50 PERSONAGENS DA BÍBLIA Índice - catequese.net I.pdf · Desse dia, como proclama o profeta Natan...

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50 PERSONAGENS DA BÍBLIA Índice O Antigo Testamento Abraão ………………………… p. 2 David …………………………… p. 3 Job ………………………………. p. 5 Rute …………………………….. p. 6 Tobias …………………………..p. 7 O Novo Testamento José ………………………………p. 9 Maria …………………………… p. 10 Zacarias ……………………….. p. 12 João Batista …………………. p. 13 Um centurião ………………. p. 15 Marta ………………………….. p. 16 Maria de Betânia …………. p. 17 Maria de Magdala ……….. p. 18 José de Arimateia ………… p. 19 Bartimeu ……………………… p. 20 Zaqueu ………………………… p. 20 Lázaro …………………………..p. 21 Cléofas ………………………… p. 22 Saulo …………………………….p. 23 Marcos ………………………… p. 26 Lucas …………………………… p. 27 Tradução Revista Pèlerin

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50 PERSONAGENS DA BÍBLIA

Índice

O Antigo Testamento Abraão ………………………… p. 2

David …………………………… p. 3

Job ………………………………. p. 5

Rute …………………………….. p. 6

Tobias ………………………….. p. 7

O Novo Testamento José ……………………………… p. 9 Maria …………………………… p. 10 Zacarias ……………………….. p. 12 João Batista …………………. p. 13 Um centurião ………………. p. 15

Marta ………………………….. p. 16

Maria de Betânia …………. p. 17

Maria de Magdala ……….. p. 18

José de Arimateia ………… p. 19

Bartimeu ……………………… p. 20

Zaqueu ………………………… p. 20

Lázaro ………………………….. p. 21

Cléofas ………………………… p. 22

Saulo ……………………………. p. 23

Marcos ………………………… p. 26

Lucas …………………………… p. 27

Tradução

Revista Pèlerin

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O Antigo Testamento

Abraão

Abraão é sem dúvida, a personagem mais importante do Antigo Testamento. A vários níveis.

Em primeiro lugar, é com ele que a Bíblia entra na História. Apesar de só podermos datar

aproximadamente a sua existência, por volta de 1900 antes de Jesus Cristo, Abraão está ligado

também às personagens mais antigas e ainda menos históricas: ele é, efetivamente

apresentado como o descendente de Sem, o filho mais velho de Noé, o construtor da arca e o

único sobrevivente do Dilúvio, com a sua família.

Abraão é seguidamente, considerado como o pai dos crentes, tanto pelos judeus como pelos

cristãos e muçulmanos. Com efeito, é dele que derivam as três grandes tradições monoteístas.

Finalmente, ele é o modelo da fé em Deus. Ele é o Crente, por excelência.

O que sabemos dele ?

A narrativa do Génesis apresenta-o como tendo nascido na Caldeia, em Ur, uma cidade situada

a sul do Eufrates, perto do Golfo Pérsico, naquele que é atualmente, território iraquiano.

Abraão é um patriarca (chefe de família) abastado, possuidor de grandes rebanhos. Esta

riqueza obriga-o a deslocar-se frequentemente, para encontrar pastagens necessárias para a

alimentação dos animais. É assim que, com o seu pai Terá, o seu sobrinho Lot e a sua esposa

Sara – de quem a Bíblia evoca a esterilidade – ele deixa Ur e vai para Haran, na Mésopotamia,

perto da atual fronteira entre a Síria e a Turquia.

Aquando da morte de Terá, Abraão recebe de Deus a ordem «de ir para o país que Ele lhe

indicar». Ele parte imediatamente com Sara et Lot para o sul, para Canaan, uma terra que ele

não conhecia. Como houve um período de escassez naquela terra, eles vão para o Egito, onde

vivem alguns anos. Durante este período, Sara, que Abraão, por medo, tinha feito passar por

sua irmã, torna-se esposa de Faraó. Quando este percebeu que ela era de facto, esposa de

Abraão, devolveu-lha e deu-lhe ordem para deixar o Egito.

Abraão e Lot partem então em direção ao Neguev. Mas surgiram disputas entre os pastores

dos dois homens, que decidiram então, separar-se. Abraão deixa Lot escolher as terras

«Separa-te de mim, diz-lhe ele. Se fores para a direita, eu irei para a esquerda. Se fores para a

esquerda, eu irei para a direita...» (Gn 13, 8-9). Começa então outra vida para o patriarca.

Abraão, nessa altura, não tem herdeiros, apesar da promessa que Deus lhe fez de ter uma

descendência «tão numerosa como as estrelas do céu». Sara, por causa da sua esterilidade,

oferece ao seu marido, a possibilidade de ele ter um filho com a sua criada egípcia Agar. Esse

filho será chamado Ismael. Mas esta criança, não é aquela da promessa de Deus. A criança da

promessa vai nascer de Abraão e Sara: será Isaac.

Este filho, no entanto, Abraão aceitará sacrificá-lo, devolvê-lo ao Senhor que lho tinha dado

(Gn 22). É sem dúvida, o momento mais importante da sua vida: é o instante em que ele se

entrega totalmente a Deus. Quando Isaac, a caminho do sacrifício pergunta ao pai onde está o

cordeiro, Abraão responde-lhe, sem compreender o âmbito da sua resposta: «É Deus que

providênciará o cordeiro para o holocausto, meu filho». Ele acha, naquela altura, que o

cordeiro será Isaac. Mas a resposta é maior: este cordeiro do sacrifício, o cordeiro de Deus será

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o seu descendente afastado : Jesus. Abraão não tem consciência disso. Ele é o mensageiro

portador de uma mensagem que o ultrapassa. Pode ser este, um dos topos da fé?

O fim de Abraão é comovente. Ele tinha 175 anos, diz a Bíblia. Sara tinha morrido há muito

tempo. Ele tinha uma nova esposa que lhe tinha dado seis filhos. Mas foi junto de Sara que ele

quis descansar. Foi carregado para terra pelos seus dois primeiros filhos, Isaac e Ismael, que

marcam a sua descendência.

A fé absoluta

Abraão é aquele que confia em Deus, mesmo nas situações mais incompreensíveis.

Inicialmente é a partida para este lugar misterioso, «o país que eu te indicar». Deus não lhe diz

exatamente o lugar para onde o leva. Mostra-lhe simplesmente o caminho. E este caminho é

Ele. É também o que Cristo dirá: «Eu sou o caminho, a verdade e a vida». Deus não nos chama

para nos dirigirmos a um sítio, Ele chama-nos a pormo-nos a caminho. Pormo-nos a caminho,

não para Ele, não com Ele, mas n’Ele.

Outro sinal de confiança: quando Deus lhe anuncia que será o pai de uma multidão, Abraão e

Sara já tinham ultrapassado a idade de ter filhos. Ele é chamando a acreditar que isto é

possível, a acreditar que Deus tem razão, contra a evidência humana. Deus é o Senhor da vida,

como o foi na Criação e como o será na Ressurreição.

Enfim, Abraão dá testemunho de uma fé absoluta quando Deus lhe pede para sacrificar o seu

filho Isaac. Ele pede-lhe para lhe entregar muito mais do que a sua vida nas suas mãos. Ele

ordena-lhe que ofereça o que o faz pai, o que faz portanto, o seu «ser». Mas Deus não lhe

pede para matar Isaac, Ele pede-lhe para Lho oferecer. Não é a mesma coisa. Se Abraão lhe

pode dar o seu filho, é porque já se lhe deu todo. Abraão não depende senão de Deus. É o

abandono total de si mesmo. É a fé absoluta. Abraão vai até lá. Deus providencia o sacrifício

enviando-lhe um carneiro. Deus providenciará o sacrifício da humanidade, enviando o Seu

Filho Jesus, o Cordeiro de Deus.

A personagem de Abraão estende-se pela história inteira da Humanidade, que ele faz entrar na

História até à salvação, ao cumprimento, em Jesus Cristo, de quem ele é já anunciador.

David

David é uma das personagens centrais da Bíblia. Segundo rei de Israel, o seu reinado durará

quarenta anos, de 1010 a 970 antes de Jesus Cristo. Ele é sobretudo aquele do qual descendeu

o Cristo, “filho de David”, como é chamado com frequência no Evangelho.

David é o oitavo filho de Jessé, da tribo de Judá. Ele é ainda jovem quando Samuel vai a Belém

para encontrar aquele que Deus escolheu:” Vou enviar-te a Jessé, em Belém, porque escolhi

entre os seus filhos o rei que preciso. (1S 16, 1). Segundo a inspiração do Senhor, Samuel

recusa os sete primeiros rapazes que Jessé lhe apresenta. “Estão aqui todos os teus filhos?

“pergunta.” Não, falta David, o mais novo, que guarda o rebanho.” Samuel pede que o vá

buscar e reconhece nele o eleito de Deus. Unge-o, diante de todos os seus irmãos. (1S 16, 1-

13).

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Poeta, músico, tocador de cítara, David é chamado à corte de Saúl para, através do seus

cânticos, acalmar as angústias do rei. A Bíblia guarda numerosos textos que lhe são atribuídos,

especialmente os Salmos. Setenta e três de entre eles são da sua autoria.

David acompanha também o rei nas suas expedições de guerra. É no decurso de uma dessas

campanhas que um herói filisteu, Golias, vem durante quarenta dias desafiar os exércitos de

Saúl, clamando um adversário para um combate singular. David propõe defrontar-se com o

gigante. Recusa a couraça e a espada que Saúl lhe estende: a sua força está no Senhor, não nas

armas dos homens. E é com a própria espada de Golias que David corta a cabeça do seu

inimigo (1S 17). Esta última cena é simbólica: é a sua própria espada que lhe dá a morte, o seu

pecado.

A luta contra Saúl

Começa então para David um longo período de provações. Saúl, ciumento, desconfia dele:

Seria ele o que o iria substituir, tal como Samuel anunciara? Tenta matar David. Mas este

ajudado pela sua jovem esposa, Mical, a filha de Saúl e sobretudo pelo irmão desta, Jónatas,

escapa à morte. Quando David encontra Jónatas pela primeira vez, depois de ter morto Golias,

a amizade entre os dois homens é imediata: “Jónatas afeiçoou-se-lhe e gostava dele como de

si mesmo» (1S 18, 1). Assim, Jónatas protegeu muitas vezes David da perseguição do seu pai.

(Frequentemente associaram os dois homens a ponto de lhes conferir uma amizade

homossexual, talvez a partir de um versículo da lamentação que David compôs pela morte de

Saúl e dos seus filhos, mortos na batalha de Gelboé (ver chave 25): «A tua morte entristece-

me, por ti tenho o coração angustiado, meu irmão Jónatas. Eras-me deliciosamente querido, a

tua amizade era para mim mais maravilhosa que o amor das mulheres, (2S 1, 26)

Apesar dos momentos de reconciliação, Saúl encarniça-se contra David que acaba por se

refugiar junto dos seus inimigos filisteus e pactuar com eles.

