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    IX POSCOM

    Seminrio dos Alunos de Ps-Graduao em Comunicao Social da PUC-Rio

    07, 08 e 09 de novembro de 2012

    360e perspectivas de um mundo pequeno1

    Joo Alcantara de Freitas2

    Centro de Pesquisa e Documentao de Histria Contempornea do Brasil FGV

    RESUMO

    O notvel avano tecnolgico dos meios de transporte e comunicao das ltimas dcadascontribuiu significantemente para o aumento do fluxo de pessoas, objetos, informaes peloplaneta. Esse cenrio fludo d a impresso de que as distncias que separam os indivduosso cada vez menos relevantes. O paradigma das mobilidades, postulado por John Urry,tambm ajuda a compreender esse novo cenrio. A partir de uma breve anlise do filme360, o presente artigo pretende explorar, atravs de um ponto de vista sociolgico, oproblema do chamado mundo pequeno.

    PALAVRAS-CHAVE:360; Mobilidades; Globalizao.

    INTRODUOEm 1967, o psiclogo social Stanley Milgram publicou um artigo intitulado The

    Small-World Problem, no qual investiga terica e empiricamente a possibilidade de todas

    as pessoas do mundo estarem conectadas. Conectadas no sentido que o indivduo A no co-

    nhece o indivduo C, mas ambos conhecem o indivduo B. Dessa maneira a questo central

    que se desenha no artigo a seguinte: dadas quaisquer duas pessoas no mundo, A e C,

    quantos conhecidos - pessoas que se tratam pelo primeiro nome (MILGRAM, 1967) - in-

    termedirios so necessrios para que eles estejam conectados.

    1Apresentado no GT Estudos de Imagem e Som no IX Seminrio de Alunos de Ps-Graduao em Comunicao da PUC-

    RIO2Mestrando em Histria, Poltica e Bens Culturais pelo CPDOC/FGV. Orientadora: Prof. Dr. Bianca Freire-Medeiros.

    Graduado em Turismo pela Universidade Federal Fluminense. Membro do Grupo de Pesquisa Turismo e Cultura (T-Cult).E-mail:[email protected].

    mailto:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected]
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    Antes de esmiuar essa questo, Milgram faz questo de apresentar duas vises filo-

    sficas gerais acerca do Small-World Problem. A primeira delas sustenta a proposio de

    que duas pessoas no mundo, independentemente de quanto estejam distantes fsica e soci-

    almente, podem estar ligadas por meio de conhecidos intermedirios. Essa viso supe um

    infinito arranjo intersectivo de pessoas conhecidas, perpassando diversos grupos e estrutu-

    ras sociais. A segunda viso a de que nem todos os grupos podem ser interligados, ou

    seja, dadas duas pessoas no mundo, elas nunca estaro interligadas, pois entre os crculossociais dos quais elas fazem parte no h nenhuma interseo. Determinada informao cir-

    cular dentro desse grupo, mas ela nunca saltar para outro grupo. Essa viso se baseia em

    crculos sociais concntricos, cada um com sua prpria rbita.

    Inscritas na poca em que o artigo foi publicado, ambas as vises so inteiramente

    plausveis. No entanto, por conta, principalmente, dos avanos tecnolgicos dos meios de

    comunicao, a segunda viso se torna bastante inadequada nos dias atuais. Em 1969,

    Milgram elabora um estudo experimental do problema do mundo pequeno juntamente com

    Jeffrey Travers, com o intuito de desenvolver uma abordagem emprica melhor formulada.

    Neste trabalho, os autores esclarecem: A expresso "pequeno mundo" sugere que as redes

    sociais so, em certo sentido, bem tecidas, cheio de fios inesperados que ligam indivduos

    aparentemente distantes no espao fsico ou social.(TRAVERS; MILGRAM, 1969, p. 426.

    Traduo minha)

    Se na dcada de 1960 a sensao de "mundo pequeno" j estava presente; a partir de

    1990, com a difuso da internet de banda larga, cotidiano uso do celular e notvel aumento

    do fluxo de pessoas pelo planeta, o "mundo pequeno" tornou-se flagrante. Estas e outrastransformaes possibilitaram que a vida contempornea tenha se tornado mais mvel.

