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5 O sistema G7/8 e a economia política da globalização II: Da transição para o G8 para a formação do G20 5.1. Quarto ciclo: 1996-2002 Dando prosseguimento ao capítulo anterior, no quarto ciclo percebe-se uma continuidade na preocupação com a transição da Rússia, o que culmina em sua incorporação ao G7 (agora G8) oficialmente em 1998, em Birmingham. Um elemento de destaque neste processo foi a cúpula especial sobre segurança nuclear, proposta por Yeltsin e que ocorreu nos dias 19 e 20 de abril de 1996 (Nuclear safety & security summit, 1996). As questões de segurança ganham destaque neste ciclo, principalmente no que diz respeito ao terrorismo internacional, desde os ataques do al-Qaeda em 1996 às bases militares estadunidenses na Arábia Saudita até os ataques de 11 de setembro de 2001. Neste período o discurso da globalização permanece, mas agora pautado pelas crises econômicas que vem desde a crise mexicana (1994-1995) – com destaque para a crise asiática de 1997-1998. Além de apontar para um desgaste do modelo neoliberal até então hegemônico, tal crise é fundamental pois a partir dela tem origem, no âmbito do G7, aquilo que posteriormente ficaria conhecido como G20. Além disso, é possível perceber a partir do quarto ciclo dois processos distintos porém interligados: com o desgaste do modelo neoliberal então vigente, há por um lado uma intensificação dos processos de resistência e mobilização transnacionais, o que se desdobra para o G8, com a proliferação de manifestações e protestos contra o G8 durante a realização das cúpulas, e por outro, neste ciclo percebe-se a introdução de novas iniciativas nas cúpulas, dentre as quais se destaca a política de outreach, ou seja, o convite aos líderes de países em desenvolvimento e de ONGs para participarem de partes das cúpulas. Tal política pode ser vista em um contexto de tentativa de restauração da legitimidade que vinha sendo perdida desde o eclodir das crises, ou seja, como um elemento dentro de um processo mais amplo de tentativa de revolução passiva em escala global.

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5 O sistema G7/8 e a economia política da globalização II: Da transição para o G8 para a formação do G20

5.1. Quarto ciclo: 1996-2002

Dando prosseguimento ao capítulo anterior, no quarto ciclo percebe-se

uma continuidade na preocupação com a transição da Rússia, o que culmina em

sua incorporação ao G7 (agora G8) oficialmente em 1998, em Birmingham. Um

elemento de destaque neste processo foi a cúpula especial sobre segurança

nuclear, proposta por Yeltsin e que ocorreu nos dias 19 e 20 de abril de 1996

(Nuclear safety & security summit, 1996). As questões de segurança ganham

destaque neste ciclo, principalmente no que diz respeito ao terrorismo

internacional, desde os ataques do al-Qaeda em 1996 às bases militares

estadunidenses na Arábia Saudita até os ataques de 11 de setembro de 2001.

Neste período o discurso da globalização permanece, mas agora pautado

pelas crises econômicas que vem desde a crise mexicana (1994-1995) – com

destaque para a crise asiática de 1997-1998. Além de apontar para um desgaste

do modelo neoliberal até então hegemônico, tal crise é fundamental pois a partir

dela tem origem, no âmbito do G7, aquilo que posteriormente ficaria conhecido

como G20. Além disso, é possível perceber a partir do quarto ciclo dois

processos distintos porém interligados: com o desgaste do modelo neoliberal

então vigente, há por um lado uma intensificação dos processos de resistência e

mobilização transnacionais, o que se desdobra para o G8, com a proliferação de

manifestações e protestos contra o G8 durante a realização das cúpulas, e por

outro, neste ciclo percebe-se a introdução de novas iniciativas nas cúpulas,

dentre as quais se destaca a política de outreach, ou seja, o convite aos líderes

de países em desenvolvimento e de ONGs para participarem de partes das

cúpulas. Tal política pode ser vista em um contexto de tentativa de restauração

da legitimidade que vinha sendo perdida desde o eclodir das crises, ou seja,

como um elemento dentro de um processo mais amplo de tentativa de revolução

passiva em escala global.

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Na cúpula de Lyon, de 27 a 29 de junho de 1996, tais questões

concernentes à reforma institucional foram mantidas, agora com uma pequena

inflexão: o foco seria no desenvolvimento, especialmente no que dizia respeito

ao Banco Mundial e às agências econômicas do sistema ONU. A ênfase, neste

contexto, era tornar a globalização em algo benéfico para todos, e neste sentido

determinadas mudanças foram implementadas (Group of Seven, 1996a). Assim,

percebe-se a continuação da preocupação com a estabilidade do sistema

monetário mundial que havia ganhado proeminência no ano anterior, em Halifax.

Neste sentido, no relatório feito pelos ministros de finanças do G7 foram

reafirmadas as decisões tomadas em Halifax, a necessidade de mecanismos

mais efetivos de vigilância macroeconômica e destacadas as mudanças feitas no

FMI. Contudo, é importante perceber que, mesmo em um contexto de demanda

por mudanças, também se reafirmam os elementos componentes de uma visão

de mundo neoliberal – destacando o crescimento não-inflacionário, a flexibilidade

das taxas de câmbio e a impropriedade de estruturas regulatórias bem como

intervenções no mercado de câmbio (G7 Finance Ministers, 1996).

Uma novidade desta cúpula diz respeito ao convite feito, pela primeira vez,

aos representantes do Banco Mundial, ONU, FMI e OMC para uma sessão

conjunta com o G7 e a Rússia (Group of Seven, 1996b). A ênfase no tema do

desenvolvimento levou tal cúpula a dar destaque para a questão do perdão da

dívida dos países pobres, tanto aos governos quanto às instituições

internacionais como FMI e Banco Mundial. Tendo como base uma iniciativa do

Reino Unido em 1994 tal questão foi prontamente incorporada pelo FMI e pelo

Banco Mundial como iniciativa HIPC (Países Pobres Altamente Endividados –

Heavily Indebted Poor Countries)1.

Além das questões relacionadas diretamente à temática do

desenvolvimento, em Lyon foram discutidas questões com relação à reforma do

sistema ONU – mesmo que em termos mais gerais –, ao processo de paz na

Bósnia-Herzegovina e ao crime organizado transnacional. No tocante à paz na

Bósnia-Herzegovina, o G7 reafirmou as conclusões adotadas na Conferência de

Implementação da Paz em junho de 1996 – poucos dias antes da cúpula –, em

Florença, destacando o papel do FMI, OSCE – Organização para a Segurança e

Cooperação na Europa –, IFOR – Implementation Force – e ACNUR – Alto

Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados – no processo de

implementação da paz e de reconstrução do país (Idem, 1996c). Já no caso do

1 Para maiores informações sobre a iniciativa HIPC, ver http://www.imf.org/external/np/exr/facts/hipc.htm. 

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crime organizado transnacional, a despeito dos relatórios produzidos por um

grupo de experts (Grupo de Lyon) desde 1995, pouca atenção foi dada em

função do ataque sofrido por militares estadunidenses na Arábia Saudita poucos

dias antes do início da cúpula (Idem, 1996d).

Assim como ocorreu em Nápoles, a cúpula de Denver, de 20 a 22 de junho

de 1997, é mais interessante pelos processos que iniciou do que pelos

resultados nela atingidos. As questões envolvendo a reforma das instituições

internacionais – como a ONU, por exemplo, que vinham sendo discutidas em

Lyon e Halifax, em Denver foram objeto de atenção mas com poucos resultados

efetivos (Idem, 1997a, §49-53).

Neste sentido, duas questões de destaque foram iniciadas em Denver:

primeiro, no que diz respeito à incorporação da Rússia: tendo em vista o

processo de expansão da OTAN para o leste europeu, os Estados Unidos

convidaram a Rússia para participar desta cúpula desde seu início, o que lhe

rendeu o título de “cúpula dos oito” – embora a incorporação definitiva da Rússia

só fosse ocorrer um ano depois, em 1998, na cúpula de Birmingham2. Segundo,

com relação à incorporação da África como objeto de atenção do G7. Dando

prosseguimento ao que havia ocorrido em Lyon (quando a ênfase se deu na

temática do desenvolvimento), em Denver a ênfase foi na questão econômica,

ou seja, na tentativa de levar a África a “participar plenamente na expansão da

prosperidade global” (Ibidem, §54). Contudo, neste caso a incorporação foi

decepcionante na medida em que as declarações e comunicados foram

significativamente vagos – o que não impediu que o tema retornasse à agenda

nas reuniões seguintes, ocupando um espaço significativo nas cúpulas

posteriores. Dentre outras razões, devido ao aniversário de 5 anos da Eco-92, a

questão ambiental também foi alvo das discussões. Contudo, em função da

discordância entre Estados Unidos e os países europeus, pouco se avançou

neste tópico.

2 Um desdobramento fundamental neste processo de incorporação da Rússia no mundo ocidental foi sua admissão no Clube de Paris em setembro de 1997, pouco tempo depois da cúpula de Denver, o que contribuiu significativamente para o sucesso de sua incorporação no sistema G7/8 no ano seguinte. Para maiores detalhes sobre o papel da Rússia no Clube de Paris, ver Storchak, 2006. 

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Tabela 5.1

Crescimento anual do PIB (%)

1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009

Estados Unidos 3,8 4,5 4,4 4,9 4,2 1,1 1,8 2,5 3,6 3,1 2,7 1,9 0,0 -2,6

Canadá 1,6 4,2 4,1 5,5 5,2 1,8 2,9 1,9 3,1 3,0 2,8 2,2 0,5 -2,5

Reino Unido 2,9 3,3 3,6 3,5 3,9 2,5 2,1 2,8 3,0 2,2 2,9 2,6 0,5 -4,9

França 1,1 2,2 3,5 3,3 3,9 1,9 1,0 1,1 2,5 1,9 2,2 2,4 0,2 -2,6

Alemanha 1,0 1,8 2,0 2,0 3,2 1,2 0,0 -0,2 1,2 0,8 3,4 2,7 1,0 -4,7

Itália 1,1 1,9 1,4 1,5 - 1,8 0,5 0,0 1,5 0,7 2,0 1,5 -1,3 -5,0

Japão 2,6 1,6 -2,0 -0,1 2,9 0,2 0,3 1,4 2,7 1,9 2,0 2,4 -1,2 -5,2

Mundial 3,4 3,7 2,4 3,3 4,3 1,6 2,0 2,7 4,1 3,6 4,0 3,9 1,6 -1,9

Fonte: Banco Mundial

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A incorporação de tais elementos não implicou o abandono das questões

econômicas pelo sistema G7/8. Assim, mesmo em um contexto de bonança da

economia estadunidense (Tabela 5.1), foi dada atenção para a questão do

emprego – que já vinha sendo discutido desde a cúpula de Nápoles, em 1994.

No tocante à ajuda econômica ao leste europeu – tema este presente nos

debates desde a cúpula de Paris, de 1989 – Denver marca uma inflexão, pois ao

mesmo tempo em que a Rússia passa a desempenhar um papel maior no então

G7, a ajuda econômica aos países do antigo bloco soviético deixa de ser um

tema relevante. Além disso, questões relacionadas à regulação financeira e ao

FMI – que vinham com ênfase desde Halifax – foram discutidas. Contudo, em

larga medida devido à calmaria da economia política global no período, não

houve progresso significativo (Group of Seven, 1997b; 1997c). Não obstante,

após a crise mexicana estava claro que outras crises poderiam acontecer. E isso

veio a ocorrer em 1997 na Ásia.

Devido às políticas de estímulo econômico então adotadas, no início dos

anos 1990 as taxas de juros dos países desenvolvidos estavam

significativamente baixas, o que levou os investidores a procurarem rendimentos

mais elevados naqueles que ficariam conhecidos como “mercados emergentes”.

Esta tendência se manteve durante a década de 1990: em 1990, o fluxo de

capital privado para tais mercados era de US$42 bilhões, enquanto em 1997 era

de US$256 bilhões (Krugman, 2009). Até a metade da década de 1990 parte

significativa de tais recursos foi direcionada à América Latina. Após a crise

mexicana, esses fluxos se dirigiram, na maior parte, para o leste asiático. Neste

período, a expansão do leste asiático parecia compensar o declínio da economia

japonesa. Tal expansão possuía algumas características peculiares, dentre as

quais se destacam: primeiro, assim como o modelo japonês, eram economias

com baixa propensão ao consumo e alta propensão à poupança, o que fez com

que estas se voltassem para o mercado externo, sendo as exportações –

principalmente para o mercado consumidor estadunidense – o motor do

crescimento econômico. Segundo, havia uma forte presença do Estado,

apoiando financeiramente as empresas, realizando investimentos em obras

públicas necessárias para a expansão da produção e regulamentando a relação

entre capital e trabalho em favor do primeiro.

No final dos anos 1990, tais economias não mais se encontravam no

mesmo processo de expansão característico dos anos anteriores. Já há algum

tempo a China emergia como uma grande potência econômica mundial, com

grande capacidade exportadora e ocupando uma parte cada vez maior do

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mercado estadunidense. Além disso, com o fim da Guerra Fria, alguns dos

privilégios econômicos outrora dados aos países do leste asiático foram

desaparecendo (Beinstein, 2001). Assim, a partir de 1996 o ciclo de

prosperidade da região – em especial da Tailândia, ponto inicial da crise – sofreu

uma reversão: os mercados externos de alguns produtos da região começaram a

perder sua capacidade de absorção e, além disso, entre março e agosto de 1995

os Estados Unidos iniciaram, junto com os governos japonês e alemão, uma

ação coordenada para desvalorizar o iene e o marco com relação ao dólar no

que ficou conhecido como “Acordo do Plaza invertido” (Brenner, 2003 e 2006).

Assim, anteriormente as economias do leste asiático haviam se beneficiado do

Acordo do Plaza devido ao fato de se encontrarem atreladas ao dólar; contudo,

na segunda metade da década de 1990 tal tendência se inverteu, com os

produtos oriundos de tal região se tornando menos competitivos. Tendo em vista

o fato das economias desta região serem altamente integradas ao mercado

financeiro global, além de possuírem características comuns em termos de

modelo desenvolvimento, a possibilidade do efeito contágio era altamente

significativa. Assim, quando em 2 de julho de 1997 o governo tailandês

flexibilizou sua taxa de câmbio, deixando o baht flutuar, era só uma questão de

tempo até a crise afetar os demais países da região.

Neste contexto, de 15 a 17 de maio de 1998 ocorreu a cúpula de

Birmingham. Após a crise asiática e as ações do FMI e do Banco Mundial no

sentido de conter tal crise, os ministros de finanças do G7 também se engajaram

com tal questão, buscando evitar que novas crises deste porte ocorressem. É

interessante notar que, em um relatório dos ministros de finanças do dia 9 de

maio de 1998, uma semana antes da cúpula, pela primeira vez se reconhece

que a “globalização (...) gera certos riscos” (G7 Finance Ministers, 1998a, §3).

Neste sentido, recomendações foram feitas com relação ao aumento da

transparência por parte dos Estados e empresas com relação aos seus dados;

acerca da necessidade de se ajudar os países a se integrarem na economia

mundial e se adequarem às necessidades para garantir o livre fluxo de capitais

em escala global; da necessidade do fortalecimento dos sistemas financeiros

nacionais; da responsabilização do setor privado por suas decisões de

empréstimos; e de um papel mais significativo das instituições financeiras

internacionais, em especial no que concerne ao seu papel como fórum

regulatório internacional3.