O tempo da realeza

Só foi após a morte de Saúl que David pôde regressar e ser proclamado rei. Começa então para

ele um reinado glorioso. Conquista Jerusalém aos Jebuseus, fazendo dela a sua capital política

e religiosa. Estende o seu poder pelos povos vizinhos e, sobretudo, manda trazer para

Jerusalém a Arca da Aliança com a intenção de lhe mandar construir um templo.

O esplendor do reinado de David parece desmentir a profecia de Samuel (ver chave 24): o rei é

um benefício para Israel, o reino prospera e os inimigos recuam em todas as frentes. Mas as

coisas vão mudar. No momento em que Deus lhe concede uma nova vitória, David sucumbe a

uma tentação adúltera: deixa-se seduzir por Betsabé, a mulher de Urias, um dos seus generais.

Do rei, Betsabé espera uma criança. Ao princípio, David tenta esconder a sua falta, mas não o

conseguindo decide mandar matar o seu rival e casa com Betsabé. O seu filho morre (2S 11).

Mais tarde, terão um outro, Salomão (ver chave 28).

Desse dia, como proclama o profeta Natan «a espada não se afastará nunca mais da tua casa,

porque tu me desprezaste e tomaste a mulher de Urias, o Hitita, para a tornar tua mulher” (2S

12, 9-10).

David viverá até uma idade avançada mas o final do seu reinado é ensombrado por rivalidades

brutais entre os seus filhos. Pela insistência de Betsabé e de Natan, David designa o seu filho

Salomão como seu sucessor. Morre em 970.

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Jessé

Aqui está uma personagem cuja imagem é mais importante que a realidade. Jessé é o pai de

David. Ele é também o neto de Rute e Booz (ver chave 46). Sabe-se que habita Belém e que faz

parte dos Anciãos, pois foi convidado para o sacrifício que Samuel ia oferecer ao Senhor

naqueles lugares.

Sabe-se que teve pelo menos oito filhos, ou melhor sete mais um: se ele apresenta os sete

mais velhos a Samuel não pensa mostrar-lhe o mais pequeno, o último, David, que guarda as

ovelhas. Dois símbolos espantosos.

Os sete filhos representam o ideal humano, pois sete era o número da perfeição. O oitavo vem

pois, de certo modo, quebrar esta perfeição… É pois, ainda, “a pedra que os construtores

rejeitaram, será a pedra angular”.

Outro símbolo: a Bíblia diz claramente que ele guarda as ovelhas; ele é portanto pastor. Jessé,

sem se dar conta, indica que David, o pastor, irá tornar-se o rei de Israel, quer dizer o rei dos

judeus como estará indicado na cruz de Cristo. Jessé, pela sua atitude, é profeta, sem o saber.

Os exegetas, não se enganarão e farão dele uma das personagens importantes da História

sagrada, no seguimento das palavras de Isaías (11, 1-2): «Brotará uma vara do tronco de Jessé,

e um rebento brotará das suas raízes. Sobre ele repousará o espírito do Senhor.”

Job

Magnífica personagem de novela este Job. A sua história é muito simples. Aí está um homem

rico. Era “o personagem mais considerável ao leste da Palestina” diz o autor da narrativa

bíblica. É também um homem “irrepreensível, recto, fiel à Deus e que se mantém afastado do

mal”. Até aí, não há problema. E eis que um dia, prossegue o narrador, os anjos vêm

apresentar o seu relatório a Deus. Satan está entre eles. “De onde vens tu?” pergunta o

Senhor. “Acabo de dar uma pequena volta sobre terra… ” “ Observaste certamente o meu

servo Job. É um homem irrepreensível. É-me fiel!” Como verdadeiro “advogado do diabo”,

Satan finge interrogar-se: Job é realmente desinteressado? Deus mimou-o tanto, a ele e à sua

família… e põe o Senhor ao desafio “ousa tocar no que ele possui… aposto que te amaldiçoará!

”Desafio assinalado: “seja, responde-lhe Deus, podes dispôr de tudo o que ele possui, mas

guarda-te apenas de colocar a mão sobre ele.”

Surpreendente e maravilhoso diálogo que nos dá às vezes a Bíblia: diálogo no jardim do Éden

entre a mulher e a serpente, diálogo diante de Sodoma entre Abraão e o Senhor, diálogo entre

Jonas e Deus e quantos outros…

Satan envia, então, todas as desgraças do mundo a Job que perde os seus filhos, os seus bens e

a sua honra também… Com efeito, os seus amigos que vêem tantos males abater-se

abruptamente sobre ele pensam que ele não pode ser culpado de qualquer falta. E, depois, se

não é ele, são os seus filhos ou os seus antepassados…

Job defende-se, mas não convence. Sobretudo, chega a constatar que inocentes também são

vítimas da desgraça mais cruel. Pede então a Deus para se justificar: porquê tanto sofrimento?

E Deus remete-o ao seu lugar:

“Onde estava tu quando fundei a terra? Fale, se o teu saber for iluminado. Quem lhe fixou as

limites, sabê-lo-ia? […]. Alguma vez na tua vida, deste ordens à manhã? Remeteste a aurora ao

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seu posto, de modo que apreenda a terra pelos bordos e agite os maldosos? […] Penetraste até

às fontes marinhas, circundaste o Abismo? As portas da Morte foram-te mostradas, vistes os

porteiros do país da Sombra?” (Jb 38, 4-17).

Job compreendeu que ninguém pode sondar os pensamentos de Deus e reconhece-se

pequeno perante a sua grandeza: “Reconheço que tudo é possível para ti, reconheço que

nenhum projeto te pode embaraçar […] É por isso que retiro o que afirmava, reconheço ter

tido falta e humilho-me sentando-se na poeira e a cinza” (Jb 42). O Senhor, então, restabelece-

o. Dá-lhe filhos, amigos e a fortuna.

Esta narrativa que teria sido escrita pelo século V antes da nossa era - por conseguinte após o

período do exílio em Babilónia - é certamente um dos textos mais fortes da Bíblia, um dos mais

dramáticos no sentido literário do termo, um dos mais poéticos também. Job é o que enfrenta

o escândalo do mal. Mas esta história é frequentemente compreendida ao contrário:

recordamo-nos frequentemente de Job como um homem infeliz, enquanto que, com efeito,

saiu vencedor da prova. É também aquele que acaba por encontrar o seu verdadeiro lugar

perante Deus, um caminho que qualquer cristão é chamado a fazer. Da mesma maneira que o

povo de Deus, que teve e terá de atravessar provas temíveis desde a escravidão ou exílio até à

ocupação da sua terra.

Se esta história leva os seus leitores a interrogar-se, como o faz o próprio Job, sobre a razão do

mal e do sofrimento inocente, uma vez mais pode ser feita uma leitura mais ampla, a do lugar

do homem, e das suas interrogações fundamentais, em relação a Deus. É neste sentido que a

personagem de Job é realmente universal.

Rute

O livro de Rute também é muito curto: ocupa apenas algumas páginas da Bíblia. Foi Também

escrito no século v, após o Exílio, mesmo se conta uma história muito mais antiga. Rute é a

bisavó do rei David. É uma figura muito cativante, que dá uma muito bela lição de fidelidade,

generosidade e humildade para com o povo escolhido.

Mais uma vez, a história é simples. Um habitante de Belém, Elimélec, parte com a sua esposa

Noemi e os seus dois filhos para se instalar na terra dos moabitas. Aí, os seus dois filhos,

desposam jovens do país, contrariando a lei de Moisés. Morrem ambos sem filhos. Já viúva e

envelhecida, Noemi quer voltar para o país dos seus antepassados. Uma das suas noras, Rute,

deseja seguir a sua sogra. "«Onde tu fores, eu irei contigo e onde pernoitares, aí ficarei ; o teu

povo será o meu povo e o teu Deus será o meu Deus»." (Rt 1, 16) As duas mulheres partem

para Canaã, onde vivem pobremente nas terras de um parente afastado, Booz. Este toma a

estrangeira sob a sua proteção, admirando o que ela tinha feito por Noemi, mas ele faz muito

mais: percebendo que Rute é seu pai, decide casar-se com ela. Dá-lhe um filho, Obed, que será

o pai de Jessé, portanto o avô de David. É interessante, nessa história, notar que a Rute bisavó

de David, o antepassado de Cristo, é um estrangeiro, um moabita. Não nos esqueçamos que os

moabitas são descendentes de Lot, sobrinho de Abraão que o Senhor salvou da destruição de

Sodoma.

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A outra lição desta pequena história está ligada ao tempo da sua elaboração. De fato, os

israelitas após o Exílio tendem a debruçar-se sobre si mesmos e a não aceitar o estrangeiro.

Chega-se a expulsar as mulheres estrangeiras. Ora, para mostrar que David, o grande rei de

Israel, do qual descende o Salvador, nasceu de uma estrangeira, força o povo a reconhecer a

universalidade do amor de Deus.

Tobias

Este pequeno livro, que não foi retido no cânone judaico das escrituras santas, encontra-se

apenas na Bíblia de tradição católica. As aventuras de Tobias fazem intervir diversos outros

personagens, entre os quais o anjo Rafaell, que quer dizer “Deus cura”. Terminado pelo ano

200 a. C., o livro de Tobias data do fim da presença egípcia na Palestina. Uma vez mais, é uma

história cheia de ensinos cujo argumento é simples. Havia, na Alta Galileia, um homem justo e

recto, chamado Tobite. Vive com a sua mulher Ana e o seu filho Tobias. Ora, um dia de festa,

enquanto descansava sobre o terraço, caiu-lhe no olho um excremento de pássaro que o torna

cego. Tornado dependente dos seus, sofria e irritava-se com isso. Um dia, enquanto que

discutia uma vez mais com a sua mulher, esta repreende-o sobre a injustiça de Deus: “Para

que serviram as tuas boas obras? diz-lhe. Sabemos o que isto te trouxe.” A estas palavras,

Tobite foi tocado no mais profundo de si mesmo. Pede ao Senhor para o deixar morrer. O seu

sofrimento fê-lo perseguidor dos outros, contra a sua vontade, e particularmente, aquela que

ele ama. É insuportável.

No mesmo momento, na cidade de Ecbátana, uma jovem mulher, Sara, pede também a morte.

Está desesperada. Casada sete vezes, um terrível demónio matou-lhe, de cada vez, o seu

marido, antes que se unisse a ela. E a sua serva acusava-a. Deus ouviu estas duas orações, e

respondeu a cada uma à sua maneira. Tobite quer enviar o seu filho Tobias a recuperar uma

dívida importante num devedor – pode-se pensar aqui na dívida da humanidade para com

Deus. Procura-lhe um companheiro de viagem. Um jovem apresenta-se, e propõe os seus

serviços. Tobite ignora que se trata de um anjo do Senhor, Rafael. No caminho, Tobias pesca

um grande peixe, ao qual a conselho do seu companheiro, arranca a bílis, o coração e o fígado.

Faz paragem na família de Sara, a sua prima. Tobias sente-se seduzido e deseja casar com ela.

