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DOSSIER PATOLOGIA UROLÓGICA Rev Port Clin Geral 2005;21:219-25 219 A ITU é uma resposta infla- matória do urotélio à in- vasão bacteriana que está associada a bacteriúria e piúria. Trata-se de um dos diagnósticos médicos mais frequentes. O Quadro I mostra as Taxas de Inci- dência de ITU por idade e sexo (Hiep T. Nguyen, MD, 2004). Até aos 15 anos de idade a ITU está relacionada com ano- malias congénitas anatómicas e funcio- nais, tais como o refluxo vesicoureteral, a obstrução e as disfunções miccionais. Dos 16-35 anos a grande maioria das ITU’s surge no sexo feminino sob a for- ma de cistites de repetição. A partir dos 35 anos a iatrogenia (ex: cateterismo uretral ou cirurgia ginecológica), a obs- trução por HBP e as disfunções miccio- nais (causadas por prolapsos gineco- lógicos e/ou incontinência) são os prin- cipais factores de risco responsáveis pelo aumento da incidência das ITU nesta faixa etária. O diagnóstico de ITU deve acentar na realização de urocultura com o res- pectivo antibiograma, o que garante a escolha do antibiótico mais adequado, limitando os custos e efeitos adversos destes fármacos e prolongando a sua eficácia impedindo a selecção de estir- pes resistentes. A apresentação clínica depende do órgão atingido, sendo as formas mais frequentes a pielonefrite, a cistite, (a epididimite, a prostatite) e a uretrite. Pielonefrite aguda Trata-se de uma infecção relativamente frequente, comum nos serviços de urgência. Infecção do tracto urinário *Interno do 4 o ano de Urologia do Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia **Assistente Hospitalar de Urologia do Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia RESUMO A Infecção do Tracto Urinário (ITU) é um termo utilizado numa grande variedade de situações clíni- cas, desde a bacteriúria assintomática até à urossépsis e morte. É um dos problemas médicos mais frequentes, com apresentações clínicas diversas e dependentes do órgão atingido: pielonefrite, cistite, prostatite e uretrite. O seu correcto diagnóstico e tratamento são essenciais para limitar a morbilidade e mortalidade desta patologia e para evitar o uso prolongado ou desnecessário de antibióticos, limitando os cus- tos e efeitos adversos destes fármacos, prolongando a sua eficácia e impedindo a selecção de estir- pes resistentes. Palavras-chave: Infecção; Trato Urinário. LUÍS COSTA*, PAULO PRÍNCIPE** INTRODUÇÃO QUADRO I INCIDÊNCIA DE ITU POR IDADE E SEXO E FACTORES DE RISCO ASSOCIADOS Idade Factores de risco <1 0,7% 2,7% Anomalias congénitas anatómicas 1-5 4,5% 0,5% Anomalias congénitas anatómicas 6-15 4,5% 0,5% Anomalias congénitas funcionais 16-35 20% 0,5% Coito, diafragmas 36-65 35% 20% Cirurgia, HBP, cateterismo >65 40% 35% Incontinência, cateterismo, HBP RIM

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Artigo de infecções do tratourogenital.

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PATOLOGIA UROLÓGICA

Rev Port Clin Geral 2005;21:219-25 219

AITU é uma resposta infla-matória do urotélio à in-vasão bacteriana que estáassociada a bacteriúria e

piúria. Trata-se de um dos diagnósticosmédicos mais frequentes.

O Quadro I mostra as Taxas de Inci-dência de ITU por idade e sexo (Hiep T.Nguyen, MD, 2004). Até aos 15 anos deidade a ITU está relacionada com ano-malias congénitas anatómicas e funcio-nais, tais como o refluxo vesicoureteral,a obstrução e as disfunções miccionais.Dos 16-35 anos a grande maioria dasITU’s surge no sexo feminino sob a for-ma de cistites de repetição. A partir dos

35 anos a iatrogenia (ex: cateterismouretral ou cirurgia ginecológica), a obs-trução por HBP e as disfunções miccio-nais (causadas por prolapsos gineco-lógicos e/ou incontinência) são os prin-cipais factores de risco responsáveispelo aumento da incidência das ITUnesta faixa etária.

