GARCIA, Nelson Jahr - Propaganda, Ideologia e Manipulacao

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    PROPAGANDA: IDEOLOGIA E MANIPULAO

    Nlson Jahr Garcia

    Propaganda comercial, eleitoral e ideolgica

    Ao assistir televiso, ler um jornal ou revista, ouvir rdio ou olhar um cartaz de rua, tem-se a ateno despertada para mensagens que convidam a experimentar um determinadoproduto ou a utilizar algum servio. So anncios que pedem para usar um sabonete, fumarcigarros de certa marca, depositar dinheiro numa caderneta de poupana e inmeros outros.Outras vezes, embora sem se referir especificamente aos produtos ou servios, os annciosmencionam uma determinada empresa ou instituio, falam de sua importncia para asociedade, dos empregos que ela propicia ou de sua contribuio para o progresso do pas.

    Procuram, dessa forma, criar uma imagem positiva da entidade para que se a considere comsimpatia. Trata-se, em todos esses exemplos, de publicidade, tambm denominadapropaganda comercial.

    A propaganda eleitoral, geralmente, realizada em vsperas de eleies. Suas mensagens,veiculadas pelos meios de comunicao ou divulgadas diretamente atravs de discursos eapelos pessoais, convidam a votar em determinado candidato, enaltecem suas qualidadespositivas e informam sobre as obras que realizou no passado e as que ir fazer no futuro, seeleito.

    A produo desses anncios envolve diversas e diferentes etapas. A empresa que deseja

    aumentar as vendas, o nmero de usurios de seus servios, ou o candidato que quer sereleito, contrata uma agncia de propaganda. A partir da, profissionais especializadospassam a estudar cuidadosamente os diversos aspectos que lhes permitam adquirir umperfeito conhecimento da situao. Verificam as caractersticas do produto ou servio,formas de distribuio, preos e informam-se sobre os concorrentes. No caso de candidatosa cargos polticos, analisam suas qualidades, aspectos fsicos, idias que defendem etc.Obtido o maior nmero possvel de informaes, a agncia passa a investigar os provveisconsumidores ou eleitores. Pesquisa seus hbitos, expectativas, motivaes, desejos e todos

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    aqueles elementos necessrios para prever as atitudes que podero assumir em face daspropostas a serem apresentadas. Verifica, ainda, os hbitos de leitura, locais quefreqentam, canais de televiso e estaes de rdio que preferem e os respectivos horrios.De posse de todos esses dados, relativos ao que deve ser anunciado, s pessoas que devemreceber as mensagens e aos veculos de divulgao, a agncia prepara a campanha. Tem

    condio, assim, de criar os comerciais e anncios de forma atrativa e convincente para, emseguida, difundi-los nos locais, veculos e horrios mais adequados consecuo dosobjetivos que tem em vista.

    A pessoa que recebe a comunicao no encontra nenhuma dificuldade em perceber que setrata de propaganda, ou seja, de que existe o fim especfico de gerar uma predisposio paraa compra ou utilizao da servio, criar uma imagem favorvel da empresa ou obter votos.Pode, inclusive, evitar os apelos desligando a TV, mudando a estao do rdio ousimplesmente no prestando ateno.

    H uma outra forma de propaganda que se desenvolve de maneira bem mais complexa. Noscasos at agora mencionados a meta era estimular apenas a prtica de um ou alguns atos

    isolados. Promovia-se, como vimos, a escolha de bens ou servios de certas empresas ou aopo de voto para o candidato de determinado partido. A propaganda ideolgica aocontrrio, mais ampla e mais global. Sua funo a de formar a maior parte das idias econvices dos indivduos e, com isso, orientar todo o seu comportamento social. Asmensagens apresentam uma verso da realidade a partir da qual se prope a necessidade demanter a sociedade nas condies em que se encontra ou de transform-la em sua estruturaeconmica, regime poltico ou sistema cultural.

    No mais to fcil perceber que se trata de propaganda e que h pessoas tentandoconvencer outras a se comportarem de determinada maneira. As idias difundidas nemsempre deixam transparecer sua origem nem os objetivos a que se destina. Por trs delas,

    contudo, existem sempre certos grupos que precisam do apoio e participao de outros paraa realizao de seus intentos e, com esse objetivo, procuram persuadi-los agir numa certadireo. E eles conseguem, muitas vezes, controlar todos os meios e formas decomunicao, manipulando o contedo das mensagens, deixando passar algumasinformaes e censurando outras, de tal forma que s possvel ver e ouvir aquilo que lhesinteressa.

    Os noticirios de jornais, rdio e televiso e os documentrios cinematogrficos transmitemas informaes como se fossem neutras, mera e simples descrio dos fatos ocorridos. Mas,em verdade, essa neutralidade apenas aparente, pois as notcias so previamenteselecionadas e interpretadas de molde a favorecer determinados pontos de vista. Os filmesde fico, romances, poesias, as letras de msicas e expresses artsticas de maneira geral

    parecem resultar da livre imaginao dos mais variados artistas. Todavia, a distribuio apromoo das obras so controladas de modo a s tronar conhecidas aquelas cujo contedono contrarie as idias dominantes. As denominaes de ruas e praas, as placascomemorativas e de sinalizao, as esttuas e efgies de pessoas, colocadas nos maisdiversos logradouros, aparentemente se destinam apenas a servir de orientao ou a decoraros ambientes. Porm, na maioria dos casos, cuja vida deva servir de exemplo, com oobjetivo de que sejam imitadas em benefcio da realizao dos interesses promovidos pelapropaganda. Professores extravasam sua funo de transmitir conhecimentos cientficos

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    para divulgar concepes comprometidas com certas posies. Lderes religiosos, que seprope a orientar seus adeptos pelos caminhos da paz espiritual e da salvao eterna,acabam empurrando-os para aes que favorecem lucros materiais e ambies terrenas.

    Por toda a parte e em todos os momentos so propagadas idias que interferem nas opiniesdas pessoas sem que elas se apercebam disso. Desse modo, so levadas a agir de uma outra

    forma que lhes imposta, mas que parece por elas escolhida livremente. Obrigadas aconhecer a realidade somente naqueles aspectos que tenham sido previamente permitidos eliberados, acabam to envolvidas que no tm outra alternativa seno a de pensar e agir deacordo com o que pretendem delas. Um exemplo concreto, dentro da histria brasileira,permitir esclarecer melhor essa amplitude da propaganda ideolgica.

    Em abril de 1964, alguns militares, com apoio de polticos, empresrios e segmentos daclasse mdia, tomaram o poder atravs de um golpe de estado. O novo regime poltico foiredefinido no sentido de restringir a participao popular, impedindo quaisquerreivindicaes, movimentos ou conflitos. Paralelamente, propunha-se a reorientao dosistema econmico para um modelo de desenvolvimento que, diferentemente das propostas

    nacionalistas anteriores, permitiria maior penetrao de capital externo no pas.Essas diretrizes eram fixadas em funo dos interesses das empresas multinacionais, dosgrandes proprietrios de terras, industriais, comerciantes e banqueiros. Atravs delas,estimulava-se a acumulao de capital sem os incmodos das tenses causadas pela lutareivindicatria dos trabalhadores.

    Mas esses objetivos no poderiam ser realizados sem o apoio e a colaborao dostrabalhadores em geral e da classe mdia. Necessitavam-se dos operrios nas fbricas, doscolonos nas fazendas e dos funcionrios nas reparties. Era preciso que todostrabalhassem e se esforassem o mais possvel, sem grandes exigncias, para promover aexpanso econmica. claro que tal apoio no seria conseguido se as pessoas visadas noestivessem convencidas de que atuavam em funo de seus prprios interesses e benefcios.Para isso o governo promoveu uma intensa campanha de propaganda ideolgica, que seresolveu durante vrios anos.

    Inicialmente improvisada e pouco sistemtica, a propaganda logo passaria a ser orientadapor rgos especialmente criados para coordenar as campanhas. A Assessoria Especial deRelaes Pblicas da Presidncia de Repblica (AERP) encarregou-se da propaganda nosgovernos de Costa e Silva e Mdici. Geisel teve a Assessoria de Imprensa e RelaesPblicas (AIRP), depois desmembrada em duas. Figueiredo criou a Secretaria daComunidade Social (SECOM), posteriormente substituda pela Secretaria de Imprensa eDivulgao (SID).

    Organizou-se, em todo o pas, um sistema de censura de tal forma rigoroso que quase nadapodia ser divulgado sem prvia autorizao. Qualquer informao ou notcia que noestivesse de acordo com a ideologia oficial do governo era proibida e podia acarretar apunio do responsvel. Estabelecido, dessa forma, o controle absoluto das informaes, apropaganda passava a desenvolver-se sem nenhum obstculo. O primeiro passo foijustificar o golpe do estado e o regime implantado. Explicava-se que o militares haviamtomado o poder porque o Brasil era um pas desorganizado pelas crises econmicas e

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    distrbios polticos constantes que os governantes e administradores corruptos noconseguiam solucionar. A dramtica ameaa de subverso e guerra revolucionria,orientada por comunistas portadores de " ideologias exticas e aliengenas", era o pretextoanunciado para justificar o carter autoritrio e repressivo do governo.

    Procurando legitimar o regime, a propaganda encarregou-se de enaltecer os presidentes,

    apresentando-os como lderes os mais indicados para serem chefes de governo. Com aconstruo de uma imagem positiva dos presidentes, esperava-se conseguir despertar aconfiana da populao para as suas decises, explicaes e esclarecimentos. Pretendia-seobter, tambm, a submisso s convocaes de mobilizao para o trabalho e apoio aogoverno.

    Mas no bastavam imagens; era preciso alguns fatos concretos que mostrassem governosatuantes, e a propaganda se encarregou de difundi-los. Todas as realizaes, pequenas ougrandes, eram divulgadas para todo o Brasil com insistncia e repetio. A todo omomento, na imprensa, rdio, televiso ou cinema, se mencionavam a industrializao doNordeste, a Transamaznica, os milhes alfabetizados pelo Mobral e tantos outros.

    Muitos feitos foram exagerados e dramatizados ao extremo, com o objetivo de sugestionaros ouvintes. Sugeria-se que naquele perodo se fizera mais que em toda a histria anteriordo pas; inmeras construes eram apresentadas como as maiores do mundo. Afirmava-seque todas a realizaes visavam ao bem estar da populao em geral, ocultando-se que osmaiores beneficiados eram os detentores do grande capital.

    Apelava-se para o orgulho patritico da populao, mas o amor ptria passou a sersinnimo de submisso ao governo. Quem contestasse o regime militar passava a serconsiderado antibrasileiro, e o "slogan" de 1970 impunha: "Brasil, ame-o ou deixe-o".

