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3º COLÓQUIO NACIONAL DEHORTICULTURA BIOLÓGICA

Braga, 2011

Editores

Isabel de Maria Mourão

Luís Miguel Brito

17Actas Portuguesas de Horticultura

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Ficha Técnica

Título: 3.º Colóquio Nacional de Horticultura Biológica

Colecção: Actas Portuguesas de Horticultura, N.º 17

Propriedade e edição:

Associação Portuguesa de Horticultura (APH)

Rua da Junqueira, 299, 1300-338 Lisboa

Editores: Isabel de Maria Mourão e Luis Miguel Brito

Revisão editorial: Maria Elvira Ferreira

Grafismo da capa: Carolina Albino Miranda

Impressão: Dossier - Comunicação e Imagem, Lda.

Tiragem: 300 exemplares

ISBN: 978-972-8936-09-9

Ano: 2011

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3º COLÓQUIO NACIONAL DE HORTICULTURA BIOLÓGICA 1º COLÓQUIO NACIONAL DE PRODUÇÃO ANIMAL BIOLÓGICA

Apoio:

Comissão Organizadora

Alberto Vargues (APH; INRB)

Alda Brás (DRAPN)

António Marreiros (DRAPALG)

Cristina Queda (ISA/UTL)

Divanildo Monteiro (APEZ; UTAD)

Elisabete Mena (APEZ; UTAD)

Fernando Serrador (Certiplanet)

Filipe Pacheco (DRAPN)

Isabel Mourão (APH; ESAPL/IPVC) (Presidente pela APH)

Joaquim Cerqueira (ESAPL/IPVC)

Jorge Ferreira (AgroSanus)

José Carlos Ferreira (Frubio)

José Pedro Araújo (APEZ; ESAPL/IPVC) (Presidente pela APEZ)

Luís Ribeiro (APEZ)

Luísa Moura (ESAPL/IPVC)

Maria Mendes (DRAPALG)

Natália Costa (Minhorigem/CMPL)

Pedro Vaz (APACRA)

Raul Rodrigues (APH; ESAPL/IPVC)

Sílvia Silva (DRADR/Madeira)

Comissão Científica Amílcar Duarte (UAlg)

Ana Maria Firmino (FCSH/ UNL)

António Lopes Aleixo (ISA/UTL)

António Mexia (ISA/UTL)

Domingos Almeida (FC/UP)

Isabel Blanco Penedo (FV/USC/Lugo)

Isabel Mourão (APH; ESAPL/IPVC)

Jesus Cantalapiedra (C. Medio Rural, X. Galicia)

José Pedro Araújo (APEZ; ESAPL/IPVC)

Laura Torres (UTAD)

Miguel Brito (ESAPL/IPVC)

Nuno Moreira (UTAD)

Secretariado (Alunos do Mestrado em Agricultura Biológica, ESAPL/IPVC)

Cláudia Araújo

Duarte Reis

Henrique Moreira

Lara Evangelista

Maria Mota

Plácido Miranda

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Actas Portuguesas de Horticultura, n.º 17 (2011) 158

Agricultura Biológica na Sociedade

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Actas Portuguesas de Horticultura, n.º 17 (2011) 159

Inovação e fomento em explorações de agricultura biológica

Ana Firmino

Universidade Nova de Lisboa, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Av. de Berna, 26-C, 1069-061 Lisboa, Portugal, [email protected]

Resumo As explorações de agricultura biológica, pelo seu conceito e génese, são em geral receptivas à

inovação, podendo servir como unidades difusoras de modelos de diversificação das actividades em meio rural e formas alternativas de distribuição e comercialização, sendo assim geradoras de sinergias que contemplam o desenvolvimento sustentável das comunidades em que se inserem.

Em Portugal são ainda pouco divulgadas, ou mesmo desconhecidas, as explorações em que se pratica a agricultura social (social farming) que visa a inclusão de pessoas portadoras de alguma deficiência física ou mental, idosos, pessoas com problemas de inserção social, dependentes de álcool ou drogas, ou que enfrentam problemas com a justiça.

