31714-106535-1-PB

12

Click here to load reader

description

m

Transcript of 31714-106535-1-PB

  • Frum Lingustico, Florianpolis, v. 10, n. 4, p. 259-270, out./dez. 2013.....................http://dx.doi.org/10.5007/1984-8412.2013v10n4p259

    MUITAS COISAS ELES FALAM ERRADO PORQUE TEM ESSA MISTURA DA LNGUA ALEM: VOZES DE PROFESSORES SOBRE A EDUCAO EM

    CONTEXTOS DE LNGUAS DE IMIGRAO* "ELLOS DICEN MUCHAS COSAS MAL PORQUE TIENEN ESA MEZCLA CON LA LENGUA ALEMANA": VOCES DE LOS PROFESORES SOBRE LA EDUCACIN EN CONTEXTOS DE LENGUAS DE INMIGRACIN MANY THINGS THEY SPEAK WRONGLY BECAUSE THERE IS THIS MIX OF THE GERMAN LANGUAGE: TEACHERS VOICES ABOUT THE EDUCATION IN CONTEXTS OF IMMIGRATION LANGUAGES Maristela Pereira Fritzen**

    Jaqueline Ristau Universidade Regional de Blumenau FURB, BR

    RESUMO: Neste artigo pretende-se socializar resultados parciais de uma pesquisa de base interpretativista que objetivou investigar o posicionamento de professores que atuam na educao bsica em relao aos contextos bi/multilngues da regio do Vale do Itaja, SC. A pesquisa teve como principal instrumento entrevistas semiestruturadas. A anlise dos registros orientou-se pelo vis terico da Lingustica Aplicada e dos Estudos Culturais. Os registros sugerem que algumas das professoras entrevistadas demonstram reconhecimento do bilinguismo do grupo social onde a escola se insere. Em contraposio, desvela-se em alguns depoimentos o papel da escola em ensinar apenas a lngua majoritria do pas, em detrimento das lnguas de imigrao. Os dados tambm sinalizam um conflito de identidade vivido pelo professor como sujeito falante de uma lngua minoritria e, ao mesmo tempo, sujeito professor. Esse conflito parece ressoar as polticas de nacionalizao do ensino, que contriburam para a construo e manuteno do mito do monolinguismo no Brasil. PALAVRAS-CHAVE: bilinguismo social; lnguas de imigrao; escolarizao; identidade. RESUMEN: En este artculo se pretende socializar los resultados parciales de un estudio de posicionamiento interpretativo que tuvo como objetivo investigar a los docentes que trabajan en la educacin bsica en relacin con los contextos bi/multilinges de la regin del Valle de Itaja, Santa Catarina (Brasil). La investigacin tuvo como principal instrumento entrevistas semiestructuradas. El anlisis de los registros fue guiado por el sesgo terico de la Lingstica Aplicada y los Estudios Culturales. Los registros indican que algunas de las profesoras entrevistadas demuestran reconocimiento del bilingismo del grupo social en el que se encuentra la escuela. No obstante, se revela tambin en algunos testimonios el papel de la escuela de ensear solamente la lengua mayoritaria del pas, en detrimento de las lenguas de inmigracin. Los datos tambin indican un conflicto de identidad vivido por el profesor como sujeto hablante de una lengua minoritaria y, al mismo tiempo, sujeto profesor. Este conflicto parece resonar las polticas de nacionalizacin de la educacin, las cuales contribuyeron a la construccin y mantenimiento del mito de monolingismo en Brasil. PALABRAS-CLAVE: bilingismo social; lenguas de inmigracin; escolarizacin; identidad. ABSTRACT: In this article we intend to socialize partial results of a survey of interpretive base that aimed to investigate the positioning of teachers working in basic education in relation to the bi/multilingual contexts from the region of Vale do Itaja, SC. The survey primarily used semistructured interviews as the main instrument. The analysis of the registries was guided by the theoretical bias of Applied Linguistics as well as Cultural Studies. The registries suggest that some of the interviewed teachers demonstrated recognition in relation to the bilingualism of the social group where the school is located. In contraposition, we realized from some of the statements that the role of schools is teaching only the majority language of the country, to detriment of the immigration languages. The data also indicated a conflict of identity experienced by the teacher as a speaker subject of a minority language and, at the same time, as a teacher subject. This conflict seems to resonate the policies of nationalization of education, which contributed to the construction and maintenance of the myth of monolingualism in Brazil. KEYWORDS: social bilingualism; immigration languages; education; identity.

    1 INTRODUO

    As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educao Bsica (BRASIL, 2010), ao estabelecer os rumos para a Educao Infantil, o Ensino Fundamental e Mdio, recuperam os objetivos constitucionais que pressupem, entre outros direitos, o direito igualdade, pluralidade e diversidade. No Captulo II, o

    * Parte dos dados discutidos neste artigo foi apresentada no XX Seminrio do CELLIP, em Londrina, PR, em 2011.

    ** Email: [email protected].

  • 260

    Forum linguist., Florianpolis, v. 10, n. 4, p. 259-270, out./dez. 2013

    documento prev que a formao de crianas, jovens e adultos passe pelo estudo dos aspectos que caracterizam o contexto regional e local, entre eles, a cultura.

    No de hoje, como lembra Cavalcanti (2011), que o discurso da pluralidade e da diversidade est presente em documentos oficias da educao nacional (vide os Parmetros Curriculares Nacionais, 1997, 1998). A relao do global com o local em prticas sociais envolvendo a linguagem tambm faz parte desses documentos de parametrizao (vide Orientaes Curriculares Nacionais para o Ensino Mdio, 2008). No entanto, quando se desloca o olhar para cenrios interculturais e plurilingusticos no Brasil e, mais especificamente, quando as lentes focalizam a Educao Bsica nesses cenrios, o discurso da heterogeneidade cultural, sociolingustica e da incluso d lugar a incertezas, conflitos e, no raro, posicionamentos etnocntricos.

    Embora reconheamos o avano de tais documentos, consideramos a necessidade de pesquisar, discutir e problematizar a educao em contextos de grupos minoritrios e/ou minoritarizados1, a fim de dar visibilidade s complexas relaes que se estabelecem quando num mesmo espao social coexistem diferentes lnguas. O contato lingustico tem gerado, consequentemente, conflitos lingusticos, identitrios, polticos e ideolgicos.

    Nos ltimos anos, temos nos dedicado a pesquisas em um cenrio de imigrao no Sul do Brasil, onde ainda esto presentes as lnguas alem, italiana e polonesa. Temos procurado desvelar prticas sociais de letramento de indivduos descendentes de alemes e italianos, interrompidas durante a Campanha de Nacionalizao do Ensino (1937-1945) (FRITZEN, 2013); buscado compreender as construes identitrias desses grupos e a educao que vem sendo oferecida a crianas que ainda convivem com a lngua de herana familiar (FRITZEN, 2008, 2011; FRITZEN, EWALD, 2011). Neste artigo, nosso propsito contribuir para esse debate, socializando e discutindo dados parciais de uma pesquisa de cunho interpretativista (ERICKSON, 1986) que teve como objetivo compreender o posicionamento de professores que atuam no Ensino Fundamental em relao aos contextos bi/multilngues em que se inserem.