    Em seguida, a propaganda procurava instilar o esprito de f no pas para que a populao,

    confiando no futuro, aguardasse chegada de dias melhores e suportasse calmamente asdificuldades. Diziam que o Brasil era uma grande extenso de terras frteis cujas inmerasriquezas permitiriam que viesse a se transformar em grande potncia. Prometia-se aproduo de ouro, urnio, ferro, petrleo e alimentos em grandes quantidades, quando entono haveria mais problemas nem sofrimentos.

    Otimismo e confiana passaram a ser a tnica das mensagens. "Chegou a hora de crescersem inflao" (Castelo Branco). "Confiamos no Brasil" ( Costa e Silva). " Ningum segurao Brasil" (Mdici). " Este um pas que vai pra frente" (Geisel). " O Brasil encontrou asada. Vamos todos crescer" (Figueiredo). Foram pocas e slogans diferentes, mas sempre omesmo sentido.

    Legitimados o golpe e o regime, construda a boa imagem dos presidentes e suasrealizaes, estimulados o patriotismo e a confiana, restava pedir apoio e convocar para otrabalho. " Participao", a idia-chave da segunda metade dos anos 60 continuaria umlema a ser repetido pelos anos afora. " Pague seus impostas" (Castelo Branco). " A ordemdo Brasil o progresso. Marche conosco" (Costa e Silva). " Voc est convidado aparticipar das duzentas milhas" (Mdici). " O Brasil o trabalho e participao de todos"(Geisel). Todos esses slogans, cada um na sua poca, foram intensa e sistematicamenterepetidos em todos os meios de comunicao.

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    A propaganda deu resultados. Grande parte da populao acreditou no que ouvia confiandoem que os governos militares eram legtimos e defendiam seus interesses. Submeteu-se sdecises polticas e colaborou com o seu trabalho. Os objetivos foram alcanados em suamaior parte. O pas superou a crise em que se encontrava em 1964, expandiu-se o sistemafinanceiro, o capital estrangeiro investiu em todos os setores, diversificou-se a agricultura e

    se desenvolveu a indstria. As fbricas, as fazendas e os bancos cresceram e com eles oslucros. Os grandes beneficiados foram os proprietrios do grande capital. Uma pequenaparte da populao recebeu alguns poucos frutos desse desenvolvimento, mas oscapitalistas viram sua riqueza multiplicar-se rapidamente, ficando com a maior parte. Paraas classes trabalhadoras, contudo, a pior conseqncia foi a alienao produzida pelapropaganda, a ignorncia sobre suas prprias condies de vida e seu papel na sociedade.Mistificadas, perderam grande parte da sua capacidade de organizao e luta em defesa deseus prprios interesses, e s ao final dos anos 80 que viriam a recuperar parte de suafora.

    Esses exemplos so simplificativos para mostrar a fora de expanso da propagandaideolgica. Ela foi empregada em todas as pocas conhecidas da histria, pelos mais

    diversos grupos e lderes. Uns para manter o status quo e garantir seu poder, outros paratransformar a sociedade todos procuraram envolver as massas na consecuo dedeterminados objetivos e realizao de certos interesses. Inmeras vezes a propaganda foitotal, utilizada no apenas para divulgar alguns idias e princpios, mas para incutir todauma viso do mundo e sua histria, de idias e respeito do papel de cada indivduo e suafamlia, da posio dos grupos e classes na sociedade e para impor valores e padres decomportamento como os mais adequados e mais justos.

    A propaganda nem sempre se desenvolveu da mesma maneira, mas variou conforme omomento histrico que foi realizada. Em cada poca, o modo de produo econmicovigente, o estdio em que se encontravam as foras produtivas, a posio e capacidade das

    classes sociais em conflito que determinaram a forma, o contedo e o grau de intensidadedas campanhas. Mas h alguns aspectos que permanecem constantes, repetem-se nahistria, e podem ser considerados princpios gerais. o que se ver a seguir.

    Classes Sociais, Ideologia e Propaganda

    As aes humanas se definem e se distinguem pelo fato de que so realizadas com umcarter eminentemente social, baseadas na cooperao entre diversos indivduos. Para quepossam satisfazer s suas necessidades, as pessoas dependem de bens e produtos os maisdiversos. A produo e distribuio desses bens exigem o trabalho integrado de vrios

    homens, colaborando uns com os demais. Para que essa colaborao seja possvel, indispensvel que haja certas idias orientadoras, partilhadas pela maioria, que a orientenuma mesma direo, permitindo a consecuo dos objetivos comuns. Cada indivduoprecisa ter concepes a respeito do meio em que vive, dos objetivos que devem seratingidos e do seu papel no conjunto das relaes sociais. Somente quando essas idiascoincidem com as dos demais membros da sociedade que lhes possvel agir e participarde forma harmnica e integrada.

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    As idias no surgem fortuitamente na mente humana, mas so produzidas a partir dapercepo da realidade concreta, tal como vivida pelos membros da sociedade. Ocorre queas pessoas no vivem da mesma forma. Embora se encontrem perante uma mesmarealidade, inserem-se nela de maneiras diferentes, advindo da diversas e distintas formasde pensar. Em outras palavras, as idias so determinadas pela posio que se ocupa no

    contexto social. Resta verificar como se caracterizam as diferenas de participao dosindivduos em uma mesma sociedade.

    A forma como os homens se encontram integrados na produo econmica determina oslimites de sua atuao e participao em todos os nveis sociais, estabelecendo o seu"espao". A expresso "espao", no aspecto social, tem um sentido especfico. a rea,definida por certos limites, dentro dos quais os indivduos e grupos podem agir. No setrata de uma rea fsica ou geogrfica, mas de um conjunto de relaes. Isto significa dizerque as pessoas, em suas relaes com os objetos matrias e imateriais e com outrosindivduos, esto condicionadas por certas barreiras que restringem suas possibilidades deao. o caso das classes sociais. Uma classe social se constituem pelo conjunto daquelesindivduos que tm uma mesma posio e ocupam o mesmo espao no plano da produo

    econmica, situao que lhes determina uma mesma forma de participao a nvel polticoe cultural. Quando a produo se encontra organizada em moldes capitalistas, a sociedadese caracteriza pela diviso em duas classes fundamentais: os trabalhadores de um lado e oscapitalistas do outro. Essas duas classes vivem em condies totalmente diversas eantagnicas.

    Os trabalhadores tm o seu espao delimitado pelo fato de que entram na produo apenascom sua fora de trabalho, participando dos resultados atravs de um salrio que lhesgarantem, exclusivamente, o mnimo necessrio prpria subsistncia. Refletindo essamarginalizao econmica, em nvel poltico, os trabalhadores so apenas os sujeitospassivos das decises e medidas geradas no seio do Estado. Essas decises so tomadas e

    implementadas atravs de rgos governamentais, onde os representantes dos trabalhadoresno existem ou constituem uma minoria insignificante. No plano cultural, da mesma forma,a situao reflete a realidade econmica, sendo mnimas as possibilidades de acesso aosprodutos culturais para qualquer trabalhador. Poucos podem estudar em escolas alm dedeterminado grau, no tm condies de adquirir livros, discos ou quadros, nem defreqentar concertos, cinema ou teatro.

    Por outro lado, o espao dos patres, dos capitalistas, bem mais amplo. Eles so osproprietrios dos meios de produo: as terras, mquinas, ferramentas. Nessa condio,apropriam-se da maior parte dos bens produzidos, fato que se concretizam no seu crescenteenriquecimento. Conseguem controlar rgos do governo para que as decises e medidassejam favorveis aos seus interesses e tm grande acesso produo cultural que, inclusive,ajudam a financiar.

    Essa diversidade de posies, frente a uma mesma realidade, determinam as concepes arespeito dela sejam igualmente distintas. Se para os mais privilegiados trata-se de umasociedade bem organizada e justa, para os demais ela lhes parece absurda e desumana.

    Todavia, os limites que definem os espaos das classes sociais no so estticos nemeternos. Em determinados momentos histricos surgem possibilidades, para uma classe ou

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    parte dela, de ampliar seu campo de ao. A possibilidade aparece, geralmente, quando umgrupo adquire maior fora em virtude do aumento numrico de sues membros, ou por se terorganizado melhor, ou qualquer outra razo que permita visualizar uma alternativa de lutare conquistar melhores condies de existncia. o que tem ocorrido com os operrios damaioria dos pases de economia capitalista. O desenvolvimento econmico faz com que

    sejam necessrios trabalhadores com melhor habilitao profissional. Pelo prprio fato deserem mais qualificados e, portanto, intelectualmente melhor preparados, esses operriosencontram-se com mais condies de entender a situao e perceber a contradio entre obaixo nvel salarial e os altos lucros das empresas. A partir do momento em que passam atrocar informaes e discutir sua situao, comeam a adquirir maior capacidade deorganizao e mobilizao, que lhes permite lutar o obter melhores condies de vida.

    Ocorre, contudo, que devido s dissidncias e antagonismos existentes entre as classessociais, a ampliao do espao de atuao de uma, geralmente, implica a reduo do espaoda outra. Realmente, a possibilidade de os trabalhadores obterem um aumento salarialresulta na igual possibilidade de reduo dos lucros dos patres. Da mesma forma, aparticipao poltica atravs da eleio de alguns representantes operrios significaria uma

    diminuio do nmero equivalente de representantes dos patres e assim por diante.

    nessa contradio que se definem os interesses das classes sociais. O espao passvel deser ocupado pelos trabalhadores constitui, ao mesmo tempo, uma rea passvel de serperdida pelos patres. Esse espao corresponde, nesse momento, aos "interesses" dossetores em conflito. Isso significa dizer que o "interesse" de uma classe social corresponde possibilidade que ela tem de ampliar o espao que ocupa ou necessidade de defend-locontra as ameaas de outra classe. Nesse caso, para a classe operria trata-se de uminteresse de transformao, com menor ou maior mudana de suas condies. Para a classepatronal, significa um interesse de manuteno, de conservar a sociedade na forma como seencontra organizada, impedindo uma mudana que signifique a perda de uma rea j

    ocupada e das vantagens e privilgios que ela representa. A intensidade da mudana variade acordo com as condies concretas em que se encontra a sociedade naquele momento.Pode haver pequenas mudanas quantitativas, com maior ndice salarial, maisrepresentantes polticos, direito de freqentar escolas de grau mais elevado. Pode, tambm,traduzir-se em radicais transformaes qualitativas, como a mudana do sistema econmicoou do regime poltico. Voltemos, agora, anlise da forma como se desenvolvem as idiasdos agentes sociais.

