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5 Descrição dos Experimentos Neste capítulo serão apresentados os experimentos concebidos no âmbito desta tese, os quais visam a investigar as questões aqui levantadas e a testar hipóteses específicas acerca dos fatores que atuam na identificação de número como traço formal no PB e à distinção mass/count nesta língua. Em particular, busca-se prover uma caracterização inicial das capacidades de reconhecimento da informação relativa a número, bem como o processamento da concordância de número no DP, tomados como fundamentais na dinâmica do processo de aquisição do sistema de número gramatical em PB. 5.1. Experimento 1 - Reconhecimento de Informação Relativa a Número Gramatical e Processamento da Concordância no DP O experimento que se segue explora a capacidade de a criança reconhecer variação morfo-fonológica no âmbito do DP, tomando esta variação como indicativa da manifestação do número no PB, e relacioná-la ao nome por meio da concordância. Este experimento igualmente busca evidenciar em que medida o processamento da concordância de número no âmbito do DP pode ser atribuído a crianças de cerca de dois anos de idade – fase em que não necessariamente a morfologia de número se encontra estabelecida na fala, conforme mostram estudos longitudinais baseados em dados de produção infantil (Simões, 2004; Simioni, 2003; Ferrari-Neto, 2003). Em estudos anteriores sobre a aquisição do gênero em PB (Name, 2002; Corrêa & Name, 2003) demonstrou-se que crianças de cerca de dois anos (22 meses) são sensíveis à incongruência de gênero no âmbito do DP, o que sugere que o processamento da concordância de gênero está em operação. Os dados obtidos nesses estudos sugerem ainda que é a informação de gênero expressa no Determinante e o processamento da concordância de gênero no DP que possibilitam à criança identificar o gênero de palavras novas (nomes com traço semântico inanimados, nos quais o gênero é intrínseco, sem motivação

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5 Descrição dos Experimentos

Neste capítulo serão apresentados os experimentos concebidos no

âmbito desta tese, os quais visam a investigar as questões aqui levantadas e a

testar hipóteses específicas acerca dos fatores que atuam na identificação de

número como traço formal no PB e à distinção mass/count nesta língua. Em

particular, busca-se prover uma caracterização inicial das capacidades de

reconhecimento da informação relativa a número, bem como o processamento

da concordância de número no DP, tomados como fundamentais na dinâmica

do processo de aquisição do sistema de número gramatical em PB.

5.1.

Experimento 1 - Reconhecimento de Informação Relativa a Número Gramatical e Processamento da Concordância no DP

O experimento que se segue explora a capacidade de a criança

reconhecer variação morfo-fonológica no âmbito do DP, tomando esta variação

como indicativa da manifestação do número no PB, e relacioná-la ao nome por

meio da concordância. Este experimento igualmente busca evidenciar em que

medida o processamento da concordância de número no âmbito do DP pode ser

atribuído a crianças de cerca de dois anos de idade – fase em que não

necessariamente a morfologia de número se encontra estabelecida na fala,

conforme mostram estudos longitudinais baseados em dados de produção

infantil (Simões, 2004; Simioni, 2003; Ferrari-Neto, 2003). Em estudos

anteriores sobre a aquisição do gênero em PB (Name, 2002; Corrêa & Name,

2003) demonstrou-se que crianças de cerca de dois anos (22 meses) são

sensíveis à incongruência de gênero no âmbito do DP, o que sugere que o

processamento da concordância de gênero está em operação. Os dados obtidos

nesses estudos sugerem ainda que é a informação de gênero expressa no

Determinante e o processamento da concordância de gênero no DP que

possibilitam à criança identificar o gênero de palavras novas (nomes com traço

semântico inanimados, nos quais o gênero é intrínseco, sem motivação

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semântica, de um ponto de vista sincrônico). No tocante a número, estudos

realizados com metodologia semelhante à usada por Name e Corrêa (2002,

2003) em seus experimentos sobre aquisição do gênero (identificação de

imagens a partir de fala sintetizada de um fantoche) sugeriram, entretanto, que

crianças de mesma faixa etária têm dificuldade com o número, o que foi

atribuído à maior complexidade semântica dessa categoria gramatical (Ferrari-

Neto, 2003; Corrêa, Name & Ferrari-Neto, 2004). Nesses estudos, solicitava-

se à criança que escolhesse os gatos entre figuras que apresentam um gato e

vários gatos, o que poderia não ser suficientemente excludente, visto que o

sintagma os gatos pode expressar referência genérica, o que tornaria a

identificação da figura com um único elemento uma possível opção. Além

disso, o uso de palavras do conhecimento da criança naqueles estudos pode ter

facilitado uma estratégia baseada na compreensão da raiz dos nomes, gerando

respostas aleatórias para as figuras singular e plural. O uso de estratégias desse

tipo poderia estar obscurecendo o conhecimento da criança relativo a número

gramatical, o qual já se manifesta na produção espontânea, ainda que de forma

não estável. Com vistas a eliminar esses problemas e avaliar em que medida a

criança é capaz de interpretar semanticamente informação relativa a número no

DP, foi elaborado o experimento que se segue.

O presente experimento parte da hipótese de que o processamento da

concordância é instrumental para a identificação de propriedades específicas

dos traços formais da língua em aquisição. A interpretação semântica do

número no DP pode, em princípio, ser feita exclusivamente com base no afixo

flexional do nome ou com base no processamento da concordância.

Considerando-se que a criança utiliza o processamento da concordância como

meio de aquisição do que há de específico na gramática da língua, não haveria

necessidade de lidar com uma estratégia de base lexical numa língua como o

português, em que informação relativa a número está necessariamente presente

no Determinante. Além disso, esse tipo de estratégia não se aplicaria à variante

não padrão do PB. Assim sendo, o presente experimento lida com duas

variantes do português como realizações gramaticais – a Padrão, em que D e N

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são flexionados em número e a Não-Padrão, em que apenas D apresenta essa

flexão.

A expressão morfológica de número é altamente variável entre as

línguas, podendo também contemplar marcação exclusiva no nome, como no

caso do inglês (em que apenas alguns membros da categoria D apresentam a

distinção de número, como this/these, that/those). A marcação de número pode

variar quanto à realização morfológica, havendo a possibilidade de morfemas

presos -- sufixos (como em inglês), prefixos (como em Suáili, língua Bantu) e

mesmo infixos (como em Sudanês)1 -- ou morfemas livres (como em Tagalog)

(Robins, 1970; Corbett, 2000). Assim sendo, no presente experimento explora-

se essa variedade, incluindo-se dois tipos de expressão morfológica de número

possíveis nas línguas humanas embora não gramaticais no PB – o sufixo

exclusivo no nome, como no inglês e o infixo, ambas as possibilidades dando

origens a possíveis palavras singulares do português, como lápis e mosca.

Uma variável independente é inicialmente considerada: Expressão

morfológica do número, com dois níveis – gramatical (forma Padrão e Não

Padrão do DP Plural em PB) e não gramatical (marcação de número como

sufixo e como infixo). Em seguida, Tipo de DP será considerado como variável

independente, contrastando cada uma das formas acima identificadas. A forma

gramatical do singular no PB foi usada como controle. Apresenta-se abaixo

um exemplo de cada condição, com um dos pseudo-nomes utilizados.

• Gramatical Padrão – G PAD - Determinante plural e Nome plural

Exemplo: Ache o-s dabo-s pro Dedé

• Gramatical Não Padrão – G NPAD - Determinante plural e Nome

singular

Exemplo: Mostre o-s dabo pro Dedé

1 A forma plural quaisquer em português, de um ponto de vista sincrônico, pode ser considerada como contendo um infixo.

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• Não Gramatical Sufixo – NG SUF - Determinante singular e Nome

plural

Exemplo: Ache o dabo-s pro Dedé

• Não Gramatical Infixo – NG INF – Marca de Plural inserida no meio

do Nome

Exemplo: Ache o da-s-bo pro Dedé

• Controle – CONT – Determinante e Nome no singular

Exemplo: Ache o dabo pro Dedé

A variável dependente foi o número de respostas “plural”, ou seja,

repostas correspondentes à figura em que várias instâncias (tokens) de um

mesmo tipo de objeto/criatura eram apresentadas.

Método

Participantes

Participaram do experimento 18 crianças, com idades entre 18 e 30 meses (10

meninas e 8 meninos), com idade média de 25;4 meses.

Material

Foram criados 12 estímulos-teste com pseudo-nomes, 3 por condição, definida

em função do tipo de expressão morfológica do número; 6 estímulos-controle,

com pseudo-nomes no singular e 6 estímulos-distratores, com nomes do

vocabulário da criança, no singular. Esses estímulos compuseram 4 listas

experimentais, nas quais a ordem de apresentação foi aleatorizada, evitando-se,

contudo, a apresentação consecutiva de estímulos da mesma condição. Dois

estímulos adicionais, com um nome conhecido e outro inventado foram

utilizados em um pré-teste. Os estímulos foram previamente gravados e contém

o pedido, por parte de um fantoche chamado Dedé, para que a criança lhe

mostre uma figura correspondente ao que lhe é solicitado (Ex. Mostre os dabos

pro Dedé).

