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Texto sobre marcas mutantes.

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    e-Revista LOGO - v.3 n.2 2014 - ISSN 2238-2542

    IDENTIDADE CORPORATIVA CAMBIANTE E O CONCEITO PRAGMTICO DE FIXAO DAS CRENASCHANGING CORPORATE IDENTITY AND THE PRAGMATIC CONCEPT OF FIXATION OF BELIEF

    RAQUEL PONTEDoutoranda em Design pela Escola Superior de Desenho Industrial da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.Professora Assistente de Comunicao Visual Design/ Universidade Federal do Rio de [email protected]

    LUCY NIEMEYERDoutora em Comunicao e Semitica pela Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo.Professora Adjunta da Escola Superior de Desenho Industrial/ Universidade do Estado do Rio de [email protected]

    RESUMO

    Este artigo visa mostrar que a identidade corporativa, alm de identiicar

    e diferenciar a empresa e comunicar seus valores, objetiva ixar crenas no

    pblico-alvo pelo uso redundante de seus elementos constituintes e pela

    constante referncia ao objeto representado. Com base nos conceitos do

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    Pragmatismo de Charles Sanders Peirce, pode-se perceber a importncia da

    ixao das crenas para o estabelecimento de um hbito no consumidor,

    gerando a idelizao do cliente empresa.

    PALAVRAS-CHAVE

    Design Cambiante. Identidade Corporativa. Fixao das Crenas.

    ABSTRACT

    This article presents how corporate identity, besides identifying and

    distinguishing the company and communicating its values, ixes beliefs in

    target by the redundant use of its component elements and by constant

    indication of the object represented. Based on Charles Sanders Peirce s

    Pragmatism, it is possible to comprehend the importance of ixation of

    beliefs to establish a habit of conduct in consumer. By this means the client

    becomes loyal to the company.

    KEYWORDS

    Changing Design. Corporate Identity. Fixation of Belief.

    1. INTRODUO

    Um dos principais campos de atuao do designer a criao de

    identidades visuais. Elas visam, por meio de um logotipo ou de uma assinatura

    visual, de um alfabeto e de cores institucionais (STRUNCK, 1989), gerar uma

    identiicao do consumidor com uma determinada empresa. A identidade

    visual, portanto, busca transmitir os conceitos, os valores e a misso de uma

    marca, materializados em formas, cores, texturas, linhas etc.

    Segundo o ilsofo americano Charles Sanders Peirce (1839-1914),

    um signo aquilo que est no lugar de alguma coisa, representando-a.

    Portanto, podemos compreender a identidade visual como um signo que

    representa o branding de uma empresa, seu objeto. Nessa semiose so

    gerados efeitos na mente do consumidor interpretantes que dependem

    dos iltros psicolgicos, culturais e emocionais deste destinatrio (NIEMEYER,

    2007, p.27). Nesse processo semitico, a empresa visa se identiicar para

    seu pblico-alvo, se diferenciando de seus concorrentes, marcando um

    posicionamento claro dentro do mercado.

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    Uma das estratgias adotadas pelas empresas consiste no

    desenvolvimento de uma identidade visual ixa, cujas possibilidades

    de aplicao de seus elementos aparecem descritas em um manual de

    identidade visual. Assim, independentemente do suporte da divulgao

    (papelaria, web, frota, mdias impressas e outras), consegue-se materializar o

    projeto do logotipo ou da assinatura visual, mantendo suas caractersticas e

    proporcionando, assim, a uniformidade das cores, das formas e das relaes

    entre os elementos, obtendo-se a coerncia interna da identidade visual.

    Espera-se, com essa padronizao da aplicao, idelizar a marca na mente

    dos clientes pela formao de um hbito de consumo.

