51894113 Roberto Leher Educacao No Governo Lula Final

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+EDUCAO NO GOVERNO DE LULA DA SILVA: A RUPTURA QUE NO ACONTECEU Roberto Leher1

O estudo analisa algumas das principais nervuras da poltica educacional do governo Lula da Silva. O texto abrange o perodo de governo do atual mandatrio, iniciando no contexto da eleio de 2002 momento de enorme expectativa dos educadores, considerando a regressividade das polticas de Cardoso at o final de 2009, incluindo, entretanto, medidas consideradas relevantes em 2010. Inicialmente, so pontuadas algumas preocupaes metodolgicas sustentando os limites de estudos linearmente comparativos entre dois governos e das investigaes que se restringem a examinar os programas de governo e os atos normativos e, ainda, a necessidade de evitar estudos sobre a influncia dos organismos internacionais que desconsideram o protagonismo das fraes burguesas locais. A seguir, examinada, em linhas gerais, a situao da educao antes da posse do primeiro governo de Lula da Silva, enfatizando que no governo Cardoso j estava em curso a adequao da educao ao padro de acumulao advindo da Crise da Dvida de 1982 e do ajuste provocado pela renegociao da dvida, nos anos 1990, processo que engendrou mudanas importantes na economia e que, na perspectiva dos setores dominantes, exigiria a conformao de um outro ethos educativo. A educao no governo Lula da Silva discutida na terceira seo. A anlise parte da discusso da eleio de Lula da Silva, do significado da Carta aos Brasileiros e da composio inicial do governo e delineia o modo como as lutas pela educao pblica foram alteradas pela ao das entidades sindicais aliadas ao governo. O primeiro eixo de anlise discute a aliana com os setores dominantes para que estes pudessem ter maior peso na definio da educao brasileira, incorporando a agenda do Movimento Todos pela Educao no Plano de Desenvolvimento da Educao e difundindo as parcerias pblicoprivadas nas universidades por meio da Lei de Inovao Tecnolgica. O segundo analisa o programa de maior alcance publicitrio, o Programa Universidade para Todos, e o fortalecimento do programa de emprstimos subsidiados para compra do servio educacional, o FIES. O terceiro discute o problema do financiamento da educao . Doutor em Educao pela Universidade de So Paulo, Professor da Faculdade de Educao e do Programa de Ps-Graduao em Educao da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Pesquisador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico (CNPq), Coordenador do Observatrio Social da Amrica Latina Brasil/ Clacso e do Projeto Outro Brasil (Fundao Rosa Luxemburgo).1

pelo governo Federal, examinando seus grandes nmeros. A subseo argumenta que a ordem de grandeza no distinta da existente nos governos anteriores. O quarto eixo aborda a reestruturao das universidades federais estabelecendo nexos com o processo de Bolonha e o modelo sustentado pela USAID como adequado ao Brasil, os community colleges. O quinto discute brevemente a nova sistemtica de financiamento da educao bsica, o FUNDEB. Na quarta seo, o estudo sistematiza um breve balano geral da educao levando em considerao expectativas do bloco de poder dominante e aponta desafios para a luta em defesa da educao pblica.

1. Consideraes metodolgicas Analisar a poltica educacional de um determinado governo uma tarefa complexa. As tentaes provocadas por cantos de sereia e pelas paixes so poderosas. A seduo mais em voga consiste em estabelecer comparaes com o governo imediatamente anterior, indicando avanos e retrocessos. Esta linha usual nos intelectuaisfuncionrios a servio de um novo governo, em geral por meio de artigos laudatrios e de relatrios de gesto, mormente para fins publicitrios. O problema central aqui que a ausncia de autonomia intelectual estreita a tal ponto o campo de viso que o resultado do texto o esperado pelas esferas de poder: o relato edulcorado de uma suposta realidade. Em termos metodolgicos, a cadeia de equvocos e mistificaes advm do metro utilizado na anlise. Ao adotar os parmetros do governo anterior como base para a comparao o estudo aceita, implicitamente, a lgica subjacente aos mesmos. No caso concreto, a comparao do governo Cardoso com o governo Lula da Silva parte de um metro atrofiado. De fato, o governo Cardoso foi abertamente contra a educao pblica. Sua gesto foi marcada por confrontos sistemticos com o Frum Nacional em Defesa da Escola Pblica (FNDEP) e com os sindicatos da educao. Seu desprezo pela educao popular o levou a confrontar o Plano Nacional de Educao (PNE), construdo de forma participativa e criativa nos Congressos Nacionais de Educao (CONED). Sua opo inequvoca foi pela mercantilizao da educao e pelo ajuste da educao de massa a um padro de acumulao do capital que requer grande volume de trabalho simples. Desta feita, a comparao ocorre a partir do quadro de terra arrasada provocado pelo octanato Cardoso. Assim, um pequeno avano aqui, outro ali, em especial se expresso em nmeros que, conforme o positivismo vulgar no mentem jamais, seriam a comprovao emprica da superioridade do governo Lula da Silva.

Entretanto, tal mtodo favorece a ocultao das principais nervuras que estruturam as polticas educacionais e seus nexos com o contexto histrico-social. Um avano quantitativo em um dado indicador pode ser visto como elemento positivo, mas pode reforar tendncias outrora avaliadas como negativas. O governo Cardoso foi asperamente criticado pelo PT por ter ampliado as matrculas na educao superior privada a partir da concesso de emprstimos subsidiados aos estudantes pelo Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (FIES). Mas as matrculas subsidiadas pelo FIES cresceram em ritmo ainda maior no governo Lula da Silva. Por meio de verdadeiras cambalhotas na argumentao, os intelectuais-funcionrios agora reivindicam a ampliao privadomercantil como um avano democrtico. Estranhamente, a democratizao dos direitos sociais se harmoniza com a mercantilizao da educao aprofundada em nveis inditos na educao brasileira pelos subsdios do FIES e pelas isenes tributrias do Programa Universidade para Todos (ProUni) enraizando, ainda mais, o vasto sistema privado de educao na sociedade brasileira. Outra tentao correlata anterior circunscrever a anlise legislao, investigando os dispositivos legais e normativos dos governos e seus programas de governo como se esta base emprica pudesse, por si s, tornar inteligvel a poltica educacional de um determinado governo. Embora o exame das medidas normativas e dos programas de governo seja imprescindvel, ater-se aos mesmos um mtodo insuficiente, pois oculta os contextos histrico, econmico e poltico que, afinal, conferem sentido a determinadas medidas governamentais. Ademais, este mtodo em geral desconsidera a correlao de foras no interior dos governos e destes com as classes sociais. No raro verificar medidas legais que indicam certos compromissos de carter progressista, mas que, ao serem implementadas, somente o so em seus aspectos mais retrgrados. Igualmente comum o jogo interno dos governos expresso pelos contingenciamentos oramentrios que, objetivamente, paralisam as medidas anunciadas como progressistas. como um jogral: o Ministrio da Educao, por exemplo, aloca recursos em seu oramento para assegurar medidas democratizantes, contemplando reivindicaes de foras sindicais aliadas, mas antecipadamente sabe que tais recursos jamais sero liberados. O roteiro se confirma quando o Ministrio do Planejamento informa que imperativos de ordem econmica obrigaram o ministrio a contigenci-los. Na aparncia, tais confrontos entre ministrios alimentam a crena do governo em disputa, opondo, de um lado, o brao social e, de outro, o brao econmico e conservador do governo. O exame da materialidade das polticas contribui para compreender a previsibilidade desses jograis.

Tambm o pensamento crtico pode cair prisioneiro de perigosas sedues. A partir da correta considerao de que as polticas educacionais esto relacionadas com as diretrizes, recomendaes e condicionalidades dos organismos internacionais, muitos estudos buscam correlaes imediatas e lineares entre as medidas de um dado governo e as referidas diretrizes. A imagem que as polticas neoliberais dos governos tm origem externa e os governos seguem aplicando passivamente essas medidas, desconsiderando que estas so recontextualizadas em virtude de dimenses histricas, polticas, econmicas, culturais etc. A agenda bancomundialista est sendo implementada pelas fraes burguesas locais que a opera ativamente. No se trata de mera aplicao de um dado receiturio, mas de uma ativa recontextualizao da agenda, considerando aspectos histricos, conceituais e correlao de foras. Ignorar que o aprofundamento do capitalismo dependente somente possvel com o protagonismo das fraes burguesas locais um erro terico que provoca pesadas consequncias polticas e estratgicas como a circunscrio do campo de anlise ao Estado-nao. Nesta clave, os problemas sempre so externos e os governos podem ser acusados, no mximo, de omissos, ocultando que os mesmos so sujeitos relevantes dessas medidas. Recuperar determinadas polticas educacionais do governo Cardoso indispensvel para que fique claro o contexto em que foram forjadas as polticas de Lula da Silva. Compreende-las, em suas linhas gerais, parte da anlise histrica. No se trata aqui de cotej-las mecanicamente com as medidas do governo Lula da Silva, mas de buscar suas determinaes e seus sentidos mais profundos. No estudo das polticas o financiamento ser necessariamente enfocado, objetivando a compreenso da materialidade concreta das medidas governamentais proclamadas. Nesta seo, especial nfase ser dada ao estudo das prioridades expressas no oramento da Unio e, quando necessrio, nos estados e municpios. Sempre que possvel, o estudo indicar como as classes fundamentais se posicionaram diante da poltica em exame. Finalmente, ao estabelecer comparaes entre os governos, o estudo ter como referncia o acmulo dos educadores em sua dinmica de luta em defesa da educao pblica, considerando, particularmente, o PNE: Proposta da Sociedade Brasileira.