Para cada estímulo foi criada uma prancha com 4 figuras -- uma 1 figura-alvo e

3 figuras distratoras. Nas pranchas-teste, as figuras-alvo valeram-se sempre de

desenhos que representavam objetos e seres inventados em número maior do

que um. As figuras distratoras correspondiam a um desenho não-inventado

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“singular” (i.e. figura única) e a dois desenhos inventados diferentes do alvo. A

posição da figura-alvo foi variada. Nas pranchas-controle, a figura-alvo

correspondia a uma das figuras inventadas e nas distratoras, o alvo era sempre

uma figura conhecida pela criança. O conjunto de pranchas constituiu um

álbum.

Procedimento:

Familiarização: a experimentadora interage com a criança e apresenta a ela

uma marionete, caracterizada como um boneco falante (mas que na realidade

apenas gesticula durante a apresentação dos estímulos). Esta etapa tem por

objetivo acostumar a criança à voz do boneco, bem como criar uma atmosfera

lúdica para a execução do experimento.

Pré-Teste: O experimentador mostra à criança o álbum com as pranchas. É

proposta então a “brincadeira” ou o “jogo”: o boneco pede e a criança aponta

para uma determinada imagem. As duas primeiras pranchas constituem o pré-

teste. Somente as crianças que superam essa etapa passam ao teste

propriamente dito.

Teste: O jogo ou brincadeira do Dedé prossegue, sempre com a solicitação por

parte do fantoche (mediante apresentação dos estímulos pela assistente de

pesquisa) para que a criança mostre a ele o que este requer. A resposta da

criança é acolhida com um comentário de incentivo à sua participação,

independentemente de esta corresponder à figura-alvo. Todo o procedimento

leva cerca de 10 minutos e é filmado para o registro das respostas. As crianças

foram testadas em ambiente de creche ou familiar, sempre numa sala isolada

com a experimentadora e o responsável pela filmagem.

Resultados:

Os resultados foram inicialmente analisados em função da variável

Expressão morfológica do número, gramatical e não gramatical. Em seguida,

foram avaliados em função de Tipo de DP: gramatical padrão, gramatical não

padrão, não gramatical sufixo e não gramatical infixo. Os resultados

apresentam um efeito significativo de Expressão morfológica do número, com

um número maior de respostas “plural” para a condição gramatical (t(df17) =

5,65 p <.0001). No que se refere a Tipo de DP, não há diferença significativa

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entre as condições gramatical padrão e não padrão (t(df17) = 1, 16 p=.26),

assim como entre as condições sufixo e infixo (t(17) = 0,97 p=.34), sugerindo

que as crianças tratam as duas condições do conjunto de estímulos gramaticais

assim como as duas condições do conjunto de estímulos não gramaticais de

forma indiferenciada. As respostas plural para a condição singular foram, no

entanto, em menor número do que as respostas para a condição não gramatical

(t(17) = 3, 02 p <.01), o que sugere uma interferência do fonema /s/ na

condição não-gramatical.

Gráfico 1

% de Respostas Plural em Função da Expressão Morfológica de Número

61,1

31,4

12,5

0

20

40

60

80

100

1Gramatical Não-Gramatical Singular Controle

Gráfico 2

% de Respostas Plural em Função do Tipo de DP

57,464,8

33,3 29,6

12,5

0

20

40

60

80

100

1Gramatical Padrão Gramatical Não-Padrão Não-Gramatical SufixoNão-Gramatical Infixo Controle

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Os resultados sugerem que a criança por volta dos dois anos de idade

está sensível à expressão gramatical do número no PB, visto que processa

diferentemente as condições gramatical e não gramatical. A variabilidade na

expressão da concordância de número, neste caso, não se constitui em uma

dificuldade para a criança adquirindo o PB, uma vez que a criança é capaz de

reconhecer os padrões de manifestação de concordância. Por outro lado, a não

diferença entre as condições gramatical padrão e não padrão pode ser tomada

como indicativa de que a informação de número é extraída do determinante, o

que implica o processamento da concordância no DP, de acordo com o modelo

de língua assumido. Esses resultados são, portanto, compatíveis com a hipótese

de trabalho que orienta este estudo, qual seja, a de que a computação da

concordância, atribuída a um sistema computacional universal e disponível

quando dos primeiros contactos da criança com a língua, é instrumental para a

identificação do que é específico da língua de sua comunidade. Assim sendo,

por volta dos dois anos de idade, tanto gênero quanto número podem ser

processados no âmbito do DP. Os resultados obtidos são igualmente

compatíveis com um modelo de aquisição da linguagem no qual as operações

de um sistema computacional lingüístico independente, como o aqui adotado,

podem funcionar como um mecanismo de aquisição da linguagem (tal como

LAD – language acquisition device, proposto nos modelos iniciais da teoria

gerativa) tão logo seja inicializado a partir do reconhecimento de informação

presente na interface fonética.

Pode-se afirmar também, ainda com base nos resultados acima

relatados, que as crianças de 2 anos em média são sensíveis à presença do

fonema /s/ nos contextos em que ele funciona como um morfema de número, o

que indica que crianças nessa faixa etária analisam o DP como uma unidade,

estabelecendo relações de concordância entre os constituintes deste DP e

assume que um traço formal pode ser morfologicamente expresso em qualquer

elemento de uma relação de concordância. O fato de a condição singular

apresentar menor número de respostas no plural sugere, contudo, que houve

interferência da presença do fonema /s/ nos estímulos testados nas condições

com falso sufixo ou infixo, não sendo estes reconhecidos facilmente como

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contendo nomes singulares com sílabas final e inicial travadas por /s/. Não é

claro o quanto este efeito pode ser tomado como indicativo de uma fase de

desenvolvimento lingüístico na qual a criança sofre interferência desse tipo de

travamento silábico no processamento de nomes singulares. Em estudo

posterior (Castro & Ferrari-Neto, 2006), contudo, em que crianças portuguesas

foram testadas com a mesma metodologia, semelhante interferência não foi

encontrada, o que sugere que o efeito no PB pode advir da variabilidade com o

que a expressão de número se manifesta no DP.

5.2.

Experimento 2 - Reconhecimento e Processamento de Alomorfias de Plural

A aquisição do número gramatical no PB envolve a identificação da

informação de número expressa no morfema (–s) presente em elementos do

DP. No experimento anterior, verificou-se que crianças na faixa de dois anos

de idade (idade média de 25,4 meses) identificam o número plural de DPs com

base na flexão de número do Determinante, independentemente da marcação

morfológica de número em N, o que foi atribuído à coexistência de dois

dialetos no PB – o padrão, no qual a flexão de número se encontra presente no

nome e nos elementos que entram em concordância com este no DP; e o não-

padrão, no qual número se apresenta manifesto apenas em D. Não é claro,

portanto, o quanto a informação morfológica de número se faria visível quando

expressa exclusivamente em N.

A expressão de número em N, em Português, se faz pelo morfema (-s)

adjungido a nomes terminados em vogal temática (–a), (-e) e (-o), como a

maioria dos nomes da língua, assim como por dois alomorfes: -es e –is. O

primeiro, em nomes terminados na consoante /-r/ (como em mar-mares), e o

segundo, em nomes terminados na consoante /-l/, no PE, ou na semivogal /–w/

no PB (como em jornal-jornais), conforme o exposto no capítulo 3

.

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Uma das tarefas da criança na aquisição da língua consiste em

representar padrões identificados na interface fônica como informação

morfológica e lidar com informação proveniente da interface semântica de

modo a tomar variações fônicas com distribuição e interpretação semântica

semelhantes como pertencentes a uma categoria morfológica mais abstrata.

Dados obtidos em várias línguas sugerem que crianças desde tenra idade lidam

como alofones como membros de uma única categoria fonológica (Dupoux &

Peperkamp, 1999). Assim sendo, a criança que adquire o português dever ser

capaz de lidar com todas as possíveis realizações fônicas de um morfema de

forma indiferenciada. No caso dos alomorfes de número uma dificuldade para

isso residiria no fato de palavras terminadas em /–r/ no plural poderem ser

tomadas como palavras terminadas pela vogal temática –e ou em ditongo /oy/

seguidas do morfema de número -s, dificuldade essa que poderia afetar a

aquisição de nomes novos. Haveria, ainda, a possibilidade de um nome novo

ser tomado como morfologicamente semelhante a lápis ou pires, o que

acarretaria uma dificuldade adicional.

Segundo a concepção minimalista mostrada no capítulo 2, o que

criança deve adquirir no processo de aquisição são as propriedades dos traços

formais da língua em questão, as quais se devem fazer visíveis nas interfaces

da língua com sistemas de desempenho. Os resultados obtidos no experimento

1 revelaram sensibilidade de crianças na faixa de dois anos à informação de

número no DP, o que pode ser interpretado como indicativo do processamento

da concordância no DP pela criança, levando-se em conta que o traço

interpretável de número estaria em N (Chomsky, 1995) ou em NumP (cf.

capítulo 2). Uma análise alternativa da visibilidade de número, em que este é

interpretável em D (Magalhães, 2004; Costa & Figueiredo-Silva, 2006, ver

capítulo 2) não necessariamente, contudo, levaria a esta conclusão, visto que o

número em D poderia ser tomado como traço semântico e não necessariamente

como um traço formal. Não é claro, pois, em que medida a identificação de

informação de número em D pressuporia concordância. O experimento 2 vem,

portanto, esclarecer em que medida crianças expostas ao PB, no qual a

informação de número encontra-se predominantemente marcada em D, seriam

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capazes de reconhecer o número em N em um sintagma existencial que contém

apenas N plural.