3 Ver também, neste sentido, o seguinte relatório: G7 Finance Ministers, 1998b. 

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Em suma, é possível perceber neste contexto uma fratura no bloco

histórico dominante na medida em que são incorporados, no discurso dominante,

temas e questões até então deixados de lado. Não obstante, a despeito de tal

espaço aberto, o que se percebe não é uma ruptura, mas uma tentativa de

reforma do modelo vigente de inspiração neoliberal. Neste processo, é

fundamental perceber a mudança no espectro político nos países do G8 no

período – tendência esta que se consolida em Colônia, 1999 –, que em sua

maioria passavam a ser governados por partidos de centro-esquerda, revertendo

assim a tendência de centro-direita vigente nestes países nos anos 1980-1990.

Um dos impactos de tal questão foi a mudança na agenda das cúpulas, que

passam a incorporar de maneira mais explícita questões sociais e, como visto,

certas propostas de reforma do modelo vigente (Group of Eight, 1998a; 1998b;

1998c).

No tocante à questão do desenvolvimento, foi endossada a estratégia do

século XXI da OCDE para o desenvolvimento econômico e social bem como foi

dado apoio às iniciativas da OMS de combate à malária e à AIDS. Em especial,

ênfase foi dada ao perdão da dívida dos países mais pobres. Na semana

anterior à cúpula, ministros de finanças e de relações exteriores se reuniram e,

neste tópico, destacaram a importância da articulação conjunta dos países do

sistema G7/8 com OCDE, FMI e Banco Mundial na promoção do

desenvolvimento da África (Idem, 1998d). Além disso, durante a cúpula houve

uma série de manifestações em Birmingham em favor do perdão da dívida dos

países pobres até 2000 – campanha do Jubileu 2000. Neste sentido buscaram-

se na cúpula algumas medidas de promoção do desenvolvimento da África,

como a proposta de acelerar a iniciativa HIPC (Blair, 1998). Os resultados e

comprometimentos não foram satisfatórios para os manifestantes; contudo,

mesmo sem chegar a grandes resultados, em Birmingham foram estabelecidas

certas bases a partir das quais certas decisões seriam tomadas um ano mais

tarde, em Colônia.

Assim como a crise mexicana, a crise do sudeste asiático também se

globalizou e países como Brasil e Rússia sofreram as consequências da

especulação financeira que seguiu a crise. Neste processo, a cúpula de Colônia,

de 18 a 20 de junho de 1999, apresentou duas realidades distintas: por um lado,

em função da crise na Rússia, foram enfatizados os limites de sua incorporação

plena nas deliberações acerca da temática econômica nas cúpulas, uma vez que

ela se mostrava mais como parte do problema do que da solução. Por outro

lado, as questões relacionadas à temática da segurança – em especial ao

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Kosovo – não podiam ser resolvidas à revelia da Rússia, o que reforçava sua

relevância política e os limites e potencialidades da mudança do G7 para G8

(Group of Seven, 1999a; 1999b; 1999c).

Em função da crise asiática e de seus impactos e desdobramentos houve

várias articulações por parte dos ministros de finanças do G7 antes da reunião

de Colônia. Grande parte de suas decisões acerca das reformas que se faziam

necessárias – e que formaram a base das propostas encaminhadas à cúpula de

Colônia – derivavam de relatórios elaborados previamente pelo G22, um grupo

informal articulado pelos Estados Unidos e que reunia países asiáticos e em

desenvolvimento envolvidos na crise. Tal proposta apresentada em Colônia

possuía 6 elementos principais:

Primeiro, fortalecimento e reforma das instituições financeiras

internacionais. Neste ponto, três questões merecem destaque: (a) a criação do

Fórum de Estabilidade Financeira (FSF), cuja função seria aumentar a

cooperação e a coordenação no que concerne à vigilância e à supervisão do

mercado financeiro; (b) o comitê interino do FMI designado para lidar com tais

questões foi formalizado como Comitê Monetário e Financeiro Internacional

(IMFC), no qual o presidente do Banco Mundial teria assento bem como o

presidente do FSF – neste caso, como observador; (c) a proposta de criação de

um mecanismo informal entre os países mais relevantes para a economia

mundial, tendo como base o G22 criado em 1998. Não obstante, em função de

seu viés para a região do Pacífico, os europeus resistiram a tal ideia e tal

questão não foi resolvida em Colônia4. Segundo, aumento da transparência e

promoção das práticas mais bem sucedidas. Neste ponto foram reafirmadas as

medidas propostas no ano anterior em Birmingham. Terceiro, fortalecimento da

regulação financeira nos países industrializados. A ênfase neste ponto se dava

sobre investimentos de risco por parte dos bancos, instituições de alto nível de

alavancagem, como fundos de hedge, e centros financeiros offshore. Quarto,

fortalecimento de políticas macroeconômicas e sistemas financeiros em

mercados emergentes. Neste sentido, o ponto central era desencorajar a adoção

de taxas fixas de câmbio por parte de tais mercados, tendo em vista o ocorrido

no México, Brasil, Rússia e leste asiático. Quinto, melhoria nos mecanismos de

prevenção e gestão das crises envolvendo o setor privado. A grande inovação

neste ponto foi a criação da nova linha de crédito contingente no FMI (CCL), que

visava proteger aqueles países que estivessem adotando políticas monetárias

4 Deste processo emergiu o G20. Para maiores detalhes, ver, neste capítulo, a seção 5.3 – G20. 

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austeras evitando, assim, o “efeito contágio” com relação à instabilidade

financeira. Sexto, promoção de políticas sociais para proteção dos pobres e mais

vulneráveis – destaque dado neste ponto ao papel do Banco Mundial e da ONU

neste processo (G7 Finance Ministers, 1999a).

Em Colônia a questão do desenvolvimento ganhou destaque, muito em

função da supracitada ascensão de governos de centro-esquerda. Assim, foi

proposta a “Iniciativa da Dívida de Colônia”, que recomendava ao FMI, Banco

Mundial e Clube de Paris o desenvolvimento e implementação de avanços na

iniciativa HIPC. Isso implicava “um perdão da dívida mais rápido, mais profundo

e mais amplo para os países mais pobres” e que “garantisse que mais recursos

[fossem] investidos em saúde, educação e outras necessidades sociais, que são

essenciais para o desenvolvimento” (Idem, 1999b, §2 e §4). A partir de tal

questão foi desenvolvida uma nova versão da iniciativa HIPC (Enhanced HIPC

Initiative); mesmo assim, a despeito de tais avanços, tal proposta não

correspondeu aos anseios dos movimentos sociais que, assim como em

Birmingham no ano anterior, se articularam em manifestações em favor do

perdão total da dívida. Relacionado a tal questão e extremamente interessante

neste ponto é notar a forma como a ideia de globalização é percebida. Neste

caso, após a crise asiática há o reconhecimento de que a globalização poderia

ter consequências negativas para amplos setores da população, o que

demandaria o fortalecimento “da infraestrutura institucional e social que possa

dar à globalização uma ‘face humana’ e garantir uma prosperidade cada vez

mais compartilhada” (Group of Eight, 1999d, §19).

No tocante à questão do comércio mundial, foi dado destaque à

conferência ministerial que iria ocorrer em dezembro de 1999, em Seattle, e à

sua importância na promoção do livre comércio. Embora maiores esforços não

tenham sido envidados no sentido de sua efetivação, é interessante notar os

impactos da ideia de “globalização com face humana” na menção feita à OMC:

“dado seu papel vital, concordamos ser importante melhorar sua transparência

para torná-la mais responsiva à sociedade civil” (Ibidem, §9). Tendo em vista os

eventos ocorridos nos Bálcãs bem como seus impactos para a Europa em geral,

alguns dias antes da cúpula foi dada atenção, em Colônia, à situação política

dos países do sudeste europeu, buscando-se assim a estabilidade política,

econômica e o respeito à democracia e aos direitos humanos em tais países

(Idem, 1999e).

No ano de 2000, a percepção de crise já havia diminuído, havendo assim

uma calma maior nos mercados financeiros e monetários mundiais. Por outro

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lado, no que concerne ao sistema mundial de comércio tal calmaria não se fazia

presente tendo em vista o fracasso da conferência ministerial ocorrida em

dezembro do ano anterior. Neste contexto é que ocorre, de 21 a 23 de julho de

2000, a cúpula de Okinawa. No tocante à arquitetura financeira mundial, devido

à supracitada calmaria e ao fato de ninguém naquele momento prever o estouro

da bolha do mercado “ponto.com” ainda em 20005, tanto o documento final

quanto o relatório dos ministros de finanças que lhe dá base em larga medida

não trazem nenhuma novidade; na verdade há apenas um relato acerca dos

avanços com relação à implementação daquilo que havia sido acordado no ano

anterior em Colônia – em especial no que concerne à reforma do FMI e dos

bancos multilaterais de desenvolvimento (G7 Finance Ministers, 2000a; Group of

Eight, 2000a). No que dizia respeito ao combate à lavagem de dinheiro e

questões relacionadas, foi incorporado o relatório apresentado pelos ministros de

finanças. O interessante de tal documento dizia respeito ao seu caráter inter-

institucional, uma vez que se baseava no trabalho desenvolvido pelo GAFI/FATF

sobre lavagem de dinheiro, da OCDE sobre competição fiscal danosa e pelo FSF

sobre centros financeiros offshore (G7 Finance Ministers, 2000b). No tocante às

questões políticas, destaque foi dado para o processo de paz no Oriente Médio,

ex-Iugoslávia e Coréias (Group of Eight, 2000b; 2000c).

Com relação à questão do desenvolvimento, o fracasso da conferência

ministerial da OMC no ano anterior foi fundamental para a importância dada

àquela temática, em uma tentativa clara de demonstrar a capacidade do sistema

G7/8 em lidar com as demandas dos países mais pobres e, consequentemente,

buscar a restauração da legitimidade que vinha sendo perdida desde meados

dos anos 1990. No que concerne ao perdão da dívida dos países mais pobres,

havia o interesse em aprofundar as políticas relacionadas à iniciativa HIPC (G7

Finance Ministers, 2000c; 2000d, §17-24); contudo, o problema maior era o de

que as metas colocadas em Colônia não haviam sido cumpridas, o que levou a

campanha Jubileu 2000 a denunciar os países do sistema G7/8. Além disso,

uma questão de destaque dizia respeito à Tecnologia da Informação. Neste

tópico, destaque foi dado para a participação dos países em desenvolvimento

em tais processos, e neste sentido foi criada uma “força-tarefa de oportunidade

digital” (DOT-Force), que deveria dar um relatório de suas atividades na cúpula

5 É interessante lembrar neste ponto que, entre março e dezembro de 2000, o Índice Nasdaq – índice estadunidense de ações, em especial de empresas da área de tecnologia – caiu cerca de 50%. Além disso, entre março de 2000 e junho de 2002 “as perdas nas bolsas mundiais ultrapassaram US$11,5 trilhões, sendo mais de US$5,4 trilhões, apenas nos Estados Unidos” (Cagnin, 2009, p. 152). 

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seguinte, em Gênova (Group of Eight, 2000a, 2000, §10-12). Houve também um

comprometimento, por parte dos países do sistema G7/8, com a redução das

doenças infecciosas que atingem os países mais pobres – em especial no que

concerne ao combate à AIDS, malária e tuberculose – no que ficou cunhado

como “iniciativa de Okinawa para as doenças infecciosas” (Japanese Minstry of

Foreign Affairs, 2000).

Além disso, a partir de 2000 o sistema G7/8 começou um movimento de

outreach, ou seja, tanto de “alcançar” aqueles que se encontravam de fora

quanto de “expandir” o sistema G7/8. Neste processo, a cúpula de Okinawa, em

2000, foi um marco: pela primeira vez países não-participantes do G8 foram

envolvidos tanto em encontros do G8 quanto em consultas pré-cúpula. Além

disso, pela primeira vez foi organizado um espaço oficial para as organizações

não-governamentais e movimentos sociais – tendo o sherpa japonês, Yoshiji

Nogami, se encontrado no início do ano em Londres com representantes de

ONGs (Bayne, 2005a)6; além disso, tal cúpula marca o primeiro engajamento

com países não-membros em algumas das discussões. Assim, foi convidado um

grupo de líderes de países em desenvolvimento, incluindo os presidentes da

Argélia, África do Sul e Nigéria.

Entres os dias 20 e 22 de julho de 2001 ocorreu a cúpula de Gênova. Tal

cúpula marca uma mudança no espectro político-ideológico das cúpulas, com a

ascensão de George W. Bush e Silvio Berlusconi ao poder nos Estados Unidos e

Itália, respectivamente. Em Gênova foi dado prosseguimento às discussões

acerca do combate à lavagem de dinheiro, aos centros financeiros offshore e aos

paraísos fiscais; além disso, foram discutidas as questões relacionadas ao

fortalecimento do sistema financeiro mundial – discussão esta relacionada à

reforma do FMI e dos bancos multilaterais de desenvolvimento –, o que já vinha

6 É importante destacar duas questões neste ponto. Em primeiro lugar, alguns autores denominam a inclusão de atores da sociedade civil no processo das cúpulas de downreach (inter alia, Kirton, 2009, p. 10). Não obstante, tendo em vista o contexto mais amplo de expansão do sistema G7/8, optou-se aqui por manter a expressão outreach para todos os processos que de alguma forma mantém relação com tal expansão. Em segundo lugar, tal movimento do sistema G7/8 em direção à sociedade civil não é visto como algo positivo por grande parte dos grupos e movimentos. No tocante especificamente à iniciativa de Okinawa, esta foi vista por muitos como extremamente coercitiva: o espaço disponibilizado era significativamente longe do centro de imprensa – ao qual foi negado acesso aos movimentos e grupos da sociedade civil –, o custo para utilização do espaço era alto e envolvia certos procedimentos de registro como fotos individuais, endereço, peso, altura, etc. – demonstrando uma política de vigilância com relação aos movimentos. Além disso, como notam alguns autores, tal mudança, embora em princípio aumentasse a transparência do sistema G7/8, no final das contas foi mais de forma do que de conteúdo (Bayne, 2005). 

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sendo trabalhado pelos ministros de finanças e presidentes de bancos centrais

desde o final de 2000 (G7 Finance Ministers, 2000e; 2001a).

A despeito de tais discussões acerca do sistema financeiro mundial e do

fato de no ano anterior ter ocorrido o estouro da bolha do mercado “ponto.com”

e, em 2001, a crise na Turquia7, a ênfase da cúpula – que se destaca no

documento final – era “fazer a globalização funcionar para todos os nossos

cidadãos e especialmente para os pobres do mundo” (Group of Eight, 2001a,

§3); ou seja, o foco se deu nas questões relacionadas à temática do

desenvolvimento com destaque para a África. Neste sentido, outras questões

políticas acabaram tendo uma relevância secundária, aparecendo em

declarações separadas sobre o Oriente Médio, Macedônia e Coréias (Idem,

2001b; 2001c).

