Ibidem, p. 70. 340 Ibidem, p. 78. 341 Ibidem, p. 121.

Page 27: 3. A GLOBALIZAÇÃO E O ESPAÇO DA CULTURA - · PDF filesão que os pais destes mesmos jovens lutavam há uma geração pelo aumento da ... a Asteca no México, a dos Maias no Yucatan

conceito de liberdade é recorrente em todo o articulado de Agostinho, pois “ o que é

necessário é que se ensine a estudar, a trabalhar pelos próprios meios; viagens, contactos

com os homens e não a prisão dos colégios”.342

No texto, A vida de Pestalozzi,343 traz-nos a ideia de que a criança deve ser o

centro do universo e serão os humildes os mais necessitados do empenhamento do

mestre. O início do texto é um feroz ataque à escola, instituição, aquela escola formalista

e violenta em que “os filhos de campónios, tão vivos e alegres, se transformavam com os

anos em moços melancólicos e estúpidos”.344 Defende a tese, que lhe é cara na maioria

dos escritos, de que é a dedicação e o trabalho do professor são primordiais na melhoria

do acto educativo. A apresentação da vida de Pestalozzi é um hino à dedicação e à

perseverança do mestre cujo objectivo último é servir as crianças. A metodologia centra-

se na “paciência”, na “bondade”, na “compreensão”, na “confiança”, na “sólida

amizade” e “na franqueza”. Esta é também desenvolvida no texto “Projecto de um

mestre”: “Ora o mestre (...) não verá no aluno um inimigo natural, mas o mais belo dom

que lhe poderiam conceder; perante ele e os outros nenhum desejo de domínio; o mestre

é o homem que não manda, aconselha e canaliza, apazigua e abranda; não é a palavra

que incendeia, é a palavra que faz renascer o canto alegre do pastor depois da

tempestade; não o interessa vencer, nem ficar em boa posição; tornar alguém melhor –

eis o seu programa; para si mesmo, a dádiva contínua, a humildade e o amor do

próximo.”345

A insistência deste postulado de “missão” aparece mais uma vez na leitura do

texto “Baden Powell, Pedagogia e Personalidade”346 onde também são exaltados os

valores humanistas da fraternidade, da perseverança, da honestidade, da

responsabilidade, da justiça e da liberdade e da importância da escola se abrir à vida,

pois “é a vida (...) que educa (...) é a vida (...) que importa”347. Se o professor é essencial

na revolução escolar, toda a verdadeira mudança deve ter o seu alicerce na escola, pois

342 Ibidem, p. 127. 343 Agostinho da Silva, “A vida de Pestalozzi” in Textos pedagógicos I, Lisboa: Âncora Editora, 2000 pp. 129 a 187. 344 Ibidem, p. 132. 345 Agostinho da Silva, “Projecto de um mestre” in Considerações, Assírio § Alvim, Maio de 1994, pp. 72 e 73. 346 Agostinho da Silva, “Baden Powell, Pedagogia e Liberdade”, in Textos pedagógicos II Lisboa: Âncora Editora, 2000, pp. 23 a 32. 347 Ibidem, p.28.

Page 28: 3. A GLOBALIZAÇÃO E O ESPAÇO DA CULTURA - · PDF filesão que os pais destes mesmos jovens lutavam há uma geração pelo aumento da ... a Asteca no México, a dos Maias no Yucatan

