4. Neurobiologia Do Estresse

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Neurobiologia do Estresse: Uma Abordagem Inicial

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Neurobiologia do Estresse: Uma

Abordagem Inicial

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Índice

-Considerações gerais

- Reatividade do eixo HPA

- Síndrome da adaptação geral

- O estresse compartilha os

substratos neurais das emoções

- Perspectivas futuras

- Bibliografia

- Créditos

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Considerações Gerais

Atualmente, a palavra estresse tem sido utilizada genericamente para designar condições tão diversas como fadiga, irritabilidade, esforço físico e ansiedade. O conceito de estresse (do inglês stress), quando utilizado pela física, significa tensão e desgaste sofrido por um material submetido a um esforço. Na literatura científica a palavra estresse foi utilizada pela primeira vez pelo endocrinologista Hans Selye. De acordo com Selye o estresse se refere a um conjunto de reações inespecíficas e gerais do organismo frente a estímulos persistentes de natureza aversiva. O estímulo que elicia uma reação de estresse é um estressor. Um estressor é qualquer evento externo que altera o equilíbrio homeostático. O organismo reage aos estressores de forma estereotipada, ou seja, com um conjunto de alterações fisiológicas similares com a finalidade de manter a constância do meio interno (homeostasia). Nesse contexto, o estresse é definido como sendo o resultado da ruptura dos mecanismos homeostáticos.

O organismo responde ao estímulo estressor pela ativação do sistema nervoso simpático e do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (geralmente referido como eixo HPA). O produto final da ativação do eixo HPA é a secreção de glicocorticóides pelo córtex da glândula supra-renal, que terá influência decisiva na atividade de vários sistemas (cardiovascular, gastrointestinal, respiratório etc.). A adrenalina é liberada pela medula adrenal em decorrência da ativação do sistema simpático pelos agentes estressores. Em condições normais, a secreção de adrenalina e glicocorticóides é benéfica na medida em que prepara o organismo para lidar com os estímulos aversivos rotineiros na vida de relação do indivíduo com o meio. Se a exposição ao estressor for prolongada, isto pode acarretar alterações metabólicas, disfunções imunológicas e psicológicas graves.

As causas do estresse podem ser determinadas por fatores sócio-econômicos, idade, conflitos nas relações pessoais, separações conjugais, drogas, traumas, além da predisposição genética. O impacto social e econômico dos transtornos mentais associados ao estresse vem sendo continuamente avaliado nos últimos anos. De acordo com estudo epidemiológico recente da Organização Mundial de Saúde (OMS-2009) os distúrbios mentais estão listados entre os 10 mais relevantes problemas de saúde pública nos EUA quando se levava em conta unicamente os indicadores de mortalidade. Mais de 450 milhões de pessoas no mundo sofrem de transtornos mentais. Cerca de metade das doenças mentais começam antes dos 14 anos. Estima-se que 20% das crianças e adolescentes no mundo podem apresentar transtornos mentais. As regiões do mundo com maior percentagem de população com menos de 19 anos de idade tem o mais baixo nível de recursos para saúde mental. A maioria dos países de baixa e média renda tem apenas um psiquiatra infantil para cada 1 a 4 milhões de pessoas.

Está estabelecido que o estresse pode estar subjacente ao início de vários distúrbios psiquiátricos, como a ansiedade, depressão e esquizofrenia. Consequentemente, condições associadas a essas doenças podem, indiretamente, vir a ser relacionadas ao estresse. Transtornos de ansiedade são altamente prevalentes na população em geral e representa um fardo pesado para muitos indivíduos e para a sociedade. De acordo com pesquisa recente da OMS cerca de 15 milhões de indivíduos da população (cerca de 10%) padecem de distúrbios de ansiedade, sendo que a prevalência considerando a vida inteira chega a ser de 25%. Outro distúrbio mental, a depressão é classificada como a principal causa de incapacidade afetando cerca de 121 milhões de pessoas no mundo. Em razão da atualidade do tema a investigação das alterações dos mecanismos biológicos que estão subjacentes a transtornos psiquiátricos após exposição a eventos estressantes agudos ou repetidos tem crescido significativamente (pesquisa na ISI Web of Science retornou 1963 artigos publicados nesse ano de 2010 usando as palavras “stress e anxiety” como palavras-chaves).