O diagnóstico de ITU deve acentarna realização de urocultura com o res-pectivo antibiograma, o que garante aescolha do antibiótico mais adequado,limitando os custos e efeitos adversosdestes fármacos e prolongando a suaeficácia impedindo a selecção de estir-pes resistentes.

A apresentação clínica depende doórgão atingido, sendo as formas maisfrequentes a pielonefrite, a cistite, (aepididimite, a prostatite) e a uretrite.

Pielonefrite agudaTrata-se de uma infecção relativamentefrequente, comum nos serviços deurgência.

Infecção do tractourinário

*Interno do 4o ano de Urologia do Centro Hospitalar de

Vila Nova de Gaia**Assistente Hospitalar de Urologia

do Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia

RESUMOA Infecção do Tracto Urinário (ITU) é um termo utilizado numa grande variedade de situações clíni-cas, desde a bacteriúria assintomática até à urossépsis e morte.É um dos problemas médicos mais frequentes, com apresentações clínicas diversas e dependentesdo órgão atingido: pielonefrite, cistite, prostatite e uretrite.O seu correcto diagnóstico e tratamento são essenciais para limitar a morbilidade e mortalidadedesta patologia e para evitar o uso prolongado ou desnecessário de antibióticos, limitando os cus-tos e efeitos adversos destes fármacos, prolongando a sua eficácia e impedindo a selecção de estir-pes resistentes.

Palavras-chave: Infecção; Trato Urinário.

LUÍS COSTA*, PAULO PRÍNCIPE**

INTRODUÇÃO

QUADRO I

INCIDÊNCIA DE ITU POR IDADE E SEXO E FACTORES DE RISCO ASSOCIADOS

Idade Factores de risco<1 0,7% 2,7% Anomalias congénitas anatómicas1-5 4,5% 0,5% Anomalias congénitas anatómicas

6-15 4,5% 0,5% Anomalias congénitas funcionais16-35 20% 0,5% Coito, diafragmas36-65 35% 20% Cirurgia, HBP, cateterismo>65 40% 35% Incontinência, cateterismo, HBP

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É uma infecção grave, que atinge oparênquima e pelve renal.

Afecta, mais frequentemente, os indi-víduos do sexo feminino e os relativa-mente imunodeprimidos, como osdoentes diabéticos e idosos.

Os patogénios são, sobretudo, asbactérias aeróbias Gram negativas,como a Escherichiae coli, a Klebsiella,Proteus, Pseudomonas, Serratia, Citro-bacter e Enterobacter. São também co-muns espécies Gram positivas, como oEnterococcus faecalis e o Staphylococcusaureus.

A porta de entrada, na esmagadoramaioria das vezes, é a via ascendente,a partir do tracto urinário inferior. Ou-tras, menos frequentes, são as vias he-matogénea, a linfática ou por extensãodirecta.

O quadro típico é o de um doentefebril, com dor lombar e sintomas ge-rais, como astenia e anorexia. Podeapresentar sintomas urinários irrita-tivos, como disúria, polaquiúria e im-periosidade, e a urina apresenta-se tur-va e com odor intenso.

A febre é, tipicamente, elevada e a dorlombar, geralmente descrita como «sur-da», é de intensidade moderada e nãosofre irradiação.

Os sintomas urinários podem prece-der, em alguns dias, a febre, a dor lom-bar e os sintomas gerais (o que corres-ponde a um quadro de cistite inicial,com posterior ureterite e pielonefrite).

No exame físico, a par da febre, de-paramo-nos com um doente taquicárdi-co, taquipneico, muitas vezes com dis-tensão abdominal e dor à palpação re-nal bimanual e à percussão do ângulocostovertebral do lado afectado (o cha-mado sinal de Murphy).