    Para tanto, organizamos o texto em trs sees. Inicialmente, discutimos o mito do monolinguismo no Brasil e sua relao com o contexto da pesquisa aqui relatada. Em seguida, damos voz s professoras, sujeitos de nossa pesquisa, a fim de problematizarmos questes relacionadas ao bilinguismo social, s atitudes lingusticas e s lnguas no contexto escolar. Por fim, discutimos as implicaes do cenrio intercultural para a educao de crianas de grupos minoritrios e para a formao de professores.

    2 DO MITO DO MONOLINGUISMO PLURALIDADE LINGUSTICA: CAMINHOS A SEREM PERCORRIDOS NA EDUCAO DE GRUPOS MINORITRIOS

    Conforme mencionado na introduo deste artigo, o discurso da diversidade, do respeito s diferenas, sejam elas de gnero, etnia, sexualidade, tem gerado documentos oficiais importantes na rea de educao no Pas. Parece que se tornou politicamente incorreto levantar a bandeira da homogeneidade, do monoculturalismo, mesmo que ainda persistam, de diferentes formas, noes essencialistas de cultura e identidade. No entanto, nem sempre esses discursos da diversidade ecoam e ressoam de forma positiva nas escolas de Educao Bsica ou, muitas vezes, eles chegam nesses contextos de forma enviesada. Basta refletir sobre o episdio do livro didtico Por uma vida melhor, ocorrido em 2011. A imprensa brasileira provocou polmica ao divulgar parte de contedos tratados nesse livro didtico de Lngua Portuguesa, aprovado pelo Programa Nacional do Livro Didtico do MEC (PNLD). Os debates reuniram e confrontaram, nem sempre em mesma proporo, vozes de jornalistas, gramticos, linguistas2, educadores, repercutindo na sociedade em geral.

    A anlise parcial e equivocada da mdia, por legitimar apenas um padro idealizado de lngua, mostrou, entre outros aspectos, atitudes com relao no aceitao da variao lingustica do portugus do Brasil. 1. Cavalcanti (1999, 2011) argumenta que, ao lado dos contextos minoritrios, nos quais esto presentes lnguas indgenas, de imigrao ou a Libras,

    por exemplo, h contextos apresentados como minoritrios na sociedade quando, na verdade, so majoritrios (2011, p. 172). Ver discusso adiante sobre o portugus no Brasil.

    2Na ocasio, a Alab (Associao de Lingustica Aplicada do Brasil) posicionou-se diante da polmica, criticando a falta de compreenso da mdia e, consequentemente, da populao em geral sobre a atuao do linguista. Da mesma forma, outras associaes e estudiosos da linguagem se manifestaram na mdia e reuniram um dossi que circulou pela internet.

  • 261

    FRITZEN; RISTAU (Muitas coisas eles falam errado porque tem essa mistura da lngua alem: vozes de...)

    Falas de determinados grupos sociais minoritarizados, vistas como expresses corrompidas da lngua, foram estigmatizadas e alvo de duras crticas. Esse fato revela, de alguma forma, o poder da escrita em detrimento da oralidade, uma vez que vivemos numa sociedade grafocntrica. As prticas de letramento de instituies reconhecidas socialmente, com frequncia, so mais valorizadas que as prticas orais ocorridas na esfera familiar, por exemplo. Alm disso, o episdio chama a ateno para foras centrpetas que atuam para impor e fortalecer a lngua de poder e prestgio, em detrimento do multilinguismo3.

    A ateno da mdia para o tema e os desdobramentos dessa discusso brevemente ilustrados acima deixam claro que tratar de fenmenos lingusticos envolve no apenas a dimenso lingustica em si mesma, mas, entre outras, questes histricas, ideolgicas, identitrias e de poder. Por esse motivo, afirmar que a lngua oficial do Brasil o portugus ou que no Brasil se fala portugus no pode ser feito de forma ingnua, especialmente no espao da educao formal.

    Se hoje parece natural que a lngua do Brasil seja o portugus, ou o portugus brasileiro (BAGNO, 2001; PERINI, 2010), isso no se deu sem conflitos e coeres. Os primeiros movimentos destinados a eliminar o plurilinguismo brasileiro e promover a lngua portuguesa como lngua nica foram direcionados contra as lnguas indgenas (CAVALCANTI, 1999). Mais tarde, por meio de duas campanhas4 de nacionalizao do ensino, em especial a segunda, promovida pelo governo de Getlio Vargas durante o Estado Novo, as lnguas de imigrao sofreram represso violenta durante anos nas escolas e outros espaos sociais5. Conforme Seyferth (1981, p. 307), a proibio das lnguas dos imigrantes dos pases do Eixo (Alemanha, Itlia e Japo) pretendia abrasileirar os quistos tnicos, inclusive usando a fora (grifos no original).

    Muitos estudos tm denunciado o mito do monolinguismo no Brasil (vide, entre outros, CAVALCANTI, 1999, 2011; BORTONI-RICARDO, 2005). Embora prevalea essa ideologia do monolinguismo, o bilinguismo, aqui entendido como a capacidade de fazer uso de mais de uma lngua (MAHER, 2007, p.79), sempre esteve presente no Pas.

    A Sociolingustica, em geral, disciplina presente no currculo de cursos de formao de professores. No entanto, parece que ainda se discute pouco a diversidade sociolingustica e cultural do Pas. Ou, quando a diversidade entra na agenda de instituies sociais oficiais, entre elas a escola, no raro, surge de forma estereotipada, com apelos ao curioso e ao extico6. No caso do contexto de lnguas de imigrao, as diferentes etnias que colonizaram o Sul do Brasil so representadas em festas tpicas, quando expresses culturais como a msica, a dana, as comidas so mostradas na mdia, em geral com o objetivo de atrair o turismo. A Oktoberfest em Blumenau pode ser um bom exemplo dessa representao da diversidade7.

    A fim de compreendermos a composio do cenrio da regio do Vale do Itaja, foco deste artigo, preciso lembrar que, por razes histricas e polticas, reuniram-se num mesmo espao geogrfico grupos tnicos diversos, com sua lngua, sua crenas, seus comportamentos e modos de construir sentidos s suas aes e ao contexto em que se inserem. O fator principal desencadeador da formao desse contexto intercultural foram as polticas de imigrao do Pas no sculo XIX, que estimularam o ingresso de imigrantes estrangeiros com o objetivo de povoar terras ditas devolutas, consideradas adequadas instalao de agricultores livres e europeus (SEYFERTH, 1999).

    A Colnia Blumenau no Vale do Itaja, SC, foi fundada em 1850 e se tornou uma importante colnia alem da Amrica Latina. Em termos numricos, os alemes ficaram aqum de imigrantes vindos da Itlia, Espanha e Portugal8. Sua importncia, porm, dentro do contexto imigratrio brasileiro, est relacionada

    3 Cesar e Cavalcanti (2007, p. 62) sugerem que, nas escolas brasileiras, deveriam ser esquecidas as dicotomias lngua e variedade, lngua e norma,

    lngua e dialeto a fim de tratar o fenmeno da variao dialetal como multilinguismo. (grifos no original)

    4 A primeira campanha de nacionalizao foi empreendida a partir de 1911 (LUNA, 2000).

    5 Fveri (2005) fez um trabalho exaustivo sobre a Segunda Guerra Mundial e seus efeitos para os imigrantes de alemes e italianos em Santa Catarina.

