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  • 237Revista NEJ - Eletrnica, Vol. 17 - n. 2 - p. 237-253 / mai-ago 2012

    Disponvel em: www.univali.br/periodicos

    DESJUDICIALIZAR CONFLITOS: UMA NECESSRIA RELEITURA DO ACESSO

    JUSTIADEJUDICIALIZING CONFLICTS: A NECESSARY REREADING OF ACCESS TO JUSTICE

    DESJUDICIALIZAR CONFLICTOS: UNA NECESARIA RELECTURA DEL ACCESO A LA JUSTICIA

    Flvia de Almeida Montingelli Zanferdini1.

    Introduo. 1 O processo e a realidade atual. 2 A judicializao dos confl itos. 3 A exacerbao da

    oferta retroalimenta a demanda. 4 A crise do Judicirio e sua deslegitimao como Poder. 5 O efetivo

    acesso aos meios alternativos de resoluo de controvrsias. 6 Acesso Justia. 7 Crise da Justia. 8

    Mudana de Mentalidade. 9 Jurisdio atividade secundria. 10 Democracia participativa e assuno de

    responsabilidades. Concluses. Referncias.

    A facilitao do acesso justia no sinnimo de e no deve levar prodigalizao ou banalizao desse meio de resoluo de confl itos, o qual empenha parcelas cada vez mais importantes do oramento estatal e que, quando logra o adentrar o mrito da lide, oferta soluo impactante, que polariza as partes em vencedor e vencido, a par de representar uma mirada retrospectiva, que no pensa o porvir e no preserva a continuidade das relaes, no raro perenizando as desavenas ou lanando os germens de confl itos futuros.2

    RESUMO

    O acesso Justia considerado, hodiernamente, como sinnimo de acesso aos Tribunais. Isso se d em

    razo da tendncia de judicializao dos confl itos, ou seja, espera-se que todas as controvrsias sejam

    resolvidas em juzo. preciso repensar esse modelo, aceiando-se como efi cientes e adequados os meios

    alternativos de soluo de controvrsias, aptos a contribuir, outrossim, para a manuteno da paz social.

    PALAVRAS-CHAVE: Acesso Justia. Meios alternativos. Paz social.

    ABSTRACT

    Nowadays, access to Justice is considered synonymous with access to the Courts. This is because of the

    trend of prosecution is confl ict, in other words, it is expected that all disputes will be resolved in court. We

    need to rethink this model, accepting alternative means of confl ict resolution as effi cient and appropriate,

    able to contribute to the preservation of social peace.

    KEYWORDS: Access to Justice. Alternative ways. Social peace.

    RESUMEN

    El acceso a la Justicia es considerado actualmente como sinnimo de acceso a los Tribunales. Eso se

    da en razn de la tendencia de judicializacin de los confl ictos, es decir que se espera que todas las

    1 Mestre e Doutora em Direito Processual Civil pela PUC/SP, professora do curso de ps-graduao strictu sensu da Unaerp-Ribeiro Preto. Juza de Direito. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP).

    2 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. A resoluo dos confl itos e a funo jurisdicional no contemporneo Estado de Direito (nota introdutria). Revista dos Tribunais, So Paulo, ano 98, vol. 888, outubro 2009, p.1-800, p.32.

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    controversias sean resueltas en juicio. Es preciso repensar ese modelo, aceptando como efi cientes y

    adecuados los medios alternativos de solucin de controversias, aptos a contribuir igualmente para la

    manutencin de la paz social.

    PALABRAS CLAVE: Acceso a la Justicia. Medios alternativos. Paz social.

    INTRODUO

    Quando o tema acesso justia, a tendncia a de pensarmos, inexoravelmente, em direito de acesso aos tribunais, jurisdio proporcionada pelo Estado.

    A prpria formao do profi ssional do direito o faz relacionar acesso justia com prestao jurisdicional pela justia pblica.

    A razo disso simples.

    No Estado de Direito, explica Paula Costa e S,3 professora da Faculdade de Direito de Lisboa:

    [...] o indivduo troca, queira ou no, a justia privada pela justia pblica. Por seu turno, o Estado permuta a anarquia pela organizao e prestao de servios de justia, assim se garantido que todo confl ito seja decidido por um juiz que, tendo o seu estatuto informado pelo princpio do juiz natural, ditar a soluo do caso concreto em consonncia com os dados do sistema.

    O acesso justia, contudo, no pode mais ser visto como sinnimo de acesso ao Poder Judicirio.

    Ao Estado incumbe proporcionar, efetivamente, outros meios de soluo de confl itos, investindo em polticas pblicas nesse sentido.

    A judicializao dos litgios pode ser vista, hodiernamente, como a causa maior da crise do Poder Judicirio.

    Mediao e conciliao devem ser mtodos colocados efetivamente disposio das partes, desde o momento inicial do aparecimento do litgio, como solues qualitativas e adequadas para cada espcie de confl ito e no como propostas quantitativas a serem efetivadas em mutires ou semanas de conciliao, normalmente quando o processo j tramita h anos, consumiu recursos de toda ordem do Judicirio, bem como minou a resistncia da parte mais fraca.

    O sistema mltiplas portas4 (multi doors court), da experincia norte-americana, deveria ser implantado entre ns.

    A experincia poderia ser adotada pelo maior Tribunal do pas, o do Estado de So Paulo, que recebeu, segundo informes divulgados em seu stio eletrnico5, 346 mil novos processos apenas no ms de janeiro de 2011.

    Diante desses nmeros avassaladores, pode-se afi rmar que no se pode mais pretender que todo e qualquer litgio venha a ser solucionado por decises adjudicadas.

    3 S, Paula Costa e. O acesso ao sistema judicial e os meios alternativos de resoluo de controvrsias: alternativas e complementariedade. Revista de Processo, So Paulo, vol. 158, 2008, p.94.

    4 Trata-se de um mecanismo no qual os confl itos que chegam ao Judicirio so encaminhados para o mtodo de disputa mais indicado para solucionar a lide. A caracterstica-chave do frum de mltiplas portas a sua fase inicial, no qual cada disputa analisada de acordo com diversos critrios e enca-minhada para o procedimento mais adequado. A partir da o caso ser tratado conforme o processo indicado. Assim, por exemplo, um caso que envolva mais aspectos emocionais do que propriamente fi nanceiros poder ser encaminhado para uma conciliao ou, ento, um processo que diga respeito a uma controvrsia extremamente tcnica, como a qualidade de uma turbina de avio, poder ser encaminhado para um rbitro especialista em engenharia aeronutica (BARBOSA, Ivan Machado. Frum de mltiplas portas: uma proposta de aprimoramento processual. Disponvel em: www.arcos.org.br. Acesso em: 20.05.2011).

    5 Disponvel em: www.tj.sp.gov.br, notcia publicada em: 22.02.2011. Acesso em: 06.04.2011.

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    Com a publicao da Resoluo 125 do CNJ, que instituiu poltica nacional de conciliao, foi dado um grande passo em busca de solues mais justas, isto , efetivas, acessveis e temporalmente adequadas.

    preciso, destarte, que se implemente uma justia mais participativa, democrtica, com oferta de mtodos diversifi cados de soluo de controvrsias.

    1 O PROCESSO E A REALIDADE ATUAL

    A doutrina6 aponta que trs personagens protagonistas do o tom da sociedade atual. So eles: o peso da opinio pblica, fortemente infl uenciada pelos meios de comunicao; a judicializao das relaes humanas e a politizao dos juzes, o que normalmente denominamos de ativismo judicial.

