4 Comentário do Salmo 96 - DBD PUC RIO€¦ · · 2018-01-314 Comentário do Salmo 96 A crítica...
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4 Comentrio do Salmo 96
A crtica da forma possibilitou visualizar a estrutura do Sl 96 em trs sees,
cada uma com subsees simtricas no que diz respeito forma geral,
compreendendo um invitatrio e a descrio dos motivos do louvor modelo do
beschreibende Lob. Portanto, respeitando a proposta de estruturao, o comentrio
exegtico ser construdo por sees.
4.1 A primeira seo (vv. 1-6)
A partir da perspectiva das formas verbais e do sufixo de 3a pessoa,
masculino, singular () empregados na primeira seo (cf. Sl 96,1-6), entende-se que a estrutura bastante coesa, colocando nfase em YHWH, entendido como o
destinatrio do cntico novo (cf. vv. 1-2a) e o fundamento do contedo a ser
comunicado (cf. vv. 2b-3).
Predominam os verbos de comunicao no primeiro invitatrio (cf. vv. 1-3b),
que se inicia com o imperativo , conclamando a cantar para YHWH (cf. vv. 1ab.2a). O complemento preposicionado gera nfase nessa conclamao, enquanto o sintagma (cf. v. 1a) se apresenta como o aspecto do cntico, revelando que toda a terra (cf. v. 1b) convidada a entoar o cntico novo.
A orientao universal do Sl 96, prpria dos Salmos que cantam a realeza de
YHWH, tambm poderia sinalizar uma perspectiva mais ampla, expressa por meio
dos substantivos (cf. Sl 96,1b.3.4b.9b.12ab) e cf. Sl 96,11c) o desejo de) que todos participem da festa e do louvor, menos os deuses, pois so nada (cf. Sl
96,5a).232
4.1.1 O cntico novo (vv. 1-2b)
O substantivo tem como significado canto, cntico, e como verbo cantar.233 um termo recorrente no Saltrio, empregado, inclusive, como ttulo 232 Cf. G. BRUNERT, , GLAT, vol. IX, p. 211. 233 Cf. F. BROWN S. DRIVER C. BRIGGS, , BDB, p. 1010.
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de muitos Salmos.234 Verbal ou substantivamente, denota o louvor religioso e est relacionado a contextos clticos,235 ou com interesse pelo culto, embora
tambm ocorra em cnticos no religiosos (cf. Is 5,1; 23,16; Sf 2,14; Pr 25,20).236 A raiz ,por sua vez, usada como verbo no piel significa tornar novo ,
restaurar, reafirmar, contrastando com velho e antigo. O adjetivo tambm se refere ao estado de ser novo, ou quilo que no existia.237 Empregado no contexto
do exlio, tem relevncia em textos profticos do exlio ou muito prximos a ele,238
pois somente nesse tempo se fala de algo novo na histria das relaes de YHWH
com Israel.239
A primeira ocorrncia do sintagma no Saltrio se d no Sl 33,3 um Salmo de louvor ao criador e Senhor do universo.240 Empregado nos Salmos,
sempre em funo atributiva, possui seu sentido mais prximo quilo que tem elevada qualidade, e no tanto ao que quantitativamente distinto.241 denota algo sem uso, sem estrear, do qual ainda no se tem experincia (Dt 20,5; 24,5) e
que, por isso mesmo, mais apto para o uso ritual (1Sm 6,7; 2Sm 6,3) ou para ser
apresentado como oferenda (Lv 23,16; Nm 28,26).242
No Dt-Is e no Tr-Is o adjetivo empregado em virtude das coisas novas243 anunciadas pelo(s) profeta(s), aquelas com origem divina, pois YHWH
quem faz surgir, na histria, coisas novas (cf. Is 42,9; 43,19; 48,6); Ele pronuncia
o nome novo da cidade (cf. Is 62,2); Ele cria novos cus e novas terras (cf. Is
65,17; 66,22).
pode aparecer sozinho no cabealho do Salmo (cf. Sl 46,1), mas muitas vezes ocorre junto 234com (cf. Sl 48,1; 67,1; 88,1; 108,1), que significa Salmo. Possivelmente h uma diferena maior entre os dois termos. Contudo, os rabinos, no Midrash dos Salmos, compreendem como Salmo com acompanhamento instrumental, e como um Salmo cantado pelo coral (cf. V. P. HAMILTON, , In: HARRIS, R. ARCHER, G. L. Jr. WALTKE, B. K. (orgs.). DITAT. So Paulo: Vida Nova, 1998. n. 2377-2378, p. 1552-1554). 235 Cf. L. C. ALLEN, , NDITEAT, vol. IV, 8876, p. 99-100. 236 Cf. R. FICKER. In: E. JENNI C. WESTERMANN. TLOT. Peabody, Massachusetts: Hendrickson, 1997. p. 1639 237 Cf. Dt 20,5; 1Sm 6,7; 1Rs 11,29; 1Rs 11,29. 238 Cf. Jr 31,31; Ez 11,19; 18,31; Is 42,9; 65,67. 239 Cf. C. WESTERMANN, , TLOT, p. 527-529; Cf. R. NORTH, , GLAT, vol. II, p. 824. 240 Cf. H.-J. KRAUS, Los Salmos, vol. I, p. 573-574. 241 O termo expressa a noo daquilo que quantitativamente distinto. 242 algo sin uso, sin estrenar, de lo que an no se tiene experiencia (Dt 20,5; 24,5) y que, por eso mismo, es ms apto para un uso ritual (1S 6,7; 2S 6,3) o para ser presentado como ofrenda (Lv 23,16; Nm 28,26) (J. M. BLUNDA, La proclamacon de Yhwh rey, p. 99-100). 243 Cf. Is 42,9; 43,19; 48,6; 62,2; 65,17; 66,22.
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O substantivo empregado em cnticos escatolgicos, como Sl 98,1; 149,1; Is 42,10, em um anncio que antev a obra a ser realizada por YHWH. E por
com o qual forma o sintagma, oportuniza , ser tratado junto com o adjetivo uma discusso de carter ambivalente sobre o Sl 96: a) por um lado, a acentuao
da dimenso escatolgica244; b) por outro lado, uma expanso no horizonte da sua
compreenso:245
a) a perspectiva escatolgica parece se acentuar porque o contexto literrio
do Sl 96 muito prximo ao Dt-Is. A novidade anunciada no sintagma de Is 42,10, por exemplo, tem cunho escatolgico, pois fala da vinda de YHWH como
um heri, ou seja, refere-se novidade das aes de redeno e libertao que sero
executadas por YHWH.246 Por isso, um canto que revela coisas novas, no como
uma renovao ou mudana de algo existente, mas a totalmente nova ao salvfica
de YHWH (cf. Is 48,7; 42,9).247
Portanto, a interveno de YHWH que fundamenta o sintagma (Is 42,10),248 e o cntico novo a reao ao de YHWH que como valente sair;
como o homem de guerras despertar seu zelo. Clamar, assim gritar; sobre o seu
inimigo mostrar fora (Is 42,13).
Desse modo, pela proximidade com o Dt-Is, poder-se-ia afirmar que o Sl 96
tambm exprime uma novidade irrepetvel, inclusive com qualidade
escatolgica,249 e o sintagma denotaria um salmista agindo com o mesmo esprito do Dt-Is que revelava verdadeiras novidades para os desterrados (cf. Is
42,9-10; 43,19; 48,6).250
Pensando assim, o Sl 96 pode ser considerado o canto escatolgico que rompe
as categorias do espao e do tempo e tudo abarca. Inclusive a majestade de YHWH
exaltada acima de todo o mundo como criador e juiz, devendo ser exaltado por
244 Para a discusso a respeito da escatologia no Antigo Testamento, veja-se M. L. C. LIMA, Salvao entre Juzo, Converso e Graa: A Perspectiva escatolgica de Os 14,2-9. Roma: Editrice Pontificia Universit Gregoriana, 1998, p. 15-63; R. P. MERENDINO, Io sono il primo e io sono lultimo! Siete voi i miei testimoni (Is 44,6b.8) Note sullescatologia deuteroisaiana. In: Parola spirito e vita. Quaderni di lettura biblica, n. 8 maranatha. Bologna: EDB, 1991, p. 39-54. 245 Cf. L . C. ALLEN, , NDITEAT, vol. IV, 8876, p. 100. 246 Cf. M. E. TATE. Psalms 51100. Word Biblical Commentary, v. 20. Dallas, Texas: Word Books, 1990. p. 513. 247 Cf. R. NORTH, , GLAT, vol. II, p. 821-822. 248 Cf. M. J. STEUSSY. Psalms. Danvers, Massachusetts: Chalice, 2004. p. 167. 249 Cf. G. RAVASI, Il libro dei Salmi, vol. II, p. 1002. 250 Cf. L. ALONSO SCHKEL C. CARNITI, Salmos, vol. II, p. 1209-1210.