2. Balano preliminar da educao antes da posse de Lula da Silva O octanato de Cardoso e, particularmente, de Paulo Renato de Souza, no MEC, foi exitoso em implementar uma determinada poltica educacional de corte classista pr-sistmico e fortemente prmercado, desobrigando, de forma relevante, a Unio do dever de assegurar as condies materiais da educao bsica e superior. A

partir da consolidao da hegemonia neoliberal, nos anos 1990 particularmente aps o Plano Brady de renegociao da dvida que liberalizou os ttulos da dvida pblica, concorrendo para o reforo do eixo econmico das commodities a educao foi paulatinamente compatibilizada com o padro de acumulao em andamento. A convergncia dos organismos internacionais, da escola de Chicago (em especial, das proposies de Gary Backer) e do governo foi de tal ordem que possvel afirmar que os setores dominantes lograram um consenso: a oferta educativa teria de ser ampliada no nvel fundamental e na formao profissional de natureza instrumental e as parcerias pblico-privadas deveriam ser incentivadas em todos os nveis e modalidades de ensino, legitimando iniciativas empresariais especficas, como o Movimento Brasil Competitivo auspiciado pelo Banco Mundial (BM) e pela USAID, entre outras. O governo Cardoso atuou no sentido de redefinir os marcos normativos da educao em distintos nveis. No plano mais geral, disputou e venceu os embates pela nova Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional (LDB) e pelo Plano Nacional de Educao (PNE), avanando tambm no novo desenho institucional do Estado, por meio do Plano Diretor da Reforma do Estado e na redefinio do financiamento da educao fundamental por meio do FUNDEF. Mas as medidas operativas mais especficas no foram negligenciadas: parmetros curriculares, sistemas centralizados de avaliao, escolha de reitores nas universidades, composio e natureza do Conselho Nacional de Educao, disjuno educao profissional e propedutica, em suma, seu governo encaminhou um conjunto de medidas que realmente alcanou todos os nveis e modalidades da educao. Assim, ao examinar o governo subsequente, mais do que considerar as realizaes quantitativas, importa analisar se o projeto conduzido por Cardoso foi modificado em sua lgica fundamental. Para compreender o sentido da poltica educacional no perodo Cardoso imprescindvel considerar as motivaes que levaram seu governo a disputar com os educadores do FNDEP os rumos da educao brasileira. Os dois principais embates no campo educacional foram, como assinalado, a LDB e o PNE. A partir de um largo arco de alianas que reunia a direita convencional do ento PFL, passando por setores do PMDB, bem como pelas bancadas do PSDB e PDT, Cardoso conseguiu derrotar o chamado projeto de LDB da Cmara que vinha sendo objeto de negociaes entre a Cmara e o FNDEP. Nos termos de Florestan Fernandes, menos que negociaes, o projeto da Cmara foi fruto de uma conciliao aberta entre o Frum e as bancadas parlamentares. Ainda assim, o FNDEP avaliava que o referido projeto mantinha diretrizes e bases que poderiam fortalecer a construo de um sistema nacional de educao com relativo protagonismo dos educadores. Cardoso tinha clareza de que a proposta de LDB em discusso na Cmara no era compatvel com seu projeto mais amplo, pois ao

fortalecer o conceito de sistema nacional de educao a nova lei acabaria reforando o papel do Estado Federal na educao e o controle do Estado sobre o setor privado. Para as foras que dirigiam seu governo, no lugar de um sistema nacional, melhor seria estruturar iniciativas descentralizadas e fragmentadas, adaptadas a situaes especficas, por meio de diferentes tipos de instituies para a massa de trabalhadores, tendo como pressuposto que essa fora de trabalho desempenharia atividades caractersticas do trabalho simples ou de reduzido carter abstrato, corroborando, grosso modo, as proposies educacionais feitas pelo Banco Mundial desde os anos 1980. Ademais, esta opo asseguraria maior liberdade aos empreendedores educacionais privados. Em relao educao da maioria da populao prevaleceria, no geral, a diretriz de que esta deveria ser minimalista, aligeirada e superficial, dotada de carter pragmtico e utilitarista. A LDB manteve a obrigatoriedade e a gratuidade restritas ao ensino fundamental, sustentando, genrica e despreocupadamente, a necessidade de progressiva expanso da educao infantil e do ensino mdio. A LDB foi vaga nas diretrizes e omissa em relao s bases. A rigor, a reestruturao da educao bsica dar-se-ia por meio do FUNDEF2, institudo pela Emenda Constitucional no 14/96 e pela Lei 9424/96. Este Fundo aprofundou a municipalizao espria, deixando desguarnecidas, em termos oramentrios, a educao infantil, a educao de jovens e adultos e o ensino mdio. Mais do que um mecanismo para financiar a educao, o FUNDEF tem de ser compreendido como um instrumento para garantir o supervit primrio. De fato, com este Fundo, a Unio pode seguir se desobrigando de sua funo suplementar em termos de financiamento ao ensino fundamental. O dever da Unio restringe-se a complementar os recursos do Fundo, quando, em algum Estado da Federao, o valor for inferior a R$ 300,00/aluno-ano (1997) e, nos anos seguintes, ao definido pela Lei 9424/96. Para no repassar recursos aos estados a Unio no hesitou em burlar a Lei do FUNDEF, corrigindo o valor do custo-aluno-ano conforme um2

. O Fundo de Manuteno e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorizao do Magistrio (FUNDEF) foi institudo pela Emenda Constitucional n. 14, de setembro de 1996, e regulamentado pela Lei n. 9.424, de 24 de dezembro do mesmo ano, e pelo Decreto n. 2.264, de junho de 1997, e foi implantado nacionalmente em 1 de janeiro de 1998. O FUNDEF altera a estrutura de financiamento do Ensino Fundamental no Pas, subvinculando uma parcela dos recursos constitucionalmente destinados Educao. Com a Emenda Constitucional n. 14/96, 60% desses recursos (o que representa 15% da arrecadao global de Estados e Municpios) devem ser destinados ao Ensino Fundamental. O Fundo estabelece novos critrios de distribuio e utilizao de 15% dos principais impostos de Estados e Municpios, adotando o custo-aluno do ensino fundamental. Como pode ser visto no presente estudo, a correo do custo-aluno nos perodos Cardoso e Lula da Silva sempre foi abaixo da determinada pela Lei 9.424/96.

ndice inferior ao previsto na referida Lei. A no correo do valor do FUNDEF provocou um calote da Unio de R$ 12,8 bilhes no perodo 1998-2002. Acrescente-se a isso a Desvinculao de Receitas da Unio, aprovada em 1994, que ampliou o saqueio governamental das verbas educacionais. Criada sob o nome de Fundo Social de Emergncia esta medida foi sendo prorrogada sucessivamente (pelas Emendas Constitucionais 10 [1996], 17 [1997], e 27 [2000]), a desvinculao acarretou imensos prejuzos ao financiamento da educao ao desobrigar 20% da receita de impostos e contribuies, reduzindo a obrigao constitucional do governo federal de aplicao em manuteno e desenvolvimento de 18% para 14,4%, o que implicou em uma perda superior a R$ 40 bilhes no perodo de seu governo. Diante dessas medidas o quadro educacional, ao final de seu governo, configurava um claro corte classista, afirmando um verdadeiro apartheid educacional. Frente a tal cenrio, os trabalhadores da educao buscaram formas de enfrentamento ao desmonte da educao pblica, por meio de uma arrojada iniciativa: a elaborao de um Plano Nacional de Educao alternativo. A fora desta iniciativa deve-se a sua metodologia inovadora: sua elaborao nos Congressos Nacionais de Educao. O I CONED foi realizado em 1996 e a proposta alternativa foi concluda um ano depois, no II CONED, recebendo o nome de Plano Nacional de Educao: Proposta da Sociedade Brasileira. Este Plano foi apresentado na forma de um Projeto de Lei ao Congresso Nacional em 1998 pelo Deputado Ivan Valente. Embora derrotado no parlamento, em virtude da mobilizao do FNDEP, o PNE do governo incluiu alguns poucos itens do PNE elaborado no CONED, como a ampliao das verbas educacionais para o setor pblico para 7% do PIB (meta inicial do PNE: Proposta da Sociedade Brasileira previa 10% do PIB), medida vetada por Cardoso em nome do pagamento da dvida. Em 2002, a possibilidade da eleio de Lula da Silva gerou muita expectativa entre educadores e entidades representativas dos trabalhadores da educao. A esperana de mudanas devia-se menos ao programa de governo, elaborado fora da esfera partidria, por meio de uma ONG ligada a Lula da Silva, o Instituto da Cidadania, mas ao fato de que o PT tinha relevante insero no FNDEP e nos CONED. Ademais, grandes referncias educacionais foram organicamente ligadas ao partido, como Paulo Freire e Florestan Fernandes, ambos falecidos antes da chegada de Lula da Silva ao governo (1997 e 1995, respectivamente). Alguns sindicatos destoaram dessas expectativas, como o Andes-SN que assinalava que as opes macroeconmicas contidas na Carta aos Brasileiros e o arco de foras que sustentou sua eleio indicavam um porvir difcil para a educao pblica.

3. Educao no governo Lula da Silva: o mercado educador Na Carta aos Brasileiros um documento-compromisso elaborado em nome de Lula da Silva poucas semanas antes das eleies de 2002 para fortalecer a confiana da alta finana e das corporaes reunidas na Cmara de Comrcio Brasil-Estados Unidos, na Federao das Indstrias do Estado de So Paulo - FIESP, na Federao Brasileira de Bancos - FEBRABAN, entre outros grupos de interesse Lula da Silva afirmava que, se eleito, manteria a agenda macroeconmica em curso no governo Cardoso, respeitando todos os contratos elaborados no perodo de neoliberalismo duro. Longe de ter sido uma pea puramente eleitoral, a Carta vem balizando as medidas de seu governo. Com efeito, a convocao de Henrique Meirelles, expresidente do Banco de Boston, para o Banco Central, de Roberto Rodrigues para a agricultura, de Antonio Pallocci para a fazenda, junto com o staff das finanas do perodo Cardoso, confirmaram que seu governo seguiria a mesma trilha aberta por Cardoso, embora promovendo ajustes que fortalecessem a governabilidade, alis, o principal motivo que levou setores de Washington e da alta burguesia a verem com bons olhos sua eleio e seu governo (Leher, 2003). J na posse do primeiro ministro da educao do novo governo, Cristvam Buarque, era perceptvel a desenvoltura do Banco Mundial. A concepo de que a educao superior deveria ser ampliada por meio de educao a distncia, a lgica do controle por meio da avaliao e a adeso a agenda da OCDE/UNESCO da educao ao longo de toda a vida (Relatrio Jacques Dellors) sugeriam que a agenda do CONED no teria lugar nas polticas educacionais, embora expressasse os melhores anseios dos educadores. A reforma da previdncia dos trabalhadores do setor pblico (2003), objetivando conjugar os regimes de distribuio e de capitalizao e preparar o terreno para que os novos servidores fossem deslocados basicamente para o regime de capitalizao, provocou o primeiro grande conflito entre o novo governo e os servidores pblicos, em especial da educao, que deflagraram grande greve contra a medida. Com o incio do novo governo, a antiga unidade de ao dos sindicatos do servio pblico comeou a se desfazer, situao que se agravou na educao. Os sindicatos dirigidos pelas correntes da base governista, em especial do PT e do PC do B, como a Confederao Nacional dos Trabalhadores da Educao - CNTE, Confederao Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino CONTEE, e parte da Federao dos Sindicatos dos Trabalhadores das Universidades Pblicas Brasileiras FASUBRA Sindical, bem com da direo majoritria da Unio Nacional dos Estudantes, rapidamente atuaram no sentido de desconstituir o FNDEP, intento realizado com

xito no Frum Social Mundial (FSM) de 2005 3. Alegando que no tinham mais acordo com determinados eixos e princpios do PNE: Proposta da Sociedade Brasileira, as entidades dirigidas pela base do governo se afastaram do Frum. As tenses entre as entidades que atuavam no Frum se agudizaram com a poltica de parcerias pblicoprivadas na educao encampada pelo segundo ministro da educao, Tarso Genro, e por seu Secretario Executivo, Fernando Haddad. O Programa Universidade para Todos (ProUni) previa quase que total iseno tributria para todas as instituies de ensino superior privadas, incluindo, portanto, as ditas sem fins lucrativos (comunitrias, filantrpicas e confessionais) e as explicitamente mercantis (particulares). O ProUni foi o pomo da discrdia entre as entidades, pois afrontava um princpio basilar do FNDEP: verbas pblicas para as escolas pblicas. O operativo do governo em defesa desse programa pode ser explicado pelo lugar que o mesmo ocuparia nas polticas governamentais, como analisado adiante. Mas a inflexo em direo ao setor privado e ao capital no se limitou a essa parceria avanando, no segundo governo, a nveis dificilmente imaginados anteriormente: a definio de que o principal interlocutor do governo em matria educacional seria o empresariado organizado no movimento Compromisso de Todos pela Educao. A mensagem subjacente a essas medidas clara: os professores fracassaram e as universidades pblicas so responsveis por isso. 3.1 Aliana com os empresrios para a formao das crianas e jovens e para a definio do que dado a pensar na universidade A presena empresarial na formao direta de um quarto da populao brasileira possui dimenso jamais conhecida na histria recente da educao brasileira. A incorporao da agenda empresarial ocorre por meio do Plano de Desenvolvimento da Educao (PDE). Este plano, embora institudo por um Decreto, na prtica revoga o PNE e institui uma mirade de iniciativas fragmentadas. Na Exposio de Motivos do PDE o governo assume explicitamente que sua elaborao objetiva implementar a agenda empresarial do movimento Compromisso Todos pela Educao, iniciativa que rene os principais grupos econmicos que constituem o bloco de poder dominante. O PDE assume, inclusive na denominao, a agenda do Compromisso Todos pela Educao, movimento lanado em 6 de setembro de 2006, em So Paulo. Apresentado como uma iniciativa da sociedade civil e conclamando a participao de todos os setores sociais, esse movimento constitudo, de fato, como um aglomerado de grupos empresariais.3

A ruptura ocorreu na Plenria do Frum Nacional em Defesa da Escola Pblica, em Porto Alegre-RS, 26 de Janeiro de 2005 Auditrio da Unafisco.