    Transporte, comunicao, informao, redes; para John Urry (2007) so elementos vitais da

    vida contempornea, possibilitando que a sociedade se organize e esteja sempre em

    movimento. A partir desses elementos, Urry desenvolve o paradigma das mobilidades, que,

    de certa maneira, tambm uma tentativa de compreender esse mundo pequeno.

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    O filme 360, dirigido por Fernando Meirelles, mostra de maneira bastante interes-

    sante dilemas desse tal mundo pequeno. O filme construdo a partir de pequenas histrias

    difusas, mas que, com o decorrer do filme, se encaixam. A narrativa quase episdica

    lembra, de certa maneira, os bem-sucedidos 21 grams, Crashe Babel, tambm construdos

    a partir do entrelaamento de estrias aparentemente desconexas. O objetivo do presente

    artigo articular o filme 360com a discusso acerca do flagrante mundo pequeno.

    LA RONDE

    O filme uma adaptao livre da pea La Ronde, escrita em 1897 pelo dramaturgo

    austraco Arthur Schnitzler. O texto foi impresso pela primeira vez em 1900, apenas para os

    amigos do autor. Por conta de seu contedo ofensivo e indecente, a primeira montagem

    para o teatro s foi concretizada vinte anos depois. Supe-se que o ttuloLa Rondefaa re-

    ferncia dbia3 cano de roda inglesa chamada Ring a Ring oRoses, que ao final de

    cada estrofe repete o verso We all fall down (Ns todos camos).Schnitzler aproveita essa

    imagem para fazer referncia a um polmico assunto tratado na pea: a transmisso da sfi-

    lis atravessando vrias camadas sociais.

    La Ronde a obra de maior prestgio de Schnitzler, montada inmeras vezes no

    teatro. Em 1998, houve uma adaptao livre do diretor Sir David Hare para a Broadway,

    intitulada The Blue Room, com a atriz Nicole Kidman. Alm de vrias adaptaes para o

    cinema4, h uma adaptao para a TV5, uma minissrie6e tambm uma adaptao ertica7.

    3Segundo Persson (2010, p. 115), a cano - bem antes de Schnitzler associar transmisso de Sfilis fazia referncia Peste Bubnica. As rosas mencionadas na letra da cano fazem referncia s manchas vermelhas que apareciam na peledos infectados. ah-tishoo, ah-tishoo! representa os sintomas da gripe e We all fall down reflete a morte rpida queacompanha a forma pneumnica da praga. Segundo a autora, a cano talvez aludisse ao fato de que a Peste fez tudo ruir(fall down), as estruturas polticas econmicas e sociais de alguns pases.4 La Ronde(1950), dir. Max Ophls; La Ronde(1964), dir. Roger Vadim; Reigen(1973), dir. Otto Schenk; New York

    Nights (1983), dir. Simon Nuchtem; Choose Me (1984), dir. Alan Rudolph; La ronde de lamour (1985), dir. GrardKikone; Chain of Desire(1992), dir. Temistocles Lopez;Love in the Time of Money(2002), dir. Peter Mattei;Nine Lives(2004), dir. Dean Howell; Sexual Life(2005), dir. Ken Kwapis; 30 Beats(2012), dir. Alexis Lloyd.5 La Ronde (1982), dir. Kenneth Ives.6 Karrusel (1998), dir. Claus Bjerre.

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    Por mais que as adaptaes da obra de Schnitzler sejam livres e deveras distintas,ao

    que me parece, todas elas partilham da mesma estrutura narrativa (A conhece B, que

    conhece C, que conhece D, que conhece E e, eventualmente, retorna para A). A traduo

    do termoLa Ronde, a ronda, acaba sugerindo alguma coisa circular, justificando a narrativa

    cclica. Talvez seja tambm esse o mote para o nome do filme de Meirelles ser 360.

    360

    A primeira adaptao deLa Rondepara o cinema do diretor alemo Max Ophls,

    de 1950, e talvez a mais elogiada pelos criticos. Um dos motivos do prestgio dessa adapta-

    o o plano-sequncia de aproximadamente cinco minutos tomado pelo belo monlogo de

    Anton Walbrook. Se todas as livres adaptaes usam a mesma estrutura narrativa, o que

    torna 360 diferente dos outros, sendo escolhido para essa anlise em detrimento, por

    exemplo, deLa Ronde de Max Ophls ou de qualquer outra adaptao?