Em termos analíticos, ocorre leucoci-tose com neutrofilia, com desvio esquer-do, ou seja, presença de formas jovensno esfregaço. Ocorre, também, aumen-to dos níveis de proteínas de fase agu-da, como a LDH, a PCR e o fibrinogénio.A TGO, enzima presente no parênquima

renal, também pode estar elevada. Osedimento urinário pode mostrar leuco-citúria, eritrocitúria, proteinúria e a pre-sença de nitritos (estes nem sempre pre-sentes, dado que a polaquiúria frequen-temente impede a estase urinária ne-cessária para a redução dos nitratos).O sedimento pode também apresentarcilindros, quer de glóbulos rubros, querde leucócitos, sinal patognomónico deatingimento renal.

É importante ter a noção, no entan-to, que este quadro, sendo o «clássico»,não é, necessariamente, o mais fre-quente. Calcula-se que cerca de 30%dos quadros diagnosticados como Cis-tite aguda, em doentes apiréticos, são,de facto, pielonefrites1. Nas crianças aapresentação é especialmente engana-dora, podendo apresentar unicamentedor abdominal difusa e náuseas.

Perante uma infecção urinária é, as-sim, necessário ter um elevado nível desuspeita clínica.

A pielonefrite aguda é um diagnósti-co clínico, não necessitando de confir-mação por exames de imagem. A eco-grafia renovesical, o exame mais pedi-do nestas situações, é normal em cer-ca de 70% dos casos4. É, no entanto, umexame recomendável nas formas gravese em caso de má resposta terapêutica.Nestas situações serve, não para con-firmar o diagnóstico, mas para excluircomplicações, como a presença de obs-trução do aparelho excretor ou abce-dação.

Não existe necessidade em realizaroutros exames de imagem como a uro-grafia endovenosa de eliminação (altera-da em 25% dos casos, mas pouco práti-ca) e a tomografia computorizada. Estaúltima deve ser reservada para formascomplicadas.

Estabelecido o diagnóstico, impõe-seo início da terapêutica.

Os doentes com bom estado geral,com formas pouco graves, podem sertratados em ambulatório.

Deve iniciar-se antibioterapia oral,

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associada a um anti-inflamatório nãoesteróide, precedida de uma colheita deurina para urocultura com teste de sen-sibilidade bacteriana.

A escolha do antibiótico faz-se de for-ma empírica, devendo optar-se por umaquinolona ou pela associação Trimetro-prim-Sulfametoxazole. A terapêuticadeverá ser mantida durante 10 a 14dias, ajustando-se de acordo com o re-sultado do teste de sensibilidade. Ou-tras medidas recomendadas são o re-pouso e a hidratação oral abundante.No fim do tratamento deve ser realiza-da nova urocultura, para confirmaçãoda esterilização do tracto urinário.

Os doentes com formas clínicas gra-ves, imunodeprimidos, debilitados oudiabéticos, devem ser tratados em regi-me de internamento hospitalar. Nestescasos, a par da urocultura, devem serpedidas hemoculturas, e o tratamentoadministrado por via parentérica, as-sociado a repouso e fluidoterapia en-dovenosa. A escolha do antibiótico deverecair sobre a associação ampicilinacom um aminoglicosídeo, uma quino-lona ou uma cefalosporina de terceirageração. Esta terapêutica deve manter--se durante cerca de 5 a 7 dias, com-plementada com antibioterapia oral du-rante 10 a 14 dias adicionais.

Hidronefrose Infectada e PionefroseTrata-se de uma forma complicada depielonefrite aguda, em que, a par da in-fecção, ocorre obstrução do aparelhoexcretor renal.

A hidronefrose infectada (ou uretero--hidronefrose se o ureter estiver envol-vido) corresponde a urina infectada, en-quanto que, na pionefrose, existe púsfranco, evidente aquando da drenageme sugerido pela presença de ecos inter-nos na ecografia renovesical.

Estas situações são extremamentegraves, apresentando elevada taxa demortalidade se não forem reconhecidase tratadas rapidamente.