    Num mundo globalizado, o progresso tecnolgico, em especial nos meios de comunicao e informao, imprimiu vida ritmo vertiginoso e absorvente, de forma que as instituies laboriosamente criadas a partir do sculo XIX, que previam um modelo de aplicao de justia cautelosa, garantista e segura, viram-se impotentes para servir neste inesperado mundo novo.

    Nessa sociedade massifi cada, a velocidade dos acontecimentos no compatvel com o sistema de justia que se oferta. A complexidade das novas relaes sociais contribui para que haja mais e mais litgios.

    Dessa for o Judicirio no pode ser o nico e natural desaguadouro de todo esse fl uxo de contendas. Ainda que houvesse investimentos sufi cientes, e no h,7 o agigantamento da mquina estatal no acompanharia o ritmo vertiginoso de crescimento de demandas.

    Nesse contexto, para que se possa fazer frente crise do Poder Judicirio e do processo como mtodo de soluo de litgios, preciso que haja, de incio, uma mudana na mentalidade dos operadores do direito e, na sequncia, dos prprios usurios da Justia.

    H outros meios de soluo de litgios que no a deciso judicial. De perfi l menos burocrtico, cleres e mais pacifi cadores.

    Trata-se dos mtodos alternativos de soluo de controvrsias, conhecidos mundialmente como ADR.8

    So vantagens desses mtodos, citadas por Maria de Nazareth Serpa:9

    a) aliviar o congestionamento do judicirio, bem como diminuir os custos e a demora na soluo dos casos;

    b) incentivar o envolvimento da comunidade na soluo dos confl itos e disputas;

    c) facilitar o acesso justia;

    d) fornecer mais efetiva resoluo de disputa;

    e) promover justia, bem-estar e solidariedade social.

    preciso, destarte, criar mecanismos para romper essa cultura demandista ou judiciarista, prpria da sociedade contempornea, voltando s nossas origens,10 deixando a soluo judicial como ltima alternativa e no como a primeira.

    6 MORELLO, Augusto M. El nuevo horizonte del derecho procesal, Santa F: Rubinzal-Culzoni, 2005, p.17. 7 Nesse diapaso, j escrevemos sobre o problema oramentrio do Poder Judicirio, o que se constitui

    obstculo que muitas vezes impede a prestao jurisdicional em prazo razovel. Nesse sentido confi ra-se nossa obra: ZANFERDINI, Flvia de Almeida Montingelli. O processo civil no terceiro milnio. Rio de Janeiro: Forense, 2004.

    8 Alternative Dispute Resolution, entre ns conhecidos tambm como RAC - resoluo alternativa de confl itos.9 SERPA, Maria de Nazareth. Teoria e Prtica de Mediao de Confl itos. Rio de Janeiro: Lmens,

    1999, p.87.10 Na Constituio Imperial do Brasil, de 1824, constava de seu artigo 161 que: Sem se fazer constar

    que se tem intentado o meio de reconciliao, no comear processo algum. Ada Pellegrini Grinover pontua Se certo que durante um longo perodo, a heterocomposio e a autocomposio foram con-siderados instrumentos prprios das sociedades primitivas e tribais, enquanto o processo jurisdicional representava insupervel conquista da civilizao, ressurge hoje o interesse pelas vias alternativas ao processo, capazes de evit-lo e encurt-lo, conquanto no os exclua necessariamente (GRINOVER, Ada Pellegrini. Os fundamentos da Justia Conciliativa. Revista de Arbitragem e Mediao, So Paulo, ano 4, n.14, jul-set/2007, p.17).

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    Dessa forma, a irrealista concepo do que signifi ca a garantia constitucional de acesso justia precisa ser repensada e atualizada, afastando-se o dogma de que jurisdio monoplio do judicirio.11

    J no estamos na dcada de setenta do Sc. XX, em que ampliar o acesso justia era efetivamente prioritrio.

    Cedio que o movimento mundial de acesso Justia foi sintetizado em ondas ou fases,12 em estudo de Cappelletti.

    Superada a etapa em que foram necessrios esforos rumo universalizao da jurisdio, afastando-se os entraves para que houvesse verdadeiro acesso justia, vivemos um momento em que a prioridade dar solues efetivas aos litgios.

    Nesse contexto, o valor efetividade est em destaque e prioritrio, a ponto de se falar, no direito processual ps-moderno, at mesmo em uma quarta fase ou onda, o efi cientismo processual. 13

    Trata-se de esforos com o escopo de incrementar o desempenho e a funcionalidade da Justia.

    No basta franquear o acesso justia. preciso outorgar prestao jurisdicional efetiva e em prazo razovel.

    Necessrio, para tanto, que haja mecanismos efi cientes de resoluo de controvrsias e pode-se afi rmar que irreal acreditar que a Jurisdio Estatal seja a nica ou a ideal maneira para tanto.

    Compete-nos, agora, fomentar14 a cultura da conciliao.

    2 A JUDICIALIZAO DOS CONFLITOS

    Por judicializao ou juridicizao deve-se entender o fenmeno de intenso acesso ao Poder Judicirio em busca de realizao de direitos sociais e individuais.

    Desde a edio da Constituio Federal de 1988, particularmente no mbito da jurisdicional constitucional, atravs do controle concreto ou abstrato de leis, tem sido comum a busca da sociedade pela efetivao dos direitos sociais. Atravs de uma viso do panorama geral das atividades desenvolvidas para esta efetivao possvel enxergar que os sindicatos, as organizaes sociais no governamentais, alm do prprio cidado de maneira individual, depois de uma srie de batalhas no mbito poltico, passaram a procurar, atravs do ingresso de aes judiciais, um posicionamento do Poder Judicirio quanto garantia e efetivao daqueles direitos. Este fenmeno tem sido chamado no mundo acadmico de judicializao dos confl itos sociais, ou

    11 Nesse sentido, poderamos reputar como retrgrado o Projeto do Novo CPC, ao dispor em seu art.15, que a jurisdio civil exercida pelos juzes em todo territrio nacional, conforme as disposies desse Cdigo, nada obstante se possa compreender que no h pretenso da Comisso idealizadora do Projeto de que a jurisdio civil seja monoplio estatal, porque o art.3, do mesmo projeto, es-tabelece que no se excluir da apreciao jurisdicional ameaa ou leso a direito, ressalvados os litgios voluntariamente submetidos soluo arbitral, na forma da lei e a seo V, do Captulo I, do ttulo VI, dispe sobre mediao e conciliao judicial, sendo expresso o art.144 ao dispor que no est excluda a possibilidade de conciliao e mediao extrajudiciais realizadas por profi ssionais.

    12 Confi ra-se, nesse diapaso: O recente despertar de interesse em torno do acesso efetivo Justia levou a trs posies bsicas, pelo menos nos pases do Mundo Ocidental. Tendo incio em 1965, estes posicionamentos emergiram mais ou menos em sequncia cronolgica. Podemos afi rmar que a primeira soluo para o acesso- a primeira onda desse movimento novo- foi a assistncia judici-ria; a segunda dizia respeito s reformas tendentes a proporcionar representao jurdica para os interesses difusos, especialmente nas reas de proteo ambiental e do consumidor; e o terceiro- e mais recente- o que nos propomos a chamar simplesmente enfoque de acesso justia, porque inclui os posicionamentos anteriores, mas vai muito alm deles, representando, dessa forma, uma tentativa de atacar as barreiras ao acesso de modo mais articulado e compreensivo CAPPELLETTI, Mauro. Acesso justia. Traduo de Ellen Gracie Northfl eet, Porto Alegre: Fabris, 1988, GARTH, Bryant, colab, p.31.

    13 Nesse sentido, ver: VARGAS, Abraham Luis. Teoria general de los procesos urgentes. In: PEYRANO, Jorge W. (Coord.). Medidas autosatisfactivas. Buenos Aires: Rubinzal-Culzoni, 2004, p. 120.