    O motivo da escolha razoavelmente simples. Enquanto as outras adaptaes tm

    seus encontros ambientados em um espao limitado um distrito, uma cidade , 360

    transcende as fronteiras: as estrias das personagens de diferentes nacionalidades se en-

    trecruzam, mesmo que geograficamente distantes. Outro detalhe que a adaptao de

    Meirelles no tem um ttulo com palavras, um ttulo com nmeros; referncia clara aos

    360 do crculo, sendo intuitivamente interpretado como algo cclico8. O filme transmite de

    maneira bastante interessante a natureza fragmentada e interligada da vida contempornea.

    A sociedade cada vez mais vista e tratada como uma rede em vez de uma

    estrutura (para no falar em uma totalidade slida): ela percebida e encaradacomo uma matriz de conexes e desconexes aleatrias e de um volume essen-cialmente infinito de permutaes possveis. (BAUMAN, 2007, p.9)

    7 Hot Circuit (1971), dir. Richard Lerner.8 Em praticamente todos os pases que o filme foi lanado o ttulo foi mantido, com exceo da Litunia, onde o filme foilanado em 21 de setembro de 2012 com o ttulo: 360 laipsniu: meiles ir nuodemiu ratu, que em portugus seria 360graus: um crculo de amor e pecado.

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    O filme comea em Vienna com a Mirka (Lucia Siposov, tcheca) posando nua para

    Rocco (Johannes Krisch, austraco) agenciador de um catlogo de prostitutas.

    Posteriormente, Rocco telefona para Mirka para avisar que marcou um encontro para ela.

    Mirka deveria encontrar no bar de um determinado hotel o empresrio Michael Daly (Jude

    Law, ingls). Enquanto Michael Daly caminha em direo Mirka, ele interpelado por

    um empresrio (Moritz Bleibtreu, alemo) com quem est fazendo negcios. Depois de

    uma conversa rpida sobre trabalho, o empresrio identifica Mirka como prostituta e ocasado Michael, por culpa, por constrangimento, no fala que ela est ali para encontr-lo.

    Em seguida, a trama vai para Paris, onde o dentista muulmano (Jamel Debbouze, francs)

    segue - quem descobrimos depois sersua secretria Valentina (Dinara Drukarova, russa),

    por quem est apaixonado. Valentina casada com Sergei (Vladimir Vdovichenkov, russo),

    a quem ela caracteriza como um mafioso muito violento.

    A trama tem sequncia em Londres, onde Rose (Rachel Weisz, inglesa) fotogra-

    fada por Laura (Maria Flor, brasileira) enquanto segue para um encontro sexual com o fo-

    tgrafo Rui (Juliano Cazarr, brasileiro). Laura namorada de Rui e, quando este chega a

    casa, v uma mensagem que Laura deixou gravada no computador, dizendo que descobriu a

    traio e est partindo para o Brasil. A seguir, Michael Daly chega a sua casa e descobri-

    mos que ele casado com Rose. A trama tem sequncia no Colorado, onde Tyler (Ben

    Foster, americano) est prestes a deixar a Unidade de crimes sexuais, onde cumpriu pena

    por algum crime que cometeu. Depois disso, estamos em um avio, onde Laura, depois de

    chorar copiosamente no banheiro, comea a conversar com John (Anthony Hopkins, gals).

    Durante a escala em Denver, todas as partidas de voo esto canceladas devido ao maltempo. No mesmo aeroporto se encontra Tyler. Laura acaba sentando acidentalmente na

    mesa que estava ocupada por Tyler. Aparentemente por conta da recente desiluso amo-

    rosa, Laura flerta com Tyler, sem saber do perigo que corre. A partir desse emaranhado de

    histrias, o filme se desenvolve.

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    um roteiro complexo, difcil de ser resumido, considerando que todas essas

    pequenas histrias so fundamentais para a trama e se conectam direta ou indiretamente.

    Vale frisar que o filme no s conta uma estria globalizada, mas um filme globalizado.

    Ao lado do nome dos atores est a nacionalidade de cada um e so nove nacionalidades

    diferentes, alm disso o filme teve unidades de produo em quatro pases diferentes (Reino

    Unido, ustria, Frana e Estados Unidos). Vale mencionar tambm a variada trilha sonora,

    assinada pela Cia Meirelles, esposa do diretor do filme, que conta com canes interpreta-das por Paulinho da Viola, Lhasa de Sela, Nine Inch Nails, Tin Hat Trio com o Tom Waits

    e ainda uma msica composta e interpretada pelo prprio Anthony Hopkins.