    6 Maher (2007, p. 83) chama a ateno para o fato de que amostras episdicas de manifestaes culturais no so suficientes para garantir o respeito ao plurilinguismo cultural na escola. Tambm Silva (2006) critica a abordagem superficial das diferentes culturas no currculo escolar.

    7 Para aprofundar essa viso sobre a Oktobesfest em Blumenau, vide Wolff e Flores (1994).

    8 Segundo Cavalcanti (1999, p. 390-391), os primeiros portugueses e os africanos no so vistos como imigrantes. Aqueles parecem ter um status superior como donos/donatrios das terras, enquanto estes, cerca de 6 milhes de pessoas que serviram como mo de obra escrava, foram a razo da adoo de uma poltica de branqueamento, em favor da imigrao europeia.

  • 262

    Forum linguist., Florianpolis, v. 10, n. 4, p. 259-270, out./dez. 2013

    com o povoamento dos trs estados do Sul, em zonas pioneiras, constituindo uma sociedade culturalmente diversa (id. ibid., p. 275).

    Os imigrantes alemes formaram na regio e no Sul do Brasil (vide KREUTZ, 2003; KORMANN, 1995) um amplo e slido sistema de ensino9 em funo da falta de escolas pblicas. At 1940, o alemo, como lngua de imigrao, era lngua de prestgio, utilizada em prticas de letramento em esferas pblicas (imprensa, religio, esfera literria), ensinada nas escolas e presente como lngua de interao social, apesar de nunca ter recebido o estatuto de lngua oficial.

    Como citado anteriormente, o alemo no a nica lngua de imigrao falada na regio. A vinda de outros imigrantes europeus reuniu ainda grupos de fala italiana e polonesa, presentes ainda hoje, embora em nmero menor10. Vale lembrar ainda as lnguas indgenas faladas na regio. Assim, o cenrio da pesquisa pode ser considerado sociolinguisticamente complexo, como tem caracterizado Cavalcanti (1999, 2011) contextos em que esto presentes o portugus e suas variedades e outras lnguas minoritrias ou minoritarizadas, que disputam espao e poder. No caso de comunidades bilngues (alemo/portugus) de Blumenau, ao lado do portugus padro, que com frequncia tem entrada pela escola, fala-se uma variedade especfica do portugus, com marcas do alemo, alm do alemo do grupo e o padro. A partir de polticas lingusticas recentes, crianas de grupos teuto-brasileiros tm tido acesso a prticas de letramento em alemo padro nas aulas de Alemo. importante ainda mencionar que a igreja, no caso dessas comunidades bilngues, a Igreja Evanglica Luterana, tem um papel relevante como agncia de letramento que contribui para a manuteno da lngua de herana desses grupos sociais (FRITZEN, 2007).

    Na esfera educacional, tm surgido iniciativas importantes com relao adoo de polticas lingusticas locais em favor de lnguas de imigrao. No municpio de Pomerode, cidade vizinha de Blumenau, a lngua alem disciplina curricular do sistema municipal a partir do primeiro ano do Ensino Fundamental. Alm disso, duas escolas pblicas municipais oferecem educao bilngue a partir do primeiro ano escolar desde 2008. Em Blumenau, escolas municipais oferecem a lngua alem, ao lado do ingls, a partir do 4. ano do Ensino Fundamental11.

    Por outro lado, se levarmos em conta (i) as campanhas de nacionalizao do ensino, em especial a empreendida durante o governo Vargas (1937-1945), que impuseram o silenciamento dos falantes de lnguas de imigrao; (ii) o papel da escola como instrumento de represso e imposio de uma nica lngua e uma nica cultura e a consequente estigmatizao das lnguas minoritrias, que prevaleceram em grande parte apenas na oralidade; (iii) o pouco conhecimento dos contextos bi/multilngues ainda presentes em muitas regies do Brasil e (iv) a falta de formao de professores para atuarem nesses contextos, chegaremos concluso de que ainda h muito a ser feito em favor da valorizao das diferenas e o atendimento pluralidade e diversidade cultural, resgatando e respeitando as vrias manifestaes de cada comunidade, conforme apregoam as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educao Bsica, em seu Artigo 9. (BRASIL, 2010).

    3 A GENTE TEM QUE SE POLICIAR PRA NO FALAR EM POLONS: VOZES DE PROFESSORAS EM CONTEXTOS DE LNGUAS DE IMIGRAO

    A partir de entrevistas semiestruturadas12, professoras do Ensino Fundamental da regio do Mdio Vale do Itaja foram convidadas a manifestar seu ponto de vista com relao s lnguas de imigrao mantidas no contexto onde atuam, com relao aos seus falantes, bem como ao seu posicionamento diante da educao

    9 Luna (2000) chama a ateno para o fato de que desde o reinado de Frederick II (entre 1740 e 1786) j era obrigatria a frequncia escola no

    sistema escolar alemo.

    10 Seria difcil hoje estimar o nmero de pessoas em Blumenau e Vale do Itaja que ainda falam alguma lngua de imigrao e que a mantm em suas relaes familiares e sociais. Segundo Oliveira (2002, p. 88), de todos os censos brasileiros, somente os de 1940 e 1950 se interessaram por perguntar qual lngua os brasileiros usavam no lar, e se sabiam falar portugus. O censo de 2010 incluiu, para a populao indgena, pergunta com relao etnia ou povo a que pertence e lngua falada. No caso das antigas zonas de imigrao, no h dados oficiais sobre as lnguas ainda faladas hoje, salvo por iniciativas de pesquisadores.

    11 H no municpio 50 escolas pblicas, entre elas, sete multisseriadas, situadas em zonas rurais. Dessas 50, 20 oferecem o ensino da lngua alem.

    12 As entrevistas foram realizadas nos anos de 2010 e 2011.

  • 263

    FRITZEN; RISTAU (Muitas coisas eles falam errado porque tem essa mistura da lngua alem: vozes de...)

    oferecida a crianas membros desses grupos. Levando em considerao o espao de discusso deste artigo, selecionamos quatro entrevistas para discusso.

    Os primeiros trechos a seguir so depoimentos da professora Ana13, teuto-brasileira14 e pedagoga, que trabalha h nove anos como professora de Lngua Alem e segue uma rotina de cinquenta horas/aula em escolas municipais de Blumenau, SC.

    Quanto s escolhas lingusticas no ensino, as escolas municipais de Blumenau possuem em seu currculo as disciplinas de Lngua Alem e de Lngua Inglesa. Os alunos, do quarto ao nono ano, tm uma aula de Lngua Inglesa e uma aula de Lngua Alem por semana. Algumas escolas, visando maior aprendizado dos alunos, desenvolvem projetos extraclasses, como o Clube do alemo no contraturno, que, conforme a professora Ana, j conseguiu resultados satisfatrios, como a aplicao da prova do Instituto Goethe de Porto Alegre, que certifica na lngua alem o aluno aprovado no exame.