Em Gênova houve um aprofundamento do processo de outreach, tendo

sido convidados para uma reunião os presidentes de Argélia, Mali, Nigéria,

Senegal e África do Sul, além de representantes de El Salvador, Bangladesh e

de várias instituições internacionais8 com o objetivo de discutir a questão da

redução da pobreza. Neste sentido foi lançado, como uma espécie de resposta à

“Nova Iniciativa Africana” lançada em julho de 2001 na África do Sul (The New

African Initiative, 2001), o Plano de Gênova para a África – sendo que um grupo

ficou encarregado de apresentar um documento mais elaborado em Kananaskis,

no ano seguinte (Group of Eight, 2001d). Neste processo também se insere o

relatório final da “DOT-Force”, estabelecida no ano anterior, com o intuito de

ajudar os países mais pobres a terem acesso à tecnologia da informação. Tal

relatório foi produzido por representantes do G8 assim como dos países em

desenvolvimento, instituições internacionais, firmas privadas e ONGs9. Além

7 É importante perceber que a crise na Turquia não passou despercebida pelos ministros de finanças do G7: antes da cúpula a Turquia foi objeto de uma declaração e parte de outra mais abrangente (G7 Finance Ministers, 2001b; 2001d). 8 Organização das Nações Unidas (ONU), Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), Organização Mundial da Saúde (OMS), OMC e Banco Mundial. 9 No total participaram 43 representantes, sendo 17 representantes governamentais (um de cada país do G8; um representante da Comissão Europeia; representantes de África do Sul, Bolívia, Brasil, Egito, Índia, Indonésia, Senegal e Tanzânia); 7 representantes de instituições internacionais (Conselho Econômico e Social das Nações Unidas [ECOSOC], União Internacional de Telecomunicações [ITU], OCDE, Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento [PNUD], Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento [UNCTAD], Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura [UNESCO], Banco Mundial); 11 representantes do setor privado (um de cada país do G8 e três redes globais – Global Information Infrastructure Commission [GIIC], Global Business Dialogue on e-Society [GBDE], Fórum Econômico Mundial [WEF]); 8 representantes do setor sem fins lucrativos (um de cada país do G8) (Digital Opportunity Task Force, 2001). 

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disso, desde o final de 2000 discussões acerca do alargamento e

aprofundamento da iniciativa HIPC vinham sendo feitas; contudo, não houve

melhora substantiva nos termos do perdão da dívida dos países mais pobres, o

que levou à crítica por parte das ONGs e movimentos sociais, assim como em

Okinawa no ano anterior. O mesmo pode ser dito para as discussões sobre a

questão do desenvolvimento como um todo: a ênfase em Gênova se deu muito

mais na confirmação de compromissos já estabelecidos em cúpulas anteriores

do que no estabelecimento de novos compromissos.

Dando prosseguimento ao que vinha ocorrendo há algumas cúpulas, e

tendo em vista o ocorrido em 1999 em Seattle, quando da conferência ministerial

da OMC, em Gênova houve manifestações e protestos em proporções muito

significativas. Em consequência, parte das discussões na cúpula foi voltada para

as cúpulas em si, ou seja, em como torná-las algo mais aceitável e menos

suscetível a críticas. Neste sentido, ênfase foi dada nos locais escolhidos para

as cúpulas – ou seja, a partir de então via de regra as cúpulas passariam a

ocorrer em locais de mais difícil acesso para os manifestantes – e no processo

de outreach como forma de restaurar a legitimidade do sistema G7/8.

A cúpula de Kananaskis, nos dias 26 e 27 de junho de 2002, ocorreu em

uma cidade afastada, o que acabou sendo relevante tanto para evitar a presença

de manifestantes quanto para garantir os procedimentos de segurança contra o

terrorismo. No que diz respeito especificamente ao terrorismo, os ataques

ocorridos em 11 de setembro de 2001 afetaram significativamente não apenas a

cúpula, mas o próprio processo do sistema G7/8. Neste sentido, em Kananaskis

ênfase foi dada ao combate ao terrorismo e às respostas que vinham sendo

dadas, desde Colônia, aos processos de globalização10. No tocante às questões

econômicas, o destaque se deu nas questões relacionadas ao desenvolvimento,

com pouca atenção sendo dada a outras questões econômicas. Embora tenha

sido feita menção à importância do combate ao protecionismo e à conclusão da

Rodada Doha no âmbito da OMC em janeiro de 2005 (Group of Eight, 2002a),

questões relacionadas aos sistemas financeiro e monetário mundiais – como a

crise argentina do final de 2001, por exemplo (G7 Finance ministers, 2001e) –

foram deixadas apenas para o âmbito da reunião de ministros de finanças e

presidentes de bancos centrais do G7.

10 “Nos encontramos em Kananaskis para nossa cúpula anual para discutir os desafios do combate ao terrorismo, o fortalecimento do crescimento da economia global e do desenvolvimento sustentável, e construir uma nova parceria para o desenvolvimento da África” (Group of Eight, 2002a). 

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Com relação ao processo de outreach, houve certo aprofundamento: os

mesmos países que estiveram presentes em Gênova – África do Sul, Nigéria,

Senegal e Argélia – e o secretário geral da ONU não apenas se encontraram

com os líderes do sistema G7/8 para discutir acerca do Plano de Ação para a

África, mas participaram de partes da cúpula. Tal plano de ação elogiava a Nova

Parceria para o Desenvolvimento da África (NEPAD) e, assim como as políticas

de condicionalidade do FMI, destacavam a ideia de ownership, ou seja, a

importância de que tais políticas fossem incorporadas pelos países africanos

como se deles próprios fossem (Group of Eight, 2002b). Vinculado a esta

questão se encontram as discussões acerca do perdão da dívida dos países

vinculados à nova versão da iniciativa HIPC (Group of Seven, 2002). Foi

acordado, neste ponto, o aprofundamento da participação do FMI e do Banco

Mundial no processo, além de um aporte de US$1 bilhão por parte dos países do

G7 para suprir o déficit existente no fundo do Banco Mundial voltado para

financiar tal iniciativa (Group of Eight, 2002a). Além disso, foram discutidas

questões relacionadas à educação a partir de um relatório produzido pela força-

tarefa do G8 para educação e da importância de tal questão tendo em vista os

objetivos do milênio, além de um novo relatório da DOT-Force sobre inclusão

digital (Idem, 2002c; Digital Opportunity Task Force, 2002).

Outra questão de destaque em Kananaskis foi a questão do terrorismo.

Neste sentido, foram discutidas as medidas já existentes de combate ao

terrorismo – em especial no que concerne ao combate ao financiamento do

terrorismo (G7 Finance Ministers, 2001f; 2002a) – bem como novos instrumentos

necessários. Assim, dois novos instrumentos se destacam: primeiro, um acordo

na área de segurança do transporte, que destacava a necessidade de

articulação conjunta com OACI, Organização Mundial de Alfândegas (WCO) e

OMI (Group of Eight, 2002d). Segundo, um acordo sobre armas e materiais de

destruição em massa, com o objetivo de evitar que estes pudessem ser

acessados por grupos terroristas (Idem, 2002e).

Em Kananaskis também foram discutidas outras questões políticas; dentre

elas, destaca-se o papel da Rússia no G8: neste ponto foi acordado que em

2006 a Rússia hospedaria a cúpula do G8 (Idem, 2002f); além disso, foi dada

atenção à questão do Oriente Médio, do Afeganistão, das Coréias, dos Bálcãs e

da tensão entre Índia e Paquistão (Idem, 2002g; 2002h). É interessante perceber

neste ponto o impacto da questão do combate ao terrorismo no sistema G7/8:

tais temas políticos foram selecionados em larga medida devido à sua interface

com o terrorismo e/ou armas de destruição em massa (Bayne, 2005a; Baker,

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2006). Neste sentido, percebe-se em Kananaskis um ponto de inflexão: embora

ainda seja uma cúpula na qual a questão da globalização tenha um espaço nos

debates, a partir desta cúpula a questão do combate ao terrorismo começa a ter

uma importância cada vez mais significativa nas cúpulas do sistema G7/8.

5.2. Quinto ciclo: 2003-2010

O quinto ciclo reproduz, em larga medida, grande parte das preocupações

presentes no ciclo anterior – exceção feita para a questão da incorporação da

Rússia no mundo capitalista. As questões de segurança permanecem

relevantes, com destaque para questões relacionadas ao terrorismo e ao Oriente

Médio. Outros temas, como perdão da dívida, ajuda à África e questões

ambientais ganham relevância no período. Uma questão de extrema relevância

neste ciclo – inclusive para a própria sobrevivência do sistema G7/8 – diz

respeito às discussões sobre a reforma de tal sistema: neste sentido, é neste

período que são trazidos à agenda a formalização dos “+5” – Brasil, África do

Sul, México, Índia e China como convidados para participar de certas discussões

no âmbito do sistema G7/8 – e, em larga medida em função da crise de 2008,

dado um destaque maior para o possível papel do G20 na nova arquitetura

financeira mundial. Tais questões ganham relevância neste período na medida

em que o modelo neoliberal permanece em débâcle – o que demanda o

aprofundamento de tentativas de revolução-restauração ou revolução passiva

em escala global.

O quinto ciclo se iniciou em meio a uma crise política: a guerra do Iraque

havia gerado uma fissura no meio do sistema G7/8, com Estados Unidos, Reino

Unido, Japão e Itália de um lado e Rússia, Alemanha, França e Canadá de outro

– o que acabou gerando sérias consequências para as relações transatlânticas e

para a coesão da União Europeia. Neste contexto, a cúpula de Evian, de 1 a 3

de junho de 2003, foi fundamental no processo de reaproximação destes

Estados.

A grande inovação apresentada em Evian foi o processo de

incorporação, na cúpula, de líderes de países em desenvolvimento11. Foram,

assim, convidados China, Índia, Brasil, México, Malásia e Arábia Saudita, pela

11 Como visto, a origem de tal processo de expansão (outreach) do G8 pode ser datada da cúpula de Okinawa, em 2000, quando países africanos começaram a ser convidados para participarem das cúpulas. Contudo, Evian pode ser vista como um marco na medida

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sua relevância na economia internacional; e África do Sul, Nigéria, Argélia,

Senegal e Egito, pelo seu papel desempenhado no NEPAD (Group of Eight,

2003a)12.

A expectativa de baixo crescimento da economia internacional levou a

cúpula a se preocupar com tais questões, buscando assim restaurar a confiança

na economia internacional. Foram, assim, elaborados documentos com relação à

governança corporativa – em função dos escândalos que se somavam há alguns

anos –; à responsabilidade social das corporações; à implementação da

convenção da OCDE sobre suborno; às ações da ONU e da FATF contra

corrupção e lavagem de dinheiro; e à transparência na gestão financeira, tanto

por parte de empresas quanto de países em desenvolvimento (Idem, 2003b;

2003c). O interessante de perceber neste ponto é o acordo entre os membros do

G8 em um contexto pós-Guerra do Iraque, e não os instrumentos em si, dado

que em larga medida acabam se baseando ou em acordos voluntários por parte

dos envolvidos ou em instituições já existentes.

Não obstante, a despeito de tais questões, como o próprio processo de

outreach aponta, é possível perceber a agenda econômica em Evian dominada

por questões de desenvolvimento – com as discussões acerca das questões

relacionadas ao comércio sendo desapontadoras (Idem, 2003d). Neste

processo, destaque foi dado para certas questões relacionadas ao

desenvolvimento sustentável. Assim, tendo como base a Cúpula Mundial sobre o

Desenvolvimento Sustentável (WSSD), o 3º Fórum Mundial da Água e o

encontro de ministros de meio-ambiente do G8, ambos ocorridos meses antes

da cúpula de Evian, nesta houve discussões acerca dos seguintes tópicos:

acesso à água; à segurança do ambiente marinho e os petroleiros neste

processo; e do desenvolvimento de tecnologias para a promoção do

desenvolvimento sustentável (Idem, 2003e; 2003f; 2003g; 2003h).

Devido aos ataques terroristas de 11 de setembro de 2001, a partir de

Kananaskis a agenda de segurança das cúpulas do G8 tem aumentado

significativamente. Tal processo tem envolvido a combinação de elementos

políticos e econômicos, tais como políticas de apoio à África e desenvolvimento

estratégias anti-terroristas. Com relação à África, em Evian foi apresentado um

relatório sobre o processo de implementação do Plano de Ação para a África

acordado em Kananaskis no ano anterior (Idem, 2003i). Além disso, em termos

em que, a partir dela países em desenvolvimento começaram a ser “alcançados” pelo sistema G7/8 – que seria outro significado para o termo outreach. 

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mais específicos foram apresentados documentos acerca do combate a doenças

infecciosas, acesso a saneamento básico, combate à fome, financiamento do

desenvolvimento e perdão da dívida – neste caso, reafirmado o compromisso

com a nova versão da iniciativa HIPC (Idem, 2003a; 2003h; 2003j; 2003l). Já no

tocante às questões de segurança, as discussões tiveram como guia as

iniciativas estadunidenses, que buscavam o apoio do sistema G7/8 para

implementar e coordenar sua agenda de não-proliferação em um contexto pós-

11 de Setembro. Assim, o foco foi o combate ao terrorismo e à proliferação das

armas de destruição em massa, com destaque para Coréia do Norte e Irã.

Assim, foi criado o Grupo de Ação de Contra-Terrorismo (CTAG) para atuar em

cooperação com o Comitê Contra o Terrorismo da ONU (CTC). Os documentos

produzidos em larga medida afirmavam o compromisso com os tratados e

instituições já existentes. Em alguns pontos, como a diminuição das armas

químicas e nucleares do arsenal russo, foram apresentados os progressos a

partir do acordo feito na cúpula de Kananaskis, no ano anterior (Idem, 2003m;

2003n; 2003o).

Assim como ocorreu com a cúpula de Evian no ano anterior, na cúpula de

Sea Island, de 8 a 10 de junho de 2004, a guerra do Iraque permanecia como

tema central formando o contexto do encontro. Contudo, no mesmo dia em que

se iniciavam os trabalhos em Sea Island – 8 de Junho – o Conselho de

Segurança da ONU adotou uma resolução aprovando a formação de governo

interino no Iraque (Resolução 1546/2004). Tal aprovação foi fundamental para

dar as bases para uma das maiores inovações de Sea Island, a saber, a

iniciativa para o Oriente Médio. Originalmente, era de interesse estadunidense

que a cúpula tratasse do encorajamento a reformas econômicas e políticas no

Oriente Médio e no norte da África – o que encontrava apoio nos demais

membros do sistema G7/8, principalmente no que dizia respeito aos países

europeus, dada a proximidade de tal proposta ao programa da União Europeia

para o Mediterrâneo desde 1995, chamado processo de Barcelona. Assim, tal

iniciativa se concretizou em dois documentos: “Parceria para o progresso e um

futuro comum na região do amplo Oriente Médio e norte da África” e “Plano do

G8 de apoio à reforma”, que apoiavam reformas na região que fossem baseadas

em valores como liberdade, democracia e direito da lei (Group of Eight, 2004a;

2004b).

12 Marrocos foi convidado mas não compareceu, e a Suíça esteve presente pela sua cooperação no processo de organização da cúpula. 

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Tal iniciativa foi o mais próximo que se chegou, em Sea Island, do que

ocorreu em Evian em termos de outreach: a idéia era a de envolver líderes

regionais em tal processo de reforma, e para tanto estiveram presentes

Afeganistão, Argélia, Bahrein, Jordânia, Turquia, Iêmen, Gana, Nigéria, Senegal,

África do Sul e Uganda. Países em desenvolvimento como Brasil, China e Índia

não foram convidados pra a cúpula – a despeito do interesse dos líderes de

França, Reino Unido e Itália no convite aos “+5” ou parte deles.

