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361 Cap. 38 O termo depressªo Ø aplicado a uma varieda- de de experiŒncias que vªo de uma sensaçªo de infelicidade transitória, reativa a perdas na vida do indivíduo normal e saudÆvel, a estados de de- sesperança patológica com características psicó- ticas. Assim, Ø preciso distinguir a depressªo, como uma psicopatologia, das alteraçıes de hu- mor, que ocorrem como resposta normal a per- das, doenças físicas ou mudanças nas condiçıes de vida, pois as alteraçıes de humor normais sªo autolimitadas, embora possam persistir em dife- rentes graus por semanas ou mesmo meses. A depressªo tem incidŒncia de 10% na popu- laçªo com um custo socioeconômico muito eleva- do, alØm das perdas pessoais do paciente e daqueles que com ele se relacionam no cotidiano. A depressªo como doença afetiva apresenta subtipos clínicos de intensidade e duraçªo dife- rentes que incluem a depressªo maior, a distimia (depressªo leve e crônica), a depressªo atípica e o distœrbio bipolar (ou psicose maníaco-depres- siva), alØm dos distœrbios disfórico prØ-menstru- al e afetivo sazonal. As tentativas de identificar as causas da de- pressªo levaram à aceitaçªo de diversos fatores predisponentes, como estresse, traumas, relaçıes sociais e familiares fracas, uso de certos medi- camentos, infecçıes, alØm de fatores biológicos individuais. Em relaçªo a esses, hÆ concordân- cia sobre a existŒncia de um desbalanço neuro- químico no sistema nervoso central. HÆ Antidepressivos Thereza Christina Monteiro de Lima evidŒncias de um dØficit funcional de serotoni- na (5-HT), de catecolaminas como a noradre- nalina e a dopamina (NA e DA) e de acetilcolina (Ach) em estruturas cerebrais, relacionadas com o controle emocional, especialmente o sistema límbico e suas projeçıes. O lobo prØ-frontal, por exemplo, Ø relativamente menor e menos ativo em pacientes idosos com depressªo. Cerca de 70-90% dos casos de depressªo sªo efetivamente tratados com medicamentos específicos, porØm só um terço dos indivíduos afetados percebe que estÆ doente e busca trata- mento mØdico. A combinaçªo de terapia e dro- gas antidepressivas parece ser mais efetiva que o uso de apenas uma dessas abordagens terapŒu- ticas. Os antidepressivos sªo usados em todos os subtipos de distœrbios depressivos à exceçªo do distœrbio bipolar, cujo tratamento envolve tam- bØm outras drogas. Nos indivíduos nªo respon- sivos a esses tratamentos, outras tØcnicas podem ser usadas, como a terapia eletroconvulsiva, que Ø segura e efetiva em pacientes em risco iminen- te de suicídio e em idosos. Os casos severos, nªo responsivos a quaisquer terapias, podem se be- neficiar da neurocirurgia (cingulotomia). INIBIDORES SELETIVOS DE RECAPTA˙ˆO DE 5-HT Os inibidores seletivos de recaptaçªo de 5-HT (ISRSs) sªo atualmente as drogas de primeira

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    Cap. 38

    ANTIDEPRESSIVOS

    O termo depresso aplicado a uma varieda-de de experincias que vo de uma sensao deinfelicidade transitria, reativa a perdas na vidado indivduo normal e saudvel, a estados de de-sesperana patolgica com caractersticas psic-ticas. Assim, preciso distinguir a depresso,como uma psicopatologia, das alteraes de hu-mor, que ocorrem como resposta normal a per-das, doenas fsicas ou mudanas nas condiesde vida, pois as alteraes de humor normais soautolimitadas, embora possam persistir em dife-rentes graus por semanas ou mesmo meses.

    A depresso tem incidncia de 10% na popu-lao com um custo socioeconmico muito eleva-do, alm das perdas pessoais do paciente e daquelesque com ele se relacionam no cotidiano.

    A depresso como doena afetiva apresentasubtipos clnicos de intensidade e durao dife-rentes que incluem a depresso maior, a distimia(depresso leve e crnica), a depresso atpica eo distrbio bipolar (ou psicose manaco-depres-siva), alm dos distrbios disfrico pr-menstru-al e afetivo sazonal.