Este estudo teve, pois, como objetivos verificar (i) se crianças com

idades entre 23 e 30 meses identificam a informação relativa ao número

gramatical quando codificada morfologicamente apenas no N, como em

construções existenciais, e o quanto a alomorfia de número afetaria o

reconhecimento desta informação, uma vez que, conforme visto acima, a

realização do traço formal de número no PB apresenta-se nas interfaces com

grande variabilidade morfológica. Não há evidências experimentais que

possam atestar o quanto essa variabilidade do input afeta a segmentação do

nome flexionado em radical e afixo pela criança. Saber se este fato constitui

uma dificuldade para a criança é também um dos objetivos do trabalho ora

apresentado.

O experimento aqui descrito utilizou-se do paradigma da Tarefa de

Seleção de Imagem (Picture Identification Task), com pseudo-nomes e objetos

inventados. A variável independente foi o tipo de plural no nome alvo (plural

com alomorfia e sem alomorfia, este último representado por terminação em

sílaba travada por /r/ ou /l/ (que se realiza como [w]) vs. terminação em vogal

temática –e ou em ditongo com semivogal /y/). As condições experimentais

foram a de plural com alomorfia (condição 1) e plural sem alomorfia (condição

2). A variável dependente foi o número de respostas correspondentes ao plural

do nome alvo apresentado.

Método:

Participantes:

10 crianças, com idades entre 23 e 30 meses (média de idade de 26,5 meses),

sendo 6 do sexo masculino e 4 do sexo feminino, residentes da cidade de

Petrópolis (RJ).

Material:

Como estímulos visuais foram usados doze conjuntos de cinco fichas, os quais

continham duas fichas com um exemplar de uma figura inventada (figura alvo)

e mais uma ficha com a figura alvo múltipla, outra ficha com uma única figura

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alvo e uma terceira com uma figura múltipla de objeto conhecido. Utilizaram-

se ainda quatro conjuntos de fichas, correspondentes a figuras de objetos reais,

usadas como distratores. Como estímulos sonoros foram usados dezesseis

frases pronunciadas pelo experimentador, sendo seis na condição 1 e seis na

condição 2, as quais continham nomes que designam objetos inventados, e que

foram usadas como teste, mais quatro frases que apresentavam nomes que

designam objetos reais, usadas como distratores. Procurou-se nos estímulos

sonoros na fase de teste usar palavras inventadas terminadas com as vogais

temáticas –a, -e, -o, em número de dois para cada uma das vogais, perfazendo

deste modo seis estímulos, correspondentes à condição 1; de igual forma,

buscou-se usar palavras inventadas terminadas em –ar, -er, -or, -al, -el, -ol, em

número de um para cada terminação, perfazendo assim seis estímulos,

correspondentes à condição 2. Os estímulos distratores, em número de seis,

usaram palavras conhecidas terminadas em vogal temática. Teve-se, portanto,

um total de 18 estímulos.

Foram usados como estímulos visuais dezoito, conjuntos de cinco fichas, sendo

seis para cada condição, os quais continham duas fichas com um exemplar de

uma figura inventada (figura alvo) e mais uma ficha com a figura alvo

múltipla, outra ficha com uma única figura alvo e uma terceira com uma figura

múltipla de objeto conhecido, mais seis usados como distratores. A tabela a

seguir apresenta exemplos das condições utilizadas:

Aqui tem um DAFAR Aqui tem outro DAFAR Mostra para mim onde tem DAFARES

Aqui tem um DAFARE Aqui tem outro DAFARE Mostra para mim onde tem DAFARES

Aqui tem BOLA Aqui tem outra BOLA Mostra para mim onde tem BOLAS

Procedimento:

O experimento consistiu de duas partes, a apresentação e a escolha. Na

apresentação, duas fichas com desenho de nome alvo singular inventado são

mostradas à criança (correspondendo aos estímulos sonoros “Aqui tem um

dafar”; “Aqui tem outro dafar” – condição 1, ou “Aqui tem um dafare”; “Aqui

tem outro dafare” – condição 2). No teste, apresentam-se à criança três fichas,

uma com nome alvo plural (figura múltipla), outra com outro nome

desconhecido plural (figura múltipla, para a possibilidade de a criança

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interpretar a forma plural dafares como correspondente ao plural de dafare ou

dafar quando o alvo seria dafar e dafare, respectivamente) e uma terceira com

o nome alvo singular (figura única, caso a criança levasse em conta apenas a

raiz). A criança é requerida a identificar a figura correspondente ao plural do

nome alvo (“Mostra pra mim onde tem dafares”).

Resultados

Os resultados foram inicialmente analisados em função da variável

resposta plural-alvo. Procedeu-se igualmente a uma análise dos tipos de erros

cometidos (a qual considera as respostas-plural, correspondentes à figura plural

diferente do alvo, e as respostas-singular, correspondentes à figura singular).

Os resultados não apontaram uma diferença significativa entre as condições 1 e

2 (58,3% x 51,7%, com t (df9)= 1,19 e p=0,26), no que se refere à primeira

variável. Já no que tange à análise dos erros, a diferença entre o total de

respostas-singular e o de respostas-plural em ambas as condições não foi

significativa (respostas singular: t (df9)=0,86 e p= 0,17; respostas plural: t (df9)

= 0,75 p=0,31). Os gráficos com os resultados obtidos aparecem abaixo:

Gráfico 3

Distribuição (%) de Respostas-alvo em Função da Alomorfia.

58,3%51,7%

0,0%20,0%40,0%60,0%80,0%

100,0%

1

Respostas-alvo

Condição 1-plural comalomorfia

Condição 2 -plural semalomorfia

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Gráfico 4

Distribuição (%) dos Erros por Condição

23,3%

18,3% 21,7%25,0%

0,0%20,0%40,0%60,0%80,0%

100,0%

Respostas Singular Respostas Plural

Condição 1- plural comalomorfia

Condição 2- plural comalomorfia

Considerando-se que o nível de chance é 33%, os resultados sugerem

que a criança percebe informação relativa a número quando expressa

exclusivamente em N e trata de forma indiferenciada o plural de nomes

terminados em vogal temática e o plural dos nomes terminados em

consoante/semivogal, uma vez que o índice de reconhecimento da figura-alvo

plural é semelhante nas duas condições. Esta análise indica que as crianças

tratam morfema de número e alomorfe de número de maneira indistinta, e que

a alomorfia não se constitui em um problema para o reconhecimento da

informação relativa a número, o que é confirmado por uma análise dos tipos de

erros cometidos: a diferença entre as respostas-singular e as respostas-plural

(correspondente a figura plural distinta do alvo) em ambas as condições não foi

significativa, o que sugere que a alomorfia não induziu dificuldades a este

respeito. Mesmo no que se refere à segmentação, os resultados aqui aferidos

não provêm evidências de que a alomorfia imponha dificuldades, já que a

criança segmenta o nome em radical e morfema/alomorfe na identificação da

informação de número. Quanto à possibilidade de um nome inventado como

dafares ser tomado como morfologicamente semelhante a lápis ou pires,

conforme o exposto na introdução, o número de respostas singular foi

relativamente pequeno, e somando-se o percentual de respostas plural alvo com

o percentual de respostas-plural, verifica-se que a informação de número foi

reconhecida prioritariamente. Conclui-se, então, que as crianças em torno de

dois anos possuem capacidade de lidar com alomorfias – representação abstrata

de número – e que a criança é capaz de lidar com número plural em nomes nus

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de sintagmas existenciais. Assim sendo, mesmo que se considere que a

informação de número no PB é interpretável em D, a conclusão do estudo

anterior pode ser mantida, visto que número pode ser interpretado nos

elementos que estaria em concordância com aquele. Ou seja, a criança, por

volta dos dois anos de idade, percebe informação de número das interfaces

fônica e semântica e pode representá-la no léxico em termos de um traço

formal.

Cotejando-se os resultados auferidos no experimento 2 com os

resultados a que chegou Soderström (2002) com crianças falantes de inglês,

tem-se que em ambos ficou evidenciada uma percepção precoce da criança à

presença do morfema de número no nome (no caso dos testes experimentais de

Soderström, constatou-se ainda um sensibilidade à presença do morfema de

número também no verbo). No entanto, nos experimentos de Soderström não

se obtiveram evidências acerca do reconhecimento da informação semântica

contida no morfema de número, nem acerca de uma possível capacidade de a

criança perceber o morfema de número mesmo quando este se apresenta

variável fônica e morfologicamente, tratando estas variações como expressões

de um mesmo morfema abstrato. O experimento 3 relatado a seguir objetivou

justamente prover evidências a respeito desta capacidade em crianças

adquirindo o PB.