No tocante às questões econômicas, o clima era de otimismo, com a

retomada do crescimento da economia mundial no período (Tabela 5.1) –

otimismo já presente em uma declaração anterior dos ministros de finanças do

G7 (G7 Finance Ministers, 2004). Neste sentido houve também um reforço da

necessidade de se avançar na liberalização do comércio no âmbito mundial,

através da finalização da Rodada Doha no âmbito da OMC (Group of Eight,

2004c). Por fim, houve um relatório acerca do que foi feito desde Evian no que

concerne o combate à corrupção (Idem, 2004d). No que diz respeito à temática

do desenvolvimento, destaca-se um plano de ação que buscava articular

empreendimentos privados e a erradicação da pobreza. A ideia de tal plano de

ação era facilitar os empreendimentos familiares e pequenos, garantir meios de

melhorar o clima para os negócios nos países em desenvolvimento, fortalecer o

mercado financeiro local e expandir o acesso ao microcrédito (Idem, 2004e).

Além disso, foi reafirmado o compromisso com o perdão da dívida dos países

mais pobres mediante a iniciativa HIPC, a necessidade do combate à fome e do

desenvolvimento rural na região do chifre da África bem como questões

relacionadas ao combate a doenças permaneceram na agenda – destaque para

AIDS e Pólio (Idem, 2004f; 2004g; 2004h; 2004i).

No tocante às questões políticas, ênfase foi dada ao combate ao

terrorismo e à não proliferação de armas nucleares. Em ambos os casos foi dado

continuidade a ações que já vinham sendo adotadas. Com relação

especificamente ao combate ao terrorismo, se retornou a uma questão que havia

sido colocada dois anos antes, em Kananaskis, sobre segurança do transporte

aéreo. Assim, em Sea Island foi lançada a Iniciativa para Viagem Internacional

Facilitada e Segura (SAFTI) (Idem, 2004j). Com relação ao combate à

proliferação de armas nucleares, houve referência aos progressos feitos desde

Kananaskis bem como o lançamento de um plano que buscava reforçar o que

havia sido colocado em Evian (Idem, 2004l; 2004m). Além disso, foi feita menção

à questão do Oriente Médio e do Sudão (Idem, 2004n; 2004o). Em suma, em

Sea Island importantes decisões políticas foram tomadas, dando prosseguimento

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em larga medida à agenda das cúpulas anteriores desde Kananaskis. Por outro

lado, dado o fato de ser uma cúpula hospedada nos Estados Unidos em um

contexto pós-Guerra do Iraque com as preocupações ainda latentes no que

concerne às questões de segurança, e com a perspectiva de crescimento da

economia mundial no período, as questões econômicas ficaram relegadas ao

segundo plano. Além disso, ao contrário do que ocorreu em Evian, não foi dado

continuidade ao processo de incorporação de países em desenvolvimento como

Brasil, China e Índia – o que ocorreria a partir de 2005, em Gleneagles.

No dia 7 de julho de 2005 Londres foi alvo de atentados terroristas, e foi

neste contexto que ocorreu a cúpula de Gleneagles, de 6 a 8 de julho de 2005.

Embora tais atentados tenham levado a cúpula a dar uma atenção à questão do

terrorismo – destaque para a menção feita logo no início da conferência final

condenando os supracitados ataques (Idem, 2005a) –, ainda assim em

Gleneagles foi retomado o processo de outreach a partir de dois temas centrais:

primeiro, com relação à redução da pobreza da África, foram convidados Argélia,

Nigéria, Senegal, África do Sul, Etiópia, Tanzânia e Gana, além do FMI, ONU,

Banco Mundial e União Africana (UA). O objetivo neste tema era avaliar os

avanços feitos sob os auspícios do plano de ação para África lançado em

Kananaskis visando a cúpula da ONU sobre os Objetivos do Milênio que

aconteceria em setembro do mesmo ano (Idem, 2005b; 2005c). Neste processo,

destaca-se o papel de movimentos da sociedade civil, como a campanha “Make

Poverty History”13, que demandava a duplicação da ajuda à África, o perdão da

dívida e a melhoria do acesso dos países africanos ao comércio internacional.

Tal agenda não foi abordada em sua plenitude em Gleneagles, o que gerou por

parte destes movimentos – e de outros mais radicais – a crítica de que tais

reformas não haviam sido suficientes o bastante14.

Segundo, com relação às questões climáticas, foi restabelecido um diálogo

informal do G8 com os “+5” (Brasil, China, Índia, México e a África do Sul) e com

certos organismos internacionais: Agência Internacional de Energia (AIE), FMI,

ONU, Banco Mundial e OMC. Ênfase neste caso foi dada à redução das

emissões e ao desenvolvimento de novas tecnologias para lidar com o

aquecimento global. Além disso, foi estabelecido um fórum de discussão sobre

mudança climática, energia limpa e desenvolvimento sustentável entre o sistema

G7/8 e os “+5”, o que permaneceria em atividade até a cúpula de 2008 (Idem,

13 http://www.makepovertyhistory.org/. 14 Para um panorama sobre as críticas à cúpula de Gleneagles, ver Havier, et. al. (eds.), 2005. 

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2005d). É interessante perceber, neste ponto, como os “+5” tratam a questão do

desenvolvimento sustentável, ligando tal questão a temas recorrentes para os

países em desenvolvimento – como “fome e pobreza” e “a remoção das

barreiras comerciais aos produtos e serviços de interesse dos países em

desenvolvimento” (Joint declaration of the heads of state and/or government of

Brazil, China, India, Mexico and South Africa participating in the G8 Gleneagles

summit introduction, 2005, §5, §9 e §16).

Sobre a questão do comércio, houve intensas negociações não só entre os

países do sistema G7/8 mas entre eles e os “+5” (Bayne, 2005b). Ênfase foi

dada na conclusão da rodada Doha no final de 2006; não obstante, tal ênfase

não se traduziu em comprometimentos mais específicos por parte dos países do

sistema G7/8 (Group of Eight, 2005e). Além disso, questões relacionadas ao

Oriente Médio, Iraque, não-proliferação de armas nucleares, ao combate à

pirataria e ao desrespeito aos direitos de propriedade e ao terrorismo foram

objeto de atenção na cúpula (Idem, 2005f; 2005g; 2005h; 2005i; 2005j; 2005l;

2005m).

No ano seguinte, entre os dias 15 e 17 de julho, ocorreu a cúpula de São

Petersburgo, a primeira a ocorrer na Rússia. Nesta ocasião, os temas de

destaque foram energia, saúde e educação, o que aponta mais uma vez para o

processo de ampliação da agenda do sistema G7/8 ao longo das cúpulas. Com

relação à energia, assim como havia ocorrido em Gleneagles, no ano anterior,

ênfase foi dada ao diálogo com os “+5” (Idem, 2006a); no tocante à saúde,

destaque foi dado ao combate à AIDS, tuberculose e malária (Idem, 2006b); por

fim, no que concerne à educação, embora tenha havia menção à relação entre

educação e desenvolvimento, a ênfase se deu no papel da educação para a

formação de uma sociedade inovadora – relacionando, neste ponto, a questão

do respeito à propriedade intelectual (Idem, 2006c).

Além de tais questões, pouco antes do inicio da cúpula teve início a guerra

do Líbano, que foi também objeto das atenções em São Petersburgo. Neste

sentido, tendo como base os documentos e decisões tomadas acerca do Oriente

Médio em cúpulas anteriores, foi destacada a necessidade da paz e o papel a

ser desempenhado pelo Conselho de Segurança neste processo (Idem, 2006d).

Outras questões políticas que fizeram parte das discussões foram: o combate à

proliferação das armas de destruição em massa, a Coréia do Norte, o Irã e o

combate ao terrorismo. Neste caso, foi feita uma declaração conjunta de G8 e

convidados condenando os atentados terroristas que haviam ocorrido poucos

dias antes em Mumbai (Idem, 2006e). Além disso, foi reafirmado o compromisso

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já feito em Evian, de fortalecimento da ONU como um ator fundamental no

combate ao terrorismo (Idem, 2006f; 2006g; 2006h; 2006i; 2006j; 2006l).

É interessante perceber o impacto indireto de tal cúpula na própria Rússia:

buscando reforçar suas credenciais como membro do clube, a Rússia

implementou algumas reformas liberalizantes, como a convertibilidade do rublo,

no dia 1 de julho, e a abertura da firma Rosneft, de petróleo, para o capital

privado, com ações sendo negociadas na bolsa de Londres e, assim, sujeita a

marcos regulatórios internacionais e regras de governança corporativa – além de

expor o interesse em privatizar algumas de suas firmas da área de geração de

energia (Kirton, 2006).

Em São Petersburgo foi dado sequência ao processo de outreach. Assim,

a despeito de certa relutância por parte da Rússia (Cooper & Jackson, 2007), a

partir de uma demanda por parte dos demais países do G8 foram convidados

novamente os “+5” – Brasil, África do Sul, China, México e Índia – tendo em

vistas as questões relacionadas à segurança energética. Neste processo, tal

questão foi relacionada à questão do desenvolvimento, enfatizando a

importância tanto do acesso a fontes alternativas de energia quanto da economia

de energia para garantir um desenvolvimento sustentável (Group of Eight,

2006f). Além disso, com relação aos atores da sociedade civil foi criado o Civil 8,

com o intuito de integrar ao processo de preparação da cúpula e discussão dos

resultados ONGs russas e de outras localidades – tendo havido inclusive um

discurso do presidente russo na época, Vladimir Putin, para líderes e

representantes de cerca de 650 ONGs (Kirton, 2006 e 2007).

Em São Petersburgo a África também foi objeto de atenção, mas em

menor ênfase do que nas cúpulas passadas. Mesmo assim, houve uma revisão

do progresso já feito pelas políticas do sistema G7/8 para a África bem como o

estabelecimento dos compromissos dos países do sistema G7/8 para dar

prosseguimento a tais políticas (Group of Eight, 2006m). Outras questões

também foram objeto de atenção: reafirmação da necessidade de concluir a

Rodada Doha no final do ano; reafirmação do combate à pirataria e ao

desrespeito aos direitos de propriedade intelectual, dando prosseguimento a algo

que já havia sido colocado em Gleneagles; combate à corrupção (Idem, 2006n;

2006o; 2006p).

No ano seguinte, entre os dias 6 e 8 de junho de 2007, ocorreu a cúpula de

Heiligendamm, que se estruturou a partir de três grandes eixos temáticos:

Em primeiro lugar, as questões concernentes à economia mundial

(“Crescimento e Responsabilidade na Economia Mundial”). Neste ponto foram

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discutidas questões relacionadas ao comércio internacional, responsabilidade

social corporativa e a dimensão social da globalização, direitos de propriedade,

mercados financeiros, mudança climática e combate à corrupção (Idem, 2007a;

2007b).

Destaca-se neste ponto o processo de outreach. Em um contexto de

aprofundamento deste – seguindo em especial o que ocorreu em Evian e

Gleneagles –, a Alemanha foi além solicitando aos “+5” que, pela primeira vez,

enviassem representantes para um encontro pré-Heiligendamm em Berlim sobre

mudança climática, o que foi o passo inicial para o estabelecimento do “Processo

de Heiligendamm” (HDP – Heiligendamm Dialogue Process) (Joint statement by

the German G8 presidency and the heads of State and/or government of Brazil,

China, India, Mexico and South Africa on the occasion of the G8 summit on

Heiligendamm, 2007). Assim, na cúpula de Heiligendamm foi proposto o

estabelecimento de uma cooperação regular, estruturada e institucionalizada

entre o G8 e os “+5” – neste ponto também chamados de O5 (Outreach Five) –

além de OCDE e IEA, que acompanhariam tal processo que deveria durar dois

anos. Tal HDP buscava discutir questões da economia mundial que eram

consideradas centrais, em especial com relação a quatro temas particulares:

a. Desenvolvimento, com destaque para a África;

b. Investimentos internacionais;

c. Pesquisa e inovação, incluindo os direitos de propriedade intelectual;

d. Energia, com destaque para a questão da eficiência energética.

Em segundo lugar, as questões concernentes à África (“Crescimento e

Responsabilidade na África”). A ênfase neste ponto se deu na implementação

dos Objetivos do Milênio na África. Assim, foram discutidas questões

relacionadas à paz e a segurança na região, combate a doenças infecciosas,

perdão da dívida e crescimento econômico e investimento – com destaque para

o papel da boa governança e do setor privado para o crescimento econômico e

dos fluxos financeiros e comerciais – além da apresentação de um relatório das

atividades da Parceria do G8 para África (Group of Eight, 2007a; 2007c; 2007d).

Por fim, em terceiro lugar, as questões relacionadas à segurança e política

internacional (“Política Externa e Questões de Segurança”). Embora questões

regionais específicas tenham sido objeto de atenção – Oriente Médio, Irã, Iraque,

Afeganistão e Sudão, por exemplo –, destaque foi dado para questões

concernentes ao terrorismo e à proliferação de armas de destruição em massa.

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Assim, foram produzidos documentos específicos acerca do combate à

proliferação de armas de destruição em massa e um relatório da parceria global

contra a proliferação de armas e materiais de destruição em massa estabelecida

em Kananaskis; um relatório sobre as ações do G8 no apoio e fortalecimento da

capacidade de combate ao terrorismo da ONU e, em especial, um documento do

G8 de contra-terrorismo – que dentre outras questões dava um papel central à

ONU no processo de combate ao terrorismo (Idem, 2007a; 2007e; 2007f; 2007g;

2007h; 2007i).

Embora já viesse se apresentando como um problema, quando da cúpula

em Hokkaido, de 7 a 9 de julho de 2008, ainda não havia se disseminado a

percepção acerca das proporções da crise que se apresentava15. Neste sentido,

em Hokkaido a ênfase não foi tanto na questão da economia mundial, embora tal

questão tenha sido objeto de atenção. Assim, no tocante às questões

econômicas, ainda havia certo otimismo com relação ao crescimento mundial e

aos benefícios da globalização e do livre-comércio – embora houvesse certo

receio de uma pressão inflacionária global devido à alta dos preços dos

alimentos e do petróleo (Tabelas 5.2 e 5.3). Neste sentido, ênfase foi dada na

necessidade de conclusão da Rodada Doha da OMC, de uma reforma do FMI

bem como do combate à corrupção e respeito aos direitos de propriedade

intelectual. Além disso, foi apresentado um relatório parcial acerca do HDP, cujo

relatório conclusivo seria apresentado no ano seguinte. Com relação a tais

questões da economia mundial – destaque para o aumento dos preços do

petróleo e dos alimentos – houve uma reunião dos países do G8 com líderes do

O5, Austrália, Indonésia e Coréia do Sul, além de representantes da ONU,

Banco Mundial, FMI, OCDE e AIE (Group of Eight, 2008a; 2008b; 2008c).

15 Contudo, sinais claros já se apresentavam naquele momento: desde o terceiro trimestre de 2005 já é possível perceber uma queda no boom habitacional nos Estados Unidos (Krugman, 2009); além disso, desde 2006 as taxas de juros dos contratos de hipotecas não tradicionais, nos Estados Unidos, foram de cerca de 2%-3% a.a. para cerca de 10%-15% a.a., o que levou a um aumento da inadimplência. Isto, por sua vez, graças às “interconexões criadas pelas técnicas de securitização”, fez com que “a crise do segmento subprime do sistema de financiamento residencial [se expandisse] em efeito cascata para diferentes mercados financeiros ao longo de 2007” (Cagnin, 2009, p. 161, 162). 