    Pelo pragmatismo peirciano, entende-se que h a tendncia mental

    de ixar crenas e extirpar dvidas. Desta maneira, uma empresa busca

    fortalecer o hbito de seus consumidores, apresentando sempre os mesmos

    elementos gricos, para que, rapidamente, esses identiiquem os elementos

    da identidade visual como representaes do conjunto de conceitos de

    marca. Qualquer aplicao inapropriada como, por exemplo, uma cor mal

    reproduzida, pode romper com a expectativa do consumidor, gerando

    dvidas pela incoerncia entre o signo e o objeto. A ixao das crenas,

    portanto, algo desejvel pelas empresas na comunicao de suas marcas,

    pois mantm o indivduo pronto para o consumo. Mas, isso s ocorrer se

    ele tiver uma percepo positiva da marca que comprovada na prtica.

    Assim, a relao entre satisfao, consumo, identidade visual e conceitos da

    marca ser fortalecida e o consumidor, ixando essa crena, se tornar pr-

    disposto a repetir seu consumo.

    H, porm, uma possibilidade dentro do design que rompe os preceitos

    de ixidez valorizados pelo Alto Modernismo: um design que visa ser

    mutvel, adaptvel, e que pode ser percebido tanto em projetos editoriais,

    quanto em identidades visuais. Rudinei Kopp (2004) nomeia essa vertente

    como design cambiante e a contextualiza dentro da histria do design,

    mostrando suas especiicidades de projeto. O que esse artigo apresenta

    um questionamento a respeito da possibilidade de uma identidade visual

    cambiante tambm ixar crenas nos consumidores, uma vez que seus

    elementos constituintes so mutveis e apresentados de forma diferente a

    cada aplicao.

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    2. IDENTIDADE VISUAL E FIXAO DAS CRENAS

    A identidade visual consiste no resultado de um projeto de design que

    busca traduzir os conceitos de uma empresa ou de uma marca em signos

    visuais. Para isso, o designer desenvolve um logotipo ou uma assinatura visual

    (composta de logotipo e smbolo) para transmitir, por meio de sua forma,

    cores, texturas e outros aspectos, o posicionamento que a empresa pretende

    irmar no mercado. Alm desses elementos bsicos, tambm podem ser

    criados elementos secundrios, como alfabetos e cores institucionais.

    No manual de aplicao da marca so deinidas todas as possibilidades

    de apresentao dessa identidade visual. Podemos ver nas iguras, retiradas

    do guia da marca da empresa Vale, alguns exemplos dessas regras que visam

    sua aplicao e apresentao coerente: (a) h o espao de arejamento que

    se deve dar em torno da marca para manter sua unidade visual na aplicao;

    (b) a reduo mxima que a marca suporta para sua boa leitura (Fig.1); (c) os

    modos de cor utilizados na assinatura visual, para permitir que se obtenha

    o mesmo resultado em diversos suportes e processos gricos (Fig.2); (d) as

    famlias tipogricas desenvolvidas (Fig.3), e (e) a coerncia visual que deve

    ser alcanada independentemente das mltiplas possibilidades de aplicao

    da marca Vale (Fig. 4).

    Fig. 1 : Arejamento e reduo.

    Fonte: Manual de aplicao da marca Vale (p.9).

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    Fig. 2: Padres cromticos.

    Fonte: Manual de aplicao da marca Vale (p.24).

    Fig. 3: Padres tipogricos.

    Fonte: Manual de aplicao da marca Vale (p.26).

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    Fig. 4: Aplicao da marca.

    Fonte: Manual de aplicao da marca Vale (p.18).

    Podemos perceber como os elementos descritos nas trs primeiras

    iguras (Fig. 1, 2, 3), que tratam de marca, tipograia e cores, formam uma

    unidade visual quando da sua aplicao em diferentes manifestaes da

    marca, como frota, papelaria e website entre outras (Fig. 4). Como est escrito

    no manual da marca Vale sobre as expresses da marca, A construo de uma

    identidade visual depende do uso consistente de todos os seus elementos e

    caractersticas visuais. imprescindvel o uso correto destes elementos para

    construirmos uma personalidade nica e memorvel. Essa padronizao

    dos elementos bsicos e secundrios contribui para a ixao das crenas no

    consumidor (PONTE, 2009).