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todos os que lhe so submissos torna-se material fundamental para atestar a ndole
escatolgica desse Salmo.251
b) entretanto, o emprego do sintagma no Sl 96 ajuda a expandir o horizonte da discusso, pois pensar que se refira apenas dimenso escatolgica e
que tenha o fim do exlio como nico marco da novidade cantada no sintagma
significa reduzir o horizonte de sentido do adjetivo e do prprio sintagma. Isso porque praticamente impossvel definir se h apenas uma nica ao divina na sua
origem, e qual seria essa ao, visto que YHWH sempre foi o salvador de Israel, e
suas aes sempre foram dignas de louvor.252
O emprego de (cf. Sl 96,1b) pode ser uma referncia a Israel253. Contudo, justo considerar a possibilidade de indicar toda a humanidade como a
convidada a cantar o cntico novo,254 ou seja, tambm seria o por causa dos chamados a ento-lo: no s Israel, mas toda a humanidade.255
Por isso, constata-se um aspecto caleidoscpico no contexto da ocorrncia de
que sugere uma novidade escatolgica (cf. Sl 96,10c-13), mas tambm aponta para um evento concludo (cf. Sl 96,5a.10bc).256
Considerar essa novidade do Sl 96 como referncia ao cuidado e providncia
de YHWH que nunca cessam e, pelo contrrio, se renovam diariamente, tambm
pode reduzir a amplitude do significado de 257. Sendo assim, relevante pensar em uma novidade motivada pela origem e
contedo desse cntico, ou seja, a novidade que tem origem divina e rompe todas
as fronteiras de tempo e espao, com forte carter universal a justia e a salvao
de YHWH que no conhecem fronteiras. E a novidade anunciada na abertura do
251 Cf. H.-J. KRAUS, Los Salmos, vol. II, p. 376-377. 252 T. Mascarenhas (The missionary function of Israel, p. 201) apresenta a concluso de alguns estudiosos sobre o motivo deste cntico novo e cita: Herkenne, Castellino, Cursi, e Kalt, para os quais o motivo do seria uma aluso ao contexto da volta dos exilados e reconstruo do templo, eventos que revelariam que YHWH no havia abandonado seu povo nem esquecido da promessa; Briggs, que pensa se referir a alguma transformao no mundo, fruto de uma interveno divina, provavelmente a queda do imprio Persa por Alexandre Magno; Tate, que fala de uma possvel celebrao de uma vitria militar; Longman, para o qual o est relacionado a um contexto de guerra. 253 Sobre o sintagma , cf. p. 86-88 desta dissertao. 254 Cf. T. MASCARENHAS, The missionary function of Israel, p. 171. 255 Cf. L. ALONSO SCHKEL C. CARNITI, Salmos, vol. II, p. 1210. 256 Cf. T. MASCARENHAS, The missionary function of Israel, p. 171-173; R. NORTH. , GLAT, vol. II, p. 820. 257 Cf. T. MASCARENHAS, The missionary function of Israel, p. 171.
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Sl 96 como prolepse do seu contedo, isto , depende de tudo o que anunciado no Salmo.258
Aps o enftico convite , o primeiro invitatrio (cf. vv. 1-3) apresenta uma sequncia de verbos no piel. O primeiro (cf. v. 2b)259. Os demais, tm um forte aspecto de comunicao como elemento comum: (cf. v. 2c), (cf. v. 3a).
O verbo tem o substantivo por objeto direto (cf. v. 2b), que significa nome, fama, notoriedade.260 Geralmente, relacionado a YHWH e ocorre em contexto litrgico no sacrifical, mas marcado pela fala como no Sl
96,2b.261
Principalmente na obra deuteronomista, parece representar a presena personificada de YHWH que faz habitar (262( ou coloca (263( seu nome no lugar escolhido.264 Ele mesmo santifica uma casa para fazer seu nome habitar.265
A primeira ocorrncia de no Sl 96 se d aps a sequncia do Tetragrama Sagrado (cf. vv. 1a-2a), e o contexto do primeiro invitatrio (cf. vv. 1-3) revela a
intercambialidade entre e o Tetragrama Sagrado, pois os segmentos continuam apontando os feitos de YHWH (cf. vv. 2c-3). Assim, conclui-se que denota o louvor prestado a YHWH, ao mesmo tempo em que atualiza a presena de
YHWH.266
O verbo pode ser traduzido, entre outros sentidos, como ajoelhar-se e abenoar.267 Os estudos etimolgicos consideravam apenas uma raiz , e, portanto, a bno era entendida como o desenvolvimento do se ajoelhar diante
258 Cf. T. MASCARENHAS, The missionary function of Israel, p. 172; J. M. BLUNDA, La constituicin de YHWH rey, p. 99. 259 Essa dissertao considerou o verbo parte dos verbos (cf. v. 2c) e (cf. v. 3a), pois ainda que possa ser compreendido como verbo de comunicao, no h nele o mesmo peso comunicativo dos demais verbos. 260 Cf. F. V. REITERER, , GLAT, vol. IX, p. 461-462. 261 Cf. A. S. van der VOUDE, , TLOT, p. 1689. 262 Cf. Dt 12,11; 14,23; 16,2.6.11; 26,2. 263 Cf. Dt 12,5.21; 14,24. 264 T. RMER. A chamada histria deuteronomista: introduo sociolgica, histrica e literria. Petrpolis: Vozes, 2008. p. 62-63. 265 Cf. 1Rs 3,2; 5,17.19; 8,17-20.44; 9,3.7; 2Sm 7,13; tambm em 1Cr 6,20; 22,7-10.19; 29,16; 2Cr 2,3. 266 Cf. F. V. REITERER, , GLAT, vol. IX, p. 467. 267 Cf. L. ALONSO SCHKEL, , DBHP, p. 119.
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de.268 Ou seja, a bno seria o ato de louvar o superior de joelhos dobrados, ou
de se ajoelhar para receber a bno de quem superior (pai, me, divindade).269
De modo geral, os povos do AOP buscavam a bno da divindade, pois
acreditavam no seu efeito. E Israel tambm acreditava que uma vida com a bno
de YHWH era sinal de fecundidade e felicidade (cf. Gn 9,1.7; Ml 3,10; Sl 107,38).
Mas qual o alcance de (v. 2b)? Literalmente, o emprego do verbo no imperativo piel denotaria a ao da pessoa ao bendizer YHWH, como em
Gn 24,48: e bendisse YHWH, Deus de meu senhor Abrao. Porm, pode a pessoa abenoar YHWH?270 No Gn 24,48 expressa o ato de louvar YHWH por algo propiciado na vida da pessoa que presta
o louvor.
De modo geral, , no piel, indica o respeito, reconhecimento, apreo da pessoa que o pronuncia em favor de outro que lhe maior. Portanto, quando YHWH
o objeto, deve ser associado ao louvor ou a uma expresso anloga271, e no o ato de, literalmente, abenoar. Por isso, revela a atitude da pessoa que reconhece a grandeza de YHWH e cr para, ento, anunciar aquilo que acredita.
4.1.2 Os verbos e no primeiro invitatrio (vv. 2c-3)
Nos vv. 2c-3b h uma sequncia bem estruturada, com os verbos imperativos
no piel, com forte aspecto de comunicao como elemento comum: (v. 2c), (v. 3a).
O complemento adverbial (cf. v. 2b) indica o aspecto temporal em que o anncio deve ocorrer: constantemente. Os complementos preposicionados
,cf. v. 3b) apontam o mbito do anncio, ou seja) cf. v. 3a)272 e)
268 M. L. Brown comenta que os estudos etimolgicos mais antigos consideravam apenas uma raiz ,cf. M. L. BROWN) , NDITEAT, vol. I, 1385, p. 733) e cita como exemplo o lxico de BDB (cf. C. Briggs, , BDB, p. 138-139). Quando afirma que grande parte dessa especulao foi rejeitada cita L. ALONSO SCHKEL, que apresenta dois empregos para a raiz (cf. L. ALONSO SCHKEL, , DBHP, p. 119). 269 Cf. C. WESTERMANN, , TLOT, p. 373-374. 270 A possibilidade de abenoar YHWH no foi sempre bvia, tanto que essa temtica rara nos profetas (Cf. C. WESTERMANN, , TLOT, p. 374-375; J. SCHARBERT, , GLAT, vol. I, p. 1675-1676). 271 J. SCHARBERT, , GLAT, vol. I, p. 1675-1678. 272 Nessa dissertao, (cf. vv. 3a.10a) traduzido por nao, pois o termo mais preciso para se referir ao povo no sentido poltico, social e territorial (cf. G. J. BOTTERWECK, , GLAT,
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o aspecto espacial, enquanto os substantivos (cf. v. 2c), cf. v. 3a) e) ,cf. v. 3b)273 constituem o contedo.274 O sufixo de 3a pessoa, masculino) singular () em cada um dos substantivos aponta a origem do contedo: YHWH.
A raiz tem como significado trazer boas notcias, anunciar. Na Bblia hebraica, um termo com relevante ocorrncia no Dt-Is e Tr-Is275, sendo o verbo traduzido pela Septuaginta como .276
Principalmente nos livros de Samuel e Reis, usado em contexto profano. No Saltrio, sobretudo, tem sentido teolgico-religioso: anuncia uma ao
salvfica de YHWH (cf. Sl 68,12), e no mbito cultual anuncia a sua grandeza (cf.
Sl 40,10; Sl 96,2c), em estilo de profisso de f.277
De modo geral, tanto no Dt-Is quanto no Saltrio278, o verbo refere-se proclamao de uma boa notcia comunicada em lugar destacado e a um grande
pblico: na grande assembleia (cf. Sl 40,10); sobre o alto monte, nas cidades de
Jud (cf. Is 40,9); em Jerusalm (cf. Is 41,27); em Sio (cf. Is 52,7).
Assim, no Sl 96,3, o verbo empregado no mesmo esprito do Dt-Is. Mas, como est no mesmo campo semntico de (cf. v. 3a), compreende-se que
se refere boa notcia que deve ser anunciada a um pblico ainda mais amplo todos os povos e naes (cf. Sl 96,3). E comunica algo realizado, com efeito
decisivo no presente para o anncio e para a escuta da mensagem a ser
proclamada.279
A raiz , entre seus significados no piel, indica narrar, elencar, enumerar, anunciar, e goza de relevncia teolgica no Saltrio, sendo um ato
verbal de louvor e adorao280. O contedo da sua comunicao a ao salvfica
de YHWH, que no apenas descrio de um fato etreo, mas proclamao
vol. I, p. 1971-1986). O substantivo (cf. vv. 3b.5a.7a.10c.13c) empregado em paralelismo sinonmico com (Cf. E. LIPISKI, , GLAT, vol. VI, p. 819-820). 273 Trata-se de um verbo nifal particpio, feminino, plural, na forma construta, com o sufixo de 3a pessoa, masculino, singular (), com funo de substantivo (cf. JM, 121, k; J. CONRAD, .(GLAT, vol. VII, p. 131-132 ,274 Cf. J. M. BLUNDA, La constituicin de YHWH rey, p. 104-105; M. LEE, An exegetical study of Psalm 96, p. 65-66. 275 Cf. Is 40,92; 41,27; 52,72; 60,6; 61,1. 276 Cf. S. T. HAGUE, , NDITEAT, vol. I, 1430, p. 1414. 277 Cf. O. SCHILLING, , GLAT, vol. I, p. 1727. 278 Cf. Sl 40,10; 68,12. 279 Cf. W. BRUEGGEMANN. Israels praise: doxology against idolatry and ideology. Philadelphia, Pennsylvania: Fortress, 1988. p. 31-32. 280 M. ROOKER, , NDITEAT, vol. III, 6218, p. 286.