    A distncia que separa as personagens no sentida na trama, o uso de telefones,

    mensagens de vdeo, carros e avies acabam, de certa maneira, diluindo a distncia entre os

    personagens. Essa questo fica muito clara noframeabaixo.

    Figura 1Frame do filme 360, Rocco avisa Mirka que marcou um encontro para ela.

    Esse quadro de uma cena do incio do filme, quando Rocco avisa Mirka que

    agendou um encontro para ela. O quadro se divide naturalmente em trs colunas. Na pri-

    meira coluna est Rocco, que est em Vienna; na segunda coluna est Mirka, que est em

    sua casa, em Bratislava; e na terceira coluna est um senhor que no participa da trama,

    mas que est na casa de Mirka e, provavelmente, seu pai. O recurso de colocar no mesmo

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    quadro duas pessoas se falando atravs do telefone bastante utilizado no cinema, mas em

    360 esse recurso parece aproximar ainda mais os personagens.

    Elliot e Urry (2010) cunharam o termo miniaturized mobilities, se referindo aos

    celulares, laptops, iPods, todas essas tecnologias portteis que possibilitam a vida mvel.

    Segundo os autores, as miniaturized mobilitiespossibilitam o depsito, o armazenamento e

    a reaquisio de afeto. Por exemplo, uma mulher que tem uma vida mvel, que est cons-

    tantemente em viagens trabalho, ela pode guardar as fotos de seus filhos no seusmartphone e olhar no intuito de paliar a saudade; ou tambm, a partir do mesmo aparelho,

    ouvir uma msica que a faa lembrar de algum momento em que estava com seus filhos.

    Em 360, h outro exemplo em relao ao depsito e reaquisio de afeto. Logo

    depois de Michael ter desistido de se encontrar com Mirka, por ter sido visto pelos empre-

    srios com quem estava negociando, ele aparece sozinho em um restaurante, falando ao

    celular, deixando uma emotiva mesagem. A caixa postal possibilitou que Michael deixasse

    uma mensagem para sua esposa, que no momento no pode atender o telefone.

    Tal como na trama original de Schnitzler, em 360o sexo questo central na trama,

    conectando os personagens, contribuindo para que o ciclo se feche e se renove. H uma

    reflexo de Bauman acerca do sexo que bastante consonante com essa questo:

    O sexo, como sabemos, a soluo evolucionria da natureza para a questo dacontinuidade, da durabilidade das formas de vida, coloca a mortalidade de cadaorganismo vivo individual contra a imortalidade da espcie. (...) O sexo est nocorao dessa alquimia. o substrato material dessa produo cultural daimortalidade e o padro ou metfora suprema do esforo para transcender amortalidade individual e estender a existncia humana alm do perodo de vidados humanos individuais (BAUMAN, 2009, p. 285)

    No intuito de reiterar o carter cclico da trama, o filme termina mostrando uma

    moa chegando at um prdio e se despindo para tirar fotos para um catlogo, tal como a

    Mirka, no incio do filme.

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    SEIS GRAUS DE SEPARAO

    No incio desse artigo, mencionamos os experimentos que Milgram desenvolveu no

    intuito de comprovar que h ligao entre quaisquer duas pessoas do planeta. Para sustentar

    a tese do mundo pequeno, Milgram (1967) props um experimento que consistia em desig-

    nar a indivduos de uma determinada regio enviar um envelope para uma determinada pes-

    soa desconhecida. Esse primeiro indivduo tem disponvel algumas informaes sobre esse

    destinatrio e encaminha esse envelope para algum que ele considere estar mais perto dodestinatrio. Nesse sentido, perto no diz respeito, necessariamente, a distncia fsica, mas

    talvez a algum atributo que ajude essa aproximao. Por exemplo, se a primeira pessoa tem

    a informao de que o destinatrio aficionado por carros antigos, talvez seja uma escolha

    sagaz enviar esse envelope a um mecnico. Foram realizados dois experimentos, o primeiro

    teve incio na cidade de Wichita, no Kansas e o segundo em Omaha, em Nebraska.