5.3.

Experimento 3 - Reconhecimento e Processamento de Morfemas e Alomorfias de Plural em Grupos Sociais Distintos

Uma questão importante para uma teoria de aquisição da linguagem

baseada na percepção de informações no material lingüístico é a maneira como

a criança lida com a variabilidade lingüística no processo de aquisição de

língua materna, aqui, em especial, na aquisição do número gramatical. Para o

reconhecimento do sistema de número gramatical, é notadamente importante a

manifestação morfológica da informação relativa a número, em especial aquela

que se manifesta nos elementos formadores do DP. Uma vez que tal

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informação apresenta dois tipos de variação: uma, de caráter morfofonológico,

cuja expressão se dá por meio de alofones e alomorfes; e outra, de cunho

sintático, cuja realização se observa nos diversos padrões de concordância de

número, os quais caracterizam variantes sociodialetais distintas, é necessário

verificar em que medida tal variação afeta a análise do material lingüístico pela

criança.

Os resultados do experimento 1 demonstram que, ainda que expostas

predominantemente ao dialeto padrão, no qual todos os elementos do DP

tendem a ser marcados em número, as crianças não tomaram como relevante a

distinção entre as formas padrão e não padrão. A informação de número em D

– que se mantém constante em todas as variantes – é tomada como a

informação confiável pelas crianças (Note-se que mesmo em PE, esta é a

informação confiável, dada a existência de nomes singulares terminados em -

s). Não é claro, contudo, em que medida a criança extrairia informação de

número de N, quando esta é a única fonte de informação de número no DP.

Nesse sentido, DPs existenciais com nomes nus constituem um meio de se

investigar o quanto de informação de número a criança extrai da flexão do

nome, e se haveria diferença no modo como crianças expostas

predominantemente aos dialetos padrão e não padrão lidam com essa

informação. Visto que alomorfia de número manifesta-se nos nomes

flexionados, considerou-se que verificar o modo como crianças processam

alomorfes nesse contexto seria informativo do quanto crianças estão atentas à

flexão do nome, na ausência de um D flexionado. Além disso, sabe-se que o –s

final tende a ser suprimido na interface fonética. Nesse caso, alomorfes

poderiam tornar a informação de número particularmente visível. Foi, portanto,

com vistas a verificar de que modo crianças que adquirem o PB e são

predominantemente expostas a diferentes dialetos lidam com informação de

número no nome – com e sem alomorfia – que o presente experimento foi

concebido.

A questão da variabilidade do estímulo também pode ser considerada

do ponto de vista da questão de saber se crianças expostas a dialetos sociais

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distintos procederiam da mesma forma na identificação do número. Foi o que

Miller (2005) fez com crianças falantes de espanhol chileno, a qual constatou

que crianças de classe social mais baixa (submetidas ao dialeto não-padrão,

portanto) tinham maior dificuldade em uma tarefa de identificação da

informação de número. Por essa razão testou-se o comportamento de crianças

oriundas de grupos sociais distintos, portanto expostas predominantemente a

dialetos padrão e não-padrão, diante da tarefa de identificar a presença da

informação relativa a número expressa por morfemas e alomorfes.

Assim, o experimento 3, relatado a seguir, busca prover evidências

sobre o modo como crianças com idade em torno dos 2 anos, oriundas de

classes sociais diversas (as quais recebem, como input, respectivamente, a

variante padrão e a variante não-padrão) se comportam com relação a

identificação das informações concernentes a número no processo de aquisição

do PB, valendo-se para isso do paradigma da Tarefa de Seleção de Imagens.

Busca-se verificar como a criança analisa preferencialmente uma forma plural

terminada em –res, -les ou -ois: como plural sem alomorfe de uma forma

singular terminada na sílaba –re, -le ou -oi ou como plural com alomorfe de

uma forma singular terminada em sílaba travada por –r, -l ou -ol. Para isso,

apresenta-se à criança uma forma passível de ser lida como plural regular ou

alomórfico de um nome novo e verifica-se em condições que favorecem uma

ou outra leitura. Tomou-se como variável dependente o número de respostas

com leitura alomórfica, de modo a verificar se há diferença entre condições que

favorecem ou não esta leitura, avaliando, desse modo, em que medida a

alomorfia se mostra acessível a crianças dos dois grupos sociais.

Neste experimento tomaram-se como variáveis independentes a

alomorfia, determinando assim duas condições experimentais, nome com

alomorfe (condição 1) e nome sem alomorfe (condição 2); e grupo social,

determinando assim o grupo padrão (formado por crianças expostas

predominantemente à variante padrão do PB) e o grupo não-padrão (formado

por crianças expostas que predominantemente à variante não-padrão do PB).

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Foi utilizada a técnica de identificação de objetos/criaturas inventados

nomeados por pseudo-nomes e, tal como no experimento 1.

Método

Participantes

20 crianças, com idade entre 24 e 36 meses (média de idade 30 meses),

residentes na cidade de Petrópolis (RJ). As crianças foram divididas em dois

grupos de 10 crianças, o primeiro (grupo padrão) formado por crianças filhas

de pais escolarizados (com nível superior completo) e matriculadas em colégio

particular de sua cidade, sendo, portanto, expostas predominantemente à

variante padrão do PB. O segundo grupo (grupo não-padrão) foi formado por

crianças filhas de pais semi-escolarizados (com até o primeiro segmento do

Ensino Fundamental completo) e matriculadas em creches públicas de sua

comunidade, sendo, portanto, expostas predominantemente à variante não-

padrão do PB.

Material

O material lingüístico consistiu de 12 conjuntos de 3 sentenças de apresentação

de dois objetos/criaturas idênticos e um diferente, todos inventados (Aqui tem

um dafar; aqui tem outro dafar e aqui tem um dafare) seguidas de um comando

com um DP existencial com nome nu flexionado (Mostre pra mim onde tem

dafares), como plural de dafar ou de dafare, como complemento. Foram

usados seis conjuntos para cada condição experimental, e mais seis conjuntos

semelhantes com nomes de objetos e seres reais, as quais funcionaram como

distratores, totalizando assim dezoito conjuntos.

Foram usados como estímulos visuais dezoito conjuntos de seis fichas, sendo

seis conjuntos para cada condição, mais seis para os distratores. Os conjuntos

usados como teste continham três fichas para a parte de apresentação: duas

contendo uma figura inventada singular (figura alvo), mais uma ficha com uma

figura singular diferente da figura alvo. Na parte de escolha, os conjuntos

continham outras três fichas: uma ficha com a figura alvo múltipla, uma ficha

com a figura alvo no singular, mais outra ficha com figura múltipla diferente

do alvo (correspondente ao plural da figura diferente do alvo mostrada

anteriormente). A tabela a seguir apresenta exemplos das condições utilizadas:

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Condição 1 - DAFAR Aqui tem um dafar - Aqui tem

outro dafar - Aqui tem um dafare Mostre pra mim onde tem

DAFARES

Condição 2 - DAFAR Aqui tem um dafare - Aqui tem

outro dafare - Aqui tem um dafar Mostre pra mim onde tem

DAFARES

Distrator - GATO Aqui tem um gato

Aqui tem outro gato Mostre pra mim onde tem

GATOS

Procedimento

Para a fase de treinamento e para os distratores são usadas frases produzidas

pelo experimentador, as quais contêm nomes que designam objetos reais,

distribuídas em duas partes:

- Parte 1 (apresentação): apresentação de três fichas com desenho de nome alvo

singular conhecido (“Aqui tem um carro”; “Aqui tem outro carro”; “Aqui tem

uma casa”).

- Parte 2 (escolha): apresentação de três fichas: uma com uma figura

correspondente ao nome alvo (figura múltipla), outra com uma figura

correspondente a outro nome plural diferente do alvo (figura múltipla) e uma

terceira com o correspondente ao nome alvo singular (figura única). Tarefa: A

criança é requerida a identificar a figura correspondente ao plural do nome alvo

(“Mostra pra mim onde tem CARROS”). Espera-se que a criança identifique o

nome alvo plural.

Para a fase de teste são usadas frases produzidas pelo experimentador, as quais

contêm nomes que designam objetos inventados, distribuídas em duas partes:

- Parte 1 (apresentação): apresentação de três fichas: duas com figura do nome

alvo singular inventado (“Aqui tem um dafar”; “Aqui tem outro dafar”) e uma

com uma figura singular diferente do alvo (“Aqui tem dafare”) – condição 1,

ou (“Aqui tem um dafare”; “Aqui tem outro dafare”; “Aqui tem dafar” –

condição 2). Contrabalançou-se a ordem de apresentação, de forma a alternar

os estímulos com dafar (um dafar, outro dafar, um dafare), com dafare (um

dafare, outro dafare, um dafar) e com os distratores.

- Parte 2 (escolha): apresentação de três fichas: uma com a figura alvo múltipla,

correspondente à interpretação plural do nome presente no estímulo; outra com

uma figura múltipla diferente do alvo, correspondente à interpretação da forma

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testada como plural embora não relacionada à forma singular anteriormente

apresentada; e uma com a figura alvo no singular.

