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    Estigma -Notas sobre a Manipulao da Identidade Deteriorada

    Anlise crtica do livro de Erving Goffman

    Luciana Naomi Hikawa

    19/09/2008

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    No podemos escolher nossas circunstncias externas, mas sempre podemosescolher como reagiremos a elas.

    (Epteto, filsofo grego)

    1. Introduo

    conscincia que o indivduo tem de si mesmo e do lugar que ocupano mundo chamamos Identidade. A identidade pessoal constri-seatravs da vivncia de experincias dentro de um grupo, quando oindivduo identifica-se com uma ou outra caracterstica dos demaiselementos desse grupo. na relao com o Outro que cada umconstri o seu Eu.

    Quando o Eu no consegue estabelecer parmetros com o Outronasce o conceito de estigma, um sinal, visvel ou no, que diferenciao Outro da normalidade a que o Eu aspira.

    O autor Erving Goffman reexamina os conceitos de estigma eidentidade social, o alinhamento grupal e a identidade pessoal, o Eu eo Outro, partindo de uma viso interativa, isto , a partir da reaode estigmatizados e aqueles que ele classifica de normais quando emconvivncia face-a-face, seja no cotidiano ou em interaes fortuitas.

    Quando interagimos com outros procuramos constantemente pordicas ou pistas sobre o tipo de comportamento apropriado aocontexto e sobre como interpretar o que os outros pretendem.Tambm Goffman explora os detalhes da identidade individual esocial e das relaes em grupo a um nvel micro-sociolgicoobservando a interao social nas aes de todos os dias econcentra-se na forma como cada um desempenha o seu papel egerencia a impresso que provoca nos outros nos diferentescontextos.

    Erving Goffman (1922-1982) foi um socilogo canadense,mais tardeestabelecido nos Estados Unidos, onde chegou presidncia daSociedade Americana de Sociologia, que estudou como o indivduoconcebe a sua imagem. Entre seus objetos de estudo tambmconcentram-se as instituies em que o indivduo era isolado dasociedade, como manicmios e prises, onde sua atividade eranormalizada.

    Nesta obra Goffman analisa os sentimentos da pessoa estigmatizadasobre si prpria e na sua relao com os outros ditos normais. Eleexplora a variedade de estratgias que os estigmatizados empregam

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    para lidar com a rejeio alheia e a complexidade de tipos deinformao sobre si prprios que projetam nos outros.

    Vs pr-julgais o que ignorais. (Tertuliano in Apologia )

    2. Notas sobre a Manipulao da Identidade Deteriorada

    O autor inicia seu livro definindo o conceito de estigma, um termoutilizado pela primeira vez pelos antigos gregos que sinalizavam comcortes ou fogo no corpo que tal pessoa tratava-se de um escravo,criminoso ou traidor. Com o passar do tempo, estigma passou adesignar uma nova categoria de pessoas cuja identidade social no

    atende s exigncias de percepo das pessoas normais.Embora o termo tenha um carter depreciativo, Goffman consideraque um atributo que estigmatiza algum pode confirmar anormalidade de outrem portanto ele no , em si mesmo, nemhonroso nem desonroso (pg. 13), isto , a percepo que oindivduo normal tem de outra pessoa depende da sua bagagem devalores morais: o que ele considera normal em um indivduosemelhante a ele assume conotao diferente se for executado poroutro indivduo estigmatizado. Ou, nas palavras do autor, umestigma , ento, na realidade, um tipo especial de relao entreatributo e esteretipo (pg. 13).

    Os estigmas dividem-se entre os do tipo desacreditado edesacreditvel . O estigmatizado desacreditado aquele cujo estigma evidente ou conhecido pelos presentes, enquanto o desacreditvelpode passar despercebido.