    Durante a entrevista, Ana comentou sobre a escola multisseriada na qual tambm professora de Lngua Alem:

    Ana15: ento, eu ocupando a lngua me deles [alunos] que eles falam em casa eles me entendem com mais facilidade do que aquela que eles usam normalmente na escola e no corredor da escola e tudo mais (++) ento a gente fala basicamente s alemo n ento assim, (+) tanto que nessa escola todos os professores praticamente sabem falar alemo n (+) entendem alemo n (+) j pra eles muito bom porque o problema quando voc tem uma turma que se explicar alguma coisa em portugus ela no entende e se voc no conseguir passar um movimento na lngua que ela entenda complicado n ento ela vai ficar muitas vezes defasada naquele contedo (+) ento estamos bem felizes que a gente tem professores que conseguem tambm auxiliar os alunos na lngua alem tambm (+) no s quando eu estou mas durante a semana toda /.../

    Nessa escola, localizada em zona rural do municpio, as crianas ainda aprendem a falar alemo com a famlia. O fato de os professores tambm serem teuto-brasileiros e poderem usar a lngua do aluno, em algumas situaes, como lngua de instruo na escola, destacado pela professora. Ela afirma: o problema quando voc tem uma turma que se explicar alguma coisa em portugus e ela no entende. Essa a situao de muitos alunos que ainda hoje entram na escola falando predominantemente o alemo e no encontram na educao formal apoio para sua lngua, pois, embora a lngua de imigrao tenha entrado no currculo escolar como uma disciplina, a lngua de instruo oficial o portugus.

    A professora Beatriz, pedagoga, que no fala nenhuma das lnguas de imigrao presentes na regio e atua como professora na educao infantil no municpio de Blumenau, conta suas experincias que remetem situao problema relatada pela professora Ana:

    Entrevistadora: a que voc associaria lngua alem?

    Beatriz: Alemanha

    Entrevistadora: Alemo?

    13 Para nomear as professores, sujeitos da pesquisa, so usados pseudnimos a fim de preservar sua identidade.

    14 Estamos compreendendo aqui teuto-brasileira/o como um qualificativo para nos referirmos a descendentes de imigrantes alemes, da terceira, quarta ou quinta gerao, que ainda aprenderam em casa a lngua de herana familiar.

    15 Convenes de transcrio adaptadas de Marcuschi (1986):

    (+) cada sinal indica pausas pequenas de 0.5 segundo

    /.../ indica que parte da fala foi omitida

    :: indica prolongamento de som precedente

    para uma subida leve (como uma vrgula)

    , descida leve ou brusca

    MAISCULA indica nfase

  • 264

    Forum linguist., Florianpolis, v. 10, n. 4, p. 259-270, out./dez. 2013

    Beatriz: /.../ a regio das /.../ [cita um bairro] (+) se tu ir aqui pra /.../ [cita o mesmo bairro], todo mundo fala SUPER ALEMAO (+) a eu dou aula na [menciona a escola], ningum fala, foi bem difcil eu vir pra c porque quando eu cheguei aqui eles falavam errado muitas coisas eles falam errado porque tem essa mistura da lngua alem n (+) NOSSA me assustei n (+) a tu vai ali na [menciona escola] (+) l tambm regies alems que assim : a gente percebe LOgo porque o errado que eles falam (+) porque se tu d aula no /.../[cita outro bairro] tu no v ningum falando a origem alem

    Ao refletir sobre a palavra alemo e ao buscar associaes livres com outras ideias, a professora demonstra seu estranhamento ao se deparar com um contexto diferente do que estava acostumada a viver e a atuar como professora (nossa me assustei). O posicionamento de Beatriz tambm uma atitude muito presente na regio, nos discursos que circulam em diferentes esferas (vide, entre outros, FRITZEN, 2007; MAILER, 2003), pois as comunidades que ainda usam o alemo como lngua de interao so invisibilizadas e sua lngua, no raro, estigmatizada.

    Ao relacionar a palavra alemo com outras palavras, Beatriz relata sua experincia ao chegar a uma escola rural e compara os usos lingusticos de seus alunos na comunidade teuto-brasileira na qual trabalha com outros bairros do municpio onde a lngua alem no parece mais presente. A professora demonstra uma viso de lngua pura, uniforme, sem variaes. Uma lngua misturada, com marcas de outra lngua no poderia ser considerada correta nessa viso (falam errado porque tem essa mistura da lngua alem). Parece que a lngua alem a lngua falada na Alemanha16, conforme a associao da professora. A lngua alem falada pela comunidade onde Beatriz atua no poderia ser denominada como tal. Embora a lngua, [...] na concepo dos sociolinguistas, intrinsecamente heterognea, mltipla, varivel, instvel e est sempre em desconstruo e reconstruo (BAGNO, 2007, p. 36), essa perspectiva terica ainda no encontra ressonncia para se compreender o contexto plurilingustico local.

    Quando procuramos saber como foi sua experincia nessa comunidade teuto-brasileira, a professora Beatriz assim se pronunciou:

    Beatriz: vou falar de um aluno de pr que sempre falaram em alemo com ele em casa e assim: nossa nosso contato foi difcil porque eu no/ eu no entendia nenhuma palavra do que ele falava e E::le no entendia o que eu falava, /.../ da ele vinha pedir ai professora eu queria uma coisa (++) ele falava alemo, da eu tinha que ter um intermedirio que a:: coordenadora na poca ela falava pra mim e da eu entendia tudo bem, mas olha que difcil, /.../ a situao na escola tambm era complicada porque era todo mundo alemo (+) ai tu vai, tu morena, tu vai trabalhar numa escola dessas, tu tem uma rejeio (+) acredita que houve uma rejeio entre os funcionrios entre a coordenao, direo porque todo mundo falava em alemo na hora do caf eu era a NICA que no entendia, mas era uma escola mais isolada aqui na /.../ [cita o bairro] n (+) eu t contando uma escola mais isolada l, mas assim bem complicado a lngua alem a gente no entender nada /.../

    Beatriz recorda de um caso de um aluno seu que entrou na escola falando a lngua de herana familiar. Ela descreve sua dificuldade em se comunicar com ele e que estratgias usou para dar conta da interao com esse aluno. O fato de haver outras pessoas na escola (a coordenadora na poca ela falava pra mim) que tambm dominavam o alemo facilitou a insero do aluno nas prticas escolares. Certamente para o aluno a experincia tambm deve ter sido difcil. Beatriz expe ainda sua posio de outsider em relao ao grupo, ao ter sentido rejeio por parte dos demais colegas, porque todo mundo falava em alemo na hora do caf. Sem ter a inteno de justificar o uso da lngua alem na hora da pausa, talvez seja bom lembrar que, se a escola se inseria numa comunidade bilngue (alemo-portugus), se as demais professoras e gestoras tambm pertenciam ao grupo teuto-brasileiro, certamente natural que a lngua de interao tenha sido/seja preferencialmente o alemo. No entanto, a rejeio sentida por Beatriz vai alm de sua impossibilidade de fazer parte das conversas dos colegas na hora da pausa, mas passa tambm pela sua aparncia fsica: porque era todo mundo alemo (+) ai tu vai, tu morena (...).