Tarefa: A criança é requerida a identificar a figura correspondente ao plural do

nome alvo (“Mostra pra mim onde tem DAFARES”).

Previsões:

1. Se o dialeto ao qual a criança está exposta afeta a maneira como a

criança identifica informação de número no nome, espera-se uma

diferença significativa entre os grupos padrão e não-padrão no número

de respostas plural

2. Se o tipo de plural (com morfema ou com alomorfe) afeta a maneira

como as crianças reconhecem informação de número em nome

flexionado, espera-se um efeito de tipo de plural – caso a criança dê

preferência a formas regulares, maior número de respostas alvo na

condição sem alomorfia; caso a alomorfia aumente a visibilidade da

informação de número, um maior número de respostas alvo é esperado

na condição com alomorfia.

3. Se a presença de alomorfia causar particular dificuldade para crianças

expostas ao dialeto não padrão, espera-se uma interação entre grupo e

tipo de plural.

Resultados e Discussão:

Uma análise de variância ANOVA com design fatorial 2(grupo social)

X 2(tipo de plural), em que grupo social foi um fator grupal e tipo de plural

medida repetida, foi conduzida com o número de respostas correspondentes à

escolha da figura múltipla correspondente à apresentada anteriormente. A

variável grupo social não apresentou resultado significativo (F(1,18) = 0,1

p=.75), o mesmo ocorrendo com a variável alomorfia (F(1,18) = 1,62 p=.22).

Interação entre grupo e alomorfia igualmente não apresentou diferença

significativa (F(1,18) = 1,62 p=.22).

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O gráfico 5 com os resultados obtidos aparece a seguir:

Gráfico 5 Média de respostas PLURAL por condição

(max score=6)

4,1

3,23,5 3,5

0

1

2

3

4

5

6

Com Alomorfe Sem Alomorfe

Padrão Não Padrão

Os resultados do experimento 3 indicam que as crianças de ambos os

grupos sociais tratam morfema de número e alomorfe de número de maneira

indistinta, e que alomorfia não se constitui em um problema para o

reconhecimento da informação relativa a número, sugerindo que a alomorfia

não induziu dificuldades a este respeito. Um teste-t post-doc foi realizado

entre as condições com e sem alomorfia do grupo padrão, revelando uma

tendência que beira o nível de significância (t(df9) = 2.21 p = .05). Ou seja, os

dados sugerem alomorfes podem tornar mais visível a informação de número

no grupo no qual o nome tende a ser flexionado. No que se refere à

segmentação, os resultados aqui aferidos não provêm evidências de que a

alomorfia imponha dificuldades às crianças dos grupos padrão e não-padrão, já

que as crianças em ambos os grupos segmentam o nome em radical e

morfema/alomorfe na identificação da informação de número. Em suma, o

experimento 2 não permite afirmar que diferenças no estímulo lingüístico

primário afetam o reconhecimento de informação relativa a número, o que

conduz à conclusão de que o processamento da concordância de número se dá

de igual forma para as crianças dos dois grupos sociais. Mesmo quando o

morfema de número não é expresso na produção, ele é percebido como tal pela

criança. O fato de a marca morfológica de número ser omitida no dialeto não

padrão não induz dificuldades para a criança que tem esse dialeto como

estímulo lingüístico primário, uma vez que o comportamento verificado foi

semelhante nas duas faixas sociais pesquisadas. Com relação a evidenciar se o

tipo de plural (com morfema ou com alomorfe) afeta a maneira como as

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crianças reconhecem informação de número em nome flexionado, o maior

número respostas na condição 1 (com alomorfe) observada no grupo padrão

sugere que a alomorfia aumenta a visibilidade da informação de número, em

especial na classe exposta predominantemente à variante padrão do PB, na qual

se observa uma maior incidência da marca de número em N.

Numa comparação do experimento 3 com o estudo experimental de

Miller (2005), o que se pode concluir é que os resultados por ela obtidos

indicaram que estímulos variáveis, tanto no tocante à pronúncia da morfologia

de plural, quanto à omissão desta mesma morfologia, caracterizando assim

diferentes dialetos sociais, são percebidas diferentemente por falantes de

grupos sociais distintos. Como se percebe, nos experimentos de Miller (2005)

os resultados a que eles conduziram foram um tanto distintos dos registrados

no experimento 2, uma vez que neste não registrou diferença significativa entre

os sujeitos. Pode-se, contudo, atribuir esta discrepância nos resultados ao fato

de os experimentos de Miller terem sido aplicados em crianças de faixa etária

bem superior, em torno dos 5 anos de idade, quando a produção está mais

consolidada e o processo de aquisição quase concluído. Assim, a questão da

influência de diferentes inputs no processo de aquisição de linguagem

permanece uma questão em aberto. A possibilidade de efeito diferenciado no

grupo padrão, sugerido pelo teste-t, contudo, pode aproximar os resultados do

estudo de Miller com os relatados aqui.

5.4.

Experimento 4 – Percepção da Distinção entre Nomes Massivos e Contáveis em PB

Este experimento investiga o papel das informações sintáticas e

semânticas veiculadas no DP no processo de aquisição da distinção entre

nomes massivos e contáveis em português brasileiro (PB), em especial as

informações relativas à expressão do número gramatical. Com base no que se

apresentou nos Capítulos 3 e 4, assume-se que, para o reconhecimento da

distinção mass/count em PB, é importante a manifestação morfológica relativa

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a número que se manifesta nos elementos do DP. Desta forma, apresenta-se a

hipótese de que uma criança, uma vez que seja capaz de perceber a

presença/ausência do morfema de número, pode tomar a presença do morfema

de número como indicativa de um DP contável. No que se refere à referência

massiva, outros deverão ser levados em conta, considerando-se as

particularidades do PB. Em PB, tem-se a presença de nomes nus singulares em

posições argumentais, o que torna o input ambíguo no que se refere a mass e

count nouns, isto é, a presença da flexão de número plural é indicativa de

leitura contável, enquanto a forma singular é ambígua no que diz respeito à

distinção mass/count. Além disso, diferentemente do inglês, em que a oposição

entre os quantificadores many e much; é indicativa da distinção mass/count

(many > count; much > mass) tal oposição inexiste no PB, língua em que o

quantificador muito pode receber leitura massiva ou contável (cf. Neves, 2002).

Para dirimir essas ambigüidades, pode-se assumir que a criança usa não apenas

informação morfológica, mas sim semântica e/ou contextual, na interpretação

de DPs ambíguos. Estas ambigüidades do estímulo ficariam mais evidentes no

caso de nomes novos, constituindo-se em um problema para a criança que

adquire o PB.

Assumindo-se que o PB é uma língua que apresenta distinção lexical

entre massivos e contáveis, mas que essa distinção é visível apenas em

ambientes marcados para contabilidade (cf. Paraguassu, 2005 em 3.1.3), pode-

se imaginar que os traços semânticos da raiz dos nomes influenciam a criança

na interpretação mass ou count de um DP em determinados contextos. Daí o

experimento 3 ora descrito valer-se de nomes inventados e de nomes

conhecidos, estes últimos variando com relação a traços semânticos da raiz

como mais favoráveis a leituras massivo ou contável, nos estímulos

experimentais, justamente com vistas verificar uma possível influência de

traços semânticos da raiz dos nomes na interpretação do DP.

Assim, os objetivos principais deste experimento foram i) verificar se a

criança toma a presença do morfema de número como indicativa de leitura

contável, ii) verificar se a presença do quantificador muito afeta a interpretação

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massiva ou contável de um DP, e iii) verificar uma possível influência dos

traços semânticos da raiz lexical na interpretação massiva ou contável de um

DP.

Design Experimental

O experimento foi concebido de modo a possibilitar duas análises. Na

primeira, nomes inventados e nomes reais foram utilizados e estes últimos

foram contrabalançados com relação à leitura preferencial sugerida por sua

raiz. Assim, os nomes carro, bola, flor, botão, bife, bala, biscoito e batata

foram considerados como sugestivos de leitura contável, enquanto que os

nomes água, leite, café, feijão, manteiga, pão, doce e bolo, foram tomados

como sugestivos de leitura massiva. Na segunda, apenas nomes reais foram

utilizados e tipo de raiz passou a ser uma variável independente.

Para análise 1, as variáveis independentes foram:

Número: (singular) / (plural)

Tipo de DP: quantificado / não quantificado

Tipo de nome: real / inventado (Fator grupal)

Idade: 3 anos, 5 anos e adultos (Fator grupal)

Obteve-se, assim, um design fatorial 2 (número) x 2 (tipo de DP) x 2 (tipo de

nome) x 3 (idade) – os dois primeiros fatores são medidas repetidas (variáveis

intra-sujeito) e os outros dois são fatores grupais (variáveis inter-sujeitos).

Para análise 2, as variáveis independentes foram:

Número: (singular) / (plural)

Tipo de DP: quantificado / não quantificado

Tipo de raiz: em função da leitura preferencial em PB: massivo / contável)

Idade: 3 anos, 5 anos e adultos (Fator grupal)

Tem-se assim um design fatorial: 2 (número) x 2 (tipo de DP) x 2 (tipo de

raiz) x 3 (idade), no qual os três primeiros fatores são medidas repetidas.