    14 Esse , claramente, o intuito da resoluo 125 do Conselho Nacional de Justia, que estabelece, at mesmo, como critrio para promoo e remoo por merecimento dos juzes, as iniciativas que sejam por esses providenciadas relacionadas conciliao, mediao e aos outros mtodos de soluo de controvrsias (art.6, III).

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    em uma amplitude que revele a problematizao da atividade poltica, judicializao da poltica a qual, muitas das vezes, trs nela embutidas questes de ordem social.15

    Hodiernamente esto judicializadas as relaes interpessoais como um todo. Podemos mencionar a juridicizao das relaes escolares, da sade, na poltica, valendo lembrar as aes judiciais para concesso de medicamentos, aes para se exigir fi delidade partidria e daquelas ajuizadas em face de estabelecimentos de ensino por danos materiais e morais ocorridos em ambiente escolar, questes que antes eram solucionadas em outras esferas.

    Diante desse panorama, mais do que a soluo de confl itos, preciso buscar meios pacifi cadores, superando nossa mentalidade individualista, para pensarmos mais no bem-estar geral da sociedade.16

    3 A EXACERBAO DA OFERTA RETROALIMENTA A DEMANDA

    H uma imagem qual frequentente se alude, quando o tema o incremento do acesso justia, que a seguinte: ao se propiciar uma estrada de excelentes condies, haver inevitvel aumento do trfego e isso, por fi m, acabar tornando-a congestionada e ruim.

    Como bem anota Ada Pellegrini Grinover,17 [...] quanto mais fcil for o acesso Justia, quanto mais ampla a universalidade da jurisdio, maior ser o nmero de processos, formando uma verdadeira bola de neve.

    Basta pensarmos nos Juizados Especiais Cveis. Concebidos para demandas de menor complexidade, sem previso de pagamento de custas, salvo para a hiptese de recurso, foram inicialmente um sucesso.

    Esse sucesso, contudo, acarretou um aumento de demanda no acompanhado pelo incremento da estrutura, de forma que temos hoje juizados congestionados, com audincias marcadas para datas longnquas.

    Cuida-se do fracasso do sucesso, nas palavras do Ministro Gilmar Mendes,18 referindo-se aos Juizados Especiais Federais. Ressaltou, naquela oportunidade, haver no Brasil um nvel extraordinrio de litigiosidade, sendo preciso reverter essa cultura.

    Faz-se necessrio, destarte, como bem explica Rodolfo de Camargo Mancuso,19 atualizar e contextualizar conceitos antes assentados, tais como o de acesso justia e jurisdio. O acesso ao Judicirio, afi rma, deveria ser o ltimo recurso (last resort, conforme referido pela experincia norte americana), afastando-se a concepo contempornea de monopolizar toda e qualquer controvrsia, mesmo as repetitivas e as desprovidas de maior complexidade, que podem e devem antes estagiar por outros rgos ou instncias, de forma a se buscar primeiro uma possvel soluo consensual.

    Nesse sentido, afi rma que:

    15 ESTEVES, Joo Luiz Martins. Cidadania e judicializao dos confl itos sociais. Disponvel em: www2.uel.br. Acesso em: 10.03.2011.

    16 Kazuo Watanabe, nesse diapaso, afi rma que: A mediao tem que ser praticada como uma for-ma de pacifi cao da sociedade e no apenas como uma forma de soluo de confl itos. Gostaria de deixar isso bem destacado, para os juzes, advogados, promotores, enfi m, para os profi ssionais do Direito que ainda tm averso ou preconceito a essas alternativas. Hoje, depois de vinte anos de magistratura, muito mais importante a atuao do juiz, do profi ssional do Direito, na pacifi cao da sociedade do que na soluo do confl ito. mais relevante para o juiz um acordo amigvel, mediante uma conciliao das partes, do que uma sentena brilhante proferida e que venha a ser confi rmada pelos tribunais superiores (WATANABEm Kazuo. Mediao: Um projeto inovador. Braslia: Conselho da Justia Federal, 2003, v. 22, p.60).

    17 GRINOVER, Ada Pellegrini. Os fundamentos da Justia Conciliativa. Revista de Arbitragem e Me-diao. So Paulo: Revista dos Tribunais, ano 4, n.14, jul-set/2007.

    18 MENDES, Gilmar. Juizados Especiais Federais e turmas recursais podem ganhar 225 juzes permanen-tes. Disponvel em: www.stj.gov.br/portal. Acesso em: 05.03.2011.

    19 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. A resoluo dos confl itos e a funo jurisdicional no contemporneo Estado de Direito (nota introdutria). Revista dos Tribunais, ano 98, v.888, outubro 2009, p.1-800, p.18.

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    Cabe considerar, na esteira da melhor doutrina, a perspectiva de uma justia co-existencial (que busca resolver o confl ito de modo no impactante, buscando preservar as relaes entre os interessados), promovida num processo tendencialmente no-adversarial, ambiente no qual a lide passa a ser vista no como um malefcio a ser eliminado drasticamente, mas como uma oportunidade para o manejo adequado da crise emergente, em ordem a uma possvel composio justa.20

    Ainda nesse diapaso, Humberto Theodoro Jnior21 adverte:

    Desde que a conscincia jurdica proclamou a necessidade de mudar os rumos da cincia processual para endere-los problemtica do acesso justia houve sempre quem advertisse sobre o risco de uma simplifi cao exagerada do processo judicial produzir o estmulo excessivo litigiosidade, o que no corresponde ao anseio de convivncia pacfi ca em sociedade. A proliferao de demandas por questes de somenos representa, sem dvida, um complicador indesejvel. Quando o recurso justia ofi cial representa algum nus para o litigante, as solues conciliatrias e as acomodaes voluntrias de interesses opostos acontecem em grande nmero de situaes, a bem da paz social. Se porm, a parte tem a seu alcance um tribunal de fcil acesso e de custo praticamente nulo, muitas hipteses de autocomposio sero trocadas por litigiosidade em juzo. preciso, por isso mesmo, assegurar acesso Justia, mas no vulgariza-lo, a ponto de incentivar os espritos belicosos prtica do demandismo caprichoso e desnecessrio.

    4 A CRISE DO JUDICIRIO E SUA DESLEGITIMARO COMO PODER

    A equivocada leitura do acesso Justia implica considerar o Judicirio como o natural escoadouro de qualquer controvrsia. Em decorrncia disso, todo litgio tem sua entrada em juzo franqueada e facilitada, gerando e alimentando a perptua crise numrica, to criticada pela opinio pblica.

    Incentivada a litigiosidade pela interpretao excessiva do que signifi ca a garantia constitucional de acesso justia, grande parcela de confl itos, que deveria ser direcionada a outros rgos, termina endereada exclusivamente ao Judicirio.

    certo que o princpio da inafastabilidade do Poder Judicirio garantia fundamental.

    Assim, nenhuma leso ou ameaa a direito pode ser excluda da apreciao do Poder Judicirio, contudo,

    Disso no decorre que todas as questes devam ser trazidas apreciao de um juiz de direito. As pessoas sempre puderam resolver suas pendncias pessoalmente, por meios conciliatrios, e, numa variante conciliatria, at com a eleio de terceiro no integrante dos quadros da magistratura ofi cial. o exemplo da arbitragem. A livre manifestao da vontade de pessoas capazes, no sentido de solucionar suas pendncias fora do Poder Judicirio, deve ser respeitada, sem que reste prejudicado o monoplio jurisdicional, muito menos afrontado o princpio da inafastabilidade.22

    O amplo e desmedido acesso acarreta, destarte, a impossibilidade de se prestar justia rpida e de qualidade quelas causas complexas e relevantes que efetivamente necessitam da apreciao do Poder Judicirio.