“uma revolução que não se faz acompanhar de uma acção pedagógica é um tumulto e

nada mais.”348 O cunho profético do pensador que acredita no poder salvador do acto

educativo continua “um dia, pela escola, a humanidade [poder-se-á] libertar de todos os

defeitos e de todas as misérias”.349

No estudo dedicado a Montessori350 e ao seu método ressalta a ideia de uma

escola pensada de acordo com a personalidade da criança. É o conceito de liberdade,

mais uma vez, mas agora de forma mais vincada, que é determinante na construção da

autonomia e autodisciplina da criança. É imprescindível “o respeito pela personalidade

infantil e a recusa de toda a acção modeladora”.351 Este conceito de liberdade também é

recorrente no exemplo das escolas de Winnetka352 que, apesar de sublinharem a

necessidade de desenvolvimento máximo das capacidades do estudante, advogam uma

metodologia expurgada da “máquina das notas, dos quadros de honra, da vigilância nos

exercícios e das lições recitadas [que] conduz (...) a um desenvolvimento quase

monstruoso do egoísmo”.353

Um dos outros acentos tónico são a virtualidade do ensino cooperativo que passa pelo alargamento da relação entre a escola e a comunidade educativa. No relato mais conhecido e também o mais entusiástico: Sanderson e a escola de Oundle354, Agostinho defende a adaptação dos currículos ao espaço circundante e às necessidades ditadas pelo meio circundante que contemplam uma prática pedagógica em contexto de liberdade, de criatividade e interacção. Anderson acaba com as paredes físicas e mentais derrubando-se a escola instituição porque é necessário refutar a velha escola que predispõe para o êxito, para um bom emprego, para a rivalidade e a competição e é necessária organizar uma escola cuja principal atitude seja a cooperação. A escola só tem fundamento se enraizada no meio circundante e for concebida com base nele e direccionada para atender às suas necessidades. O trabalho de grupo, na escola de Oundle “é a arma mais segura de combate contra o egoísmo, contra o desprezo dos outros, contra a intolerância perante a opinião alheia; dá o sentimento e o hábito duma grande faina comum para o progresso da colectividade”.355

348 Agostinho da Silva, “A vida de Pestalozi” in Textos pedagógicos I, Lisboa: Âncora Editora, 2000, p. 160. 349 Ibidem, p. 176. 350 Agostinho da Silva, “O método Montessori”, in Textos pedagógicos I, Lisboa: Âncora Editora, 2000, pp.189 a 234. 351 Ibidem, p. 197. 352 Agostinho da Silva, “As escolas de Winnetka” in Textos pedagógicos I, Lisboa: Âncora Editora, 2000, pp.235 a 248. 353 Ibidem, p. 235. 354 Agostinho da Silva, “Sanderson a escola de Oundle”, in Textos pedagógicos I, Lisboa: Âncora Editora, 2000, pp.249 a 284. 355 Ibidem, p. 272.

Page 29: 3. A GLOBALIZAÇÃO E O ESPAÇO DA CULTURA - · PDF filesão que os pais destes mesmos jovens lutavam há uma geração pelo aumento da ... a Asteca no México, a dos Maias no Yucatan

Agostinho da Silva parece concluir356 que apesar da guerra que queima energias,

apesar da brutalidade que invade todos os sectores sociais, apesar de todas as formas de

repressão, apesar da sociedade consumista que embrutece o espírito, apesar da falta de

respeito pelos mais pequenos, apesar de se continuar a matar em nome de credos, apesar

das disparidades crescentes entre as nações poderosas e os povos do Terceiro Mundo, o

que nos fica é a esperança de que o homem é naturalmente bom e o que é preciso para a

criação de uma sociedade perfeita é que ele saiba regressar às origens e seja de novo

criança. E para que tal aconteça só é necessário um novo paradigma de escola e de

educação. Ela não nasce deformada, nem autónoma isto é destituída de alma, tem

amplas potencialidades para amar a vida e encontrar a felicidade que só se alcança

conjuntamente com os outros, em sociedade, e se conservar a pureza inicial.

Inspirado em Camões, Vieira e Pessoa, o pensador acredita na mediação de

Portugal para a construção de um mundo baseado no Espírito que tenha como valores

supremos a fraternidade, a liberdade e a paz reinvertando radicalmente a actual situação.