Como destacado em outro artigo4, essa investida sobre a educao pblica vem sendo efetivada por meio de entidades ncoras em que um pequeno grupo de gestores se reveza na direo das mesmas. Assim, por exemplo, Mil Villela, do Instituto Ita Cultural, presidente do Museu de Arte Moderna de So Paulo (novembro de 2009), do Faa Parte-Instituto Brasil Voluntrio e agora tambm do Comit Executivo do Compromisso Todos pela Educao. As entidades que organizam essa ofensiva ocultam seu carter corporativo e empresarial por meio da filantropia, da responsabilidade social das empresas e da ideologia do interesse pblico. As mais relevantes so: a) o Instituto Ayrton Senna (respaldado por corporaes do setor financeiro, do setor agromineral, do setor de agroqumicos, editoras interessadas na venda de guias e manuais, provedores de telefonia, informtica e internet, engajadas no cyber-rentismo)5; b) a Fundao Roberto Marinho, principal grupo de comunicao localizado no Brasil (e que no publiciza seus apoiadores); c) a Fundao Victor Civita, vinculada a um grupo econmico que, entre outras, edita uma revista que vem difundindo que a educao um tema tcnico-gerencial (Revista Nova Escola), apoiada pelas editoras, pelo capital financeiro, agromineral, pelas corporaes da rea de informtica etc.6; d) Grupo Gerdau que, por meio de Jorge Gerdau Johannpeter, preside o Movimento e que outrora foi organizador do Movimento Brasil Competitivo (2001) que, em certo sentido foi o germe do Movimento Todos pela Educao em conjunto com o Programa de Promoo da Reforma Educacional na Amrica Latina e no Caribe (PREAL)7, Ita Social, que, valendo-se, como as demais, de isenes tributrias, atua no setor educacional objetivando implementar as parcerias pblico-privadas na educao bsica por meio das Escolas Charter8. Compem ainda o Conselho de Governana da iniciativa outras LEHER, Roberto Desafios para uma educao para alm do capital. Revista Margem Esquerda, SP: Boitempo Ed. (no prelo). 5 . Ale (combustveis), Banco Tringulo, Bradesco Capitalizao, Brasil Telecom, Celpe, Coelba, Cosern, Credicard, Grendene, HP Brasil, Instituto Unibanco, Instituto Vivo, Instituto Votorantim, Intel, Lenovo, LIDE - Grupo de Lderes Empresariais / Empresrios pelo Desenvolvimento Humano, Martins Distribuidora, Microsoft Educao, Nvea, Oracle, Santa Brbara Engenharia, Siemens, Suzano, Vale de Rio Doce. 6 . Alfabetizao Solidria, Bovespa, Cosac Naify, Editora tica, Editora Scipione, EDP, Fundao Bradesco, Fundao Cargill, Fundao Educar DPaschoal, Fundao Telefnica, Gerdau, Instituto Unilever, Intel, Itautec, Microsoft, OSESP, Rdio Bandeirantes, SESI. 7 . As atividades do PREAL so possveis por meio do generoso apoio da United States Agency for International Development (USAID), do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), da GE Foundation, da International Association for the Evaluation of Educational Achievement (IEA) e do Banco Mundial, entre outros. (PREAL, Boletim da Educao no Brasil, 2009)4 8

. As escolas "charter" so construdas e geridas por entidades privadas, filantrpicas, mas as matrculas e mensalidades de seus alunos so pagas pelos Estados que so responsveis por monitorar seu desempenho. Entre as medidas previstas, cabe salientar a autonomia para contratar professores, elaborar currculos prprios e mudar a carga horria.

representaes do capital: Fundao Bradesco, Grupo Po de Acar, FEBRABAN, SESC, ABN Amro, Fundao Educar DPaschoal, Faa Parte-Instituto Brasil Voluntrio, Grupo Ethos, entre outros. Tambm na educao superior a aliana com os representantes do capital se verifica como axial. No apenas a chamada burguesia de servios se beneficia dessa aliana, situao evidente no caso do ProUni e do FIES, mas outras fraes relacionadas com as indstrias e com as commodities igualmente tm relevante influncia na definio do modelo de Cincia e Tecnologia do pas, como possvel depreender da anlise da Lei de Inovao Tecnolgica e legislao afim9. A lei da inovao e seus complementos estabelecem parcerias pblico-privadas (PPP)10 na produo de conhecimento e nas atividades relacionadas com a aplicao do conhecimento em contextos produtivos. Por parte do governo a Lei prev a aplicao de fundos federais nas Instituies de Cincia e Tecnologia (ICT) em projetos de interesse comum com as empresas para acelerar a incorporao de tecnologias. Com a Lei do Bem as empresas podem investir diretamente nas ICT com verbas pblicas, por meio de isenes tributrias (como da Contribuio Social sobre o Lucro Lquido), objetivando a aquisio de servios, assessoria e projetos dirigidos aos seus fins mercantis. As empresas podem ir s compras nos laboratrios das instituies pblicas! No demais registrar que os investimentos da Lei de Inovao so operacionalizados por um rgo regulador, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial, cujo conselho deliberativo compartilhado pelo governo e pelos empresrios. Para que a universidade possa estabelecer parcerias com as empresas importante que os professores assumam um outro ethos, caracterizado nas referidas leis como empreendedor. A converso do professor em um empreendedor no algo espontneo, por isso a Lei de Inovao estabelece meios para que essa converso acontea. Os principais incentivos so de natureza pecuniria. a oportunidade de ganhos adicionais que pode convencer os professores a se engajarem no empreendedorismo. Por isso, a referida Lei prev um adicional varivel de remunerao que pode ser na forma de bolsa de estmulo inovao ou na participao dos negcios. O inventor9

BRASIL. Lei de Inovao Tecnolgica, LEI No 10.973, de 2 de Dezembro de 2004. Outras medidas relacionadas a esta lei: Lei 11.080/2004 (institui o Servio Social Autnomo denominado Agncia Brasileira de Desenvolvimento Industrial ABDI), Lei 11.196/2005 (dispe sobre incentivos fiscais para a inovao tecnolgica, Lei do Bem) e Lei 11.487/2007 (altera a Lei no 11.196/05 para incluir novo incentivo inovao tecnolgica e modificar as regras relativas amortizao acelerada para investimentos vinculados a pesquisa e ao desenvolvimento). 10 . Lei no 11.079, de 30 de dezembro de 2004, institui normas gerais para licitao e contratao de parceria pblico-privada no mbito da administrao pblica. Esta lei foi insistentemente reivindicada pelo FMI, aprofundando o Plano Diretor da Reforma do Estado de Cardoso.

ou autor de projeto, processo ou servio poder participar dos ganhos econmicos auferidos pela instituio com a parceria. O horizonte desejado a transformao do professor em empresrio. O docente pode se afastar por at 6 anos da universidade para tentar uma carreira empresarial e at mesmo para constituir uma empresa. Durante o perodo de afastamento, assegurado ao professor o vencimento do cargo efetivo, acrescido das vantagens pecunirias permanentes estabelecidas em lei e, ainda, progresso funcional e benefcios da seguridade. A privatizao do recurso pblico fica patente na medida em que valores que deveriam ser investidos nas universidades em pagamento de salrios a docentes e funcionrios e em pesquisas so utilizados para financiar docentes que tentam uma colocao no mercado como empreendedores, sem qualquer risco ou nus para sua carreira profissional e sem qualquer custo para as empresas. O conhecimento produzido o demandado pelo contratante, a saber, a empresa que, assim, define o que dado a pensar na pesquisa. Para assegurar a propriedade intelectual, vedado ao dirigente, ao criador ou a qualquer servidor, empregado ou prestador de servios de ICT, divulgar, noticiar ou publicar qualquer aspecto de criaes de cujo desenvolvimento tenha participado diretamente ou tomado conhecimento por fora de suas atividades, sem antes obter expressa autorizao da ICT. Com isso, a lei admite a censura de questes relativas tica de pesquisa, notadamente em seres humanos e no meio ambiente, por exemplo, proibindo a divulgao de efeitos nocivos de determinado procedimento ou substncia. Por tudo o que foi dito sobre a inovao tecnolgica coerente a edio do Decreto 5.205, de 14/9/2004, que regulamenta as fundaes de apoio privadas nas instituies federais, eximindo-as de licitao, facultando-as contratar, por meio das fundaes complementarmente pessoal no integrante dos quadros da instituio, bem como auferir bolsas de ensino, de pesquisa e de extenso, inclusive para pessoal do quadro permanente. Estas fundaes institucionalizam nichos privados assegurando ao capitalismo acadmico um ambiente jurdico apropriado aos seus fins: o lucro.