    Qual a primeira condio necessria para que uma classe consiga realizar seus interesses,atuando no sentido de ampliar ou manter seu espao? Antes de mais nada preciso queseus membros percebam que essa possibilidade existe. Para tanto importante que tenhamconhecimento da situao em que vivem, saibam qual a sua fora e quais as condies emque se encontram os membros de outras classes. S ento tm condies fixar objetos etraar os caminhos mais adequados para atingi-los, que podem ser desde uma reivindicaoperante um tribunal at uma greve geral e mesmo uma revoluo armada. Em outraspalavras, preciso que a classe adquira conscincia das suas reais condies de existncia edas possibilidades de mudana ou da necessidade de manuteno nessas mesmas condies.Essa conscincia nada mais que um conjunto de idias a respeito da realidade social, ouseja, uma ideologia.

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    Uma ideologia contm trs tipos bsicos de idias, que so as representaes, os valores eas normas. Representaes so idias a respeito de como a realidade: como estorganizada a sociedade, em que classes se divide, se h ou no explorao de uma pelaoutra, como ocorre a explorao etc. Valores so idias a respeito de como deve ser arealidade: a organizao social deve ser diferente, sem classes e sem explorao ou, ento,

    tudo deve permanecer como est. Finalmente, normas so aquelas idias a respeito do quedeve ser feito para transformar a realidade ou mant-la nas condies em que se encontra:votar no candidato que torne a sociedade menos injusta, organizar uma greve para forar ogoverno a providenciar mudanas ou, para aqueles que querem manter a situao, usarfora policial para reprimir reivindicaes, demitir operrios grevistas etc.

    Uma vez definida, a ideologia serve como modelo para a compreenso da realidade e guiaorientador da conduta de todo o grupo e de cada indivduo em particular. Resta verificar deque forma essa ideologia propagada, tornando-se conhecida pelos diversos membros deuma classe social ou, at mesmo, por toda a sociedade.

    Uma ideologia nunca surge, ao mesmo tempo, para todos os membro de uma determinada

    classe. Geralmente so apenas uns poucos, um pequeno grupo que consegue adquirirconscincia e visualizar um quadro completo de sua realidade. Todavia, sua atuao isoladapode no ser suficiente. De nada adiantaria se apenas alguns lderes sindicais fizessem umagreve. Se os operrios de um nico setor da indstria lutarem por seus interesses, podem serdespedidos sem nada obter, sem realizar nenhuma mudana. Os empresrios, tambm,pouco conseguiriam se apenas alguns reagissem contra as ameaas aos seus privilgios ous uns poucos procurassem obter medidas que assegurassem maiores lucros. Da aimportncia do apoio, seno de todos, ao menos de uma grande maioria dos membros deuma mesma classe, para que possam atingir qualquer resultado. Por essa razo que umgrupo, percebendo possibilidades de progresso ou a necessidade de defesa contra certasameaas, procura difundir suas idias. Sua expectativa a de integrar o maior nmero de

    pessoas que, aceitando os mesmos valores e normas, atuem numa mesma direo,permitindo que os objetos sejam atingidos. Seno houver idias comuns, torna-seimpossvel coordenar, integrar as aes, organizar as lutas e os movimentos.

    Ocorre tambm, muitas vezes, que determinado objetivos que podem ser atingidos por certaclasse se a outra resistir e impedir as aes. Nesse caso se torna necessrio que a outraclasse d seu apoio e, at mesmo, colabore ativamente para a consecuo daquelesobjetivos, o que exige que a ideologia seja aceita tambm pelos seus membros. Os patresquerem manter ou aumentar seus lucros, precisam do trabalho de seus empregados, sem oqual lhes impossvel realizar esse intento. Para os trabalhadores, tambm, mais fcilconquistar melhores condies se puderem contar com o apoio dos empresrios, situaoque raras vezes ocorre na realidade concreta. Por essas razes que os grupos sociaisprocuram difundir suas idias, no s para aqueles que pertencem mesma classe socialcomo aos de outras. Essa difuso da ideologia se faz pela propaganda ideolgica.

    O Desenvolvimento da Propaganda

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    A propaganda ideolgica envolve um processo complexo, com termos e fases distintas. O"emissor", grupo que pretende promover a difuso de determinadas idias, ao visar outroscom interesses diversos, realiza a "elaborao" de sua ideologia para que as idias nelacontidas paream corresponder queles interesses. Feito isso, procede um trabalho de"codificao". pelo qual transforma as idias em mensagens que atraiam a ateno e sejam

    facilmente compreensveis e memorizveis. Atravs do "controle ideolgico" o emissormanipula todas as formas de produo e difuso de idias, garantindo a exclusividade naemisso das sua prprias. Procura, dessa forma, evitar a possibilidade de que os receptoresvenham a receber, ou mesmo produzir, outra ideologia que os oriente contra os interessesdo emissor. A partir da as mensagens so emitidas atravs da "difuso", que procura atingiro mais rapidamente possvel um maior nmero de pessoas.

    Elaborao

    Quando a propaganda ideolgica se faz entre os membros de uma mesma classe social, as

    idias a serem propagadas no precisam sofrer nenhum tipo de elaborao maissignificativo. Isto porque se trata de pessoas que, por pertencerem mesma classe, ocupamuma mesma posio, donde se segue que tenham interesses comuns. Nesta caso, as idiasdefendidas por uns dificilmente seriam rejeitadas pelos demais.

    No haveria grandes dificuldades para operrios transmitirem a outros a idia de que suasituao precria e da necessidade de se mobilizarem para conquistar melhores condies.Podem surgir divergncias quanto forma e ao momento da mobilizao, mas dificilmentequanto idia em si. Um grupo de empresrios tampouco teria dificuldades para mostraraos demais a importncia de se ajustar certas medidas econmicas, de forma a aumentar oslucros de todos. Nesses casos, praticamente no h necessidade de convencer, de persuadir,pis que a apresentao clara das idias j deve ser suficiente para que os receptores demsua adeso e apiem as propostas. A propaganda adquire, nesses casos, um carter dedemonstrao e conscientizao. Procura explicar a realidade existente, mostrar anecessidade de mud-la ou mant-la e indicar formas de realizar interesses que so comuns.

    Se a propaganda realizada de uma classe social para outra que tem interesses diversos, asimples difuso da ideologia j no suficiente para gerar adeso. Nesse caso, o grupoemissor, antes de difundir suas idias, elabora-as para que se adaptem s condies dosreceptores, criando a impresso de que atendem a seus interesses. Mas a verdade que asidias contm apenas os objetivos do emissor, e a impresso contrria s possvel se, aose reportar realidade, as mensagens ocultem ou deformem alguns de seus aspectos. Nessecaso, convencidos de que as propostas atendem s suas necessidades, os receptores no tm

    razo para discordar delas. A elaborao, dessa forma, esconde quais so os interesses reaisexistentes por trs da ideologia, ao mesmo tempo que oculta a realidade vivida pelosreceptores, para que estes no possam formular outras idias que melhor correspondam sua posio. Neste caso, a propaganda no tem mais o carter de conscientizao, mas demistificao, manipulao e engano.

    A forma mais utilizada na elaborao das ideologias a universalizao.As idias, que narealidade se referem aos interesses particulares de uma classe ou grupo, so apresentadas

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    como propostas que visam a atender a todos e satisfazer s necessidades da maioria. NoBrasil, isto tem sido constantemente feito com relao s medidas governamentais,apresentadas atravs de frmulas do tipo: "benefcios para o povo", "progresso do pas","desenvolvimento nacional", "para o bem de todos", "para todos os brasileiros".

    A elaborao tambm tem sido feita por transferncia,em que os interesses contidos na

    ideologia so transferidos e atribudos diretamente aos receptores. Um dos primeiros aadotar ostensivamente essa frmula, no Brasil, foi Getlio Vargas. Seus inmeros discursoscomeavam dirigidos aos "Trabalhadores do Brasil" e seguiam com a enumerao dasmedidas tomadas pelo governo como tendo sido adotadas para beneficiar os operrios.Ajudava-se os industriais com incentivos, emprstimos e subsdios. Mas a propagandatransferia as vantagens para os trabalhadores alegando que, com o estmulo s indstrias,estas teriam condies de oferecer melhores empregos.

    A universalizao e a transferncia tambm se processam de forma mais sutil. Hexpresses que no tm significado muito preciso, de tal forma que cada pessoa lhes duma interpretao. o que ocorre com os conceitos de "democracia", "igualdade",

    "justia", "liberdade" e tantos outros. Quando algum fala em "democracia" a um grandenmero de pessoas, cada uma entende a palavra num sentido relacionado sua prpriacondio. Pequenos empresrios pensam em maior abertura para decidir sobre seusprprios negcios ou na possibilidade de concorrer com as multinacionais em igualdade decondies. Operrios pensam em liberdade de lutar eficazmente por melhores condies detrabalho. Estudantes imaginam maior participao dos alunos nas decises e atividadesescolares, e assim por diante. E a palavra democracia insistentemente utilizada pelospolticos e homens de governo, que raramente explicitam a que se referem concretamente.A propaganda age, assim, resumindo as idias em expresses ambguas dos tiposmencionados. Consegue-se, com isso, que cada um dos que ouvem a mensagem concordecom ela, por acreditar que diga respeito a si e a seus interesses e necessidades, e acabe

    apoiando o sistema econmico e o regime poltico.A universalizao e a transferncia so feitas, ainda, de forma indireta. Ao invs deapresentar propostas como possveis de atender a todos, mascara-se a diferena entre osindivduos, grupos e classes sugerindo-se a igualdade. Mostra-se a sociedade como um todohomogneo onde no h diferenas de posies e interesses. Tal imagem acaba por levar concluso de que quaisquer medidas beneficiam a todos sem discriminao, j que soiguais. Expresses do tipo "todos so iguais perante a lei"; teses sobre o Brasil ser um pascordial onde todos falam a mesma lngua e professam a mesma religio, a propaladaafirmao de que no Brasil no h racismos nem preconceitos, so argumentos empregadoscom aquele objetivo. Ao serem convencidas de que so cidados de um pas onde todos sotratados igualmente, as pessoas acabam por no perceber a explorao de que so vtimas.As divergncias com pases estrangeiros, at mesmo em caso de guerras, tm permitidomanipular a populao para que esta sinta participar de um todo nico. A nica diferenapassa a ser entre nacionais amigos e estrangeiros inimigos. Nesse contexto, todas as idias epropostas so recebidas como visando ao interesse geral.