    Entre os estigmas desacreditados Goffman elabora trs tipos: asdeformidades fsicas, as culpas de carter individual (distrbiomental, priso, alcoolismo, homossexualismo, desemprego,tentativas de suicdio e comportamento poltico radical) e os estigmastribais de raa, nao e religio. interessante notar que o autorinclui-se entre os indivduos normais embora descenda de judeus, oque o incluiria nos estigmatizados desacreditados tribais: Ns e osque no se afastam negativamente das expectativas particulares emquesto sero por mim chamados de normais (pg. 14). Tal fatopode nos dar uma pista a respeito da opinio pessoal do autor sobrea forma como o indivduo estigmatizado deseja ser considerado.

    Quando normais e estigmatizados no interagem entre si, a reaoda comunidade normal discriminar o estigmatizado com base nateoria de que se trata de um ser inferior, no completamente

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    Assim como Goffman sugere, neste caso a soluo para a inquietaoprovocada pela caracterizao inadequada na interao entre o Eu eo Outro foi fornecida pela pessoa estigmatizada porque tem maishabilidade para lidar com tais situaes j que tambm tem maisprobabilidades do que ns de se defrontar com tais situaes (pg.28).

    At este ponto o autor tratou do indivduo, seja estigmatizado ounormal, e suas reaes um ao outro. Entretanto, existem outrasinteraes possveis e delas que ele trata aqui: os iguais , ou, comoo prprio termo implica, as pessoas que tm a mesma caractersticanegativa que as distinguem dos normais. O estigmatizado podebuscar a companhia dos seus iguais para refugiar-se com conforto oupara obter auxlio e instruo quanto ao modo de se relacionar com oOutro.

    Mesmo a no existe um modelo certo de associao: existem aquelesque se unem em clubes de sade ou sociedades de auxlio mtuo eexistem aqueles com distrbios mentais ou de fala, por exemplo, cujareunio parece impossvel; redes de relacionamento social sem umaorganizao aparente; instituies que prestam auxlio aestigmatizados gerenciados pela comunidade ou por benemerncia e,

    por fim, as comunidades tribais, como bairros segmentados com altaconcentrao de pessoas tribalmente estigmatizadas (o bairro daLiberdade em SP/Capital ou Bronx em Nova Iorque, por exemplo).

    Tambm existem as associaes ou agentes que se propem arepresentar uma determinada classe de indivduos com um estigmaespecfico, como os AA, as APAE, o CNBB, Movimento NegroUnificado, e milhares de outros exemplos. Estas associaes podemser dirigidas por nativos, isto , pessoas iguais s que representamcomo classe com um pouco mais de oportunidade de se expressar,

    so um pouco mais conhecidas ou mais relacionadas (pg. 35), ouento por algum que conhea os problemas do estigmatizado (uminformado ).

    Estas associaes representativas promovem palestras e debates,fazem peties para o poder pblico em favor dos estigmatizados eso responsveis, em boa parte, pela nova ideologia do politicamentecorreto ao convencer o pblico a usar um rtulo social mais flexvel categoria em questo (pg. 33). O exemplo utilizado por Goffman foia conquista da Liga Novaiorquina para as Pessoas com Dificuldadesde Audio, que aboliu o termo surdo de todas as comunicaesoficiais.

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    Outra forma de representativa obtida quando um estigmatizadoalcana posio de destaque financeira, poltica ou ocupacional. Umexemplo o ator Christopher Reeve, famoso pelo papel de Super-Homem na srie de filmes homnimos. Aps sofrer uma queda decavalo ele perdeu todos os movimentos do pescoo para baixo e crioua Fundao Christopher Reeve para a Paralisia" e, entre outrascoisas, foi pioneiro nas polmicas pesquisas com clulas-tronco.

    O segundo conjunto de indivduos de quem o estigmatizado podeesperar apoio so os informados : os que so normais mas cujasituao especial levou a privar intimamente da vida secreta doindivduo estigmatizado (pg. 37). Nesta situao encontram-seaqueles que trabalham em lugares que cuidam direta ouindiretamente de indivduos estigmatizados (enfermeiras, terapeutas,policiais, atendentes, garons, empregadas); aqueles que tm umrelacionamento social com o indivduo estigmatizado (a esposa ou omarido, me, pai ou irmos, filhos, amigos, familiares).