O doente apresenta-se, geralmente,com um quadro séptico, de gravidadevariável, que pode evoluir rapidamentepara o choque. Os exames analíticossão sobreponíveis aos de um quadro depielonefrite aguda grave, com a excep-ção dos exames de urina (exame dosedimento e urocultura), em que, se aobstrução for total, podem não mostrarquaisquer alterações. O tratamento éconsiderado emergente e consiste emantibioterapia parentérica de largo es-pectro, associada a derivação urinária.Esta pode ser por via endoscópica, comcateterismo uretral, ou por via per-cutânea, com a colocação de uma ne-frostomia, geralmente ecoguiada.

Pielonefrite CrónicaCaracteriza-se por uma infecção persis-tente, quase sempre associada a umaanomalia estrutural do tracto urinário,como a presença de litíase, dilataçãocrónica ou antecedentes cirúrgicos.

A apresentação clínica é marcada porperíodos relativamente assintomáticos,em que a única alteração pode ser umainsuficiência renal crónica, intercala-dos por episódios de infecção aguda.Em termos de imagem são evidentesrins pequenos, atróficos, de contornosirregulares, com focos de cicatrização,cálices deformados, má diferenciaçãocorticomedular e má captação de con-traste. Quando atinge apenas um dosrins, tipicamente ocorre hipertrofiacompensadora contralateral.

O tratamento consiste na correcçãodas anomalias estruturais, associada àprevenção de novos episódios infeccio-sos agudos. Em certas situações, comquadros sépticos repetidos e má funçãorenal, pode estar indicada a nefrecto-mia.

Pielonefrite EnfisematosaTrata-se de uma pielonefrite aguda,complicada por necrose parênquima-tosa e infecção peri-renal, com produ-ção de gás. Acarreta elevada morbilida-

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de e mortalidade. Atinge preferencial-mente doentes diabéticos (cerca de 90a 95% dos casos), geralmente do sexofeminino, por vezes com uropatia obs-trutiva (10 a 20% têm litíase ou necrosepapilar associada)2.

É importante diferenciar esta infec-ção de uma pielonefrite aguda com pre-sença de gás no aparelho excretor. Nes-te caso trata-se de uma infecção porbactérias produtoras de gás, não sendoum quadro clínico tão grave quanto oanterior.

Os agentes patogénicos mais fre-quentes da pielonefrite enfisematosasão as bactérias aeróbicas Gram nega-tivas, nomeadamente a Escherichiaecoli., Klebsiella e Proteus. Cerca de 10%dos casos são polimicrobianos1.

O diagnóstico é estabelecido peloquadro clínico de pielonefrite aguda gra-ve, por vezes com pneumatúria, asso-ciada à presença de gás intraparênqui-matoso e perinéfrico, visível nos exa-mes de imagem, nomeadamente o RXrenovesical, a Ecografia renovesical e aTomografia computorizada (nesta últi-ma o uso de contraste está contra-in-dicado).

Trata-se de uma doença que evoluirapidamente para o choque séptico,com uma taxa de mortalidade entre os40 e 90%, dependendo das co-morbili-dades e do tempo decorrido até ao diag-nóstico10.

A terapêutica consiste em medidasde suporte gerais, associadas a anti-bioterapia parentérica e derivação uri-nária emergente em caso de obstrução,seja por Nefrostomia percutânea, ou porcateterismo ureteral. A resposta tera-pêutica pode ser seguida, quer por pa-râmetros clínicos e analíticos, quer porexames de imagem, uma vez que, sendoo CO2 rapidamente difusível nos teci-dos, a persistência de gás indica infec-ção e necrose continuadas. Em caso demá resposta terapêutica impõe-se odesbridamento cirúrgico e/ou a nefrec-tomia.

Abcesso RenalTrata-se de uma infecção grave, compresença de uma loca abcedada renal.Pode ocorrer como complicação de umquadro pielonefrítico, ou isoladamente,sem infecção urinária prévia. Na erapré-antibiótica era mais frequente o seudesenvolvimento por via hematogénea,constituindo o denominado carbúncu-lo renal. Os patogénios mais frequentespor esta via são os cocos gram posi-tivos, em especial o Staphylococcus au-reus.