    Segundo Peirce, a crena um estado de tranquilidade do qual no

    desejamos sair, enquanto a dvida consiste em um estado de insatisfao

    do qual lutamos para escapar, procurando voltar crena. Quando rompe-

    se uma crena, a dvida nos estimula a procurar uma nova, pois ela que ir

    nos manter preparados para agir quando a ocasio necessitar. Desenvolver

    um hbito de ao contribui para facilitar nossa adaptao no mundo, pois

    otimiza nossas decises. Se tivssemos que, a todo momento e a todo

    estmulo, avaliar a totalidade das variveis para tomar uma simples deciso,

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    no conseguiramos responder rapidamente quando o estmulo aparecesse

    a ns. medida que um determinado estmulo se repete, passamos a notar

    uma regularidade e acreditamos que ele ocorrer novamente. Passando a

    prev-lo, nos tornamos aptos a responder de forma mais eiciente.

    Essa capacidade decorre de o prprio universo tambm ter hbitos

    e de eles terem uma generalidade que pode ser interpretada. Um

    agricultor, por exemplo, se pauta nos horrios do sol e nas estaes do

    ano, prevendo-os, para determinar o cultivo de sua lavoura. A sua crena

    nessa regularidade da natureza que foi estabelecida a partir da observao

    dos fenmenos determina seu modo de ao e ela ixada cada vez que

    os dados observados condizem com essa crena. Se houver uma alterao

    meteorolgica imprevista, essa crena se rompe e estabelece-se uma dvida,

    que o paralisar por um tempo at que uma nova crena se instaure. O im

    da dvida, portanto, consiste no estabelecimento de uma opinio. Quando

    acreditamos em algo e crena no signiica acreditar necessariamente em

    algo verdadeiro, mas tomar algo por verdadeiro isso se relete nos nossos

    atos. Por isso h uma diferena prtica entre dvida e crena, pois esta ltima

    [...] guia nossos desejos e molda nossas aes (PEIRCE, 1877, p.4).

    No pragmatismo peirciano, h um conceito importante que deve ser

    explicado para a compreenso da relao entre crena e ao: o Sinequismo

    ou a Doutrina do Continuum. Para Peirce, h uma continuidade entre crena

    (pensamento) e ao. Por isso, pode-se compreender esta ltima como o

    aspecto exterior das ideias. O lado interior, pensamento, e o lado exterior,

    ao, portanto, no devem ser vistos como plos opostos, mas como

    adjacncias contnuas. Desta forma, a ao pode ser entendida como um

    estgio do pensamento, mas no como seu im, pois um pensamento

    tem como im uma ao que tem como im um pensamento e assim por

    diante. Compreendendo essa conexo entre pensamento e ao, podemos

    entender o porqu das identidades visuais buscarem ixar crenas na mente

    dos consumidores.

    Como j foi visto, a identidade visual pode ser entendida, enquanto

    signo, como a representao dos valores e conceitos de marca de uma

    empresa. Ampliando um pouco mais essa compreenso, entendendo-a

    sob a tica do Sinequismo e do Pragmatismo peirciano, ela pode ser

    compreendida como a exteriorizao de um conceito ou pensamento. Ela

    consiste, portanto, na materializao do lado interno no mundo da existncia

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    (lado externo). O desenvolvimento de uma identidade visual coerente, pela

    manuteno de um padro de aplicao descrito em seu manual de marca,

    contribui para ixar as crenas no consumidor.