    Sem oferta efetiva de outros meios de composio de litgios, vive o Judicirio uma crise de legitimidade, de confi ana, frequentemente acusado, em especial pelos meios massifi cados de comunicao, de no ser apto a resolver o mister que lhe constitucionalmente atribudo.

    Na sociedade contempornea, em que o peso da opinio pblica fortemente infl uenciado pelos meios de comunicao, isso fatalmente acarreta o descrdito do Judicirio e sua deslegitimao como Poder.

    20 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. A resoluo dos confl itos e a funo jurisdicional no contemporneo Estado de Direito (nota introdutria). Revista dos Tribunais, ano 98, v.888, outubro 2009, p.1-800, p.17/18.

    21 THEODORO JNIOR, Humberto. Celeridade e efetividade da prestao jurisdicional. Insufi cincia da reforma das leis processuais. Revista Sntese de Direito Civil e Processual Civil, So Paulo, n.36, jul-agosto de 2005, p.33.

    22 BACELLAR, Roberto Portugal. Juizados Especiais: a nova mediao paraprocessual, So Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p.69.

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    A morosidade dos processos acarreta, portanto, no apenas o descrdito na magistratura e demais operadores do direito, afi rma Ada Pellegrini Grinover,23

    [...] mas tem como preocupante consequncia a de incentivar a litigiosidade latente, que frequentemente explode em confl itos sociais, ou de buscar vias alternativas violentas ou de qualquer modo inadequadas (desde a justia de mo prpria, passando por intermediaes arbitrrias e de prepotncia, para chegar at os justiceiros.

    Qual , contudo, a verdadeira causa do problema?

    A falta de investimento24 na estrutura do Poder Judicirio? Essa, por certo, contribui para a criao do caos, mas a cultura demandista, afi rma Rodolfo Mancuso,25 insufl ada pela concepo equivocada e prodigalizada do acesso justia, a maior fonte do problema.

    Enfrentamos, portanto, um paradoxo, quanto mais h processos, h menos justia, reforando-se, assim, a ideia popular de que mais vantajoso um mau acordo do que em uma boa demanda.

    5 O EFETIVO ACESSO AOS MEIOS ALTERNATIVOS DE RESOLUO DE CONTROVRSIAS

    De incio, anote-se que nos parece equivocado denominar os mtodos de soluo de litgios, que no o jurisdicional, de alternativos.

    Falar em alternatividade indica que seriam solues de menor confi abilidade, a serem usadas em razo do fracasso da Jurisdio Estatal.

    Paula Costa e Silva bem explica que, em razo dessa cultura demandista que temos, o incentivo aos meios ditos alternativos de soluo de controvrsias (ADR) incrementou-se apenas como forma de solucionar a crise do Judicirio.

    No mesmo sentido, Ada Pellegrini Grinover26 anota que no h dvidas de que o renascer das vias conciliativas devido, em grande parte, crise da Justia.

    Nesse contexto, alternatividade implicaria aceitar o uso dos outros meios de soluo de controvrsias to somente em razo da inaptido do processo como mtodo para outorgar prestao jurisdicional de forma clere e efetiva, ainda que os reputssemos como menos efi cazes ou confi veis.

    Ocorre que se trata de mtodos complementares de soluo de controvrsias, por certo mais adequados para determinados litgios.27

    De mais a mais, tambm no nos parece correto referirmo-nos a eles como alternativos, porque, muitas vezes, e para a maioria da populao brasileira, no so mtodos efetivamente alternativos, porque no so oferecidos da mesma forma e proporo que o acesso Jurisdio Estatal, tampouco so divulgados sufi cientemente.28

    23 GRINOVER, Ada Pelegrini; Os fundamentos da Justia Conciliativa. Revista de Arbitragem e Me-diao, So Paulo, ano 4, n.14, jul-set/2007, p.17.

    24 A falta de investimento por certo um dos grandes fatores de emperramento da mquina Judiciria. Sobre o tema j escrevemos em nosso livro ZANFERDINI, Flvia de Almeida Montingeli. O processo civil no terceiro milnio, principais obstculos ao alcance de sua efetividade. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2004.

    25 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. A resoluo dos confl itos e a funo jurisdicional no contemporneo Estado de Direito. Revista dos Tribunais, ano 98, v.888, outubro 2009, p.1-800, p.17/18.

    26 GRINOVER, Ada Pelegrini; Os fundamentos da Justia Conciliativa. Revista de Arbitragem e Me-diao, So Paulo, ano 4, n.14, jul-set/2007, p.17.

    27 Em direito de famlia, por exemplo, a mediao se revela bem mais efi caz para soluo do confl ito como um todo. Pondera Caetano Lagrasta Neto, nesse sentido, que A superfi cialidade das solues acaba por perpetuar o confl ito. Em geral, as partes logo retornam aos fruns e s salas de audincia, ou abarrotam os tribunais com inteis recursos, visto que a natureza da questo exige a manifestao de todos os interessados, a partir de critrios de respeito personalidade e aos anseios de cada um. In: LAGRASTA NETO, Caetano. Mediao e Direito de famlia. Revista CEJ, Braslia, n.17, abril/junho 2002, p.113.

    28 Impe-se, presentemente, o implemento de uma renovada e arrojada poltica judiciria, focada na ampla divulgao sobre os modos auto e heterocompositivos de soluo de controvrsias, como uma alternativa secular cultura judiciarista, cujas nefastas consequncias hoje se fazem sentir tanto sobre

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    Basta pensarmos nos servios de Assistncia Judiciria postos disposio. A regra que em escritrios de assistncia judiciria de faculdades de Direito, e at mesmo nas Defensorias Pblicas, o que se oferece pessoa que os procura a nomeao de um advogado para o ajuizamento de uma demanda.

    No h, salvo poucas e honrosas excees, oferta em massa de outros meios de soluo de controvrsias. Tampouco h informao sufi ciente populao de que existem outros modos de resoluo de litgios, bem como no se explicam quais so suas vantagens.

    Por que no disponibilizar, nesses locais, um servio de conciliao e at mesmo de arbitragem?29 Nos fruns, igualmente, deveria haver, obrigatoriamente, um servio de triagem, informao e encaminhamento para outros meios de soluo de litgios.

    necessrio tornar concreto o acesso e a informao sobre a existncia de outros meios de soluo de controvrsias.

    Trata-se de buscar o mtodo mais adequado para solucionar cada espcie de litgio.

    O acesso justia deve signifi car oferta de tcnicas adequadas, sem perder de vista que o escopo maior da jurisdio a pacifi cao social.

    6 ACESSO JUSTIA

    O princpio da inafastabilidade do controle judicial, expresso no art. 5, XXXV, da Constituio Federal, dispe que: A lei no excluir da apreciao do Poder Judiciria leso ou ameaa a direito.

    Essa norma foi consagrada, entre ns, inicialmente,30 pela Constituio de 1946, em seu art.141, 4, com o seguinte teor: A lei no poder excluir da apreciao do Poder Judicirio qualquer leso de direito individual. A garantia foi mantida na Constituio de 1967 e Emenda de 1969, com texto de igual teor, no pargrafo quarto do art. 153.

    As disposies do art. 5, XXXV, contudo, tantas vezes invocadas e cujo texto largamente difundido, acabaram superdimensionadas.

    Essa leitura exagerada fomenta, mais e mais, a cultura demandista e desestimula a procura por outros meios de soluo de confl itos.

    No se pode olvidar que o destinatrio principal da regra constitucional, ensina Pontes de Miranda,31 no o jurisdicionado, mas o legislador, que fi ca avisado a no excepcionar litgios da apreciao do Judicirio.

