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  • O EXERCCIO DA SENSIBILIDADE: PESQUISA QUALITATIVA E A SADE COMO QUALIDADE.

    Rubens de Camargo Ferreira Adomo* Ana Lcia de Castro**

    * Professor Doutor Departamento de Prtica de Sade Pblica - FSP/USP. ** Mestre em Antropologia. Tcnica Especializada Departamento de Prtica de Sade Pblica

    FSP/USP.

    "O conhecimento sociolgico espirala dentro e fora do universo da vida social, reconstituindo tanto este universo como a si mesmo, como

    parte integral deste processo."

    Anthony Giddens

    Resumo: O artigo procura discutir a insero do termo "qualitativo" nos focos de discusso metodolgica no campo da sade pblica, situando essa questo em trs nveis: sua vinculao recorrente discusso entre positivismo e sociologia crtica; as demandas existentes na rea de sade que legitimam o apelo a alternativas metodolgicas, e a relao deste qualitativo com propostas do trabalho de campo na antropologia. Refere, ainda, necessidade de construo de um referencial metodolgico que incorpore a sensibilidade do investigador, na atual crise de paradigmas decorrente, em boa medida, da fragmentao e heterogeneidade contemporneas.

    INTRODUO

    Este trabalho busca contribuir para a reflexo acerca da "pesquisa

  • qualitativa" no campo da sade pblica. A preocupao com o trabalho de campo, a pesquisa domiciliar, ou ainda o "contato com populaes" esteve presente na histria do "sanitarismo", resultando na demanda por "tcnicas de abordagem", ou "tcnicas" de elaborao de instrumentos de abordagem de populaes. Esta preocupao, entretanto, circunscreveu-se ao nvel das tcnicas e no ao mtodo enquanto reflexo terica acerca da abordagem e do desenho da pesquisa.

    Cabe esclarecer, inicialmente, que o mtodo aqui entendido como o exerccio reflexivo de apreenso de uma dada realidade, ou como a expresso da relao sujeito/objeto, isto , da forma como o pesquisador enquadra a realidade e nela se enquadra. Certamente, a histria da insero das cincias sociais no campo da sade passa pela compreenso de que um dos papis deste campo do conhecimento se refere s "respostas metodolgicas" ou ao fornecimento de "instrumentais" para o problema de como "abordar e pesquisar pessoas". Contudo, seu papel no se restringe e no pode ser reduzido a esse aspecto. Por outro lado, so vrias as demandas e o imaginrio a respeito das "cincias sociais" por parte da rea da sade pblica; o prprio termo "cincias sociais", nesse campo, conota a idia de uma coisa s, um bloco, que significa alguma coisa em seu conjunto, a respeito da qual no se faz distino.

    Em termos da "metodologia", uma das "pontes" possveis entre as cincias sociais e o sanitarismo residiu, como foi dito, na experincia do trabalho de campo. O trabalho de campo pode ser uma experincia sociolgica, ou antropolgica; no entanto vem sendo tratado enquanto tcnica, na rea de sade, como atividade de observao, contato com o "objeto"- leia-se as populaes - ou de levantamento, sem que se considere a experincia que essas disciplinas tem a contar. As referncias a tcnicas como o "Rap" - Rapid assesments procedures (CHAMBERS, 1981), a "grupos focais" (GLICK & GORDON, 1988), e recentemente "triangulao", vm sendo incorporadas ao discurso da sade pblica como

  • "tcnicas" sem que se faa a necessria distino ou contextualizao das mesmas. Assim, vo padecer da mesma crtica que a prpria rea da "sade pblica" recebeu: a de reduzir coisas de diferentes mundos e pesos, como o "meio fsico" e os indivduos, a uma equao tcnica, desconsiderando especificidades e singularidades no s na expresso como no surgimento dos problemas de sade.

    UMA ENTRE TANTAS QUERELAS..

    A referncia ao uso de "mtodos qualitativos" j faz parte do campo de pesquisa da sade pblica e vem se incorporando tambm s chamadas "cincias sociais aplicadas". Na medida em que o termo "qualitativo" logrou ganhar espao, alimentou-se a discusso em torno da questo da "validade" ou validao de seus resultados

    No se trata aqui de discutir a questo falaciosa da oposio entre tcnicas quantitativas e qualitativas, que uma reao entre as tantas presentes em um campo que abrange vrias disciplinas. Como bem demonstrou o trabalho de MIN AYO e SANCHES(1993), h uma singularidade em cada uma das tcnicas, o que aconselha a uma complementaridade das duas abordagens metodolgicas, no que se refere construo de desenho da pesquisa. Na verdade trata-se da reapresentao de fundo epistemolgico, que destaca um caminho empiricista e experimentalista, por um lado ( que vem sendo chamado de "positivismo", ou de "neo positivismo" no caso mais recente) e a posio que defende uma "postura crtica", presente nas "cincias humanas" e em particular na sociologia "interpretativa", ou "crtica", que se refere cincia como uma construo analtica e no apenas descritiva da realidade.