Na noite das núpcias, antes de reencontrar a sua mulher, queima sobre brasas de incenso o

coração e o fígado do peixe. “O cheiro do peixe afastou o demónio que fugiu para o Alto Egipto

(Tb 8, 1). É preciso saber que o Egipto era, então, considerado como o lugar de residência

habitual dos demónios, ou seja o inferno: a memória da escravatura está ainda bem presente

no coração do Israel…

Um pouco mais tarde, Tobias, que quer reencontrar os seus pais, volta a sua casa. Restam-lhe

as entranhas do peixe que pescou. Com a bílis, trata dos olhos de seu pai. Tobite recupera,

então a vista, os seus olhos abrem-se, pode de novo olhar o mundo, como Sara, liberta do

demónio pode enfim amar. É o mesmo peixe, este ser vindo das águas, lugar de origem da

vida, mas, ao mesmo tempo, de morte e de ressurreição pelo baptismo, que tratou dos dois

mais. Deus protege aqueles que o escutam e lhe rezam. Mas se durante muito tempo se fez da

história de Tobite uma história de amor e de fidelidade, que é, pode-se ler nela também a

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intervenção de Deus na vida de cada homem. Não há olhar humano, senão aquele olhar que

Deus dá ao homem. Todo o outro olhar que o homem tenha sobre os outros, se não é

humano, é, forçosamente, redutor e pode arrastar a morte. Devemos ver como Deus vê,

devemos amar como Deus ama.

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O Novo Testamento

José «Que Deus adiciona» (outras crianças)

Incrível homem este José, quase desconhecido uma vez que pertence à linhagem do rei David.

É o evangelho segundo Mateus que fornece esta precisão: desde a sua primeira frase, Jesus é

reconhecido descendente de Abraão e de David do lado de José. Por José, Jesus é situado no

seio do povo judeu, o povo de Deus.

José é noivo de Maria e eis que a sua prometida está grávida. Quando uma jovem virgem

concedida a um homem se encontrava neste estado antes que eles tivessem tido vida em

comum, ela devia ser apedrejada. Discreto, direito, José considera mais legítimo repudiá-la

secretamente, abafar o caso. Mas não pode ser! Se o casamento é posto em causa, o que o

Evangelho apresenta como o projeto de Deus, a colocação no mundo do seu filho como um

filho de homem, é comprometida por esta decisão.

Aquele que entende os chamamentos de Deus

Eis porque um anjo do Senhor aparece num sonho a José (Mt 1, 18-25). Porque só Deus pode

levar José a assumir esta paternidade e assim, integrá-la na linha das personagens ungidas, dos

messias como David.

Cabe ao pai dar o nome ao filho. O anjo revela-o a José: Jesus («Deus salva»), indicando desta

forma a sua missão: salvar o seu povo, colocá-lo no caminho de Deus. Deus e José dão a sua

identidade ao bebé que vai nascer: Jesus ben José, filho de José (é provavelmente assim que o

chamam os seus contemporâneos). Em bom Judeu, José escuta a mensagem e adota a criança

que nasce em Belém, a aldeia dos antepassados, pois é lá que o novo chefe de família se vai

recensear.

Mais tarde, o anjo do Senhor aparece novamente num sonho, a José, para lhe ordenar para

fugir para o Egito, esconder Jesus até à morte de Herodes. Já que herodes, o poderoso rei dos

Judeus está desconfiado. Os magos anunciaram-lhe o nascimento de um novo rei e os seus

conselheiros confirmaram-lhe a notícia. Dois reis para um só povo, um está a mais. Herodes

envia os seus soldados a Belém massacrar todos os rapazes com menos de dois anos. Este

episódio tem como objetivo, sublinhar uma semelhança: de um lado, Moisés salvo das águas,

escapando à crueldade do Faraó, depois conduzindo o povo para a Terra Prometida; do outro,

Jesus evitando a crueldade de Herodes através da fuga para o Egito antes de regressar à terra

de Israel. É uma maneira de dizer: Jesus é o novo Moisés.

Na altura da morte de Herodes, pela terceira vez o anjo de Deus aparece a José num sonho,

desta vez para lhe indicar que pode tomar o caminho de regresso com Maria e o Menino.

Assim, o evangelho segundo Mateus dá a José o papel daquele que entende os chamamentos

de Deus e salva… o Salvador.

Podemos supor que José se parecia com todos os pais judeus, rezando com a sua esposa e o

seu filho antes e depois de cada refeição, ensinando Jesus a respeitar a lei da Aliança,

transmitindo a sabedoria dos Anciãos, experimentando sem dúvida as alegrias e as tristezas de

todos os pais. Como prova, a peregrinação familiar da Páscoa até Jerusalém quando Jesus tem

12 anos (Lc 2, 41-50). No caminho de regresso, José e Maria apercebem-se que o filho não está

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nem com os familiares nem com os conhecidos. Voltando para trás, encontram-no no Templo

no meio dos rabinos instruídos. Ele escuta-os a explicarem a Bíblia. Coloca questões e avança

com as suas próprias ideias sobre Deus, espantando os mestres. Maria, comovida, culpa-o:

«Porque fizeste isto? Teu pai e eu andávamos à tua procura, angustiados.» E a resposta,

contundente para José cria uma distância sagrada entre este homem e Jesus: «Porque me

procuráveis? Não sabíeis que devia estar junto de meu Pai?»

De José, não sabemos mais nada. Como ele não intervém jamais na «vida pública» de Jesus,

imaginamos que, mais velho do que Maria, morreu cedo.

Maria «aquela que vê»

Mãe de Jesus, mãe de Deus… estes títulos merecem uma explicação! As informações sobre a

sua infância provêm dos evangelhos apócrifos. Uma vez retirado o leite da mama, com 3 anos,

os seus pais tê-la-iam apresentado no Templo em Jerusalém, bem longe da sua morada em

Nazaré, para que ela habitasse com as virgens que louvavam Deus noite e dia. Lá ela descobre

a história do seu povo, aprende de coração os trechos da Lei, celebra as grandes festas: a

Páscoa, o Pentecostes (festa do dom da Lei), a festa das Tendas…

Com 12 anos, ela terá deixado o Templo para ser confiada a um homem velho de nome José, já

pai de vários filhos.

Mais seriamente, podemos afirmar que Maria era uma criança judia de Nazaré, um grande

lugarejo meio troglodita perdido nas colinas da Galileia. Garota, ainda virgem, foi «dada em

casamento» a José. Na época, a partir dos 12 anos, uma rapariga podia ser prometida a um

homem mas ficava na casa dos pais um certo tempo antes de fazer vida em comum com o seu

esposo. Eis esta jovem rapariga grávida antes de se ter juntado no teto conjugal, grávida «pela

ação do Espírito de Deus».

Nas mitologias, muitos deuses desciam à terra para se acasalarem com uma humana. Daí

resultava o nascimento de meio-deuses como Perseu, filho de Zeus e de Danae. A história do

nascimento de Jesus poderia ser compreendida como uma adaptação cristã do mesmo

cenário: Deus apaixona-se por Maria e o fruto dos seus amores é um meio-deus. Não é o caso.

Narrando o parto de Maria, o cristianismo afirma que Jesus, verdadeiro Deus, é um verdadeiro

homem, colocado no mundo por uma mulher, que ele vive uma existência real de homem com

um nascimento e uma morte.

O evangelho segundo Lucas indica que um anjo, Gabriel, anuncia a Maria que ela pode-se

alegrar: amada por Deus, ela vai conceber um rapaz que será chamado Filho de Deus, porque o

Espírito de Deus que o faz nascer virá sobre ela (Lc 1, 26-35). O texto especifica que ela está

perturbada. E tem de quê! Mas maria é uma crente sincera.

Maria, «Mãe dos crentes»

Maria confia. Ela lança-se de corpo e alma à aventura. E que aventura!

Como qualquer mãe, Maria vê Jesus crescer fisicamente, psicologicamente, espiritualmente.

Os evangelhos sugerem que ela nem sempre compreende porque é que o seu filho fala de

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Deus como um filho fala do seu pai. Mas ela deixa estas palavras fazerem caminho no seu

coração.

O evangelho segundo João mostra Maria junto de seu filho no início da sua «vida pública», em

Caná (Jn 2, 1-12). É dia de casamento, a festa está no auge e o vinho falta. Maria intervem

então como que para levar o seu filho a agir. Com uma autoridade tranquila, ela pede aos

criados para fazerem tudo o que ele disser. Jesus ordena-lhes para encherem os vasos com

água. Eles obedecem e quando levam um jarro ao mestre da refeição, é vinho e do melhor.

Esta refeição que festeja uma aliança é, segundo João, o primeiro sinal de Jesus e Maria está

presente.

Depois, os evangelhos não revelam mais nada de especial. Ela aparece em Cafarnaum (Jo 2, 12;

Mc 3, 31) e de pé junto da cruz, quando o seu filho agonisa e morre. Jesus confia-a a João: «Eis

a tua mãe» e o discípulo recolhe-a (Jo 19, 26-27). Desde então, Maria é chamada «Mãe dos

crentes».

Maria recebeu o corpo de seu filho nos braços quando o desceram da cruz, como mostram

numerosas pinturas? Acompanhou-o até ao seu túmulo? Viu-o ressuscitado? Ninguém pode

responder. Nas Escrituras oficiais, Maria só reaparece uma vez no livro dos Actos (1, 14) que a

mostram assídua à oração ao lado do grupo dos Apóstolos. Portanto é provável que ela

estivesse presente aquando do Pentecostes e da vinda do Espírito Santo. Finalmente, o livro do

Apocalipse evoca Maria à sua maneira: uma mulher vestida de sol, coroada de doze estrelas

(Ap 12).

Se o apóstolo João a acolheu em sua casa como Jesus lhe tinha pedido, Maria teve que

permanecer um tempo em Jerusalém antes de o seguir nas suas viagens, em particular a Éfeso

(Turquia atual), onde visitamos uma «casa de Maria». Ela terá vivido aí até à sua morte, da

qual não sabemos nada. Somente um texto apócrifo narra que ela morreu rodeada pelos

Apóstolos e que no momento do seu enterro, Cristo apareceu acompanhado por anjos. Ele

ressuscitou-a e os anjos levaram-na ao paraíso. É a origem do que nós chamamos a

«Dormição» e da «Assunção», proclamada dogma católico em 1950 pelo papa Pie XII.

Ana, a avó de Jesus

Não se sabe nada de Ana. No entanto, a avó materna de Jesus é uma santa respeitada,

frequentemente representada por escultores e pintores. Ana e Joaquim, seu esposo, são

venerados desde há muito tempo no Oriente e passaram a sê-lo no Ocidente depois das

cruzadas. Santa Ana é a padroeira da Bretagne e do Québec, onde é particularmente

respeitada pelas nações indígenas, para quem a avó é a pessoa-chave da família.

Os relatos sobre Ana e Joaquim são narrados nos textos apócrifos: Protoevangelho de Jacques,

evangelho do pseudo Mateus, evangelho da natividade de Maria.

Casada com Joaquim, provavelmente um fazendeiro de Nazaré, ela permanece sem ter filhos,

sinal de que o Senhor não abençoou esta união. Reduzido ao desespero, Joaquim foge para as

colinas da Galileia com o seu rebanho e permanece lá, errante, 40 dias e 40 noites, uma

eternidade! Ana, fica sozinha, chora. Uma noite, um homem chama-a. É o anjo do Senhor que

a adverte: Joaquim breve estará de regresso e ela vai ser mãe. Ana coloca no mundo uma filha,

que recebe o nome de Miriam (Maria).