Estes abcessos, tipicamente corti-cais, ainda ocorrem hoje em dia, geral-mente como complicação de infecçõescutâneas ou dentárias negligenciadas.A maior parte dos casos decorre dequadros pielonefríticos. Desenvolvem--se, tipicamente, em doentes com facto-res predisponentes, nomeadamentediabetes mellitus, litíase, necrose papi-lar, refluxo vesico-ureteral ou antece-dentes de cirurgia urológica. São geral-mente de localização cortico-medular, eos patogénios mais frequentes são asEnterobacteriaceae.

A apresentação clínica é marcada poruma evolução arrastada, em que odoente refere dor lombar contínua, deintensidade moderada, associada a pi-cos febris, náuseas, vómitos, astenia,anorexia e perda de peso. O exame físi-co revela distensão abdominal, com dorà palpação do flanco homolateral e sinalde «Murphy» renal positivo. O diagnós-tico é feito com recurso a exames deimagem, sendo o exame que permite amelhor caracterização.

A terapêutica corresponde a me-didas gerais de suporte, associadas a antibioterapia parentérica empírica edrenagem do abcesso. A drenagem percutânea, guiada por tomografiacomputorizada ou ecografia, é geral-mente a primeira opção. Em caso de máresposta clínica, locas múltiplas, mauacesso percutâneo ou drenagem inefi-caz, impõe-se a drenagem cirúrgicaaberta.

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Pielonefrite XantogranulomatosaTrata-se de uma infecção crónica, indo-lente, num rim com obstrução do apa-relho excretor. Ocorre acumulação decélulas xantomatosas, com formaçãode granulomas, destruição parên-quimatosa e fistulização para órgãos vi-zinhos. Os doentes são geralmente dosexo feminino (relação de 3 para 1), comidades entre os 40 e 70 anos e comuropatia obstrutiva. Esta infecção pre-dispõe ao desenvolvimento de carcino-mas secundários, sejam de células re-nais, epidermóides ou de células detransição. (Schoborg et al, 1980). Osagentes mais frequentes são a Es-cherichiae coli e o Proteus mirabilis.

A apresentação clínica consiste emdor lombar, febre e a presença de umamassa palpável no flanco (presente emcerca de 60% dos casos). As urocul-turas são geralmente positivas e o exa-me citológico da urina pode mostrar apresença de células xantomatosas. Atomografia computorizada, exame deeleição, mostra a presença de zonas re-nais abcedadas, associadas a dilatação,litíase, e invasão dos tecidos vizinhospela massa inflamatória.

O tratamento consiste na Nefrecto-mia com excisão de todos os tecidosvizinhos atingidos. Em alguns casos,com processo inflamatório limitado,pode ser possível a nefrectomia parcial.A drenagem percutânea está contra-in-dicada devido ao risco do desenvolvi-mento de trajectos fistulosos. Em cer-tas situações, o quadro de pielonefritexantogranulomatosa é indistinguível doduma neoplasia maligna, sendo que,muitas vezes, o diagnóstico é anátomo--patológico.

Cistite agudaÉ uma das ITU’s mais frequentes, queatinge principalmente as mulheres se-xualmente activas em idade fértil. A in-

fecção é geralmente ascendente desdea região perimeato uretral, vagina e flo-ra fecal.

A apresentação clínica consiste napresença de sintomatologia urináriabaixa («LUTS») do tipo irritativo, tais co-mo: disúria, frequência e urgência. Dorsupra púbica, hematúria e urina turvae de odor intenso são também sintomascomuns. A febre e sintomas constitu-cionais estão ausentes.

Tipicamente a urina revela leucóci-tos e hematúria, que pode ser macros-cópica. O diagnóstico é clínico e confir-mado por urocultura que identifica o or-ganismo responsável e a sua sensibili-dade aos antibióticos. Os patogénioshabituais são os Gram negativos, sendoa E. coli a responsável na grande maio-ria dos casos.

Numa infecção isolada, na mulherem idade fértil, com um quadro clínicoe análise de urina sugestivos, a culturade urina poderá ser dispensada (HiepT. Nguyen, MD, 2004). Os estudos ima-giológicos na cistite aguda são desne-cessários.