    Quando no possvel ocultar as diferenas existentes na sociedade, procuram minimiz-las, torn-las insignificantes. A frmula mais comumente empregada para tal tipo desugesto a do chamado "mito do esforo pessoal". A idia divulgada alegando-se que a

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    diferena entre ricos e pobres corresponderia a uma distino entre pessoas mais e menosesforadas. Afirma-se que os que detm grande quantidade de bens conseguiram adquiri-losporque trabalharam muito para isso, e que qualquer pessoas que se exera o suficiente podeatingir altos cargos e ganhar muito bem. Tomam-se alguns exemplos de pessoas bem-sucedidas, apesar de sua origem bastante humilde, alegando que progrediram porque

    estudaram com afinco e se esforaram muito. Embora esses exemplos raramenteultrapassem uma dezena, num pas de milhes, fica a idia de que qualquer um, comtenacidade, pode atingir a nvel dos mais privilegiados na sociedade. Essa idia pareceanular a contradio entre as classes, em que uma explorada pela outra e no temalternativas para fugir dominao. Todavia, oculta um aspecto importante dos pasessubdesenvolvidos. Nesses, a grande massa populacional, devido subnutrio, doenas,necessidade de trabalhar desde criana, no tem condies de se esforar ou estudar.

    H outras situaes em que as diferenas e contradies entre as classes sociais so muitogritantes. Quando se v, numa mesma regio, favelas e manses luxuosssimas, famintos aolado de indivduos ostensivamente poderosos, no h meios de se ocultar ou minimizar asdiversidades. A propaganda recorre, ento, ocultao dos efeitos da explorao. No nega

    a pobreza existente, mas esconde que ela existe para garantir o enriquecimento de alguns. assim que a elaborao se faz, no sentido de desvalorizar os benefcios recebidos pelaclasse dominante. Formulam-se argumentos de que as pessoas no podem comer alm deum certo limite, no podem utilizar mais de um automvel ao mesmo tempo, para concluirque a riqueza no to significativa nem to atraente. Afirmam-se serem to poucos osprivilegiados que a redistribuio de sua riqueza s daria uma pequena e insignificanteparte para cada um. Ou, ento, procura-se apresentar a riqueza como desvantajosa sobargumentos do tipo "dinheiro no traz a felicidade", "dinheiro acarreta preocupaes", "ricomorre de enfarte", "os ricos, para manter sua fortuna, precisam trabalhar mais que os pobrese no tm tempo de aproveitar a vida", "Natal de pobre mais humano e no to formalquanto o dos ricos". Aproveita-se a diferena de costumes, onde os hbitos das classes mais

    abastadas so postos como desagradveis e cansativos. "Rico no pode comer vontade porter de obedecer a regras de etiqueta" ou ento "tem de comer pouco por educao". Sugere-se, com isso, que a condio dos explorados menos desagradvel que a dos exploradores.

    Quando no possvel ocultar os benefcios para as classes dominantes, disfaram-se osprejuzos para os dominados. Nega-se, por exemplo, que os salrios sejam to baixos comode fato so. Diz-se que assistncia mdica garantida pelos Institutos de Previdncia, aexistncia de produtos a preos mais baixos por subsdio do governo, a construo deestradas e avenidas, a assistncia das Delegacias do Trabalho, a segurana policial, tudodeve ser considerado como um salrio indireto, j que so vantagens que independem depagamento direto dos empregados e custariam carssimas se no fosse assim. Tenta-se,

    tambm, sugerir que se a situao no to boa, resta o consolo de que poderia ser pior.Exemplo sugestivo dessa ttica ocorreu em fins de 1976, quando o governo brasileirolanou uma campanha que, entre outras coisas, afirmava: "Se voc est triste porque perdeuseu amor, lembre-se daquele que no teve uma amor para perder (...); se voc est cansadode trabalhar, lembre-se daquele angustiado que perdeu o seu emprego; se voc reclama deuma comida mal feita, lembre-se daquele que morre faminto (...), lembre-se de agradecer aDeu, porque h muitos que dariam tudo para ficar no seu lugar".

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    Para disfarar os efeitos da dominao procura-se, tambm, atribu-los a um "bodeexpiatrio", um elemento, muitas vezes externo, que responsabilizado pelos problemas.Crises internacionais, alto preo de produtos importados, ao de empresas e gruposestrangeiros, corrupo de alguns polticos, infiltrao comunista at mesmo misteriosas"foras ocultas" passam a ser apresentados como responsveis por todos os males. Fatos e

    pessoas do passado, tambm, costumam ser responsabilizados por problemas presentes,ocultando-se, dessa forma, a real origem dos males. Assim que a colonizao portuguesateria sido a causa original do subdesenvolvimento brasileiro e das precrias condieseconmicas atuais. Ou ento foi o sistema de monocultura da economia cafeeira, adotadonos comeos do sculo, que gerou a atual crise econmica. Com tudo isso, a classedominante disfara sua explorao sobre os demais e neutraliza a possibilidade de quelutem por melhores condies de vida.

    Chega-se, mesmo, a atribuir a culpa da pobreza aos prprios pobres. Por no seinteressarem em estudar, por no ferverem as guas contaminadas, que soincompetentes, pobres e doentes.

    Dessa forma, grande parte da populao, que no tem nenhum acesso assistncia mdica eeducacional, v inverter-se a relao para se tornar culpada pelo que no tem condies defazer. em parte com esse objetivo que os textos de certas campanhas repetem toinsistentemente: "voc tambm responsvel", "O Brasil feito por ns", "no deixe devacinar seu filho". De tanto ouvir tais apelos, os receptores acabam sentindo-se culpadospelos problemas, com a impresso de que, se eles existem, porque no tomaram algumaprovidncia para a qual foram alertados. Por toda a parte, na sociedade, esto pessoas aafirmar que se tivessem estudado mais, ou trabalhado com mais afinco, ou feito isso eaquilo, poderiam encontrar-se em melhores condies. Sequer percebem que sua situao fruto do fato de pertencerem a uma classe qual no so dadas outras alternativas e a spoucas apresentadas so ilusrias.

    Mascara-se, tambm, a dominao e a explorao de classes atribuindo-se a algumaspessoas ou a certos rgos e instituies toda a responsabilidade pelas medidas tomadas eimplementadas. Apregoa-se, por exemplo, que o governo, o presidente, ou algunsburocratas que detm o poder e se encarregam de todas as decises. Oculta-se que, naverdade, eles no detm o poder, mas apenas o exercem na defesa dos interesses dosdetentores do capital. esse disfarce permite sugerir que todas as decises so tomadas porpessoas ou grupos neutros e desinteressados, cuja nica preocupao progresso do pas.

    Na maioria dos pases da Amrica Latina, as classes dominantes, as que realmente detm opoder da deciso, so compostas por proprietrios de capital financeiro, latifundirios,empresrios nacionais associados aos de empresas multinacionais. com a plena conscincia

    dessa situao, as populaes talvez no apoiassem seus governos, porque perceberiam quea participao do povo insignificante e seus interesses no so atendidos. Por essa razo,deformam a realidade, atribuindo todo o poder de deciso ais militares ou tecnocratas.Como estes no so banqueiros nem latifundirios, podem afirmar que os interesses visadosso os do povo. Na verdade, estes militares e tecnocratas so instrumentos - de boa ou m-f - de grupos cujos interesses no podem deixar de realizar. Estes, a propaganda esconde eno deixa aparecer como os realmente beneficiados.

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    Ttica muito empregada a de construir a imagem de um lder, responsvel por todas asmedidas, nico detentor do poder. Enquanto a populao acreditar nele no percebe quemso os verdadeiros privilegiados que se encontram por trs das decises. Alm disso, hsempre a possibilidade de se substituir um lder por outro, em pocas de crise econmica oupoltica, convencendo a populao de que o substituto poder solucionar todos os

    problemas. So os chamados lderes carismticos, homens que parecem possuir dotes eatributos excepcionais. A propaganda cuida de propalar insistente e repetidamente asqualidades daquele que dirige. Gnio poltico, inteligente, hbil, de inusitada memria, esuperior a todos os demais, a ele deve caber o exerccio pleno do poder. Mas no bastam asqualidades excepcionais; os lderes s so seguidos se forem capazes de compreender acondio de seus liderados. A propaganda cuida deste aspecto tambm, apresentando-ocomo popular, simples, acessvel e, portanto, capaz de compreender melhor que ningum osproblemas da maioria.

    A elaborao da ideologia tambm tem sido feita pela negao de quaisquer possibilidadesde mudanas que possam beneficiar os receptores, como forma de fazer com que estesaceitem as propostas apresentadas como as nicas possveis. Assim, quando trabalhadores

    pretendem maior participao nos resultados econmicos atravs de aumentos salariais,argumentam que impossvel melhorar os salrios, porque haveria tal aumento de custospara as empresas que as levaria falncia, deixando os operrios em situao ainda pior: ado desemprego. Outras vezes, procuram demonstrar que as contradies e desigualdadesso naturais e inevitveis, que sempre haver pessoas privilegiadas e outras destitudas dequaisquer recursos, de nada adiantando lutar contra isso. Afirmam mesmo que a realidade de tal ou qual forma porque Deus quis assim e intil pretender transformar a natureza emque s o "Todo Poderoso" pode decidir. Ou ento se utiliza a tcnica de criar uma imagemdas pessoas que seja incompatvel com qualquer proposta de mudana social. Sob o rtulode "carter nacional brasileiro" se atribui uma srie de caractersticas populao, onde sediz que o homem brasileiro se define pelo individualismo, pela emotividade, pela vocao

    pacifista e outros. Da concluem e argumentam que, sendo individualista, pouco dado aotrabalho em conjunto e em cooperao, incapaz de se organizar em partidos polticos,justificando o controle autoritrio dos partidos pelo governo. Sendo emotivo, decomportamento pouco racional, alega-se que no deve ter maior participao poltica pelovoto direto, que exige senso crtico e tirocnio. Apoiando-se na idia de que o povobrasileiro cordial e pacfico, afirma-se que contrrio aos conflitos e se probem as grevese movimentos de contestao, porque seriam insuflados por agentes comunistasestrangeiros.

    Chega-se a falsificar e deformar fatos da histria, a fim de esconder a capacidade de umaclasse para obter a realizao de seus interesses. Uma das formas de os indivduos melhor

    conhecerem suas condies de existncia, sua posio na sociedade, a compreenso dopassado histrico. Importa ter noo das prprias razes, das origens e do desenvolvimentoda classe social a que se pertence, das lutas e conquistas obtidas pelos antepassados. Soaspectos importantes para que os membros de uma sociedade possam localizar-se notempo, compreendendo o processo de desenvolvimento em que esto inseridos. Da apreocupao daqueles que detm o poder em interpretar a histria a seu favor, deformandoo passado histrico de certos grupos, para que no adquiram conscincia a respeito de suaprpria fora.

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    A atuao das classes mdia e trabalhadora teve um papel importante na evoluo de todosos pases capitalistas. Suas exigncias determinaram uma srie de medidas que permitiriamuma organizao mais racional e eficiente do trabalho. Todavia, a histria universal foiescrita e ensinada nas escolas como um conjunto de fatos resultantes das decises de apenasalguns homens, ora heris, ora tiranos. A histria passou a ser um conjunto de atos e

    comportamentos das elites, como se a maioria das populaes no tivesse nenhum papel noprocesso. Essa interpretao, quando disseminada, gera um impresso de que os povos soincapazes de decidir sua prpria vida, necessitando das elites para cuidar de seus interesses.