12

Maria, mãe de Deus

Se Deus tem uma mãe, ela precede-o, ele não é mais o Criador! Se Jesus é o Filho de Deus e

Maria é a mãe de Deus, Maria não é mais a mãe de Jesus mas a sua avó! Por detrás da atenção

dada ao título de Maria, a verdadeira questão é o mistério da encarnação. A história deste

título começa em Alexandria, no Egipto, cerca de 320. O Bispo lança a expressão: Maria,

«aquela que gera Deus». Um século mais tarde, em 428, o Bispo de Constantinopla, Nestorius,

pega-se com a piedade popular que fala de Maria como «mãe de Deus». Ele não aceita este

termo que não está nas escrituras. Para ele, Maria não pode ser mãe de Deus mas somente

mãe do homem Jesus, sublinhando assim as duas naturezas de Jesus, verdadeiro homem e

verdadeiro Deus. Ora os cristãos de Alexandria e o seu Bispo Cyrille, não estavam de acordo

com a fórmula «duas naturezas» e insistiam na unidade de Cristo, Deus feito homem. De um

golpe, Théodose II, o imperador romano do Oriente, convoca um concílio em Éfeso em 431.

Cyrille de Alexandria e os seus apoiantes condenam Nestorius antes da sua chegada e partem.

E Nestorius e os seus condenam os primeiros. Portanto, toda a gente condenou toda a gente.

Mas ainda assim há um resultado: o qualificativo «mãe de Deus» aplicado a Maria não será

mais contestado. Dois anos mais tarde, um ato de união é assinado: «Nós confessamos que a

Santa Virgem é mãe de Deus porque o verbo de Deus fez-se carne e fez-se homem». Por

outras palavras, Maria não é somente a mãe do homem Jesus, uma vez que, em Jesus, o

homem não é separável de Deus.

Zacarias «Deus lembra-se»

Zacarias é o esposo de Isabel, a prima de Maria. Ele é um dos 7200 sacerdotes do Templo de

Jerusalém, que é segundo a Bíblia a morada de Deus no meio do seu povo.

É no coração do Templo que Zacarias efetua o seu serviço. Duas vezes por ano, durante uma

semana, com os sacerdotes da sua classe sacerdotal, ele abre as portas, limpa ou oferece

sacrifícios. Mas naquele dia, Zacarias é escolhido à sorte para desempenhar uma tarefa tão

prestigiosa que ele só a poderá efetuar uma única vez na sua vida: a oferta de incenso de

manhã e à noite. Ele avança, acompanhado por dois assistentes, um levando os carvões a

arder sobre uma pá de ouro, o outro o incenso. Quando o criado colocou os carvões sobre o

altar, Zacarias deita-lhe o incenso e uma fumaça sobe, supostamente para proteger o homem

da presença divina muito próxima. Imaginamo-lo vestido de branco, descalço, com o vaso do

incenso nos braços, emocionado e atento. E eis que o anjo Gabriel lhe aparece, à direita do

altar. «Vendo-o, Zacarias perturbou-se e o medo abateu-se sobre ele». Compreendêmo-lo! O

anjo tranquiliza-o e anuncia-lhe: «A tua mulher Isabel dará à luz um filho e tu dar-lhe-ás o

nome de João. Terás júbilo e alegria e muitos se alegrarão pelo seu nascimento. Porque ele

será grande diante do Senhor… e será cheio do Espírito Santo desde o ventre de sua mãe…»

(Lc 1, 11-17).

O velho sacerdote permanece quieto. Duvida e pede um sinal. Isto é um castigo pela sua

incredulidade? O sinal marca-se na sua carne: fica surdo e mudo. Depois de uma breve oração,

Zacarias teria que sair para abençoar o povo que estava à espera. Quando Zacarias aparece

13

finalmente, «ele não lhes podia falar e eles compreenderam que ele tinha tido uma visão no

santuário.» (Lc 1,18-22).

Nove meses mais tarde, a criança vem ao mundo. Com oito dias, deve ser circuncidado.

Quando os convidados perguntam como se chama, Zacarias, sempre mudo, escreve numa

tabuazinha: «João é o seu nome». Um nome totalmente estrangeiro para a família, e portanto

para a tradição, que obrigava os pais a escolhê-lo entre os dos ascendentes. É o sinal de que

Zacarias admite as palavras do anjo, volta à confiança. De repente, «a sua boca abriu-se, e a

sua língua soltou-se, e ele falou». O evangelho segundo Lucas coloca na sua boca um cântico

poético que bendiz Deus e canta a vinda do messias anunciada por João. Chamamos-lhe o

Benedictus, tradução em latim do seu primeiro nome: «Bendito» (Lc 1, 67-79).

João Batista «Deus dá a graça»

Ele é o pioneiro, o desbravador. Filho de Zacarias e de Isabel, João entra em cena antes mesmo

de nascer: três meses antes de seu nascimento, ele "saltou de alegria" no seio da sua mãe

quando recebeu a visita de Maria. O menino nasce seis meses antes de Jesus numa aldeia das

montanhas da Judeia, e toda a vizinhança se alegra. Oito dias mais tarde, é circuncidado e

recebe o seu nome: João. Na Palestina do primeiro século, um movimento procura renovar o

judaísmo: os batistas. Eles pensam ter chegado a hora do Messias. Para eles, a conversão do

coração e o batismo, que dela é sinal (daí seu nome), são mais importantes do que a estrita

obediência à lei de Moisés e o culto no Templo.

No entanto, sendo filho de sacerdote, João devia frequentar o Templo de Jerusalém. Em vez

disso, é um contestatário. Vestido com uma túnica de pele de animal, como anteriormente o

profeta Elias, alimentando-se de mel e de gafanhotos, instala-se no deserto da Judeia, a sul do

oásis de Jericó, perto do rio Jordão. No ano 15 do governo do imperador Tibério, por volta do

ano 27 da nossa era, torna-se pregador batista influente. O escritor romano Flávio Josefo, que

conhecia bem os batistas, por os ter frequentado na sua juventude, escreveu nas Antiguidades

Judaicas: "Ele era um homem de bem que incitava os Judeus à virtude, à justiça uns para com

os outros, à piedade para com Deus para receberem o batismo... À volta de João, reuniu-se

uma grande quantidade de gente que o ouvia com grande entusiasmo."

Duro, quase mesmo ameaçador, João anuncia a iminência do reino de Deus. Convida as

pessoas de todas as classes e de todos os lugares, judeus ou não, que vêm ter com ele, a que

se arrependam dos seus erros e se convertam. Propõe-lhes que, depois de tirarem as sandálias

e as roupas - símbolos de que se despojam -, entrem no rio para serem batizados, como sinal

de conversão, e dele saírem "recriados", para começarem uma vida nova.

O batismo dado por João não é um simples rito de purificação, renovável sempre que

necessário. É uma maneira de ser regenerado para se preparar para o encontro com o Messias

de Deus, com Deus. Ele está tão convencido e é tão convincente que alguns se perguntam se

ele não é o próprio Messias, o Cristo. As autoridades de Jerusalém enviam sacerdotes

perguntar quem é ele exatamente. A resposta de João é clara: "Eu não sou Cristo... Aquele que

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vem após mim é maior do que eu, e eu não sou digno de desatar a correia das suas sandálias"

(Jo 1, 19-28). João apenas prepara o caminho e anuncia Jesus Cristo.

Quando Jesus pede a João que o batize, este recusa: "Eu é que preciso de ser batizado por ti."

Mas Jesus insiste: "deixa por agora, convém que cumpramos assim toda a justiça..." (Mt 3).

João batiza Jesus e, mais tarde, diz: "Eu vi o Espírito Santo descer do céu como uma pomba e

permanecer sobre Ele... Sou testemunha de que Ele é o Filho de Deus " (Jo 1, 32-34) … E é

entre os fiéis de João que Jesus recruta os seus primeiros discípulos (Jo 1, 35-40).

Um aviso: a execução de João

Ao questionar práticas do judaísmo, João faz inimigos entre os poderosos. Censura o próprio

governante Herodes Antipas, acusando-o de se ter casado ilegalmente com a esposa de seu

irmão, a sua cunhada Herodíade. Em consequência disto, João é preso.

No entanto, Herodes Antipas tarda em executá-lo porque, segundo o Evangelho de Marcos (6,

20-29): "Herodes temia João e, sabendo que era um homem justo e santo, protegia-o..." Mas,

por ocasião do seu banquete de aniversário, provavelmente no ano 29, Herodes,

impressionado com sua sobrinha Salomé, filha de Herodíade, que dançou diante dele, para lhe

agradecer prometeu dar-lhe o que ela lhe pedisse; Salomé, a conselho de sua mãe, pediu a

cabeça de João. Ela foi-lhe trazida num prato.

A versão de Flávio Josefo é provavelmente mais próxima da realidade "Muitas pessoas se

reuniam à volta de João e exaltavam-se ao ouvi-lo falar. Herodes temia que tal poder de

persuasão suscitasse uma revolta, pois a multidão parecia pronta a seguir tudo o que este

homem lhe aconselhasse. Preferiu capturá-lo, antes que houvesse qualquer tumulto por causa

dele e mais tarde se viesse a arrepender, caso se gerasse um movimento que pusesse em

perigo o seu governo. Devido a estas suspeitas de Herodes, João foi enviado para a fortaleza

de Maqueronte, onde foi morto" (Antiguidades Judaicas, XVIII).

Assim termina a história de João Batista. Alguns de seus discípulos levaram o seu corpo e

deram-lhe sepultura. Na sala de oração da grande mesquita em Damasco, ainda hoje se

podem ver muçulmanos e cristãos reunidos diante de um túmulo que consideram conter a

cabeça de João Batista.

A sua execução deve ter soado como um aviso para Jesus que também inquieta as

autoridades. Jesus, enquanto João estava na prisão, disse a seu respeito: "Mais do que um

profeta, é aquele de quem está escrito: Eis que eu envio o Meu mensageiro diante de Ti, para

Te preparar caminho..." (Mt 11, 10).

Cristo, Messias, duas palavras com o mesmo sentido

A palavra de hebraica original "messias" significa "ungido". A sua tradução em grego é a

palavra "Cristo". Até ao século XI antes da nossa era, o povo de Israel só a Deus aceitava como

rei. Quando a nação se organizou, as pessoas pediram um rei, como tinham os povos vizinhos.

Chegaram a um compromisso: Israel teria um rei "ungido", sinal de que Deus o tinha escolhido.

Um homem respeitado derramava óleo sobre a cabeça do rei, lembrando-lhe que, ao penetrar

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na sua pele, este óleo era sinal de que o Espírito de Deus entrava nele. Assim aconteceu com

Saul, David, Salomão...

Na época de Jesus, muitos esperavam um Messias que restaurasse o reino temporal de Israel.

No entanto, na tradição judaica, o "messianismo" era a espera de um rei-messias que faria

reinar a paz, a justiça e a fraternidade na Terra inteira. Por isso, todas as nações

reconheceriam o Deus dos judeus como seu Deus e assim se cumpriria a vocação de Israel: ser

testemunha da aliança de Deus com toda a humanidade.