Este tipo de explorações, largamente divulgadas em países como a Inglaterra, Holanda ou Bélgica, aproveitam as estruturas de produção para proporcionar aos seus clientes uma terapia ocupacional em contacto directo com a Natureza, dando-lhes a possibilidade de executarem algumas tarefas típicas da vida no campo, que contribuem para aumentar a auto-estima e, em alguns casos, favorecer a sua autonomia.

A criação de empregos em meio rural, sobretudo para os jovens, é um dos problemas com que muitas autarquias se debatem. Iniciativas como a anterior ou outras de igual alcance, como as escolas da quinta, criam postos de trabalho e mantêm a paisagem viva, por assegurarem a manutenção das actividades agrícolas, disponibilizando em simultâneo infra-estruturas, construídas por vezes com apoios da segurança social, entre outros, que não são acessíveis a uma exploração onde apenas se pratique a agricultura e/ou pecuária.

As explorações suportadas por uma comunidade (agricultura participativa) que segundo alguns autores tiveram a sua génese no Japão (Teikei) nos anos 70, por iniciativa de um grupo de mães preocupadas com a saúde das suas famílias (Anemiya, 2011), são hoje muito populares nos Estados Unidos (Community Supported Agriculture - CSA) e em França (Assocation pour le Maintien de l’Agriculture Paysanne - AMAP). Elas correspondem à mudança de paradigma em curso, defendida pelos movimentos de transição, em que o individualismo deverá dar lugar a uma responsabilização colectiva e poderão ser, igualmente, uma boa resposta para a mitigação dos efeitos da crise económica e a oferta de serviços sociais e ecológicos em meio urbano e peri-urbano.

Palavras-chave: inovaç~o, agricultura social, terapia ocupacional, escolas da quinta, “agricultura participativa”, agricultura biológica, circuitos curtos.

Abstract Organic farms, due to their own concept and genesis, are in general open to innovation being

often used as models for the diversification of the activities in the rural areas, as well as for alternative distribution and commercialization channels. Thus, they generate synergies that point to the sustainable development of the communities where they are located.

In Portugal the concept of social farming is almost unknown due to the lack of divulgation. Social farming, also known as Green Care, aim at including people with specific problems (addicted to drugs and or/alcohol, people with learning difficulties, elderly people, indigents or young offenders). In countries like the United Kingdom, Netherlands and Belgium these farms are very popular and have already some tradition. The farmers use the production structure of the farms to offer their clients an occupational therapy in direct contact to Nature, based on typical tasks developed in the countryside, which may contribute to boost their self-confidence and, in some cases, favor their autonomy.

The jobs availability in the rural areas, especially for young people, is a difficult problem for many parishes. Initiatives like this or others with a similar purpose, such as the farm schools, offer jobs and contribute to keep the landscape alive, since they perform agricultural activities and offer at the same time infra-structures, supported often by the social security, among others institutions, that are not accessible to farms dealing only with agriculture and/or husbandry.

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Another example are the farms working specifically to supply a certain community, that were first created in Japan (Teikei); today they are quite popular in the United States (Community Supported Agriculture - CSA) and in France (Association pour le Maintien d’une Agriculture Paysanne - AMAP). They correspond to the present change of paradigms (transition movements) through which individualism tends to be replaced by a collective responsibility and can be the right solution to mitigate the effects of the economic crisis and to offer social and ecological services in the urban/periurban areas.

Keywords: innovation, social farming, occupational therapy, farm schools, CSA, organic farming, short cycles.

Introdução A Humanidade atravessa um período de enormes transformações que exigem respostas

adequadas aos desafios que lhe são lançados. É nesta perspectiva que se apresentam diversos exemplos de inovações que poderão, de alguma forma, colmatar alguns dos problemas mais prementes da sociedade, contribuindo igualmente para o desenvolvimento sustentável das áreas rurais e periurbanas onde se inserem.