    Goffman acredita que estes informados adquirem um certo grau deestigma (pg. 39) e o transmitem, em menor grau, a outrosindivduos com quem se relacionam, espalhando o estigma originalem ondas e que este motivo, portanto, para que as relaes com osindivduos estigmatizados sejam evitadas. Esta situao foienfrentada pela personagem interpretada por Tom Cruise no filmeRain Man (idem , 1988), um indivduo normal que recebe aincumbncia de cuidar do irmo autista, interpretado por DustinHoffman.

    Goffman ainda refere-se resposta violenta dos informados(estigmafilia) contra a repulsa do indivduo normal(estigmatofobia) como uma reao ao culto do estigmatizado, que uma posio desconfortvel tanto para um quanto para outro. NoBrasil temos, por exemplo, as reaes de diferentes grupos tnicospara o estabelecimento de cotas de acesso para negros nas

    universidades. O chamado indivduo normal neste caso o no-negro, que protesta contra o que ele considera uma proteo aonegro e usurpao de seus direitos de igualdade, enquanto oinformado reage em defesa do estigmatizado.

    Mesmo assim, a convivncia entre estigmatizados e informadospercorre um longo caminho de aceitao, j que o informado sofre asmesmas privaes, mas no usufrui das condies especiais (auto-exaltao) do estigmatizado.

    A carreira moral do indivduo estigmatizado segue duas fases desocializao, a saber: aquela na qual a pessoa aprende e incorpora o

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    ponto de vista dos normais, adquirindo, portanto as crenas dasociedade mais ampla (pg. 41), isto , sem ter a conscincia aindade ser um estigmatizado perante o Outro, absorve os conceitosdeste; na segunda fase aprende que possui um estigma particular e,dessa vez detalhadamente, as conseqncias de possu-lo (pg. 41).Neste ponto percebe como o Outro enxerga o Eu.

    Durante a primeira fase a famlia ou a comunidade forma um crculode proteo mas, medida em que o indivduo passa a transitar emanis mais externos, chegar o momento de enfrentar a segundafase; pode se no momento de freqentar a escola, por exemplo. Casoo seu estigma requeira, este momento pode ser adiado se a crianafor encaminhada para uma instituio especializada.

    Esta segunda fase tambm pode acontecer tardiamente, nos casosem que o indivduo normal sofre uma interveno que o transformanum indivduo estigmatizado: acidentes, problemas de sade, priso,etc., ou ainda quando alguma mudana provoca a alterao de seustatus tribal (troca de religio, etc.).

    O indivduo que estigmatizado tardiamente tem muito maisdificuldade para remoldar seu ego, estabelecer novas relaes erestabelecer as antigas: quando o indivduo compreende pelaprimeira vez quem so aqueles que de agora em diante ele deveaceitar como seus iguais, ele sentir, pelo menos, uma certa

    ambivalncia porque estes no s sero pessoas nitidamenteestigmatizadas e, portanto, diferentes da pessoa normal que eleacredita ser, mas tambm podero ter outros atributos que, segundoa sua opinio, dificilmente podem ser associados a seu caso (pg.46).

    Os filmes Filadlfia (Philadelphia , 1993), em que a personagem deTom Hanks enfrenta os efeitos da contaminao pelo vrus HIV, e OSegredo de Brokeback Mountain (Brokeback Mountain , 2005), emque o vaqueiro interpretado pelo ator Heath Ledger surpreendido

    por uma relao homossexual inesperada, exemplificam bem asdificuldades enfrentadas pelos indivduos estigmatizados tardiamenteem suas lutas em busca de uma nova auto-imagem e a reao doOutro ao seu novo Eu.