    Esse depoimento da professora nos leva a refletir sobre a questo das identidades culturais. Beatriz se choca com o multilinguismo encontrado na escola, se sente ao mesmo tempo rejeitada por no dominar a lngua do grupo social onde se insere e pela sua aparncia fsica. No de hoje que a escola um lugar de heterogeneidade, de diversidade, um lcus que tem reunido diferentes, embora nem sempre as diferenas tenham sido mostradas e reconhecidas. Na sociedade atual e invariavelmente tambm na escola, esse

    16 preciso lembrar que no h apenas uma lngua alem, mas lnguas em alemo, parafraseando Jos Saramago, que afirmou: quase me apetece

    dizer que no h uma lngua portuguesa, h lnguas em portugus. (O depoimento foi registrado no filme Lngua: vidas em portugus, dirigido por Victor Lopes e divulgado no Brasil em 2004).

  • 265

    FRITZEN; RISTAU (Muitas coisas eles falam errado porque tem essa mistura da lngua alem: vozes de...)

    encontro com o outro, com o diferente, inevitvel (SILVA, 2006). No apenas inevitvel, mas esse confronto com o outro necessrio, pois por meio dele que construmos e projetamos nossas identidades. Nem sempre, porm, esse encontro ocorre sem conflitos.

    A experincia relatada pela professora Beatriz aponta para a complexidade do contexto escolar em zonas de imigrao como este foco da pesquisa aqui relatada. Vale lembrar os PCNs como um dos documentos oficiais que, j em 1997, chamavam a ateno para a necessidade de a educao possibilitar uma compreenso ampla do contexto sociocultural do Pas. Entre os objetivos para o ensino fundamental, o documento sustenta que a educao deve oportunizar ao indivduo conhecer e valorizar a pluralidade do patrimnio sociocultural brasileiro, bem como aspectos socioculturais de outros povos e naes, posicionando-se contra qualquer discriminao baseada em diferenas culturais, de classe social, de crenas, de sexo, de etnia ou outras caractersticas individuais e sociais (BRASIL, 1997, p. 66).

    Parece mais simples abordar a pluralidade sociocultural do Pas no currculo escolar quando se apelam para modelos estereotipados e puros, como vm sendo tratados em geral os povos indgenas (vide, entre outros, OLIVEIRA, 2003; MAHER, 1996). Do mesmo modo, falar em diferenas culturais soa mais brando quando elas se situam longe, como exemplos de outros. Quando, porm, a prpria escola e a comunidade onde ela se insere constituem laboratrios prticos, lcus da diversidade, nem sempre as diferenas so percebidas ou vistas como questes a serem discutidas. Muitos conflitos advindos das diferenas interculturais e dos posicionamentos de identidades culturais passam margem da agenda escolar. Acreditamos que um dos motivos para isso reside na prpria formao de professores17 que, como j argumentamos acima, ainda se sustenta no que Oliveira (2002) chama de Sociolingustica do monolinguismo.

    Se, por um lado, os atores sociais que convivem nesse espao escolar deveriam conhecer e valorizar o patrimnio sociocultural brasileiro - reafirmando os PCNs -, a fim de evitar a discriminao, por outro lado, seria necessrio desenvolver atitudes de respeito e de tolerncia para com o outro. Um passo alm, igualmente necessrio, seria incluir na agenda dos contedos escolares a discusso sobre a produo da identidade e da diferena, conforme argumenta Silva (2006).

    Em outro contexto prximo desse da professora Beatriz, na cidade de Pomerode18, SC, encontramos a professora Ingrid, a qual aprendeu a lngua alem juntamente com a lngua portuguesa na esfera familiar. Ela professora de Alemo em uma das escolas da rede de ensino municipal que oferece educao bilngue a partir do primeiro ano do ensino fundamental. No excerto a seguir ela explica como desenvolveu ambas as lnguas.

    Entrevistadora: como aluna voc ingressou na escola falando que lngua?

    Ingrid: portugus, portugus /.../ eu aprendi o alemo junto com o portugus (+) eu assim no me lembro de falar s alemo em casa (+) tinha vizinhos assim que falavam portugus e eu brincava muito assim com eles ento eu no fui aquela criana que teve a lngua materna o alemo n foram os dois simultneos assim (++) ento diferente de outras pessoas que falavam alemo e aprenderam portugus s na escola e se sentiram um pouco constrangidas porque no sabiam interagir na escola porque no tinham o portugus

    Entrevistadora: voc ainda fala a lngua que aprendeu em casa?

    Ingrid: procuro falar com meus pais n (+) minha av alguns tios que falam e quando a gente encontra algum que fala alemo a gente procura preservar e tentar falar alemo, /.../

    Na fala da professora Ingrid possvel destacar o aprendizado da lngua alem com a famlia e o contato atravs da lngua portuguesa com os vizinhos, o que, mais tarde, facilitou seu ingresso e comunicao na escola. Ingrid menciona a experincia vivenciada por muitos teuto-brasileiros que entram na escola sem saber falar o portugus. Esse constrangimento pode se relacionar tanto ao fato de a comunicao se tornar difcil, conforme mencionado pela professora Beatriz, como tambm pode soar como reminiscncias do

    17 Ainda que a discusso sobre o portugus e as variedades lingusticas j esteja em geral presente na matriz curricular e ementas das disciplinas

    nos cursos de Letras e Pedagogia, seus efeitos positivos ainda repercutem pouco na escola, como pde ser visto no episdio do livro relatado na segunda seo.

    18 O municpio de Pomerode fazia parte da ento Colnia Blumenau e do municpio de Blumenau at 1958. No sistema de ensino municipal, como mencionamos anteriormente, h duas escolas que oferecem um Programa de Educao Bilngue desde 2008. A professora entrevistada trabalha nesse Programa.

  • 266

    Forum linguist., Florianpolis, v. 10, n. 4, p. 259-270, out./dez. 2013

    perodo da campanha de nacionalizao do ensino, em que as lnguas de imigrao foram proibidas, especialmente no ambiente escolar. Para os que no tinham ainda adquirido o portugus, s restou o silenciamento.

    Uma das consequncias das polticas de nacionalizao pode ser depreendida da fala da professora quando comenta o contato que mantm com a lngua alem em sua famlia: procuro falar com meus pais n (+) minha av alguns tios que falam e quando a gente encontra algum que fala alemo a gente procura preservar e tentar falar alemo. Conforme citado anteriormente, com as campanhas de nacionalizao, a lngua alem, de lngua de prestgio, passou a lngua proibida, estigmatizada, lngua de colono, num sentido pejorativo do termo. Com a interrupo das prticas de letramento em alemo, inclusive na esfera familiar, em virtude do confisco de livros e materiais em lngua alem, o alemo passou lngua oral. Se hoje a professora Ingrid ainda pode utilizar a lngua de imigrao com seus familiares porque houve movimentos de resistncia imposio do portugus como lngua nica, oficial. A atitude de Ingrid, professora de Alemo, em buscar preservar essa lngua, demonstra a valorizao da lngua do seu grupo tnico e o intuito de mant-la viva.