Apresenta-se abaixo um exemplo de cada condição experimental:

Grupo Real

1. Singular quantificado

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O Tito comeu muito pão/biscoito..

2. Singular não quantificado

O Tito comeu pão/biscoito.

5. Plural quantificado

O Tito comeu muitos pães/biscoitos

4. Plural não quantificado.

O Tito comeu pães/biscoitos

Grupo Inventado

1. Singular quantificado

O Tito comeu muito dube.

2. Singular não quantificado

O Tito comeu dube.

5. Plural quantificado

O Tito comeu muitos dubes.

4. Plural não quantificado

O Tito comeu dubes.

Foram apresentados quatro estímulos por condição experimental em cada

grupo. A variável dependente foi o número de respostas correspondentes à

indicação da imagem com mais de um elemento crítico (correspondente ao

nome do DP em questão), doravante, respostas contáveis.

Método

Participantes: Dois grupos de crianças, o primeiro formado por 16 crianças

(10 do sexo masculino e 6 do sexo feminino), de 20 a 36 meses de idade, com

idade média de 32 meses, e o segundo formado por 16 crianças (8 do sexo

masculino e 8 do sexo feminino), de 42 a 60 meses de idade, com idade média

de 57 meses. As crianças de ambos os grupos eram todas filhas de pais

escolarizados e regularmente matriculadas na rede particular de educação

infantil, residentes na cidade de Petrópolis/RJ. Testaram-se, de igual modo,

dois grupos formados por 16 adultos, com idades entre 17 e 39 anos (média de

idade 37 anos), ambos constituídos de alunos de graduação matriculados em

cursos noturnos da Universidade Católica de Petrópolis (UCP) e da Faculdade

de Medicina de Petrópolis (FMP), que se apresentaram voluntariamente para

participar do experimento .

Material

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O material lingüístico (estímulos) foi constituído de 16 frases, 4 por condição

experimental, como exemplificado acima. O material visual foi criado a partir

de fotografias de dois personagens (o Tito e a Duda), representados por dois

jovens adultos, um do sexo masculino e outro feminino, ambos alunos da

graduação em Letras da UCP. Fotos semelhantes desses personagens foram

combinadas com desenhos de objetos a serem tomados como referentes dos

DPs das frases-teste. Para cada frase foram apresentadas duas imagens com o

mesmo personagem e diferentes quantidades de um mesmo tipo de objeto – um

único exemplar e vários, sendo que o único exemplar foi sempre maior do que

os vários apresentados. As fotografias foram apresentadas na tela de um laptop

Compaq Presario V6210BR, com processador AMD Sempron 667 Mhz,

memória RAM de 1 GB e HD de 60 GB.

Procedimento

Adotou-se o paradigma metodológico da Tarefa de Seleção de Imagens

(Picture Identification Task) com nomes/objetos reais e inventados. O

experimento foi precedido pela apresentação das fotos dos personagens em

questão e familiarização com a tarefa. O experimento consistiu da apresentação

concomitante das duas imagens correspondentes à condição em questão,

seguida da apresentação do estímulo-teste por parte do experimentador,

eliciando a escolha de uma das imagens, como resposta, por meio da diretiva

do tipo, “Mostra pra mim o que o Tito/a Duda comeu”. As imagens foram

exibidas na tela de um computador portátil e as respostas anotadas, pelo

experimentador, em uma ficha avaliação. O procedimento com crianças foi

conduzido, individualmente, numa sala da escola/creche, com a presença da

professora por perto. Este durou cerca de 15 minutos. O procedimento com

adultos foi conduzido numa sala vazia da UCP e durou cerca de 10 minutos.

Resultados:

Análise 1: As respostas contáveis obtidas foram submetidas a uma análise da

variância (ANOVA) com design fatorial 2 (tipo de DP) x 2(número) x 2 (tipo

de nome) x 3(idade), onde tipo de nome e idade foram fatores grupais, e os

demais medidas repetidas. Os efeitos principais dos seguintes fatores foram

significativos: idade (F(2,90) = 3.12 p < .05), número (F(1,90) = 179.55

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p<.0001), nome (F(1,90) = 5.28 p =.02), e tipo de DP (F(1,90) = 50.23

p<.0001). Os gráficos 6 a 9 apresentam as médias obtidas.

Gráfico 6

Médias de Respostas Contáveis por Idade (max score = 4)

2.262.48

2.23

0

0.5

1

1.5

2

2.5

3

3.5

4

3anos

5 anos

Adultos

O efeito de idade, como ilustrado pelo gráfico acima, atingiu o nível de

significância (p<.05), com um aumento no número de respostas contáveis na

idade de 5 anos, retornando, nos adultos, ao nível verificado na faixa de 3 anos.

Cabe verificar, diante desses resultados, que fatores explicam a alteração de

comportamento das crianças na faixa etária de 5 anos. Provavelmente, crianças

nessa idade se valem de outro tipo de informação na atribuição de leitura mass

ou count ao DP.

Gráfico 7

Média de Respostas Contáveis em Função de Número (max score = 4)

1.43

3.2

0

0.5

1

1.5

2

2.5

3

3.5

4

SingularPlural

Do gráfico acima se depreende que, conforme o esperado, a presença

do morfema de número induz leitura contável, já que se observou um maior

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número de respostas contáveis diante de um DP plural. Assim, pode-se afirmar

que a criança toma a informação morfológica relativa a número como

indicativa de leitura contável.

Gráfico 8

Médias de Respostas Contáveis em Função do Tipo de Nome(max score = 4)

2.22.43

0

0.5

1

1.5

2

2.5

3

3.5

4

Real

Inventado

No que concerne à variável tipo de nome, constatou-se que os nomes

inventados recebem maior quantidade de respostas contáveis do que os nomes

reais. Uma possível explicação para tal fato é que, nos nomes inventados, não

há influência dos traços semânticos da raiz, visto tratar-se de um nome

desconhecido para crianças e adultos. Dessa forma, a informação morfológica

se afigura como a informação mais relevante na interpretação massiva ou

contável dos DPs. Isso sugere que, possivelmente, há uma influência dos traços

semânticos da raiz na leitura do DP.

Gráfico 9

Médias de Respostas Contáveis em Função de Tipo de DP (max score = 4)

2.02

2.69

0

0.5

1

1.5

2

2.5

3

3.5

4

Não quantif icado

Quantif icado

O gráfico 9 mostra uma diferença entre o número de respostas contáveis

nas condições quantificado e não-quantificado. Isso permite a conclusão de que

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a presença do quantificador muito induz uma leitura contável do DP, apesar de

poder receber, em alguns contextos, interpretação massiva

Interações: Houve interação significativa entre as seguintes variáveis: número e

idade (F(2,90) = 10.93 p=.0001), número e nome (F(1,90) = 11.83 p=.001),

tipo de DP e nome (F(1.90) = 15.61 p < .001), e número e tipo de DP (F(1.90)

= 7.03 p <.01). A interação entre número, tipo de DP e idade se aproximou do

nível de significância (F(2.90) = 2.84 p = .06). Os gráficos 10 a 14 a seguir

mostram as médias:

Gráfico 10

Médias de Respostas Contáveis em Função de Número e Idade (max score = 4)

1.33

2

0.97

3.192.97

3.44

0

0.5

1

1.5

2

2.5

3

3.5

4

3 anos 5 anos Adult os

Singular

Plural

O gráfico 10 demonstra que o número de respostas contáveis na

condição plural decresce aos 5 anos, tornando a subir nos adultos. Já o número

de respostas contáveis na condição singular aumenta aos cinco anos e diminui

nos adultos. Esses resultados evidenciam que os adultos parecem fazer uso

mais consistente da informação morfológica de número, conferindo

interpretação contável preferencialmente aos DPs marcados para plural, dando

poucas respostas contáveis para DPs com nome no singular. Essa leitura pode

ser devida à possibilidade de nomes nus singulares com interpretação plural em

PB. O grupo de 3 anos apresenta um comportamento próximo ao dos adultos,

sugerindo que crianças nesta faixa etária também fazem uso preferencial da

informação morfológica de número. O grupo de crianças de 5 anos, por outro

lado, faz menor uso da marcação de número, tendendo a interpretar nomes nus

singulares como contáveis.

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Gráfico 11

Médias de Respostas Contáveis em Função de Número e Nome (max score = 4)

1.09

1.77

3.313.08

0

0.5

1

1.5

2

2.5

3

3.5

4

Real Invent ado

Singular

Plural

O gráfico 11 acima mostra que há um número maior de respostas

contáveis na condição nome real plural, decaindo na condição nome inventado

plural. No caso de nomes singulares reais, verifica-se que o número de

respostas contáveis aumenta na condição singular inventado. Esses resultados

evidenciam que o fato de os sujeitos conhecerem os nomes interfere na

interpretação dada aos DPs, corroborando, assim, a influência dos traços

semânticos da raiz evidenciada na análise da variável tipo de nome.