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Tabela 5.2

Petróleo (US$ por barril, em julho)

2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008

28,7 23,73 24,14 26,52 31,61 52,55 67,74 69,91 137,11

Fonte: US Energy Information Administration

Tabela 5.3

Índice de preços de alimentos

2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008

90 92 90 98 111 115 122 154 191

Fonte: Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação

Um tema de destaque em Hokkaido – que já vinha sendo objeto de maior

atenção desde Gleneagles – foi a questão ambiental e a mudança climática.

Neste sentido, foram discutidas questões relacionadas à eficiência energética e

enfatizada a importância do comprometimento dos países em desenvolvimento

com tais questões (Idem, 2008d).

A questão do desenvolvimento, com destaque para a África, também foi

discutida em Hokkaido. Além das questões que já vinham sendo discutidas nas

cúpulas anteriores – combate a doenças infecciosas, Objetivos do Milênio,

doações, perdão da dívida dos países mais pobres, educação, paz e segurança

na região e o papel do investimento privado no desenvolvimento da região –, foi

incorporado, em função da alta nos preços dos produtos agrícolas em 2008, uma

discussão sobre segurança alimentar global, que deveria ser levada a cabo

pelos ministros de agricultura do G8 e retomada na próxima cúpula. Assim,

dando sequência ao processo de outreach, no dia 7 de julho houve uma reunião

do G8 com líderes de Argélia, Etiópia, Gana, Nigéria, Senegal, África do Sul,

Tanzânia e União Africana, além de representantes da ONU e Banco Mundial

para discutir questões concernentes ao desenvolvimento africano, cumprimento

dos Objetivos do Milênio e o problema do aumento do preço dos alimentos

(Idem, 2008e; 2008c). Já no que concerne às questões políticas, foram

discutidas questões relacionadas à Coréia do Norte, Irã, Afeganistão, Oriente

Médio, Sudão, Mianmar e Nigéria. Neste ponto ênfase foi dada no combate ao

terrorismo, às questões de não-proliferação de armas de destruição em massa e

ao crime organizado transnacional, além da crise no Zimbábue (Idem, 2008a;

2008f; e 2008g).

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Antes de introduzir a cúpula de L’Aquila, é fundamental uma breve

exposição do contexto da economia política global naquele momento bem como

dos processos que levaram à crise de 2008. Em sua busca pela superação da

crise dos anos 1970 e pelo restabelecimento da lucratividade, os Estados Unidos

apoiaram a internacionalização dos bancos estadunidenses e a liberdade dos

movimentos de capitais. Tal curso de ação foi seguido de perto pelos governos

dos demais países de capitalismo avançado, que buscaram conter a inflação e

promover a desregulamentação do setor financeiro. Associado a este processo

nota-se uma crescente influência dos investidores na estrutura de funcionamento

das empresas nos Estados Unidos: uma vez que, neste contexto, a estrutura de

governança das empresas estadunidenses pode ser vista como baseada na

geração de valor ao acionista (Gowan, 2009), as empresas passaram a

aumentar suas aplicações em ativos financeiros. Assim, a participação dos

ativos financeiros na estrutura patrimonial das empresas estadunidenses passou

de “25,8% dos ativos totais (...), em 1970, para 49,3%, em 2005” (Cagnin, 2009,

p. 148).

Como visto, a partir dos anos 1980 nota-se a emergência, por todas as

economias capitalistas avançadas, de bolhas financeiras – em especial nos

mercados de ações, nas fusões e aquisições e nos imóveis comerciais – com um

aumento fictício do valor dos ativos em função da especulação. O resultado de

tal comportamento foi um aumento significativo do endividamento, por parte

tanto de empresas não-financeiras quanto de indivíduos. No caso destes, isso se

deu em larga medida no âmbito da economia estadunidense (mas com exemplos

similares em outros países desenvolvidos) como uma estratégia de garantir a

continuada expansão do sistema em um contexto de diminuição relativa dos

salários e aumento da produção. Contudo, tal estratégia expôs os bancos a uma

fragilidade financeira significativa, o que acarretou na crise do mercado de ações

estadunidense de 1987.

Para lidar com tais expansões financeiras os governos dos países

desenvolvidos adotaram medidas de restrição fiscal e monetária no final dos

anos 1980 e início dos anos 1990, cuja consequência foi uma diminuição da

demanda agregada da economia mundial, em especial em suas economias.

Dada tal diminuição do consumo interno nestes países, a saída encontrada

no período pelos produtores destes países foi a volta das atenções para as

exportações. Assim, a década de 1990 testemunhou o ponto mais alto da

relação entre o crescimento nas exportações e o crescimento do PIB no período

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pós-II Guerra Mundial nos países da OCDE (Brenner, 2003)16. Contudo, só isso

não era suficiente: dado que um dos aspectos fundamentais das relações

hegemônicas que se estabelecem ao longo do século XX e XXI é a

“democratização do desejo” e a conseguinte centralidade do processo de

consumo para a reprodução de tal hegemonia (Agnew, 2005), fazia-se

extremamente necessário resolver o problema não apenas da criação da mais

valia, mas também o da sua realização (Kotz, 2009).

Assim, mais uma vez se viu um aumento dos empréstimos a partir de

meados dos anos 1990, o que garantiu uma recuperação, mesmo que modesta,

da economia mundial. No caso da economia estadunidense, entre os anos de

2000-2007 o PIB cresceu a uma taxa média anual de 2,32% enquanto a renda

pessoal disponível cresceu a uma taxa de 2,66% e o consumo a 2,94% ao ano

respectivamente (Kotz, 2009). Desde os anos 1980 é possível perceber uma

mudança significativa no sistema bancário estadunidense (Gowan, 2009), com

destaque neste ponto para o processo de aproximação entre os mercados

financeiro e imobiliário nos Estados Unidos, o que contribuiu para que os imóveis

residenciais passassem a ocupar um papel cada vez maior no processo de

geração de valor na economia estadunidense (Cagnin, 2009). Assim, para que o

aumento do consumo ocorresse foi de fundamental importância o setor

financeiro estadunidense, que a partir dos anos 2000 obteve uma alta

lucratividade a partir de financiamentos de hipotecas para amplos setores da

população através de uma série de “inovações financeiras” – hipotecas

subprimes, alt-A e outras17; estas, de maneira geral, promoviam uma

“socialização do risco” através de processos de securitização das hipotecas,

processos estes que contavam com o consentimento e aprovação das agências

de avaliação de risco que frequentemente premiavam tais processos com uma

avaliação AAA.

O problema é que tal processo de expansão da economia estadunidense

alavancado por empréstimos era insustentável no longo prazo: partindo de uma

série histórica que remete às primeiras tentativas de alavancar o crescimento via

empréstimos, é possível perceber que a dívida com habitação como percentual

da renda pessoal disponível aumentou nos Estados Unidos de 59% em 1982

para 77,5% em 1990, 91,1% em 2000 até atingir o patamar de 128,8% em 2007

16 É interessante perceber, neste período, a ênfase na defesa do livre-comércio por parte dos países desenvolvidos, cujo ápice foi a criação da OMC em 1995. 17 Para maiores detalhes acerca de como, a partir dos anos 1980, se deu o processo de financeirização dos imóveis nos Estados Unidos, bem como dos mecanismos criados em tal processo, ver Cagnin, 2009. 

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(Kotz, 2009). Ora, em um contexto de compressão histórica dos salários, tal

tendência não poderia continuar indefinidamente – como visto, a partir de 2006 é

possível perceber um aumento da inadimplência no segmento subprime do

sistema de financiamento residencial. Ou seja, o que se percebe é que não se

tratava de uma crise do mercado imobiliário estadunidense apenas, mas do

sistema financeiro em si: na verdade, o que deu origem à crise “não foi apenas a

escala da bolha da dívida, mas suas formas” (Gowan, 2009, p. 18). Além disso,

uma vez que se incorporem à análise os processos de internacionalização das

instituições financeiras estadunidenses a partir de meados dos anos 1970 e a

desregulamentação dos mercados financeiros e de capitais, fica fácil perceber a

capacidade de alastramento da crise contemporânea por toda a economia

mundial: segundo a Federação Mundial das Bolsas de Valores, “a

desvalorização da riqueza acionária global somou cerca de US$28,3 trilhões em

2008 (-46,5% em relação a 2007)” (Cagnin, 2009, p. 162).

Neste sentido, a ênfase da cúpula de L’Aquila18, 8 a 10 de julho de 2009,

foi inevitavelmente na crise financeira de 2008. Neste contexto já se nota uma

ampliação das articulações do sistema G7/8, com menção explícita em seus

documentos às decisões tomadas no âmbito do G20, nas reuniões de

Washington e Londres, em especial no que concerne ao “fortalecimento da

regulação financeira e a reforma das instituições financeiras internacionais”

(Group of Eight, 2009a). Em tal processo é dado destaque à necessidade de

“melhorar a governança internacional” (Ibidem, §1), enfatizando assim a

necessidade de que instituições como Banco Mundial, Conselho de Estabilidade

Financeira (FSB), FMI, OIT, OCDE e OMC, por exemplo, “trabalhem de maneira

coordenada” (Ibidem, §12). Além disso, buscando reafirmar a legitimidade do

sistema G7/8, foi adotado um mecanismo de prestação de contas, que deveria,

em 2010, “monitorar o progresso e fortalecer a legitimidade de nossas [G7/8]

ações” (Idem, 2009b, §3). É interessante perceber o fato de que outras questões

que já vinham sendo objeto de atenção nas cúpulas fossem lidas à luz da crise.

Isso ocorreu, por exemplo, com relação ao processo de outreach.

No que concerne à expansão do sistema G7/8 para a África, ênfase foi

dada nos impactos da crise sobre os mais pobres e reafirmados os

compromissos feitos pelos países do sistema G7/8, “incluindo aqueles feitos em

Gleneagles e mais recentemente na cúpula do G20 em Londres, de apoiar os

18 Originalmente, a cúpula de 2009 na Itália seria em Maddalena. Contudo, como um sinal de apoio às vítimas do terremoto que ocorreu em L’Aquila em Abril de 2009, a cúpula foi transferida para esta cidade. 

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esforços africanos em direção à promoção de desenvolvimento da boa

governança e da realização dos Objetivos do Milênio” (Idem, 2009c, §3). Houve

também um compromisso com relação às políticas de acesso a água e

saneamento básico na África, além do estabelecimento de uma iniciativa

relacionada à segurança alimentar (Iniciativa de Segurança Alimentar de L’Aquila

– AFSI), que em larga medida relacionava a crise alimentar anterior e a crise

financeira, destacando seus impactos deletérios para os mais pobres, e apoiava

as iniciativas que vinham sendo feitas no âmbito da ONU, FAO e Comitê Mundial

de Segurança Alimentar – além de destacar a importância da conclusão da

Rodada Doha, reafirmando assim a confiança no livre-comércio para resolver

tais problemas (Idem, 2009d; 2009e).

Já no que concerne ao HDP, na cúpula de L’Aquila foi apresentado um

relatório final sobre os resultados atingidos (Idem, 2009f). Após articulações do

G8+5 com vários países – Egito, Austrália, Coréia do Sul, Indonésia, Dinamarca,

Holanda, Espanha, Turquia, Argélia, Angola, Etiópia, Líbia, Nigéria e Senegal – e

organismos internacionais – ONU, FMI, Banco Mundial, AIE, OCDE, OMC, UA,

Organização Internacional do Trabalho (OIT), Organização das Nações Unidas

para Agricultura e alimentação (FAO), Fundo Internacional de Desenvolvimento

Agrícola (IFAD), Programa Alimentar Mundial (WFP) – foi decidido pela

continuação do processo, que passou a ser chamado de Processo de

Heiligendamm-L’Aquila (HAP – Heiligendamm-L’Aquila Process), que também

teria uma duração de dois anos, sendo os resultados parciais apresentados na

cúpula de Muskoka, em 2010, e os resultados finais na cúpula francesa (Nice)

em 2011. Em termos gerais, os temas propostos na Agenda do HAP são

basicamente os mesmos que vinham sendo discutidos no âmbito do HDP, com

destaque para a sugestão de incorporação da segurança alimentar –

reafirmando o compromisso feito na AFSI e a relevância que a questão vinha

ganhando desde Hokkaido (Idem, 2009g). Além disso, questões políticas

relacionadas à não-proliferação de armas de destruição em massa, contra-

terrorismo e Irã, Oriente Médio, Coréia do Norte e Mianmar dentre outros

também foram objeto de atenção (Idem, 2009h; 2009i; 2009j).

Ainda em um contexto de crise, ocorreu nos dias 25 e 26 de junho de 2010

a cúpula de Muskoka. Um elemento importante de se perceber é o fato de que

na cúpula de Muskoka o processo de outreach se voltou não aos países do O5,

mas a países africanos – Argélia, Egito, Etiópia, Malawi, Nigéria, Senegal e

África do Sul – e americanos – Colômbia, Haiti e Jamaica – com relação à

temática do desenvolvimento e do crime transnacional.

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Tendo em vista todas as críticas que historicamente o sistema G7/8 vem

recebendo, em especial a partir dos anos 1990, nota-se que tal crise não diz

respeito apenas a uma crise material, mas também de legitimidade; em suma,

também abarca a esfera da subjetividade, o que remete a outro tema abordado

em Muskoka, que diz respeito ao processo de prestação de contas do sistema

G7/8. Desde a cúpula de Hokkaido vem ganhando destaque nas cúpulas “a

importância de demonstrar que o G8 é comprometido em relatar

transparentemente e consistentemente a implementação de seus compromissos”

(Idem, 2010a, §4). Assim, em L’Aquila foi solicitada elaboração de um relatório

com a prestação de contas das políticas voltadas para o desenvolvimento

adotadas pelo sistema G7/8, que foi apresentado em Muskoka – Muskoka

accountability report: Assessing action and results against development-related

commitments (Idem, 2010b). Em tal relatório foram abordados os seguintes

temas: ajuda internacional e sua efetividade, desenvolvimento econômico,

saúde, água a saneamento básico, segurança alimentar, educação, governança,

paz e segurança, meio ambiente e energia. Para a cúpula de Nice, em 2011, foi

solicitada a elaboração de outro relatório, neste caso especificamente sobre

saúde e segurança alimentar.

Embora a crise tenha sido um tema constante nas discussões e nos

documentos finais da cúpula, o que se percebe é um destaque para outras

questões, como desenvolvimento – que se deu de maneira articulada à questão

da África. Neste ponto ênfase foi dada na cúpula à implementação dos pontos 4

e 5 dos Objetivos do Milênio – redução da mortalidade infantil e melhoria da

saúde das gestantes, especificamente –, sendo lançada com este intuito a

“Iniciativa de Muskoka” (Idem, 2010a), além de menção à questão da segurança

alimentar. A questão ambiental também foi abordada, com destaque para a

sustentabilidade ambiental e as mudanças climáticas e suas conseqüências.

Embora tenha sido feita menção à questão do livre-comércio, com a defesa da

conclusão da Rodada Doha, tal questão era extremamente delicada dado o

contexto de reestruturação das economias, o que implicava certas medidas,

mesmo que temporárias, que poderiam ser chamadas de protecionismo (OCDE,

OMC e UNCTAD, 2009 e 2010).