    O que se pretende introduzir como discusso no espao desse artigo, refere-se ao fato de que, alm dessas questes de "fundo metodolgico", a prpria

  • condio do mtodo encontra-se hoje em discusso, em funo do que vem sendo chamado de "crise de paradigmas" (mais expressamente das cincias sociais), ou de uma crise de interpretao em torno de modelos cristalizados. E essa crise aponta para uma busca de resposta, ou para colocao de perguntas, de ensaios e no necessariamente para uma resposta definitiva. Nesse sentido, novos conceitos, ou novas "ondas metodolgicas" buscam situar-se de um lado ou de outro, colocando-se na continuidade das tradies de viso da cincia, que marcaram o seu advento e a sua crtica.

    A discusso a que nos referimos acerca do uso do "qualitativo", vem sendo retomada, na tica da oposio entre dimenso emprica e a interpretativa, com o uso do termo triangulao' , numa perspectiva que prope a sobreposio de uma anlise unidimensional, alicerada em ndices da realidade, a uma anlise multidimensional, ou do contexto. A triangulao, como recomendao metodolgica, em termos formais, prescreve que a utilizao de multimeios garantiria uma maior validade aos dados. Nesse sentido, o raciocnio empreendido o de que a fraqueza, defeito ou problema de operacionalizao de um mtodo seria compensado pelas caractersticas de outro; nesse caso poder-se-ia pensar, quando se trata de levantamento de bitos por determinada doena, por exemplo, em se utilizar dos pronturios mdicos, juntamente com entrevistas com agentes de sade, familiares e outros registros.

    Trata-se, portanto, de uma atualizao do debate "positivismo" X "sociologia crtica": longe de se considerar que o uso de mltiplas tcnicas no seja enriquecedor para a pesquisa, o ponto de partida ou de destaque colocado na defesa da triangulao reside nas "tcnicas" e na idia de validao da pesquisa atravs da aferio de uma tcnica por outra.

    * A esse respeito, vide JICK. T D. (1983)

  • Na discusso que vem se travando em torno do conceito de triangulao, surgiu tambm a defesa de uma opo interpretativa, que alicera-se na fenomenologa, tendo como base a noo de construo do conhecimento a partir do contexto.

    A idia de triangulao, como estratgia metodolgica para o estudo do contexto, tem como princpio a noo de que as aes sociais, assim como as falas, tm que ser referenciadas a uma situao especfica, local ou histrica, em que se expressam os conflitos, as demandas, as representaes em torno das relaes sociais. A garantia da validao ou validade, deixaria de se colocar atravs da aferio de ndices, ou da expresso estatstica da coerncia entre diferentes recortes do objeto dentro da pesquisa, para tornar-se a anlise das relaes do contexto com as aes, realizada a partir de enquadre de maior amplitude do problema de investigao.

    Cabe lembrar que essa recomendao "metodolgica", antes de ser discutida como "tcnica" de validao, pode ser aferida na trajetria das prprias cincias sociais e mais especificamente da antropologia, tanto em sua acepo clssica, a etnologia de Malinowski, como naquela que foi realizada no terreno urbano, nos Estados Unidos nos anos 30 e 40 (GANS, 1962) . Essa tradio pode ser vista como um exerccio de muitas e sucessivas "triangulaes", as quais se colocam necessariamente como a busca da validao. Ou seja, a qualidade que tem as "cincias sociais", e singularmente a antropologia, de portar um contedo que, se apresentando como heurstico, foi entretanto produzido por sucessivas buscas e movimentos, de observao e de "insights" diante de seus objetos, cruzando-se, "triangulando-se" com o marco maior, a borda das "sociedades ocidentais", que mesmo ali do lado, ou presentes nos espaos transocenicos, se fez parte da interpretao local.

  • Vale lembrar que a discusso tambm encontra-se registrada por BECKER, em captulos de seu livro recentemente publicado no Brasil (1993), registrando o debate que j ocorria nos anos 50 a respeito das "tcnicas" utilizadas no trabalho de campo qualitativo. Becker demonstra que nesses estudos existem "ndices" sensveis para captar a realidade, ndices que situam o pesquisador em funo da veracidade das falas, ou da escolha de interlocutores.