No primeiro século, os líderes religiosos judeus tinham a este respeito uma ideia bem definida,

à qual Jesus não correspondia. Houve, todavia, judeus que reconheceram Jesus como o

Messias, se tornaram cristãos e Lhe passaram a chamar Jesus Cristo.

Um centurião

A fé de um pagão

O centurião é um oficial subalterno, o topo da hierarquia que um simples soldado pode

esperar atingir. Vários centuriões intervêm no Novo Testamento.

O centurião de Cafarnaum (Mt 8, 5-13 e Lc 7, 1-10)

O escravo deste homem está atingido de paralisia e todos os seus membros tremem. O

centurião vem ao encontro de Jesus e suplica-lhe que intervenha. Jesus parece espantado.

Então o centurião exprime-se mais claramente: «Senhor, eu não sou digno de que tu entres

em minha casa, mas diz uma só palavra e o meu criado será curado». Segundo os critérios da

religião judaica, o centurião, pagão, está excluído do Reino; um judeu que entra na casa de um

pagão torna-se impuro. Mais profundamente ainda, o militar confessa solicitar um auxílio ao

qual não tem qualquer direito.

Mas a sua confiança é enorme: aos seus olhos, a palavra de Jesus tem um poder libertador. E

até sabe porquê. Enquanto centurião, ele está submetido à autoridade do seu superior, que

representa o imperador divinizado. Quando não estão na guerra, os soldados fazem manobras.

E se ele, um pequeno oficial, obtém a obediência dos seus homens, é porque as suas ordens

derivam das determinações do imperador. Então, com maior razão, se Jesus recebe a sua

autoridade de Deus, ele pode vencer a doença.

Jesus admire essa confiança. Não só o soldado acredita que Jesus pode curar, mesmo à

distância, mas acredita que a autoridade de Jesus vem de Deus. Cristo afirma: «Em ninguém

em Israel encontrei semelhante fé». Esta fé contrasta com a incredulidade dos judeus.

Este episódio é sobretudo uma promessa: o que conta não é fazer parte de um povo, mesmo

aliado de Deus ; é a confiança. Deus chama todos os homens, seja qual for a sua origem, para

entrarem na sua família e viverem junto dele.

O centurião junto da cruz (Mc 15, 39)

Nessa tarde, à hora em que Jesus morre, há um homem que não fica indiferente; é um outro

centurião. Exclama: «Na verdade, este homem era filho de Deus»!

16

Aos olhos das autoridades judaicas, dos melhores conhecedores da Bíblia, a morte de Jesus é

afinal a prova de que ele não passa de um falso messias. Com as palavras deste centurião, o

evangelho segundo Marcos sublinha a fé dos cristãos vindos do paganismo.

De certa forma, os cristãos de hoje são descendentes destes centuriões. É por isso que

repetem as palavras desses anónimos, guardadas nas memórias como uma herança preciosa.

O exército romano

Na época de Jesus, os Romanos vivem sob o regime do Império. O primeiro imperador,

Augusto, reina de 27 a.C. a 14 d.C. Seguiu-se-lhe Tibério, de 14 à 37. O imperador concentra

todos os poderes: político, judicial, financeiro, religioso; é o chefe da religião nacional e torna-

se um homem feito deus. Concentra também os poderes militares como generalíssimo dos

exércitos.

O exército romano é um exército profissional, dividido em legiões de infantaria comandadas

cada uma por um oficial general experiente, o legado. Cada legião está associada a um

destacamento de cavalaria.

Uma legião é constituída por dez coortes de seiscentos homens comandadas por dez tribunos.

Cada coorte compreende dois manípulos subdivididos em três centúrias de cem homens cada

uma.

Cada centúria é comandada por um centurião.

Marta A dona de casa ativa

Jesus entra numa aldeia, Betânia, próxima de Jerusalém. É aí que vive Marta, com a sua irmã

Maria e o seu irmão Lázaro. Convida Jesus a entrar na sua casa. Maria senta-se logo para

escutar Jesus, mas não mexe um dedo para o servir. Marta, como boa dona de casa, anda

atarefada, prepara a refeição em honra do seu convidado, mas não o escuta. De repente

zanga-se, censurando mesmo Jesus: «Não te incomoda que a minha irmã me deixe fazer o

trabalho todo?» Estranha forma de exercer a hospitalidade, arrastando o convidado para uma

discussão de família! Jesus responde-lhe: «Marta, andas inquieta e perturbada com muitas

coisas; mas uma só é necessária. Maria escolheu a melhor parte»: escutar-me. (Lc 10,

38-42).

«Quem crê em mim, mesmo que tenha morrido, viverá»

Voltamos a encontrar Marta no evangelho segundo João (11, 1-44). O seu irmão, Lázaro, está

gravemente doente. Marta e Maria pedem ajuda a Jesus, mas quando ele chega a Betânia,

Lázaro já está morto e enterrado. Ao ouvir anunciar a chegada de Jesus, Marta vai ao seu

encontro, uma tradição de hospitalidade. Parece censurá-lo pelo seu atraso: «Se cá estivesses,

o meu irmão não teria morrido!» mas acrescenta, sublinhando a cumplicidade entre Jesus e

Deus: «mas sei que tudo o que pedires a Deus, Deus to concederá». Jesus fala-lhe então de

ressurreição. Marta, como judia piedosa, pensa na ressurreição no último dia e esse longínquo

17

desfecho não alivia o seu desgosto. Então Jesus diz-lhe: «Eu sou a ressurreição. Quem crê em

mim, mesmo que tenha morrido, viverá» e pergunta-lhe: «Crês nisto ?» Marta aceita esta

revelação. Passa então do «sei» ao «creio». Reconhece em Jesus o Messias e o Filho de Deus,

fonte de vida. Marta proclamou a sua fé. Marta disse tudo.

Uma tradição relata que cerca de dez anos depois da ressurreição de Cristo, Marta

desembarca na Camarga, no lugar chamado hoje Les-Saintes-Marie-de-la-Mer, com a irmã,

Lázaro, Maria de Magdala e outras mulheres. Evangeliza a região de Avignon. Em Tarascon,

vence um dragão que semeava o terror, a famosa tarasca, símbolo do paganismo. É por essa

razão que Marta é a padroeira da cidade.

Maria de Betânia, aquela que escuta com atenção

É a irmã de Marta e de Lázaro. É aquela que, por ocasião do seu encontro com Jesus, em casa

dela, em Betânia, se senta para o ouvir, mas não faz nada para o servir. Instala-se aos pés de

Jesus e não perde uma única das palavras que saem da sua boca. Nesse dia, ela encontrou a

coisa melhor para fazer e ninguém lha pode tirar (Lc 10, 38-42). O evangelista destaca aqui

dois comportamentos espirituais: com Marta a ação, com Maria a contemplação.

Dois outros episódios evangélicos completam este retrato.

Lázaro está morto e enterrado. Maria está em sua casa, rodeada de amigos, de vizinhos que

vieram consolá-la. Marta foi ao encontro de Jesus; a conversa que tiveram a propósito de

Lázaro é uma revelação: compreendeu quem é Jesus e previne Maria: «O mestre está cá e

chama-te». Maria vai imediatamente ter com ele. Como Marta, chama-lhe «Senhor». Como

Marta, na sua grande tristeza, censura-o pela sua ausência. Soluça. Perturba Jesus. Envolve-o

no seu desgosto. Jesus chora (Jo 11, 32-37).

Mais tarde, quando Jesus sobe a Jerusalém para as festas, talvez tenha feito uma paragem em

Betânia em casa dos seus amigos. Ignora-se em casa de quem se realizou uma refeição dada

em honra de Lázaro nesse ano, seis dias antes da Páscoa. Jesus é convidado. Marta serve, mais

uma vez. Maria derrama abundantemente perfume nos pés de Jesus, para grande irritação de

Judas, depois enxuga-os com os seus cabelos. É um perfume intenso, de grande qualidade,

toda a casa fica cheia com o seu aroma (Jo 12, 1-11). Para a maior parte dos exegetas, essa

«unção de Betânia» é um episódio diferente daquele que é contado no evangelho segundo

Lucas (7, 36-50): a pecadora em casa de Simão, o fariseu, não deve ser identificada nem com

Maria de Betânia nem com Maria de Magdala. Outros sustentam que estas três mulheres são

uma mesma e única pessoa.

O evangelista sublinha nesta ação uma antecipação do ato de embalsamar o cadáver de Jesus,

portanto da sua morte alguns dias mais tarde? Maria parece pressentir que, por causa de

Lázaro, Jesus, cada vez mais reconhecido, está em grande perigo. Com este gesto, ela diz-lhe

quanto o ama e respeita. Diz-lhe também adeus.

18

Maria de Magdala Primeira testemunha da Ressurreição

Conhecida pelo nome de Maria Madalena, é natural de Magdala, uma cidade opulenta na

margem ocidental do lago de Tiberíades. Segundo os evangelhos (Mc 16, 9 e Lc 8, 2), foi

libertada por Jesus de «sete demónios»; o que equivale a dizer que estava totalmente

possuída... Hoje, falar-se-ia antes de uma grave doença psíquica. A tradição, persistente, que

fez dela uma grande pecadora não se justifica. O que sabemos é que, desde a sua cura, nunca

mais deixa Jesus. Acompanha-o, a ele e aos Doze, da Galileia ao Gólgota.

Enquanto os apóstolos, exceto João, se escondem, Maria de Magdala está lá quando Jesus é

crucificado. Testemunha da sua morte, está presente quando é sepultado (Mt 27, 61), vê onde

o corpo é colocado (Mc 15, 47) e como é colocado (Lc 23, 55).

Se os evangelistas não estão de acordo quanto ao número de mulheres que vão ao túmulo na

madrugada do primeiro dia da semana, todos assinalam a presença de Maria de Magdala e em

três narrativas (Mt 28, 8-10; Mc 16, 9; Jo 20, 11-18), ela é a primeira a encontrar-se com Jesus

ressuscitado.

O evangelho segundo João centra-se apenas nela e demora-se no encontro pessoal entre

Maria e Jesus. Maria descobriu o túmulo aberto; corre a prevenir Pedro e um outro discípulo.

Os dois homens constatam a ausência do corpo e vão-se embora. Maria fica sozinha e chora,

persuadida de que alguém levou o corpo. Dois anjos, depois um homem que ela toma por um

jardineiro perguntam-lhe porque chora. Como se o desgosto a tivesse tornado cega, não

reconhece Jesus.

Será que pressente de repente que o impossível acontece? Quando ouve Jesus chamar-lhe

«Maria», volta-se: «Rabbuni». Tem lugar então uma brusca reviravolta, uma conversão

(conversio, em latim, significa voltar-se)...ou quase. Porque ainda são necessários alguns

minutos para ela aprender a viver uma outra relação com Jesus que lhe pede literalmente:

«não me toques mais», que é traduzido a maior parte das vezes por «não me retenhas» (Jo 20,

17).