Hill (in Koepf, 1989) escreveu, em 1987, que a exploração agrícola é o espelho da sociedade, particularmente das suas visões e valores. É neste sentido que a agricultura social (social farming) ganha acuidade, ao proporcionar àqueles que antes seriam marginalizados, a possibilidade de encontrarem significado para as suas vidas, de se realizarem e de serem úteis à sociedade.

Como se pode ler no Manifesto sobre o Valor Acrescentado da Agricultura Social (van Elsen, 2009) oferecer benefícios externos como direitos humanos, bem-estar e inclusão de pessoas com necessidades especiais são desafios que se põem à actividade agrícola num contexto de sociedades do futuro.

Que é afinal a Agricultura Social? A Agricultura Social pode ser definida como o uso de explorações agrícolas comerciais e de

paisagens agrícolas como uma base para a promoção da saúde mental e física, através de práticas normais de agricultura e constitui um movimento crescente que pretende providenciar benefícios de âmbito social, educacional e da saúde, através da actividade agrícola para um espectro alargado de pessoas (Sempik et al., 2010, 37). Como afirma este autor, a agricultura social é, pois, uma parceira entre agricultores, agentes de saúde e de apoio social, assim como participantes.

Se bem que a sua proliferação se tenha acentuado nos últimos anos, como resposta ao que Floysand. Jakobsen (2007) denominam de “reestruturaç~o rural”, que consiste na passagem de uma economia rural, baseada na agricultura e produção artesanal, para uma economia mais centrada nos serviços, este tipo de actividades em meio rural existe há séculos. Segundo Cloke (2006) passou-se de “paisagens produtivas para paisagens de consumo”.

Um fenómeno que muito contribui para a importância crescente da agricultura social é o envelhecimento da população e a inclusão de pessoas com limitações diversas. O fomento deste tipo de explorações dará resposta não apenas à procura existente (só numa unidade estudada encontram-se mais de 100 pessoas em lista de espera) oferecendo bem-estar a este grupo específico de clientes (a que carinhosamente em alguns centros chamam de “companheiros”), como promove a criaç~o de sinergias entre os diversos actores e a dinamização da economia local, como se evidencia nos exemplos seguintes.

Agricultura Social em Portugal: 3 Casos de Estudo na Beira Interior “Estas palavras estas vozes, estes rostos têm topografias, modulações, resson}ncias distintas

das comuns. Intuímo-las porque seria impossível que não existissem, mas o percurso a seguir para os encontros desejados parece ter sido traçado unicamente nas cartas do que denominamos normalidade, não nas sobreposições de palimpsestos que acabaram constituindo as identidades e as personalidades que esses rostos, vozes e palavras ansiosamente vêm expressando…”, José Saramago (in Olhares outros, 2006, prefácio).

Saramago captou com particular beleza e sensibilidade a essência das pessoas que se encontram, por circunstâncias várias, nos centros que foram alvo de estudo.

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As três instituições, que estão na base da informação aqui compilada, situam-se na Beira Interior, fazem agricultura biológica e nasceram com a finalidade de servir pessoas autistas, com paralisia cerebral, portadoras de trissomia 21 e outras perturbações que as privam de autonomia.

A mais antiga é a Casa de Santa Isabel situada em S. Romão, Serra da Estrela, fundada em 1975 por Walter Junge, e onde se pratica a Educação Waldorf, incluindo a educação curativa antroposófica e a terapia social segundo os ensinamentos de Rudolf Steiner (FERS, 2001). A mais recente (início do século XXI) que segue a mesma orientação antroposófica da Casa de Santa Isabel, é a ASTA (Associação Sócio-Terapêutica de Almeida). Ambas se situam em meio rural.