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Reatividade do Eixo HPA

A ativação do eixo HPA e as manifestações fisiológicas e comportamentais são em parte, coordenadas e integradas pelo hipotálamo. O hipotálamo recebe projeções de um grande número de estruturas e admite-se que por meio delas ele pode ser influenciado direta ou indiretamente por quase todas as partes do encéfalo. No que se refere ao estresse, é fácil entender que as estruturas do sistema límbico são determinantes nessas influências. As principais fibras aferentes são prosencefálicas, em particular as hipocampo-hipotalâmicas e amígdalo-hipotalâmicas. Dentro do hipotálamo os neurônios do núcleo paraventricular são os principais canais do eixo HPA que se projetam para a eminência média do hipotálamo (Figura 1). Estes neurônios se projetam para a zona externa da eminência média alcançando o sistema porta-hipofisário. O hormônio liberador de corticotrofina (CRH) é um neuropeptídio sintetizado por estes neurônios e lançado no sistema porta-hipofisário, que fica encarregado em drenar o CRH até a hipófise. Em condições normais, o CRH é secretado num ritmo circadiano, com uma frequência de cerca de 2-3 episódios de secreção por hora. Porém, sob condições de estresse a amplitude da frequência e secreção no sistema porta-hipofisário aumentam marcadamente. A interação do CRH com seus receptores específicos localizados na hipófise resulta na síntese e liberação do hormônio adrenocorticotrófico (ACTH). O ACTH difunde-se pela circulação sanguínea até atingir as glândulas adrenais, onde interage com seus receptores no córtex da glândula adrenal, onde estimula a síntese e liberação do cortisol em humanos e corticosterona em roedores.

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Figura 1- O eixo HPA. O hipotálamo é estimulado a secretar o hormônio liberador de corticotrofina (CRH) no sistema porta-hipofisário. O CRH estimula a adeno-hipófise a secretar hormônio adrenocorticotrófico (ACTH) na corrente sanguínea. O ACTH estimula o córtex das glândulas adrenais a liberar glicocorticóides. A adrenalina é liberada da medula adrenal por ativação dos neurônios simpáticos.

A ativação do sistema simpático pelos eventos estressantes determina a síntese e liberação de adrenalina na corrente sanguínea. A adrenalina assim liberada faz parte da resposta emocional do organismo a certas situações de emergência, que como definida por Walter Cannon, prepara o organismo para a fuga ou luta. Um dos sinais mais característicos dessa resposta emergencial aos eventos estressantes é a mobilização rápida de energia estocada. Ocorre maior transformação de glicogênio em glicose, que lançada na corrente sanguínea, favorece o consumo de energia. Há também aumento do ritmo cardíaco o que facilita o suprimento sanguíneo aos músculos estriados esqueléticos, aumentando o aporte de glicose e oxigênio. Ocorre ainda dilatação das pupilas, para uma maior acuidade visual, os brônquios dilatam-se determinando uma melhor oxigenação do sangue e remoção de CO2. Além disso, ocorrem outros sinais fisiológicos como sudorese, redução da digestão e contração do baço, que lança mais hemácias para a circulação sanguínea, ampliando a oxigenação dos tecidos.

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Os glicocorticóides têm um papel importante nas respostas adaptativas do organismo frente aos eventos estressantes do meio. Possuem papel permissivo na gliconeogênese promovendo a glicemia a partir da atividade hepática, são importantes na manutenção do tônus dos vasos sanguíneos, impedindo uma dilatação exagerada e interagem com fatores de transcrição (c-fos, c-jun e NF-kB) que são reguladores positivos da transcrição de genes do sistema imunológico, conferindo-lhes efeitos anti-inflamatórios e imunossupressores. Além disso, os níveis elevados de glicocorticóides exercem um papel de retroalimentação (feedback negativo) no controle da atividade do eixo HPA.