3.2 Programa Universidade para Todos: subsdio pblico para a mercantilizao O Programa Universidade para Todos (ProUni) operacionaliza a recomendao implcita no documento Anlise dos Gastos Sociais, 2001-2002 do Ministrio da Fazenda, escrito por Marcos Lisboa e Joaquim Levy, ento dirigentes desse Ministrio, e principais operadores da poltica econmica atribuda a Pallocci. No documento, os dirigentes ponderavam que as universidades pblicas so muito onerosas e elitistas e que, por isso, melhor seria alocar recursos

pblicos para adquirir vagas no mercado, visto que as privadas, na avaliao do citado documento, so notoriamente mais eficientes do que as pblicas. O Programa criado em 2004 estabelece que o eixo da poltica de ampliao das matrculas na educao superior deve estar a cargo do setor privado, particularmente o de natureza empresarial. O ProUni um programa de compra de vagas nas instituies privadas por meio da pior forma de uso das verbas pblicas, as isenes tributrias, justo a mais opaca ao controle social. Neste sentido, o ProUni desconsidera, inclusive, a Constituio Federal que admitiu a possibilidade de repasse de verbas pblicas para as instituies comunitrias, confessionais e filantrpicas, mas no para as particulares, isto , as instituies com fins lucrativos. Entretanto, o ProUni inclui as particulares entre as instituies que podem se beneficiar das isenes tributrias. Isso desmente o discurso de Tarso Genro e de Fernando Haddad de que o objetivo do ProUni era acabar com a farra das chamadas filantrpicas. Conforme o Censo do INEP de 2008, das 2016 instituies privadas existentes no pas, 1579 tm fins lucrativos (que pela Constituio no deveriam receber verbas pblicas) e, por isso, so as principais beneficirias do Programa. Outra justificativa reiterada pelo governo para o programa o argumento de que existem vagas ociosas nas privadas. Obviamente, as privadas contratam docentes e mantm infraestrutura para as vagas efetivamente ocupadas, inexistindo a referida ociosidade. O que o MEC denomina de vaga ociosa so as vagas proclamadas pelas privadas em seus editais de vestibular, um nmero sempre hiperdimensionado, pois estabelece uma reserva futura de vagas para novos negcios. Tanto fato que o ProUni nada tem a ver com a ocupao desta falsa ociosidade: o nmero de vagas ociosas nas privadas somente cresceu com o ProUni, passando de 42% para 50% no perodo 2003 2006. importante registrar que a contrapartida das privadas s isenes fiscais11 beneficiou imensamente o setor privado. Pelo Projeto inicial, as contrapartidas seriam de 25% das vagas; na medida provisria n 213, de 10 de setembro de 2004, o total de bolsas integrais caiu vertiginosamente para 10% e, finalmente, na verso final, votada no Congresso (Lei n 11.096, de 13 de janeiro de 2005) em acordo com a11

. Instruo Normativa SRF n. 456, de 5 de outubro de 2004: Art. 1 A instituio privada de ensino superior, com fins lucrativos ou sem fins lucrativos no beneficente, que aderir ao Programa Universidade para Todos (ProUni) nos termos dos arts. 5 da Medida Provisria n. 213, de 2004, ficar isenta, no perodo de vigncia do termo de adeso, das seguintes contribuies e imposto: I - Contribuio para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins); II Contribuio para o PIS/Pasep; III - Contribuio Social sobre o Lucro Lquido (CSLL); e IV - Imposto de Renda da Pessoa Jurdica (IRPJ).

bancada governista, a contrapartida despencou para 4,25% de bolsas integrais. Vitrias acachapantes dos que fazem da educao um negcio lucrativo! Outra benesse para o setor empresarial foi a garantia de isenes tributrias para qualquer instituio que venha aderir ao programa, independentemente das vagas disponibilizadas. Por isso, as privadas sempre tentam incorporar o menor nmero possvel de estudantes ao programa. Com efeito, o percentual de vagas do ProUni fortemente descendente, mostrando que, aps a vitria na reduo do percentual de vagas previstas em lei, os empresrios aprenderam a burlar, com a conivncia governamental, as contrapartidas legais:Tabela 1

Os nmeros do ProUni precisam ser examinados detalhadamente. A primeira entrada de estudantes via ProUni ainda contou com o percentual de 10% de vagas com bolsas integrais; atualmente so apenas 4,25% de bolsas integrais. A maior parte desses jovens ingressou no em universidades, mas em escoles de baixssima qualidade, muitos, inclusive, faro cursos sequenciais e tecnolgicos de curta durao, modalidades aligeiradas de ensino dito superior. Como so escoles a maior parte das matrculas est concentrada nos cursos das reas de humanas/sociais ou em cursos de curta durao, como os cursos tecnolgicos, justos os que, nas pblicas e privadas, possuem a maior parte dos estudantes de menor renda. Ao contrrio da publicidade largamente difundida nos meios de comunicao, os que se dirigem ao curso de medicina so raros e, ainda mais escassos os que vo para reas atualmente estratgicas e ainda com poucos profissionais, como geologia.Tabela 2

Como possvel depreender da anlise das vagas efetivamente ocupadas pelos estudantes as isenes tributrias so muito compensadoras para as instituies privadas, posto que as isenes, como assinalado, so integrais para a instituio que aderiu ao programa. Conforme relatrio do TCU, as isenes tributrias foram as seguintes:Tabela 3

Embora a iseno seja justificada pelas bolsas disponibilizadas possvel constatar que as bolsas (integrais e parciais) efetivamente concedidas so em nmero muito mais baixo do que a propaganda oficial faz crer. Apenas 58% foram efetivamente utilizadas at agosto 2008. A ocupao efetiva anual do programa variou de 77% para 58%

desde sua implantao. Ademais, entre os beneficiados, muitos no podem seguir os estudos. Do total de bolsas concedidas no perodo 2005-1/2008, houve uma evaso de 19,5%. O hiato entre a renncia de receita e o quantitativo de bolsas a serem ofertadas repercute, obviamente, no aumento do custo mdio da bolsa, pois, como assinalado, a iseno foi pensada pelo governo de modo a favorecer as empresas, sendo desvinculada das bolsas efetivas. Com tal benesse, as instituies participantes do programa se desobrigam de preencher as vagas previstas nos editais. O referido Relatrio de Auditoria Operacional do TCU (TC013.493/2008-4) apresenta um estudo feito pela Receita Federal agregando todas as instituies por tipo (ditas sem fins lucrativos e particulares) e outro documento informando o custo anual da bolsa ProUni por mantenedora, sem identific-las. De posse desses dados e da renncia fiscal obtida por cada mantenedora, a Receita elaborou a tabela abaixo, informando que o custo mdio mensal de cada bolsa ProUni, no ano de 2006 por mantenedora, foi de elevados R$ 786,00. O custo anual da bolsa ProUni nas mantenedoras de IES com fins lucrativos em 2006 R$ 5.935 foi menos da metade do custo da bolsa ProUni nas de IES sem fins lucrativos beneficentes R$ 12.515 enquanto que o custo das sem fins lucrativos no beneficentes ficou muito prximo do custo das beneficentes R$ 10.992. Novamente, os indicadores confirmam que o programa, longe de ser uma contrapartida filantropia, amplia os benefcios as mesmas.

Tabela 4

A concluso do TCU precisa: o custo de uma bolsa do ProUni para o Estado maior que o valor da mensalidade dos cursos em que h bolsistas do programa. Significa dizer que, em mdia, se tem pago indiretamente um preo maior pelas vagas nas instituies privadas de ensino superior do que o montante que elas efetivamente valem, especialmente nas instituies sem fins lucrativos(destaque TCU). Ademais, o governo fortalece o Programa alocando mais recursos para as bolsas recebidas pelos estudantes que frequentam cursos em horrio integral. A Lei n. 11.180/2005 autoriza a concesso de BolsaPermanncia aos estudantes beneficirios do ProUni. Em relao propalada democratizao do acesso a educao superior promovida pelo ProUni so perceptveis os seus limites. O aspecto mais relevante que os cursos, via-de-regra, so de muito baixa qualidade, no configurando, de fato, educao superior (esses cursos seriam melhor denominados de educao terciria, para

utilizar a nomenclatura bancomundialista e adotada pelo INEP). So conhecidas as graves deficincias da avaliao de carter mercantil feita pelo ENADE. A rigor, este instrumento no pode ser utilizado como uma referncia para a anlise da qualidade da educao superior, tal sua precariedade. Entretanto, mesmo este pssimo indicador corrobora que o mercado que comanda a oferta das vagas do ProUni. Ainda conforme o mencionado relatrio do TCU dos 15.876 cursos oferecidos por meio do ProUni, 5.501 (ou 34,65% dos cursos) nunca foram avaliados pelo ENADE. Dos 10.375 cursos que oferecem bolsas e foram avaliados pelo ENADE, 1,7% receberam nota 1; 19% nota 2; 40,8% nota 3; 11% nota 4; 0,7% nota 5 e 17,4% ficaram sem conceito - SC. Concretamente, 20,9% dos cursos avaliados possuem nota menor que 3 no ENADE e apenas 11,7% ficaram com conceitos 4 e 5. A ordem de grandeza dos recursos pblicos alocados, e o inusitado custo das mensalidades pagas pelo poder pblico, no assegurou o acesso da juventude das classes populares a cursos de fato superiores e, tampouco, ampliou o acesso na proporo anunciada de modo ufanista na custosa campanha miditica em torno do ProUni. As modestas metas do PNE do governo Cardoso previam 30% dos jovens, na faixa etria de 18 a 24 anos, matriculados na educao superior, meta que deveria ser alcanada em 2011. A estratgia de Cardoso foi investir no crdito subsidiado para que os jovens pudessem adquirir o chamado servio educacional. Lula da Silva foi mais generoso com o setor mercantil: ampliou o FIES e criou o ProUni, mas, ainda assim, ambos no chegaram sequer a metade da meta legal. Das matrculas realizadas no ensino superior em 2005 e 2006, os bolsistas do ProUni, na faixa etria de 18 a 24 anos, ocuparam respectivamente 1,3% e 1,5%. No perodo 2001-2004, a taxa de frequncia lquida educao superior evoluiu de 9% para 11,8% (+2,8%). Entre 2005 e 2007, a taxa variou de 11,2% para 13,2% (+ 2,0%). Da populao de 18 a 24 anos menos de 0,3% tem acesso bolsa do ProUni, segundo dados da populao nessa faixa etria na Pesquisa Nacional de Amostra Domiciliar (Pnad/IBGE) 2006 (Relatrio TCU TC-013.493/2008-4). Cabe assinalar, ainda, que 27,5% das bolsas do ProUni so destinadas a estudantes que j estavam matriculados em alguma instituio de ensino superior privada. Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior FIES O Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (FIES) uma outra forma de subsdio ao setor privado que, embora independente, est cada vez mais articulado ao ProUni, pois vem sendo utilizado para financiar, com juros subsidiados, as bolsas

parciais. O subsdio pblico se d por meio do custeio, pelo Estado, dos juros praticados no emprstimo ao estudante que so inferiores aos de mercado. Trata-se, por conseguinte, de um subsdio implcito.Tabela 5

Esses valores referem-se aos juros subsidiados, mas a estes preciso acrescentar a inadimplncia, parcialmente coberta pela Unio. Em 2007, dos 467 mil contratos ativos, 55 mil contratos estavam em atraso, totalizando R$ 498,5 milhes. O FIES teve uma execuo de 685,5 milhes de reais em 2007. O Plano Plurianual (PPA) 2008-2011 aponta como meta do FIES atingir 700 mil beneficirios em 2011, com 100 mil novos beneficirios a cada ano, o que significa aumentar em quase 50% o nmero de contratos ativos existentes em 2007. Cabe destacar que no final do governo Cardoso, inequivocamente comprometido com o setor privado, o FIES possua 200 mil contratos. A Lei 11.552 de 2007 possibilitou o financiamento pelo FIES de at 100% dos encargos para os estudantes que so bolsistas parciais do Programa Universidade para Todos (ProUni), inclusive para os que possuem bolsa complementar de 25% oferecidas pelas IES participantes deste mesmo programa12, atestando a complementaridade dos programas. Em um contexto de enorme descompasso entre a oferta da educao terciria privada e o mercado consumidor (a concentrao de renda no pas no permite ampliar o chamado mercado educacional), e atendendo ao lobby privado, atualmente amplamente engajado na base do governo Lula da Silva, em maio de 2010 o MEC ampliou ainda mais o programa de subsdio pblico s instituies privadas por meio do FIES. Entre as principais medidas para ampliar o FIES, e que tm repercusso nos gastos pblicos, cabe citar a reduo da taxa de juros metade (6,5% para 3,4% ao ano), o prolongamento do crdito de 9,5 para 14,5 anos, e a instituio de mensalidades fixas, independentemente da inflao e da taxa de juros real. Seguramente, essas medidas aumentaro os gastos pblicos para compensar a diferena entre o emprstimo e a taxa de juros real. A expectativa do MEC em 2010 investir R$ 1,6 bilho no programa, objetivando subsidiar 200 mil novas matrculas nas privadas13. O ProUni e o FIES esto em antpoda com os valores da esquerda. Em primeiro lugar, porque sustentam que a educao dos jovens trabalhadores um servio e, como tal, alm de ser muito lucrativo, como sublinhado anteriormente, contm os germes do projeto de sociabilidade desejado pelo capital. Em segundo lugar, pressupem que para os pobres basta uma educao de pobre. Muitas instituies que participam do ProUni no poderiam estar12 13