Em Castelo Branco encontra-se a APPACDM (Associação Portuguesa de Pais e Amigos de Crianças Deficientes Mentais), localizada na Quinta da Carapalha, que desenvolve um projecto muito interessante de fabrico de seda, há cerca de 20 anos, sendo a única unidade deste género no país.

Destacam-se, em comum, as actividades praticadas no sentido de desenvolver a motricidade fina (tecelagem, carpintaria, olaria, artefactos de papel reciclado) e as actividades em contacto com a Natureza (tarefas agrícolas). O trabalho com os animais é uma das terapias ocupacionais que se tem mostrado mais positiva em termos de aquisição de equilíbrio e auto-confiança, o que tem levado ao aparecimento de alguns centros que apenas se dedicam à hipoterapia.

No caso do centro sericícola procede-se a todos os trabalhos necessários ao longo do ciclo de produção, desde a produção de folhas de amoreira, passando pela incubação dos ovos do bicho da seda, sua alimentação, até ao tratamento dos casulos e produção do fio de seda que, mais tarde, será vendido para confecção dos tradicionais bordados de Castelo Branco.

Duma forma geral, todas as unidades procuram ser o mais auto-suficiente possível em termos agrícolas mas, a própria natureza do trabalho desenvolvido com os clientes nem sempre permite obter a máxima rentabilidade. Contudo, na ASTA, e a título de exemplo, cerca de 60% das 90 refeições servidas por dia são asseguradas pela produção própria.

Esta actividade permite manter uma paisagem rural viva e não apenas em termos agrícolas. A vinda de pessoal, em geral jovem e com crianças, a par da visita de familiares dos clientes internados, povoa aldeias antes quase abandonadas e permite recuperar casas que estavam já em ruínas. Na ASTA para 34 companheiros são necessários 24 empregados (quase tantos como a população da aldeia da Cabreira!).

Por outro lado, algumas infra-estruturas criadas pelos centros, como a piscina no caso da ASTA, permite aos habitantes das aldeias vizinhas, na sua maioria idosos, praticar hidroginástica ou beneficiar de hidroterapia (um verdadeiro luxo no meio do nada!). A motivação que se cria leva a que alguns produzam um pouco mais para fornecer o centro, estando em estudo a criação de uma “mercearia solid|ria” (a Trocas) na aldeia vizinha da Cabreira, que lhes permitir| trocar os excedentes por outros produtos.

Estes investimentos só são possíveis, como referi anteriormente, porque os centros são IPSS e, por isso, têm acesso a fundos canalizados pela Segurança Social ou por outras vias, como doações no âmbito do mecenato por parte de indivíduos e empresas (responsabilidade social). A piscina da ASTA, por exemplo, está na Bolsa de Valores Sociais, uma iniciativa da Atitude com o apoio da Euronext Lisbon, da Fundação Calouste Gulbenkian e da Fundação EDP. O objectivo da bolsa é ajudar instituições creditadas e empreendedoras através de donativos em forma de acções. Para investir basta adquirir no mínimo 10 acções (o que equivale a 10 Euros).

Em países como a Bélgica, existem outras modalidades de apoio a este tipo de clientes, de menor dimensão e funcionando noutros moldes. Cito, por exemplo, o caso dos agricultores que, uma vez por semana, recebem um jovem durante uma manhã ou uma tarde, que os ajuda nos trabalhos da quinta. Este agricultor recebe por cada jovem 20 ou 40 Euros, consoante se trate de meio-dia ou o dia inteiro.

Os Circuitos Curtos A França é, sem dúvida, um dos países que lideram em termos de inovação em meio rural.

Quando, em Portugal, só muito timidamente se ensaiam modelos próximos da “agricultura participativa” (que é apoiada pela comunidade) estas s~o uma presença muito forte no tecido rural francês há já várias décadas (AMAP - Association pour le Maintien de l’Agriculture Paysanne).