    Entrevistadora: a que voc associa imigrante?

    Ingrid: associo a nossa escola n, que foi :: a gente estudou bastante agora sobre os colonizadores que trouxeram n essa cultura l da Alemanha que em Pomerode : isso bastante forte desbravaram, como se falava aqui (++) trouxeram assim bastante trabalho n eles suaram a camisa pra conseguir tudo o que conseguiram n tiveram bastante sofrimento muitas lutas n se desprenderam l da sua Alemanha querida n sua terra natal pra vir pra uma pas diferente totalmente diferente n que eles tinham l pra batalhar mesmo por um futuro que eu penso que era pros filhos deles ao mesmo tempo j pensavam nos netos e da a gente tambm pensa assim n fazer o melhor para os nossos filhos nossos futuros netos n e acho que essa corrente vai de gerao em gerao pro melhor n,

    Em seu depoimento, Ingrid ressalta o trabalho dos primeiros imigrantes alemes na colonizao da regio e manifesta sentimento de solidariedade ao grupo teuto-brasileiro. Quando diz a gente estudou bastante agora sobre os colonizadores, demonstra como ela e os demais professores da escola procuram construir conhecimentos relacionados histria local. A professora reconhece as mudanas trazidas regio com a colonizao e as manifestaes culturais alems em sua cidade. Ela tece seu discurso como descendente dos que se desprenderam l da sua Alemanha querida, projetando sua identidade tnico-lingustica teuto-brasileira. As representaes que constri demonstram uma relao positiva com a terra natal dos imigrantes (querida Alemanha), o reconhecimento de seu esforo (desbravaram, suaram a camisa, batalhar) e um sentimento de responsabilidade em dar continuidade ao trabalho j iniciado por eles (fazer o melhor para nossos filhos, nossos futuros netos).

    Em seu contexto de trabalho, Ingrid estava tendo sua primeira experincia com uma carga horria maior de aulas sendo lecionadas em Lngua Alem por meio do ensino bilngue:

    Ingrid: /.../ perceber que crianas de/ de um meio assim (+) de uma famlia que fala alemo conseguem acompanhar isso e:: se interarem comigo enquanto as outras crianas que no tm o alemo em casa (+) onde o pai no fala alemo nem a me, mas eles (+) :: tm aquela ansiedade aquela sede tambm de conhecer e eles chegam em casa e contam pros pais o que aprenderam e ai:: depois voltam relatos assim de que os pais to aprendendo com os filhos e que eles to:: aprendendo junto com aqueles que j sabem um pouco (++) ento isso legal muito interessante de ver essa esse CRESCIMENTO deles no idioma estrangeiro (+) at mesmo a gente j percebeu que o professor de ingls relatou que melhorou o desempenho deles na lngua inglesa (+) tambm a partir do ensino bilngue, que a gente aprende um pouco do alemo, o ingls tambm j favoreceu assim no desenvolvimento da pronuncia, da escrita foi o professor de ingls que nos disse que ele percebeu essa melhora.

    Nesse relato, depreendemos que o ensino da lngua alem na escola bilngue provocou uma mobilizao familiar devido ao interesse no aprendizado demonstrado pelas crianas e pelas famlias, mesmo as que no fazem parte do grupo teuto-brasileiro. Ingrid percebe com entusiasmo o crescimento do repertrio lingustico de seus alunos com o ensino bilngue. De fato, muitas pesquisas tm sugerido uma relao positiva entre bilinguismo, funcionamento cognitivo e competncia comunicativa (MAHER, 2007, p. 71). Entre as vantagens citadas na literatura especializada, esto o aumento do pensamento divergente/criativo, maior predisposio ao pensamento abstrato, maior conscincia metalingustica, maior sensibilidade para o contexto de comunicao [...] (id. ibid, p. 81; vide ainda RIEHL, 2001).

    Entrevistadora: voc acha que a escola tem algum papel em relao s crianas que ainda aprendem em casa com a famlia o alemo?

  • 267

    FRITZEN; RISTAU (Muitas coisas eles falam errado porque tem essa mistura da lngua alem: vozes de...)

    Ingrid: eu acredito que a escola tem essa responsabilidade de::/ que nem eles tm o dialeto em casa e na escola diferente tem o alemo padro, ento assim, a gente procura preservar o dialeto deles e:: alguns pais j disseram at que o meu filho veio me falar que eu t falando tudo errado alemo e a gente procura dizer pros pais se acalmarem que isso o alemo da escola, alemo padro que n mas que eles no deixem de falar o alemo deles em casa tambm porque um dialeto n e isso uma riqueza sem tamanho n eles terem esses diferentes dialetos (+) na Alemanha, a gente tem muitos dialetos mesmo e isso muito legal

    Nesse excerto, Ingrid relata o confronto entre as lnguas alems, isto , a lngua aprendida na esfera familiar, que ela define como dialeto, e a lngua ensinada na escola, o alemo padro. Mesmo que a professora denomine a lngua aprendida em casa de dialeto, o que intrinsecamente poderia remeter ideia de inferioridade com relao ao padro, o posicionamento da professora de reconhecimento e de valorizao da lngua de imigrao. Ela procura lidar com o conflito lingustico, enfatizando aos pais e alunos a importncia de manterem a sua lngua em casa, enquanto na escola as crianas teriam acesso lngua em sua forma padro. Nesse contexto de bilinguismo de minoria, a lngua do aluno e da comunidade vista de forma positiva, como um bem cultural da regio.

    Dentre os modelos de educao bilngue sintetizados por Freeman (1998), de transio, de manuteno e de enriquecimento19, podemos aproximar o programa de educao bilngue desenvolvido em Pomerode ao modelo de enriquecimento, uma vez que visa aprendizagem da lngua minoritria, neste caso do alemo, no apenas aos alunos teuto-brasileiros, mas tambm s crianas que no fazem parte desse grupo. A lngua alem vista como um direito e um recurso para toda a sociedade, cabendo escola promover o bilinguismo de enriquecimento.

    No contexto de lngua polonesa, entrevistamos a professora Magda, que aprendeu a lngua de imigrao na esfera familiar. Magda atua na Educao Infantil em uma escola rural multisseriada de Blumenau. A escola conta com aproximadamente trinta alunos de origem polonesa. De acordo com a professora, alguns desses alunos aprenderam o polons como primeira lngua e entraram na escola falando apenas sua lngua de herana. Ainda de acordo com a professora, em relao ao carter socioeconmico, algumas famlias tiveram h pouco tempo acesso luz eltrica e aparelhos como rdio, televiso.

    Entrevistadora: voc j trabalha com crianas e adolescentes que so falantes do polons (+) como essa experincia?