    Enfatiza Rodolfo Camargo Mancuso:

    Portanto, naquele dispositivo constitucional no se encontra, na letra ou no esprito: (a) previso ou incentivo para a judicializao de todo e qualquer interesse contrariado ou insatisfeito; (b) vedao ou restrio a que as controvrsias sejam auto ou heterocompostas, fora e alm da

    o estado como sobre os jurisdicionados (MANCUSO, Rodolfo de Camargo. A resoluo dos confl itos e a funo judicial no contemporneo Estado de Direito. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p.151).

    29 A arbitragem, no Brasil, para poucos, porque paga, o que inviabiliza que a ela recorra grande parte do povo, reservando-se, em regra, para soluo de litgios entre empresas.

    30 Pontes de Miranda, em Comentrios Constituio de 1967 com a emenda n.I de 1969, Tomo 5, So Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1971, p.104/105, ensina que a Constituio Imperial foi omissa sobre o tema, assim como as Constituies de 1891 e 1934, embora nessas fosse princpio intrnseco sistemtica constitucional. J na Constituio de 1937, ela mesma deixava sem amparo direitos individuais e permitia que qualquer lei os deixasse sem remdios processuais.

    31 A regra jurdica constitucional do art.153, 4, em que o legislador constituinte formulou princpio de ubiqidade da justia, foi a mais tpica e a mais presente criao de 1946. Dirige-se ela aos legislado-res (verbis, a lei no poder [...]): os legisladores ordinrios nenhuma regra jurdica podem edictar, que permita precluso em processo administrativo, ou em inqurito parlamentar, de modo que se exclua (coisa julgada material) a cognio do Poder Judicirio. (MIRANDA, Pontes. Comentrios Constituio de 1967. So Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1971, Tomo 5, p.108/109).

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    estrutura judiciria estatal; (c) compromisso ou engajamento do Estado-juiz quanto resoluo do meritum causae e oportuna formao da coisa julgada, ou mesmo quanto real efetividade do futuro comando judicial, inclusive quanto ao tempo a ser incorrido ao longo do processo.32

    De se anotar, outrossim, que o acesso Justia no signifi ca necessariamente soluo da controvrsia por sentena, mas

    [...] est umbilicalmente ligado ao resultado da soluo do confl ito, no sentido de viabilizar o acesso ordem jurdica justa, vale dizer, efetivando a promoo da justia. Portanto, no se pode dizer que todo acesso justia passe necessariamente pelo acesso jurisdio, uma vez que existem formas coexistenciais de resoluo de confl itos que podem se dar sem a interveno estatal.33

    Por acesso justia devemos entender o ingresso franqueado ao sistema jurdico, que deve produzir resultados

    individuais e socialmente justos, ou seja, a soluo de litgios deve ser proporcionada por mtodos com qualidade,

    tempestivos e efetivos, buscando-se sempre a pacifi cao social.

    Conclui-se, portanto, que nem sempre o processo judicial ser o melhor mtodo colocado disposio dos

    litigantes.

    Nessa linha de pensamento, Vicenzo Vigoritti34 anota que o declnio do processo como instncia privilegiada de

    gesto do contencioso parece ser uma questo de tempo.

    7 CRISE DA JUSTIA

    hoje lugar comum dizer que a Justia atravessa uma crise de efi ccia e, num discurso repetido, afi rma-se que o sistema judicial entrou em ruptura e no mais consegue dar resposta efi caz necessidade de resoluo de confl itos.

    notrio o descontentamento generalizado quanto ao modelo tradicional de soluo de controvrsias.

    No Brasil, em razo das propostas de universalizao da tutela jurisdicional e diante da conscientizao de direitos consagrados pela Constituio Federal, aumentou muito o ajuizamento de demandas, de forma que o Poder Judicirio viu-se s voltas com assustadora massa de trabalho.

    Desde ento, o problema da morosidade judicial, que j existia,35 apenas se agravou.

    Esse maior acesso no contou com um paralelo e proporcional aparelhamento do Poder Judicirio, de forma que, despreparado para o seu mister, o Judicirio retarda a prestao jurisdicional.

    O nmero de causas ajuizadas deveria guardar uma proporo compatvel com o nmero de magistrados, afi rma Claudio Consolo,36 o que no ocorre, todavia.

    32 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. A resoluo dos confl itos e a funo judicial no contempo-rneo Estado de Direito. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p.24.

    33 A mediao como instrumento de acesso Justia, SILVA, Luciana Aboim Machado Gonalves da Silva. Repertrio de Jurisprudncia IOB, So Paulo, n.18, setembro, 2006, vol.II, p.559.

    34 Mito e Realt. Processo e mediazione. Revista de Processo, ano 36, n.192, fevereiro de 2011, So Paulo: Revista dos Tribunais, p.387, e acrescenta que os grandes litgios de direito privado e comercial costumam escapar da justia estatal, sendo direcionados para a arbitragem, porque essa no capaz de garantir a aplicao de conhecimentos especializados que essas decises necessitam.

    35 Ovdio Arajo Baptista da Silva, j na dcada de 70, afi rmava que as demandas civis eram uma lon-ga aventura e que o procedimento comum desenrolava-se lentamente. O Poder Judicirio, aduz, j estava em crise. Dizia: Ora, se o Poder Judicirio est condenado a sucumbir na luta pela superao dos problemas gerados pela prpria evoluo social, ou, pelo menos, dever aceitar a permanente inadequao como uma decorrncia inelutvel das peculiaridades histricas, tornando-se mais ou menos quimricas as aspiraes de uma justia clere e efi ciente, no h necessidade de outras jus-tifi caes para demonstrar a atualidade e a importncia das aes cautelares, que so, precisamente, os instrumentos capazes de aliviar as tenses criadas por esse desequilbrio estrutural, dando aos que procuram a proteo judiciria pelo menos mais segurana, o que, em ltima instncia, tambm um fi m colimado pela jurisdio comum. (SILVA, Ovdio Baptista da. As aes cautelares e o novo processo civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1976, p. 9-10).

    36 CONSOLO, Claudio, A pr della riscoperta della effi cienza guirisdizionale come base del giusto processo

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    A morosidade judicial parece ser o mais universal de todos os problemas enfrentados pelos tribunais nos nossos dias.

    Com maior ou menor intensidade, a morosidade sentida em cada pas, sendo constante assunto de debates,37 acabando por impulsionar reformas legislativas.38

    preciso no se olvidar, contudo, que mais fcil a sociedade mudar a lei do que a lei mudar a sociedade. A mudana de mentalidade, portanto, fundamental na soluo dessa crise.

    O gigantismo da mquina judiciria estatal, de qualquer modo, no parece ser a soluo para o problema.

    Anota Rodolfo Mancuso:39

    Na verdade, intil infl ar a estrutura judiciria, na tentativa de acompanhar o crescimento geomtrico da demanda por justia, na medida em que essa estratgia leva, ao fi m e ao cabo, a oferecer mais do mesmo (mais processos - mais crescimento fsico da mquina judiciria), pondo em risco o equilbrio com os demais Poderes e minando a desejvel convivncia harmoniosa entre eles: com o Executivo, assoberbado com as incessantes requisies de verbas oramentrias para o crescente custeio da justia estatal; com o Legislativo, acuado ante a diminuio de seu espao institucional, por conta dos avanos do ativismo judicirio em reas tradicionalmente reservadas chamada reserva legal

    No se trata de problema nacional.

    Nesse mesmo diapaso, Vicenzo Vigoritti,40 referindo-se realidade italiana, aduz que no h mais recursos a serem destinados aos servios judiciais, anotando que a justia estatal no funciona de acordo com as exigncias do nosso tempo. Por essa razo, enfatiza, opor-se aos mtodos alternativos de soluo de litgios contraditrio e at mesmo suicida.