Retirado o possível exagero e o patriotismo inerente, mas parafraseando o filósofo,

Portugal só se cumprirá com uma aposta séria na educação, através da planificação de

currículos, do equipamento das escolas e de uma boa formação de professores. Este seu

pensamento tem muito de utópico. Porém, é com o olhar numa sociedade perfeita,

apesar de irreal que se poderá melhorar a sociedade em que nos inserimos. Se formos á

raiz da palavra utopia será sinónimo de “não lugar”, não é este o objectivo do pensador,

pois acredita num processo de construir o “paraíso” na terra, essa edificação terá de ser

realizada através da educação e nela o papel do professor é essencial. Este conceito de

educar é bem mais abrangente do que o simples acesso ao conhecimento, pois incluirá

uma formação humanista em que o homem é o factor central e determinante. O acesso

ao conhecimento poderá ser mediado pelas TIC, estas são apenas uma parte do processo

educativo, a outra componente deve ser um modelo de relações forte e variado e sempre

apoiado na entrega absoluta e radical do mestre.

3.2.4 Enfrentar os desafios

356 Agostinho da Silva, “Projecto de um mestre” in Considerações, Assírio § Alvim, Maio de 1994, pp. 72 e 73.

Page 30: 3. A GLOBALIZAÇÃO E O ESPAÇO DA CULTURA - · PDF filesão que os pais destes mesmos jovens lutavam há uma geração pelo aumento da ... a Asteca no México, a dos Maias no Yucatan

Assistimos à emergência de um mundo globalizado em que os actuais traços são

muito mais indefinidos que os processos anteriores. As tecnologias de informação e

comunicação são o principal instrumento que potencia e também caracteriza esta fase

globalizadora. Por isso toda a investigação, aplicação e uso desta técnica pressupõe uma

cuidada reflexão. Ela transporta a contradição de ao mesmo tempo poder padronizar

comportamentos e de promover a heterogeneidade. A pergunta mais premente que

procurámos responder neste capítulo é esta: Pode um mundo globalizado preservar a

riqueza da diversidade cultural ou está predestinada a uniformização de valores e

culturas? A resposta poderá parecer ainda ambígua cremos, porém, se soubermos dar

uma resposta centrada na escola, há horizontes de optimismo e a possibilidade de uma

maior afirmação da identidade portuguesa. “Aquilo que o país vai ser depende daquilo

que as instituições de educação e formação quiserem que ele seja”.357

No domínio da educação, para enfrentar os desafios da sociedade do

conhecimento temos de nos preparar, nos munir das ferramentas necessárias. Convém

também ter alguns cuidados. Assim a necessidade de formação para atender às

necessidades do mercado não pode esquecer que o homem para além de se inserir no

mercado de trabalho é pessoa em primeiro lugar, implicando que lhe seja disponibilizada

uma educação/formação que contemple a aquisição de conhecimento, mas também a sua

formação global. A utilização das ferramentas tecnológicas na perspectiva da inovação e

da investigação constitui a base de desenvolvimento principalmente de países parcos em

recursos naturais como o nosso. Portugal tem infra-estruturas e telecomunicações dos

mais avançados do mundo, porém esbarra com uma deficiente cobertura de

equipamentos358 e rácio de computadores como apontam os dados analisados. Muitos

passos já foram dados, como vimos, nomeadamente o programa Internet nas escolas e as

múltiplas experiências já desenvolvidas, nomeadamente na formação contínua de

professores, mas um longo caminho ainda é preciso percorrer. Os desafios abrangem-nos

a todos: estado, escola/instituição, professores, encarregados de educação e alunos.

Pensamos competir ao decisores políticos a conceptualização da necessidade de

357 Prof.ª Dr.ª Maria João Rodrigues no debate realizado pelo Conselho Nacional de Educação sobre “Qualidade e Avaliação da Educação” no artigo de João Veiga “Qualidade e Avaliação da Educação” in Notícias – Jornal do Sindicato do SPZN, Junho de 2002, p. 5. 358 Conf. Raul Junqueiro, A idade do conhecimento a nova era digital, Lisboa: Editorial Notícias, Maio de 2002, p.