    Mas nem sempre possvel ocultar totalmente os interesses dos receptores ou a suacapacidade de escolher seu prprio destino. Nesse caso a elaborao tem sido feita peloadiamento, para um futuro vago, das satisfao de certas necessidades. As elites e osgovernantes costumam prometer futuros grandiosos quando haver bem-estar para todos.Sugerem que se deve suportar alguns problemas e aceitar sacrifcios, em funo dosmelhores dias que viro. As descobertas de riquezas, os avanos tecnolgicos, tm sidoconstantemente alardeados, de forma dramtica, como as novas fontes que traro oprogresso e desenvolvimento para todos. Com tudo isso se faz que as pessoas, confiando no

    amanh, no dia melhor para seus filhos, aceitem passivamente suas agruras.

    Todos os casos acima mencionados constituem frmulas de apresentao das idias epropostas de grupos que deformam a realidade, ocultando o fato de que elas se referemexclusivamente satisfao de seus objetivos. Adequando-as, assim, aos interesses de todosou, mais especificamente, dos receptores, tornam possvel fazer com que se submetam e atmesmo colaborem para a realizao daqueles intentos. Existem ainda outras possibilidadesde elaborao de ideologia, cada momento histrico determinando quais so as maiseficazes.

    Codificao

    A realidade social extremamente complexa. So indivduos, grupos menores ou maiores eclasses sociais interando-se uns com os outros e se defrontando com objetos que podem ouno satisfazer as suas necessidades. Integram-se econmica, poltica e culturalmente,compondo toda uma trama de relaes altamente diversificada. Por participarem de formasdiferentes dessas relaes os homens tm conhecimentos e experincias igualmentediversas. Sua capacidade de compreenso varivel. Enquanto uns tm mais facilidade paraentender certos fenmenos, outros no conseguem sequer perceb-los. Outros, ainda, nem

    chegam dar ateno a um grande nmero de fatos e acontecimentos, por no consider-losimportantes, embora possam interferir profundamente em suas vidas. Uma ideologia, porrefletir a realidade, reflete tambm grande parte de sua complexidade e, para muitos,dificilmente compreensvel em seu todo. Nessa condies a propaganda, para transmitir aideologia, precisa adaptar e adequar as idias nela contidas s condies e capacidade dosreceptores de tal forma que tenham sua ateno despertada para as mensagens e consigamentender seu significado. Pois bem, codificao processo pelo qual as idias sotransformadas em mensagens passveis de serem transmitidas e entendidas.

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    H inmeras formas pelas quais as idias so codificadas antes de sua divulgao. Emprimeiro lugar, levando-se em conta aquelas pessoas que tm dificuldade em entendercertas idias complexas, procura-se simplific-las. Essa simplificao pode ser maior oumenor, em funo do grau de compreenso daqueles que devero receb-las. Lenin,procurando definir a maior forma de organizar a propaganda socialista, afirmava que o

    agitador para atingir uma grande massa, deveria transmitir uma s idia ou um pequenonmero delas. Hitler, por sua vez, entendendo que a capacidade de compreenso do povoera limitada, considerava que a propaganda deveria restringir-se a poucos pontos repetidoscomo estribilhos. A propaganda, dessa forma, procura difundir apenas o essencial docontedo de uma ideologia, selecionando algumas idias fundamentais, restringindo-se auma ou se limitando a um mero sinal simblico.

    As declaraes, programas e manifestos, entre outros, constituem formas de simplificaoem que se encontram selecionadas e destacadas as idias centrais de uma determinadaideologia. O "Credo" contm as idias bsicas defendidas pela Igreja Catlica.

    O "Manifesto Comunista" constitui uma sntese das principais concluses contidas no

    pensamento socialista tal como formulado por Marx e Engels.Procurando obter simplificao ainda maior, a propaganda utiliza frmulas curtas quecontenham uma ou alguma das idias mais importantes de uma dada corrente ideolgica. A"palavra de ordem" contm, em uma expresso curta, o principal objetivo a ser atingido emdeterminado momento.

    Quando, durante os movimentos estudantis ocorridos ao final dos anos 60, defendia-se aidia de que era necessrio reduzir a verba destinada s Foras Armadas para que fossepossvel atender s necessidades bsicas do povo, adotou-se, para difundi-la, a palavra deordem "Mais po, menos canho".

    O slogan, outra forma de simplificao muito semelhante palavra de ordem, contm umapelo aos sentimentos de amor, dio, indignao ou entusiasmo daqueles a quem se dirige."Aqui comea o pas da liberdade", escreviam os revolucionrios franceses na fronteira deseu pas. Esses mesmos revolucionrios adotavam o lema "Liberdade, igualdade efraternidade" para representar suas idias e despertar a emoo dos ouvintes.

    A frmula mais sinttica que se pode utilizar para exprimir uma idia o smbolo, brevesinal que resume uma ideologia ou que a representa. Justamente por ser bastante simples, usado constantemente pela propaganda. Impresso em jornais, panfletos, nas bandeiras,pintando nas paredes e muros, utilizando como distintivo nas roupas, permite difundir aidia a que se refere de forma ampla e rpida.

    Os smbolos so formados por sinais grficos, gestos ou expresses e cumprimentosrepetidos pelos adeptos de uma determinada corrente. Foram empregados em todas aspocas e, dentre os conhecidos, o adotado pelos aliados durante a Segunda Guerra Mundialpode ser considerado dos mais perfeitos. O "V" era bastante simples: apenas dois traosretos que podiam ser rapidamente reproduzidos, com qualquer instrumento de escrita, empapis, paredes, no cho ou em quaisquer objetos. Alm disso, era suficientementesugestivo por ser a letra inicial da palavra Vitria ( Victory), que representava o principalobjetivo dos aliados. Importa lembrar que a palavra vitria comea com a letra "V" tanto

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    em ingls, como em francs, espanhol ou portugus, o que lhe dava um grande valor paraser difundida em nvel internacional. Era um sinal verstil, que podia passar de grfico paraplstico e ser feito com os dedos indicador e mdio ou com os dois braos erguidos. Almdisso, tornou-se sonoro, porque a letra V, em cdigo Morse, formada por trs pontos e umtrao, e passou a ser associada ao trecho inicial da Quinta Sinfonia de Beethoven, que tem

    trs notas curtas e uma longa.Alm da simplificao, as idias tornam-se mais acessveis quando associadas a outras maissimples. Essa associao feita por semelhana, se a idia transmitida explicitada poroutra diferente, mas com a qual guarda alguma similitude de forma ou estrutura e que sejamais simples. Para transmitir as idias relativas organizao poltica do pas e estruturados rgos de governo, tem sido muito utilizado o recurso de compar-las a um sistemafamiliar. A famlia uma realidade mais conhecida e vivida pelos receptores, que nemsempre conseguem compreender toda a complexidade das instituies governamentais.Durante o Estado Novo, procurou-se uma frmula para apresentar a idia de que o Brasilera uma s nao, unida sob a direo de Getlio Vargas, lder absoluto a quem deveriamser atribudas todas as decises e toda responsabilidade. Para tanto, dizia-se: "A nao

    uma grande famlia", " Getlio, o pai dos pobres", " Getlio, o pai dos trabalhadores".

    As ideologias geralmente se referem a certas situaes que, por jamais terem sidospresenciadas pelos receptores, so pouco compreensveis. Como explicar o valor e aimportncia de um regime liberal e democrtico a quem tenha vivido apenas sob sistemasautoritrios ? Nesse caso a associao da idia feita por contraste, em que se compara asituao a ser explicada a outra contrria, porm mais conhecida. Essa a frmulaconstantemente empregada por grupos de oposio que apresentam suas propostasrecorrendo a imagens de um regime "sem censura", "sem violncia policial" etc.

    A ilustrao de idias com exemplos concretos conhecidos outra forma comum de

    codificao. Aqueles que defendem a necessidade de que a direo da economia fique acargo da iniciativa privada costumam apoiar-se na tese da incompetncia administrativa egerencial do governo. Para demonstr-la recorrem freqentemente a exemplos bemconhecidos de empresas e reparties pblicas desorganizadas e ineficientes. A existnciade favelas serve para ilustrar a idia de que o governo deve investir antes na soluo doproblema habitacional que na construo de obras sunturias. Lenin, para explicar essaforma de apresentar as mensagens, levantava a hiptese de se ter de explicar uma greve.Segundo ele, para defini-la em suas caractersticas mais importantes, o agitador deveriailustrar a noo de greve tomando um fato bastante conhecido por seus ouvintes, como o deuma famlia de grevistas pobre e faminta. A partir desse exemplo que procuraria mostraro absurdo da contradio entre a riqueza de uns em oposio misria absoluta de outros.S ento que seria possvel explicar a greve como uma conseqncia da forma deorganizao econmica do sistema capitalista.

    Outro aspecto importante a ser considerado na codificao o fato de que as pessoas jcarregam consigo uma srie de concepes a respeito da realidade em que vive. Ideologiasj existentes, idias e crenas as mais diversas, mitos e supersties do aos indivduos quevivem em uma cultura uma verso de seu ambiente e de sua vida, uma explicao darealidade, que lhes permitem integrar-se ao meio e exercer um determinado papel. Apropaganda no deve deixar de considerar, ao difundir novas idias, o fato de que elas

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    podem chocar-se com as j existentes, por serem diversas e mesmo contraditrias. Nessecaso, ao mesmo tempo que se apresentam certas idias, pode-se negar as j existentes,procurando mostrar que so falsas e no correspondem realidade. o que ocorre comalguns pregadores protestantes ao difundir suas idias aos adeptos da f catlicacombatendo a prtica da adorao dos santos e criticando a utilizao de imagens como as

    existentes nas igrejas catlicas.Essa orientao, contudo, nem sempre eficaz, porque as pessoas tendem a se apegaremocionalmente a certas concepes que, s vezes, trazem consigo desde a infncia erejeitam qualquer nova explicao. Outra possibilidade, nesse caso, a de fundir a idia aser propagada com as concepes j existentes, soluo que inclusive facilita a aceitaodas mensagens, porque baseadas em idias j aceitas como verdadeiras. A propagandahitlerista pregava a pureza da raa ariana, destinada a dominar o mundo, ao mesmo tempoque condenava e combatia os judeus. Essas idias, contudo, no foram criadas pelosnazistas, mas j se encontravam disseminadas pela Alemanha. A propaganda nazista seapropriou delas, combinando-as com as propostas do partido para torn-las maisconvincentes.