    8 MUDANA DE MENTALIDADE

    A garantia constitucional do acesso Justia deve ser interpretada de forma compatvel com a realidade judiciria nacional.

    civile. In: MARINONI, Luiz Guilherme (Coord.). Estudos de direito processual civil: homenagem ao professor Egas Dirceu Moniz de Arago. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 107.

    37 Roger Perrot aduz que o acontecimento processual marcante da ltima metade do sculo XX foi, sem dvida, o considervel aumento da massa litigiosa, no s na Frana. Esse aumento pesou muito nas transformaes do processo civil francs. Naquele pas, foi possvel verifi car que, em vinte anos, o nmero de causas triplicou, o que aconteceu em razo da rpida evoluo da sociedade, de leis que se sucedem em ritmo alucinante e que fatalmente geram um contencioso mais abundante. Contemporaneamente, frisa, as pessoas esto mais bem informadas e no hesitam em recorrer aos tribunais ante a menor difi culdade. Com um pessoal judicirio que praticamente no aumentou em nmero, o resultado que tribunais apenas conseguem resolver os litgios aps meses, qui anos de seu ajuizamento. Sintetiza referido jurista dizendo que a justia fator de paz social e que conseqncias temveis devem ser esperadas, se no lhe for possvel desempenhar plenamente seu papel, sem que as decises sejam proferidas em prazo razovel e executadas com rapidez (PERROT, Roger, O processo civil francs na vspera do sculo XXI. Revista de Processo, So Paulo, ano 23, n. 91, p. 204, jul./set. 1998). No mesmo sentido, mencionando tratar-se de problema universal, ver: SANTOS, Boaventura de Souza et al. Os tribunais nas sociedades contemporneas. Porto: Afrontamento, 1996. p. 387.

    38 Na Alemanha, por exemplo, o nmero de demandas que ingressaram na Justia em 1991 foi de 1,63 milhes, e em 1995 esse nmero subiu para 2,17 milhes, acarretando o aumento da durao do processo e, por isso, gerando nos jurisdicionados e operadores do direito anseios de que reformas sejam feitas para aumentar a agilidade e celeridade da justia (PREZ RAGONE, Alvaro J. D. La reforma del proceso civil alemn 2002: princpios rectores, primera instancia y recursos. In: MARINONI, Luiz Guilherme (Coord.). Estudos de direito processual civil: homenagem ao professor Egas Dirceu Moniz de Arago. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 729).

    39 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. A resoluo dos confl itos e a funo judicial no contemporneo Estado de Direito, So Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p.27.

    40 VIGORITI, Vincenzo. Mito e Realt. Processo e mediazione. Revista de Processo, So Paulo, ano 36, n.192, fevereiro de 2011, p.395.

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    A pacifi cao social, maior escopo da jurisdio contempornea, no se alcana apenas por meio da soluo de controvrsias pelo mtodo tradicional, qual seja, o processo.

    O descompasso entre o instrumento processual e a efetiva soluo de litgios em prazo razovel, tal como preconizado pelo art. 5, LXXVIII da CF, impe que haja uma mudana de mentalidade, em especial dos operadores do direito, quebrando dogmas, afastando-se a cultura resistente e preconceituosa que no aceita os meios complementares de soluo de controvrsias ou os reputa como soluo quantitativa e no qualitativa.

    Os mtodos paraestatais de soluo de litgios harmonizam-se com a democracia participativa e com a valorizao da cidadania e por isso devem ser difundidos.

    preciso compreender que: [...] a expresso acesso Justia nos conduz a identifi car a existncia de diferentes formas de obteno de justia, formas estas diferenciadas no apenas pela estrutura organizacional, mas tambm pelos meios utilizados e efeitos produzidos.41

    Esses meios alternativos podem ser reputados como aptos a contribuir42 para a superao da eterna crise do Judicirio.

    No se pode, ento, manter a mentalidade de que os meios extrajudiciais de soluo de controvrsias so primitivos e superados. Trata-se de uma volta na histria em busca de mecanismos efi cazes e restauradores da paz social e no de um retrocesso.

    O maior mrito do programa de incentivo aos mecanismos no adversariais de soluo de controvrsias o de fazer imperar a pacifi cao, afastando-se a cultura da sentena e das solues adjudicadas.43

    O juiz moderno precisa estar engajado no esforo comum pela composio justa de confl itos, sem preconceitos e medos de perda de poder.

    Esse novo modelo de gesto judiciria necessita, para ter sucesso, da mudana dessa mentalidade demandista.44

    41 CARVALHO, Milton Paulo de (Coord.). Teoria Geral do Processo Civil. So Paulo: Campus Jurdico, 2010, p.18.

    42 Como bem anotou Ftima Nancy Andrighi, em Mediao- um instrumento para a paz social. In: Revista do Advogado, So Paulo, ano XXVI, n.87, setembro de 2006, p.135: Temos a exata noo e sabemos antecipadamente que no ser com o perfi lhamento desses instrumentos alternativos, haja vista a repercusso da adoo da arbitragem, que se banir o problema da morosidade no processo judicial, mas preciso reconhecer que eles prestaro valiosa contribuio. Sem usar antolhos, podemos alcanar outros benefcios e atingir outros objetivos com a adoo desses instrumentos alternativos, como por exemplo a ampliao do mercado de trabalho para os profi ssionais da rea jurdica, a democratizao do Poder Judicirio com a participao de outras carreiras profi ssionais, a restaurao das relaes negociais e, principalmente, a manuteno da integridade das relaes interpessoais.

    43 Roberto Ferrari de Ulha Cintra, em sua tese de Doutorado apresentada na USP em 2008, ponderou: O mtodo tradicional de soluo de confl itos, submete-los atravs de uma ao ao Judicirio, mostra-se insufi ciente para atender demanda social por justia. A tentativa de equilbrio entre a demanda por justia e a sua oferta via maior e melhor judicirio, frustra-se a medida que no suprime a natureza belicosa do sistema, por isso, acaba impondo ao cidado a cultura da guerra, e mais e mais processos so distribudos (CINTRA, Roberto Ferrari de Ulha. A pirmide da soluo dos confl itos: uma contribuio da sociedade civil para a reforma do Judicirio. Braslia: Senado Federal, 2008.

    44 Nesse diapaso, ensina Rodolfo Mancuso, em A resoluo dos confl itos e a funo judicial, op.cit. p.112/113 [...] caberia a conscientizao de que o acesso Justia uma clusula de reserva, des-cabendo sua prodigalizao generalizada, ao risco de se incentivar a cultura demandista, convertendo o direito de ao num convite litigncias. Antes, caberia dessacralizar a indeclinabilidade ou inafas-tabilidade da Justia, desconectando-se da acepo- irrealista e at ingnua- de que todo interesse contrariado ou insatisfeito deve ter passagem judiciria; os que assim pensam esquecem de que a ao um direito do jurisdicionado e no um dever! A procura, sfrega e desenfreada, pelo aparato Judicial do estado, a par de ser um mal em si mesma, provoca externalidades negativas: fomenta a litigiosidade ao interno da coletividade; desacredita a busca pelas solues alternativas dos confl itos; cria uma irrefrevel demanda por justia a que o Estado no consegue atender; ou pior, tentando faz-lo, acaba fornecendo um padro de justia de baixa qualidade: lento, dispendioso, funcionalizado, massifi cado e imprevisvel.

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    Kazuo Watanabe45 lembra que a cultura do povo brasileiro muito dependente de autoridades, de algum que decida em seu lugar, no existindo, de qualquer forma, uma organizao da sociedade em termos de trabalho coletivo. necessrio, conclui, que a mentalidade esteja aberta e receptiva para esses modos de soluo de litgios, que necessitam de terreno frtil para que possam prosperar.