Gráfico 12

Média de Respostas Contáveis em Função de Nome e Tipo de DP (max score = 4)

2.08 1.972.33

2.89

0

0.5

1

1.5

2

2.5

3

3.5

4

Real Inventado

Sem QunatCom Quant

O efeito significativo registrado na interação entre nome e tipo de DP se

explica pelo fato de a média de respostas contáveis na condição nome

inventado com quantificador ser maior do que a da condição nome real com

quantificador, com o inverso sendo verificado no cotejo entre o nome real não-

quantificado e no nome real quantificado, em que se nota um decréscimo. Mais

uma vez, nota-se uma influencia dos traços semânticos da raiz, que parecem ser

levados em conta preferencialmente à presença do quantificador.

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Gráfico 13

Média de Respostas Contáveis em Função de Número e Tipo de DP (max score = 4)

1.03

1.83

3.013.39

0.00

0.50

1.00

1.50

2.00

2.50

3.00

3.50

4.00

Sem Quant Com Quant

SingularPlural

O número de respostas contáveis na condição com quantificador

aumenta em relação à condição sem quantificador. Nos DPs singulares, o

número de respostas contáveis na condição com quantificador sobe em relação

ao apresentado na condição sem quantificador. A interação entre número e tipo

de DP aponta que, quando há a presença do morfema de número, esta parece

ser a informação preferencial. Na ausência do morfema de número, a presença

do quantificador torna-se relevante, induzindo uma interpretação contável aos

DPs quantificados. Esses resultados evidenciam que DPs singulares

quantificados são mais facilmente interpretados como contáveis do que seu

correlato não-quantificado, corroborando assim a afirmação de que, em PB, o

quantificador muito recebe preferencialmente leitura contável.

Gráfico 14

Média de Respostas Contáveis em Função do Número, Tipo de DP e Idade (max score = 4)

1.03

3.13

1.63

2.56

0.44

3.34

1.63

3.25

2.38

3.38

1.5

3.53

0

0.5

1

1.5

2

2.5

3

3.5

4

Singular Plural Singular Plural Singular Plural

3 anos 5 anos Adultos

Sem Quant

Com Quant

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O gráfico acima demonstra que a leitura contável na condição plural

quantificado aumenta ligeiramente de acordo com a idade, constituindo assim

uma tendência relativamente estável através das faixas etárias pesquisadas. Já o

número de respostas contáveis na condição singular quantificado aumenta na

faixa etária de 5 anos, decaindo nos adultos. A condição plural sem

quantificador, ao contrário, cai aos 5 anos, subindo novamente nos adultos,

com a condição singular sem quantificador aumentando aos 5 anos e sofrendo

uma queda acentuada nos adultos. Assim, a sensibilidade à presença do

morfema de número é maior aos 3 anos e nos adultos do aos 5 anos, com a

sensibilidade à presença do quantificador maior aos 5 anos do que aos 3 anos e

nos adultos. Os resultados fornecem evidências de que a quantificação induz

leitura contável, e que a presença da informação relativa a número é crucial na

interpretação massiva ou contável do DP.

Discussão:

Concluindo, o que a análise 1 mostra é que a informação do morfema

de número é fundamental para interpretação massiva ou contável, e que a

presença do quantificador de fato é indicativa de leitura contável, ainda que

possa haver contextos em que o quantificador muito sugere leitura massiva (cf.

Neves, 2002). Entretanto, os resultados indicam, como antecipado, uma

possível influência dos traços semânticos da raiz. A fim de verificar o quanto

essa influência se faz presente, foi realizada a análise 2.

Análise 2: Apenas os dados do grupo Nome conhecido foram analisados por

meio de uma análise da variância (ANOVA) com design fatorial 2 (tipo de

DP) x 2 (número) x 2 (tipo de raiz) x 3 (idade), onde idade é um fator grupal e

os demais medidas repetidas. Os efeitos principais dos seguintes fatores foram

significativos: número (F(1,45) = 105,62 p<.00001) tipo de DP (F (1,45) =

17,52 p<..0001) e tipo de raiz (F(2,45) = 4,28 p< .000001). O efeito de idade

aproximou-se do nível de significância (F(2,45) = 2,82 p< .06). Os gráficos 15

a 17 apresentam as médias obtidas.

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Gráfico 15

Média de Respostas Contáveis em Função de Número (max score = 2)

0,54

1,64

0,00

0,50

1,00

1,50

2,00

1

singular plural

Como pode ser observado no gráfico 13, como seria esperado, a

presença do morfema de número induz à leitura contável, visto houve mais

respostas contáveis diante de um DP plural.

Gráfico 16

Média de Respostas Contáveis em Função do Tipo de DP (max score = 2)

1,10

1,17

1,00

1,10

1,20

1

sem quantificadorcom quantificador

Observa-se no gráfico 16 que a presença do quantificador muito induz

uma leitura contável do DP, o que torna um DP quantificado, de uma forma

geral, menos ambíguo em relação a massividade/contabilidade do que um DP

singular não quantificado. A possibilidade de nomes nus singulares no PB

favorece, assim, a leitura de um DP do tipo comeu muito biscoito como

contável.

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Gráfico 17

Média de Respostas Contáveis em Função do Tipo de Raiz (max score = 2)

1,290,90

0,00

0,50

1,00

1,50

2,00

1

contávelmassivo

O fato de tipo de raiz apresentar resultado significativo sugere que

adultos e crianças em fase de aquisição do PB são sensíveis aos traços

semânticos da raiz, e certamente usam essas informações semânticas na

interpretação de DPs ambíguos. Aqueles nomes considerados como

favorecedores de uma leitura contável realmente induziam mais respostas

contáveis do que os nomes inicialmente categorizados como massivos.

Gráfico 18

Média de Respostas Contáveis em Função de Idade (max score = 2)

1,05 1,201,03

0,00

0,50

1,00

1,50

2,00

1

trescincoadultos

O efeito de idade, como demonstra o gráfico 18, aproximou-se do nível

de significância. O número de respostas contáveis é menor no grupo de adultos,

possivelmente decorrente de leitura massiva. O grupo de 3 anos produz um

número um pouco maior de respostas contáveis, embora não seja claro, por

esse resultado, se a estratégia de interpretação do DP é semelhante entre este

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grupo e o de adultos. O efeito significativo da interação entre Número e idade

poderá clarificar este resultado.

Interações: Houve interação significativa entre as seguintes variáveis: número

e idade (F(2,45) = 7,99 p< .001), tipo de DP e idade (F(2,45) = 5,05 p <.01),

número e tipo de DP (F(1,45) = 5,32 p = .02), idade e tipo de raiz (F(2,45) =

4,01 p =.03) e idade, tipo de raiz e número (F(2,45) = 4,28 p =.02). A interação

entre número e raiz aproximou-se do nível de significância (F(1,45) = 3.07

p=.08). Os gráficos 19 a 23 a seguir mostram as médias:

Gráfico 19

Média de Respostas Contáveis em Função de Número e Idade

(max score = 2)

0,500,91

0,22

1,59 1,481,84

0,00

0,50

1,00

1,50

2,00

Tres Cinco Adultos

SingularPlural

O gráfico 19 demonstra que enquanto o número de respostas contáveis

na condição plural diminui ligeiramente no grupo de 5 anos, este cresce no

grupo de adultos. O número de respostas contáveis na condição singular, por

outro lado, cresce aos cinco anos e decresce consideravelmente no grupo de

adultos. Observa-se que no grupo de 5 anos, a diferença entre o número de

respostas contáveis na condição singular e plural é menor do que esta diferença

no grupo de 5 anos e bem menor do que a mesma no grupo de adultos. Esses

resultados evidenciam que os adultos parecem fazer uso mais consistente da

informação morfológica de número, conferindo interpretação contável

preferencialmente aos DPs marcados para plural, dando poucas respostas

contáveis para DPs com nome no singular. Essa leitura pode ser devida à

possibilidade de nomes nus singulares com interpretação plural em PB. O

grupo de 3 anos apresenta um comportamento próximo ao dos adultos,

sugerindo que crianças nesta faixa etária também fazem uso preferencial da

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informação morfológica de número. O grupo de crianças de 5 anos, por outro

lado, faz menor uso da marcação de número, tendendo a interpretar nomes nus

singulares como contáveis.

Gráfico 20

Média de Respostas Contáveis em Função do Tipo de DP e Idade

(max score = 2)

1,05 1,05 0,941,051,34

1,13

0,00

0,50

1,00

1,50

2,00

tres cinco adultos

sem quantificadorcom quantificador

Os resultados acima indicam que o número de respostas contáveis para

DPs sem quantificador permanece estável nas três faixas etárias pesquisadas. O

número de respostas contáveis em DPs quantificados, contudo, aumenta aos

cinco anos e decai consideravelmente nos adultos. Esses resultados revelam

que as crianças de 3 anos não levam em conta a presença do quantificador, ao

passo que as crianças de 5 anos parecem tomar a presença do quantificador

como relevante para a leitura massiva/contável. Os adultos parecem conferir

menor relevância a esse fator, na interpretação dos DPs.