    A referncia triangulao e ao uso de multimeios, pode tambm oferecer uma discusso em relao aos estudos epidemiolgicos, e a retomada de estudos de caso, em que predominam a descrio clnica. A importncia que adquirem as tcnicas, e seu uso multivariado, se sobrepem prpria construo de um conhecimento acerca da observao dos casos, a uma construo que possa ao menos cingir a fenomenologa, de estabelecer relaes com o contexto.

    Enfim, reiterando que no se trata de desvalorizar a pertinncia do uso de vrios meios para empreender o trabalho de pesquisa, trata-se de alertar para o fato de que a amplitude tcnica no significa tbua de salvao.

    INDIVIDUAL E COLETIVO

    O que pensamos aqui a propsito das "metodologias qualitativas", que o confronto dos temas tradicionalmente ensejados pelo campo da sade com as aventuras metodolgicas, de enquadre propostos pela antropologia, encontra-se no centro do desafio atual, o que diz respeito discusso sobre o prprio projeto inacabado, ou inconcluso da modernidade.

    Atualmente, colocam-se como latentes no campo de discusso da sade questes como: a perspectiva de aproximao de espaos, o convvio da doena com a sade, a busca de qualidade mais do que quantidade, a dimenso

  • transnacional dos fenmenos de sade, a constatao afinal de que a perseguio da sade no se resume diminuio quantitativa das doenas, e o fato de que a riqueza e as tecnologias no significam o trmino das desigualdades. O que tem se verificado que, com o processo de "globalizao", ao invs da atenuao dos contrastes, esses vm aparecendo e se expressando em um maior campo de ressonncia, levando a um efeito paradoxal. O prximo se torna distante e o distante se torna prximo; a pobreza, antes do "terceiro mundo", atinge ruas do dito "mundo desenvolvido"; o conflito do "leste" atravessa a sala de TV dos pases da periferia do sul; a periferia no s o espao da excluso dos servios, mas tambm um espao em que se realiza o consumo.

    Como decorrncia desses processos, percebe-se a ampliao do campo temtico e do prprio sentido de entendimento da sade das sociedades. De modo que, ao lado de uma recuperao do indivduo, ou de uma sociedade cada vez mais voltada para os indivduos, est a produo de um campo, de uma zona de demandas e conflitos que so essencialmente sociais.

    Nesse sentido, vale lembrar Boaventura de SOUZA SANTOS (1995), que sugere que a atual busca do "micro", realizou uma publicizao (termo nosso) do indivduo, ou de que apesar de um movimento para as singularidades nunca estivemos to inclusos em um contexto global, que delimita terrenos, discusses polmicas sobre a tica, a intimidade, o uso dos desejos, o que leva a politizar problemas antes restritos esfera privada.

    Assim, destacamos que no entendimento da questo da sade, podemos v-la tratada, entre outras, nas seguintes direes:

    1- na direo sinalizada por uma postura existencial, fenomenolgica, que valoriza o fato da relao entre sade-indivduo como uma questo de natureza singular: a forma como os indivduos vivem a sua doena, a forma como

  • vivem - sem pleonasmo - sua vida e sua morte. Essa postura ganha contornos e interesse na esfera da sade contempornea que enseja, por um lado , a corpolatria, isto , a produo do indivduo atravs da imagem do corpo, por outro a perspectiva da vida ameaada: a violncia, os acidentes, a AIDS, as ameaas contidas no lazer e no prazer. Iluminar experincias, e trajetrias individuais, mesmo que em termos ensasticos, vem delineando um interesse latente na cultura contempornea: destacar a experincia da doena, da ameaa e dos indivduos e a experincia do corpo, da existncia.

    2- na direo que enfatiza a relao entre os servios, as polticas e os indivduos e grupos, descrevendo e interpretando os modos de gerenciar a ateno, as causas, a preveno; esta direo, que se coloca na herana mais direta da sade pblica, incorpora a idia de qualidade e de pluralidade de meios, terapias, modelos de assistncia. A prpria idia de "qualidade" vem implicando numa ampliao da discusso no interior do campo da sade: a qualidade de vida como construo da vizinhana, da cidade, do acesso, da possibilidade do consumo, e de possuir vrias identificaes. Em decorrncia desta ampliao, tem-se a incorporao de temas cotidianos - que se relacionam a estilos de vida - ao campo da sade pblica: consumo, drogas, violncia, ecologia, qualidade urbana,