TCU, GRUPO I CLASSE V Plenrio TC-013.493/2008-4 (com 1 volume). . Ver WEBER, D. (2010).

funcionando caso houvesse controle social sobre as privadas. Ademais, o ProUni permite que, para os pobres, as instituies privadas forneam cursos seqenciais, ou cursos ditos tecnolgicos de curta durao, conferindo, absurdamente, diplomas e, tambm, oferta por meio de educao a distncia14. Em terceiro lugar, o ProUni e o FIES foram transformados nas principais estratgias do governo para a massificao da educao superior e, por isso, legitimam o sucateamento planejado e sistemtico das universidades pblicas, visto que a renncia fiscal do Programa tem como contrapartida a estagnao, ou nos dois ltimos anos, o crescimento quase que vegetativo dos recursos das Federais.

3.3 Financiamento: mudanas dentro da mesma ordem de grandeza Um estudo sistemtico e exaustivo do financiamento da educao um objetivo muito maior do que possvel no espao do presente texto e uma tarefa somente exequvel a partir de trabalhos coletivos e especializados. Os propsitos so, portanto, muito mais modestos. Nesta seo, sero apresentados os grandes nmeros e algumas tendncias gerais de financiamento de determinadas subfunes da educao. Antes de examinar os grandes indicadores, cabem algumas rpidas consideraes sobre a constituio do fundo pblico que, em 2005, correspondia a 35,4% do PIB. Em pases em que os tributos privilegiam os que tm alta renda, como o caso do Brasil, a receita tributria do Estado provm, em grande parte, da taxao sobre o consumo. De fato, conforme Salvador (2007), dos R$ 685,9 bilhes arrecadados perto de 60% foi proveniente do consumo. Como o consumo proporcionalmente decrescente em relao ao aumento da renda, o peso maior recai sobre os trabalhadores de menor renda. Salvador (2007, p.83) cita estudo do IBGE (POF, 2002/2003) que demonstra que os trabalhadores que ganham at 2 salriosmnimos gastam 46% de sua renda em impostos indiretos. Os que ganham mais de 30 salrios gastam apenas 16% em tributos indiretos. A regressividade dos tributos faz com que os mais pobres paguem mais tributos que os mais ricos. Entretanto, as verbas pblicas seguem sendo carreadas para os ricos, demonstrando o carter classista do Estado e do governo Lula da Silva. O grfico abaixo permite uma viso de conjunto da proporo dos gastos do Executivo Federal.

14

O estudo de Stella Ceclia Duarte Segenreich (2009) comprova a significativa presena desses cursos, particularmente no Norte e Nordeste.

Grfico 1

Cabe observar que a distribuio dos gastos pblicos, por funo, comprova a permanncia da poltica de distribuio do fundo pblico em benefcio do capital por meio dos juros da dvida pblica (35,57%). Se fossem consideradas as despesas com refinanciamento da dvida esse ndice chegaria a 47% do total (Boletim da Auditoria Cidad da Dvida, 2009). As excees so os gastos de pessoal e da previdncia. No casualmente, uma nova gerao de contra-reformas est em gestao no prximo governo, objetivando o congelamento dos gastos de pessoal (PLP 549/2009) e de uma nova (contra) reforma da previdncia. A funo educao flutua em uma mesma ordem de grandeza, conhecendo um leve acrscimo em 2008 e 2009.

Grfico 2

Examinando mais de perto a evoluo do oramento geral da educao e do MEC ao longo da presente dcada, em valores constantes, possvel confirmar que a expanso dos recursos foi concentrada, como uma bolha, nos anos de 2006 a 2008 (Grfico 3), justo o perodo de maior expanso econmica da dcada. Com o contingenciamento realizado pelo governo federal no oramento de 2009 em funo da crise global, o MEC teve um corte de 10,6%, o que corresponde a R$ 1,25 bilho (Folha de So Paulo, 31/03/2009, p. A4, citado por Pinto, 2009).Grfico 3

A expanso verificada foi to modesta em ordem de grandeza que a mesma no se refletiu na variao dos gastos em educao em relao ao PIB (Grfico 4). Com efeito, examinado o oramento do Ministrio da Educao em relao ao PIB possvel constatar empiricamente que no houve esforo adicional de verbas pblicas para a educao.Grfico 4

Examinado o oramento da educao em relao ao PIB, no perodo em tela, verificvel que o mesmo foi decrescente at 2005, havendo uma leve elevao em 2006 e 2007, confirmando que a educao no ganhou espao nas prioridades do governo Federal.

Tabela 6

Examinando os indicadores de financiamento por subfuno torna-se patente a reduzida ordem de grandeza de recursos para os distintos nveis e modalidades. Em geral, houve certo acrscimo nos anos de 2006 e 2007, mas isso aps drsticos contingenciamentos, como se depreende da anlise do financiamento ao ensino fundamental que foi residual, em 2004 e 2005, ou pelo brutal rebaixamento da educao infantil. Assim, por exemplo, nos trs ltimos anos do governo Cardoso os repasses para o ensino fundamental foram da ordem de R$ 2,33 bilhes, enquanto nos trs ltimos anos do primeiro governo Lula da Silva foram menos da metade daqueles de seu antecessor (R$ 1,17 bilho) que, como dito, foi abertamente contra a escola pblica. Embora recursos adicionais a estes nveis provavelmente estivessem embutidos na rubrica Outras despesas prevalece a poltica de conteno de gastos pblicos federais na educao bsica. Mesmo na educao superior os gastos do governo Lula da Silva nos trs ltimos anos de seu primeiro mandato foram apenas 5,4% superiores ao dos trs ltimos anos do segundo mandato de Cardoso. No mesmo intervalo de tempo, a maior diferena ficou por conta da educao profissional. Os recursos alocados nesta rubrica foram 19,3% maiores no governo Lula da Silva; entretanto, a considerar as metas de expanso j mencionadas, previsvel um custo aluno consideravelmente menor, o que tem inevitvel relao com a qualidade. Em funo da disperso de gastos em uma enorme mirade de programas focalizados e organizados a partir de PPP, o maior gasto do governo Lula da Silva nos trs ltimos anos de seu primeiro mandato, em comparao com os trs ltimos anos do governo Cardoso (+23,7%), pouco refletiu no fortalecimento da rede de educao pblica. A partir da considerao dos grandes nmeros da educao possvel examinar, com maior grau de detalhe, as duas maiores iniciativas do governo Federal na educao superior (REUNI) e na educao bsica (FUNDEB). A escolha dessas polticas se justifica pelo fato de que a Unio tem como principal atribuio a manuteno de sua rede de educao federal, na qual tem destaque as universidades federais. O FUNDEB, por sua vez, reorganiza todo o financiamento da educao bsica e deveria restabelecer o papel da Unio na equalizao das desigualdades regionais.

3.4 REUNI: universidade bolonhesa temperada pelo capitalismo dependente Embora desde meados dos anos 1990 o Banco Mundial tenha recomendado a diferenciao da educao superior pblica como fundamental para acabar com o considerado anacrnico modelo europeu (indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extenso e gratuidade)15, somente com o REUNI tal objetivo foi encaminhado de modo direto e concreto. O atrativo do REUNI, em termos miditicos, a criao de novas vagas nas universidades pblicas, demanda obviamente genuna em um pas em que to somente 3% dos jovens de 18 a 24 anos chegam a uma instituio pblica. A promessa governamental de criao de vagas nas pblicas ganha fora em um contexto em que o ProUni j demonstra que os empresrios no esto dispostos a aumentar as vagas do programa. O enorme operativo publicitrio em torno da reestruturao das universidades confirma que o programa ocupa importante lugar na agenda dita social do governo Federal. A importncia da reestruturao no se limita aos seus esperados efeitos poltico-eleitorais. Encaminhado no terreno preparado pelo Plano Diretor da Reforma do Estado de Cardoso, por meio da metodologia dos contratos de gesto em que o Estado se compromete a repassar um determinado montante de recursos com a condio de que certas metas de gesto sejam alcanadas , o REUNI pressupe metas que somente podem ser compreendidas em sua extenso, considerando os seus principais pressupostos polticos: a poltica de criao de um espao europeu de educao superior (Processo de Bolonha) e a referncia dos community colleges. Embora originado na Europa, o modelo do Processo de Bolonha16 rapidamente foi recebido com indisfarvel entusiasmo pela UNESCO, pelo Banco Mundial e logo pelos governos latino-americanos, como se depreende da Declaracin de la Conferencia Regional de Educacin Superior en America Latina y Caribe (4 a 6 de junho), realizada em Cartagena de las ndias, Colmbia. A idia chave desmembrar a graduao em dois ciclos, um genrico, bastante superficial, voltado para um maior contingente de jovens, outro de natureza profissional, direcionado para parcelas muito mais reduzidas, abrindo espao para as instituies privadas ocuparem o novo filo de jovens que concluram o primeiro ciclo, mas no encontraram vagas no segundo15

. Ver WORLD BANK, 1995.