A apóstola dos apóstolos

Maria é a primeira a encontrar Jesus Cristo vivo, a primeira que ele envia a anunciar a sua

ressurreição. Os Padres da Igreja sublinharam esse papel de testemunha privilegiada da

ressurreição. Hipólito de Roma (século III) chama-lhe mesmo «apóstola dos apóstolos».

Maria de Magdala, que se tornou Maria Madalena, ocupou sempre um lugar importante para

os cristãos e muitas narrativas mais ou menos lendárias foram enxertadas nos textos

canónicos. O seu culto começa assim no século VI em Éfeso, onde Gregório de Tours situa o

seu túmulo, antes do corpo da santa ter sido, segundo se diz, transferido para Constantinopla.

Mas há uma outra tradição bem diferente. Segundo A Lenda dourada (século XIII), Maria

Madalena, depois de ter aportado a Saintes-Maries-de-la-Mer, teria evangelizado Marselha e

depois ter-se-ia retirado para uma gruta do maciço de Sainte-Baume, acabando a sua vida em

oração até ser levada para o céu por anjos.

19

José de Arimateia

Este José é mencionado nos quatro evangelhos, no momento da morte de Jesus (Mt 27, 57-60;

Mc 15, 43-46; Lc 23, 50-54; Jo 19, 38-42). É natural de Arimateia, identificada com a cidade de

Ramathaim, a 14 km a nordeste de Lod (a antiga Lydda) e lugar provável do nascimento de

Samuel (1Sm 1, 1).

Membro do Sinédrio, José é discípulo de Jesus, tal como o seu colega Nicodemos, mas em

segredo por medo das autoridades judaicas. Segundo o evangelho de Lucas, espera o reino de

Deus e, como homem justo, não concordou com a condenação de Jesus no decorrer do

processo. Deve ser rico para mandar escavar um túmulo num rochedo às portas de Jerusalém,

provavelmente na antiga pedreira próxima do Gólgota, transformada em jardim. Encontrava-

se aí uma pequena necrópole, o que explica a presença de nove outros túmulos hoje em dia na

basílica do Santo Sepulcro.

José é um homem bom e ousado. Chega ao lugar na tarde da crucifixão de Jesus. Constatando

a morte do condenado, atreve-se a ir ao palácio de Pilatos reclamar o corpo ao prefeito. No

evangelho apócrifo de Pedro (século II), pede-o mesmo antes da crucifixão! A diligência é

perigosa, os próprios apóstolos fugiram. Com este gesto, José exclui-se de entre os notáveis

bem vistos e arrisca-se fortemente a ser contado entre o número dos discípulos do Nazareno

pelos responsáveis religiosos que acabam de se desembaraçar do suposto messias. Pilatos

obtém a confirmação da morte de Jesus e concede o cadáver a José. Então este compra um

lençol, desce o corpo da cruz, envolve-o no lençol e coloca-o no seu túmulo completamente

novo.

Segundo João, Nicodemos vai ter com ele, levando mais de trinta e dois quilos de mirra e aloés

para embalsamar e perfumar o corpo antes de o envolver em ligaduras. Eis assim José de

Arimateia e Nicodemos reunidos no luto e no segredo da sua fé. O Novo Testamento só diz

isto.

A partir do século IV, foram elaboradas numerosas lendas à volta de José de Arimateia que,

espantosamente, se torna até num irmão mais novo de Joaquim, pai da Virgem Maria. Um

apócrifo do século V, o evangelho de Nicodemos, conta que os notáveis de entre os judeus

censuraram o comportamento de José e de Nicodemos e lançaram José na prisão. Libertado

milagrosamente por Jesus, grita-o por todo o lado e converte os seus ouvintes.

Na Idade Média a lenda ainda se enriqueceu mais. José teria lavado o corpo de Jesus e

recolhido o seu sangue. A seguir, teria fugido da perseguição que se fez sentir em Jerusalém no

ano 34 e desembarcado em Marselha, munido dessa preciosa relíquia.

Atravessando a França com os seus companheiros, José de Arimateia embarca para a

Inglaterra. Instala-se na ilha de Avalon, chamada mais tarde Glastonbury, onde construiu uma

igreja de ramos de árvore, a primeira igreja em solo britânico. Conta-se mesmo que os

espinhos que ainda hoje crescem nesse local são os rebentos do bordão de José de Arimateia,

plantado na terra por ele próprio e que criou raízes.

José de Arimateia teria morrido em 82.

20

Bartimeu, o cego visionário

Este homem é o único doente curado por Jesus cujo nome conhecemos, graças ao evangelho

segundo Marcos.

Bartimeu, um cego, pede esmola à saída de Jericó. Jesus sai da cidade, rodeado por uma

grande multidão. Ouvindo dizer que Jesus vai a passar, Bartimeu grita: «Jesus, Filho de David,

tem piedade de mim!» As pessoas mandam-no calar. Mas ele grita com mais força: «Filho de

David, tem piedade de mim!» Jesus pára e manda-o chamar. Dizem a Bartimeu: «Tem

confiança. Levanta-te, Jesus está a chamar-te.» Bartimeu levanta-se de um salto e corre para

Jesus. Este pergunta-lhe : «Que queres?» O cego responde: «Mestre, que eu recupere a vista!»

Jesus diz-lhe: «A tua confiança em Deus salva-te. Vai.» Então Bartimeu vê claramente e segue

Jesus pelo caminho (Mc 10, 46-52, Mt 20, 29-34 e Lc 18, 35-43).

Quando Bartimeu se refere a Jesus como «filho de David», reconhece-o como o enviado de

Deus, o Messias. Com efeito, os judeus esperavam um messias descendente de David,

prometido à realeza de Israel. O mendigo, que ainda nunca se aproximou de Jesus, chama por

ele, proclamando que ele é o Messias. O cego mostrou-se um visionário. Bartimeu vê o que

muitos outros ignoram, incapazes de ver apesar dos seus olhos abertos. A começar pelos

apóstolos, quando Jesus, no episódio precedente do Evangelho, lhes anunciou a sua Paixão. E

eis que o grupo se depara com um cego iluminado pela fé…

Se Bartimeu é repreendido por discípulos que não querem arranjar mais problemas com as

autoridades, Jesus não o manda calar. Porque Bartimeu, embora cego, entrevê a verdade :

Jesus é o Cristo, o caminho para Deus. Jesus dá-se conta de que Bartimeu procura descobrir

mais, ser esclarecido acerca da pessoa do messias e, para além dele, acerca de Deus. É por isso

que o cura. E em vez de ficar tranquilamente em Jericó, Bartimeu segue Jesus a caminho para

Jerusalém, no momento em que esta se torna, para ele e para os seus discípulos, a cidade de

todos os perigos.

Zaqueu «O puro»

Eis uma das raras personagens cujo físico conhecemos: Zaqueu é pequeno! Pequeno no

tamanho, não na importância, já que é o chefe dos publicanos de Jericó, o chefe dos judeus

que recolhem os impostos para os Romanos, ou seja, um traidor, um traficante, um patife que

enriqueceu à custa dos seus correligionários a quem não hesita em cobrar demasiado. É, aliás,

odiado pelos seus concidadãos. Pequeno e detestado, isso conduz à arrogância, um verdadeiro

círculo vicioso.

Em Jericó junta-se uma multidão para ver passar Jesus, esse profeta cuja fama se espalha por

toda a parte. Zaqueu é pequeno demais, entalado atrás dos mirones. Então trepa a um

sicómoro para não perder nada da cena. Jesus pára debaixo da árvore, levanta os olhos para

Zaqueu e diz-lhe: «Zaqueu, desce depressa, porque hoje vou ficar na tua casa». Zaqueu salta

da árvore e corre para casa a fim de improvisar o acolhimento a Jesus.

Ao ver isto, a população resmunga e protesta : «Jesus vai para casa de um ladrão!» Ao

preconceito social acrescenta-se um preconceito religioso: um pecador é impuro e torna

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impuros todos aqueles que se aproximam dele. Portanto, Zaqueu não é digno de receber Jesus

em sua casa e Jesus, aos olhos dos espectadores, não sabe no que se está a meter.

Quanto a Zaqueu, está radiante. Tendo juntado muito dinheiro, faz promessas a Jesus:

«Senhor, vou dar metade da minha riqueza aos pobres. E às pessoas a quem prejudiquei, vou

dar quatro vezes mais!» Perante esta excepcional generosidade, Jesus replica: «Hoje a

salvação chegou a esta casa. Zaqueu também faz parte do povo de Deus. Vim procurar e salvar

aquilo que estava perdido» (Lc 19, 1-10).

Zaqueu estava perdido, separado da sua comunidade. Jesus devolve-lhe o seu lugar no povo

de Deus. Zaqueu, porque encontrou Jesus, começa uma vida nova.

Mais ainda: Jesus mostra que não se entra no Reino pelas suas próprias forças, mas graças a

uma pureza adquirida pela obediência à Lei. Toda a gente está convidada, até os que são

pequenos por causa do tamanho, da fraqueza, da sua condição de desprezados. Para aceitar

este convite é necessário saber-se pequeno e não estar carregado de auto-suficiência.

Lázaro «Deus socorreu»

Irmão de Marta e de Maria de Betânia, Lázaro é um amigo pessoal de Jesus. Não se sabe

grande coisa dele, pois só aparece em dois episódios do evangelho segundo João (11, 1-54 e

12, 1-11). No entanto, este homem, cujo nome é um diminutivo de Eleazar, é uma das mais

célebres personagens do Novo Testamento. Com ele, Jesus está perante o grande adversário: a

morte.

Lázaro está em Betânia, doente, rodeado pelas irmãs que não têm ilusões quanto ao desfecho.

Marta e Maria mandam chamar Jesus. Este demora a vir e, estranhamente, afirma que esta

doença há-de mostrar a glória de Deus. Quando finalmente chega, é tarde demais, Lázaro

morreu e está enterrado há quatro dias.

Lázaro volta a viver, Jesus caminha para a morte

Apesar da dor diante da morte de um ser querido, Jesus ajuda Marta a aprofundar a sua fé.

Com Maria que soluça, perturba-se : cheio de tristeza, chora. Pessoas que rodeiam as irmãs de

luto apercebem-se disso : «Vejam como ele o amava». Outros, pelo contrário, troçam : «Afinal

abriu os olhos do cego, devia ter impedido Lázaro de morrer!»

O túmulo de Lázaro é uma gruta, com a entrada tapada com uma pedra. Jesus pede que a

afastem para desimpedir a entrada. Reza a Deus, como um filho se confia ao seu pai: «Pai,

obrigado por me teres ouvido. Eu sabia que tu me ouves sempre ; mas é por causa da multidão

que me rodeia que eu disse isto, para que eles acreditem que tu me enviaste». Depois grita em

voz alta: «Lázaro, sai para fora!» O morto levanta-se e sai do túmulo. Assim que as ligaduras

que o impedem de andar são desatadas e que o seu rosto fica livre do sudário, Lázaro segue

para o meio dos vivos.