    Com o hbito de se observar um logotipo ou uma assinatura visual,

    faz-se a conexo entre a representao visual da empresa e seus valores,

    gerando uma crena no consumidor que aquele signo consiste em marca

    ou representao daquela empresa. Caso haja uma aplicao consistente

    dos elementos de identidade visual nos diversos suportes, h a ixao

    dessa crena, pois o que o consumidor espera encontrar em sua previso

    conirmado pela aplicao correta de tipograia, cores e logotipo ou

    assinatura visual. A m aplicao uma falta de idelidade de cores, uma

    distoro do logotipo, ou o uso incorreto da famlia tipogrica, por exemplo

    gera uma dvida no consumidor, que passa a se questionar se esta marca

    mal aplicada de fato a representao daquela empresa que ele conhecia.

    Essa inconsistncia entre a crena do pblico-alvo e a aplicao da

    identidade visual algo que uma empresa deseja evitar, pois qualquer marca

    deseja se fortalecer na mente do consumidor. Quando este espera conirma

    o hbito de encontrar determinada representao e surpreendido com

    outro signo, isso acaba por enfraquecer a experincia com a identidade

    visual. Isto decorre tambm do fato desse signo ser um smbolo, isto , sua

    interpretao depende da convencionalidade e do hbito. Qualquer quebra

    desse hbito enfraquece a conexo entre o signo e o seu objeto, pois ser

    pela familiaridade que o consumidor poder correlacionar, por exemplo, a

    tipograia institucional aos valores de uma empresa. A identidade corporativa,

    portanto, normatizando suas aplicaes possveis por meio de um manual,

    visa instaurar uma redundncia na experincia pelo uso constante dos seus

    elementos.

    A relao entre crena e ao tambm pode ser vista na reao do

    consumidor identidade visual. Quando este tem uma recepo favorvel

    a uma empresa, por causa de experincias positivas anteriores com seus

    produtos e servios a experincia do uso do servio ou produto tambm

    valida ou no a representao da marca em relao aos valores da empresa

    , h o fortalecimento da crena de que, cada vez que ele se relacionar com

    essa marca, poder novamente vivenciar experincias que julga serem

    positivas. Assim, a ixao da crena decorrente da correta aplicao de sua

    identidade visual conduz a um hbito de conduta que a empresa deseja: o

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    consumo. Por exemplo, em um momento de escolha em um supermercado,

    espera-se que o pblico iel a uma marca compre de imediato seu produto

    preferido, sem entrar em novas especulaes, escolhas e decises a cada

    renovao dessa experincia (PONTE, 2009).

    Uma questo importante a ser abordada que h projetos de design

    que visam ixar crenas, como o desenvolvimento de uma identidade

    visual, e outros em que se busca romper com hbitos, como em projetos

    mais inovadores. As peas de design que se pautam na convencionalidade

    visam uma situao de tranquilidade e de crena, enquanto as muito

    originais quebram expectativas, demandando um aprendizado para sua

    compreenso. A aprendizagem, portanto, decorre do rompimento de

    crena e hbitos de conduta, que necessitaro da criao de novas crenas

    e hbitos. Por isso, qualquer pea de design que tenha maior originalidade

    gera maior diiculdade de interpretao.

    H um tipo de design que rompe com a rigidez das normas de

    aplicao e que passou a ser mais utilizado no inal do sculo XX, sendo

    nomeado de design cambiante por Kopp (2004). A questo que se coloca

    como a identidade visual que, principalmente com o alto modernismo,

    passou a apresentar uma srie de regras como pr-requisitos para sua boa

    apreenso, pode ixar crenas em seus consumidores mesmo apresentando

    uma versatilidade nas suas aplicaes.