    Um dos grandes empecilhos, segundo Milgram, era que a montagem dessas cadeias

    (chains) dependia do arbtrio de cada um e, algumas vezes o envelope parava na mo de

    algum que no queria dar prosseguimento ao experimento. Tanto que, das 160 cadeias ini-

    ciadas em Nebraska, apenas 44 chegaram ao destino, em Boston.

    Milgram faz uma interessante anlise sobre as informaes do experimento no

    Kansas: dos 145 participantes, 56 mulheres enviaram o envelope para outras mulheres, 58

    homens enviaram o envelope para outros homens, apenas 18 mulheres enviaram para ho-

    mens e 13 homens enviaram para mulheres. Mesmo no sendo fcil de determinar, o autor

    sugere que certos tipos de comunicao ainda so regulados pelo gnero. Reitero que esse

    estudo da dcada de 1960 e demonstro esses nmeros no por supor que essa realidadetenha se perpetuado, mas sugerindo que mudanas substanciais podem ter ocorrido.

    Das correntes concludas, o nmero de intermedirios variou entre 2 e 10 pessoas,

    tendo como mdia o nmero 5. Passados quase quarenta anos, o fsico e socilogo Duncan

    Watts revisita esse experimento agregando um elemento que torna a ligao entre as pes-

    soas ainda mais evidente: a internet. Watts e Steven Strogatz (1998) publicaram um paper

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    que explora o fenmeno do mundo pequeno atravs de uma abordagem matemtica. Em

    2003, Watts retoma a questo lanando um livro que explora a chamada cincia de redes, o

    autor destrincha toda a matemtica que h por trs dessa teoria e traz tambm uma

    abordagem fortemente sociolgica para o problema.

    Cabe mencionar tambm a premiada pea de John Guare, Six Degrees of Separation

    tendo sido adaptada tambm para o cinema com o mesmo ttulo. Ambos foram respons-

    veis por difundir a ideia de que entre quaisquer duas pessoas do planeta h no mximo seispessoas.

    Outro exemplo curioso acerca dessa sociedade de rede o site chamado The Oracle

    of Bacon. Esse site funciona a partir do completo Internet Movie Database (IMDB), que

    tem listado aproximadamente 1,5 milho de atores e atrizes, 1,2 milho filmes e sries de

    TV. Com base nesses dados, o Orculo constri um grande mapa, interligando essas infor-

    maes. Eles fazem, de certa maneira, uma releitura da tese de que h ligao entre qual-

    quer duas pessoas no planeta. Se para Milgram conhecer significava tratar a outra pessoa

    pelo primeiro nome, a ligao que se estabelece nesse orculo os atores estarem no

    mesmo filme. Fiz uma simulaes no site, buscando a ligao entre o ator americano

    Robert De Niro e a atriz brasileira Camila Pitanga:

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    O nome do site uma referncia ao ator Kevin Bacon, mesmo que ele no seja o

    que tem mais ligaes. No mesmo site h um ranking dos centros do universo de

    Hollywood, onde so calculados os atores que se ligam a outros com mdia menor de liga-

    es. Atualmente, quem lidera a lista o ator Dennis Hopper, enquanto Kevin Bacon se

    encontra da 444 posio. Alm disso, o site conta com um hall da fama dos usurios que

    encontraram links de nmero 7, 8, 9, 10 e 11. Percebe-se que na maioria das vezes, o link

    no feito pelos grandes atores e sim pelos coadjuvantes.O The Oracle of Baconproporciona uma experincia impressionante e tambm um

    pouco assustadora ao conectar todos os atores, na maioria das vezes, com um nmero m-

    ximo de quatro links.Entretanto, no me parece correto afirmar que esse experimento servi-

    ria como suporte emprico para o Small-World Problem. A hiptese de Milgram era que

    seria possvel conectar qualquer pessoa a outra no planeta. Se em um universo de 9 bilhes

    de pessoas, selecionarmos 1,5 milho(nmeros de atores cadastrados), que exercem ativi-

    dade profissional semelhante, no estamos a falar do problema do mundo pequeno e, sim,

    da questo de grupo pequeno. Esse experimento no extrapola o universo cinematogrfico.

    Seria um suporte emprico para este problema se conseguisse ligar o George Clooney a um

    vendedor ambulante do centro do Rio de Janeiro, por exemplo.