Um elemento que ajuda a entender tal configuração temática é o fato de

que ambas as cúpulas do G8 e do G20 ocorreram no Canadá em datas muito

próximas: 25 e 26 de junho (G8) e 26 e 27 de junho (G20, em Toronto). Neste

sentido, poderia se perceber uma tentativa de separação de agenda, evitando

assim a sobreposição de temas nas duas cúpulas. Mesmo assim, para maiores

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detalhes sobre o processo HDP-HAP e seu impacto sobre o sistema G8 deve-se

aguardar a cúpula de Nice, em 2011. Mas para uma melhor compreensão deste

processo de inter-relação entre G8 e G20 é necessário um breve histórico das

cúpulas do G20 – com destaque para as cúpulas dos líderes dos países após a

crise de 2008.

5.3. G20

5.3.1. Histórico: O processo de formação

Embora discussões sobre o estabelecimento de um lócus de discussão na

área financeira que incluísse o G10 mais alguns dos principais países em

desenvolvimento remeta ao encontro dos ministros de finanças e presidentes de

bancos centrais do G7 em Halifax, 1995 (Martinez-Diaz, 2007), suas origens

diretas datam da crise asiática em 1997-1998. Ora, deve-se ter em conta que

tais questões se encontram inseridas em um contexto mais amplo, no qual se

percebe não apenas a “ascensão do resto” (Amsden, 2004), mas também a

emergência de uma série de iniciativas por parte destes países emergentes –

dentre as quais se destacam a articulação do G20 agrícola19 e do IBAS20, para

19 “O G-20 é um grupo de países em desenvolvimento criado em 20 de agosto de 2003, na fase final da preparação para a V Conferência Ministerial da OMC, realizada em Cancun, entre 10 e 14 de setembro de 2003. O Grupo concentra sua atuação em agricultura, o tema central da Agenda de Desenvolvimento de Doha. O G-20 tem uma vasta e equilibrada representação geográfica, sendo atualmente integrado por 23 Membros: 5 da África (África do Sul, Egito, Nigéria, Tanzânia e Zimbábue), 6 da Ásia (China, Filipinas, Índia, Indonésia, Paquistão e Tailândia) e 12 da América Latina (Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Cuba, Equador, Guatemala, México, Paraguai, Peru, Uruguai e Venezuela)” (G-20). 20 O IBSA (ou IBAS) é uma aliança permanente entre África do Sul, Índia e Brasil que surgiu da Reunião Trilateral de Chanceleres do Brasil, da África do Sul e da Índia realizada na cidade de Brasília, no dia 06 de junho de 2003. Dentre seus objetivos pode-se destacar: 1) a consolidação de um bloco trilateral Sul-Sul visando o fortalecimento da capacidade política nas negociações comerciais internacionais desses países na OMC face aos países desenvolvidos; 2) a busca pela democratização da ONU, principalmente através da incorporação de novos países no Conselho de Segurança – dentre os quais devem estar Brasil, Índia e África do Sul; 3) a busca pela redução da pobreza como meio para aumentar a paz e a estabilidade internacionais; 4) o desenvolvimento de cooperação técnica em áreas como transporte, energia, infraestrutura, defesa e missões de paz, comércio e investimento, pequenas empresas e criação de emprego, ciência e tecnologia de informação, educação, saúde (direitos de propriedade intelectual, medicina tradicional, pesquisas epidemiológicas, vacinas, desenvolvimentos de produtos), bem como a criação de um fundo para alívio da pobreza e da fome (Oliveira, 2005 e IBAS).

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citar alguns. Em última instância, a crise asiática explicita algo que se tornaria

notório nos anos 2000 mas que já emergia desde meados dos anos 1990, com a

crise do México: a saber, o fato de que as questões relacionadas à economia

política global e, em especial, ao sistema financeiro global não poderiam ser

resolvidas direta e exclusivamente pelo G7, sendo fundamental assim incorporar

os países emergentes em tais processos.

A questão que se colocava neste contexto dizia respeito a duas questões:

como e quem. Em função da crise asiática e de seus desdobramentos houve

várias articulações por parte dos ministros de finanças do G7 antes da reunião

de Colônia. Grande parte de suas decisões acerca das reformas que se faziam

necessárias – e que formaram a base das propostas encaminhadas à cúpula de

Colônia – derivavam de relatórios elaborados previamente pelo G22, um grupo

informal articulado pelos Estados Unidos e que reunia países asiáticos e em

desenvolvimento envolvidos na crise. Como visto anteriormente, dentre os

elementos principais presentes na proposta apresentada em Colônia – em

especial no que concerne ao fortalecimento e reforma das instituições

financeiras internacionais – destacam-se (a) a criação do Fórum de Estabilidade

Financeira (FSF); (b) a formalização do comitê interino do FMI como Comitê

Monetário e Financeiro Internacional (IMFC); (c) a proposta de criação de um

mecanismo informal entre os países mais relevantes para a economia mundial,

tendo como base o G22. Não obstante, em função de seu viés para a região do

Pacífico, os europeus resistiram a tal ideia e tal questão não foi resolvida em

Colônia.

Em suma, a ideia de G20 não era a única possibilidade disponível nem era

consensual entre os atores envolvidos naquele processo. Como fica claro a partir

do que foi decidido na cúpula de Colônia do G8, outras alternativas foram

trabalhadas na tentativa de ampliar o debate e o diálogo para os países em

desenvolvimento. Uma primeira opção era a ampliação do Banco para

Compensações Internacionais (BIS), incluindo países em desenvolvimento. Não

obstante, neste caso tal ampliação poderia não surtir o efeito almejado dado o

escopo e foco restrito e técnico dos comitês do BIS, liderados essencialmente

pelos presidentes de banco central. Outra opção era o Comitê Monetário e

Financeiro Internacional (IMFC), ligado ao FMI, cujo papel era aconselhar os

membros do FMI no que dizia respeito à gestão do sistema financeiro mundial. O

problema do IMFC era seu grau de formalidade, e o fato do FMI ter uma

influência muito grande na agenda e nas declarações de tal Comitê. Além disso,

existia a questão da representatividade: por estar diretamente ligado ao FMI,

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havia no IMFC uma baixa representatividade dos países asiáticos e um excesso

de países europeus, o que incomodava particularmente os Estados Unidos.

Neste sentido, a ideia era manter o FMI com um papel relevante no processo

sem, contudo, ser o fórum privilegiado para discutir tais questões.

Neste sentido uma primeira alternativa buscada foi o G22 ou Willard Group

criado em 1998. Tal grupo foi criado pelos Estados Unidos e era composto por

ministros de finanças e presidentes de bancos centrais de países desenvolvidos

e em desenvolvimento21. Algumas reuniões foram feitas e, neste contexto, surgiu

em 1999 a proposta de expansão do G22 para um G33, que incorporaria

principalmente países do Oriente Médio, África e Europa22.

Neste processo algumas insatisfações ganharam destaque. Primeiro, no

que diz respeito à necessidade, segundo alguns, de que tais reuniões fossem

mais constantes, nos moldes do que ocorria com o G7; segundo, devido à

insatisfação com relação ao número de participantes do processo, o que

dificultaria significativamente o estabelecimento de um diálogo informal entre os

países nas questões relacionadas ao sistema financeiro mundial. Neste sentido

foi então estabelecido o G2023, um grupo mais permanente – embora informal –

no encontro de ministros de finanças do G7 em setembro de 1999. A ideia era

estabelecer um fórum deliberativo, que trabalhasse com base no consenso de

seus membros (Kirton, 2005). Embora estivesse intimamente ligado à crise

asiática do final dos anos 1990, também refletia mudanças significativas pelas

quais a economia mundial vinha passando nas últimas décadas: a crescente

inabilidade do sistema G7/8 de solucionar questões específicas da governança

financeira global, como ficou claro com relação à cúpula de Halifax, de 1995, e a

crise do México de 1994; à cúpula de Birmingham, de 1998, e a crise asiática de

1997; e à cúpula de Áquila, de 2009, e a crise de 2008, por exemplo, aponta

para a necessidade de se incorporar os ditos países emergentes em tais

processos. Neste sentido, uma vez que as atenções são voltadas para a

21 O grupo era composto por Canadá, França, Itália, Alemanha, Japão, Estados Unidos, Reino Unido (ou seja, o G7), Argentina, Austrália, Brasil, China, Hong Kong, Índia, Indonésia, Malásia, México, Polônia, Rússia, Cingapura, África do Sul Coréia do Sul e Tailândia. 22 Foram assim incluídos os seguintes países: Bélgica, Chile, Costa do Marfim, Egito, Marrocos, Holanda, Arábia Saudita, Espanha, Suécia, Suíça e Turquia. 23 Fazem parte do G20: Argentina, Austrália, Brasil, Canadá, China, França, Alemanha, Índia, Indonésia, Itália, Japão, Coreia do Sul, México, Rússia, Arábia Saudita, África do Sul, Turquia, Reino Unido, Estados Unidos e União Europeia. Além disso, o diretor do FMI, o presidente do Banco Mundial, o presidente do Banco Central Europeu e o responsável pelo IMFC e pelo Comitê de Desenvolvimento do FMI tem status de observador no G20. 

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economia política global desde os anos 1970, é possível perceber a crescente

relevância destes atores em termos de representatividade (tabela 5.4):

Tabela 5.4

Produto Interno Bruto em comparação ao total mundial

1970 1980 1990 2000 2008

G8 71% 64% 68% 66% 55%

G2024 83% 78% 80% 81% 76%

G5 8% 9% 7% 10% 14%

G20 sem G8 12% 14% 12% 15% 21%

Fonte: UNSTATS

Além disso, a partir de alguns indicadores de comércio mundial, é possível

notar que a importância sistêmica de tais países tem aumentado

significativamente nos últimos 10-15 anos, o que em certa medida acaba

convergindo com o período de intensificação da crise do sistema G7/8:

24 G20 sem União Européia. 

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Tabela 5.5

Exportação de mercadorias no comércio mundial

Ano

País/Indicador "Share" Rank "Share" Rank "Share" Rank "Share" Rank "Share" Rank "Share" Rank "Share" Rank "Share" Rank "Share" Rank "Share" Rank

EUA 1º 12.3% 1º 11.9% 1º 10.7% 1º 9.6% 2º 8.9% 2º 8.7% 2º 8.6% 2º 8.3% 3º 8% 3º

Reino Unido 4.8% 5º 4.5% 5º 4.4% 5º 4.3% 6º 4.1% 6º 3.8% 8º 3.7% 7º 3.7% 7º 3.1% 8º 2.9% 10º

Japão 7.5% 3º 7.5% 3º 6.6% 3º 6.5% 3º 6.3% 3º 6.2% 4º 5.7% 4º 5.4% 4º 5.1% 4º 4.9% 4º

Canadá 4.2% 6º 4.3% 6º 4.2% 7º 3.9% 7º 3.6% 9º 3.5% 9º 3.5% 9º 3.5% 9º 3% 10º 2.8% 11º

França 5.3% 4º 4.7% 4º 5.2% 4º 5.1% 4º 5.2% 5º 4.9% 5º 4.4% 5º 4.1% 5º 4% 5º 3.8% 6º

Itália 4.1% 7º 3.7% 8º 3.9% 8º 3.9% 8º 3.9% 8º 3.8% 7º 3.5% 8º 3.4% 8º 3.5% 7º 3.3% 7º

Alemanha 9.6% 2º 8.7% 2º 9.3% 2º 9.5% 2º 10% 1º 10% 1º 9.3% 1º 9.2% 1º 9.5% 1º 9.1% 1º

Federação Russa 1.3% 20º 1.7% 17º 1.7% 17º 0,9% 17º 1.8% 17º 2% 14º 2.3% 13º 2.5% 13º 2.5% 12º 2.9% 9º

Total G8 36,8% 47,7% 47,2% 45,6% 44,5% 43,1% 41,1% 40,4% 39,0% 37,7%

Brasil 0.9% 28º 0.9% 28º 0.9% 26º 0.9% 27º 1% 25º 1.1% 25º 1.1% 23º 1.1% 24º 1.2% 24º 1.2% 22º

África do Sul 0.5% 36º 0.5% 38º 0.5% 38º 0.5% 38º 0.5% 38º 0.5% 37º 0.5% 39º 0.5% 39º 0.5% 38º 0.5% 40º

China 3.5% 9º 3.9% 7º 4.3% 6º 5.0% 5º 5.8% 4º 6.5% 3º 7.3% 3º 8% 3º 8.7% 2º 8.9% 2º

Índia 0.6% 32º 0.7% 31º 0.7% 30º 0.8% 30º 0.7% 31º 0.8% 30º 0.9% 29º 1% 28º 1% 26º 1.1% 27º

México 2.4% 13º 2.6% 13º 1.6% 12º 2.5% 13º 2.2% 13º 2.1% 13º 2% 15º 2.1% 15º 2% 15º 1.8% 16º

Total G5 7,9% 8,6% 8,0% 9,7% 10,2% 11,0% 11,8% 12,7% 13,4% 13,5%

Indonésia 0.9% 27º 1% 26º 0.9% 28º 0.9% 28º 9.8% 30º 0.8% 32º 0.8% 31º 0.9% 31º 0.8% 32º 0.9% 31º

República da Coréia 2.6% 12º 2.7% 12º 1.5% 13º 2.5% 12º 2.6% 12º 2.8% 12º 2.7% 12º 2.7% 11º 2.7% 11º 2.6% 12º

Argentina 0.4% 41º 0.4% 42º 0.4% 41º 0.4% 42º 0.4% 42º 0.4% 42º 0.4% 46º 0.4% 45º 0.4% 45º 0.4% 45º

Arábia Saudita 0.9% 25º 1.3% 20º 1.1% 23º 1.1% 23º 1.2% 23º 1.4% 19º 1.7% 18º 1.7% 17º 1.7% 18º 2% 15º

Turquia 0.5% 37º 0.4% 41º 0.5% 36º 0.5% 36º 0.6% 35º 0.7% 34º 0.7% 34º 0.7% 34º 0.8% 33º 0.8% 32º

Austrália 1% 24º 1% 25º 1% 25º 1% 25º 1% 26º 0.9% 26º 1% 27º 1% 26º 1% 27º 1.2% 23º

Total G20 (sem UE) 50,1% 62,5% 60,6% 61,7% 61,3% 61,1% 60,2% 60,5% 59,8% 59,1%

2007 20081999 2000 2001 2002 20052003 2004 2006

Fonte: Organização Mundial do Comércio

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Tabela 5.6

Exportação de serviços no comércio mundial

Ano

País/Indicador "Share" Rank "Share" Rank "Share" Rank "Share" Rank "Share" Rank "Share" Rank "Share" Rank "Share" Rank "Share" Rank "Share" Rank

EUA 18.8% 1º 19.1% 1º 18.1% 1º 17.4% 1º 16% 1º 15% 1º 14.7% 1º 14.1% 1º 13.9% 1º 13.8% 1º

Reino Unido 7.5% 2º 7% 8º 7.4% 2º 7.8% 2º 8% 2º 8.1% 2º 7.8% 2º 8.3% 2º 8.3% 2º 7.5% 2º

Japão 4.5% 6º 4.8% 5º 4.4% 6º 4.1% 5º 3.9% 7º 4.5% 5º 4.5% 5º 4.4% 4º 3.9% 6º 3.9% 6º

Canadá 2.5% 11º 2.6% 11º 2.4% 11º 2.3% 11º 2.3% 13º 2.2% 14º 2.2% 15º 2.1% 14º 1.9% 20º 1.7% 20º

França 6.1% 3º 5.7% 3º 5.5% 3º 5.5% 4º 5.5% 4º 5.1% 4º 4.8% 4º 4.2% 5º 4.2% 4º 4.2% 4º