    Controle ideolgico

    Por mais que um grupo elabore sua ideologia, ocultando que se refere exclusivamente aseus objetivos, para obter o apoio dos demais, possvel que estes acabem por adquirirconscincia de sua prpria posio na sociedade e de que seus interesses so diversos.Nessa hiptese, poderiam formular outra ideologia, mais adequada s suas condies, queos levaria a agir em sentido diverso daquele pretendido pelos emissores da propaganda. Por

    essa razo, os grupos que propagam suas idias, geralmente procuram evitar que osreceptores possam perceber a realidade por outro prisma que no aquele que lhes proposto. Fazem isso tanto impedindo a formao de outras ideologias como neutralizandoa difuso das j existentes. O controle ideolgico compreende todas as formas utilizadaspara que determinados indivduos e grupos no tenham condies de perceber sua realidadee, assim, fiquem impedidos de formar sua prpria opinio.

    Os indivduos e grupos s podem adquirir conscincia de suas reais condies de vida porduas vias: a observao direta do meio em que vivem ou atravs das informaes obtidas deoutros, seja pessoalmente, seja pelos meios de comunicao. Da o controle ideolgico serealizar sobre o meio ambiente, sobre os meios de comunicao e sobre as pessoas.

    A remodelao do ambiente fsico permite torn-lo mais adequado s idias difundidas pelapropaganda. Procuram, assim, fazer com que as imagens percebidas confirmam as idiasapresentadas. Desde a Antiguidade se encontram momentos em que os grupos detentoresdo poder procuraram moldar a decorao do meio, de forma a apoiar suas idias. Inmerosreis, imperadores e dirigentes polticos mandaram construir grandes monumentos parareforar a idia de seu poder e prestgio.

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    No Brasil, Getlio Vargas foi um dos que mais se preocuparam com a forma do ambienteurbano como instrumento de confirmao das suas idias. A eficincia e modernidade desuas medidas eram sugeridas atravs de inmeras construes que indicavam um governoorganizado e empreendedor. A idia do seu carisma e de sua personalidade forte erareforada atravs das suas fotografias, obrigatoriamente afixadas em todas as escolas,

    fbricas, reparties pblicas, bares e restaurantes, vages de trens. Sua efgie estava nasmoedas, selos, placas comemorativas e de inaugurao. Bustos de bronze foram erigidosem diversos locais. Seu nome foi atribudo a inmeras ruas e logradouros pblicos. Suaimagem, dessa forma, impregnava todos os lugares e ambientes durante todo o tempo.

    As idias e concepes, contudo, nem sempre provm da percepo direta do meioambiente. Devido complexidade do contexto em que vivem as pessoas, elas s tmcondies de se informar e se conscientizar a respeito de sua sociedade atravs dos meiosde comunicao. O controle desse meio se faz, principalmente, pela sua utilizao direta.Dado o fato de que a comunicao depende, cada vez mais, de aparelhagem sofisticada ebastante cara, torna-se inevitvel que os meios sejam controlados por pessoas e grupos daclasse economicamente mais forte. Ele os utilizam exclusivamente para a difuso das idias

    e opinies que lhes so favorveis, no permitindo que se propaguem ideologias contrriasou fatos que contestem seus interesses. A populao fica, desse modo, impossibilitada deter acesso maior parte dos aspectos de sua realidade e, assim, impedida de compreenderexatamente sua posio e seu interesses, termina por ser envolvida na nica ideologia quelhe apresentada.

    A censura oficial, realizada por rgos governamentais, tambm um instrumento decontrole ideolgico. Atravs dela se definem os limites do que pode ou no ser divulgado,neutralizando-se as possibilidades de manifestaes contrrias aos valores defendidos pelosgovernos.

    Sem acesso s informaes que lhe possam fornecer uma viso dos diversos aspectos domundo em que vive, a populao acaba tendo uma viso deformada da realidade, que aconduz a se comportar dentro dos estritos limites traados a partir dos interesses da classedominante.

    O controle ideolgico se exerce, tambm, diretamente sobre as pessoas, seja reprimindo oucorrompendo lderes para que desistam ou sejam impedidos da tentativa de conscientizarseus liderados, seja exercendo presses constantes par que os receptores no tenhamcondies psicolgicas de julgar, analisar e avaliar as idias que recebem.

    Geralmente surgem, no seio das classes dominadas, alguns indivduos que, apesar de toda acensura e manipulao dos meios de comunicao, conseguem perceber melhor certos

    aspectos da realidade e procuram transmitir sua compreenso aos demais, conscientizando-os. o caso dos lderes operrios, estudantes, religiosos e intelectuais. Nesses casos, aclasse dominante, diretamente ou atravs dos rgos do governo, procura neutralizar esseslderes atravs de ameaas, prises, torturas ou exlio. Outras vezes, a neutralizao se fazde forma no to violenta atravs da cooptao. Cooptao o processo pelo qual umindivduo ou pequeno grupo recebe concesses e privilgios, em troca dos quais devadeixar de defender os interesses da classe social qual pertence, para defender aquele que

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    lhe fez as concesses. o caso de trabalhadores e intelectuais que so contratados paraexercer certos cargos privilegiados no governo ou em empresas privadas.

    A presso sobre as pessoas pode, tambm, concretizar-se atravs de perseguies,denncias e acusaes insistentes contra aqueles que no seguem determinada orientao. o caso das "patrulhas ideolgicas", expresso muito empregada no Brasil, a partir de 1978,

    para qualificar os grupos que criticam repetidamente alguns artistas, intelectuais e pessoasmuito populares que no aderem s idias defendidas por aqueles grupos. O cineasta CarlosDiegues e o cantor Caetano Veloso j se queixaram por serem exageradamente criticadosao no assumirem as posturas exigidas por militantes esquerdistas. Pel afirmou serperseguido e criticado por grupos que no admitiam sua recusa em assumir a liderana naluta contra o racismo. A mesma forma de presso tem sido feita, desde os comeos dosculo, sobre aqueles que defendem a necessidade de se dar maior ateno aos problemassociais como o analfabetismo, a misria, o alto ndice de enfermidades etc. Inmeros so osque esto prontos a acus-los de anarquistas, comunistas, agentes russos ou cubanos,antipatriotas. Trata-se de uma forma de perseguio que visa, seno obter a adeso dopressionado, ao menos conseguir seu silncio para que no expresse idias julgadas

    inconvenientes.

    A presso psicolgica uma das formas mais interessantes de controle. Atua diretamentesobre os receptores, afetando sua capacidade de anlise, para que recebam as mensagens dapropaganda dentro de uma postura passiva e submissa.

    As pessoas, em condies normais, ao receberem uma informao ou assistirem a um fato,procuram compreender a situao, analisar os prs e contras, verificar se se trata de algoque lhes diga respeito diretamente assim por diante. o que se chama senso crtico.Todavia, em determinadas situaes de envolvimento emocional, tenso nervosa, temor,cansao fsico e mental, os indivduos tendem a ter o seu senso crtico diminudo. Nesses

    momentos, ouvem as afirmaes ou assistem aos fatos sem avali-los, aceitandopassivamente o que lhes apresenta. A propaganda utiliza inmeras formas de presso paraneutralizar o senso crtico dos receptores e lograr convenc-los. O recurso mais empregado a organizao de grandes concentraes de massas. Nessas ocasies, as marchas, asmsicas e cnticos ampliados por alto-falantes, as luzes, o lanamento de folhetos e papis,o ritmo dos tambores, as bandeiras, estandartes, os discursos inflamados, tudo reflete sobreos presentes. Envolvem as pessoas com tal intensidade que, quase hipnotizadas, tornam-semais sugestionveis s mensagens que recebem. Foi com o emprego constante dessesrecursos que Adolf Hitler conseguia manter as multides em contnuo estado de exaltao econduzi-las ao delrio.

    Algumas prticas religiosas tambm so empregadas como instrumentos de presso

    psicolgica para obter a adeso fantica dos receptores. Produzem esgotamento fsico,fazendo as pessoas ficarem muito tempo em p, ajoelhadas ou participando de longas ecansativas danas. Geram ansiedade atravs da espera do sacerdote que se atrasa, daescurido ou luz muito intensa, palmas, msicas e cantos ritmados, da repetio dos sons detambores. Embriagam com incenso, lcool, fumo e drogas inebriantes. Despertam temorcom ameaas de infernos, monstros e demnios. Em meio a tudo isso fazem-se aspregaes, conseguindo no s convencer os receptores. como lev-los a verdadeirosestados de possesso e transe. So os recursos adotados por diversos cultos msticos

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    praticados no Brasil e na frica e, embora de forma menos profunda e pouco intensa, porquase todas as seitas religiosas existentes na face da terra.

    Dentre as formas de presso psicolgica conhecidas, a mais intensa e, talvez, a mais eficaz a denominada "lavagem cerebral". realizada com indivduos ou grupos que soconduzidos a locais afastados, de onde no podem sair durante algumas semanas ou meses,

    ocasio em que so freqentemente bombardeados com novas idias. Baseia-se essa tcnicano fato de que os conhecimentos, idias e reflexos dos indivduos servem para que possamadaptar-se e manter-se em equilbrio como o seu meio. Conseqentemente, ao se criar umnovo ambiente onde os hbitos e reaes costumeiras so insuficientes para obteno doequilbrio, torna-se mais fcil incutir novas orientaes. Se, alm disso, forem feitaspresses que diminuem o senso crtico, a possibilidade de persuaso ainda maior.

    H ainda, uma tcnica de controle ideolgico que procura impedir que as pessoas adquiramconscincia de suas condies de vida, distraindo sua ateno. Atravs dos meios decomunicao, bombardeia-se a sociedade com notcias sobre fatos suficientemente atrativospara que os indivduos tenham sua ateno desviada dos problemas econmicos e sociais.

    Baseia-se no fato de que as pessoas tm um limite de percepo e ateno e que, saturadaspor um certo nmero de informaes que apelam para as emoes e sentimentos, no lhessobra espao nem tempo para receber outras idias. Grandes torneios desportivos, crimescometidos com crueldade, tm sido constantemente alardeados para envolver os receptoresem sua discusso e distra-los das questes mais graves.

    Contrapropaganda

    Quando no conseguem obter o monoplio das informaes atravs do controle ideolgico,os grupos procuram neutralizar as idias contrrias atravs da contrapropaganda.

    Ela se caracteriza pelo emprego de algumas tcnicas que visam amenizar o impacto dasmensagens opostas, anulando seu efeito persuasivo. Procura colocar as idias dosadversrios em contradio com a realidade dos fatos, com outra idias defendidas por elesprprios ou em desacordo com certos princpios e valores aceitos e arraigados entre osreceptores. Outra vezes, atua de forma indireta, tentando desmoralizar as idias, no pelacrtica personalidade ou ao comportamento daqueles que as sustentam. Critica-se osacerdote para desmerecer o contedo de suas pregaes, ataca-se alguns dirigentespolticos para combater a filosofia adotada pelo governo e assim por diante.