    No digo, entretanto, que no exista ligao entre o astro hollywoodiano e o camel,

    mas no dispomos de ferramentas que consigam demonstrar essa ligao. Um mecanismo

    que demonstra essa corrente entre pessoas desconhecidas a rede social Orkut, que de-

    monstra a cadeia de amizades que o usurio tem com uma pessoa desconhecida. Talvez seja

    mais uma evidncia de que todos estamos ligados, direta ou indiretamente.Ampliando a concepo marxista de capital econmico e a ideia de capital social e

    cultural, de Pierre Bourdieu, John Urry (2007) apresenta o capital de rede ( network capital).

    Em linhas gerais, o capital de rede se refere s relaes sociais reais e potencias que sus-

    tentam as mobilidades, mas Urry destrincha o capital de rede em oito elementos: docu-

    mentos apropriados, vistos, dinheiro, ttulos que permitem a circulao segura; pessoas

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    distantes que possam oferecer hospitalidade; capacidade de movimento; local para informa-

    es; dispositivos de comunicao; lugares de encontro seguros e apropriados; acesso a v-

    rios sistemas, tempo e recursos para gerir eventuais falhas no sistema.

    De certa maneira, em um mundo conectado, mvel e dinmico, como no cenrio

    contemporneo, o que voc tem e o que voc sabe importa muito pouco. O que faz toda a

    diferena quem voc conhece.

    CONSIDERAES FINAIS

    O filme 360 possibilitou desenvolver, de maneira breve, um debate que tem no m-

    nimo sessenta anos, acerca do Small World. Por conta, principalmente, da facilidade e

    velocidade com que as informaes transitam pelo mundo e pelo aumento da eficincia dos

    meios de transporte, cada vez mais se tem a impresso que o mundo est diminuindo.

    A hiptese de Milgram de que todos estamos conectados, direta ou indiretamente, e

    a ideia dos seis graus de separao no se sustentam empiricamente em termos globais, mas

    sobram indcios que nos fazem acreditar que as cadeias(utilizando o termo de Milgram) que

    nos unem so relativamente pequenas. De qualquer forma, o importante desse debate no ,

    necessariamente, provar que essas cadeias abrangem todos os indivduos, mas sim de-

    monstrar como estamos cada vez mais conectados e que as distncias que nos separam so

    menos fsicas do que sociais.

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    BAUMAN, Z. Tempos lquidos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007.

    BAUMAN, Z. A sociedade individualizada: vidas contadas e histrias vividas. Rio de Janeiro:Jorge Zahar Editor, 2009.

    ELLIOT, A.; URRY, J.Mobile Lives. London: Routledge, 2010.

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    MILGRAM, S. The small-world problem.Psychology Today, vol. 1, n. 1, Maio 1967. 61-67.

    PERSSON, S. Smallpox, syphilis and salvation: medical breakthroughs that changed the world.[S.l.]: Exisle Publishing, 2010.

    TRAVERS, J.; MILGRAM, S. An experimental study of the small world problem. Sociometry, Vol.32, n. 4, (Dec., 1969). 425-443.

    URRY, J.Mobilities. London: Polity, 2007.

    WATTS, D. J. Seis graus de separao:a evoluo da cincia de redes em uma era conectada. SoPaulo: Leopardo, 2009.

    WATTS, D. J.; STROGATZ, S. H. Collective dynamix of 'small-world' networks. Nature, (June,1998). 440-442.

    REFERNCIAS CINEMATOGRFICAS

    21 Grams. Dir. Alejandro Gonzlez Irritu. Estados Unidos: Focus Features, 2003. (124 min)

    360. Dir. Fernando Meirelles. ustria, Brasil, Frana, Reino Unido: Revolution Films, 2012. (110min)

    BABEL. Dir. Alejandro Gonzlez Irritu. Estados Unidos, Frana, Mxico: Paramount Vantage /Paramount Pictures, 2006. (143 min)

    CRASH. Dir. Paul Haggis. Alemanha, Estados Unidos: Lions Gate Films, 2004. (112 min)

    LA Ronde. Dir. Max Ophls. Frana: Films Sacha Gordine, 1950. (97 min)

    SIX Degrees of Separation. Dir. Fred Schepisi. Estados Unidos: MGM, 1993. (112 min)