Os circuitos curtos são um novo modo de produção e de distribuição, que assentam no princípio de produzir e consumir localmente, e tentam responder às expectativas dos consumidores, sobretudo daqueles que se preocupam com a sua pegada ecológica.

Os circuitos curtos são, por definição, os modos de comercialização de produtos agrícolas que se processam quer por venda directa do produtor ao consumidor (fig. 1), quer por venda indirecta

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desde que haja apenas um intermediário entre o produtor e o consumidor. Os pontos de venda dos circuitos curtos encontram-se nos mercados, distribuição em cabazes, postos de venda colectivos, lojas de quinta, pela internet, distribuição directa à restauração, aos comerciantes ou ainda às grandes superfícies.

Como exemplo do peso que os circuitos curtos podem ter na economia local apresenta-se o Pays de la Loire, a segunda região agrícola francesa, que contribui largamente para as exportações e aprovisionamento da indústria agro-alimentar e emprega cerca de 50 000 assalariados.

Dados recolhidos pela Câmara Regional de Agricultura, em 2008, estimam em cerca de 10% as explorações agrícolas que praticam o circuito curto, i.e. 3 730 produtores, 2/3 dos quais instalados nos Departamentos do Loire-Atlantique e Maine-et-Loire, em que se regista um peso significativo da viticultura, sector onde a venda directa é frequente (42%), como se verifica na figura 2.

A noção de circuito curto alargou-se ao de “circuito de proximidade”, cujos apoiantes s~o designados como “locavores”, isto é, pessoas que consomem alimentos produzidos num raio entre 150 e 400 quilómetros do seu domicílio (Bégout et al., 2010). O termo “locavores”, criado em 2005 por Jessica Prentice, durante uma jornada mundial do ambiente, encontra-se representado na Europa pelas AMAP´s, em França (Freihöfe na Alemanha, CSA no Reino Unido) constituídas por um ou vários produtores que vendem directamente os seus produtos ao consumidor. Estas associações praticam a agricultura de proximidade e a agricultura biológica. No final de 2007 existiam 750 AMAP´s em França, que abasteciam 30 000 famílias, ou seja cerca de 90000 consumidores. Em 2010 eram já 1000 AMAP´s, dirigidas por 1 600 produtores e que abastecem cerca de 250 000 pessoas, perfazendo um volume de negócio estimado em 52 milhões de Euros (Bégout et al., 2010).

As AMAP’s s~o no fundo uma agricultura participativa, em que o consumidor individualmente ou organizado em comunidades, se compromete a adquirir, com regularidade, a produção do(s) agricultor(es). Pode tomar a forma de venda em cabazes (caso da TAIPA em Odemira) em que todas as semanas o cliente recebe em sua casa um conjunto de produtos hortícolas e frutícolas da época, ou assumir um grau de organização mais elaborado. Neste último caso (de que não tenho conhecimento exista alguma em Portugal e por isso apresento o exemplo da Alemanha) uma comunidade de consumidores organiza-se de forma a garantir o seu abastecimento em produtos alimentares diversos (pão, lacticínios, carne, hortícolas, frutas, tubérculos) ou apenas alguns (frutas, hortícolas e pão, por exemplo) directamente duma exploração (ou grupo de explorações). Os participantes no projecto fazem uma estimativa das suas necessidades alimentares ao longo do ano e o agricultor apresenta-lhes o respectivo orçamento, com a incumbência de lhes fornecer esses produtos no seu conjunto (não existe um preço por quilo e por produto). Os beneficiários abastecem-se consoante as suas necessidades, pagando a mensalidade que foi estipulada pela administração da comunidade de consumidores. Se, por acaso, algum membro perde o seu emprego ou enfrenta alguma dificuldade económica que o impeça de cumprir o seu pagamento, a comunidade solidariza-se e cobre as suas despesas. Uma vez mais se evidencia o espírito colectivo e solidário deste grupo de consumidores que, para além da sua fidelização ao(s) agricultor(es), que se sente(m) muito mais protegido(s) na actividade por o escoamento da produção estar garantido à partida, demonstra uma verdadeira mudança de atitude face ao outro, no sentido da entreajuda tão necessária nos tempos de crise que vivemos.