A liberação de glicocorticóides de forma desregulada em situações de estresse representa uma grave ameaça para a saúde e o bem-estar do organismo. A hipersecreção de glicocorticóides pode promover o desenvolvimento de disfunções fisiológicas e psicológicas, implicadas na patogênese de algumas doenças, como a colite ulcerativa, asma brônquica, hipertensão, transtornos afetivos como depressão, distúrbios de ansiedade variados como o estresse pós-traumático e doenças neurodegenerativas, tais como a doença de Alzheimer. De maneira geral, a persistência de estímulos estressantes pode desencadear prejuízos das respostas adaptativas do indivíduo às oscilações das variáveis fisiológicas frente às intempéries do dia-a-dia.

Síndrome da Adaptação Geral

Usualmente, estresse se refere a um evento ou sucessão de eventos que alteram a homeostase, determinando um desequilíbrio do organismo, resultando uma resposta inadequada aos estímulos e prejudicial ao organismo. Entretanto, em alguns casos o estresse moderado pode ser necessário ocasionando respostas adaptativas que levam a um desempenho satisfatório. A resposta do organismo ao estresse se inicia pela ativação do sistema nervoso simpático e do eixo HPA. Segundo Selye o estresse está associado à síndrome da adaptação geral e constitui um conjunto de respostas produzidas em um sistema biológico que se desenvolve em três estágios em resposta a um estressor prolongado.

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Figura 2- Síndrome da adaptação geral. No estágio de alarme o estressor ativa a medula adrenal com conseqüente liberação de adrenalina. No estágio de resistência ocorre adaptação do organismo frente ao estímulo estressor. Neste estágio o córtex da glândula adrenal libera glicocorticóides que favorecem o metabolismo glicídico. A exposição prolongada ao estímulo estressor resulta numa fase tardia, o estágio de exaustão, onde a resistência ao estímulo estressor diminui, os níveis de glicocorticóides ficam reduzidos e ocorre queda na imunidade.

1) Fase de alarme – na presença do estímulo estressor ocorre liberação de adrenalina pela medula da glândula adrenal. A liberação de adrenalina na corrente sanguínea promove as respostas imediatas do estresse, desencadeadas pelo sistema nervoso simpático, tais como dilatação das pupilas, aumento da frequências cardíaca e respiratória, náuseas, frieza nas mãos e sudorese.

2) Fase de resistência – neste estágio o organismo adapta-se ao estressor de forma que a resistência do organismo é aumentada,. Ocorre maior atividade do sistema nervoso parassimpático que se opõe ao sistema nervoso simpático e as manifestações agudas desaparecem. Porém, a resistência a qualquer outro estímulo subsequente é reduzida.

3) Fase de exaustão – a resistência diminui, ocorre um desequilíbrio gerado pela incapacidade de adaptação do organismo frente à persistência do estímulo estressor. Os sintomas da primeira fase podem reaparecer mais acentuadamente, ocorre queda na imunidade, o que pode agravar a maioria das doenças. As doenças que podem surgir são hipertensão arterial, problemas respiratórios como asma e bronquite, alergias, ansiedade e depressão.

A abordagem de Selye ao estresse foi revista por um grupo de pesquisadores nos EUA liderado pelo professor e pesquisador Bruce S. McEwen, da Rockefeller University. Nesta nova abordagem é enfatizado que os estressores psicológicos e vivenciais são mais poderosos e potentes na ativação do sistema nervoso simpático e eixo HPA. A contribuição de Selye ao

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nosso entendimento do estresse foi muito importante na medida em que tratou dos eventos físicos, externos que acionam respostas estereotipadas do organismo com um todo. Por outro lado, a pesquisa desenvolvida por McEwen, procura entender o impacto do estresse do ponto de vista das alterações em estruturas encefálicas e no comportamento. Destaca que o estresse ou mesmo hormônios liberados durante o estresse atuam em circuitos e estruturas como o hipocampo, amígdala e córtex frontal .