Itália 4.5% 5º 4% 6º 3.9% 7º 3.8% 7º 4.0% 6º 3.9% 7º 3.9% 6º 3.5% 7º 3.4% 8º 3.2% 8º

Alemanha 5.9% 4º 5.6% 4º 5.5% 4º 6.3% 3º 6.4% 3º 6.3% 3º 6.2% 3º 6.1% 3º 6.3% 3º 6.4% 3º

Federação Russa 0.7% 32º 0.7% 31º 0.7% 31º 0.8% 29º 0.9% 27º 0.9% 27º 1% 27º 1.1% 25º 0,9% 25º 1.3% 22º

Total G8 51% 50% 48% 48% 47% 49,7% 45,1% 44% 48% 42%

Brasil 0.5% 35º 0.6% 33º 0.6% 33º 0.6% 35º 0.5% 35º 0.5% 35º 0.6% 35º 0.7% 32º 0.7% 31º 0.8% 31º

África do Sul 0.4% 39º 0.3% 38º ‐ ‐ ‐ ‐ ‐ ‐ 0.4% 40º ‐ ‐ 0.4% 40º ‐ ‐ ‐ ‐

China 1.8% 15º 2.1% 12º 2.3% 12º 2.5% 10º 2.6% 9º 2.9% 9º 3.1% 9º 3.3% 8º 3.7% 7º 3.9% 5º

Índia 1% 25º 1.2% 22º 1.4% 19º 1.5% 19º 1.4% 21º 1.9% 16º 2.3% 11º 2.7% 10º 2.7% 9º 2.7% 9º

México 0.9% 2.7 0.9% 27º 0.9% 28º 0.8% 30º 0.7% 30º 0.7% 32º 0.7% 32º 0.6% 35º 0.5% 36º 0.5% 39º

Total G5 4,6% 5,1% 5,2% 5,4% 5,2% 6,4% 6,7% 7,7% 7,6% 7,9%

Indonésia ‐ ‐ 0.3% 39º 0.4% 39º 0.3% 40º 0.4% 40º

República da Coréia 1.8% 14º 2% 14º 2.0% 14º 1.7% 16º 1.7% 17º 15% 15º 1.8% 18º 1.8% 20º 1.9% 18º 2.0% 16º

Argentina ‐ ‐ ‐ ‐ ‐ ‐ ‐ ‐ ‐ ‐ ‐ ‐ ‐ ‐ ‐ ‐ ‐ ‐ ‐ ‐

Arábia Saudita 0.4% 38º 0.3% 40º 0.4% 38º ‐ ‐ ‐ ‐ ‐ ‐ ‐ ‐ ‐ ‐ ‐ ‐ ‐ ‐

Turquia 1.2% 19º 1.3% 20º 1.1% 24º 0.9% 28º 1.1% 26º 1.1% 26º 1.1% 26º 0.9% 28º 0.9% 29º 0.9% 27º

Austrália 1.3% 18º 1.2% 21º 1.1% 25º 1.1% 25º 1.2% 25º 1.1% 25º 1.1% 24º 1.2% 24º 1.2% 24º 1.2% 24º

20081999 2000 2001 2002 20052003 2004 2006 2007

Fonte: Organização Mundial do Comércio

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Nota-se, assim, uma significativa “ascensão do resto” (Amsden, 2004)

desde os anos 1970 em contraposição a uma diminuição da participação dos

países do G8 na economia mundial: estes tiveram uma diminuição de

aproximadamente 22% em sua participação no total mundial das exportações de

mercadorias e de 17% no tocante às exportações de serviços (tabelas 5.5 e 5.6),

com destaque para o período dos últimos 10 anos. Em suma, o que se percebe

é uma crescente relevância dos países emergentes para o funcionamento da

economia política global, o que faz com que sua inclusão em certos mecanismos

de governança a partir do final dos anos 1990 se torne algo cada vez mais

impreterível. Neste sentido o G20 foi criado, inicialmente como uma reunião de

ministros de finanças, que teve um papel relevante nos processos e deliberações

após a crise asiática. Não obstante, um momento fundamental para tal

agrupamento de países ocorreu após a crise de 2008, quando o G20 passou por

um significativo processo de inflexão.

5.3.2. As cúpulas a partir de 2008

Em 2008, em um momento no qual se apresentava um processo de

esgotamento do papel e do propósito do G20, tendo em vista a distância que se

encontrava a crise para o qual ele fora criado, ocorreu uma nova crise, desta vez

com características distintas: uma crise não mais nos países em

desenvolvimento como as anteriores, mas no centro e com proporções e

desdobramentos mais amplos. Neste contexto foi dado um novo impulso ao G20,

em larga medida pelas mesmas razões que levaram à sua criação: a

necessidade de incorporação do “resto” tendo em vista a tentativa de construção

de uma saída da crise. Neste caso, o G20 se reconfigura em termos mais

robustos, passando a ocorrer, além da reunião de ministros de finanças, também

uma reunião dos líderes de tais países.

Em 15 de novembro de 2008 ocorreu a primeira cúpula de líderes do G20,

que tendo como pano de fundo e causa fundamental a crise iniciada no mesmo

ano, buscava “restaurar o crescimento global” (G20, 2008, §1), objetivo este que

estaria presente em todas as cúpulas seguintes. Neste sentido, desde a cúpula

de Washington um ponto central era

“uma visão compartilhada de que os princípios do mercado, o comércio aberto e os regimes de investimento e mercados financeiros efetivamente regulados promovam dinamismo, inovação e empreendedorismo, que são essenciais para o crescimento econômico, o emprego e a redução da pobreza” (Ibidem, §2).

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O diagnóstico acerca das causas subjacentes da crise era bem definido: a

falta de mecanismos regulatórios suficientes para o setor das finanças no âmbito

mundial assim como a falta de uma política de coordenação macroeconômica

clara entre as maiores economias do mundo – desenvolvidas e emergentes –

deveriam ser objeto das atenções dos países no processo de superação da

crise. Neste sentido, em Washington temas como o uso de medidas fiscais para

estimular a demanda interna – desde que mantida uma “política que conduza à

sustentabilidade fiscal” –, auxílio às economias emergentes, fortalecimento da

transparência e responsabilidades das instituições financeiras privadas – e

associado a este processo um fortalecimento dos regimes regulatórios, o que

também ajudaria a combater o processo de lavagem de dinheiro – foram

destacados mas ainda sem uma indicação explícita acerca das políticas que

seriam adotadas neste sentido (Ibidem, §7).

Além disso, foi discutida a questão da necessidade da reforma e

capitalização das instituições financeiras mundiais, para que estas “possam

refletir de maneira mais adequada as mudanças nos pesos econômicos da

economia mundial, a fim de aumentar sua legitimidade e eficácia”. Neste caso

duas questões merecem destaque: primeiro, a ênfase dada ao FMI como um

ator relevante neste processo mas que necessita de passar por uma adequação

face às mudanças ocorridas na economia política global nas últimas décadas;

segundo, a ênfase dada na necessidade de reforma do Fórum de Estabilidade

Financeira (FSF), para que este passasse a ter uma representatividade maior

(Ibidem, §9).

É importante perceber neste contexto que, se por um lado há um

reconhecimento de que certas mudanças se fazem necessárias, por outro há,

explicitamente, uma reafirmação dos pontos fundamentais do modelo neoliberal:

“Reconhecemos que essas reformas só serão bem sucedidas se baseadas em um compromisso de princípios de livre mercado, incluindo a legislação e a regulamentação, o respeito pela propriedade privada, livre comércio e investimento, mercados competitivos e sistemas financeiros eficientes e regulados efetivamente. Esses princípios são essenciais para o crescimento e a prosperidade econômica e têm retirado milhões de pessoas da pobreza e elevaram significativamente o padrão de vida global. Reconhecendo a necessidade de aperfeiçoar a regulação do setor financeiro, precisamos evitar o excesso de regulação que dificulta o crescimento econômico e agrava a contração dos fluxos de capital, inclusive para os países em desenvolvimento” (Ibidem, §12).

Na medida em que a crise se mostrava cada vez mais disseminada e de

difícil combate por cada Estado de maneira individual, na cúpula de Londres, em

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abril de 2009, foi reafirmado que “uma crise global exige uma solução global”

(Idem, 2009a, §2). Da mesma forma, neste contexto de crise os postulados

neoliberais foram reafirmados: “acreditamos que o único alicerce seguro para a

globalização sustentável e para a prosperidade crescente para todos é uma

economia mundial aberta baseada em princípios de mercado, regulação eficaz e

instituições globais robustas” (Ibidem, §3).

Algumas questões que passariam a compor as declarações do G20

começaram a ganhar um espaço a partir de Londres, com destaque para a

necessidade de garantir uma retomada dos empregos. Neste processo, medidas

excepcionais, desde que assegurada a “sustentabilidade fiscal de longo prazo e

a estabilidade de preços” seriam medidas importantes no processo de geração

de empregos (Ibidem, §11).

Segundo os países do G20, haveria a necessidade de restaurar a

confiança no setor financeiro através do desenvolvimento de um marco

regulatório e de supervisão mais eficaz. Isso seria fundamental para garantir a

“disciplina de mercado” e “apoiar a competição e o dinamismo” (Ibidem, §14).

Buscando avançar neste sentido, em Londres foi adotada a Declaração

Reforçando o Sistema Financeiro, que dentre outras questões destaca a criação

do Conselho de Estabilidade Financeira (FSB) em substituição ao Fórum de

Estabilidade Financeira (FSF). Enquanto este contava apenas com os países do

sistema G7, aquele inclui os países do G20, ex-membros do FSF, Espanha, e a

Comissão Europeia. Ora, em um contexto de crise como o daquele período,

ficava claro que, para que uma reforma efetiva do sistema financeiro mundial

pudesse ser implementada, era fundamental a inclusão dos países emergentes

em vários fóruns e espaços de deliberação.

Tal fórum deveria operar em conjunto com o FMI, que em Londres foi

capitalizado, juntamente com outras instituições financeiras, em cerca de

US$850 bilhões adicionais. Tais recursos tinham o objetivo de “(...) apoiar o

crescimento dos países emergentes e em desenvolvimento, ajudando a financiar

gastos anti-cíclicos, recapitalização de bancos, infraestrutura, financiamento ao

comércio, apoio ao balanço de pagamentos, rolagem de dívidas e apoio social”

(Ibidem, §17). Além disso, menção foi feita novamente à necessidade de

reformar as instituições financeiras mundiais com o intuito de prevenir crises

futuras e fortalecer tanto a relevância quanto a legitimidade de tais instituições.

Neste sentido, foi acordada a reforma das cotas do FMI e, em especial,

enfatizada a necessidade de que fosse concluída a revisão das cotas até janeiro

de 2011. No tocante ao Banco Mundial, também foi acordada a implementação

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das reformas discutidas a aprovadas em outubro de 2008 (Ibidem, §20). Por fim,

a partir de Londres a questão do desenvolvimento dos países de baixa renda

começou a ganhar um espaço maior nos documentos, juntamente com as

questões relacionadas aos Objetivos do Milênio. Neste sentido, referência direta

foi feita aos compromissos firmados anteriormente no âmbito do sistema G7/8

com relação a tais questões.

Quando da cúpula de Pittsburgh, nos dias 24 e 25 de setembro de 2009, a

economia mundial dava sinais de estabilidade dos mercados financeiros e de

interrupção da queda das atividades econômicas. Neste sentido, menção foi feita

a tal questão na cúpula no intuito não apenas de gerar uma estabilidade ainda

maior nos mercados financeiros, mas também no sentido de manter a

cooperação entre os países do G20. Além disso, neste contexto destaque foi

dado mais uma vez à necessidade de, assim que possível, retirar a intervenção

extraordinária dos Estados da economia “mantendo (...) o compromisso para

com a responsabilidade fiscal” (Idem, 2009b, §10; 2009c, §2).

Em Pittsburgh ênfase foi dada no fato de que a recuperação da economia

mundial demandaria certa colaboração em termos de políticas

macroeconômicas, bem como o combate às práticas abusivas do mercado.

Neste sentido, houve em tal cúpula um comprometimento de que seriam

desenvolvidas, “(...) até o final de 2010, normas acordadas internacionalmente

para melhorar tanto a quantidade como a qualidade do capital bancário e

desencorajar a alavancagem excessiva” (Idem, 2009c, §13). Embora as normas

não tenham sido desenvolvidas, avanços neste sentido são identificáveis em

Seul (Idem, 2010f).

Começa em Londres uma preocupação com as instituições financeiras

sistemicamente importantes. Em Pittsburgh tal questão foi abordada e decidido

que até o final de 2010 mais detalhes das resoluções internacionais para lidar

com tal questão deveriam ser desenvolvidas (Idem, 2009c, §13). Além disso,

neste contexto também foi discutida a questão dos paraísos fiscais, da

corrupção, da lavagem de dinheiro, do financiamento do terrorismo e da

necessidade do aprofundamento dos meios de combate a tais questões.

Dando prosseguimento ao que foi colocado na cúpula anterior acerca da

necessidade de reforma do FMI, os países do G20 se comprometeram em

transferir pelo menos 5% das cotas de participação aos países emergentes e em

desenvolvimento. Além disso, no tocante ao Banco Mundial, foi enfatizada a

necessidade deste focar nas questões de segurança alimentar, segurança e

desenvolvimento humano, apoio ao crescimento e ao investimento em

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infraestrutura nos países mais pobres e apoio ao financiamento para uma

transição para uma economia verde (Ibidem, §21 e §24). No que concerne às

questões de segurança energética e mudança climática, foi solicitado a algumas

instituições – AIE, OPEP, OCDE e Banco Mundial – um estudo sobre os

subsídios energéticos, que deveria ser apresentado na próxima cúpula do G20.

Com relação à questão da segurança alimentar, foi destacada a iniciativa

anunciada na cúpula do G8 em L’Aquila bem como os “esforços para

implementar a Parceria Global para Agricultura e Segurança Alimentar” (Ibidem,

§39).

No que diz respeito à questão do emprego, percebe-se um momento de

inflexão em Pittsburgh. Nesta ocasião, não só é dado destaque a esta questão

como também é enfatizada “a relevância da Conferência de Londres sobre

Empregos e da Cúpula Social de Roma (...), [da] recém-adotada Resolução da

OIT sobre Recuperação da Crise: um Pacto de Empregos Globais”. Além disso,

os países do G20 se comprometeram

“a adotar elementos-chave de seu marco de trabalho geral para avançar na dimensão social da globalização. As instituições internacionais deverão considerar os padrões da OIT e os objetivos do Pacto de Empregos em suas análises da crise e pós-crise, e em suas atividades de elaboração de políticas” (Ibidem, §46).

Ainda neste contexto, foi convocada uma reunião dos Ministros do

Emprego e do Trabalho para o início de 2010, com o objetivo de desenvolverem

a discussão a partir da reunião Ministerial da OCDE de Emprego e Trabalho

sobre a crise de empregos que ocorreria antes daquela reunião.