16

. Processo de Bolonha, um desdobramento do iderio neoliberal europeu impulsionado pelo Tratado de Maastricht (1992). Lanado a partir de um encontro realizado em Bolonha (Declarao de Bolonha, 1999), o processo desprovido de institucionalizao, sendo completamente desregulamentado, no tem quaisquer documentos orientadores de natureza legal, e guiado, sobretudo, pelas diretrizes da Organizao para a Cooperao e Desenvolvimento Econmico (OCDE), do Banco Mundial, da UNESCO e das empresas educacionais.

ciclo. O modelo pressupe a mobilidade estudantil de forma a otimizar a ocupao do mercado educacional, favorecendo a competitividade entre as instituies. No Brasil, Cludio Moura Castro e Simon Schwartzman foram pioneiros na defesa desse modelo conjugado (Bolonha e community colleges)17, sendo ento vigorosamente criticados pelo PT, mas, ironicamente, o modelo acabou sendo apropriado pelo MEC no governo de Lula da Silva, no Programa de Reestruturao e Expanso das Universidades Federais. Para melhor compreender o alcance da reestruturao das universidades federais encaminhada pelo governo de Lula da Silva, importante conhecer o contexto do decreto que regulamenta a referida reestruturao e, ainda, os seus termos. Contexto do Decreto 6.096/2007 (REUNI, 24/04/07): USAID de volta educao brasileira O propsito de converter as universidades em organizaes de ensino tercirias18 est presente no governo de Lula da Silva desde o relatrio do Grupo de Trabalho Interministerial (2003). A idia original era expandir as vagas pblicas basicamente por meio da educao a distncia (EaD). Esta idia acabou perseverando e foi efetivada por um decreto que promove a sua (des)regulamentao19, provocando um crescimento exponencial das vagas ofertadas por meio de EaD, como pode ser visto mais adiante. No mbito do MEC a proposta de uma educao terciria pode ser encontrada no Projeto de Lei Orgnica (verso de dezembro de 2004) que previa graduao em trs anos (Art. 7) e o desmembramento da graduao em dois ciclos, o primeiro deles de formao geral (Art. 21). A primeira meno explcita ao Projeto Universidade Nova (UN)20 . A proposta de um curso genrico e de curta durao foi defendida por Cludio Moura Castro e, mais sistematicamente, por Simon Schwartzman, expresidente do IBGE, na gesto Cardoso. Ver GIS, 2002. Em linhas gerais, a mesma alternativa defendida no modelo Universidade Nova, difundida pelo reitor da UFBa, em 2007. 18 . A expresso educao terciria foi adotada pelo Banco Mundial, a partir de 2002, objetivando caracterizar as mudanas necessrias na educao superior, tida como um grau demasiadamente elevado para as condies dos pases dependentes. O documento de referencia dessa orientao Banco Mundial 2002 - Construindo sociedades do conhecimento: novos desafios para a educao terciria. Este documento introduz o deslocamento central para a passagem: de educao superior a terciria. Ver tambm BARRETO & LEHER, 2008. 19 Brasil, Presidncia da Repblica. Decreto no 5622/05 regulamenta a educao a distncia no Brasil. 20 . O projeto intitulado Universidade Nova foi apresentado em um seminrio na UFBa como se fosse de autoria de um pequeno grupo de reitores, embora, como ficou evidente posteriormente, estivesse sendo articulado junto com o MEC. A proposta prev um genrico Bacharelado Interdisciplinar invertebrado massificado, de 2 a 3 anos, no qual o estudante ganharia um diploma que o habilitaria a seguir seus estudos, se aprovado em seleo, conforme seu perfil17

pode ser encontrada na Minuta de Decreto Presidencial Plano Universidade Nova de Reestruturao e Expanso das Universidades Federais Brasileiras (verso de maro de 2007). Examinando o relatrio Higher Education for Development USAID (Annual Report, 2007) possvel constatar que o entusiasmo do governo Lula da Silva pelos community colleges estadunidenses levou o Ministro da Educao a solicitar a USAID e a Embaixada dos EUA, no Brasil, a constituio de uma comisso de especialistas objetivando estabelecer estudos comparativos (sempre eles!) entre os community colleges e as escolas profissionais, estudos que, muito provavelmente, repercutiram no modelo do REUNI e, seguramente, no desenho institucional de um dos programas de maior visibilidade nas estratgias publicitrias do Executivo: os IFET21. Hoje, 40 anos aps os convnios e acordos MEC-USAID que impulsionaram a chamada reforma de 1968 (Lei 5540/68), os especialistas estadunidenses esto de volta22. Com o chamado PAC da Educao o governo editou o Decreto 6.096/2007 (24/04/07) que Institui o Programa de Reestruturao e Expanso das Universidades Federais (REUNI) objetivando implementar a Universidade Nova (incisos II, III e IV do art. 2 do decreto 6.096/2007). O Inciso II garante condies para a mobilidade e a harmonizao dos ciclos bsicos, criando um vasto mercado para as privadas que disputariam os excedentes do ciclo bsico minimalista; o Inciso III permite o desenho curricular previsto na UN e, o IV, a diversificao das modalidades de graduao. Tornando letra morta o principal termo constitucional que diz respeito s universidades, o Artigo 207 que assegura a autonomia universitria, o REUNI institui nas IFES um objetivo muito acalentado por FHC, Paulo Renato de Souza e Bresser Pereira, mas frustrado pela mobilizao extraordinria dos docentes na Greve Nacional do AndesSN de 2001: os contratos de gesto. Na verso atual, os recursos para a reestruturao somente so liberados aps o MEC aprovar o plano de metas da instituio que adere ao seu edital e a continuidade dos repasses depende do cumprimento das referidas metas. No perodo Cardoso, as IFES seriam as pioneiras na rea educacional da adoo da nova modalidade de organizao social de direito privado (as chamadas instituies pblicas no-estatais de Bresser Pereira). No governo Lula da Silva, em termos mais amplos, esse objetivo vem sendo alcanado pelas parcerias pblico-privadas e, mais especificamente, pelo Projeto de Fundao Estatal23 que, em sua verso atual, inclui alm dos hospitais universitrios e, por extenso, as prprias instituies de ensino superior e de C&T, e que, sendovocacional. 21 A meta proclamada expandir a rede das 140 escolas existentes, em 2002, para 354 escolas, em 2010, com um total de 500 mil vagas (MEC, 2009). 22 Ver http://www.hedprogram.org/Portals/0/PDFs/2007_AnnualReport.pdf, p.10, acesso em agosto de 2008.

aprovado, institucionalizaria a mudana jurdica da universidade pblica de sua atual condio de autarquia ou de fundao pblica para fundao de direito privado: o mesmo objetivo pretendido por Bresser Pereira. No caso das IFES, o REUNI adianta-se ao projeto das fundaes estatais, fixando metas de desempenho a serem alcanadas (planos de reestruturao, Art. 3o, decreto 6.096/2007), com base em duas condicionalidades: a) 90% de formados em relao aos ingressantes (Art. 1o, 1o), um ndice que no tem paralelo nas comparaes internacionais (OCDE: 70%, IFES: 75%), somente possvel com a implementao tambm na educao superior da aprovao automtica, transferncias de estudantes mesmo no final do curso, e uma agressiva poltica de assistncia estudantil que atualmente inexiste, e b) a meta de relao professor/estudante que dever passar dos atuais 12 estudantes por docente para 18 alunos por docente, em um prazo de cinco anos, mais do que duplicando o nmero de graduandos sem a ampliao proporcional do nmero de docentes. Vale lembrar que este ndice expressa a relao professor-aluno das instituies particulares mais mercantis. As metas so ambiciosas e esto articuladas com a UAB e os IFETs. Atravs do sistema Universidade Aberta do Brasil (UAB), que se estrutura na modalidade de educao a distncia (Decreto 5.800 de 8/6/2006), e do Programa de Apoio a Planos de Reestruturao e Expanso das Universidades Federais (REUNI), o governo federal se prope a ampliar as matrculas federais de 491 mil, em 2002, para 1,2 milho, em 201024. S no mbito do REUNI pretende-se ampliar as vagas presenciais nos cursos de graduao de 101 mil, em 2002, para 227 mil, em 2012 (Pinto, 2009). No caso do REUNI, o Dec. n. 6.096 de 24/04/2007 estabelece um limite de ampliao de 20% nos gastos de custeio e pessoal (excluindo a folha de aposentados e pensionistas) em cinco anos. A desproporo entre as metas e os recursos enorme. A meta, portanto, de uma proporo professor-aluno equivalente a das privadas mercantis e, inclusive, de ultrapass-la. O MEC projeta a relao alunos/professor de 20:1, em 2012, o que est acima do23

. Projeto de Lei Complementar n. 92, de 2007 regulamenta o inciso XIX do art. 37 da Constituio Federal, parte final, para definir as reas de atuao de fundaes institudas pelo poder pblico. Projeto de autoria do Poder Executivo.

24

. Consultar http://reuni.mec.gov.br.

valor estipulado pelo decreto (Pinto, 2009) e ultrapassa, inclusive, as privadas mais mercantilizadas, inviabilizando o conceito de universidade como instituio de ensino, pesquisa e extenso. Nesse marco somente o ensino massificado pode ser vivel. A enorme desproporo entre a expanso de vagas projetadas e os recursos pode ser mensurada por meio do grfico 5, que confirma que os recursos para a expanso esto na ordem de 20% acima do verificado em 2003. importante lembrar que em 2003 o oramento j estava aviltado e que a expanso do perodo aps 1995 tinha sido sumamente relevante, em virtude de acordo de expanso dos reitores com o MEC. semelhana com o REUNI, Cardoso prometeu recursos e concursos adicionais caso os reitores cumprissem as metas de expanso, entretanto, a contrapartida do MEC nunca aconteceu. No perodo 1995-2006, o nmero de estudantes de graduao cresceu 65%, os de mestrado 170% e os de doutorado 280%, enquanto o nmero de novos professores aumentou somente 20%. Como as metas do REUNI foram estabelecidas a partir dessa expanso anterior, no surpreende, pois, que com o REUNI, o custo aluno dever ser reduzido de R$ 9,7 mil (conforme estudo do Tribunal de Contas da Unio) para R$ 5 mil, reduo da ordem de 50% que, na Europa, aconteceu em duas dcadas e que se deu a partir de um per capita muito maior e em instituies com infraestrutura consideravelmente superior, mas que, ainda assim, deflagrou importantes lutas estudantis e de professores em diversos pases. No difcil demonstrar que as verbas previstas para o REUNI pouco alteram esse quadro. A tabela 6 e o grfico 5, a seguir apresentados, indicam os enormes limites dos recursos adicionais do programa, particularmente em funo do brutal sucateamento dos ltimos governos. Como o modesto recurso est atrelado s metas de expanso, as universidades vivem um quadro paradoxal: novos prdios para expanso esto sendo construdos ao lado de instalaes degradadas e sucateadas para a enorme maioria dos cursos j existentes.

Grfico 5

O grau de estagnao dos recursos das universidades federais pode ser melhor dimensionado se compararmos as verbas das Federais com o oramento das trs universidades paulistas. Estas possuem um oramento de R$ 5,5 bilhes (2007), mais da metade do oramento total das 54 IFES e das novas instituies e campi que foram criados.

Admitindo que todas apresentem planos de adeso ao REUNI, que o MEC trabalhe com o teto de 20% e, ainda, que os 20% sero distribudos todos os anos ao longo do perodo de contrato, grosso modo, o montante total de recursos seria de aproximadamente R$ 1,12 bilhes ano, cerca de R$ 21 milhes/ano por instituio que, com esses recursos, arcaria com a expanso da infraestrutura e com as despesas de pessoal adicional (Art.3, inciso III). Ademais, a fragilidade dos contratos patente. O atendimento do Plano de cada IFES condicionado capacidade oramentria e operacional do MEC (Art.3, 3o), o que pode confirmar um montante inferior a 20%; assim, as universidades podem contratar docentes e investir em infraestrutura, mas o MEC no estar obrigado a se responsabilizar com a garantia dos recursos acordados. Outro aspecto importante: a deciso sobre a pertinncia ou no do contrato de gesto elaborado pela IFES compete exclusivamente ao MEC. Considerando que j se passou mais de um ano desde que as universidades Federais apresentaram suas metas, e que as mesmas seguem como um cuidadoso segredo de se prever que em poucos anos a comunidade universitria poder se surpreender com o tamanho do problema criado pela reestruturao, pois o oramento projetado para 2011 seguramente ser insuficiente para custear a expanso exigida, conforme pode ser visto adiante. De fato, com o REUNI teremos em 2011 um oramento para todas as IFES (incluindo as que foram criadas no papel) de R$ 12 bilhes (excluindo os recursos da previdncia advindos da contrapartida patronal, verbas que so puramente contbeis). Contudo, se corrigirmos o oramento de 2007 pela inflao projetada pelo governo nas diretrizes oramentrias, teramos em 2011 um oramento de R$ 12,9 bilhes. Ou seja, grosso modo, o mesmo oramento de 2007, mas agora com um novo aumento de 90% no nmero de ingressantes e de 150% de matriculados! Outro detalhe: 56% do oramento do REUNI ser de responsabilidade do prximo governo federal.