McEwen aponta que os sistemas fisiológicos mais estudados e que respondem ao estresse são o eixo HPA e o sistema nervoso autônomo, em especial a resposta simpática da medula supra-renal. Estes sistemas respondem a eventos estressantes da vida diária, bem como ao ciclo diurno de atividade e descanso. Comportamentalmente, a resposta ao estresse pode ser constituída por reações de luta ou fuga. Outro tipo de reação a uma situação potencialmente estressante é o aumento do estado de vigília, acompanhada, pelo menos em humanos, da ansiedade, sobretudo quando a ameaça é mal definida ou imaginária. As respostas comportamentais ao estresse e os estados de ansiedade são capazes de agravar e potencializar a produção dos mediadores fisiológicos prejudicando a saúde.

McEwen utiliza o termo plasticidade adaptativa para se referir ao processo denominado de alostasia em que hormônios, neurotransmissores são produzidos para promover as alterações orgânicas necessárias para o indivíduo lidar com situações inesperadas. Por exemplo, comportamentos compensatórios, como ingerir com frequência alimentos industrializados, hábito de fumar, ingestão de bebidas alcoólicas, pode aumentar a carga fisiológica dos níveis de catecolaminas e glicocorticóides. Ainda, níveis elevados de glicocorticóides e catecolaminas na ausência de um desafio fisiológico podem exacerbar processos fisiopatológicos, tais como a deposição de gordura abdominal, hipertensão, perda de massa muscular e óssea. McEwen adota o termo sobrecarga alostática para denotar arespostas excessivas do organismo que ultrapassam os níveis considerados alostáticos ou as alterações fisiológicas adaptativas.

Alostase é um termo que foi primeiro introduzido por Peter Sterling e Joseph Eyer, pesquisadores da Universidade da Pensilvânia, para caracterizar respostas, como aumento da pressão arterial e frequência cardíaca variam de acordo com a experiência, hora do dia e outras variáveis e também para descrever as mudanças no set point (ponto de ajuste) destes parâmetros na hipertensão. A mudança no set point foi usada por eles como o principal exemplo que distingue alostase de homeostase. No entanto, há uma implicação muito maior no que eles descreveram. Isto levou McEwen a considerar a definição de alostase, dentro da noção idéia de que existe um ponto de ajuste, um processo que ativamente mantém a homeostase. Há, obvivamente, as variáveis que são fundamentalmente homeostáticas, como osmolaridade, tensão de oxigênio e pH que não permitem variações importantes. A alostase ou alostasia é o processo que mantém certas variáveis fisiológicas dentro de certos limites, ou seja mantém a estabilidade através da mudança e promove a adaptação às circunstâncias ambientais, pelo menos no curto prazo.

Considerando que alostase se refere ao processo de adaptação aos desafios, carga alostática se refere ao preço que o organismo paga por ser forçado a adaptar-se às situações adversas, sendo elas psicossociais ou físicas. Ela promove um desajuste no corpo e no cérebro resultante da hiperatividade ou inatividade de sistemas fisiológicos que normalmente estão envolvidos na adaptação ao ambiente. Mediadores fisiológicos como adrenalina e glicocorticóides desencadeiam respostas em órgãos para produzirem efeitos que são adaptativos. Se a resposta alostática é prolongada, inadequada e a liberação dos mediadores não é eficientemente terminada, o resultado é a sobrecarga alostática, um estado que pode ser patológico ao organismo.

A vulnerabilidade e disfunção do hipocampo, manifestada pela atuação de glicocorticóides é um bom exemplo para caracterizar alostase e carga alostática. O estresse agudo eleva os níveis de glicocorticóides suprimindo mecanismos neuroniais que estão envolvidos com a memória de curto prazo no hipocampo (alostase). Se o estresse continua, um comprometimento da função hipocampal pode ocorrer devido à atrofia nos dendritos apicais de neurônios piramidais da região CA3 hipocampal, decorrente da elevação dos níveis de glicocorticóides e mecanismos excitatórios (carga alostática). Se o estresse for de curta

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duração esta atrofia pode ser reversível, porém, se o estresse for prolongado por meses ou anos pode ocorrer a morte de neurônios do hipocampo (sobrecarga alostática).