    Nesse sentido: o "trabalho de campo" conclui um movimento que partiu dos "ndices" para a fala, com seus contedos e suas representaes simblicas, revalorizando um aspecto da herana clssica da antropologia: o fato de "estar l", "testemunhar", "participar", "estar presente". Hoje se valoriza esse aspecto na pesquisa: o conhecer rompe barreiras com o testemunhar, o falar estar participando da construo de um objeto, traz-lo a pblico. Desta experincia, como tantas, que envolve sair do espao linear e finito do trabalho especfico intra-muros para um espao alm, que, mesmo vizinho, porta cutro lado do mundo.

  • PARADIGMAS MODERNOS PARA REALIDADES PS-MODERNAS OU PARADIGMAS PS-MODERNOS PARA REALIDADES MODERNAS*?

    Como foi colocado no incio deste artigo, o mtodo expressa a forma como o pesquisador enquadra o objeto (a realidade social) e nele se situa. Pois bem, sera possvel, hoje, falarmos, com segurana, a respeito das relaes sociais e da sociedade? Que certezas as cincias sociais oferecem hoje acerca do novo contexto mundial, ou global, que vem colocando em cena um modo de produo com caractersticas de novo tipo, formas de sociabilidade outras e conflitos sociais fragmentados, dispersos, que fazem o conflito capital/trabalho, originrio de uma das grandes metanarrativas da modernidade - o marxismo - perder sua posio de centralidade?

    Se possvel apontar uma certeza, ela reside na afirmao de que a sociedade vem se complexificando e se fragmentando de forma crescente e que as recentes mudanas colocam em cena, ao lado das antigas contradies e velhos problemas, novos cenrios e novas questes a serem desvendadas e discutidas. Contudo, a forma de entender e denominar essa nova condio bastante diversa e est ligada discusso acerca da continuidade ou da ruptura com relao ao projeto da modernidade trazidas pela ps-modemidade. Ps-industnalismo, ps-modemidade, globalizao, mundializao so os principais nomes que aparecem no panteo representativo do esforo de identificar e nomear a nova condio. Afinal, como afirma o ditado popular nordestino, existindo o nome, existe o bicho...

    Assim, vrias so as tentativas de apreender a to propalada fragmentao presente na contemporaneidade. Claus OFFE (1989) parte da discusso acerca da perda de centralidade da categoria trabalho enquanto HABERMAS (1987) remete a discusso crise da utopia do trabalho autnomo ou liberto da dominao, que no necessariamente significa a crise das utopias.

  • GIDDENS (1991) e FEATHERSTONE (1995), por seu turno, se colocam numa perspectiva que aponta para o fato de que a realidade chamada ps-moderna no representaria uma ruptura com o projeto e com as instituies da modernidade, mas uma preponderncia da cultura, da esfera do consumo e suas representaes, bem como de novas percepes de tempo e de espao. Frederic JAMESON (1985) e David HARVEY (1992) partem da idia de que a fragmentao da realidade pauta-se nas transformaes sofridas no plano da infra-estrutura (acumulao flexvel, nichos de mercado, desterritorializao da produo e do consumo), numa perspectiva que, fiel tradio marxista, aponta para a idia de que a complexidade da base estrutural conduziria a comportamentos fragmentados.

    Andreas HUYSSENS (1991) apontar para a discusso da ps-modernidade como decorrncia da ecloso da problemtica da alteridade, reforada pelos movimentos de afirmao de identidades (sexuais, tnicas, raciais, ecolgicas), movimentos esses que conduzem ao questionamento da proposta contida no projeto iluminista, (ou no projeto da modernidade), enquanto portador de uma razo branca, masculina, burguesa e ocidental. Assim, nessa perspectiva, a ps-modernidade estaria ligada crise do projeto da modernidade, impondo a necessidade de rev-lo criticamente.

    Se em sua origem (as cincias sociais nascem com a afirmao da modernidade, assim como o sanitarismo) havia plena certeza e segurana acerca do objeto das cincias sociais (seu funcionamento e suas relaes com os demais campos do conhecimento, permitindo ao pesquisador definir seu enquadramento) hoje, com a complexidade da sociedade contempornea, mais do que nunca o pesquisador deve esforar-se em aprender a lidar com o incerto, o descontnuo, o flexvel, o plural e o escorregadio. Cada vez mais a velocidade e a fugacidade ganham terreno no espectro do conhecimento e da vida quotidiana. Ou seja, algo na sociedade mudou; assim, a forma de abord-la e sobre ela se debruar como

  • pesquisador deve ser outra, impondo-nos a necessidade de repensar o mtodo, a relao sujeito-objeto, a pesquisa. Com os paradigmas da modernidade intactos no possvel ler e interpretar a realidade contempornea.