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acompanhada dos louvores e com relevncia teolgica, pois narra-se o perdurvel
feito salvfico de YHWH.281
De fato, o contedo do anncio dos vv. 2c-3b remete a eventos concretos.
Primeiramente com a de YHWH, que deve ser proclamada constantemente (cf. v. 2c). No Saltrio, a raiz empregada em praticamente todos os gneros literrios, remetendo a um feito de YHWH realizado ou a se realizar.282
E no geral da Bblia hebraica, a raiz refere-se s aes salvficas realizadas por YHWH (cf. Ex 14,13.30). Inclusive o substantivo tema do canto de
vitria na sada da escravido do Egito: minha fora e msica YHWH; e para
mim, para a salvao (). Esse meu Deus e o glorifico (Ex 15,2). No v. 3a o contedo a ser comunicado.283 Essa raiz tem, entre outros
significados, o sentido de peso, ser pesado, honra, glria, respeito,
importncia. Aponta para aquilo que se reconhece no outro, e no para o que se
confere (como uma condecorao) isso facilita a compreenso de que o de YHWH diz respeito sua manifestao na histria: o revelar-se de Si para o ser
humano.284
tambm tem sentido de magnificncia, glria, semanticamente prxima aos termos (cf. Sl 29,1; 63,3; 96,6b), e (cf. Sl 8,5; 25,6; 96,6a), cf. Ex 28,2.40; Sl 96,6b). Termos especialmente aplicados a YHWH ou ao) rei (cf. Sl 104,1; 21,6).285
Ressalta-se a importncia do termo no xodo286 alm do seu emprego no contexto do ps-exlio, quando assume dimenso universal todo o mundo ver a glria de YHWH, e no apenas Israel (cf. Is 40,5; Sl 96,3)287. Contudo, um
281 Cf. J. CONRAD, , GLAT, vol. VI, p. 263. 282 R. L. HUBBARD, , NDITEAT, vol. II, 3828, p. 558-560. 283 J. W. McKay (My glory: a mantle of praise. Scottish Journal of Theology. 31, 1, p. 167-173. 1978. p. 167-168) fala da possibilidade desse substantivo tambm ser traduzido como fgado, que seria referncia ao rgo humano responsvel pelo controle das emoes. L. Alonso Schkel (, DBHP, p. 305) tambm adverte para a possibilidade de, em muitos casos, ser uma adaptao espiritualizante de . Contudo, nessa dissertao, optou-se pela traduo glria, j que os motivos literrios indicam a manifestao de YHWH. 284 Cf. M. WEINFELD, , GLAT, vol. IV, p. 186.191-192.198; R. P. TORQUATO, Malkut Adonaj, p. 144-145. 285 Cf. M. WEINFELD, , GLAT, vol. IV, p. 191-192. 286 Cf. Ex 14,4.17.18 travessia do mar; Ex 16,7.10 man; Ex 24,16.17 Sinai; Ex 33,18-23 bezerro de ouro. Todas essas ocorrncias referem-se atuao e presena de YHWH enquanto o povo marchava rumo terra prometida. 287 Segundo M. Weinfeld (, GLAT, vol. IV, p. 201-202), em Is 4066 e no saltrio os termos .(justia de YHWH e salvao so praticamente sinnimos (cf. Is 58,8; 62,14 ,
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aspecto de grande relevncia que nos contextos mencionados o de YHWH relacionado sua atuao salvfica na histria. Portanto, depreende-se que a glria
est vinculada libertao288, como expresso em Is 40,3-5:
Uma voz que clama no deserto: preparai o caminho de YHWH. Aplainai na estepe a estrada para nosso Deus. Todo vale seja aterrado e todo monte e colina sejam baixados. E seja plano o tortuoso e plancie os escabrosos. Ento se manifestar o .(...) YHWH, e toda carne, ao mesmo tempo, o ver
Finalizando o primeiro invitatrio, no v. 3b, o verbo elipsado289 tem diz respeito ao ,como contedo a ser comunicado. De modo geral salvfica de YHWH. E h um aspecto experiencial fundamental: revela a reao do
ser humano a um ato praticamente inimaginvel e at impossvel. a possibilidade
propiciada por YHWH em uma situao em que j no se acreditava existir
esperana, como na histria de Sara (cf. Gn 18,9-16).290
Recordar as de YHWH equivale a uma profisso de f em Israel (cf. Sl 78,4.12; 105,5), e esquec-las evidencia a apostasia (cf. Sl 78,32; 106,7; Ne
9,17).291 Deduz-se, portanto, que recordar as no significa trazer mente os milagres, mas a atuao de Deus que vem ao encontro do homem na sua aflio
concreta abrindo-lhe possibilidades novas292.
Com essa discusso, ressalta-se que os verbos de comunicao do primeiro
invitatrio reforam o carter missionrio de Israel, seu compromisso em
anunciar a prpria experincia salvfica realizada por YHWH, momento em que
revelou a sua honra e esplendor (v. 6a) e constituiu Israel como mediador da
bno entre todas as naes, concretizando Gn 12,1-3.293
E o anncio se realiza com caractersticas universalistas, indicados pelos
complementos preposicionados (cf. v. 3a) e (cf. v. 3b), mostrando qual o mbito da misso de Israel: todos os povos, ou toda a humanidade.294
288 R. P. TORQUATO, Malkut Adonaj, p. 145. 289 Cf. W. D. TUCKER Jr. Hortatory discourse and Psalm 96. VT. 61, 1, 119-132, 2011. p. 127. 290 Cf. R. ALBERTZ, , TLOT, p. 1237. 291 Cf. R. ALBERTZ, , TLOT, p. 1237-1238. 292 R. P. TORQUATO, Malkut Adonaj, p. 166. 293 Cf. J. M. BLUNDA, La constituicin de YHWH rey, p. 108. 294 Se houvesse grande evidncia para entender somente a partir de seu sentido poltico-social, e no aspecto religioso, concluir-se-ia que os dois termos indicam o anncio da soberania de YHWH sobre as potncias religiosas, polticas e jurdicas (Z. A. SILVANO, Estudo exegtico do Salmo 96, p. 27). Contudo, mais evidente o uso em paralelismo sinonmico entre e (cf.
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4.1.3 YHWH o criador, superior a todos os deuses (vv. 4-6)
Os vv. 4-6 formam a primeira subseo descritiva. Nela so apresentados os
motivos pelos quais YHWH deve ser anunciado entre as naes ( cf. v. 3a) e entre todos os povos ( cf. v. 3b). Encontra-se a partcula com funo explicativa295 (cf. vv. 4a.5a), e uma sria de oraes nominais (cf. vv. 4-6).
Entre essas oraes nominais, uma se diferencia: no v. 5b ocorre a estrutura
frasal w-x-qatal, correspondente orao nominal complexa.296 Se o qatal
precedido de um elemento nominal ou adverbial (x), com ou sem (w), ele serve para comentar algum aspecto da orao principal precedente, ou, ento, expressa
uma ao como background da orao anterior, como se a orao anterior
dependesse do que a orao w-x-qatal afirma,297 ou se comunicasse uma
informao explicativa necessria para o desenvolvimento do tema298.
A estrutura w-x-qatal, geralmente, empregada no segundo hemistquio,
quase sempre em posio de paralelismo com a orao anterior, e acentuando o
contraste.299 Assim, evidencia-se o propsito do salmista em marcar a quebra na
sucesso das oraes nominais (cf. vv. 4-5a) com a orao w-x-qatal do v. 5b que,
enfatizada pela conjuno com valor adversativo, chama a ateno para o sujeito YHWH que est na segunda posio, e revela o contraste: se, por um lado, todos
os deuses dos povos so nada (v. 5a), por outro lado, YHWH maior e capaz de
tudo criar (v. 5b).
H.-L. HOSSFELD E. ZENGER, Psalms, vol. II, p. 465; E. GERSTENBERGER, Psalms and Lamentations, p. 187) 295 A duplicao da partcula d motivo para se pensar em um acrscimo redacional, cujo objetivo seria introduzir a polmica com os dolos, justamente em uma seo que fala sobre a grandeza de YHWH. Essa hiptese tambm considera a interrupo da sequncia de frases nominais (cf. v. 4) e a mudana de sujeito (cf. F.-L. HOSSFELD E. ZENGER, Psalms, vol. II, p. 464; R. P. TORQUATO, Malkut Adonaj, p. 334, nota 178). 296 Essa concluso foi proposta a partir da anlise verbal da prosa, e no da potica hebraica (cf. NICCACCI, A., Sintaxis del hebreo bblico, p. 44, 20). Contudo, como a prosa e a poesia so expresses de um mesmo sistema lingustico, no apresentaro profundas discrepncias entre si (cf. M. L. C. LIMA. Os valores do verbo hebraico na literatura proftica: colocao do problema e possvel metodologia para o estudo do tema. In: ATeo. Ano VIII, n. 18, set/dez. 2004, p. 415-416). 297 Cf. W. D. TUCKER Jr., Hortatory discourse, p. 127; A. NICCACCI, Sintaxis del hebreo bblico, p. 44, 20-21; p. 33-35, 9. 298 explanatory information necessary for the development of the theme (S. J. FLOOR. Poetic fronting in a wisdom poetry text, In: W. D. TUCKER Jr., Hortatory discourse, 127). 299 Cf. F. J. DEL BARCO DEL BARCO, Sintaxis verbal, p. 185.