    Neste captulo o autor dedica-se ao segundo tipo de indivduoestigmatizado, o desacreditvel, aquele que no se tem dela umconhecimento prvio (ou, pelo menos, ela no sabe que os o outros aconhecem). Se este indivduo estigmatizado opta por manter suacondio desconhecida ele pode passar por momentos de tenso,incerteza e ambigidade pois tem que oferecer ao Outro as respostas

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    condizentes com a normalidade exigida; ele teme o preconceito edeseja a aceitao.

    Todo sinal transmitido por uma pessoa atravs de sua expressocorporal decodificada pelo Outro; esse sinal informa quais ascaractersticas, intenes, estados de esprito e sentimentos doindivduo que o emitiu. Esta informao chamada social pelo autore, quando so acessveis e freqentes, podem ser chamados

    smbolos de status, como distintivos de clube ou uma aliana decasamento.

    Os smbolos de status contrapem-se aos smbolos de estigmaporque, ao passo em que aqueles simbolizam prestgio, estesdesvalorizam o indivduo. As algemas dos prisioneiros so umexemplo de smbolo de estigma.

    Uma terceira categoria de smbolos inclui os desidentificadores ,signos portados com a inteno de iludir o Outro com umainformao social inexata. Um exemplo de desidentificador o uso deculos sem grau, apenas para aparentar cultura e saber.

    Os signos que transmitem a informao social variam em funo deserem, ou no, congnitos ( de nascena ) e, se no o so, em funode, uma vez empregados, tornarem-se, ou no, uma partepermanente (pg. 55), ou seja, se o indivduo nasce com um sinal

    estigmatizante ou se marcado depois e se esta marca serpermanente ou no. Caso seja permanente e infligido de formainvoluntria, este um estigma no sentido semntico clssico originalgrego: o indivduo marcado por um crime.

    de se notar que mesmo um indivduo pode ser considerado smbolo,de status ou de estigma, quando visto com o indivduo cujainformao social procuramos: trata-se da aplicao prtica doditado diga-me com quem andas e te direi quem s.

    Como informao social o significado dos smbolos pode variar deacordo com a perspectiva, o momento e at a fisiologia do indivduo,podendo ser positivo ou negativo conforme o ponto de vista adotado.

    O estigma dos desacreditveis no visvel e, como foi dito no inciodo captulo, pode ser encoberto, ocultado pelo estigmatizado ocaso, por exemplo, da recente movimentao poltica brasileira pelaabolio do uso de algemas para alguns criminosos de colarinhobranco. Tal encobrimento provoca uma percepo distorcida doindivduo estigmatizado pelo Outro.

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    sociologia, categorizando os indivduos pelo que tm de comum (oestigma).

    No terceiro captulo, Goffman estabelece a diferena entre aidentidade social, a identidade pessoal e a identidade do Eu, que eledefine como o sentido subjetivo da sua prpria situao e [...]carter que um indivduo vem a obter como resultado de suas vriasexperincias sociais (pg. 166).

    Enquanto a identidade do Eu refere-se viso que o indivduo tem desi mesmo baseado em sua prpria experincia de vida, as identidadessocial e pessoal baseiam-se na viso do Outro sobre o Eu. Cadaidentidade fornece um ngulo diferente para o estudo daestigmatizao: a social demonstra a existncia do estigma, a pessoal

    permite considerar o papel do controle na manipulao do estigma (pg. 117) e a do Eu mostra como o indivduo lida com o estigma.O indivduo estigmatizado recebe da sociedade os modelosconsiderados adequados para si e os usa, mas pode sentir que no seidentifica com esses modelos. Quando isto acontece ele pode sentiruma ambivalncia, dividido, tratando seus pares de acordo com ograu de visibilidade de seus estigmas da mesma forma que oindivduo normal trata o estigmatizado em relao a um par normal.

    Tal ambivalncia interfere na escolha de suas alianas sociais

    (cnjuge, amigos, etc.): se ele opta por cercar-se de indivduosnormais significa que tenta construir sua auto-imagem como umindivduo normal, mas ao mesmo tempo no pode escapar de suacondio de estimatizado que o envergonha. Esta ambivalnciaexplica, ento, o auto-humor depreciativo exercido por estesestigmatizados.