    A contrapropaganda, na prtica, se concretiza atravs da emisso de mensagens que,associadas aos argumentos ou personalidades dos adversrios, despertam reaesnegativas.

    A apresentao de fatos que estejam em contradio com as mensagens adversrias,sugerindo sua falsidade, irrealidade ou absurdo, realizada com o intuito de despertardvida em relao a elas. A contrapropaganda dos defensores do sistema capitalista procuraneutralizar as idias socialistas difundindo, dramaticamente e com estardalhao, notcias

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    sobre fugas de pessoas que viviam em pases comunistas. O objetivo desse procedimento o de sugerir que no deve ser bom aquele regime, se a pessoas que nele vivem querem fugirde l.

    Os fatos que se contrapem s idias da propaganda adversria costumam ser totalmenteforjados. No tendo condies de verificar, atravs de fonte segura, a veracidade ou no das

    informaes, os receptores tendem a aceit-las ou, ao menos, permanecem indecisos.Durante a Segunda Guerra Mundial os aliados criaram uma estao de rdio que se faziapassar por alem e irradiava notcias para a Alemanha. Um dos informes, apresentado comocomunicado oficial do governo nazista e transmitido quando Hitler insistia em que estavavencendo a guerra, gerava certa perplexidade. A notcia dizia que alguns soldados alemesestavam desertando do front e deveriam ser denunciados por qualquer pessoa queconhecesse seu paradeiro. Suscitava-se, assim, dvidas em relao vitria de um exrcitocujos soldados estavam fugindo.

    A contrapropaganda tambm atua sobre o temor, mostrando que as idias adversrias, seconcretizadas, podem causar graves prejuzos e malefcios s pessoas. As campanhas

    anticomunistas constituem os exemplos mais significativos.Nos pases do "bloco ocidental", inclusive o Brasil, ainda se repete a tcnicas que vemsendo posta em prtica h anos de divulgar notcias de atrocidades cometidas na UnioSovitica, China, Cuba, Nicargua, e pases africanos. Fala-se em crianas e mulheresfuziladas, homens cruelmente torturados, degolados e queimados. Ao mesmo tempo insiste-se que tais fato sero sempre inevitveis para qualquer pas que opte pelo sistema socialista.Com isso, conseguem incutir um tal medo na populao que as convencem a apoiar ogoverno em sua ao repressiva contra os adeptos de idias igualitrias, sejam socialistas ouapenas superficialmente semelhantes.

    A contrapropaganda tambm realizada no sentido de despertar desprezo pelos adversriose suas idias, associando-os a situaes contrrias aos princpios e valores respeitados pelosreceptores. Os comentrios que se fazem a respeito de alguns dirigentes governamentais,acusando-os de desonestos, corruptos, homossexuais e, at mesmo, de trados pelasesposas, visam desmoraliz-los e gerar desprezo pelas propostas e idias que defendem.

    Com o objetivo de desmoralizar as manifestaes estudantis, afirmou-se que se tratava de"filhinhos de papai"que, ao invs de estudar e cumprir suas obrigaes, permaneciamfazendo "badernas" e "arruaas", prejudicando o trnsito, gerando insegurana para o povoe criando dificuldades para todos. Conseguiam, dessa forma, despertar a hostilidade edesprezo de grande parte da populao contra os movimentos e, assim, abafar a questo dosproblemas sociais que estavam sendo levantados pelos universitrios.

    As questes de natureza econmica ou poltica so extremamente significativas paramaioria das pessoas, j que se relacionam intimamente com suas condies de vida. Poressa razo, a propaganda procura apresentar as idias dentro de um clima de grandeseriedade, s vezes at solene, que torne possvel despertar a ateno para a importncia dosassuntos abordados. Da grande parte da contrapropaganda atuar atravs do humor, da stiraou da piada, ridicularizando as idias e pessoas que as defendem. Procuram, assim, gerardesinteresse pelo contedo das mensagens e desvalorizar sua importncia.

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    Os veculos de comunicao, constantemente, difundem charges, apelidos e stiras quedesmoralizam e desfiguram dirigentes e lderes polticos, tornando-os engraados oumesmo ridculos. Quebram, assim, a imagem de respeito que estes pretendam impor eafetam o contedo de suas afirmaes.

    Os slogans tambm so ridicularizados, para perder seu efeito persuasivo e de impacto. No

    Brasil, os temas das campanhas governamentais tm sido automaticamente ironizados comsugestiva criatividade. Para a frase "Brasil, ame-o ou deixe-o" criou-se a resposta "Oltimo, apague a luz do aeroporto". Quando se disse "O Brasil deu um passo frente",contestou-se rapidamente "E estava beira do abismo". Contra o tema "O Brasil feito porns" respondia-se "O difcil desat-los".

    A contrapropaganda, portanto, o instrumento utilizado por um grupo atravs das formas erecursos mencionados, visando neutraliza a fora das teses e argumentos da propagandaadversria. Dessa forma, amenizando o efeito persuasivo das idias contrrias s suas, ogrupo pode desenvolver sua prpria campanha de propaganda, sem a necessidade derecorrer a outros artifcios e precaues que esclaream a razo das diferenas entre suas

    propostas e as alheias.

    Difuso

    Elaborada a ideologia, realizada sua codificao e estruturado o sistema de controleideolgico, procede-se difuso sistemtica das mensagens.

    Dentre as formas de difuso utilizadas pela propaganda ideolgica, a oral, atravs dapalavra falada, ainda das mais importantes. Empregada desde a antiguidade, foi a formapreferida por inmeros lderes. Hitler considerava que todos os acontecimentos importantese todas as revolues foram produzidas pela palavra falada. Lenin dizia que o agitador,antes de mais nada, deveria agir de viva voz. Os discursos polticos, pregaes religiosas,declaraes de lderes e homens de governo tm sido, em grande parte, os maioresresponsveis pela propagao das ideologias em todos os recantos do mundo. Uma de suasgrandes vantagens permitir ao orador observar diretamente a reao dos seus ouvintes e, apartir dela, reforar certos argumentos, insistir em determinados aspectos, dar maior oumenor nfase s palavras, repetir afirmaes, aumentar ou diminuir pausas, sublinhar asidias com gestos e expresses fisionmicas. Alm disso, o discurso e a pregaoconstituem as nicas formas que permitem reunir um grande nmero de pessoas, at mesmoem grande praas pblicas, de tal forma que cada indivduo sinta sua personalidade diluir-se na multido, percebendo-se como parte de um todo e tendendo a acompanhar asmanifestaes da maioria. Tem-se a a possibilidade de produzir uma impresso deunanimidade to persuasiva quanto os argumentos do orador. Esse clima pode ainda serreforado pela preparao das claques, grupos de pessoas previamente encarregadas deaplaudir e ovacionar o orador. Outra vantagem da palavra falada, quando proferidadiretamente pelos lderes, a sua maior credibilidade. O orador pode impor uma imagem desinceridade, impossvel de ser transmitida por outro meio; suas afirmaes tm mais calor ese tornam mais humanas.

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    Se a expresso oral encontrava limites restritos de tempo e espao no passado, hoje, com aevoluo tecnolgica dos meio de comunicao de massa, adquiriu uma amplitude quaseinfinita. Os satlites tm possibilitado que muitas declaraes do papa ou do presidente dosEUA, dentre outros, sejam divulgadas imediatamente maioria dos pases do globoterrestre.

    A imprensa, o mais antigo dos meios materiais de comunicao, exerce um papelimportante em propaganda. Jornais e revistas, por informarem constantemente sobre osfatos regionais e internacionais, contribuem em alto grau para fornecer aos leitores umadeterminada viso da realidade em que vivem. Dessa maneira transmitem os elementosfundamentais para a formao de um conceito da sociedade e do papel que cada um deveexercer nela. Por trabalhar com fenmenos apresentados de maneira aparentementeobjetiva, como se fosse a mera e simples apresentao dos fatos puros, tais como realmenteocorreram, adquire uma aparncia de neutralidade que assegura a confiana da maioria dosleitores. Mas essa neutralidade no real. As notcias internacionais so distribudas poragncias especializadas, principalmente as norte-americanas Associated Press e UnitedPress International, onde se selecionam as informaes segundo os critrios estabelecidos

    pelos interesses econmicos e polticos dos grupos que as controlam. Essas informaesso enviadas s redaes, onde, juntamente com as notcias locais, so novamenteselecionadas, agora com observncia de outros critrios, determinados pelo interesse dosproprietrios dos jornais ou dos que neles anunciam. Dessa forma, a imprensa acaba porconstituir um elemento de manipulao de grupos internacionais e nacionais que spermitem a transmisso daquelas mensagens que possam reforar sua ideologia.

    Alm da seleo de informaes, h outros meios de manipulao dos fatos. Um deles afragmentao da realidade, implcita na prpria forma como so apresentadas as notcias.Para se adquirir conscincia da realidade social, necessrio que se percebam as relaesentre os diversos fenmenos, obtendo-se a viso de conjunto necessria para ver a

    sociedade como um todo integrado, em que os fatos econmicos, polticos e culturais sejamvistos tal como se determinam reciprocamente. A grande imprensa, ao contrrio, aponta osfatos isolados uns dos outros, mantendo ocultas aquelas relaes. O leitor, em relativamentepouco tempo, acaba lendo notcias as mais variadas sobre esportes, crimes, cotaes debolsa, inflao, desastres, guerras externas, declaraes de brasileiros e estrangeiros.Recebe uma viso catica da realidade, sem perceber os efeitos que os fatos tm uns sobreos outros.

    Outra forma de manipulao realizada pelo maior ou menor destaque que se d notcia.A pgina em que colocada, a dimenso do texto, o ttulo, o maior ou menor nmero depormenores contidos na descrio permitem dar aos fatos um outro significado. As grevesorganizadas pelos sindicatos operrios, por exemplo, que tm uma enorme repercussoeconmica e poltica, geralmente so tratadas pela grande imprensa como um simples fatoacidental sem maior significao. OEstado de S. Paulo, por exemplo, menciona-as empequenos espaos nas pginas de economia, ao lado de outras informaes, como posiode preos no mercado, cotaes de bolsa, dando a impresso de um simples fenmenocorriqueiro sem maiores conseqncias.

    H tambm a interpretao das informaes, geralmente realizada dentro de uma linhapreestabelecida pela direo do jornal, que determinada pelos interesses ali defendidos.