Gráfico 21

Média de Respostas Contáveis em Função de Número e Tipo de DP (max score = 2)

0,420,67

1,60 1,68

0,00

0,50

1,00

1,50

2,00

sem quantificador com quantificador

singularplural

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O número de respostas contáveis na condição com quantificador é

próximo ao da condição sem quantificador. Já nos DPs singulares, o número de

respostas contáveis na condição com quantificador é maior do que o

apresentado na condição sem quantificador. A interação entre número e tipo de

DP mostra que, quando há a presença do morfema de número, esta parece ser a

informação preferencial. Quando não há a presença do morfema de número, a

presença do quantificador torna-se relevante, induzindo uma interpretação

contável aos DPs quantificados. Esses resultados evidenciam que DPs

singulares quantificados são mais facilmente interpretados como contáveis do

que seu correlato não-quantificado, corroborando assim a afirmação de que, em

PB, o quantificador muito recebe preferencialmente leitura contável.

Gráfico 22

Média de Respostas Contáveis em Função de Idade e Tipo de Raiz (max score = 2)

1,31,5

1,10,8 0,9 0,9

0,0

0,5

1,0

1,5

2,0

tres cinco adultos

contávelmassivo

O número de respostas contáveis para raízes massivas permaneceu

constante nas três faixas etárias pesquisadas; nas raízes contáveis, no entanto,

observou-se um aumento na faixa etária de 5 anos, decaindo nos adultos. A

influência da raiz contável, por conseguinte, parece ser maior aos 5 anos, o que

conduz à conclusão de que as crianças nesta idade conferem maior relevância à

informação semântica da raiz. Os resultados mostrados pelo gráfico 22, os

quais mostraram que crianças de 5 anos fazem menor uso da marcação de

número, podem ser explicados pelos resultados da interação entre idade e tipo

de raiz, na medida em que se evidenciou uma preferência da criança de 5 anos

pela informação semântica, em detrimento da informação morfológica.

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Gráfico 23

Média de respostas contáveis em função de número, tipo de raiz e idade

0.69

1.34

0.310.31 0.470.13

1.811.63

1.94

1.38 1.34

1.75

0.00

0.50

1.00

1.50

2.00

2.50

tres cinco adulto

sing cont

sing mass

plural cont

plural mass

No que se refere à interação entre idade, tipo de raiz e número, observa-

se que o comportamento do grupo de três anos e do de adultos apresenta um

padrão semelhante, ainda que o número de respostas contáveis para DPs plural

seja maior no grupo de adultos. O padrão de comportamento do grupo de 5

anos, contudo, é distinto, uma vez que há um número consideravelmente

grande de respostas contáveis para DPs singulares de raiz contável. Crianças de

5 anos parecem, portanto, ser mais afetadas pelos traços semânticos da raiz, o

que sugere ser essa informação a preferida diante da possibilidade de nomes

singulares nus com leitura plural no PB.

Discussão:

Os resultados da análise 2 evidenciam que há uma influência dos traços

semânticos da raiz na interpretação massiva ou contável do DP. Essa influência

é mais nítida no caso de DPs nus singulares, que são ambíguos para

mass/count. No caso de DPs marcados morfologicamente para número, é a

informação expressa pelo morfema que parece ser a preferencial, sendo

indicativa de leitura contável do DP. A interferência dos traços

massivo/contável da raiz nominal pode ocorrer na interpretação de nomes nus

ou precedidos por muito em DPs objetos, indicando mass ou count, como

ilustram os exemplos João comeu bolo/muito bolo (admite leitura massiva ou

contável) e João leu livro/muito livro e viu filme/muito filme (que parece só

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admitir leitura count). A preferência pelas informações semânticas parece ser

maior aos cinco anos, ao passo que crianças de 3 anos e adultos fazem uso

preferencial de informação advinda da morfologia.

Discussão Geral:

Quanto aos objetivos estabelecidos para o experimento 3, os resultados

por ele obtidos permitem afirmar que a criança toma a presença do morfema de

número como indicativa de leitura contável, o que faz da informação relativa a

número um fator importante na interpretação massiva ou contável de um DP.

No que concerne ao quantificador muito, ainda que ele possa receber leitura

massiva ou contável em PB (cf. Neves, 2002), é essa última que se faz

preferencialmente, em especial para crianças em fase inicial de aquisição (até 3

anos). A afirmação de que a informação morfo-fonológica relativa a número é

crucial na aquisição de mass/count nouns se aproximaria da visão defendida

pelas linhas gramatical e contextual no estudo da aquisição da distinção

mass/count, conforme mostrado e discutido no Capítulo 4. Entretanto, os

resultados do experimento 3 mostram que informações de natureza gramatical

não são as únicas a serem levadas em conta – uma vez que o experimento 3

registrou uma influência dos traços semânticos da raiz, pode-se concluir que a

criança se utiliza de informação de natureza semântico-conceptual. Assim,

pode-se conceber a aquisição da distinção mass/count de uma forma unificada,

como a exposta no Capítulo 4, na qual a criança usaria, em uma fase inicial de

aquisição preferencialmente informação de ordem gramatical (morfema de

número), sendo, no entanto, sensível aos traços semânticos da raiz nominal.

Essa sensibilidade torna-se acentuada aos 5 anos de idade, quando a criança

busca outras fontes de informação diante de DPs ambíguos quanto à distinção

mass/count, particularmente os DPs singulares, Esta informação adicional pode

ser extraída tanto da raiz nominal quanto do quantificador muito que, nessa

faixa etária, é preferencialmente interpretado como indicativo de leitura

contável.

Para o PB, pode-se esboçar a expressão de mass/count nouns com base

no seguinte: nomes nus singulares em posição de objeto recebem interpretação

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genérica ou massiva (como em “João comprou batata”), com os nomes

precedidos pelo quantificador muito na mesma posição (“João comprou muita

batata”) recebendo preferencialmente leitura contável. Uma vez que se achem

flexionados em número, com a presença do morfema de plural, nomes nus,

determinantes e quantificadores sempre receberão interpretação contável

(“João comprou batatas/as batatas/umas batatas/muitas batatas”). Os

resultados do experimento 3 permitem sustentar a hipótese de que uma criança,

ao adquirir a distinção mass/count em PB seja capaz de, em primeiro lugar,

perceber a presença/ausência do morfema de número nos nomes, tomando esta

oposição como indicativa de expressão contável. Tem-se, assim, em um

primeiro momento, um processo de aquisição de base gramatical-contextual,

sendo que, em um outro momento, a criança lançaria mão de informação de

natureza semântica, notadamente em casos em que o material lingüístico

apresenta-se de modo ambíguo.

A criança que adquire o PB tem de diferenciar um DP plural

verdadeiramente count (ou seja, um DP que contenha um nome que possua

partes mínimas em sua denotação) de um DP plural sob o escopo de um

operador de contabilidade (ou seja, um DP que contenha um nome que não

possua partes mínimas em sua denotação, mas que esteja sendo usado como

um nome count). Exemplificando, é como se a criança adquirindo a distinção

mass/count tenha de perceber a diferença entre João comprou os carros da loja

e João desviou as águas do rio. Uma outra questão é a interpretação mass ou

count de DPs como João comeu bolo/muito bolo (admite leitura massiva ou

contável) e João leu livro/muito livro e viu filme/muito filme (que parece só

admitir leitura count). Conforme se percebe, tanto nomes singulares quanto

morfologia de plural podem apresentar ruídos durante a aquisição da distinção

mass/count em PB. A ambigüidade do input pode tornar o processo de

aquisição não tão óbvio, exigindo que a criança lance mão de outro tipo de

informação que não a morfológica. Os resultados aqui relatados sugerem que

esta informação acessória pode ser semântica, proveniente dos traços

semânticos da raiz nominal, à qual a criança recorreria nos casos em que o

estímulo apresentasse ruídos ou ambigüidades.

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O processo de aquisição da distinção massivo/contável é um processo

que se dá seguindo dois caminhos. Um, que consiste na fixação da denotação

dos nomes, e que concerne ao modo como a realidade extralingüística é

conceptualizada na língua, estando, portanto, sob a alçada de uma teoria do

desenvolvimento cognitivo; e outro, que consiste na percepção, por parte da

criança, da maneira como a distinção mass/count se faz visível nas interfaces

fônica e semântica, dizendo assim respeito ao modo como unidades

linguisticamente relevantes são processadas e interpretadas; estando, por

conseguinte, sob o escopo de uma teoria de aquisição de linguagem calcada em

informação lingüística.

Portanto, o processo de aquisição da distinção entre nomes massivos e

contáveis pode ser tratado tanto do ponto de vista de uma teoria de aquisição

baseada em informação de ordem gramatical, quanto do ponto de vista de uma

teoria de aquisição da língua mais diretamente vinculada ao desenvolvimento

cognitivo (a qual se voltaria para o modo como determinadas informações são

conceptualizadas). Nesse sentido, o estudo da aquisição da distinção entre

nomes massivos e contáveis, na forma como aqui apresentada, ilustra a

possibilidade de elaboração de uma teoria de aquisição da linguagem que

articule teoria lingüística, teoria psicolingüística e teorias do desenvolvimento

cognitivo, mostrando de que o modo como a criança processa informação

relevante presente nas interfaces e as associa com informações advindas de

outros domínios da cognição.

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