O tratamento consiste num cursocurto de antibiótico por via oral, em ge-ral 3 a 5 dias. O tratamento com doseúnica, por ser menos efectivo, não estárecomendado (Philbrieck, 1986). TMP--SMX, nitrofurantoína e as fluoroqui-nolonas têm uma excelente actividadecontra a maioria dos patogénios quecausam cistite. A resistência às peni-cilinas e aminoglicosideos é muito ele-vada, tornando estes fármacos não re-comendados para este tipo de infecções(Hiep T. Nguyen, MD, 2004).

Cistite RecorrenteA cistite de repetição é causada por per-sistência bacteriana ou por reinfecçãopor outro microorganismo. Assim, tor-na-se indispensável a urocultura siste-mática para distinguir estas duas situa-ções, pois o seu tratamento é distinto.

Em caso de persistência bacterianaé necessário excluir a presença de «fo-

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BEXIGA

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cos» no trato urinário, tais como: cálcu-los, refluxo vesico-ureteral, pielonefritecrónica, malformações congénitas, obs-trução, etc. A remoção destes «focos» égeralmente curativa.

Quando a reinfecção urinária é acausa da cistite de repetição, a doentedeve ser avaliada quanto à existência defactores de risco tais como: pobre inges-tão hídrica com diminuição da frequên-cia das micções, uso de diafragmase/ou de espermicidas, excesso de cui-dados de higiene com o uso de produ-tos que diminuem a flora comensal e aobstipação. Em algumas mulheres épossível estabelecer relação entre a acti-vidade sexual e a infecção. O hábito deurinar após o coito pode por si só di-minuir as recorrências.

Quando, apesar da correcção destesfactores de risco permanecem as in-fecções de repetição, deve-se utilizar aterapêutica farmacológica.

Antibioprofilaxia contínua em baixasdoses diminuiu as recorrências 95%mais eficazmente que o placebo. (Man-giarotti, Pizzini and Fanos, 2000; Nicolleand Ronald, 1987). Em geral é utiliza-do o TMP-SMX ou a nitrofurantoína emtoma única diária, ou então após o coitonas mulheres em que as infecções sur-gem relacionadas com a actividade se-xual.

Nas mulheres pós-menopausa estáindicada a reposição intravaginal de es-trogéneos.

Pode ser tentada a estimulação dosistema imunitário (vacinação), recor-rendo à administração oral de estratosde bactérias (ex.: Urovaxon®).

A infecção da uretra pode ser classifi-cada em dois grupos: causada pelaNeisseria gonorrhoea ou por outros mi-croorganismos (Ureaplasma, Mycoplas-ma, Chlamydia, Trichomonas e Herpessimples vírus). A maioria das uretrites

fazem parte das doenças sexualmentetransmissíveis (DST).

A escorrência uretral e a disúria do-minam o quadro clínico, podendo, emcaso de infecções repetidas e mal tra-tadas, evoluir para estenose da uretracom o aparecimento de sintomas obs-trutivos. A quantidade de escorrência émuito variável, sendo tipicamenteabundante e purulenta na uretrite go-nocócica.

O diagnóstico é feito por exame e cul-tura do esfregaço da uretra. Aproxima-damente 30% dos homens infectadoscom N. gonorrhoeae têm concomitante-mente infecção por Chlamydia.

A uretrite gonocócica deve ser trata-da com ceftrixone (250 mg IM em doseúnica) ou com fluoroquinolonas (cipro-floxacina (250 mg PO) ou norfloxacina(800 mg). Deve ser sempre associadauma tetraciclina ou azitromicina dadaa presença provável de infecção comChlamydia.

As uretrites não gonocócicas sãotratadas com uma tetraciclina, eritro-micina ou azitromicina. É fundamentalnão esquecer o tratamento simultâneodo parceiro sexual (e recomendar o usode preservativo).

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URETRA

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Endereço para correspondência:Paulo PríncipeServiço de Urologia Centro Hospitalar de Vila Nova de GaiaR. Conceição Fernandes, 4434-502 V.N.GaiaEmail: [email protected]

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