    3. DESIGN CAMBIANTE

    Segundo Kopp (2004), o design que ele prope chamar de cambiante

    no se restringe ps-modernidade em seus esteretipos de efemeridade,

    de caos e de ecletismo que se contrapem hierarquizao e legibilidade

    do design moderno. Ele transita desde o movimento De Stijl at o Retro (KOPP,

    2004) e pode ser entendido como um design lexvel ou mutante: cambiante

    ento aquilo que varia, que troca, que no ixo, que barganha, que se

    transforma. Porm, ainda que o autor no restrinja o design cambiante ps-

    modernidade, porque esse modo de trabalhar era comum at 1940, sendo

    superado no alto modernismo, podemos perceber que, a partir da dcada

    de 1970, ele comea a ser praticado com mais fora e intencionalidade. Isso

    pode decorrer de alguns fatores: (1) a mudana nos processos de produo

    no capitalismo tardio; (2) a insero do computador na criao das peas de

    design, e (3) a transformao esttica do inal do sculo XX.

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    De acordo com David Harvey (2007, p.135), o sistema fordista j dava

    indcios de esgotamento em meados da dcada de 1960, pois apresentava um

    grande problema: rigidez. Havia rigidez nos investimentos para a produo

    em massa, que presumia um mercado crescente e no saturado, como de

    fato ocorria, e que diicultava a lexibilizao da produo. Havia tambm

    rigidez nos mercados e nos contratos de trabalho. Esses problemas foram

    contornados com a passagem do fordismo para a acumulao lexvel, que

    possibilitou o surgimento de novos setores de produo e o desenvolvimento

    principalmente do de servios e a lexibilizao dos contratos de trabalho e

    da produo, que pde atender sob demanda, dentro de um movimento

    que Harvey (2007) chama de compresso espao-tempo, decorrente da

    comunicao por satlite que diminui o tempo e aproximou distncias.

    Na acumulao lexvel, o enfoque so as necessidades e os desejos do

    cliente e no apenas dar vazo produo em massa. Por isso a lexibilidade

    nas relaes de trabalho tambm tornou-se to importante, pois as

    empresas precisavam se adaptar rapidamente s mudanas. A diferenciao

    e a possibilidade de personalizao dos produtos, atendendo a essas

    necessidades individuais, foi uma resposta crise ocorrida na dcada de

    1970. A implementao da estratgia da obsolescncia programada [1] por parte de empresas que desejavam maximizar o lucro (GONALVES JNIOR & FERREIRA, 2009) acelerou o ciclo de vida de produtos e servios e os modismos passaram a ser acompanhados, para que as empresas pudessem atender o movimento de seus consumidores. A estica estvel do alto modernismo deu lugar a todo o fermento, instabilidade e qualidades fugidias de uma estica ps-moderna, que celebra a diferena, a efemeridade, o espetculo, a moda e a mercadiicao de formas culturais (HARVEY, 2007, p.148).

    A estica de uma poca tambm pode ser inluenciada pelas inovaes tecnolgicas e modos de produo de uma proisso. No caso do design, o surgimento dos aparelhos eletrnico-digitais da marca Macintosh, em 1984 (POYNOR, 2010), permiiu a incorporao de vrios processos analgicos antes separados pela possibilidade de digitalizao. O programa Desktop Publishing e os sotwares baseados em WYSIWYG (what you get is what you see) possibilitaram maior maleabilidade na composio e controle do resultado inal, por parte do designer. As novas ferramentas diminuram a dependncia da criao dos processos gricos menos lexveis, como a ipograia, por exemplo. Os processos de impresso at a dcada de 1960 tambm se

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    baseavam no modelo fordista e a sua rigidez, aplicada produo em larga escala, orientava a criao de layouts que se ajustassem a eles. Portanto, a demanda cada vez maior pela personalizao dos produtos e servios e a lexibilizao da criao dos layouts, aps o advento do computador, permiiram que o design cambiante ganhasse ainda mais fora a parir da dcada de 1970.

    Kopp (2004) cita alguns exemplos de design cambiante para ilustrar sua ideia. A revista americana Ray Gun, a parir da concepo do designer David Carson, que fez sua direo de arte de 1992 a 1996, usou e abusou de experimentaes, de falta de padronizaes e de ilegibilidade. Californiana, voltada para um pblico-alvo jovem de contedo rock nroll, mudava o layout interno das pginas de uma reportagem a outra e no seguia regras na confeco das capas de um nmero para seu subsequente (Fig. 5).