O Estresse Compartilha os Substratos Neurais das Emoções

Como visto anteriormente, fatores sócio-econômicos, conflitos nas relações pessoais, separações conjugais e traumas são conflitos de caráter emocional e geralmente são as principais causas do estresse. Estes fatores levam à ativação de estruturas, vias neurais e sistemas neurais envolvidos no processamento dos estímulos, organização e elaboração das respostas apropriadas a eles. Sendo assim, nesse contexto torna-se necessária uma abordagem sobre os substratos neurais das emoções.

Áreas corticais e subcorticais atuam de forma integrada influenciando a expressão do comportamento emocional. Notavelmente, destaca-se o papel do sistema límbico, mais precisamente o circuito de Papez. Em 1937, o neuroanatomista James Papez, propôs que circuitos cerebrais específicos são exclusivos a experiência e expressão emocional. Ele verificou que uma parte do cérebro estava diretamente relacionada com o conteúdo emocional e explorou os aspectos da face medial dos hemisférios cerebrais. Em cada hemisfério observa-se um anel cortical que contorna o corpo caloso. Este anel foi considerado por Paul Broca em 1850, como lobo límbico (limbo, contorno). Duas estruturas proeminentes desta região são o giro do cíngulo e giro parahipocampal. Papez chamou atenção para estas estruturas e mostrou que o giro do cíngulo e o hipotálamo são interconectados via projeções dos corpos mamilares para o núcleo anterior do tálamo dorsal, que retorna se projetando para o giro do cíngulo, fechando o circuito (Figura 3).

Figura 3- Sistema límbico e estruturas adicionais (à esquerda). À direita, circuito de Papez. (1) O giro do cíngulo e outras regiões corticais se projetam para a formação hipocampal. (2) O hipocampo processa a informação que chega e a projeta via fórnix (3) para os corpos mamilares do hipotálamo (4). O hipotálamo por sua vez, fornece informações ao tálamo através do trato mamilotalâmico (5) e do núcleo anterior do tálamo ao giro do cíngulo (6).

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O hipocampo talvez seja a estrutura cerebral que sofre as maiores conseqüências do estresse persistente ou crônico. Mais especificamente, o aumento dos níveis de glicocorticóides afeta sobremaneira a função hipocampal. O hipocampo participa da memória episódica e declarativa e é importante para aquisição da memória do contexto, Por conseguinte, o prejuízo da função hipocampal resulta em perturbação dos processos mnemônicos particularmente aqueles associados ao contexto, localização espacial e aspectos da memória declarativa para as quais o hipocampo serve como substrato neural importante.

Em linhas gerais, o giro do cíngulo e outras regiões corticais se projetam para a formação hipocampal. O hipocampo processa a informação que chega e a projeta via fórnix para os corpos mamilares do hipotálamo. O hipotálamo por sua vez, fornece informações ao tálamo através do trato mamilotalâmico e do núcleo anterior do tálamo ao giro do cíngulo. Embora muitos aspectos o circuito elaborado por Papez não sejam mais aceitos, a importância do lobo límbico e de suas manifestações emocionais ainda prevalece. Sendo assim, o circuito foi revisado e algumas estruturas foram incluídas, como partes do córtex orbital e pré-frontal medial, partes do gânglio basal ventral, núcleo dorsomedial do tálamo e amígdala (Figura 3). Estas estruturas, juntamente com o giro do cíngulo e giro parahipocampal, geralmente são referidas como sistema límbico.