Tabela 7

Observamos o mesmo no Programa do MEC Universidade do sculo XXI. Dentro desse programa esto as principais aes relacionadas graduao, como a assistncia estudantil, a extenso, a folha dos trabalhadores efetivos e, desde 2008, o REUNI. relevante observar que, mesmo com o anunciado aumento de recursos para as IFES por meio do REUNI, o oramento previsto para 2009 cresceu menos do que nos anos anteriores, confirmando que a expanso de 2006-

2008 foi excepcional, em virtude do significativo crescimento das receitas tributrias.Tabela 8

Tambm a relao do Programa com o PIB estacionria. Em 2003, quando o Programa era chamado Desenvolvimento do ensino de graduao sua participao no PIB era de 0,43%, sendo de 0,44% (2009) (Fiza, 2010). A tabela 9 demonstra a previso da distribuio de recursos REUNI pelo MEC, ano a ano. Os recursos se concentram no ano de 2009 e, no caso dos investimentos, so reduzidos at inexistirem em 2012.Tabela 9

A base material da reestruturao pretendida pelo REUNI , como visto, sumamente frgil e a tendncia de estagnao dos recursos concreta, como se depreende do exame das tabelas 8 e 9. A expanso das matrculas real, mas em bases precrias. O nmero de campi das universidades federais cresceu significativamente (115 desde 2003). Contudo, a distncia entre a criao no papel e sua efetivao grande. A grande maioria dos novos campi funciona de modo particularmente precrio, em prdios emprestados, escolas estaduais, com poucos docentes efetivos, lembrando a expanso vertiginosa do perodo Menen na Argentina. De fato, tal expanso uma possibilidade que depender da luta fora dos marcos do REUNI. O contrato de gesto se encerra em dois anos e a infraestrutura fsica, os concursos e os investimentos ainda so incipientes. Sem luta as universidades federais conhecero um quadro profundamente difcil. Novos campi, novos cursos, cursos redimensionados para atender ao dobro dos alunos, mas sem base material e de pessoal para dar conta dessa enorme demanda. No que se refere frente de luta por recursos, a aprovao da Emenda Constitucional n. 59, que extingue progressivamente a Desvinculao de Receitas da Unio, pode ampliar a base do financiamento desde que ocorram lutas articuladas entre os trabalhadores da educao bsica e superior pblicas para exigir que esses recursos sejam um acrscimo e no para cobrir futuros cortes em rubricas da educao. Sem protagonismo organizado os cortes e os contingenciamentos no oramento sero uma dura realidade, tendo em vista o contexto de crise estrutural e a enorme presso do capital para que os recursos pblicos sejam utilizados no manejo da crise.

A realizao de mais de 10 mil concursos docentes uma das contradies positivas do REUNI. Embora longe de ter recuperado a fora de trabalho necessria para o funcionamento universitrio das IFES e, em especial, para cobrir o dficit histrico e as futuras aposentadorias, a entrada de novos professores , em si mesma, uma varivel importante. Muitos mestres e doutores sem os concursos acabariam sendo forados a vender sua fora de trabalho nas privadas, interrompendo total ou parcialmente a pesquisa e os estudos. O problema que na contradio existe negatividade. O hiato entre o nmero de concursos e o dficit atual e futuro e ser enorme nos prximos anos. preciso lembrar que mais de 70% dos atuais servidores universitrios devem se aposentar nos prximos cinco a dez anos. Outro problema que grande parte desses concursos foram para expanso e que, como salientado, a taxa de expanso das matrculas muito superior a de concursos. A superintensificao atinge todos os docentes, novos e antigos, notadamente os que atuam na ps-graduao stricto sensu. Muitos desses professores estaro atuando em campi muito precrios e que, na prtica, inviabilizam a pesquisa e, ainda, estaro muito sobrecarregados com atividades didticas e administrativas. No ocioso lembrar que a expectativa do MEC era de concentrar os novos contratos em regime de 20h ou de 40h sem dedicao exclusiva, instituindo a docncia precria, muito semelhante existente nas privadas. A mensagem subliminar do MEC a de que: as universidades podem contratar em regime de D.E., mas isso intensificar o trabalho docente. Sem a continuidade da taxa de expanso de vagas docentes nos prximos dez anos, as consequncias sero profundamente nefastas. A resistncia estudantil e de docentes acabou contribuindo para uma expanso em muitos sentidos distinta da preconizada pelo MEC no projeto da Universidade Nova. Muitos novos cursos mantiveram uma organizao curricular semelhante ou igual a dos cursos existentes e os colegiados seguiram priorizando concursos para 40h D.E. Isso confirma que a poltica governamental, a despeito do apoio das reitorias, no se realiza nos moldes pretendidos no projeto governamental e que as resistncias podem ser fecundas se mobilizarem mais amplamente a comunidade universitria e os movimentos sociais e sindicais. Entretanto, seria um equvoco ignorar que os objetivos mais gerais do REUNI foram alcanados. A relao entre o nmero de professores e o de estudantes est caminhando rapidamente para o existente nas privadas, fazendo acender o sinal vermelho para o futuro das instituies pblicas. A resistncia local, no mbito dos cursos, segue sendo fundamental, mas sem enfrentar os problemas estruturais da expanso logo o formato dos cursos aligeirados se impor como soluo natural, tal a desproporo entre a expanso e as bases materiais e de pessoal asseguradas pelo Estado.

3.5 Fundo de Manuteno e Desenvolvimento da Educao Bsica e

de Valorizao dos Profissionais da Educao - FUNDEB As crticas ao FUNDEF empreendidas por educadores, sindicatos, entidades acadmicas e mesmo por alguns governos estaduais e municipais estiveram centradas na focalizao do Fundo no ensino fundamental, desorganizando os demais nveis e modalidades (educao infantil, EJA, ensino mdio) e na reduzida participao da Unio em seu financiamento. Resultou dessa presso poltica uma alterao do escopo da abrangncia do novo Fundo quando o FUNDEF deixou de ter vigncia. O FUNDEB abrange o ensino mdio, EJA e, aps muita luta, a educao infantil, bem como a educao especial, indgena, quilombolas e a educao profissional integrada ao ensino mdio. Entretanto, como visto a seguir, o financiamento seguiu sendo um gargalo em virtude da reduzida participao do governo Federal na capitalizao do novo Fundo. A despeito da maior participao da Unio no novo fundo, podendo chegar a 9% e, ainda, ao fato de que os recursos do salrio educao no podem entrar no cmputo das verbas federais para o fundo, a ordem de grandeza pouco se altera. A vigncia do novo Fundo de 14 anos, com implantao gradual, iniciada em 1 de janeiro de 2007, alcanando a plenitude em 2009, quando o Fundo passou a funcionar com a totalidade dos recursos financeiros que lhes so destinados e com todo o universo de alunos da educao bsica pblica presencial. O FUNDEB no representou aumento dos recursos financeiros para assegurar um custo aluno que assegurasse real qualidade da educao. Ao contrrio. Conforme foi divulgado no dia 20 de junho de 2007, na ocasio da sano da lei que regulamentou o FUNDEB, o nmero de estudantes atendidos pelo Fundo passou de 30 milhes para 47 milhes, portanto, um aumento de 56,6%. Em contrapartida, o montante do fundo passou de 35,2 bilhes para 48 bilhes, o que significa um acrscimo de apenas 36,3%. A participao da Unio ainda muito modesta considerando o peso desta esfera na recepo dos tributos do pas. O novo fundo obriga a Unio a aumentar os seus repasses para os estados e municpios de modo significativo, em termos percentuais cerca de dez vezes mais do que o governo Cardoso e o prprio governo Lula da Silva em seu primeiro mandato. Entretanto, essa expanso precisa ser relativizada pelo irrisrio recurso destinado educao bsica pela Unio, conforme j foi demonstrado. De fato, quando o Estado nacional deixou de repassar R$ 75 bilhes na ltima dcada para a educao pblica, em virtude da Desvinculao de Receitas da Unio e da correo insuficiente do valor do FUNDEF, muito abaixo do previsto em lei (nos governos Cardoso e Lula da Silva), o anncio de que o governo pretende ampliar progressivamente as verbas federais para a educao,

partindo de um patamar da ordem de R$ 2,3 bilhes para chegar, em quatro anos, a R$ 5 bilhes, revela o quo longe est o governo da prioridade social. Nos termos de Pinto (2009):No obstante, mesmo com a significativa ampliao dos recursos da Unio no novo fundo (de R$ 249 milhes em 2006 no Fundef para mais de R$ 5 bilhes em 2009), no se pode esquecer que esses recursos respondero por no mais de 9% do montante total do Fundeb. (...) Esse adicional representar, a partir de 2009, cerca de 0,12% do PIB, o que muito pouco. Basta observar que menos do que a Unio deveria destinar ao Fundef em 2006, nos termos do artigo 6o da Lei no 9.424/1996. Como ressalta o Relatrio do TCU referente a 2006 (TCU, 2007, p. 139), caso fossem cumpridas as determinaes do mencionado Acrdo TCU no 1252/2005-Plenrio, o valor da complementao da Unio ao Fundef em 2006 superaria os R$ 5 bilhes.