    Fig. 5: Capa e pginas internas da revista Ray Gun.

    Fonte: website David Carson Design.

    A revista Big, editada em Nova Iorque e impressa na Espanha, tambm

    segue essa tendncia. Sendo distribuda por vrios pases, sua estratgia

    ser multicultural. A tipograia de seu logotipo varia de edio para edio,

    bem como sua localizao na pgina (Fig. 6). Kopp (2004) cita ainda a revista

    mexicana Matiz e a revista brasileira Sexta Feira, entre outros exemplos de

    design grico cambiante na rea editorial.

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    Fig. 6: Capas da Revista Big, respectivamente nmeros 25, 28, 29, 31 e 35.

    Fonte: website oicial da revista Big.

    Kopp (2004) destaca dois casos na rea de identidade visual: o logotipo

    do Jornal Literatur in Kln, Lik, criado em 1974 pela agncia alem GGK, e o

    logotipo MTV Music Television (primeiro canal 24hs dedicado msica e

    voltado para pblico jovem), concebido em 1981 pelo estdio Manhattan

    Design. O projeto do logotipo Lik (Fig. 7) foi na contramo do que estava

    sendo projetado no incio dos anos 1970 e consiste um marco de design

    cambiante. Seu logotipo possua vrias verses, sendo apresentada cada

    letra em uma fonte diferenciada.

    Fig. 7: Variaes do logotipo Lik.

    Fonte: Kopp (2004, p.95).

    J o logotipo MTV era composto por uma letra M sugerindo

    tridimensionalidade e expressa em negrito e sem serifa, a abreviatura tv era

    apresentada como sobreposta letra, com tipograia em estilo manuscrito.

    O aspecto cambiante desta marca ocorria a partir de suas aplicaes (Fig. 8),

    que poderiam acontecer das formas mais inusitadas possveis, com texturas

    diversas em que o logo se investia de diferentes personalidades.

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    Fig. 8: Variaes do logotipo da empresa MTV.

    Fonte: Teixeira (2006, p.158).

    O projeto de identidade visual da empresa MTV fazia parte de uma

    estratgia mais ampla do grupo multinacional de entretenimento ViaCon

    Inc. que, baseando-se em pesquisas de mercado, percebeu o potencial de

    consumo de um pblico jovem vido por novidades (PONTE & NIEMEYER,

    2009). Kopp (2004), a programao visual e comunicativa MTV no consegue

    manter uma coerncia ou uma linha de pensamento una e, tambm,

    cita Ann Kaplan, que considera essa comunicao como uma torrente de

    signiicantes embaralhados e febris para os quais nenhum signiicado

    pretendido ou tem tempo de ser comunicado.

    Diferentemente do que informam Anna Kaplan e Rudinei Kopp, nota-

    se, ao assistir o canal, que mesmo se utilizando de um design cambiante, a

    identidade visual da MTV rapidamente identiicada por seus telespectadores,

    o que signiica que mesmo com uma profuso de imagens e uma aparente

    incoerncia visual, h uma signiicao forte que transmitida. Como airma

    Machado (2003), o canal da MTV o mais facilmente reconhecvel, o que

    tem a mais forte identidade na televiso, graas sobretudo sua esttica

    convulsiva e indomesticvel, sua nfase na edio rpida e um certo

    surrealismo pop, que permitiu uma vez empresa deinir-se a si prpria

    como the only that advertises itself as a fool (a nica que anuncia a si mesma

    como uma doida).