A amígdala e outra estrutura importante na aquisição de informações aversivas, processamento, elaboracão e produção de respostas aos estressores. Além das conexões da amígdala (núcleo central) com o hipotálamo e centros do tronco cerebral que regulam a função motora visceral, a amígdala (núcleo basolateral) se conecta com o córtex orbitofrontal e córtex pré-frontal medial. Estas áreas corticais estão associadas com as informações de várias modalidades, como por exemplo, a atividade visceral, podendo assim, integrar uma variedade de estímulos pertinentes a cada instante de uma experiência. Outra conexão importante da amígdala é com o tálamo, especialmente com o núcleo dorsomedial, que por sua vez se projeta para áreas corticais. Finalmente, considerando as conexões da amígdala com outras estruturas, a amígdala inerva neurônios na porção ventral dos núcleos da base, que recebem as principais projeções do córtex pré-frontal (córtico-estriatal), envolvidas com o processo motor. Com todas estas conexões, a amígdala se destaca como um ponto nodal de uma rede que interliga estruturas corticais e subcorticais envolvidas no processamento de estímulos estressantes.

Perspectivas Futuras

Vários estudos neurobiológicos vêm sendo realizados para a elucidação dos mecanismos, estruturas e vias ativadas por estímulos estressantes. Muitos desses estudos têm sido realizados com o uso das técnicas de análise de imagens cerebrais. Estas técnicas representam um avanço ao conhecimento neuroanatômico que resulta da utilização de métodos histológicos convencionais. A técnica de imagens cerebrais permite excelente visualização do encéfalo ou partes do mesmo em múltiplos planos (coronal, axial e sagital), além da reconstrução de imagens tridimensionais.

O estresse é um fator etiológico potencial para a maioria dos transtornos psiquiátricos. Estressores associados a fatores psicossociais e aqueles com grande influência ambiental como abuso de drogas determinam alterações importantes no funcionamento do cérebro. Um grande número de evidências tem sido conseguido indicando que o estresse psicossocial ou metabólico aumenta a liberação de dopamina. A pesquisadora Romina Mizrahi do Canadá realizou um estudo utilizando a tomografia por emissão de pósitrons (PET) em pacientes esquizofrênicos com alto risco para apresentar psicose quando não fazem uso de agentes antipisicóticos. Dois testes foram aplicados, uma tarefa de controle sensório-motor e o outro baseado no Montreal Imaging Stress Task, derivado do Trier Mental Challenge Test, que consiste em uma série de desafios informatizados de aritmética mental, juntamente com componentes de ameaças sociais incorporados ao programa ou apresentados pelo investigador. Os resultados indicaram que nestes testes o estresse aumenta a liberação de dopamina nos pacientes com esquizofrenia quando comparados com voluntários saudáveis (Figura 4). A autora conclui que estudos deste tipo trazem importantes contribuições tanto teóricas quanto clínicas ao mostrar um aumento da sensibilidade de pacientes com

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determinadas doenças mentais ao estresse e, sobretudo, por associá-lo a alterações na neurotransmissão dopaminérgica.

Figura 4- Imagens obtidas por tomografia por emissão de pósitrons mostrando uma redução da atividade cerebral em pacientes esquizofrênicos sob estresse em relação aos que não passaram pelo teste com estressores. Os indivíduos normais (à esquerda) não mostraram qualquer alteração na atividade cerebral (Mizrahi, 2010).

Bibliografia

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Créditos

INeC – Instituto de Neurociências e Comportamento INTRODUÇÃO À NEUROBIOLOGIA DO ESTRESSE

Criação e texto: Renato Guizzo Biólogo, Doutor em Ciências pela FFCLRP-USP e membro do INeC

[email protected] Publicado em 13/01/2011

A utilização ou publicação, parcial ou total deste curso está autorizada sob a condição de que sejam incluídas indicações sobre sua fonte e autoria.

Para referir: Guizzo, R (2011). INTRODUÇÃO À NEUROBIOLOGIA DO ESTRESSE. INeC – Instituto de Neurociências e Comportamento, disponível em http://www.inec-usp.org/cursos/cursoVII/cursoVII.htm