    Magda: como eu disse uma coisa natural, a vontade e a facilidade em falar em polons :: espontnea n (+) claro que depois de muitos anos a gente tem que se policiar muito pra no falar em polons com as crianas que sabem (++) quando elas tm dificuldade em alguma coisa ou dvidas mais fcil falar em polons ou pedir o que elas to sentindo, onde t doendo (+) seria bem mais fcil falar em polons n, porque elas conseguem se abrir melhor n porque a lngua me delas no caso dessas criana que eu t agora tambm o polons

    Magda admite a facilidade em falar em polons, por ser mais natural, espontneo, uma vez que ela tambm fala a lngua de herana dos alunos, fazendo parte desse grupo tnico-lingustico. Em seu depoimento, vem tona o conflito lingustico entre a lngua de imigrao, o polons, e o ensino monolngue, em portugus, na escola. Como no h uma poltica lingustica local que reconhea o bilinguismo social presente nesse contexto rural, a escola desconsidera a lngua dos alunos. Por fora do currculo assentado na homogeneizao cultural, Magda vive o conflito identitrio como professora e como membro do grupo social. Ela se mostra solidria lngua dos alunos (quando elas tm dificuldade em alguma coisa ou dvidas mais fcil falar em polons), mas suas atitudes denotam seu esforo em favor de um ensino monolngue em portugus (a gente tem que se policiar muito pra no falar em polons), que desconsidera as diferenas culturais dos educandos.

    Entrevistadora: e voc acha que a escola tem algum papel com relao s crianas que ainda aprendem em casa com a famlia o polons?

    Magda: elas tm obrigao entre aspas de ensinar o portugus (++) porque elas vivem no Brasil onde falamos o portugus qualquer lugar que elas vo elas devem falar o portugus n comunicao fora de casa n

    19 Uma discusso mais aprofundada sobre os modelos de educao bilngue feita em Fritzen (2012).

  • 268

    Forum linguist., Florianpolis, v. 10, n. 4, p. 259-270, out./dez. 2013

    Discursos como o de Magda (Brasil onde falamos o portugus) ainda so muito comuns, em virtude do desconhecimento e da invisibilidade de contextos de grupos minoritrios, conforme abordado na seo anterior. Mesmo mostrando-se sensvel lngua local, como visto no excerto acima, Magda v a escola como instituio que tem a obrigao de ensinar a lngua majoritria. Parece legtimo esse reconhecimento. No entanto, em sua fala, essa organizao do ensino apoiado unicamente no portugus, com o consequente apagamento das diferenas, no questionado. Parece que se naturalizou o papel da escola como agncia de letramento em favor do monolinguismo e do monoculturalismo. A consequncia desse modelo de ensino monolngue faz alunos/as e a professora abdicarem da lngua de seu grupo tnico, renunciarem a sua prpria diferena.

    Novamente preciso ressaltar a literatura especializada referente educao bilngue que tem argumentado que quanto maior o investimento pedaggico na lngua materna, mais facilidade ter o aluno de se desenvolver em sua segunda lngua (MAHER, 2007, p. 70). Alm desse aspecto cognitivo, fundamental para o desenvolvimento e ampliao do repertrio lingustico das crianas, podemos afirmar que esse investimento na lngua do grupo minoritrio por meio da educao formal contribuiria para o fortalecimento das experincias e conhecimentos locais (CANAGARAJAH, 2005) e para a melhoria da convivncia intercultural.

    4 CONSIDERAES FINAIS

    Os depoimentos das professoras da Educao Bsica do Mdio Vale do Itaja, que atuam em diferentes contextos de lnguas minoritrias, fazem-nos refletir sobre a complexidade sociolingustica desses cenrios e os desafios que se impem educao formal. As lnguas de imigrao, apesar dos vrios anos banidas do currculo escolar, ainda esto presentes em muitos espaos sociais, constituindo parte das identidades culturais dos grupos da regio. Se hoje algumas delas retornaram educao formal, como o caso do alemo e do italiano20, em funo de polticas lingusticas locais recentes, isso no significa que as tenses e os conflitos interculturais tenham sido resolvidos. O encontro com o outro cultural, especialmente na esfera escolar, foco deste artigo, se revela sempre uma questo identitria e um problema pedaggico (SILVA 2006).

    As vozes das professoras da educao bsica desvelam suas inquietaes, angstias e suas estratgias para lidarem com a interculturalidade na sala de aula. No caso das professoras membros de grupos minoritrios, suas experincias pessoais como alunas ecoam em seu posicionamento como professoras hoje. Embora estejamos lidando com contextos de lnguas minoritrias numa mesma regio geogrfica, os depoimentos apontam para diferenas entre as comunidades, as escolas e as polticas lingusticas pblicas. Por isso, o conhecimento do entorno, das experincias e perspectivas locais e, por que no dizer, dos letramentos da comunidade, mostra-se essencial no processo de escolarizao.

    Nesse sentido, os cursos de formao inicial e contnua de professores poderiam promover um frum permanente sobre as lnguas do Brasil, sobre os contextos de grupos minoritrios e/ou minoritarizados, sobre a educao que tem sido oferecida a esses grupos, sobre as construes de identidades culturais. Para tanto, no basta que se adotem listas de termos da Sociolingustica, por exemplo, se no se problematizam de forma efetiva esses conceitos, como tm sido usados em pesquisas e como se relacionam com contextos interculturais reais, muitas vezes to prximos da prpria universidade onde se d a formao.

    Se estivermos convictos de que (i) a educao bsica deveria promover, entre outros direitos, o direito pluralidade lingustica e diversidade, e de que (ii) as lnguas de imigrao, dos povos indgenas, ao lado do portugus, so bens culturais da sociedade, precisamos buscar dar voz, em nossas pesquisas, aos atores sociais que diariamente lidam com os conflitos interculturais especialmente na escola. Precisamos insistir em problematizar relaes de poder que se instauram na convivncia difcil, como lembra Maher (2008), com o outro cultural. Assim, poderemos fornecer subsdios importantes para a adoo de polticas lingusticas locais favorveis ao reconhecimento das lnguas minoritrias, mas, ao mesmo tempo, refletir sobre o tratamento dado a essas lnguas e ao portugus dos grupos de lnguas de imigrao na escola e na comunidade onde ela se situa.

    20 No entrevistamos professoras que atuam em contexto de lngua italiana, mas no municpio de Rodeio, por exemplo, a lngua de imigrao faz

    parte do currculo escolar desde 2001.

  • 269

    FRITZEN; RISTAU (Muitas coisas eles falam errado porque tem essa mistura da lngua alem: vozes de...)

    REFERNCIAS

    BAGNO, M. Portugus ou brasileiro: um convite pesquisa. So Paulo: Parbola Editorial, 2001.

    ______. Nada na lngua por acaso: por uma pedagogia da variao lingustica. So Paulo: Parbola Editorial, 2007.

    BORTONI-RICARDO, S. M. Ns cheguemu na escola, e agora?: Sociolingustica e educao. So Paulo: Parbola Editorial, 2005.

    BRASIL. Parmetros Curriculares Nacionais - Introduo. Braslia: Ministrio da Educao, Secretaria de Educao Fundamental, 1997.

    ______. Parmetros Curriculares para o Ensino Fundamental: terceiro e quarto ciclos do Ensino Fundamental. Braslia: Braslia: Ministrio da Educao, Secretaria de Educao Fundamental, 1998.