    4. IDENTIDADE VISUAL CAMBIANTE E FIXAO DAS CRENAS

    O sucesso da marca MTV com seu pblico mostra que no apenas

    uma identidade visual tradicional nos moldes do alto modernismo, baseado

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    em elementos ixos e normas de aplicao, pode ixar crenas em seus

    consumidores. Dentro de uma proposta de um design cambiante, que

    aplica o logotipo (Fig. 9) com as mais variadas texturas e cores, podemos

    perceber que ainda h algo de regular que subjaz diversidade: a estrutura

    do logotipo e a relao entre suas partes.

    Fig. 9: Logotipo da MTV.

    Fonte: Kopp (2004, p.96).

    Independentemente do contexto em que o logotipo se insere, como

    pode ser visto na imagem anterior (Fig. 8), mantm-se a relao entre os

    elementos: h sempre a letra M com a abreviatura tv, sugerindo estar

    parcialmente sobreposta ao lado esquerdo da letra. A teoria Gestalt, surgida

    no incio do sculo XX na Alemanha, tratou da percepo visual, sugerindo

    que a primeira sensao a forma, global e uniicada, que decorre da

    estrutura do crebro e dos estmulos objetivos. Assim, a anlise de uma

    forma dependeria das caractersticas do objeto e das tendncias naturais do

    crebro em estabelecer certas relaes (FILHO, 2002). Uma das suas principais

    leis justamente a uniicao e a segregao, que faz com que percebamos

    estmulos visuais como partes de um nico elemento ou como partes de

    elementos distintos. Isso tambm faz com que consigamos distinguir cada

    objeto em si, independente das suas partes componente.

    Desta forma, o logotipo da empresa MTV apresenta uma estruturao

    muito forte, que, mesmo aplicada de forma diferente em cada circunstncia,

    continua identiicvel. Esse tambm o caso do logotipo da cidade

    australiana de Melbourne (Fig. 10), que expressa de forma pregnante a

    letra M, independentemente do tratamento interno, grico e cromtico,

    permanecendo facilmente discernvel. Comunica-se, desta forma, a

    diversidade na aparncia, mas a conigurao ou contorno externo

    mantido de maneira ixa.

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    Fig. 10: Logotipo da cidade de Melbourne e sua identidade cambiante.

    Fonte: Website City of Melbourne.

    Algumas aplicaes do logotipo da empresa Google so exemplos

    interessantes de sua identidade visual cambivel que, tambm, consegue

    ixar crenas e ser facilmente identiicada, como signo que representa os

    conceitos de marca da empresa. Desde 1998, o website de busca Google

    apresenta doodles (Fig. 11), que so ilustraes ou vinhetas gricas compostas

    com o seu logotipo e outros elementos decorativos ou temticos de datas

    comemorativas e eventos.

    Fig. 11: Doodles Google: (A) Aniversrio de Kafka; (B) Festival Dragon

    Boat; (C) Dia de Portugal; (D) Dia do Professor.

    Fonte: website Doodles.

    Nos doodles propostos (Fig. 11), buscou-se assemelhar os desenhos aos

    caracteres do logotipo Google, de forma mais ou menos evidente. Percebe-

    se que nas imagens relacionadas com a comemorao do aniversrio

    do escritor Kafka e com o Dia Nacional de Portugal, a leitura do nome da

    empresa mais clara, sendo que nas imagens relativas ao Festival Dragon

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    Boat e, mais especiicamente, ao Dia do Professor, h uma maior diiculdade

    perceptiva em discernir as letras. H casos em que o contexto da pgina do

    website o elemento que fora a associao com o logotipo Google. O fato

    do internauta estar conectado ao website Google e habituado ao costume da

    empresa apresentar doodles criativos, o predispe a interpretar os elementos

    de maneira associada ao logotipo, mesmo porque o doodle substitui o

    logotipo, ocupando a mesma localizao na pgina. Por mais diferentes que

    os elementos visuais sejam desses caracteres, a percepo do internauta

    forada a procurar a conexo. Portanto, continua-se a ixar a crena, uma vez

    que o design cambiante torna-se previsvel (ainda que no se saiba como ir

    se materializar).