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Soma-se, ainda, outro elemento que tambm aponta para a nfase na
superioridade de YHWH: a duplicao da partcula na subseo (cf. vv. 4a.5a), cujo objetivo seria introduzir a polmica com os dolos.300
Nos vv. 4a.5b ocorre o Tetragrama Sagrado, enquanto nos vv. 4b.5a. h o
sintagma . Os dois termos unem as frases iniciadas pelas partculas e introduzem o quiasmo.301 No v. 4b h o pronome que se refere a YHWH. Contudo, observa-se que os vv. 4b.5a concentram as afirmaes sobre os deuses
dos povos, desprivilegiando-os, enquanto os vv. 4a.5b consideram a grandeza de
YHWH.302
Desse modo, os vv. 4a.5b sugerem a moldura, afirmando de modo enftico a
superioridade de YHWH em relao aos deuses dos povos que no so apenas
desprivilegiados de grandeza, mas at zombados, como sugere a paronomsia303
entre os dois termos que fecham os vv. 4b.5a:
4a
4b 5a 5b
Os trs adjetivos , e (cf. v. 4)304 so predicados que salientam ainda mais a grandeza de YHWH. So atributos sobre os quais o louvor
e o anncio se fundamentam. Assim, a grandeza de YHWH, acentuada no anncio
dos feitos (cf. vv. 1-3), ainda mais enfatizada no v. 4, inclusive com a comparao
com os deuses dos povos.305
300 F.-L. Hossfeld E. Zenger (Psalms, vol. II, p. 464) e R. P. Torquato (Malkut Adonaj, p. 334, nota 178) afirmam que o v. 5a pode-se tratar de acrscimo redacional. 301 Cf. P. VAN DER LUGT, Cantos and strophes, p. 72. 302 O v. 5b traz: porm, YHWH [os] fez cus. O normal seria encontrar a afirmao porm, YHWH fez os cus e a terra. Mas como o v. 5 compreendido dentro da comparao com os deuses, possvel que fosse um meio de desprivilegi-los ainda mais. Seria como afirmar que, de fato, eles so apenas manufatura terrena, e no seres celestes, pois os cus foram feitos por YHWH (cf. L. ALONSO SCHKEL C. CARNITI, Salmos, vol. II, 1998, p. 1210; F.-L. HOSSFELD E. ZENGER, Psalms, vol. II, p. 465). 303 Cf. L. ALONSO SCHKEL, Manual de poetica hebrea, p. 47-49; W. G. E. WATSON, Classical hebrew poetry, p. 239-241. 304 Trata-se de atributos que apontam para a onipotncia do Rei ttulos reais (cf. R. P. TORQUATO, Malkut Adonaj, p. 143-144; Z. A. SILVANO, Estudo exegtico do Salmo 96: anlise cannica, p. 28). 305 Cf. J. M. BLUNDA, La constituicin de YHWH rey, p. 105.
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O v. 6 continua a estrutura de oraes nominais e a descrio da grandeza de
YHWH, com o emprego de duas duplas de termos (v. 6a) e (v. 6b), que esto em paralelismo sinonmico.306 Diferentemente dos versculos
anteriores, o v. 6 no descreve, propriamente, aes de YHWH, mas enumera seus
atributos rgios.307
(tambm se encontra em referncia ao rei davdico (cf. Sl 21,6; 45,4 e aos atributos das vestes reais que envolvem YHWH (cf. Sl 104,1) e qualificam
suas obras (cf. Sl 111,3), que expressam sua realeza divina. Ou seja, manifestam
suas aes histricas que so narradas atravs da geraes (cf. Sl 145,5.12).308
As locues com duas duplas de atributos (v. 6a) e (v. 6b) tambm so interpretadas como personagens que rodeiam o soberano e o
assistem no , como se fossem os soldados do soberano.309 Os atributos do v. 6b, qualificam o santurio, pois l habita
YHWH.310 Sobre isso, levanta-se uma questo: qual a localizao desse santurio?
celeste, ou terreno? Lendo-se no interior da primeira seo do Sl 96, deve-se afirmar que o santurio celeste. Mas, caso esteja relacionado segunda seo do Sl 96, vinculado aos vv. 7-9, denota-se a referncia ao templo
de Jerusalm, ou seja, o santurio terrestre.311
Por isso, ainda que a dupla de termos esteja relacionada ao contexto dos deuses, cus e criao da primeira seo, sempre empregada no Saltrio312 em relao ao templo terreno. Portanto, o santurio de
306 Ao estudar o Sl 29, D. Pardee (On Psalm 29: structure and meaning. In: P. W. FLINT P. D. MILLER Jr. [eds.]. The book of Psalms: Composition and reception. VTSup, vol. 99. Danvers, Massachusetts: Brill, 2005. p. 179) fala da possibilidade de o Sl 96 ser tratado como a expanso e reviso do Sl 29, culminando com o paroxismo de paralelismo sinonmico presente no Sl 96,6, no qual e (cf. Sl 29,1-2) so dispostos em paralelo no Sl 96,6 e so expandidos com outros atributos de YHWH. 307 Cf. J. M. BLUNDA, La constituicin de YHWH rey, p. 106-107. 308 Cf. J. M. BLUNDA, La constituicin de YHWH rey, p. 107; G. RAVASI, Il libro dei Salmi, vol. II, p. 1004. 309 Cf. L. ALONSO SCHKEL C. CARNITI, Salmos, vol. II, p. 1210; A. WEISER, I Salmi (61-150), p. 693-694. 310 J. M. Blunda (La constituicin de YHWH rey, p. 108) pensa que esses dois atributos podem aludir a presena da arca da aliana presente no santurio, pois em alguns textos da Bblia Hebraica refere-se arca (cf. Sl 78,61; Lm 2,1), assim como (cf. Sl 132,8; 2Cr 6,41). Porm, tambm questiona o motivo pelo qual o cronista substituiu pela dupla menos frequente na (cf. 1Cr 16,27). Porm, o referido autor no apresenta soluo para essa questo da mudana ocorrida em 1Cr 16,27. 311 Cf. Z. A. SILVANO, Estudo exegtico do Salmo 96: anlise cannica, p. 31-32. 312 Cf. Sl 68,36; 73,17; 74,7; 78,69; 96,6.
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YHWH (cf. v. 6b) aponta para a superao da distncia entre o cu e a terra, mas
no anula a transcendncia de YHWH313.
4.2 A segunda seo (vv. 7-10)
A segunda seo tem incio com uma sequncia de oito verbos no imperativo
plural (cf. vv. 7-10a), em posio absoluta314. Conforme o que se apresentou na
crtica da forma, essa estrutura 0-ivo caracterizada como conclamao ao louvor,
com a sequncia que aponta para: o reconhecimento do louvor que devido a
YHWH (cf. vv. 7-8a), a expresso ritual, de ordem prtica (cf. vv. 8b-9) e o anncio
verbal (cf. v. 10b).315 O incio da segunda seo muito prximo ao Sl 29, sendo possvel afirmar
a dependncia do Sl 96 em relao ao Sl 29, considerado mais antigo316:
Dai para YHWH, filhos dos deuses, 29,1a
dai para YHWH glria e fora. 1b
Dai para YHWH a glria do nome dele. 2a
Inclinai para YHWH em honra de santidade. 2b
De fato, o Sl 29,1-2 praticamente reproduzido no Sl 96,7-8a.9a. H, porm,
uma diferena considervel: enquanto o Sl 29,1a diz , o Sl 96,7a traz possivelmente uma alterao consciente, com a inteno de endossar , o monotesmo.317
313 la superacin de la distancia entre el cielo y la tierra, pero no anula la trascendencia de Yhwh (J. M. BLUNDA, La constituicin de YHWH rey, p. 106). 314 Somente o v. 8c apresenta a partcula (estrutura identificada como w-ivo). Mas como h uma cadeia 0-ivo (cf. v. 7a-8b) antecedendo a partcula do v. 8c, compreende-se que o d continuao sequncia da cadeia (cf. vv. 9a-10a). 315 Cf. J. M. BLUNDA, La constituicin de YHWH rey, p. 95. 316 A maioria dos autores concorda que o Sl 29 mais antigo em relao ao Sl 96 (cf. H.-J. KRAUS, Los Salmos, vol. II, p. 375.378; T. LORENZIN, I Salmi, p. 376; H.-L. HOSSFELD E. ZENGER, Psalms, vol. II, p. 465). Segundo H.-J. Kraus (Los Salmos, vol. I, p. 529-532), por exemplo, o Sl 29 um dos mais antigos Salmos do Antigo Testamento. Possui forma arcaica, muito prxima aos hinos cananeus. Alm disso, as imagens e concepes cananeias, que apresentam os deuses (Marduk; Enlil; Adad-Rammn) como deuses da tempestade, ou falam da voz de deuses ressoando do trono, so aplicadas a YHWH, superando, assim, os mitos cananeus. 317 Cf. T. MASCARENHAS, The missionary function of Israel, p. 67-69; E. TOV. Textual criticism of the Hebrew Bible. Minneapolis, Minessota: Fortress, 2001. p. 267-269.