    Alguns profissionais trabalham com modelos de revelao eocultamento do estigma com o estigmatizado na tentativa de tornarsua posio clara: ele no-diferente do Outro ou marginalizado?

    Entre esses modelos existem alguns exemplos: pedir ao pacientemental que esconda seu estigma, frmulas para se sair de situasdelicadas, o apoio que deveria dar a seus iguais, o tipo deconfraternizao que deveria ser mantido com os normais (pg.120) e outros.

    Ao mesmo tempo, o estigmatizado instrudo com um cdigo deconduta socialmente aceito: no ocultar completamente seu estigma,no aceitar completamente como sua a informao negativa do seuestigma emitida pelo Outro, no sujeitar-se ao ridculo frente aosnormais fazendo graa de seu estigma, e, no extremo oposto, evitara normificao ou imitao da normalidade.

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    Esse cdigo de conduta social oferece ao estigmatizado instruespara o relacionamento com o Outro e tambm consigo mesmo comautenticidade, e no iludir-se sobre sua auto-imagem. Goffmandefende a aplicao e o seguimento do cdigo argumentando que,devido sua condio especial de espectador da cena humana, oestigmatizado atinge uma conscincia maior do que se passa emrelao ao indivduo normal, que so menos sensveis s questesmais profundas.

    O segundo argumento de Goffman na defesa do cdigo de conduta que ele o fora a encarar a parte de sua vida que ele mais seenvergonha e que considera mais privada, sua feridas maisprofundamente escondidas so tocadas e examinadas clinicamente (pg. 123), ou seja, estes conselhos o fazem assumir que carrega umestigma, aceitar sua condio e ensina como reagir frente ao Outro ea si mesmo reconhecendo esta condio.

    Alm dos dois ganhos pessoais acima, o indivduo estigmatizado queacolhe o cdigo beneficia ainda os grupos sociais nos quais estinserido, comeando pelo grupo de seus pares, pessoas quecompartilham do mesmo sofrimento, j que um dos resultados daaplicao dos conselhos o questionamento que o estigmatizado fazcontra a desaprovao da sociedade normal.

    Quando o estigmatizado toma conscincia global da situao(argumentos n 1 e 2 de Goffman) e passa a defender seu grupo depares (argumento n 3) ele torna-se um militante da causa e tempelo menos dois caminhos distintos a escolher: (1) tentar eliminar adesaprovao contra o estigma ou estigmatizado, promovendo aassimilao deste pela sociedade, ou (2) promover a separao doestigmatizado da sociedade, replicando em seus argumentos esentimentos os mesmos preconceitos sociais de que alvo.

    Como socilogo, Goffman trabalha o indivduo como um ser humano

    completo que faz parte de uma complexa rede de grupos sociaisinteragentes, independente de sua condio: J que seu mal no nada em si mesmo, ele no deveria envergonhar-se dele ou de outrosque o tm; nem se comprometer ao tentar ocult-lo (pg. 126).Confirma, assim, a hiptese exposta na introduo sobre comodeseja ser tratado.

    No restante do captulo ele se dedica a esmiuar as frmulasapresentadas por profissionais que auxiliem o estigmatizado nosentido de aceitar-se, trabalhar sua auto-imagem, manipular suaidentidade de acordo como cdigo de conduta e tambm a apreenderas intenes intrnsecas do Outro, como auxili-lo a reagir frente ao

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    estigmatizado, mesmo reconhecendo o enorme fardo imposto: Aironia dessas recomendaes no o fato de se pedir aoestigmatizado que ele seja, pacientemente, frente aos outros, o queno lhe deixam ser, mas que essa expropriao ( ato de privar o

    proprietrio daquilo que lhe pertence ) de sua resposta possa ser asua melhor recompensa (pg. 133). Goffman finaliza o captulocriticando a falta de voz concedida ao estigmatizado para que estepossa opinar a respeito das frmulas apresentadas, frmulas estasque foram consideradas aceitveis pela sociedade normal e s quais,portanto, ele deve se submeter.