Page 31: 3. A GLOBALIZAÇÃO E O ESPAÇO DA CULTURA - · PDF filesão que os pais destes mesmos jovens lutavam há uma geração pelo aumento da ... a Asteca no México, a dos Maias no Yucatan

utilização das novas tecnologias para manter uma competitividade e nesse sentido tornar

urgente mobilizar recursos, promover iniciativas, avaliar as experiências, planificar

currículos e formar professores. Às escolas pedem-se lideranças fortes e esclarecidas,

implementação de experiências locais, mediadas com as instituições do meio,

divulgação de especificidades próprias, desenvolvimento de projectos educativos que

envolvam toda a comunidade educativa e intercâmbio interescolas. Aos professores

pedem-se motivação e porque não espírito de “missão”, competência instrumental,

confiança em inovar práticas e processos. Aos estudantes, a consciência de uma

responsabilidade acrescida na sua aprendizagem e de que esta é para toda a vida, que

saibam usar as novas tecnologias como um meio de aumentar os seus conhecimentos e

que a sua responsabilidade na sua aprendizagem cresceu. Os pais e encarregados de

educação terão de estar atentos a esta transformação social e compreenderem que as

novas tecnologias estão para além do carácter lúdico e a aposta em equipamentos é um

valor acrescentado ao percurso escolar dos seus educandos e a consciencialização de que

o manuseamento das novas técnicas poderá servir a uma melhor ligação à escola e à

informação dos seus.

Na alvorada do novo século, um novo recurso se perfila para ser explorado. No

mundo virtual cabe todo o conhecimento e é porta aberta à descoberta. Pelas redes

informáticas estabelecem-se relações sociais para os mais diversos fins, circulam dados

vitais à construção de uma melhor sociedade humana. É um novo oceano pejado de

perigos, encerrando mistérios, apelando à aventura, repleto de novos mundos por

descobrir: “literaturas do mundo inteiro, mercados intercontinentais, conversas nos

vários fusos horários, negócios virtuais, traduções automáticas na Babel universal,

amores sem fronteiras, notícias instantâneas”.359 Temos de novo à nossa disposição o

meio para difundir os valores da universalidade portuguesa.

Malcolm Skilbeck fala-nos da existência de “uma ameaça muito real à

diversidade cultural, patente na homogeneidade e nas reais tendências imperialistas

observáveis na sociedade de informação actual, e de que é particular exemplo o domínio

359 José Magalhães, - homo sapiens – Cenas da vida no ciberespaço – Lisboa: Quetzal Editores, 2001, p. 133.

Page 32: 3. A GLOBALIZAÇÃO E O ESPAÇO DA CULTURA - · PDF filesão que os pais destes mesmos jovens lutavam há uma geração pelo aumento da ... a Asteca no México, a dos Maias no Yucatan

da língua inglesa pela sua versão americana”.360 A ameaça tem vindo a crescer com

consequências visíveis nas especificidades culturais fruto do impacto de “pacotes

culturais”, assim ditos, prontos ao consumo imediato e à satisfação das necessidades

mais primárias e que nos chegam das mais variadas formas em detrimento de uma

formação completa, acreditamos, porém, que se garantirmos aos estudantes “culturas

ricas e diversificadas e (...) um modelo de relações sociais forte e variado”, esta

tendência poderá inverter-se. Acreditamos como Raul Junqueiro que “ao invés de perder

a identidade cultural pela massificação e globalização proporcionada pela Internet, o