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Alm de despojar os deuses de qualquer existncia pessoal, essa mudana de
cf. Sl 96,7a) transpe a cena da adorao) cf. Sl 29,1a) para) litrgica para o plano terreno, revelando que os adoradores de YHWH so pessoas
concretas. E h caractersticas de universalidade, ao estilo ps-exlico (cf. Is 66,21),
sugerindo a participao de todos os povos no culto ao Deus nico.318
4.2.1 A grandeza de YHWH e o mbito litrgico (vv. 7-9)
O invitatrio segue a mesma ordem da primeira seo, com o paralelismo
assimtrico em escala (cf. vv. 7-8a), com nfase no Tetragrama Sagrado e com a
delimitao de como o sujeito. Se no primeiro invitatrio (cf. v. 1b) o sujeito convocado para
proclamar o (cf. v. 1a) e tambm o responsvel pelo anncio entre as naes (cf. vv. 2c-3b), no segundo invitatrio as devem reconhecer a grandiosidade de YHWH (cf. vv. 7-8a), compor o grupo daqueles que se acercam
a YHWH na liturgia (cf. vv. 8b-9b) e anunciar entre as naes o seu reinado (cf. v.
10ab).319
O verbo imperativo , empregado na trcola dos vv. 7-8a, tem o sentido de ao320 em vista do reconhecimento dos feitos de YHWH em toda a histria. No
v. 7b, introduz o chamado para dar glria e fora, que expressa uma ideia complexa por meio da dupla de termos 321, j que pode ser entendido com funo adverbial, razo pela qual tambm poderia ser traduzido como dai glria
fortemente para YHWH. Nesse caso, ficaria mais evidente a hiperbolizao,
funo prpria da hendadis.322
318 Cf. T. MASCARENHAS, The missionary function of Israel, p. 178; J. M. BLUNDA, La constituicin de YHWH rey, p. 108-109; G. RAVASI, Il libro dei Salmi, vol. II, p. 1004-1005. 319 Cf. J. M. BLUNDA, La constituicin de YHWH rey, p. 392-393. 320 B. Tanner (Psalm 96: God will judge us; lets celebrete. In: N. deClaiss-Walford R. A. JACOBSON B. L. TANNER, The book of Psalms, p. 721) percebe um padro na ocorrncia desse verbo na Bblia Hebraica: sempre empregado na forma imperativa, como um chamado ao (cf. Gn 11,3.4.7; Ex 1,10), como um comando para dar, dito em contexto de desespero (cf. Gn 30,1; 47,15), e uma ordem para escolher sabiamente (cf. Dt 1,13; Js 18,4). 321 A conjuno tem vocalizao forte, com um qame. Mas um fenmeno normal na Bblia hebraica que, entre outros fatores, geralmente faz uso desse recurso quando ocorre a unio de palavras anlogas que so associadas (cf. JM, 104, d.). 322 Cf. W. G. E. WATSON, Classical hebrew poetry, p. 327-328.
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J os substantivos (cf. Sl 96,8a), objetos do imperativo , referem-se aos feitos e a presena de YHWH. Portanto, (v. 8a) o chamado para dar a glria que devida ao ser de YHWH, ou seja, reconhecer sua
presena e ao na histria. No o dar de quem aprisionou a glria, mas de quem
atingido por ela e a YHWH responde tributando-lhe a glria que lhe pertence.
a convocao a romper com o antigo (vida, crena) e reconhecer a grandeza de
YHWH que, como rei, sustenta, governa e julga todo o mundo.323
Os vv. 8b-9 evidenciam um ambiente litrgico, com expresses prprias do
culto: levar oblao, entrar nos trios, inclinar-se, danar (cf. vv. 8b-9). Tambm
chama a ateno as bcolas bem distribudas: primeiramente, duas oraes
imperativas coordenadas pela partcula (cf. v. 8bc), com ligeira sonoridade entre ah e aw no final dos segmentos; em seguida, outras duas oraes imperativas
(cf. v. 9ab) com assonncia no incio (hi) e sonoridade no fim (rec, de) dos
segmentos:
8b
s 8c 9a
9b
A conclamao para levar uma oblao (cf. v. 8b) e inclinar-se para YHWH
(cf. v. 9a) tambm reflete o esquema monrquico de tributao imposta pelos reis
aos seus vassalos,324 razo pela qual se acredita existir um tom religioso e poltico
na cena, pois ao tributarem ao Senhor, os representantes dos povos declaram-se
vassalos deste Rei universal (Sl 96,8a)325.
Contudo, prefere-se seguir uma proposta, tambm bastante difundida, que no
enfatiza o carter poltico dos vv. 8-9, pois no se trata de um tributo do vassalo,
mas um explcito ato de culto, visto que YHWH no representado no Sl 96 como
o rei que subjuga o povo ou outro rei.326
323 Cf. J. M. BLUNDA, La constituicin de YHWH rey, p. 394; T. MASCARENHAS, The missionary function of Israel, p. 179. 324 Cf. 1Rs 5,1; 2Sm 8,2.6; Is 60,5-7; Sl 68,30; 72,12. 325 R. P. TORQUATO, Malkut Adonaj, p. 335. 326 Cf. B. TANNER, In: N. deCLAISS-WALFORD R. A. JACOBSON B. L. TANNER, p. 721; G. RAVASI, Il libro dei Salmi, vol. II, p. 1005; T. MASCARENHAS, The missionary function of Israel, p. 179.
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Sob esse ponto de vista, novamente o carter da universalidade se torna
latente, inclusive atribuindo aos pagos privilgios rituais que eram exclusivos aos
israelitas, como a entrada nos trios (templo) de YHWH.327
Esse ambiente litrgico enfatizado principalmente nos vv. 8b-9a, propicia
melhor entendimento do imperativo (v. 9b), que pode ser traduzido como estremecei diante dele toda a terra, ou como danai diante dele.
A primeira opo leva em conta o aspecto do temor reverencial diante de YHWH,
no o terror e o pnico.328 A segunda opo, assumida nessa dissertao,
considera uma conclamao festiva, que adiantaria o tom festivo da terceira seo (cf. vv. 11-13), na qual toda a criao chamada a exultar diante de
YHWH.
Contrariamente a essa opo, pesa a leitura do v. 9b no conjunto da bcola v.
9ab, pois o v. 9a sugere um tom muito mais reverencial, quando conclama a
inclinar-se para YHWH. Favoravelmente, porm, pesa a importncia da dana,
movimento querido329, na histria e liturgia judaica, pois a dana um modo de
celebrar a vitria nas batalhas, a libertao e os feitos de YHWH em favor do seu
povo, a recuperao da alegria e a comunho com YHWH.330
4.2.2 YHWH reina: a segunda subseo descritiva (v. 10)
Desde a crtica do gnero, essa dissertao identificou o Sl 96 como um
louvor descritivo beschreibende Lob enriquecido com o tema do reinado de
YHWH.331 No entanto, ao contrrio da primeira seo, em que a subseo descritiva
delimitada de modo preciso pela partcula (cf. v. 4), na segunda seo no h elementos que evidenciem claramente a subseo descritiva.332
327 Cf. T. MASCARENHAS, The missionary function of Israel, p. 179. 328 Cf. A. BAUMANN, , GLAT, vol. II, p. 954. 329 Cf. M. GRENZER. O xodo e a dana: Salmo 114. In: L. A. FERNANDES M. GRENZER, Dana, terra, p. 151. 330 Cf. Jz 11,34; 1Sm 18,6-7; Ex 15,20-21; Sl 114,7-8; Jr 31,4. 331 Cf. WESTERMANN, C., Los Salmos de la Biblia, p. 105. 332 Essa dificuldade tambm base para as diferentes compreenses da forma do Sl 96. Conforme foi apresentado na crtica da forma (p. 43-44), uma proposta determina o v. 10 como uma seo parte, evidenciando o sintagma .
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Contudo, embora a estrutura frasal do v. 10a indique continuao da srie de
imperativos dos vv. 7-9, o imperativo (v. 10a) tem a funo de introduzir o contedo do anncio verbal (v. 10b), clmax da srie imperativa.333
Assim, o salmista no emprega a partcula , mas inicia a subseo com um verbo de comunicao , que tem como contedo a frmula de proclamao como ocorre em outras narraes sobre a monarquia (cf. 2Sm 15,10; 2Rs , 9,13).334
A introduo (v. 10a) cria nfase na orao nominal complexa do v. 10b, com estrutura x-qatal. Do ponto de vista do discurso e da narrao, a orao
verbal, no hebraico, segue a ordem verbo + sujeito. o tipo de estrutura que destaca
a ao do sujeito da frase. Mas tambm h a estrutura que segue a ordem sujeito +
verbo, como no v. 10b. Essa estrutura chamada de orao nominal complexa
procura evidenciar a relao entre o sujeito e a sua ao.335
Logo, conclui-se que o v. 10b prope uma quebra na sequncia da estrutura
frasal 0-ivo da segunda seo do poema, com a inteno de destacar YHWH como
sujeito do verbo , que equivaleria afirmar: somente YHWH quem reina e ningum mais.336
E no se trata apenas de um acontecimento presente, mas ao duradoura: o
passado, presente e futuro do reinado de YHWH so enfatizados pelo aspecto
perfectivo do verbo qatal337 ideia menos evidente, por exemplo, na verso da
Septuaginta, pois traduziu o sintagma como , com o verbo no indicativo aoristo, aspecto verbal que reala o ponto de incio ou o fim da ao, e no o aspecto durativo, como no hebraico.338
Assim, a estrutura x-qatal do v. 10b revela uma informao, ou uma profisso
de f,339 que possui relevncia para a situao presente do salmista,340 e enfatiza a
sempiterna soberania rgia de YHWH, evidenciada desde sempre sobre a criao e
a histria. 333 Cf. J. M. BLUNDA, La constituicin de YHWH rey, p. 110. 334 Cf. F.-L. HOSSFELD E. ZENGER, Psalms, vol. II, p. 464; J. M. BLUNDA, La constituicin de YHWH rey, p. 95.110; H. GUNKEL, Introduccin a los Salmos, III, 1, p. 111. 335 Cf. NICCACCI, A. Sintaxis del hebreo bblico, p. 27-28, 6. 336 Cf. J. M. BLUNDA, La constituicin de YHWH rey, p. 110. 337 Cf. J. M. BLUNDA, La constituicin de YHWH rey, p. 111. 338 Cf. F. BLASS A. DEBRUNNER. Grammatica del Greco del Nuovo Testamento. Brescia: Paideia, 1997. 318,1. 339 Cf. FLIX ASENSIO, El Yahveh malak de los Salmos del Reino, p. 301. 340 Cf. F. J. DEL BARCO DEL BARCO, Sintaxis verbal, p. 190.