    O autor elaborou, no quarto captulo, um quadro das refernciasutilizadas no livro com a definio do seu conceito dentro de cadacontexto, iniciando com os conceitos de desvios e normas, e expeseus argumentos para explicar porque adotou determinado grupo decontrole e no outros ; assim, optou pela anlise de diferenas sutis eno de estigmas ou grupos sociais com particularidades extremas queexaurem o interesse em si s, no servindo como modelo universal:

    A questo das normas sociais , certamente, central, mas devemosnos preocupar menos com os desvios pouco habituais que se afastamdo comum do que com os desvios habituais que se afastam docomum (pg. 138).

    Outra dificuldade enfrentada pelo autor que, enquanto algumasnormas que se referem identidade ou ao ser (como a viso e a

    alfabetizao) devem estar disponveis para a maioria da sociedade,outras (com a beleza fsica) tomam a forma de ideais e constituemmodelos perante os quais todo mundo fracassa em algum perodo desua vida (pg. 139), isto , so impermanentes.

    Alm disso, o indivduo deve lidar com muitas normas pequenas eimportantes ao mesmo tempo, mantendo-as com sucesso oufracassando em algum ponto da vida, o que torna tarefa intilcontabilizar e classificar tipos de estigma, de situao, etc. Pode-sedizer que as normas de identidade engendram ( do forma ) tanto

    desvios como conformidade, conforme Goffman abordou no primeirocaptulo ao explicar que o que considerado estigma numdeterminado contexto normal em outro, e vice-versa.

    Trs solues so apresentadas: uma norma definida por si mesmae sustentada por uma categoria de pessoas; o indivduo que no seadequa norma excludo da sociedade, agrupando com outros emsua situao; a terceira soluo mescla as duas anteriores pormcoloca o indivduo no-condizente sob o acobertamento elemanipula sua identidade para assemelhar-se ao Outro e os outrosfingem ignorar seu estigma, desde que ele no o revele e no exijaaceitao do seu desvio.

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    O autor sugere que se considere os desvios a partir de um conjuntode normas construdas e aceitas socialmente. O desvio representa ono cumprimento de tais normas. Para Goffman a pessoa desviantedeveria ser denominada de desviante normal, pois inerente todas as sociedades possurem suas normas, que nunca sototalmente cumpridas.

    Trazendo alguns exemplos reais, o autor demonstra as vrias formasde reao do indivduo estigmatizado confrontao com o normal:acobertamento ou encobrimento, deboche, ironia, agressividade,frieza, docilidade, e conclui que, na sociedade americana, estainterao face-a-face resulta em problema, assim como asdiscrepncias entre as identidades virtual e real sempre ocorrero esempre criaro a necessidade de manipulao da tenso [...] econtrole de informao [...] (pg. 159).No captulo final, Goffman define e elabora suas idias a respeito dortulo comportamento desviante: o indivduo que no adere aoconjunto de normas de um grupo chamado destoante e seucomportamento, um desvio. Isso no significa que todo indivduodestoante igual a outro indivduo destoante: eles se comportamdiferente dos normais e tambm uns dos outros. Um tipo decomportamento desviante aceito o do indivduo que, por algummotivo, ocupa uma posio muito alta no grupo. Outro desvio aceito

    do indivduo fisicamente doente; de nenhum dos dois se exige ototal cumprimento s normas do grupo.

    Em alguns grupos permite-se ainda a presena de indivduosdestoantes que, inadvertidamente, propiciam o sentimento deunidade do grupo contra ele; por exemplo, quando toda acomunidade ri do bbado da aldeia: ele no faz parte da comunidade,mas esta lhe permite participar dela para unirem-se contra ele.

    Os comportamentos desviantes se caracterizam por produzir marcas

    negativas na identidade social daquele que os apresenta, de modo ainfluenciar decisivamente as concepes e as aes dos demais emrelao a estes, e vice-versa. Assim, o estigmatizado, o desviante osuspeito principal ao qual ser atribuda a culpa por esta ou aquelasituao desfavorvel, por este ou aquele delito.