    As tentativas de identificar as causas da de-presso levaram aceitao de diversos fatorespredisponentes, como estresse, traumas, relaessociais e familiares fracas, uso de certos medi-camentos, infeces, alm de fatores biolgicosindividuais. Em relao a esses, h concordn-cia sobre a existncia de um desbalano neuro-qumico no sistema nervoso central. H

    Antidepressivos

    Thereza Christina Monteiro de Lima

    evidncias de um dficit funcional de serotoni-na (5-HT), de catecolaminas como a noradre-nalina e a dopamina (NA e DA) e de acetilcolina(Ach) em estruturas cerebrais, relacionadas como controle emocional, especialmente o sistemalmbico e suas projees. O lobo pr-frontal,por exemplo, relativamente menor e menosativo em pacientes idosos com depresso.

    Cerca de 70-90% dos casos de depressoso efetivamente tratados com medicamentosespecficos, porm s um tero dos indivduosafetados percebe que est doente e busca trata-mento mdico. A combinao de terapia e dro-gas antidepressivas parece ser mais efetiva que ouso de apenas uma dessas abordagens terapu-ticas. Os antidepressivos so usados em todos ossubtipos de distrbios depressivos exceo dodistrbio bipolar, cujo tratamento envolve tam-bm outras drogas. Nos indivduos no respon-sivos a esses tratamentos, outras tcnicas podemser usadas, como a terapia eletroconvulsiva, que segura e efetiva em pacientes em risco iminen-te de suicdio e em idosos. Os casos severos, noresponsivos a quaisquer terapias, podem se be-neficiar da neurocirurgia (cingulotomia).

    INIBIDORES SELETIVOSDE RECAPTAO DE 5-HT

    Os inibidores seletivos de recaptao de 5-HT(ISRSs) so atualmente as drogas de primeira

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    Cap. 38

    VOL. 1 BASES MOLECULARES DA BIOLOGIA, DA GENTICA E DA FARMACOLOGIA

    escolha no tratamento da depresso maior e deoutros tipos de depresso. Entre eles temos a fluo-xetina (Prozacfi), a sertralina (Zoloftfi), a paroxe-tina (Aropaxfi) e a fluvoxamina (Luvoxfi). Essasdrogas, ao inibirem os mecanismos especficos detransporte de 5-HT na membrana pr-sinptica,bloqueiam o processo de recaptao e produzemum aumento nos nveis desse neurotransmissorna fenda sinptica. Os ISRSs so to eficientesquanto os antidepressivos tricclicos, mas, por agi-rem mais seletivamente, produzem efeitos cola-terais menos graves, como nuseas, disfunessexuais e problemas gastrointestinais. Algumas in-teraes medicamentosas graves ocorrem com ou-tros antidepressivos, anti-histamnicos (astemizol Hismanalfi), demerol e algumas drogas de abu-so (LSD, cocana, ecstasy).

    ANTIDEPRESSIVOS TRICCLICOS

    Antes da introduo dos ISRSs, os anti-depressivos tricclicos (ATCs), como a imi-pramina (Tofranilfi), a nortriptilina (Pamelorfi)

    e a clomipramina (Anafranilfi), eram o trata-mento-padro das depresses. Esses compos-tos inibem a recaptao de noradrenalina eserotonina (5-HT), atuando como modulado-res alostricos negativos nos stios de transpor-tadores pr-sinpticos dessas aminas. Almdisso, bloqueiam receptores adrenrgicos a 1(causando hipotenso ortosttica, tontura),colinrgicos muscarnicos (produzindo bocaseca, viso turva, reteno urinria e constipa-o) e histaminrgicos H1 (levando sedaoe ganho de peso), aes estas responsveis porseus efeitos colaterais. So compostos aindateis na clnica, especialmente em pacientesque no respondem aos ISRSs.

    INIBIDORES DA MONOAMINOOXIDASE(MAO)

    Os inibidores irreversveis da enzima MAO(IMAOs), enzima metabolizadora das aminasnos terminais sinpticos, como a tranilcipro-

    55--HT HT 1A1A55--HT HT 1B/D1B/D

    55--HT HT 22

    55--HT HT 33

    55--HT HT 1A1AMMAAOO

    a

    a 2255--HTHT

    55--HTHT

    ClonidinaClonidina

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    bb 22NANA

    MMAAOO

    IMAOsIMAOsTranilciprominaTranilcipromina

    ATCs ATCs ImipraminaImipraminaClomipraminaClomipramina

    ISRSs FluoxetinaISRSs FluoxetinaSertralinaSertralinaParoxetinaParoxetina

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    FluvoxaminaFluvoxamina

    ClonidinaClonidina

    IMAOsIMAOs

    Fig. 38.1 Representao esquemtica dos terminais serotonrgico (5-HT), noradrenrgico (NA) e local de ao dosansiolticos tipo azapironas (pr-sinapse 5-HT) e dos antidepressivos inibidores seletivos de recaptao de 5-HT (ISRSs),tricclicos (ATCs) e inibidores da monoaminooxidase (IMAOs).