    _______. Orientaes Curriculares Nacionais para o Ensino Mdio. Braslia, D.F: Ministrio da Educao, Secretaria de Educao Bsica, 2008.

    ______. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educao Bsica. Ministrio da Educao. Conselho Nacional da Educao. Braslia: MEC, 2010.

    CANAGARAJAH, A. S. (Org.). Reclaiming the local in language policy and practice. Mahwah: Erlbaum, 2005.

    CAVALCANTI, M. C. Estudos sobre educao bilnge e escolarizao em contextos de minorias lingsticas no Brasil. DELTA, v. 15, nmero especial, 1999, p. 385-418.

    ______. Bi/multilinguismo, escolarizao e o (re)conhecimento de contextos minoritrios, minoritarizados e invisibilizados. In MAGALHES, M. C. C.; FIDALGO, S. S.; SHIMOURA, A. S. (orgs.) A formao no contexto escolar: uma perspectiva crtico-colaborativa. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2011. p. 171-185.

    CSAR, A.; CAVALCANTI, M. Do singular ao multifacetado: o conceito de lngua como caleidoscpio. In: CAVALCANTI, M.; BORTONI-RICARDO, S. M. (Orgs.). Transculturalidade, linguagem e educao. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2007.

    ERICKSON, F. Qualitative methods in research on teaching. In: WITTROCK, M. C. (Org.). Handbook of research on teaching. Londres: Macmilian, 1986. p. 77-200.

    FVERI, M. Memrias de uma (outra) guerra: cotidiano e medo durante a Segunda Guerra em Santa Catarina. 2. ed. Itaja: Universidade do Vale do Itaja; Florianpolis: Universidade Federal de Santa Catarina, 2005.

    FREEMAN, R. Bilingual education and social change. Clevedon: Multilingual Matters, 1998.

    FRITZEN, M. P. Ich kann mein Name mit letra junta und letra solta schreiben: bilinguismo e letramento em uma escola rural localizada em zona de imigrao alem no Sul do Brasil. Tese (Doutorado em Lingstica Aplicada) - Universidade Estadual de Campinas, 2007.

    ______. Ich spreche anders, aber das ist auch deutsch: lnguas em conflito em uma escola rural localizada em zona de imigrao no sul do Brasil. Trabalhos em Lingustica Aplicada, Campinas, v.2, n. 47, p. 341-356, jul./dez. 2008.

    ________. Reflexes sobre prticas de letramento em contexto escolar de lngua minoritria. DELTA. Documentao de Estudos em Lingustica Terica e Aplicada, v. 27, p. 63-76, 2011.

    ______. Ia na escola alem e de um dia pro outro fechou. E ns no sabamos falar o portugus: refletindo sobre as polticas lingusticas em contexto de lngua minoritria. Linguagem & Ensino, v.15, n.1, p. 113-138, jan./jul. 2012.

    ______. Refletindo sobre a proteo e os direitos lingusticos de grupos de lnguas de imigrao no Brasil: Auf Wiedersehen! Eu vou. Fui preso porque eu falei alemo. In JUBILUT, L. L.; MAGALHES, J. L. Q.; BAHIA, A. G. M. F. (Orgs.). Direito diferena e a proteo jurdica das minorias. So Paulo: Saraiva, 2013. (no prelo).

    FRITZEN, M. P.; EWALD, L. Bilngue? S seu eu tivesse um curso ou escrevesse diariamente: consideraes sobre bilinguismo e educao em um contexto de lnguas de imigrao. Atos de pesquisa em educao, v. 6, n. 1, p. 146-163, jan./abr. 2011.

  • 270

    Forum linguist., Florianpolis, v. 10, n. 4, p. 259-270, out./dez. 2013

    KORMANN, E. Blumenau: arte, cultura e as histrias de sua gente. Blumenau: Edio da autora, 1995.

    KREUTZ, L. Lngua de referncia na escola teuto-brasileira. In: CUNHA, J.L.; GRTNER, A. (Orgs.). Imigrao alem no Rio Grande do Sul: histria, linguagem, educao. Santa Maria, RS: Editora da UFSM, 2003. p. 133-157.

    LUNA, J. M. F. O Portugus na Escola Alem de Blumenau: da formao extino de uma prtica. "Ensinvamos e aprendamos a Lngua do Brasil". Itaja: Ed. da Univali; Blumenau: Furb, 2000.

    MAHER, T., M. Ser professor sendo ndio: questes de lingua(gem) e identidade. Tese (Doutorado em Lingustica Aplicada). Universidade Estadual de Campinas, 1996.

    ______. Do casulo ao movimento: a suspenso das certezas na educao bilnge e intercultural. In: CAVALCANTI, M.; BORTONI-RICARDO, S. M. (Orgs.). Transculturalidade, linguagem e educao. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2007. p. 67-94.

    ______. Em busca de conforto lingustico e metodoltigo no Acre indgena. Trabalhos em Lingustica Aplicada, v. 47, n. 2, p. 409-428, jul./dez. 2008.

    MAILER, V. C. O. O alemo em Blumenau: uma questo de identidade e cidadania. 2003. Dissertao (Mestrado em Lingustica) - Universidade Federal de Santa Catarina, Florianpolis, 2003.

    MARCUSCHI, L. A. Anlise da conversao. So Paulo: tica, 1986.

    OLIVEIRA, G. M. Brasileiro fala portugus: monolinguismo e preconceito lingustico. In: MOURA e SILVA (Orgs.). O direito fala: a questo do preconceito lingstico. Florianpolis, SC: Editora Insular, 2002.

    OLIVEIRA, T. S. Olhares que fazem a diferena: o ncio em livros didticos e outros artefatos culturais. Revista Brasileira de Educao, n. 22, p. 25-34, jan./abr. 2003.

    PERINI, M. A. Gramtica do portugus brasileiro. So Paulo: Parbola Editorial, 2010.

    RIEHL, C. M. Schreiben, Text und Mehrsprachigkeit: zur Textproduktion in mehrsprachigen Gesellschaften am Beispiel der deutschsprachigen Minderheiten in Sdtirol und Ostbelgien. Tbingen: Stauffenburg-Verlag, 2001.

    SEYFERTH, G. Nacionalismo e identidade tnica. Florianpolis: Fundao Catarinense da Cultura, 1981.

    ______. A colonizao alem no Brasil: etnicidade e conflito. In: FAUSTO, B. (Org.). Fazer a Amrica. So Paulo: USP, 1999. p. 273-313.

    SILVA, T. T. A produo social da identidade e da diferena. In: SILVA, T. T. (Org.). Identidade e diferena: a perspectiva dos estudos culturais. 6. ed. Petrpolis: Vozes, 2006. p. 73-102.

    WOLFF, C. S.; FLORES, M. B. R. A Oktoberfest de Blumenau: turismo e identidade tnica na inveno de uma tradio. In: MAUCH, C.; VASCONCELLOS, N. (Org.). Os alemes no sul do Brasil: cultura, etnicidade e histria. Canoas: Ed. ULBRA, 1994.

    Recebido em 11/11/13. Aprovado em 19/12/13.