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    As notcias a respeito dos pases socialistas so selecionadas a interpretadas de formaaltamente negativa. Pouco se mencionam as providncias bem-sucedidas, tomadas na Chinae em Cuba, para melhoria dos nveis de educao e sade. Mas um grande destaque dados prises polticas e torturas, mostrando-se apenas o lado negativo daqueles sistemas. Jem relao aos Estados Unidos, insiste-se no desenvolvimento econmico, na "perfeio"

    do sistema "democrtico". Mas pouco se menciona a explorao dos povossubdesenvolvidos por aquele pas, ou a interveno norte-americana em pases onde sefazem revolues e se depem homens de governo que no aceitam certas imposies.Silencia-se sobre a corrupo poltica existente. Pouco se fala sobre a vida cada vez maisangustiada da juventude americana, que vai buscar nas drogas o nico consolo para suascrises existenciais.

    Alm dos aspectos mencionados, que fazem parte da rotina dos peridicos, estes tambmso empregados para difundir a declarao dos homens pblicos. O prprio governo usaespao dos jornais para relacionar suas realizaes. Grupos particulares tambm aproveitama imprensa, pagando o espao, para apresentar suas idias.

    At agora falamos da imprensa vinculada aos interesses dos grupos econmicos maisfortes. Mas ela tambm adotada, algumas vezes, por grupos minoritrios no ligados aosdetentores do poder. A Histria do Brasil registra o aparecimento de inmeros jornais epequenas revistas da imprensa operria e estudantil que procuram evidenciar ascontradies do sistema vigente e transmitir propostas alternativas. Geralmente soperidicos de vida curta, logo obrigados a fechar em virtude de dificuldades financeirasresultantes de presses dos grupos econmicos mais fortes ou mesmo por imposiopolicial, que no permite que se excedam limites preestabelecidos por setores da classedominante.

    A propaganda emprega ainda o cinema, tanto com filmes documentrios quanto de fico.

    Os documentrios tm a grande vantagem, para os que o utilizam, de que montado comimagens verdadeiras, extradas diretamente da realidade, fato que lhes d extremacredibilidade. Todavia, a possibilidade de selecionar, dentre as imagens possveis, aquelasque confirmem e reforcem uma determinada idia, permite uma grande oportunidade demanipulao. No Brasil, os documentrios cinematogrficos so obrigatoriamente exibidosnas telas dos cinemas por imposio legal. So sistematicamente utilizados paraengrandecer o regime poltico vigente e enaltecer a capacidade dos dirigentes eempresrios. O contedo mais constante desses filmes documentrios a apresentao degrandes realizaes governamentais ou de setores privados da agricultura, indstria ecomrcio.

    Quase sempre trazem cenas que sugerem apoio e unanimidade pela presena sorridente e

    confiante das autoridades civis, militares e eclesisticas ou de multides populares queaplaudem. Os documentrios podem ser falsificados, montados com sons e cenasverdadeiros, mas sem nenhuma relao uns com os outros, fato que raramente perceptvelpara a maioria dos espectadores. Pode-se acrescentar sons de gritos, tiros, aplausos a cenaseu que na verdade no ocorreram. Multides podem ser associadas a reunies onde no hmais de uma dezena de pessoas. Essa possibilidade de associar e fundir trechos diversos defilmes e sons permite ao produtor transmitir a idia que lhe aprouver.

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    Os filmes de fico, sendo produzidos no com cenas reais e objetivas, mas interpretadas emontadas, no tm o mesmo ar de autenticidade e o poder persuasivo dos documentrios.Mas, atravs da trama de situaes que se pode criar, da variedade imensa de ritmo de some imagens possveis de se obter, permitem criar um clima de envolvimento emocional quefacilita a inculcao de idias e valores. Alm disso, projetados em salas escuras, podem

    contar com maior receptividade, j que no existem outros fatos que possam distrair aaudincia.

    O roteiro padro dos filmes de aventura americanos permite avaliar bem seu valor comoinstrumento de transmisso de idias. Geralmente so compostos de trs idias essenciais.Uma primeira mostra uma situao de paz e harmonia. Em seguida h o aparecimento deuma ameaa para, finalmente, se sucederem as tentativas de defesa que culminam com umfinal herico. O espectador, envolvido pelo clima harmonioso inicial, levado a indignar-secontra o sujeito da ameaa, que pode ser um indgena, um criminoso ou um espio russo.Afinal, acaba identificando-se com o heri ou heris que vm proporcionar a soluo feliz.Todo filme acaba reduzido a uma proposta maniquesta em que se apresentam apenas duasalternativas: a certa ou a errada, a boa ou a m. Todo esse contexto permeado de cenas de

    amor e dio, atos de maldade ou bondade, violncia e carinho intensos, alguns toqueserticos. O ritmo das cenas se alterna da lentido rapidez extrema, as msicasacompanham o crescendo e variam da doce suavidade de um coro celestial veemncia dasmarchas de guerra, tudo para conduzir o receptor a um clmax. Foi atravs desses recursosque o cinema norte-americano conseguiu impor ao mundo ocidental certas imagensestereotipadas como a do indgena selvagem e assassino, dos alemes e japoneses frios ecalculistas da Segunda Guerra Mundial, ou do agente russo desumano, traioeiro ecriminoso. E tudo isso em contraste com a figura do norte-americano bom, leal, corajoso ehonesto.

    O cinema tambm pode ser utilizado para conscientizar o espectador acerca das

    contradies sociais, embora nem sempre esses filmes consigam vencer os obstculos dacensura e das presses econmicas. No Brasil, tivemos o perodo do chamado "CinemaNovo", entre o final dos anos 50 e comeo dos 60, onde se produziram alguns filmes quemostravam a misria dos sertes e o drama das favelas brasileiras. Mais recentemente,fizeram-se alguns filmes sobre a corrupo policial e a violncia urbana.

    O rdio tambm um instrumento da propaganda, com a grande vantagem de podertransmitir as mensagens com rapidez e amplitude, permitindo mesmo que certos fatossejam divulgados imediatamente aps ocorrerem.

    Permite dirigir-se s camadas mais humildes da populao, inclusive analfabetos, quemuitas vezes no tm acesso a outros meios de informao. Permite tambm o

    estabelecimento de um clima de intimidade, onde o locutor sussurra opinies para oouvinte, criando uma situao de amizade e de descontrao informal bastante sugestiva.Por ser tratar de concesso governamental que pode ser cassada a qualquer momento, induzseus proprietrios e funcionrios a evitar a difuso de mensagens em desacordo com aideologia proclamada oficialmente. Alm disso, pelo fato de, como a imprensa, depender deanncios comerciais para se manter, o rdio se torna um instrumento passvel de sercontrolado pelos interesses das classes dominantes que pagam esses anncios. largamenteempregado para a divulgao dos discursos, declaraes e mensagens dos dirigentes e

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    rgos governamentais. A irradiao oficial chamada "Hora do Brasil" foi criada porGetlio Vargas com esse objetivo e, embora reformulada, permanece at hoje com o nomede "A voz do Brasil".

    A televiso serve antes de mais nada para e difuso de notcias, o telejornalismo. Como aimprensa escrita, passa por processos de seleo e interpretao, depende de anncios

    pagos e de concesso governamental, o que a transforma em instrumento de difuso dasideologias dos grupos econmicos ou do governo. A forma como so produzidos osprogramas deu televiso o carter de instrumento para tornar a populao mais passiva.Novelas, programas de auditrio, shows de variedades, apresentao de cantores, jogos,disputas, esportes e sorteios absorvem grande parte da capacidade crtica do espectador,conduzindo-o a uma espcie de fuga da realidade. Desviando sua ateno das questessociais, induz alienao. Tome-se o exemplo do programa Slvio Santos, h anos sendoveiculado aos domingos, desde a manh at a noite. Toda a produo caracterizada porum clima constante de suspense e de agitao crescentes, com enorme variedade deapresentaes. Os sorteios, anunciados desde o incio do programa, so realizados ao finalquando, em alguns segundos, algum pode tornar-se um milionrio. Envolve-se a audincia

    de tal forma e com tal ritmo que lhe impossvel raciocinar sobre o que v e ouve. E nofaltam os elogios e enaltecimentos a polticos e governantes.

    O teatro teve papel importante na divulgao dos ideais da Revoluo Francesa e napreparao da Revoluo Russa. Os revolucionrios bolchevistas, por exemplo, oempregavam para a apresentao de peas rpidas onde se criticavam a nobreza, adecadncia do capitalismo e se enalteciam os operrios, camponeses e o regime socialista.No Brasil o teatro tem-se desenvolvido bastante e muito empregado como instrumento decrtica e contestao dos valores e costumes vigentes. Contudo, devido ao alto preo dosingressos, a maioria das peas atinge apenas a uma pequena elite econmica e cultural.Dessa forma, pelo pequeno pblico a quem se dirige, perde grande parte do seu valor como

    meio de transmisso de idias e de conscientizao.Os cartazes, ilustrados ou no, em cores ou em branco e preto, so bastante utilizados paraafixao em muros e paredes visando transmitir algumas idias fundamentais atravs de umimpacto rpido. Alm deles, inmeros outros impressos se prestam a auxiliar na difuso demensagens. Os "manifestos" explicam e defendem uma determinada posio perante certosfatos econmicos e polticos. Os "panfletos" divulgam fatos, notcias ou crticas adeterminadas idias e propostas. Os "volantes" servem para difundir nomes, frases, slogans,palavras de ordem e smbolos ou para anunciar e convocar reunies e movimentos.Distribudos diretamente para os receptores ou lanados do alto de edifcios ou de avies,so mais freqentemente adotados por aqueles que, por se oporem aos detentores do podere contestarem a ideologia dominante, no conseguem ter acesso imprensa, rdio outeleviso. O livro, por suas prprias caractersticas, se destina a levar idias apenas a umpequeno nmero de pessoas: aquelas que tm grau de instruo mais elevado.

    As idias nazistas na Alemanha tiveram no livro "Minha Luta", de Adolf Hitler, um dosseus mais importantes instrumentos de divulgao. No Brasil, foi durante a ditadura deGetlio Vargas que mais se produziram livros com o objetivo especfico de apoiar apropaganda. Centenas de obras elogiosas ao regime e enaltecedoras da personalidade de

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    Vargas foram escritas, em linguagem simples a acessvel, para que fossem lidas pelo maiornmero possvel de pessoas.

    Alm dos meios de comunicao propriamente ditos, a propaganda tambm se apia eminmeros outros suportes. Qualquer objeto ou espao que possa ser visto por um razovelnmero de pessoas aproveitado. As paredes so pichadas com frases, slogans e smbolos.

    As placas de inaugurao e sinalizao difundem realizaes, prestigiam lderes polticos ehomens pblicos. As cdulas e moedas, os selos postais, contm mensagens e efgies dehomens pblicos. Faixas e estandartes ostentam mensagens e smbolos. Esttuas e bustosconcretizam o prestgio daqueles que devem ser considerados heris. Alto-falantes auxiliama ampliar o alcance dos discursos e declaraes. Avies escrevem mensagens de fumaanos cus.

    H, ainda, uma outra forma de difuso de idias que se caracteriza pelo anonimato: orumor. A informao, g