Homem tem de si a oportunidade de se enriquecer e amadurecer com a diversidade e

também de aprender e compreender a aceitar a pluralidade de ideias, de perspectivas e

culturas”.361

Somos cerca de 200 milhões de falantes espalhados pelos cinco continentes,

inseridos em países em expansão populacional e com enorme potencial económico como

sejam o Brasil e Angola. Portugal está inserido num espaço económico e o esforço de

modernização e desenvolvimento têm-no afastado de outros objectivos que passam pela

afirmação cultural e do relacionamento com o chamado “mundo lusófono”. A recente

mobilização do povo português de apoio à autodeterminação do povo timorense, a

grande comunidade de imigrantes dos PALOP e do Brasil que continuam a miscigenar-

se no nosso país, a atenção que damos à actualidade dos países lusófonos, mostra à

saciedade o espírito ecuménico e de ligação profunda dos portugueses a povos com

quem se relacionou durante centenas de anos. É esta energia que importa incrementar. A

construção de parcerias para um aprofundamento da língua e da cultura comuns é

exigência que a história e o futuro nos impõem.

O enquadramento destas acções tem um lugar e um espaço próprios – a

Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP)362, mas também a escola poderá ter

papel importante e primordial no enraizar deste relacionamento através de currículos que

360 Malcolm Skilbeck, “Os sistemas educativos face à sociedade de informação” in Rui Marques et al., Na sociedade da informação: o que aprender na escola?, (1.ª edição, 1998), Porto: Edições Asa (Perspectivas actuais), 2ª ed. 1998, p. 41. 361 Raul Junqueiro, A idade do conhecimento a nova era digital, Lisboa: Editorial Notícias, Maio de 2002, p. 248. 362 A União Latina é outro espaço global de defesa da língua inserida no contexto das línguas latinas. Esta instituição tem como princípio a “promoção e a difusão de heranças comuns e das identidades do mundo latino”. Para mais informações visitar o endereço electrónico: (http://www.unilat.org/info_pt/info/info1.html). Este espaço agrupa actualmente 35 estados membros.de língua nacional ou oficial românica.

Page 33: 3. A GLOBALIZAÇÃO E O ESPAÇO DA CULTURA - · PDF filesão que os pais destes mesmos jovens lutavam há uma geração pelo aumento da ... a Asteca no México, a dos Maias no Yucatan

incorporem conteúdos que contemplem este contacto entre gerações, de parcerias

educacionais, de mobilidade da população estudantil e da troca de experiências. As

tecnologias de informação e comunicação podem desempenhar uma função

importantíssima no aprofundamento das relações culturais já que elas transportam

consigo o elo que pode unir distâncias e encurtar contactos.

A iniciativa política de multiplicar os conteúdos em português na Internet363

ganha pleno sentido e reforça a presença da lusofonia no mundo. Mais explicitamente, as

acções passam pela constituição de bancos de dados informatizados, edição de CD-

ROMs linguísticos e culturais, constituição de endereços electrónicos na rede, que

possam ter o papel tanto de promotor como de federador de informações Será necessário

agora sair das intenções e implementar projectos no terreno. A presença das escolas na

rede através de portais próprios, o aumento de ambientes virtuais de apoio ao ensino

pode propiciar o intercâmbio e a interacção entre povos “irmãos”. O crescimento da

“alfabetização digital” dos países de expressão portuguesa contribuirá certamente para o

aumento das trocas culturais e o estreitar das relações. O mesmo raciocínio para a

diáspora lusitana que pontilha o mapa-múndi, consequência da emigração e da anterior

presença colonialista. A utilização das novas tecnologias, nomeadamente a Internet, na

divulgação e ensino da cultura e língua portuguesas no estrangeiro junto da comunidade

lusíada são uma ferramenta essencial. Cremos ser esta uma época excelente para de

novo nos cumprirmos no intercâmbio com todos os povos. Elaborem-se planos, tracem-

se rumos e projectos.

363 Meta 7. da Iniciativa Internet Resolução do Conselho de Ministros n.º 110/2000, DR n.º 193, I Série B, de 22 de Agosto de 2000.