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    Cap. 38

    ANTIDEPRESSIVOS

    mina (Parnatefi), so geralmente indicadosquando outros antidepressivos mostram-seineficazes. Seus efeitos colaterais vo desdehipotenso postural, tonturas, disfuno se-xual e insnia, a crises hipertensivas (reaodo queijo) quando da ingesto de comidasricas em tiramina (queijo, vinho tinto, fgadode galinha...,). Apresentam ainda srias inte-raes medicamentosas com vrias drogas(descongestionantes, psicoestimulantes,ISRSs, ...). Os inibidores seletivos reversveisda MAOA, como a moclobemida (Aurorixfi),so mais seguros para o uso clnico.

    OUTRAS DROGAS

    Drogas sintetizadas mais recentemente, comoa venlafaxina (Efexorfi), atuam bloqueando a re-captao de noradrenalina e serotonina ( seme-lhana dos ATCs), mas produzem menos efeitoscolaterais. O bupropion, per si um inibidor fracoda recaptao de NA e DA, mas gera um metab-lito hidroxilado que possui maior eficcia, sendousado em pacientes no responsivos aos ISRSs,tambm porque produz menos disfunes sexu-ais que estes. Seus efeitos colaterais so a agita-o, cefalias, perda de peso e aumento do riscode crises convulsivas. Outras drogas com meca-nismos de ao semelhantes aos ATCs e ISRSsesto disponveis para uso teraputico, como amirtazapina (Remeronfi) e a maprotilina (Ludio-milfi), sem que haja grandes diferenas no quediz respeito sua eficcia como antidepressivo,mas, em geral, com efeitos colaterais menos gra-ves que os dos ATCs e ISRSs.

    EFEITOS BIOQUMICOS X EFEITOS CLNICOS

    Embora os efeitos bioqumicos (aumentonos nveis de aminas cerebrais) dos antidepres-sivos ocorram em minutos ou horas, seus efei-tos clnicos levam, no mnimo, de duas a quatrosemanas para aparecerem. Isto atribudo auma alterao no nmero de receptores pr eps-sinpticos ( b 1, a 2, 5-HT2,...). Recente-mente, aventou-se a hiptese de que o meca-nismo final comum para os antidepressivos sejao de que todos, atravs da regulao dos dife-rentes receptores, aumentariam os nveis en-dgenos de neurotrofina-3.

    LTIO

    Na profilaxia da mania (distrbio bipolar)so usados os sais de ltio (Li). O Li pareceinibir a inositol-monofosfatase, uma enzimaque regula os nveis intracelulares de inositol,o que levaria sua queda e conseqente redu-o na sntese de fosfatidilinositol e dos se-gundos-mensageiros inositol 1,4,5- trifosfatoe diacilglicerol, produzindo seu efeito terapu-tico. Os episdios de mania agudos, por suavez, so tratados com antipsicticos atpicoscomo a clozapina, a olanzapina e a risperido-na, pois o Li no possui ao depressora ousedativa. O uso de anticonvulsivantes, como ovalproato de sdio, a carbamazepina, a lamo-trigina, a gabapentina, o topiramato e a tiaga-bina, so alternativas no tratamento da mania.

    PERSPECTIVAS TERAPUTICAS

    Outras terapias como a privao de sono(que reduz os adrenoceptores b ), ou drogascomo o rolipram (que aumenta os nveis deAMPc por inibio da enzima fosfodiesterase),assim como a reposio de estrgeno (na de-presso associada menopausa ou ps-parto)e o uso de plantas medicinais (por exemplo, ouso do Hypericum perforatum erva-de-So-Joo - nas distimias), vm sendo pesquisadasna tentativa de se obter uma abordagem maissegura, rpida e eficiente para o tratamento dadepresso.

    BIBLIOGRAFIA

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