Muitos dos que ali estão, vendo Lázaro vivo, acreditam em Jesus e estão prontos a lançar-se,

como Lázaro, numa nova vida. Mas outros vão contar tudo ao sinédrio, para quem este

milagre é «a gota de água»: «Se deixamos este Jesus continuar assim, todos vão acreditar nele,

e os Romanos hão-de vir e destruir o nosso Lugar santo e a nossa nação. (...) E resolveram

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matá-lo». No dia em que Jesus faz renascer a vida de Lázaro, os seus inimigos decidem matá-

lo. Lázaro sai do túmulo, Jesus caminha para a morte.

Como Lázaro é um homem vulgar, a sua ressurreição ajuda os cristãos a acreditar que ela é

possível para todos.

Que fez Lázaro da sua nova vida?

Muito cedo, Lázaro é objeto de um culto em Betânia. Ainda hoje, na aldeia de El Azariyeh

(pode reconhecer-se o nome de Lázaro em árabe), uma igreja assinala o lugar do túmulo vazio

de Lázaro.

Segundo a tradição, Lázaro, acompanhado por Marta, Maria Madalena e Máximo teria

chegado à Gália, na Provença. Em 42, terá atingido Marselha, que já era um porto importante

e cosmopolita. Terá pregado aí o Evangelho durante cinquenta anos e criado uma primeira

comunidade da qual ele é o bispo.

Terá morrido mártir, decapitado no reinado de Domiciano, no ano 94, já com muita idade. O

seu corpo, inicialmente conservado numa gruta em Marselha, teria sido transportado quando

das invasões sarracenas para Autun, onde foi construída no século XII a catedral de S. Lázaro.

Um estranho acontecimento : antes da partida das relíquias para a Borgonha, dois sacerdotes

de Marselha teriam roubado o seu crânio. Um relicário contendo essa cabeça de Lázaro é

venerado pelos fiéis de Marselha numa capela da catedral de Santa Maria Maior.

Cléofas, discípulo de Emaús

Na tarde do primeiro dia da semana, Cléofas, com um outro homem vai a caminho de Emaús, a

duas horas de marcha de Jerusalém. Terrivelmente decepcionados com a morte infamante de

Jesus, terminada a Páscoa, abandonam Jerusalém. Junta-se a eles um desconhecido. Um

desconhecido aos olhos de Cléofas, cego de tristeza, talvez também de raiva contra esse

Mestre que lhe deu tanta esperança e o desiludiu tanto.

Os dois caminhantes, fechados na sua decepção, não reconhecem Jesus que permanece

incógnito, mais que se introduz na conversa deles : «Que palavras são essas que trocais

entre vós, enquanto caminhais?» Cléofas espanta-se: «Tu és o único forasteiro em

Jerusalém a ignorar o que lá se passou nestes dias!» Jesus insiste: «Que foi?» Eles

respondem: «O que se refere a Jesus de Nazaré, profeta poderoso diante de Deus (…)

Os nossos sumos sacerdotes e os nossos chefes (…) crucificaram-no. Nós esperávamos

que fosse Ele o que viria redimir Israel». Mas já lá vão três dias que ele morreu e Deus

não fez nada. Houve realmente umas mulheres que não encontraram o seu corpo no

túmulo onde tinha sido sepultado e afirmam que ele está vivo. Alguns discípulos foram

verificar e encontraram o túmulo vazio, mas a ele não o viram… (Lc 24, 13-35).

Antigo e Novo Testamento são inseparáveis. Neste episódio, pela boca de Jesus, o evangelista

insiste: os «peregrinos de Emaús» não captaram o sentido da vida de Jesus, porque não

olharam para ela relacionando-a com as Escrituras: «Ó homens sem inteligência e lentos de

espírito para crer em tudo quanto os profetas anunciaram! Não tinha o Messias de

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sofrer essas coisas para entrar na sua glória» para alcançar a vitória ? Isso faz lembrar

outras palavras : é preciso que o grão de trigo, lançado à terra, morra para dar fruto… E

Jesus explica como a lei da aliança dada a Moisés e os profetas já anunciavam isso.

À chegada a Emaús, Jesus faz menção de seguir para diante. Cléofas e o outro companheiro

convidam-no: «Fica connosco, já é tarde, a noite vai cair». Jesus aceita e janta com eles.

Durante a refeição, toma o pão, dá graças a Deus e, depois de o partir, entrega-lho. É então

que se revela. Cléofas e o outro discípulo reconhecem Jesus.

Mas no momento em que os seus olhos se abrem ele já desapareceu. Então eles reagem:

«Não nos ardia o coração, quando Ele nos falava pelo caminho e nos explicava as

Escrituras?» Os dois discípulos regressam imediatamente a Jerusalém para contarem aos

apóstolos e àqueles que estão com eles o que viram e ouviram. Entretanto, Jesus apareceu a

Pedro. E todos dão testemunho : «É mesmo verdade, o Senhor ressuscitou !»

Para a maior parte dos teólogos, este episódio é totalmente simbólico. Com efeito, dois

momentos abrem os olhos dos viajantes. Primeiro o tempo da Palavra : relendo as Escrituras

com Jesus, ouvem uma Palavra que lhes diz respeito. Depois o tempo da Eucaristia: na fração

do pão, eles reconhecem a presença de Cristo ressuscitado quando ele já não está visível. A

narrativa que põe em cena Cléofas é semelhante a uma missa.

Saulo, também chamado Paulo «Pedido a Deus»

Quando nasce, cerca do ano 8, a sua família, originária da Galileia, já se estabelecera há muito

tempo em Tarso, capital da província romana da Cilícia (atualmente na Turquia). Saulo é o

segundo filho desses judeus da tribo de Benjamim, cidadãos romanos abastados; o pai é

tecelão, fabrica tendas de lã de cabra. Saulo frequenta a escola judaica, depois o ginásio (lugar

de aprendizagem de exercícios físicos, mas também de leitura, escrita, poesia, música…) para

aperfeiçoar a sua cultura helénica, porque nessa família de fariseus fala-se grego. Quando

chega aos 12 ou 13 anos, o pai manda-o para Jerusalém enriquecer os seus conhecimentos

religiosos junto do mestre Gamaliel, um célebre doutor da Lei.

É com base nestes ensinamentos que Saulo distingue, no movimento de seguidores de Jesus

de Nazaré, uma ameaça para a identidade judaica. É provável que tenha regressado três ou

quatro anos depois a Tarso, como jovem rabi e tecelão. Uma coisa é certa, em 34, assiste ao

martírio do diácono Estêvão diante das muralhas de Jerusalém (At 7, 58; 22, 20). Lançando-se

numa campanha de purificação dos judeus seduzidos por Cristo, Saulo entra nas casas de

Jerusalém e mete os seus habitantes na prisão (At 8, 3). Depois, pede ao sumo-sacerdote que o

envie a fim de prender outros em Damasco (At 9, 1-2).

Ei-lo, portanto, a caminho, cerca do ano 36, «quando de repente uma luz vinda do céu o

envolveu com a sua claridade. Caindo por terra, ouviu uma voz que lhe dizia: «Saulo,

Saulo, porque me persegues?» Ele perguntou: «Quem és Tu, Senhor?» Respondeu:

«Eu sou Jesus, a quem tu persegues». (At 9, 3-5; 26, 12-15). É uma reviravolta completa na

sua vida: Cristo chama-o a anunciar o Evangelho aos pagãos, como um verdadeiro apóstolo,

testemunha da ressurreição.

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Cego durante três dias, é conduzido a casa de um certo Judas, na rua Direita. Aí, Ananias, um

discípulo, vai ter com ele e impõe-lhe as mãos. Caem umas escamas dos olhos de Saulo, como

se Jesus o iluminasse. «Imediatamente, sem subir a Jerusalém para ir ter com os que se

tornaram Apóstolos antes de mim, parti para a Arábia (Gl 1, 17).

De regresso a Damasco, proclama nas sinagogas que Jesus é o filho de Deus. Irritados com

aquele que consideram um traidor, os judeus combinam matá-lo. Alguns amigos descem Saulo

dentro de um cesto ao longo da muralha e ele foge.

Por volta do ano 39, Saulo volta a Jerusalém para se encontrar com os discípulos de Jesus,

sobretudo Pedro e Tiago que reconhece como «as colunas» da Igreja. Mas os primeiros

contactos são reservados, poderia não passar de um espião! Barnabé, um membro da

comunidade, responsabiliza-se por ele e apresenta-o. Saulo fica com Pedro quinze dias (Gl 1,

18). Como prega diante de judeus de cultura grega, aqueles que executaram Estêvão, os

apóstolos, receando problemas, enviam-no para Tarso. Não sabemos quanto tempo aí ficou

numa espera impaciente.

Cerca do ano 43, Barnabé vem buscá-lo para conseguir responder ao desenvolvimento da

comunidade cristã de Antioquia, uma cidade de 500.000 habitantes onde, pela primeira vez, o

nome de «cristãos» é dado aos discípulos (At 11, 26). Começam então as viagens missionárias

de Saulo, com base em Antioquia.

Primeira viagem (Atos 13 e 14)

Saulo e Barnabé dirigem-se a Chipre onde, em contacto com o mundo pagão, Saulo latiniza o

seu nome e se torna Paulo. Passando por Perga, chegam a Antioquia da Pisídia: na sinagoga,

Paulo pronuncia um discurso sobre a história do povo de Deus até Jesus, o ressuscitado.

Criticando a insuficiência da Lei de Moisés, irrita os judeus que os expulsam. Vão então para

Icónio, depois para Listra, onde Paulo desenvolve o seu apostolado junto dos pagãos.

Regressam por Perga, depois Atália onde embarcam para regressar a Antioquia.

A Assembleia de Jerusalém (Atos 15, 1-35 e Carta aos Gálatas 2)

Em Antioquia, um diferendo divide os cristãos. Alguns «judeo-cristãos» afirmam que sem

circuncisão segundo a lei de Moisés, os candidatos ao cristianismo não poderão ser salvos.

Para Paulo e Barnabé, que converteram muitos pagãos, não é a Lei que salva, mas a fé. Então,

em 48, Paulo, Barnabé e Tito sobem a Jerusalém para consultar os apóstolos.

A tensão é grande. Impor as práticas judaicas aos pagãos, é fechar-lhes a porta do cristianismo.

Renunciar à obrigação da Lei (circuncisão, proibições alimentares...), é separar-se da religião

judaica. Mas então como tomar uma refeição em comum e celebrar a eucaristia que se lhe

segue ? Finalmente dá-se o grande salto: já não é necessário fazer-se judeu para se tornar

cristão, o Evangelho não exige de ninguém que renegue a sua cultura. «Onde está o Espírito

do Senhor, aí está a liberdade», há-de escrever Paulo (2 Cor 3, 17).