    Efi cincia, pacifi cao e participao popular na administrao da Justia so os fundamentos da Justia Conciliativa.

    Nesse contexto, de todo apropriada a iniciativa do Conselho Nacional de Justia que instituiu poltica nacional de conciliao, publicando, para tanto, em 29.11.2010, a Resoluo 125,46 que dispe sobre o tratamento adequado dos confl itos de interesse no mbito do Poder Judicirio.

    Implementou, assim, poltica pblica permanente de incentivo e aperfeioamento dos mecanismos consensuais de soluo de controvrsias.

    Est posto o desafi o, compete-nos, agora, com fi rmeza e coragem, atuar de forma a que sejam difundidos, aceitos e efetivos os mtodos complementares que se colocam justia institucionalizada e acreditar que desmistifi caremos a cultura preconceituosa e resistente em aceit-los.

    9 JURISDIO ATIVIDADE SECUNDRIA

    Uma leitura distorcida do que se entende por acesso ao Poder Judicirio deve ser aqui analisada.

    De nossa experincia h quase dezoito anos como magistrada, podemos atestar que mais e mais no se buscam prvias solues consensuais.

    Muitas vezes, sem que haja at mesmo litgio, ou seja, pretenso resistida ou insatisfeita, socorre-se indevidamente ao Poder Judicirio.

    Essa postura, de qualquer modo, vem sendo referendada por expressivo entendimento jurisprudencial,47 que entende desnecessrio, por exemplo, o prvio requerimento na via administrativa.

    45 WATANABE, Kazuo. Mediao: Um projeto inovador. Braslia: Conselho da Justia Federal, 2003, v.22, p.54.

    46 Confi ra-se o que dispe o pargrafo nico do art.1 da referida resoluo: Aos rgos judicirios incumbe, alm da soluo adjudicada mediante sentena, oferecer outros mecanismos de solues de controvrsias, em especial os chamados meios consensuais, como a mediao e a conciliao, bem assim prestar atendimento e orientao ao cidado.

    47 Ver por todos: PROCESSUAL CIVIL. AO CAUTELAR DE EXIBIO DE DOCUMENTOS. INTERESSE DE AGIR. PRVIO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. DESNECESSIDADE. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. Nos termos do art. 3 do Cdigo de Processo Civil, a prestao jurisdicional tem de ser til, o que decorre da conjugao da necessidade concreta da atividade jurisdicional e da adequao da medida judicial pleiteada. Em ao de exibio de documentos, aquele que pretende questionar, em ao principal a ser ajuizada, as relaes jurdicas decorrentes de documentos em poder da parte adversa, detm interesse de agir. No se coaduna com a relevncia da questo social que envolve a matria previdenciria, instituir bice ao exerccio do direito do segurado em obter acesso ao procedimento administrativo que culminou na percepo do seu benefcio previdencirio.4. Recurso especial provido. (STJ, REsp 1103961/PR, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 14.04.2009, DJe 04.05.2009), www.stj.gov.br. Acesso em: 06.03.2011; APELAO CIVIL. SEGURO OBRIGATRIO. AO CAUTELAR DE EXIBIO DE DOCUMENTOS. PEDIDO ADMINISTRATIVO. DESNECESSIDADE. HONORRIOS. MA-JORAO. A falta de requerimento administrativo no retira dos benefi cirios o direito de postular a exibio dos documentos necessrios interposio de ao previdenciria, sob pena de violao ao direito constitucional do acesso ao Judicirio. Inteligncia do artigo 5, XXXV, da CF. Em havendo interes-se da parte na obteno dos documentos que so comuns a todos os envolvidos na relao, sobretudo para o ajuizamento de futura ao, independentemente de sua natureza, e ainda que tenha ocorrido o pagamento administrativo, a ao no pode ser extinta por carncia de ao. Preliminar afastada. Os honorrios advocatcios devem ser fi xados de acordo com o trabalho desenvolvido, com a natureza da causa e ao tempo despendido na execuo do servio, de acordo com o artigo 20, 3 e 4, do CPC. Caso em que houve a necessidade de ajuizamento da ao para que a documentao fosse apresentada pela seguradora. Honorrios majorados para R$ 600,00. APELO DO AUTOR PROVIDO. RECURSO DO RU DESPROVIDO. (Apelao Cvel N 70040557167, Quinta Cmara Cvel, Tribunal de Justia do RS, Relator: Romeu Marques Ribeiro Filho, Julgado em 23.02.2011), www.tjrs.jus.br. Acesso em: 06.03.2011.

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    No se trata, contudo, de esgotar a via administrativa, mas ao menos de se tentar obter a soluo por essa via e, se por qualquer causa (demora, recusa, omisso na apreciao do pedido, etc.) isso no for possvel, a sim estar justifi cado o acesso ao Poder Judicirio.

    Nas aes previdencirias, de seguro obrigatrio e de exibio de documentos (em especial contratos e extratos bancrios), por exemplo, frequente que a parte ajuze a demanda sem antes encontrar resistncia do adverso.

    dizer, no h pedido administrativo48 e, portanto, nem sequer se sabe qual ser a postura da parte contrria.

    Ora, o dever primrio de resoluo de confl itos da prpria parte.

    Trata-se do exerccio da democracia participativa.

    preciso que cada um assuma suas prprias responsabilidades, no as delegando ao Estado desnecessariamente.

    No havendo lide, no h razo para ir ao Judicirio. Da porque as condies da ao e os pressupostos processuais so considerados limitaes naturais e legtimas49 ao exerccio do direito de ao.

    Essa leitura irreal e exagerada do que se entende por acesso Justia implica abarrotar o sistema com causas cuja utilidade discutvel e tornar o sistema congestionado e inefi caz para solucionar aqueles casos que efetivamente demandam resposta judicial.

    O momento atual de incentivar a cultura da pacifi cao social, de forma a diminuir o nmero de processos judiciais, possibilitando uma melhoria da qualidade do Poder Judicirio.

    Por isso preciso rever esse posicionamento arraigado entre ns.

    Jurisdio, segundo a clssica lio de Chiovenda,50 atividade secundria, ou seja, a autoridade estatal investida do poder de solucionar litgios em razo da inexistncia dessa resoluo de controvrsia ter sido alcanada espontaneamente pela prpria parte.

    Em um contexto no qual o Conselho Nacional de Justia se prope a buscar a mudana de mentalidade dos operadores do direito, para que surja entre ns a cultura da soluo pacfi ca dos confl itos, aceitar que sem haver lide se possa ir a juzo exigir prestao jurisdicional, implica evidente retrocesso.

    Enfi m, preciso compreender que o princpio constitucional da inafastabilidade do acesso justia pressupe prvia negativa da pretenso ou ao menos omisso de sua apreciao, [...] de onde emergir, no mnimo, ameaa de leso a direito. Antes desse momento no se fala em controle judicial, posto que sequer ameaa direito ou interesse existir.51

    Cedio que o prvio exaurimento da via administrativa apenas exigido nas hipteses de alada da Justia Desportiva, conforme preceitua o art.217, pargrafos primeiro e segundo da Constituio Federal, mas

    [...] isso no signifi ca o puro e simples desaparecimento da necessidade de se formular prvio requerimento junto Administrao Pblica, na medida em que a pretenso administrativa precisa ser apreciada e negada para que se confi gure a lide, ou seja, o confl ito caracterizado pela pretenso resistida. Do contrrio, no haver interesse de agir. Nesse sentido decidiu o STF, ao considerar que no ofendeu o princpio da inafastabilidade a sentena que julgou extinto o processo, sem julgamento de mrito, de ao acidentria que no foi precedida da devida comunicao ao INSS.52

    48 Com as facilidades do mundo moderno, fazer pedidos na seara extrajudicial providncia muito simples, cartas com aviso de recebimento e declarao de contedo, telegramas com cpia e aviso de recebimento, notifi caes extrajudiciais, requerimento administrativo com protocolo do adverso demonstram que se tentou uma soluo pacfi ca, de forma a justifi car o acesso ao Poder Judicirio, caso haja resistncia.