O problema do FUNDEB no se restringe ao fato de que os recursos so insuficientes. Sua organizao no concorre para o fortalecimento de um sistema nacional de educao pblico estruturado de modo a avanar na construo da escola unitria. O fundo no assegura igualdade no financiamento entre os estados, visto que sua abrangncia estadual, assim, as enormes disparidades regionais seguem existindo. Ademais, no enfrenta o problema crucial da expanso paulatina das matrculas municipais que passaram de 35%, em 1991, para 60% em 2006, mas que no dispem de receitas tributrias para arcar com esses gastos e, aps o fim do FUNDEB, em 2020, pode gerar um verdadeiro colapso na educao bsica brasileira (Pinto, 2009). O governo Lula da Silva nada tem feito para alterar a participao da Unio nos gastos com a educao bsica. Embora a Unio retenha 60% dos tributos, j descontadas as transferncias constitucionais obrigatrias, sua participao nos gastos com a educao bsica entre 2000 e 2005 foi de modestos 6% (Castro, 2006, apud, Pinto, 2010). 4. Problemas e desafios Os indicadores sobre renda, distribuio de empregos por setor (em que sobressaiu o setor tercirio), e perfil do desemprego, em especial, dos jovens, bem como a persistncia de elevada frao de trabalhadores sem carteira assinada indica que a qualidade geral do emprego segue muito precria, corroborando um dos traos mais marcantes do capitalismo dependente: a superexplorao da fora de trabalho. A continuidade desses indicadores negativos nos anos 1990 e 2000 contrasta, contudo, com os indicadores educacionais que melhoraram no mesmo intervalo de tempo (uma tendncia geral na Amrica Latina), particularmente na expanso do ensino mdio (que dobrou) e, com mais limites, do ensino superior. Com efeito, essa melhoria no se refletiu de modo relevante na qualidade dos postos

de trabalho, inclusive no padro salarial. So dois problemas interligados a serem considerados: os postos de trabalho no esto requerendo fora de trabalho com bom nvel de conhecimento e a elevao da escolaridade no est correspondendo elevao da cultura cientfica, tecnolgica, histrico-social das crianas e jovens, em particular, das classes trabalhadoras. De fato, muitos dos novos postos de trabalho no esto demandando realmente elevada escolarizao cientfica, tecnolgica e histricosocial. A escolaridade formal muitas vezes um requisito para garantir que o trabalhador tenha certas disposies disciplinares e determinada sociabilidade, mas no conhecimentos sobre os fundamentos do trabalho. A expropriao do conhecimento dos trabalhadores vista, antes, como positividade, tendo em vista o grau de explorao do trabalho existente no pas. No capitalismo dependente vale a frmula: mais expropriao, mais explorao. Isso explica o motivo pelo qual os setores dominantes no realizaram uma verdadeira reforma educacional no Brasil. Existe uma nefasta sinergia entre o padro de acumulao e a precariedade generalizada da educao popular, a despeito dos enunciados dos movimentos empresariais em prol da educao. Os governos neoliberais e social-liberais negam o descaso pela educao popular apresentando a evoluo dos indicadores numricos da educao, em termos de anos de escolaridade, como comprovao de seus empenhos em prol da educao do povo. Entretanto, estes indicadores no podem ser considerados em si mesmos como se realmente fossem avanos auto-evidentes corroborados por nmeros irrefutveis. preciso considerar as condies em que o trabalho pedaggico est sendo realizado e as possibilidades, por parte das crianas e jovens, de experincias educativas realmente fecundas e, ainda, levar em considerao as tendncias histricas do avano na escolarizao. A tabela 10 permite visualizar a distribuio da populao em idade ativa (PIA) por escolarizao e sexo. Os grandes nmeros permitem uma melhor compreenso de como est evoluindo a fora de trabalho potencial no pas.

Tabela 10

Antes de analisar os indicadores da tabela cabe destacar, preliminarmente, que o analfabetismo, embora decrescente, ainda extremamente alto, perto de 10% da populao de 10 anos ou mais, e que 22% da populao com 15 anos ou mais so analfabetos funcionais. Isso faz do Brasil um dos pases da Amrica Latina com os ndices mais altos de analfabetismo, sem a complexidade de ter de alfabetizar grandes contingentes que utilizam idiomas de seus ancestrais, como a Bolvia e o Peru, pases que igualmente possuem

analfabetismo na ordem de 9,5%. No Nordeste, estes alcanam 34,4% (CEPAL/PNUD/OIT, 2008). A tabela confirma o encolhimento do grupo com 0-4 anos de estudo, da ordem de 20%, indicando que os mais jovens esto avanando na escolarizao elementar, chegando, em grande nmero, ao ensino mdio que tem um crescimento muito importante, dobrando entre 1992 e 2006. Mas estudos qualitativos sobre esse avano na educao bsica registram muitos problemas. Muitas dessas crianas e jovens foram beneficiados por polticas de aprovao automtica, mas no lograram conhecimentos compatveis com os anos de estudo informados. Em 2009, 2,8 milhes frequentavam o ensino fundamental em programas de Educao de Jovens e Adultos. A PNAD 2007 atestou que a escolarizao da populao de 15 anos ou mais era de 7,3 anos de estudo em mdia, abaixo dos oito anos obrigatrios. O acrscimo, entre 2005 e 2007, de apenas 0,3 anos na escolaridade mdia dessa populao indica um porvir difcil para os jovens trabalhadores. Entre os que vivem na zona rural a escolaridade mdia de apenas 4,5 anos. Na rea rural do Nordeste este nmero cai para 3,7 anos. O hiato, imenso, corrobora as conseqncias sociais diferenciadas do desenvolvimento desigual do capitalismo. Disparidades semelhantes ocorrem nos nveis subsequentes. Enquanto 52,5% da populao urbana tm instruo completa de nvel mdio ou superior, no meio rural somente 17% alcanam esta escolaridade. Conforme Otaviano Helene (2010), as taxas de concluso dos nveis de ensino fundamental, mdio e superior, que vinham em uma curva ascendente at meados dos anos 1970, conheceram um perodo de estagnao a partir da crise estrutural desta dcada que se agudizou na Crise da Dvida de 1982, permanecendo assim at o incio dos anos 1990. A reestruturao neoliberal, com aprovao automtica, metas de desempenho atreladas aos vencimentos dos professores, medidas coniventes com o rebaixamento sistemtico do grau de rigor dos nveis de ensino, levaram a uma forte expanso da taxa de concluso dos nveis fundamental e mdio at 2000. Entretanto, as bases sobre as quais a expanso da taxa de concluso cresceu comearam a ruir mais rapidamente no incio da presente dcada, havendo inflexo nos anos 2000, exceto para a educao superior que seguiu aumentado at 2005 a uma taxa de 15% ao ano, caindo para cerca de 3% ao ano entre 2005 e 2007. A exigncia de uma taxa de concluso de 90% nas universidades federais (REUNI) mais um exemplo de medida gerencial para manter a taxa de concluso elevada, mas sem assegurar mudanas estruturais que permitam a concluso com real apropriao do conhecimento, pois na tica dominante, bastam competncias bsicas. O maior obstculo continuidade da expanso da taxa de concluso da educao bsica, conforme Helene (2010), foi o esgotamento dos dispositivos de melhoria de eficincia sem novos aportes de

recursos. A partir de 2000, nem mesmo a admisso de uma expanso da taxa de concluso sem qualidade seguiu dando resultados. Ainda hoje, 25% das crianas e jovens so eliminados do sistema escolar antes do final do ensino fundamental. No ensino mdio, quase a metade no chega a conclu-lo. No ensino mdio, em que houve um boom de matrculas, embora estas estejam em uma linha fortemente descendente (caindo 1,8 milhes entre 2003 e 2009), parte considervel das matrculas regulares vem sendo ofertada no perodo noturno, com reduzida carga horria de aulas, dramtica falta de professores, especialmente nas reas das cincias da natureza, e com infraestrutura precria das unidades escolares. Em 2009, um milho e cem mil cursavam o ensino mdio nos programas de educao de jovens e adultos, reconhecidamente aligeirados. Entre os jovens de 15 a 17 anos, somente pouco mais de 30% esto cursando a srie prevista (15 anos: 1o ano, 16 anos: 2o ano, 17 anos: 3o ano) e, como assinalado, perto da metade dos estudantes acaba abandonando este nvel.

Tabela 11

A rigor, caso a baixa escolaridade fosse um problema de grande monta para a acumulao do capital no Brasil, 58% da populao em idade ativa (PIA) no teria uma escolarizao que ultrapassasse o ensino fundamental e apenas 12% da PIA teria educao pssecundria, a maior parte formada em cursos aligeirados de instituies privado-mercantis de muito baixa qualidade, em cursos de tecnologia de curta durao e em cursos por educao a distncia muito precrios. O bloco de poder constitudo pelo reequilbrio de foras provocado pelo transformismo do PT e da CUT no deixou de ser efetivamente dirigido pelos setores mais organicamente vinculados ao imperialismo. Por isso, as iniciativas do governo Lula da Silva seguiram os trilhos da poltica educacional do governo Cardoso, como o apoio ao setor privado por meio de isenes tributrias, os contratos de gesto entre municpios, estados e MEC, a avaliao produtivista dos resultados (ENADE, ENEM, SAEB, Provinha Brasil), as medidas focalizadas, o entusiasmo pela educao a distncia, a disjuno da formao profissional e do ensino propedutico, o conceito de educao rural proveniente do programa Escola Nova colombiano. So quinze anos de poltica social-liberal. A agenda de Cardoso foi radicalizada nas isenes tributrias para o setor empresarial (ProUni), na expanso da rede de educao tecnolgica de curta durao (agora muito semelhante aos community colleges

estadunidenses, inspirados no convnio de cooperao do MEC com a USAID), no grau de massificao do uso da educao a distncia (Universidade Aberta do Brasil, liberalizao da modalidade no setor privado-mercantil), na expanso das matrculas das universidades federais por meio de um contrato de gesto o Programa de Reestruturao das Universidades Federais e no aprofundamento do deslocamento do par cincia e tecnologia como pesquisa e desenvolvimento (inovao), ressignificando a universidade como lcus de venda de servios de baixa relevncia tecnolgica e cientfica. Todo esse quadro educacional ratifica a educao minimalista para os trabalhadores, agora denominados de pobres ou excludos. O desafio, como Florestan Fernandes defendeu ao longo de toda sua vida, a entrada na cena histrica da educao dos trabalhadores organizados. O primeiro passo para isso rearticular o movimento dos educadores comprometidos com a educao pblica unitria. As lutas dos educadores estiveram muito eclipsadas pelas consignas liberais, como a gratuidade, a laicidade e o dever do Estado. Mas atualmente os liberais convergiram na defesa da educao minimalista para os trabalhadores e, por isso, os educadores comprometidos com a emancipao humana frente expropriao e explorao precisam alargar o campo de alianas, inserindo a luta pela educao pblica unitria na agenda das lutas sociais mais amplas contra a mercantilizao da educao. As reformas imediatas, imprescindveis, no podem perder seus laos dialticos com a transformao profunda da sociedade para que a desmercantilizao radical da educao possa ser levada a termo. De imediato, a luta pelo financiamento pblico de modo a atingir 10% do PIB na educao pblica um eixo central. Entretanto, o financiamento tem de ser direcionado para a construo de um sistema nacional de educao pblica unitrio, organizado e dirigido pelo protagonismo dos educadores e de conselhos sociais com ampla participao popular.

Referncias BARRETO, Raquel G.; LEHER, Roberto Do discurso e das condicionalidades do Banco Mundial, a educao superior emerge terciria. Revista Brasileira de Educao, v.13, p.423-436, 2008. BOLETIM DA AUDITORIA CIDAD DA DVIDA, n. 19, edio de 6/3/2009. Disponvel em: http://www.dividaauditoriacidada.org.br/config/BoletimAuditoriaCida da19.doc/download. Acesso em: 12/04/2010.

BOLETIM n. 27 da CPI DA DVIDA, edio 4 de maio de 2010. Disponvel em: http://www.divida-auditoriacidada.org.br/config/artigo.201005-05.7915792576/document_view, acesso em 7/5/2010. BRASIL. Lei n. 10.172 de 9/1/01. Aprova o Plano Nacional de Educao, 2001. BRASIL. Presidncia da Repblica. Decreto no 5622/05 regulamenta a educao a distncia no Brasil, 2005. BRASIL. MEC/INEP. Censo Escolar, 2005. BRASIL. Decreto 5.800 de 8/6/06. Dispe Universidade Aberta do Brasil UAB, 2006. sobre o Sistema

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