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O v. 10b, tematicamente, poderia funcionar como um catalisador para toda a
unidade do Sl 96, pois o contedo anterior e posterior a criao do mundo e a
capacidade de julgar esto relacionados soberania e ao poder real de YHWH.341
Mas, alm disso, o v. 10b se destaca como base para o contedo do v. 10c-e,
que aponta para situaes decorrentes do reinado de YHWH no plano csmico (cf.
v. 10cd) e no plano tico-social (cf. v. 10e).
As oraes do v. 10cd se iniciam com as partculas e , que precedem os verbos e , ambos no nifal yiqtol. asseverativa e cria nfase na ideia de firmeza (). Enquanto isso, a partcula adverbial de negao atua de modo positivo em relao ao contedo comunicado, pois enfatiza a impossibilidade de
algum abalo () da Orbe.342 As duas oraes formam um paralelismo sinttico e so unidas pelo
substantivo . Ambas, prolongam e ampliam o anncio 343.
10b
10d 10c
No v. 10e, a estrutura 0-yiqtol aponta para um futuro desejado, sem interesse
claro pelo aspecto temporal, sendo possvel compreender como uma informao adicional.344
Entretanto, a assonncia simples345 dos termos que compem o v. 10e, com
a repetio dominante do som in/im ( ), gera nfase no tema do julgamento, que retomado e realado na terceira seo (cf. vv. 11-13) com o verbo
.O verbo , traduzido como sentenciar, pertence tambm ao campo forense
e praticamente sinnimo do verbo . Mas denota o proceder de quem sentencia em favor ou contra algum (cf. Jr 22,16; Pr 29,7), enquanto acentua o 341 E. S. GERSTENBERGER, Psalms and Lamentations, p. 189. 342 Cf. A. APARICIO RODRGUEZ, Comentario filolgico a los Salmos, p. 545. 343 L. ALONSO SCHKEL C. CARNITI, Salmos, vol. II, p. 1210; J. M. BLUNDA, La constituicin de YHWH rey, p. 111. 344 Cf. F. J. DEL BARCO DEL BARCO, Sintaxis verbal, p. 200-201. 345 Segundo W. G. E. Watson (Classical hebrew poetry, p. 223-224), a assonncia baseada na repetio ou domnio do som de uma vogal simples. Por isso, ainda que se perceba o som m/n no final das palavras do v. 10e, considerou-se a vogal i como predominante, podendo, inclusive, criar nfase mesmo sem as consoantes m/n.
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discernimento em uma situao controversa, entre bem e mal (cf. Nm 35,24; 1Sm
24,13.16; 2Sm 14,17).346
Na Bblia hebraica h uma relevante ocorrncia de em textos com o rei ou YHWH como sujeitos e que apontam necessidade de se fazer justia para algum
menos favorecido, oprimido (cf. Sl 72,2) e que deve ser defendido da mo de um
opressor (cf. Jr 21,11).347 Sabe-se que o rei tambm tem como tarefa proteger
vivas, rfos, pobres e indigentes (cf. Sl 72,2). Alm disso, YHWH julga os povos
(cf. Sl 9,9), at os confins da terra (cf. 1Sm 2,10).
Esses aspectos relativos ao verbo , assim como a constatao do julgamento que (cf. Sl 96,10e; 9,9) atestam que YHWH sentenciar, mas que esse ato no um juzo punitivo, mas um juzo salvfico. Est mais prximo ao
ato de governar com retido ( ) e discernir com sabedoria. a atitude prpria do rei-juiz que olha para seu povo, para os pobres (cf. Sl 72,2), que defende
aquele que j no tem a quem recorrer (cf. Jr 21,12) e faz valer os direitos para
aquele que clama (cf. Sl 54,3) aspecto tico social.348
No geral, o v. 10c-e revela a atitude de um Deus que tudo sustenta e mantm.
Deduz-se, portanto, que falar em criao no se trata apenas de indicar um nico
momento inicial em que tudo passou a existir, mas tambm apontar a atividade de
YHWH, que tudo sustenta e mantm, porque um Deus providente e previdente.
Essa ideia faz pensar no hoje do ser humano, pois a ordem csmica, poltica e social
so unidas no conceito criao.349
YHWH no garante apenas a firmeza da Orbe, mas tambm reina na histria,
julgando com retido, ou seja, fazendo com que sua justia se manifeste na
realidade terrena para transform-la. Ele no apenas cria, mas tambm ordena o
cosmos e encaminha a histria, prometendo salvao ao ser humano que violou a
sua ordem (cf. Gn 1,13,24)350. Possivelmente, essa a perspectiva do salmista que
346 Cf. G. J. BOTTERWECK, , GLAT, vol. II, p. 215; P. BOVATI. Ristabilire la giustizia: procedure, vocabolario, orientamenti. Roma: PIB, 2005. p. 165-167. 347 Cf. Jr 21,12; 22,16; Sl 72,2; Pr 20,8; Pr 31,5.8.9. 348 J. M. BLUNDA, La constituicin de YHWH rey, p. 115. 349 Cf. H. H. SCHMID. Creation, righteousness, and salvation: creation theology as the broad horizon of biblical theology. In: B. W. ANDERSON, (ed). Creation in the Old Testament. Philadelphia, Pennsylvania: Fortress Press, 1984, p. 103. 350 Cf. L. A. FERNANDES. Evangelizao e famlia. Subsdio bblico, teolgico e pastoral. So Paulo: Paulinas, 2015, p. 41-46.83-88.
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conclama no s os seres humanos, mas todo o cosmos e a criao para festejar a
atuao salvfica de YHWH (cf. Sl 96,11-13).351
4.3 A terceira seo (vv. 11-13)
O terceiro invitatrio (vv. 11-12) caracteriza-se pelo grande clima de alegria
e jbilo, e pela crescente expectativa acerca da vinda de YHWH (cf. v. 13ab), criada
pelo recorrente emprego dos verbos no qal jussivo352 (cf. vv. 11-12), todos
pertencentes ao campo semntico da alegria ( , , .( , ,Se nos dois primeiros invitatrios do Sl 96 a forma verbal empregada era a
imperativa, no terceiro invitatrio o interlocutor se depara com a mudana imediata
para verbos no jussivo, assim como a ocorrncia de elementos da natureza como
sujeitos das oraes, em detrimento do sujeito humano.353
A escolha do jussivo parece proposital, pois a forma mais adequada para se
referir aos elementos da natureza, desprovidos do carter humano.354 Outrossim,
fazendo largo uso da linguagem metafrica e atribuindo natureza capacidades
eminentemente humanas, como alegrar-se, regozijar-se e festejar, o salmista chama
a ateno do interlocutor para os versculos e fornece uma imagem grande e
imemorvel.355
4.3.1 A hiperbolizao da alegria no terceiro invitatrio (vv. 11-12)
No v. 11a o sujeito desejado, assumido o jussivo, e o verbo empregado alegrar-se e exultar. Em contextos no teolgicos, revela um grau de oralidade, referindo-se espontnea expresso vocal de alegria.
No Saltrio, est relacionado a contextos de alegria por causa da presena ou por
351 G. RAVASI, Il libro dei Salmi, vol. II, p. 1006; H. MARLOW. The hills are alive!: the personification of nature in the Psalter. In: LHB/OTS. 593, p. 189-203. New York, New York: T and T Clark, 2013. p. 200. 352 Cf. J. M. BLUNDA, La constituicin de YHWH rey, p. 116. 353 Cf. B. DOYLE, Heaven, earth, sea, field and forest, p. 13. 354 Cf. B. DOYLE, Heaven, earth, sea, field and forest, p. 13; J. M. BLUNDA, La constituicin de YHWH rey, p. 116. 355 Cf. H. MARLOW, The hills are alive!, p. 192.200.
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causa de alguma ao de YHWH (cf. Sl 9,3; 33,12; 107,42), e tambm expressa a
alegria de YHWH (cf. 104,31).356
Outro verbo que exprime o ato de se alegrar e regozijar-se (cf. v. 11b), praticamente sinnimo de . Na maioria das ocorrncias, os sujeitos de e .so pessoas. Caso contrrio, o emprego desses verbos figurado, como no v 11b, em que 357 o sujeito tambm desejvel, assumindo o jussivo. tambm possui grau de oralidade, pois refere-se alegria acompanhada do grito
espontneo e entusiasmado.358 Igualmente, o verbo (cf. v. 11c)359 relacionado manifestao sonora da alegria destaca a ideia de um forte estrondo.
Igualmente o verbo se insere nesse contexto de grande alegria do terceiro invitatrio. Expressa o ato de exultar e regozijar, tendo sempre YHWH como razo
da alegria (cf. 1Sm 2,1; Sl 28,7; Pr 23,16). Na maioria das ocorrncias, tem a pessoa como sujeito,360 de tal modo que a associao a elementos no humanos,
como no v. 12a, inusual.361
Semelhantemente, 362 expressa a exultao jubilar, ou o grito de alegria que tem YHWH por destinatrio. uma forte exteriorizao da alegria, com alto
brado de jbilo que celebra uma ao de YHWH (cf. Sl 20,6; 51,16; 67,5; 145,7).363
Assim, compreende-se que o louvor proposto nos vv. 11-12 de alta
grandeza. E os elementos estilsticos dos vv. 11-12 tambm avolumam esse alegre
louvor, que praticamente transformado em uma celebrao csmica.