    Talvez a atual realidade fragmentada e a ausncia de referncias fixas esteja associada ao fortalecimento da antropologia, enquanto campo de conhecimento, nesse final de sculo, uma vez que o exerccio antropolgico carrega, necessariamente, a experincia da intersubjetividade, que conduz reviso do sentido dado s coisas, podendo corresponder necessidade de se situar, de achar um espao especfico na multiplicidade de espaos presente na contemporaneidade fragmentada. Recentemente, ao menos aparentemente, tem-se sentido, a partir da escolha de temas de Mestrado, uma vontade de pesquisar temas mais abrangentes, diversificados. Que fatos podem estar relacionados a essa busca pela pesquisa, pelo conhecimento? Acreditamos na hiptese de que a pesquisa, tal qual demandada e situada nos cursos de ps-graduao de sade pblica, parece uma busca de comunicao, de entendimento das coisas; uma forma de agir interagindo sobre elas, associada crena de que antes preciso conhecer e que conhecer uma forma de estar atuando.*

    Esse "atuar", pode partir de uma insatisfao com o trabalho montono e cotidiano nas instituies, e estar ligado a uma vontade de procurar algum terreno em que se faz possvel sistematizar, dizer algo sobre um assunto, ou tema, que percebido mas no tem espao para ser tratado. Os temas dizem respeito tanto ao peculiar, singularidade de um problema (uma doena, um comportamento, uma questo de gnero), como remetem forma da sociedade tratar, interpretar ou gerir estes problemas. O indivduo e as questes sociais, o indivduo e os movimentos sociais so outras pontes possveis, que se expressam como temas na

    * No podemos deixar de referir a atual crise do mercado de trabalho, que tem tambm levado muitos profissionais a cursarem o mestrado como alternativa de renda.

  • rea de sade pblica.

    Essas questes nos remetem , mais uma vez, antropologia, como exerccio que coloca frente frente a experincia de dois mundos. A pesquisa uma forma de intervir, sem dvida, se nossa conscincia a respeito disso for provocada; de intervir no s sobre o campo da pesquisa, mas tambm sobre nossas percepes a seu respeito.

    Sem "jogar fora a criana com a gua do banho", isto , sem desprezar os ideais de igualdade, justia, autonomia, respeito s diferenas, presentes no arcabouo terico da modernidade, cabe agora propor novas direes, que certamente passam pela construo de uma tica, entendida no s como construo de princpios, mas como exerccio de uma certa sensibilidade, que tem como referncia a experincia de "mundos opostos", numa perspectiva que aponte para a "transposio dos mundos", como movimento que estimule a mudana e, como coloca Kroeber, citado por GEERTZ (1988), afete o sentido dado s coisas, isto , conduza redefinio da leitura que fazemos do e da forma como nos colocamos no mundo.

    Assim como Walter BENJAMIN (1991) olhava para a experincia do "urbano", da "massa" e do "choque" nela presente como algo que imporia a necessidade de desenvolver uma nova sensibilidade, podemos olhar para os problemas emergentes de sade pblica - a ameaa da vida, do envelhecimento, da doena aniquiladora, do prazer e de seu definhar, das novas sensaes e das outras tantas violncias - sem que tenhamos nossa pele e nosso olhar para esse mundo, impregnados pela fora da sensibilidade?

  • REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS 1. ADORNO, R.C.F. A trajetria do movimento e da participao: a conduta dos

    atores sociais na sade. So Paulo, 1992. [Tese de Doutorado -Faculdade de Sade Pblica da USP]

    2. BECKER, H. S. Mtodos de pesquisa em cincias sociais. So Paulo, Hucitec, 1993

    3. BENJAMIN, W. "O faneur". In: BAUDELAIRE C.: um lrico no auge do capitalismo. So Paulo, Brasiliense, 1991. (Obras Escolhidas III)

    4. CHAMBERS, R. "Rapid rural appraisal: rationale and repertoire. Public Administr Develop, 1. p. 95-106, 1981.

    5. CHAMBERS, R. Bureaucratic reversals and local diversity. IDS Bull, 19(4):50-6, 1988.

    6. FEATHERSTONE, M. Cultura de consumo e ps-modernismo. So Paulo, Studio Nobel, 1995.

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