    49 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Constituio Federal comentada e legislao constitucional. So Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, p.131.

    50 CHIOVENDA, Guiseppe. Instituies de direito processual civil. 2. ed. So Paulo: Bookseller, 2000, v.II, p.17/18.

    51 TRF1, AP.Civ. 67194MG 2000.01.00.067194-9, Relator Juiz Federal Csar Augusto Bearsi, j.17.08.2005.

    52 MENDES, Aluisio Gonalves de Castro. Breves consideraes em torno da questo da inafasta-

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    Igualmente nessa linha de entendimento, h recentes decises do Superior Tribunal de Justia.

    Confi ra-se:

    PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE PARTICIPAO FINANCEIRA. CAUTELAR DE EXIBIO DE DOCUMENTOS. REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO PRVIO. NECESSIDADE. COBRANA DA TAXA DE SERVIO. LEGALIDADE. ART. 100, 1, DA LEI N. 6.404/76. 1. Carece de interesse de agir, em ao de exibio de documento, a parte autora que no demonstra ter apresentado requerimento administrativo para a obteno dos documentos pretendidos e que tampouco comprova o pagamento da taxa de servio legalmente exigida pela empresa a teor do art. 100, 1, da Lei n. 6.404/76. (EDcl no REsp 1.066.582/RS, Rel. Min. Joo Otvio de Noronha, Quarta Turma, DJe de 02.02.2009) 2. Agravo regimental a que se nega provimento53. E no mesmo sentido: PROCESSUAL CIVIL. AO DE EXIBIO DE DOCUMENTOS. AUSNCIA DE REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. FALTA DE INTERESSE DE AGIR. 1. Carece de interesse de agir, para a ao de exibio de documentos, a parte que no demonstra ter apresentado requerimento administrativo a fi m de obter a documentao pretendida. Precedentes do STJ. 2. Ademais, rever o entendimento do Tribunal de origem de que a parte no comprovou a negativa do INSS em exibir os documentos demandaria a anlise do acervo ftico-probatrio dos autos, o que encontra bice na Smula 7/STJ. 3. Agravo Regimental no provido54.

    Conclui-se, pois, que sem mudana de mentalidade, no sero alcanados os propsitos expostos na Resoluo 125 do CNJ.

    10 DEMOCRACIA PARTICIPATIVA E ASSUNO DE RESPONSABILIDADES

    Os mtodos de resoluo alternativa de confl itos

    [...] promovem a liberdade das prprias partes escolherem a melhor forma de resolver confl ito, aumentando com isso a possibilidade de um agir consciente, o qual estimula o conhecimento, a responsabilidade, a urbanidade, ou seja, os comportamentos socialmente desejveis que o direito tutela.55

    preciso que cada um assuma o seu papel e responsabilidade na busca de soluo de controvrsias, deixando de lado a tradio cultural de transferir para uma autoridade integrante de poder (normalmente do Judicirio) o encargo para referendar ou julgar todos os nossos atos.

    Um papel ativo na busca de soluo de confl itos implica exerccio de cidadania, com assuno de responsabilidade pela gesto de sua prpria vida.

    O incentivo utilizao desses meios alternativos e sua concreta disponibilizao a todas as camadas da sociedade contribui para o fortalecimento na democracia, j que os indivduos passam a ter atuao decisiva na resoluo de seus confl itos, atendendo-se, ento, ao objetivo fundamental do Estado Democrtico de Direito, que o de construir uma sociedade livre, justa e solidria.

    Solues consensuais, de qualquer forma, favorecem a paz social, valendo anotar que a paz no se limita ausncia de confl itos, sendo um processo positivo, dinmico e participativo, que favorece o dilogo e a resoluo de confl itos com esprito de compreenso e de cooperao.

    Menos solues impostas e mais solues consensuais: esse parece ser o caminho de um novo paradigma de soluo de controvrsias.56

    bilidade da prestao jurisdicional. Estudos de Direito Processual Civil, Luiz Guilherme Marinoni (Coord.) So Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p.93.

    53 AgRg no REsp 922.669/RS, Rel. Ministro Honildo Amaral de Mello Castro (Desembargador convocado do TJ/Ap), Quarta Turma, julgado em 08.06.2010, DJe 22.06.2010.

    54 (EDcl no REsp 1.066.582/RS, Rel. Min. Joo Otvio de Noronha, Quarta Turma, DJe de 02.02.2009) 2. Agravo regimental a que se nega provimento.

    55 KEPPEN, Luiz Fernando Tomasi. Projeto R. A. C (Resoluo Alternativa de Confl itos) para os Juizados Es-peciais. Revista dos Juizados Especiais, So Paulo: Editora Fiza, ano 10, v.38, out./dez. 2005 p.38.

    56 BUITONI, Ademir. A iluso do normativismo e a mediao. Revista do Advogado, So Paulo, Ano XXVI,

  • 251Revista NEJ - Eletrnica, Vol. 17 - n. 2 - p. 237-253 / mai-ago 2012

    Disponvel em: www.univali.br/periodicos

    preciso, enfi m, fazer da cultura da paz uma realidade concreta e duradoura. Porque A paz no um processo passivo: a humanidade deve esforar-se por ela, promove-la e administr-la.57

    CONCLUSES

    A exacerbao da oferta de prestao jurisdicional retroalimenta a demanda.

    O Judicirio, abarrotado de processos e incapaz de prestar justia de qualidade em prazo razovel, tem enfraquecida sua legitimidade como Poder, passa a ser alvo de ataques constantes da opinio pblica, fortemente infl uenciada pelos meios de comunicao e permite que se incentive uma litigiosidade latente, que pode acarretar confl itos sociais, bem como a busca de modos inadequados ou violentos de soluo de seus problemas.

    O processo como mtodo de soluo de litgios no pode ser reputado como o nico meio efi caz de soluo de controvrsias. Cada mtodo de soluo de litgio tem uma aplicabilidade especfi ca e necessria.

    As partes, nesse contexto, de decises adjudicadas, tm maiores responsabilidades e participao, sendo verdadeiros atores no palco de suas vidas.

    Tais mecanismos favorecem, ainda, que se mantenham ntegros relacionamentos e dilogo, o que no ocorre, por vezes, quando se trata de deciso por sentena, pois essa implica um veredicto do que certo ou errado, polariza, reconhecendo um ganhador e um perdedor.

    Os meios alterativos de soluo de controvrsias so efi cazes, preservam a paz e proporcionam justia que restaura.

    A sentena, nesse contexto, por vezes no atinge a causa do confl ito, no o resolve por inteiro, perpetuando-se as lides.

    preciso permitir que cada um seja agente de seu prprio destino, com autoridade sobre suas vidas, oferecendo-lhes os necessrios subsdios para tomarem decises e resolverem suas controvrsias sem, necessariamente, dependerem de solues impostas.

    As mudanas sociais demandam que tambm haja mudanas de mentalidade.

    Buscar a pacifi cao social no projeto com escopo nico de desafogar o Judicirio.

    Enfi m, fazer da cultura da paz uma realidade concreta e duradoura deve ser o objetivo da humanidade.

    Se tivermos xito, por certo diminuir a busca por solues adjudicadas e, com isso, a eterna crise do Poder Judicirio poder, fi nalmente, ser superada.

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