356 Cf. M. A. GRISANTI, , NDITEAT, vol. III, 8523, p. 1244-1245; B. DOYLE, Heaven, earth, sea, field and forest, p. 14. 357 Aqui, no expressa um povo ou uma poro poltico-nacionalista de terra, mas o mundo criado, no seu sentido csmico (cf. J. M. BLUNDA, La constituicin de YHWH rey, p. 116). 358 goia accompagnata da grida spontanee ed entusiastiche (Ch. BARTH, , GLAT, vol. I, p. 2072). 359 Ver a nota de crtica textual v. 11ca (p. 39). 360 Na Bblia hebraica, YHWH no aparece como sujeito do verbo fora dos Salmos 60,7; 108,8 (cf. M. A. GRISANTI, , NDITEAT, vol. III, 6600, p. 419). 361 Cf. G. VANONI, , GLAT, vol. VI, p. 748-750. 362 Diferentemente dos demais verbos do terceiro invitatrio, est no modo piel yiqtol. A traduo pelo futuro exultaro ganharia fora, inclusive pelo emprego da partcula adverbial que, na prosa, introduz um yiqtol futuro (cf. JM, 113, i.). A. Aparicio Rodrguez (Comentario filolgico a los Salmos, p. 545) traduz como j (que continua no presente e futuro), pois entende a partcula como medio estilstico para acentuar una parte de la oracin. Contudo, dada a complementaridade dos sujeitos do v. 12ab, assim como a semntica dos verbos e substantivos de todo o invitatrio (cf. vv. 11-12), opta-se por traduzir o piel yiqtol como um jussivo, e por ento (cf. J. M. BLUNDA, La constituicin de YHWH rey, p. 117). 363 Cf. J. HAUSMANN, , GLAT, vol. VIII, p. 448-454; T. LONGMAN III, , NDITEAT, vol. III, 8270, p. 1123-1124.
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As duas oraes do v. 11ab, por exemplo, so coordenadas pela partcula e, longe de se estabelecerem como um paralelismo antittico, a disposio dos sujeitos
apontam para a formao de um merismo, revelando que os envolvidos e no clima de exultante expectativa no so somente os elementos cus e terra,
mas tudo o que h entre esses dois polos equidistantes. Ou seja, toda a criao.
Mas como se no bastasse o merismo apontar para a totalidade da criao, os
quatro elementos , , , (cf. vv. 11abc.12a) formam um arranjo particular do cosmos, simbolizando toda a criao e aludindo sua dimenso
vertical (cf. v. 11ab) e horizontal (vv. 11c.12a).364
Desse modo, o universo se alegra, assim como os seres humanos se
alegram365 o louvor que no engloba somente a sociedade humana, mas
tambm toda a criao.366
Nos vv. 11-12, h importante aliterao367 consonantal entre os termos e (v. 11a); e (v. 11c); , , (v. 12ab), possivelmente com o intuito de focar a ateno do leitor no jubiloso evento criado, rico em expectativa,
que ser apresentado no v. 13.
Destaca-se, outrossim, a metfora sonora que, no v. 11c, repete-se por trs
vezes o som m do substantivo (mar) possivelmente para enfatizar o envolvimento da plenitude do mar, alm do forte barulho que seria
smbolo da alegre manifestao diante da vinda de YHWH.
Todos esses elementos presentes no terceiro invitatrio corroboram a viso
de um grande louvor, praticamente uma exploso de jbilo, no qual a criao reage
presena do reinado de YHWH e aguarda com grande expectativa a sua vinda.
No s os seres humanos se movimentam diante de YHWH e por causa dos
seus feitos na histria, mas a criao, abarcada pelos cus e terra, tambm o faz. E
a criao se agita, como numa dana, de forma barulhenta e festiva, com gritos,
364 Cf. W. A. M. BEUKEN. Psalm 96: Isral en den volken. Skrif en Kerk 13 (1992) 1-10. p. 4. 365 the universe rejoices as human beings rejoice (Cf. B. DOYLE, Heaven, earth, sea, field and forest, p. 15). 366 Cf. H. MARLOW. The hills are alive!, p. 189-203. New York: T & T Clark, 2013. p. 201; K. SCHIFFERDECKER. And also many animals: biblical resources for preaching about creation. Word & World. 27, 2, 210, 2007. p. 18-19. 367 Cf. B. Doyle fala em consonncia e assonncia nos vv. 11-12, citando, ademais, os termos hebraicos sem as respectivas vogais (cf. B. DOYLE, Heaven, earth, sea, field and forest, p. 16). Ainda que seja correto falar em repetio consonantal no referidos versculos, essa dissertao tratar a repetio dos sons das consoantes como aliterao, seguindo Watson nos seus estudos da potica hebraica (cf. W. G. E. WATSON, Classical hebrew poetry, p. 225-227).
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indicando o teor do julgamento futuro (cf. v. 13). De fato, os vv. 11-12 no indicam
somente uma situao de alegria, mas a tremenda e hiperbolizada alegria.
4.3.2 YHWH vem (v. 13a)
Inicia-se a terceira subseo descritiva (cf. v. 13) com (locuo preposicionada + Tetragrama Sagrado), que sugere a presena esttica de YHWH
em um local, no templo. Contudo, admite-se que o salmista utilizou livremente a
expresso, partindo do uso metafrico de , que destaca melhor a onipresena de YHWH e no a sua manifestao em um lugar exclusivo
(esttico).368
Considera-se, ainda, a tenso gramatical gerada pela utilizao de no incio do v. 13a, pois ao mesmo tempo em que pode ser entendido como final do
segmento anterior que exultem, ento, todas as rvores da floresta diante de
YHWH (v. 12b-13a) tambm indispensvel no v. 13a, pois revela que YHWH
mesmo o sujeito da vinda (cf. v. 13a-d) diante de YHWH, pois [Ele] vem. Mas essa tenso no um problema, e sim um recurso chamado enjambement,
cuja ideia bsica a do acavalamento (straddling), que o salmista utilizou para
quebrar a monotonia do final dos segmentos e criar tenso no s entre mtrica e
gramtica,369 mas tambm quanto ao que anunciado: a vinda de YHWH para
julgar (v. 13ab).
Desse modo, tem dupla funo: por um lado, o complemento direto do invitatrio (cf. vv. 11-12). Por outro lado, salienta o sujeito da terceira
subseo descritiva (cf. v. 13). E no uso de complemento do invitatrio, autentica,
portanto, o pensamento de que no se trata da presena esttica de YHWH.
No final do v. 13a e incio do v. 13b, escalonam-se a partcula e o verbo Esse escalonamento .() no modo qal particpio, masculino, singular, ativo no deve ser tratado como haplografa, pois remete figura literria chamada
anadiplosis, que consiste na repetio da ltima palavra de um verso no princpio
do outro.
368 Cf. M. D. FOWLER. The meaning of lipn YHWH in the Old Testament. ZAW 99. Berlin: Walter de Gruyter, 1987. p. 385-390. 369 Cf. W. G. E. WATSON, Classical hebrew poetry, p. 332-335.
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A anadiplosis mantm a expectativa proposta pelo invitatrio, aumenta a
ateno do interlocutor no evento que ser apresentado, e expressa a inevitabilidade
do evento. Por isso, seria aceitvel traduzir (v. 13ab) por diante de YHWH, pois com certeza vem, evidenciando o carter causal e
enftico.370
Todavia, tambm possvel traduzir como diante de YHWH, pois vem, pois
vem para julgar a terra (v. 13ab), salientando o carter relativo e causal, de modo
que o primeiro ressalta a revelao de YHWH no mbito da histria como aquele que vem, e o segundo aponta para o motivo, a vinda de YHWH como juiz.371
A segunda aplicao de (v. 13b) introduz o verbo + no infinito construto (). Conclui-se que a nfase est no verbo qal particpio , no anncio da vinda de YHWH. Mas, com o complemento preposicionado , atinge-se o clmax do anncio iniciado no invitatrio (cf. vv. 11-12) enquanto os
vv. 11-12 criam a alegre expectativa, o v. 13ab apresenta as razes, introduzidas
pela partcula 372. Explanando a razo da vinda de YHWH, o verbo infinito construto d
consistncia e refora a unidade do v. 13, no qual os morfemas e lexemas formam
duas figuras literrias:373
Nessa figura, a terceira forma qatal do Sl 96 ... ...ganha destaque. Nela, os jussivos do invitatrio
(cf. vv. 11-12) repousam. ... Passa-se do infinito construto, que indica a ...
finalidade, para o nico yiqtol da subseo,
propondo que o poema tenha perspectiva futura.
O verbo yiqtol deixa uma perspectiva futura para o julgamento (cf. v. 13c).
Contudo, partindo do pressuposto que a orao 0-yiqtol aponta para um futuro
desejado, e que introduz informaes adicionais de detalhes, sem grande interesse
370 Cf. W. G. E. WATSON, Classical hebrew poetry, p. 208-209. 371 Cf. H. D. PREUSS, , GLAT, vol. I, p. 1134-1145. 372 Cf. J. M. BLUNDA, La constituicin de YHWH rey, p. 88; 295-296. 373 Cf. J. M. BLUNDA, La constituicin de YHWH rey, p. 96.
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pelo aspecto temporal,374 conclui-se que a nfase recai sobre o modo do julgamento:
.(cf. v. 13d) cf. v. 13c) e)
4.3.3 YHWH vem para julgar (v. 13b-d)
Na Bblia hebraica, tem como primeiro sentido julgar, mas tambm pode ser traduzido como governar. No geral, julgar o ato de discernir que
pressupe a escolha entre duas situaes contrrias, bem e mal.375
Admite-se que carrega certa ambiguidade, pois no se entende com preciso se governar inclui julgar, ou se julgar inclui governar. H momentos em
que a noo de julgar mais perceptvel, e at nica: Moiss assume a funo de
julgar (cf. Ex 2,14); Absalo pode julgar, pois busca ser rei (2Sm 15,4).376 Mas
tambm se sugere a relao existente entre julgar e governar (cf. 1Sm 8,20) fazer
justia parte da funo real377.