    5. CONCLUSO

    Percebemos com esses exemplos que no apenas uma identidade

    visual mais tradicional, moldada ao estilo do alto modernismo, pode ixar

    crenas em seus consumidores. Ainda que uma marca possa ser representada

    visualmente de forma cambiante, com maior variedade de aplicaes que se

    costuma projetar comumente, h algo estvel nela que subjaz variedade

    aparente, seja a forma, as relaes entre os elementos ou mesmo o hbito que

    se estabelece na mente do consumidor, de que a empresa ser representada

    de forma variada, criando a expectativa da sua ocorrncia.

    A identidade visual, incluindo a cambiante, deve fortalecer os valores

    e os conceitos de marca. Por isso, busca-se a ixao de crenas positivas

    a respeito da empresa representada. A criao de cada signo (logotipo

    ou assinatura visual) buscar uma estratgia prpria e a escolha de uma

    identidade visual cambiante ou ixa depender, no apenas dos conceitos

    de marca a serem transmitidos, mas tambm da avaliao da adequao

    do projeto ao seu pblico-alvo. Podemos perceber que as empresas citadas

    neste artigo que apresentaram uma identidade visual cambiante mantm

    um posicionamento conceitual ligado a valores como: contemporaneidade,

    juventude e transformao, visando como pblico-alvo consumidores

    interessados nesse posicionamento e nessas variaes, como potenciais

    interessados nos seus produtos, servios e ideias.

    Portanto, ainda que a forma de apresentao do logotipo ou da

    assinatura visual possa mudar em diversas aplicaes, transmitindo

    um dinamismo maior que a identidade visual tradicional, mostra-se

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    fundamental desenvolver uma conceituao slida para a marca cambiante,

    a partir da deinio clara da estratgia do produto ou servio, dos desejos

    e das necessidades do seu pblico-alvo, e da pesquisa dos concorrentes no

    mercado. O projeto de design de uma identidade visual cambiante deve

    manter a mesma solidez de uma tradicional, e os conceitos de marca devem

    se materializar, buscando uma base estvel que estruture os elementos

    mutveis, como vimos nos exemplos ao longo do artigo. Somente assim

    a identidade visual cambiante de um produto ou servio conseguir se

    manter coerente em relao aos conceitos de marca e ixar crenas em seus

    consumidores.

    NOTAS

    [1] Um das estratgias no mundo capitalista para aumentar o lucros das

    empresas - objetivo inal de qualquer companhia que esteja sob a lgica

    de mercado - a aplicao da obsolescncia programada. Seja pelo uso de

    materiais menos durveis nos produtos, seja pela escolha de uma esttica

    conectada a modismos, o intuito da obsolescncia programada consiste em

    reduzir o ciclo de vida do produto por seu desgaste fsico mais acelerado

    ou pelo seu descarte decorrente de uma esttica que rapidamente torna-se

    ultrapassada.

    REFERNCIAS

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    Lucy Niemeyer designer, Doutora em Comunicao e Semitica pela

    PUC de So Paulo, Mestre em Educao pela UFF, autora de livros e artigos

    sobre design, palestrante nacional e internacional. Atualmente, dedica-se

    ao ensino e pesquisa na ESDI/UERJ, onde leciona na Graduao e no

    Curso de Mestrado e Doutorado em Design.

    Raquel Ponte designer, doutoranda e Mestre em Design pela ESDI-

    UERJ, com graduao em Comunicao Social - Cinema pela UFF e MBA

    em Marketing pela Puc-Rio. Atualmente leciona no curso de Comunicao

    Visual Design na EBA-UFRJ, onde Professora Assistente.

    Recebido em: 09/09/2014;

    Aceito em: 07/11/2014.

    Esta obra foi licenciada com

    uma Licena Creative Commons.