Segunda viagem (Atos 15, 36 a 18, 22)

Paulo chama para o acompanhar Silas, depois Timóteo. Regressam às comunidades de Tarso,

Derbe, Listra, Icónio, Antioquia da Pisídia, para transmitirem as decisões tomadas em

Jerusalém. Depois percorrem a Galácia onde estrão instaladas tribos originárias da Gália. Em

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Tróade, Paulo tem uma visão: um Macedónio chama-o. Passa por isso para a Europa, por volta

do ano 50 e, em Filipos, nasce a primeira comunidade cristã europeia. Vai depois para

Tessalónica e a seguir para Bereia. Agora a maioria dos convertidos vem já do paganismo. Em

Atenas, a cidade dos Estóicos, a cidade dos templos dedicados a todas as espécies de deuses,

Paulo vê um altar dedicado «ao deus desconhecido»: «Esse Deus é o Senhor (...) Não é de

ouro, nem de prata, nem de pedra ; não é fabricado pelos homens...» Paulo seduz os seus

ouvintes, mas quando fala de ressurreição, é demais para as mentalidades gregas. É um

fracasso. Vai então para Corinto, cidade de comércio, cidade internacional, e ensina aí (1 Cor

12, 12-31). É provavelmente aí, no ano 50, que dita a sua primeira carta aos Tessalonicenses, o

primeiro escrito cristão. Dirige-se «à Ekklesia, a Igreja dos Tessalonicenses», um termo que

designa em grego uma assembleia política, querendo assim dizer que os crentes são

convocados por Cristo para se reunirem. Daí em diante, a palavra «Igreja» será aplicada às

comunidades locais e ao conjunto dos cristãos.

Terceira viagem (Atos 19 e 20, Cartas aos Coríntios e aos Gálatas)

Depois das etapas na Ásia Menor, por volta de 54, Paulo chega a Éfeso, um dos maiores

centros do mundo greco-romano. Fica aí três anos e constitui uma «escola» da Escritura,

formando cristãos capazes de assegurar a continuidade. Durante esse tempo, os cristãos de

Corinto desentendem-se. Paulo dirige-lhes uma primeira carta, rapidamente seguida por uma

segunda. Aos Gálatas chama estúpidos (Gl 3, 1) porque se deixaram seduzir pelos judeo-

cristãos que os obrigam à circuncisão. A seguir, depois de ter regressado a Tróade, Filipos,

Tessalónica e Bereia, Paulo passa o inverno de 57-58 em Corinto onde redige uma epístola aos

Romanos, anunciando-lhes a sua visita. Organiza uma coleta para os pobres de Jerusalém, uma

forma de exprimir a dívida das comunidades para com a Igreja-mãe da qual receberam o

Evangelho. Regressa por Mileto com as despedidas aos Anciãos de Éfeso.

A viagem de um prisioneiro (Atos 21, 17 a 28, 15)

Para acalmar as tensões com os judeo-cristãos, Paulo vai ao Templo de Jerusalém realizar um

rito de purificação com quatro cristãos de origem pagã. Esse gesto é entendido como uma

provocação e há um motim. Paulo é detido e enviado preso para Cesareia. Como cidadão

romano, apela para o imperador. O prisioneiro é embarcado para Roma. O navio naufraga em

Malta onde uma capela comemora o naufrágio.

Roma (Atos 28, 16 a 31)

Cerca do ano 61, à espera do seu processo, Paulo beneficia durante dois anos da situação de

residência fixa, «ensinando (...) com o maior desassombro e sem impedimento».

Terminam assim os Atos dos Apóstolos. As suas cartas dão outras informações. Recebe a visita

de um escravo evadido de Colossos. Escreve aos Efésios, aos Colossenses, a quem pede que

transmitam a sua carta a Laodiceia (Cl 4, 16), prova das relações entre as Igrejas.

Várias tradições evocam uma libertação de Paulo em 63, que teria permitido uma viagem a

Espanha, à Ásia Menor, depois a Creta. Fala-se de uma nova detenção e de uma nova prisão

em Roma, de onde teria escrito a Timóteo, a Tito e preparado a epístola aos Hebreus.

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Condenado à morte durante o décimo quarto ano do reinado de Nero (entre julho de 67 e

junho de 68), é decapitado no pântano de Aquas Salvias, a 5 km de Roma. Diz-se que a sua

cabeça saltou três vezes e que, de cada um dos três sítios em que bateu, jorrou uma fonte,

origem do nome do lugar: «as Três fontes». Assim termina a vida daquele que tanto prezava o

título de verdadeiro apóstolo, chamado pelo Ressuscitado, e que se consagrou a difundir a Boa

Nova a todos, já que, para ele, Deus é o Deus de todos.

Cristãos reclamam o seu corpo e sepultam-no na propriedade de uma certa Lucina, na Via

Ostiense. No início do século IV, o imperador Constantino manda construir em cima do túmulo

uma basílica, várias vezes embelezada e envolvida hoje pela Basílica de S. Paulo Extra-Muros.

Marcos Um evangelista inspirado por Pedro

«Marcos, que era o intérprete de Pedro, escreveu com exatidão, embora sem ordem, tudo

aquilo de que se lembrava do que tinha sido dito ou feito pelo Senhor. Porque ele não tinha

ouvido nem acompanhado o Senhor; mas, mais tarde, como já disse, acompanhou Pedro...» É

desta forma que, por volta de 130, Papias, bispo de Hierápolis, apresenta Marcos.

Será o mesmo Marcos que o livre dos Atos dos Apóstolos (12, 12) refere? Por volta de 42, em

Jerusalém, Pedro, milagrosamente libertado da prisão, «foi a casa de Maria, mãe de João,

apelidado de Marcos, onde uma assembleia bastante numerosa estava reunida e rezava».

Marcos seria, pois, um cristão de Jerusalém, talvez emigrado de Chipre com a mãe e o seu

primo Barnabé.

Quando Barnabé e Paulo deixam Jerusalém a caminho de Antioquia, levam Marcos que...os

abandona em Chipre e regressa a Jerusalém! Por volta do ano 50, quando Barnabé escolhe

novamente Marcos como companheiro para a sua segunda viagem, Paulo recusa (At 15, 36-

40). No entanto, Marcos está com Paulo quando ele escreve aos Colossenses: «Marcos, o

primo de Barnabé (saúda-vos)... Se ele for ter convosco, recebei-o bem». Depois, no fim da sua

vida, Paulo pede a Timóteo que vá ter com ele juntamente com Marcos, «precioso para o

ministério.» Marcos é também designado como «filho» por Pedro, em Roma (1 Pe 5, 13). Sem

haver a certeza de que se trate do mesmo homem, chamou-se «segundo Marcos» ao mais

antigo dos quatro evangelhos, redigido em Roma entre 67 e 70, depois da morte de Pedro.

O autor, vindo do judaísmo, de cultura grega, falando também aramaico, dirige-se a romanos

(utiliza expressões latinas), a quem explica os costumes judaicos. Traduz-lhes as palavras de

Jesus em aramaico: Ephphatha («Abre-te») ordenado a um surdo mudo, Talitha Koum

(«Menina, levanta-te») à filha de Jairo ou ainda o grito de Jesus na cruz: Éloï, Éloï, lama

sabakhtani? («Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?»).

Um retrato de Jesus profundamente humano

O evangelho segundo Marcos, o mais breve, começa pelo batismo de Jesus e a narrativa das

tentações no deserto e termina com três mulheres assustadas diante de um túmulo vazio. Os

últimos versículos – as aparições do Ressuscitado – terão sido acrescentados posteriormente.

É considerado o mais próximo do Jesus histórico, com as suas emoções, as suas impaciências, a

sua angústia. No entanto, o evangelista desempenha a sua missão de catequista-teólogo,

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anunciando a partir da primeira linha Jesus como Messias e Filho de Deus e interpretando os

acontecimentos: Jesus viaja da Galileia, terra do seu sucesso contra as doenças, os

«demónios», onde ele revela quem é Deus, até Jerusalém, a cidade dos peritos acerca de

Deus, que o rejeitam e o mandam executar; os leitores são convidados a segui-lo nesse

caminho de vida que, mesmo cheia de sucesso, termina com a morte e ressurreição.

O evangelho segundo Marcos serviu de modelo aos evangelhos segundo Mateus e Lucas.

Lucas O teólogo narrador

«Visto que muitos empreenderam compor uma narração dos factos que entre nós se

consumaram, como no-los transmitiram os que desde o princípio foram testemunhas

oculares e se tornaram "Servidores da Palavra", resolvi eu também, depois de tudo ter

investigado cuidadosamente desde a origem, expô-los a ti por escrito e pela sua

ordem, caríssimo Teófilo, a fim de reconheceres a solidez da doutrina em que foste

instruído». (Prólogo do evangelho segundo Lucas).

O evangelista não conheceu Jesus. A tradição identifica-o com o Lucas citado por S. Paulo (2

Tm 4, 11; Flm 1, 24; Cl 4, 14). Seria, portanto, um médico, companheiro do apóstolo, ainda que

as suas maneiras de pensar fossem diferentes, originário de Antioquia (atualmente na Turquia)

ou de Filipos na Macedónia. Um acrescento tardio faz dele um pintor, próximo de Maria, a

mãe de Jesus, cujo retrato conservado em Santa Maria Maior, em Roma, teria executado.

Lucas é um homem culto, que fala grego, impregnado pelo pensamento grego e familiarizado

com as Escrituras judaicas na sua tradução grega. Daí se deduz que ele fosse um «temente a

Deus», próximo do judaísmo, antes da sua conversão ao cristianismo.

Jesus salvador para todas as nações

A sua originalidade? Uma narrativa em dois volumes: o Evangelho e os Atos dos Apóstolos ;

porque, para ele, a história de Deus com a humanidade desenrola-se em três etapas : a aliança

com Israel (as Escrituras judaicas), a «redescoberta» de Deus em Jesus (o Evangelho), os

primeiros tempos do cristianismo (os Atos). Assim, por volta de 85, Lucas reúne e organiza

fontes orais e escritas : pregações, evangelho segundo Marcos, parábolas, hinos, relatos de

milagres, afirmações de doutores, como Manaen, amigo de infância de Herodes... O seu

trabalho não se dirige apenas a Teófilo, mas a diversas comunidades, sem dúvida na Grécia.

Hoje em dia elogiar-se-ia o seu esforço de inculturação. Adapta-se a mentalidades que têm

dificuldade em admitir a Ressurreição, referindo-se a Jesus como «vivo». Apresenta-o como

aquele que traz cura e saúde, o que, para os gregos, significa a harmonia, a unidade interna

necessária a cada um para se reerguer, viver com dignidade e se tornar mais humano.

Traça um retrato emocionante de Jesus, que nos faz ver Deus, sublinhando tudo aquilo que diz

respeito ao perdão e à proximidade entre Jesus e as pessoas do povo. Faz teologia ao contar

uma história, a começar pelo nascimento de Jesus. O seu Evangelho, rico em parábolas, é

centrado em Jerusalém. Começa no Templo, com a promessa de um filho ao sacerdote

Zacarias. Depois do episódio de Emaús, termina também no Templo onde os discípulos rezam.

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O livro dos Atos mostra como a Palavra parte de Jerusalém e se espalha à volta do mar

(Mediterrâneo). Sempre atento à origem dos seus leitores, Lucas promete uma salvação a

todas as nações, não apenas aos judeus, e sublinha, pela boca de Paulo: «Foi aos pagãos que

foi enviada a salvação de Deus».

Um texto escrito entre 160 e 180, o Prólogo antimarcionita, precisa que Lucas «serviu o

Senhor sem desfalecimento, não se casou, não teve filhos e morreu na Beócia (Grécia), cheio

do Espírito Santo, com 84 anos.» S. Jerónimo, no entanto, afirma que ele teria morrido em

Tebas.