Uma das metforas mais recorrentes na Bblia hebraica aquela que apresenta
YHWH como juiz. O povo recorre a esse juiz, no com o desejo de ter a sua causa
dirimida em termos jurdicos, to pouco prevendo o peso da pena que ele poderia
debitar, mas almejando o socorro em situaes limites e sem possibilidades
humanas de soluo (cf. Jz 11,27; 2Sm 18,31; Dt 33,21).378
As metforas so descritas como nomes que Israel tem para facilitar o acesso
a YHWH, que o sujeito dos verbos e que, per se, infinitamente indescritvel.
Assim, elas salvaguardam a infinitude detida pelo Nome (), e ao chamar YHWH como juiz, no se limita a apresent-lo somente como juiz, mas enfatiza que
YHWH tambm age segundo este nome. Ou seja, Israel valorizou a ao de
YHWH, pois o discurso primrio do povo sobre YHWH est organizado em base a
oraes verbais.379
Portanto, da afirmao YHWH vem julgar, ou YHWH juiz, denota-se
que ele mesmo comprometido com uma normativa legal justa, e com o povo 374 Cf. F. J. DEL BARCO DEL BARCO, Sintaxis verbal, p. 200-201. 375 Cf. P. BOVATI. Ristabilire la giustizia, p. 165-166. 376 Cf. V. P. HAMILTON, , DITAT, n. 2443a, p. 1602; , BDB, p. 1047; V. HERNTRICH. , In: R. KITTEL (org.). TDNT. Cambrige: Eerdmans, 1966. vol. III. p. 923. 377 V. HERNTRICH, , TDNT, vol. III, p. 924. 378 Cf. V. HERNTRICH, , TDNT, vol. III, p. 924. 379 Cf. W. BRUEGGEMANN. Teologa del Antiguo Testamento: un juicio a Yahv. Salamanca: Sgueme, 2007. p. 251-256.
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injustiado, atuando, por isso, em seu favor. YHWH o juiz amante da justia
(cf. Sl 99,4; Is 61,8), e seu empenho com a justia visto na histria do povo
eleito.380
E essa constatao tem forte eco existencial, j que justia divina tambm
entendida como o conceito veterotestamentrio mais importante e mais central no
que diz respeito s relaes na vida do ser humano, seja com YHWH ou com o
outro.381
O Sl 96 no apresenta a imagem de YHWH como juiz severo, mas acena para
um julgamento que traz restaurao da ordem divina no mundo, e no como um
ajuste de contas.382
4.3.3.1 A abrangncia do julgamento e do sintagma
Aps ter conclamado toda a criao (cf. vv. 11-12) e criado a expectativa, o
salmista apresenta o motivo: YHWH vem julgar a terra (cf. v. 13ab). E a se
concentra a ateno do interlocutor, que busca compreender qual a abrangncia de
.(cf. v. 13b) Na Bblia hebraica, tem como significado terra no sentido csmico,
geolgico e geogrfico, podendo ser traduzido no sentido geogrfico e poltico
como pas, solo, territrio.383
No Sl 96, o substantivo ocorre quatro vezes (cf. vv. 1a.9b.11b.13b). E nos vv. 1a.9b empregado com a mesma forma , igualmente precedido por um verbo volitivo plural. Nos outros dois momentos, no precedido pelo
substantivo , mas igualmente definido pelo artigo : no v. 11b diferencia-se dos cus (cf. v. 11a), refere-se criao e precedido por um verbo jussivo singular.
J no v. 13b, pensa-se que ocorre em paralelismo sinonmico com (cf. v. 13c) e (cf. v. 13d) compreenso que fica mais evidente pelo emprego do verbo no v. 13cd (elipsado no v. 13d), em que e so complementos diretos do referido verbo.
380 Cf. W. BRUEGGEMANN, Teologa del Antiguo Testamento, p. 256. 381 Cf. G. VON RAD. Teologia do Antigo Testamento. So Paulo: Aste, 2006. p. 359. 382 Cf. A. WEISER, I Salmi (61150), p. 694. 383 Cf. H. OTTOSSON, , GLAT, vol. I, p. 841-852.
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Dessa panormica, conclui-se que o julgamento de YHWH acontece em
duplo mbito: csmico () e social (384.( Alm disso, dirime-se uma questo: o sintagma (cf. v. 1b) significa toda a terra, entendida como humanidade, ou denota Israel? comum a preferncia pela leitura toda a terra todos os
habitantes do mundo.385
At agora, atestou-se a perspectiva universalista do Sl 96, bem ao estilo do
Dt-Is. O contedo das trs sees, porm, ajuda a pensar na proposta de uma
estrutura concntrica, com o anncio que parte de Israel a todos os povos e alcana
todo o cosmos.386
Embora no v. 1b seja uma indicao genrica387, o nico sujeito especificado pelo verbo imperativo em toda a primeira seo (cf. vv. 1-6). Todavia, certamente essa lgica seria contestada, pois na segunda seo tambm o sujeito (cf. v. 9b), alm de ser precedido pelo verbo no imperativo plural.
Mas a segunda seo iniciada ainda antes, no v. 7a, tendo o sintagma
-como sujeito da maior parte da sequncia de imperativos (cf. vv. 7 9a). Apenas o v. 9b expressa como sujeito, precedido por . Nesse caso, pode ser compreendido em um sentido mais abrangente como todo o mundo, ou toda a humanidade, ou at como famlias da terra388, preparando o
convite dirigido a todo o universo na terceira seo (cf. vv. 11-13).389
E, na primeira seo (vv. 1-6), o sujeito interpelado a manifestar as aes que
tm como destinatrios YHWH (cf. vv. 1-2) e naes/povos (cf. vv. 3) algum
384 J. M. BLUNDA, La constituicin de YHWH rey, p. 119. 385 Cf. G. RAVASI, Il libro dei Salmi, vol. II, p. 1002-1003; L. ALONSO SCHKEL C. CARNITI, Salmos, vol. II, p. 1210-1211; M. LEE, An exegetical study of Psalm 96, p. 64-65; E. S. GERSTENBERGER, Psalms and Lamentations, p. 174. 386 Cf. T. LORENZIN, I Salmi, p. 376. 387 J. M. BLUNDA, La constituicin de YHWH rey, p. 103. 388 families of the earth (B. TANNER, In: N. DeCLAISS-WALFORD R. A. JACOBSON B. L. TANNER, The book of Psalms, p. 721). 389 Cf. J. M. BLUNDA, La constituicin de YHWH rey, p. 109.
v. 13b
v. 13c v. 13d
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que conhece a salvao, a glria e as maravilhas de YHWH (cf. vv. 2c-3b), ou seja,
todo o Israel.390
Disso resulta o papel evangelizador de Israel na histria universal: atravs
do mandato proclamai dia aps dia a salvao de YHWH (Sl 96,2c) e entre todos
os povos e naes os feitos de YHWH (cf. Sl 96,3), Israel designado com o sujeito
do anncio, atravs do qual as naes podem conhecer os feitos de YHWH e decidir
por serem seus servidores, tornando-se, por sua vez, outros anunciadores (cf. vv. 9-
13).391
4.3.3.2 O critrio do julgamento
Alm dos recursos poticos j destacados, tambm se observa, no v. 13, o
exemplo de frase construda em cadeia do tipo sortes, um tipo de construo onde
o predicado da proposio anterior constitudo em sujeito ou tema central da
seguinte, at que se atinja o escopo climtico.392
E o v. 13 construdo de tal modo que as declaraes procedem
paulatinamente, sempre com o novo segmento retomando a ltima palavra chave
do anterior at chegar a concluso climtica.
Essa considerao ilumina o v. 13cd, que indica o critrio do julgamento: em
justia () e na fidelidade dele (), um binmio recorrente na Bblia hebraica (cf. Sl 119,75; Sl 143,2; Os 2,22), que salienta a ao de um Deus
comprometido com a normativa legal e justa, e com o povo injustiado, a ponto de
ser chamado o amante da justia (cf. Sl 99,4; Is 61,8).393
A locuo preposicionada denota que o julgamento de YHWH, rei universal, certo, salvfico e libertador. YHWH age com justia, mas no Sl 96 esse
julgamento no tem a conotao punitiva de chamar s contas os adversrios. o
julgamento que se aproxima mais a um estado de restaurao da ordem divina no
mundo.394
390 Cf. J. M. BLUNDA, La constituicin de YHWH rey, p. 104. 391 Cf. OKOYE, J. C. Israel and the nations: a mission theology of the Old Testament. Maryknoll, New York: Orbis Books, 2006. p. 102-108. 392 Cf. B. DOYLE, Heaven, Earth, sea, field and forest, p. 6-7. 393 Cf. B. JOHNSON, , GLAT, vol. VII, p. 523-530. 394 Cf. F.-L. HOSSFELD E. ZENGER, Psalms, vol. II, p. 466; A. WEISER, I Salmi (61-150), p. 694.
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E o v. 13d revela o segundo critrio do julgamento: na fidelidade dele. O substantivo , caracterizado pela constncia e estabilidade, remonta fidelidade de YHWH (cf. Dt 32,4), que o cinge (cf. Sl 89,9), estvel e foi firmada
no cu (cf. Sl 89,3).395
Portanto, afirmar o julgamento de YHWH segundo a fidelidade dele significa
recordar que, aquele que julga, o mesmo rei soberano (cf. vv. 7-9) e criador (cf.
v. 5b). E acrescenta que a fidelidade de YHWH conhecida por causa da sua ao,
ou seja, no realidade etrea.
395 Cf. A. JAPSEN, , GLAT, vol. I, p. 687-690; R. P. TORQUATO, Malkut Adonaj, p. 161.
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