Os Parques Temáticos Os parques temáticos afiguram-se-me de interesse sobretudo para aqueles que gostam do

contacto com o público, especialmente com crianças. Os parques temáticos têm assumido uma importância crescente nos últimos tempos, não

apenas como espaços lúdicos mas também pedagógicos. Uma exploração agrícola, mesmo que pequena, pode oferecer aos jovens um espaço de lazer, onde lhes é explicada a aventura das plantas, de onde estas são originárias, quando foram introduzidas em Portugal, que plantas se encontram no jardim do padeiro, do farmacêutico ou, ainda, ensinar-lhes lendas, canções e jogos tradicionais que, de outra forma, correm o risco de desaparecer. Os labirintos de milho são presença obrigatória!

Como exemplo onde se poderão colher boas ideias, cito o primeiro parque temático lúdico e pedagógico consagrado ao vegetal, “Terra Botanica”, que trabalha directamente com as escolas. Trata- -se de um grande investimento financiado pela União Europeia, pelo Fundo Nacional de Planeamento e Desenvolvimento do Território e outros fundos regionais, que abriu em 2010 perto de Angers, França.

Para finalizar refiro as escolas da quinta, uma iniciativa que permite um contacto estreito com os mais pequenos e os seus professores ou encarregados de educação que, durante uma semana ou mais tempo, habitam na quinta e adoptam os seus ritmos. Levantar cedo, ordenhar a vaca, dar de

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comer aos animais, trabalhar na horta, na estufa, fazer pão, queijo, são algumas das rotinas que os vão ocupar durante a sua estadia e têm como objectivo contribuir para um melhor conhecimento da vida no campo, identificar as plantas, os animais, saber pormenores relacionados com a sua manutenção, assim como instilar um maior respeito, sobretudo na população urbana, por todos os que desempenham estas tarefas, garantindo assim o nosso abastecimento diário.

Que ilações retirar? No seu conjunto estas práticas contribuem para a revitalização duma fileira alimentar local,

para a construção de novas formas de comercialização e oferta de serviços que, equacionados numa abordagem holística, fomentam sinergias e dinâmicas muito interessantes no espaço rural.

Covas et al. (2009) designam-na de “agrocultura glocal”, uma nova cultura rural pós-agrícola ou pós-convencional que, segundo aqueles autores, associa a cultura da paisagem global em redor da agricultura, dos territórios primários e dos seus atributos mais essenciais, e está a chegar por diversas formas:

“ - novos valores sócio-culturais desencadeiam novas procuras e nichos de mercado; - a frequência, intensidade, gravidade e visibilidade dos problemas ambientais faz surgir

novos movimentos sociais e uma nova consciência ambiental que obrigam as autoridades a agir;

- as actividades de recreio e lazer promovem a redescoberta dos territórios e as suas potencialidades, mesmo os mais longínquos;

- a investigação biotecnológica e agroecológica abre um novo leque de possibilidades para as zonas rurais mais desfavorecidas;

- os mecanismos regulatórios e regulamentares acabam, também, à sua maneira, por segmentar os mercados e abrir novas possibilidades;

- a chegada de novos actores por via de uma crescente economia residencial é uma oportunidade para captar novos empreendedores agro-rurais;

- as alterações climáticas e os novos mercados do carbono, da biodiversidade, da água, são uma fonte de oportunidades para os territórios primários e as zonas rurais mais desfavorecidas”.