Na cúpula de Toronto, nos dias 26 e 27 de junho de 2010, foi reafirmada a

relevância do G20 como fórum privilegiado de discussão das questões

concernentes à economia global e à reestruturação da arquitetura financeira

global, bem como os êxitos que teriam sido alcançados a partir das decisões

tomadas nas cúpulas do G20 desde 2008. Contudo, destacam-se as questões

ainda não resolvidas, como a recuperação desigual e ainda frágil dos países, a

permanência dos índices de desemprego em alguns países e o impacto social

da crise. Em especial, ênfase foi dada à questão da sustentabilidade fiscal, tendo

em vista as preocupações que emergiram a partir da crise na Europa, que

atingiu Portugal, Espanha, Irlanda, Itália e, de maneira mais aguda, a Grécia. As

economias avançadas se comprometeram assim com a adoção de políticas de

ajuste fiscal com o objetivo de diminuir ao menos pela metade seu déficit fiscal

até 2013 e reduzir a relação dívida-PIB até 2016.

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Assim como nas cúpulas anteriores, foi reafirmada a importância de

manter os mercados abertos e de se combate o protecionismo, dando à OMC,

OCDE e UNCTAD o papel de monitorar as políticas dos Estados e suas políticas

com relação ao livre comércio. Ora, de acordo com o G20, o livre comércio tem

um papel central para o crescimento global e para a criação de empregos. Neste

sentido, foi solicitado à OCDE, OIT, Banco Mundial e OMC um relatório com os

benefícios do livre comércio para o emprego e para o crescimento em Seul.

Ainda no tocante à questão do emprego, foram mencionadas as

recomendações feitas pelos ministros do trabalho do G20 que se encontraram

em abril de 2010 (G20 Labor and Employment Ministers, 2010) bem como as

articulações existentes entre OCDE e OIT nesta questão. Mas como colocado

antes, nas cúpulas anteriores, o foco se deu no crescimento, uma vez que,

segundo a perspectiva então prevalecente, “aumentar o crescimento global (...) é

o passo mais importante que podemos dar na melhora da vida de nossos

cidadãos, incluindo aqueles nos países mais pobres” (G20, 2010a, §9).

Em Toronto foi colocado que países com economias deficitárias devem

aumentar a poupança interna enquanto mantém os mercados abertos e

aumentam sua competitividade de exportação. Países superavitários, por sua

vez, devem empreender reformas para reduzir sua dependência da demanda

externa buscando, assim, fontes domésticas para seu crescimento. Além disso,

países emergentes superavitários devem

“aumentar a flexibilidade da taxa de câmbio buscando refletir assim seus fundamentos econômicos subjacentes (...). Taxas de câmbio orientadas pelo mercado que refletem os fundamentos econômicos subjacentes contribuem para a estabilidade econômica global” (Idem, 2010b, §12).

Destaca-se neste ponto a “guerra cambial” entre China e EUA, que

continuaria tendo repercussões para a próxima cúpula.

Foi enfatizada também a necessidade de se implementar reformas

estruturais nos países do G20 que garantam o crescimento de tais países. A

agenda de reforma possui quatro pilares, que em larga medida reproduzem e

aprofundam questões que vinham, de uma forma ou de outra, sendo discutidas

no âmbito do G20 desde a cúpula de Washington em 2008:

a. Fortalecimento do marco regulatório, baseado no novo regime global

para liquidez e capital bancário desenvolvido pelo Comitê da Basileia de

Supervisão Bancária (BCBS);

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b. Criação de mecanismos de supervisão efetiva, com destaque para o

papel do FSB e do FMI neste processo;

c. Implementação de um sistema para lidar com situações de instituições

em crises financeiras, sem que isso gere ônus para os contribuintes em

geral, reduzindo, assim, o risco moral;

d. Transparência internacional, com destaque para o combate à corrupção e

à lavagem de dinheiro.

Assim como nas cúpulas anteriores, no que concerne às instituições

financeiras mundiais, foi dada ênfase na necessidade de fortalecer a

legitimidade, a credibilidade e a efetividade das mesmas, em especial o FMI e os

bancos multilaterais de desenvolvimento (BMD) – neste caso, destaque para o

Banco Mundial. Em Pittsburgh houve um comprometimento de aumento do

capital dos BMDs, o que ocorreu em Toronto (com um aumento de US$350

bilhões, o que significa um aumento dos empréstimos destes bancos de US$37

bilhões para US$71 bilhões por ano (Tabela 5.7). Foi também endossada a

reforma do Banco Mundial, que aumentou o poder de voto dos países em

desenvolvimento em 4,59%, além do reforço da necessidade de completar o

processo de reforma das cotas do FMI até a cúpula seguinte, em Seul.

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Tabela 5.7

Aumento do capital dos Bancos Multilaterais de Investimento (BMD)

BMD Aumento de

capital

Empréstimos

anuais antes da

crise25 (em US$

bilhões)

Empréstimos

anuais após a

crise26 (em US$

bilhões)

AfDB27 200% US$1,8 US$6

AsDB28 200% US$5,8 US$10

EBRD29 50% US$5,3 US$11

BID30 70% US$6,7 US$12

BIRD31 30% US$12,1 US$15

IFC32 - US$5,4 US$17

Total 85% US$37 US$71

Fonte: G20, 2010a, §25; 2010d, §5

Em função dos problemas relacionados ao desemprego, na cúpula de

Seul, nos dias 11 e 12 de novembro de 2010, foi dado destaque a tal questão,

bem como à necessidade de acelerar o crescimento – e em especial nos países

de baixa renda. Neste sentido foi destacada a importância do livre comércio e da

abertura de mercados para o crescimento e o emprego, conforme relatório

conjunto da OCDE, OIT, OMC e Banco Mundial (OCDE, OIT, Banco Mundial e

OMC, 2010) bem como foi divulgado o Plano de Ação de Seul. Este incluía

acordos na área de políticas macroeconômicas, como consolidação fiscal onde

fosse necessário, estabelecimento de sistemas de taxas de câmbio mais

orientadas pelo mercado – refletindo assim os fundamentos econômicos

subjacentes – e a abolição de desvalorizações competitivas das moedas;

implementação de reformas estruturais que estimulem e sustentem a demanda

global, promovam a criação de empregos e aumentem o potencial de

crescimento. Tal plano dizia respeito a ações políticas em cinco áreas

específicas, a saber:

25 2000-2008. 26 2012-2020. 27 Banco de Desenvolvimento Africano. 28 Banco Asiático de Desenvolvimento. 29 Banco Europeu para Reconstrução e Desenvolvimento. 30 Banco Interamericano de Desenvolvimento. 31 Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento – parte do grupo do Banco Mundial. 32 Corporação Financeira Internacional – parte do grupo do Banco Mundial. 

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a. Políticas monetárias e cambiais: reafirmava a importância da estabilidade

dos preços e de um movimento para um sistema de taxas de câmbio

determinadas pelo mercado, o que refletiria os fundamentos econômicos

subjacentes dos países e evitaria, assim, desvalorizações competitivas

das moedas;

b. Políticas comerciais e de desenvolvimento: reafirmava o

comprometimento com o livre comércio e livre investimento – reafirmando

também, assim, a importância da conclusão da Rodada Doha. Na

verdade, na medida em que os países em desenvolvimento ocupam um

espaço cada vez maior no comércio internacional, os objetivos de

crescimento, desenvolvimento e livre comércio se encontram cada vez

mais conectados. Neste sentido, o desenvolvimento dos países em

desenvolvimento e de baixa renda demanda algumas políticas que

resolvessem os seguintes gargalos: “infraestrutura, desenvolvimento de

recursos humanos, comércio, investimento privado e criação de

empregos, segurança alimentar, crescimento estável, inclusão financeira,

mobilização de recursos domésticos e compartilhamento de

conhecimento” (G20, 2010f, §7);

c. Políticas fiscais: deverão ser aplicadas conforme acordado em Toronto,

mas respeitando as circunstâncias de cada país;

d. Reformas financeiras: desenvolvimento de novos padrões, nacionais e

internacionais, para regulamentar a liquidez e o capital bancários, com

destaque para aquelas instituições “muito grandes para quebrar”;

e. Reformas estruturais: buscando garantir um aumento sustentável da

demanda global e a criação de empregos, foi acordada a adoção de

reformas do mercado para simplificar a regulação, reduzir as barreiras

regulatórias e aumentar a produtividade. Junto a este processo seriam

também necessárias reformas do mercado de trabalho e no

desenvolvimento de recursos humanos; reforma nos sistemas de

tributação, para aumentar a produtividade e os incentivos ao

investimento; inovações visando o desenvolvimento sustentável;

reformas para fortalecer as redes de proteção social; investimento em

infraestrutura para resolver certos gargalos estruturais e garantir a

manutenção do crescimento.

Nestas reformas, foram chamados, em função de sua expertise, FMI,

OCDE, Banco Mundial e OIT. É interessante perceber a menção feita, em tal

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plano de ação, às questões relacionadas às taxas de câmbio. Além do problema

já identificado por alguns com relação ao valor do yuan e seu impacto na

economia mundial, na véspera da cúpula de Seul o Fed (banco central

estadunidense) anunciou que, nos oito meses seguintes, irrigaria a economia

estadunidense com US$600 bilhões. Em última instância, o G20 não resolveu tal

questão, mas apenas estabeleceu certos mecanismos para lidar com a mesma

na primeira metade de 2011, mediante o Processo de Avaliação Mútua (MAP)

acordado em Seul.

Dando sequência no que já vinha sendo objeto de discussão em Pittsburgh

e Toronto, em Seul foi acordada uma mudança na política de cotas do FMI

(Tabela 5.8). Foi também reafirmado o papel de destaque deste na reconstrução

da arquitetura financeira mundial: para tal, seria necessário o aumento da

capacidade de vigilância do FMI, bem como de seus dispositivos e linhas de

crédito visando assim a construção de uma sistema monetário internacional mais

estável. Neste processo, FSB e BCBS também seriam centrais, mediante o

estabelecimento de limites para a alavancagem dos bancos; no caso do FSB, foi

destacada a necessidade de uma maior articulação deste com o FATF no

combate à lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo.

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Tabela 5.8

Distribuição de cotas – FMI

Ano

Cota/Voto Cotas Votos Cotas Votos

EUA 17,09% 16,74% 17,41% 16,48%

Reino Unido 4,94% 4,85% 4,22% 4,02%

Japão 6,12% 6,01% 6,46% 6,14%

Canadá 2,93% 2,88% 2,31% 2,21%

França 4,94% 4,85% 4,22% 4,02%

Itália 3,24% 3,19% 3,16% 3,02%

Alemanha 5,98% 5,87% 5,59% 5,31%

Federação Russa 2,73% 2,69% 2,71% 2,59%

Total G8 47,97% 47,08% 46,08% 43,79%

Brasil 1,40% 1,38% 2,32% 2,22%

África do Sul 0,86% 0,85% 0,64% 0,63%

China 3,72% 3,65% 6,39% 6,07%

Índia 1,91% 1,88% 2,75% 2,63%

México 1,45% 1,43% 1,87% 1,80%

Total G5 9,34% 9,19% 13,97% 13,35%

Indonésia 0,96% 0,95% 0,96% 0,95%

República da Coréia 1,35% 1,33% 1,80% 1,73%

Argentina 0,97% 0,96% 0,67% 0,66%

Arábia Saudita 3,21% 3,16% 2,10% 2,01%

Turquia 0,55% 0,55% 0,98% 0,95%

Austrália 1,49% 1,47% 1,38% 1,33%

Total G20 (sem UE) 65,84% 64,69% 67,94% 64,77%

2010*2009

Fonte: FMI

*Decidido em novembro de 2010, mas será implementado apenas em 2012.

Em consonância com as questões levantadas em Toronto, foi acordado em

Seul o chamado “Consenso de Seul”, no qual se destacam os seguintes

princípios:

a. Importância do crescimento econômico inclusivo e sustentável para a

redução da pobreza e desenvolvimento dos países de baixa renda;

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b. Ausência de uma única fórmula para o desenvolvimento. Assim, os

países devem trabalhar como parceiros, respeitando as políticas

adotadas e desenvolvidas domesticamente como fundamentais para o

êxito da estratégia de desenvolvimento;

c. As ações devem priorizar questões globais ou regionais que demandam

ações coletivas e possuam o potencial para gerar um impacto de

transformação;

d. Ênfase no papel do setor privado na geração de empregos e riqueza, e

neste sentido na criação de um ambiente que gere possibilidades para a

expansão e para o investimento privados;

e. Maximizar as possibilidades de complementaridade na busca pelo

desenvolvimento, dando ênfase para as áreas nas quais o G20 possua

vantagem comparativa e possa, assim, agregar no processo de

crescimento sustentável;

f. Foco nos resultados tangíveis de impacto significativo para remoção dos

obstáculos ao crescimento dos países em desenvolvimento, em especial

os de baixa renda (G20, 2010g).

Neste processo, o Consenso de Seul destaca alguns pilares para que

realmente seja possível superar os gargalos existentes e, assim, garantir um

crescimento inclusivo e sustentável nos países em desenvolvimento. Dentre eles

destacam-se (a) a ênfase na necessidade de investimentos em infraestrutura; (b)

desenvolvimento de recursos humanos; (c) liberalização do comércio; (d)

incentivo ao investimento privado para criação de empregos; (e) segurança

alimentar; (f) crescimento com proteção social; (g) inclusão financeira; (h)

mobilização de recursos domésticos; (i) compartilhamento de conhecimento.

Por fim, certo processo de “outreach” do G20 é percebido, na medida em

que há menção explícita à cúpula de negócios que ocorreu nos dias 10 e 11 de

novembro também em Seul (Seoul G20 Business Summit) assim como à

necessidade de ampliar as relações do G20 com organizações internacionais,

sociedade civil, sindicatos e universidades – bem como decisões acerca do

processo de convite a países não-membros do G20 (G20, 2010f, §73).

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5.4. Conclusão

Desde os anos 1970 a economia política global vem passando por uma

série de mudanças e transformações. Como visto no capítulo 2, neste processo

percebe-se a transição de um bloco histórico internacional para um bloco

histórico liberal transnacional. Por um lado, a partir da passagem dos anos 1970

para os anos 1980 tal bloco se consolida em termos hegemônicos, assumindo a

hegemonia em vários complexos sociedade civil/Estado ao redor do mundo em

um contexto de intensificação da globalização neoliberal. Não obstante, a partir

dos anos 1990 e das crises que a partir de então se apresentam, é possível

perceber que tal bloco histórico começa a se ver face a uma série de dilemas e

limites de expansão. Neste contexto, os dilemas que se apresentam não são

apenas de caráter material, mas também ideacional – o que apontaria em última

instância para o início de uma crise orgânica, o que demandaria assim uma série

de ações por parte de tal bloco histórico no sentido de restauração da liderança

hegemônica.

Extremamente elucidativo no entendimento deste processo mais amplo é

olhar para o sistema G7/8 – sua origem e desdobramentos ao longo do período.

A partir de tal leitura, seria possível identificar não apenas elementos

subjacentes ao processo de surgimento e evolução do sistema G7/8, mas

também certas nuanças no processo de desenvolvimento histórico e maturação

do supracitado bloco histórico liberal transnacional.

Contudo, antes de proceder com uma análise de como tal processo pode

ser visto a partir de uma perspectiva crítica, neogramsciana, algumas questões

eram fundamentais: neste sentido, fazia-se necessário apresentar o processo de

surgimento e desenvolvimento do sistema G7/8, até os processos e articulações

contemporâneos relacionados ao G20 e sua relação com os processos mais

amplos de desenvolvimento e evolução da economia política global desde os

anos 1970, quando do fim da Era de Ouro – o que foi o objetivo dos capítulos 4 e

5. Feito isto, é possível caminhar rumo a uma leitura crítica do sistema G7/8 e de

seus desdobramentos contemporâneos.

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