    Goffman identifica, ento quatro categorias de desviantes: odesviante intragrupal, que se desvia de um grupo concreto e no sde normas; o desviante social, que se rene numa subcomunidade,ento chamada de comunidade desviante; membros de gruposminoritrios tnicos e raciais; membros da classe baixa. Estesdesviantes podem se ver funcionando como indivduos

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    estigmatizados, inseguros sobre a recepo que os espera nainterao face-a-face (pg. 157).

    No estudo dos comportamentos desviantes e dos processos deestigmatizao que a eles se relacionam, o desviante social transformado pelas sanes e restries impostas ao comportamentocondenado pelo sistema de valores, em uma pessoa acusada de atoscriminosos, de incapacidade de gerenciamento da prpria vida, emameaa potencial a todos que vivem em conformidade com o modelo

    apropriado de viver, etc.

    3. Concluso

    O ensaio Estigma Notas sobre a Manipulao da IdentidadeDeteriorada ainda uma leitura atual mesmo aps terem se passado45 anos de sua publicao, um perodo em que as mudanas nasociedade americana ocorreram de forma veloz e apontando, svezes, para direes opostas das da poca do autor. A prpriaglobalizao e a inveno da Internet contriburam para a reviso decomportamentos e normas sociais tradicionalmente aceitas.

    Mesmo assim, o fato de Erving Goffman trabalhar sua pesquisa emtermos sociolgicos, ou seja, estudando o indivduo dentro da rede de

    relacionamentos sociais, importante para posicionar aestigmatizao dentro das perspectivas de cada nicho. O autorrelativiza, assim, o estigma, que passa a ter maior ou menorimportncia conforme o contexto em que est inserido.

    Goffman tambm profetizou uma situao moderna em seu livro,quando mencionou quem mesmo aqueles que no participassem desindicatos ou associaes veriam-se representados, se no porpublicaes e entidades, mas pelas artes: conforme citei, sodiversas as obras cinematogrficas e programas de TV dedicados a

    dar voz ao indivduo estigmatizado.Isto importante para proporcionar-lhe uma auto-imagem clara, sema necessidade de recorrer ao acobertamento ou encobrimento, nem amanipular sua identidade de forma a ser aceito pelo Outro, alm deajudar a promover o relacionamento saudvel entre os grupossociais.

    Uma palavra que no foi mencionada no livro foi preconceito ; usou-sedesaprovao, desvio, no-aceitao, entretanto disto que o autortrata: discriminao, indiferena e justia social.

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    comum afirmarmos que o preconceito errado e ns o condenamoscom prontido sempre que o vemos claramente. Mas a forma maisperigosa de preconceito, o tipo que escapa sem que o percebamos, igualmente destrutivo, se no for mais ainda, pois a indiferena no seanuncia nas feias palavras ou aes de pessoas facilmenteidentificveis; em vez disto, ela furtivamente corri os elos que nosmantm unidos enquanto se esconde em plena vista sob o melhormanto possvel a nossa prpria ignorncia. (PATTERSON, 2004: 126)

    A leitura deste livro descobre e ilumina.

    Referncias Bibliogrficas

    GOFFMAN, Erving. Estigma Notas sobre a Manipulao daIdentidade Deteriorada . Rio de Janeiro/RJ: Guanabara, 1988.

    TERRA, Notcias. Sul-africana amputada estar na maratonaaqutica. Disponvel em Acesso em 18 ago. 2008.

    TERRA, Notcias. Crocia: vaga especial em shopping enfurecemulheres. Disponvel em Acesso em: 2 set. 2008.

    PATTERSON, S. W.; IRWIN, W.; BAGGET, D.et al . Harry Potter e aFilosofia in O Lamento de Monstro: F.A.L.E. como uma Parbola daDiscriminao, Indiferena e Justia Social . So Paulo/SP. Madras:2004. p. 126.

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