Cristóvão et al. (2009), num artigo em que descreve a sua experiência nos Estados Unidos, refere a mobilização existente naquele país em prole do consumo de produtos locais e o apoio à reconstruç~o e sustentabilidade de sistemas alimentares locais, que se consubstancia no slogan “Buy Fresh, Buy Local”. Independentemente de, como comenta, este movimento poder ser apenas “uma moda passageira”, penso que algo terá de mudar. Encontramo-nos hoje num ponto sem retorno face à degradação de alguns sistemas vitais. A sociedade tende a avançar para um comportamento mais ético, resultado de uma tomada de consciência global, que poderá assegurar a ainda lenta mas paulatina mudança de paradigmas, de que os exemplos aqui apresentados são testemunho.

Referências Anemiya, H. 2011. Genèse du Teikei – organisations et groupes de jeunes mères citadines, in Du Teikei

aux AMAP, le renouveau de la vente directe de produits fermiers locaux. Presses Universitaires de Rennes, 29-54.

Bégout, B. et al. 2010. Alim. Éditions Imho, Lassy les Châteaux, France. CESER. 2010. Les Circuits Courts Alimentaires: une démarche éco-citoyenne, Conseil Économique

Social Environnemental des Pays de la Loire, Études et Publications, nº 44, novembre <www.ceser.paysdelaloire.fr>.

Cloke, P. 2006. Conceptualizing Rurality. In: Cloke P. et al. (Eds.) The Sage Handbook of Rural Studies, Sage, London.

Covas, A. & Covas, M. 2009. A “agrocultura glocal”: os produtos “glocais” amigos do mundo rural, in Moreno L. et al. (coord.) Cultura, Inovação e Território. O Agroalimentar e o Rural, SPER, Lisboa, 17-25.

Cristóvão, A. et al. 2009. Comprar Fresco, Comprar Local: será que temos algo a aprender com a experiência americana? in Moreno L. et al. (coord.), Cultura, Inovação e Território. O Agroalimentar e o Rural, SPER, Lisboa, 27-34.

Dessein, J. & Bock, B. 2010. The Economics of Green Care in Agriculture. Cost Action 866. Green Care in Agriculture. Loughborough. Loughborough University. UK.

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FERS. 2001. Waldorf Education Worldwide. Freunde der Erziehungskunst Rudof Steiners e. V. Berlin, FERS, 70-71.

Floysand, A. & Jakobsen, S. 2007. Commodification of Rural Places: a narrative of social fields, rural development and football. Journal of Rural Studies, 23: 206-221.

Koepf, H. 1989. The Biodynamic Farm – agriculture in the Service of the Earth and Humanity. Anthroposophic Press Inc. Breinigsville, PA USA.

Saramago, J. 2006. Olhares outros. Colibri e ASTA. Sempik, J., Hine, R., & Wilcox, D. 2010. Green Care: A Conceptual Framework. COST Action 866 Green

Care in Agriculture. Loughborough: Centre for Child and Family Research, Loughborough University, UK.

Van Elsen T. (Ed.) 2009. European Manifesto on the Added Value of Social Farming, Pisa www.farmingforhealth.org/

Informação disponível em páginas electrónicas APPACDM - Associação Portuguesa de Pais e Amigos de Crianças Deficientes Mentais, Quinta da

Carapalha, Castelo Branco: <www.appacdm-castelobranco.org.pt>. ASTA - Associação Sócio-Terapêutica de Almeida, Alto da Fonte Salgueira, Cabreira: <www.assterapeutica.com>. Bolsa de Valores Sociais: <www.bvs.org.pt>. Casa de Santa Isabel, S. Romão, Serra da Estrela: <www.casasantaisabel.org>. Terra Botanica, parque temático sobre o vegetal: <www.terrabotanica.fr>.

Figura 1 - Venda directa de flores em exploração agrícola (Colha você mesmo), em Witzenhausen, Alemanha.

Figura 2 - Repartição das explorações em Circuito Curto, por fileira, em Maine-et-Loire. Fonte: Chambre Régionale d´Agriculture (2007), In: CESER (2010).

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ISBN: 978-972-8936-09-9