7ª Conferência Nacional de Educação da CNTE · Já a eleição do presidente Lula possibilitou...
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7ª Conferência Nacional de Educação da CNTE Brasília, 9 a 11 de outubro de 2009
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A oportunidade de a sociedade retomar a discussão sobre a construção de um Sistema
Nacional de Educação (SNE) requer o compromisso de todos os atores envolvidos no processo
educacional, pois abster-se desse debate significa corroborar com o status quo das desigualdades
social e econômica, ao qual o país tem procurado reverter desde a vitória eleitoral para presidente,
em 2002.
A CNTE nunca teve dúvida da essencialidade do SNE como um dos mecanismos para a
superação das mazelas educacionais brasileiras. Porém, seus objetivos devem estar centrados na
viabilidade da escola unitária – aquela onde os estudantes e os profissionais do interior do Maranhão
ou da periferia de São Paulo contem com a mesma qualidade oferecida àqueles das escolas de
referência de qualquer parte do país.
Assim como num passado recente, uma nova Conferência Nacional de Educação se dispõe a
ser a instância de debate plural e democrático rumo à concretização do SNE. Agora, porém, esta
instância propõe-se ser institucionalizada e protagonista do debate social para a formulação das
políticas públicas, e a CNTE, por este motivo, tem sido partícipe da CONAE, de modo que
contribuiu ativamente na elaboração de seu documento-base para a edição 2010. Também as
entidades filiadas à Confederação têm participado com afinco da organização das Conferências
Municipais, Intermunicipais e Estaduais, principalmente onde os governos locais se omitiram em
organizá-las.
A promoção de mais um momento de intensa reflexão sobre a construção do SNE e do novo
Plano Nacional de Educação (PNE), junto a nossa base e às vésperas das conferências estaduais que
precedem a CONAE, demonstra nosso compromisso e desejo em tratar esses dois temas de forma a
relacioná-los ao projeto de desenvolvimento nacional sustentável, com valorização do trabalho.
Os subsídios apresentados neste documento, que incorporam parte do texto publicado na 3ª
edição da revista Esforce, são fruto de nossas experiências acumuladas, das reivindicações atuais e
dos sonhos para o futuro. Também agregam os processos de luta que a CNTE protagonizou junto
com outros parceiros, a exemplo da regulamentação da LDB (projeto Jorge Haje), da assinatura do
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Acordo Nacional de Educação para Todos e da construção do Plano Nacional de Educação da
Sociedade Brasileira.
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Desejamos, a todos e a todas, um excelente trabalho, a fim de que aprimoremos nossas
contribuições a mais esse momento histórico para a educação brasileira, que, Oxalá, vingue no
sentido de promover a qualidade da educação – sobretudo a pública – e a valorização de seus
profissionais.
Os esforços e o contra-esforço para implementar o SNE: breve
histórico das lutas sociais e institucionais
Na primeira fase dos debates sobre a regulamentação do art. 22, XXIV da CF/88, a CNTE,
então integrante do Fórum Nacional da LDB, apoiou o Substitutivo apresentado pelo relator Jorge
Hage ao PL 1.258/88, que visava instituir o SNE como “expressão institucional do esforço
organizado, autônomo e permanente do Estado e da sociedade brasileira pela educação,
compreendendo os sistemas de ensino da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios,
bem como as instituições públicas e privadas, prestadoras de serviços de natureza educacional”1
Essa expressão institucional, encarregada de organizar toda a educação nacional, continha,
em esfera nacional, fundamentos, objetivos e órgãos normativo e de coordenação, de execução,
consultivo e de articulação com a sociedade. Também dispunha de abrangência e competências
definidas, assim como os sistemas próprios da União, dos Estados, do DF e dos Municípios. As
normatizações gerais do SNE encontravam-se dispostas na LDB, e tinham a gestão democrática
como base de formulação e articulação das políticas entre os sistemas de ensino. Eram tidas como
normas gerais da educação, as condições para a formação e a valorização da carreira dos
profissionais da educação, as áreas prioritárias de atuação de cada ente, os critérios para aplicação
dos recursos financeiros, as formas de organização de cada nível, etapa e modalidade do ensino e o
currículo nacional comum.
Paralelamente ao processo legislativo, e diante da urgência de se melhorar os indicadores
educacionais, em 19 de outubro de 1994, a CNTE assinou, em conjunto com MEC, Consed,
Undime, CRUB e Conselhos Estaduais de Educação, o Pacto pela Valorização do Magistério e
Qualidade da Educação, também denominado de Compromisso com a Qualidade e a
Profissionalização do Magistério: Por uma Escola de Cidadãos.
1 Redação conferida ao caput do art. 8º do PL 1.258/88, aprovado na Comissão de Educação, Cultura e Desporto da Câmara dos Deputados.
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O Pacto, não materializado em lei, foi fruto da Conferência Nacional de Educação, realizada
em setembro de 1994, em que as esferas públicas e os agentes do processo educativo – União,
Estados, Municípios, profissionais da educação, famílias e sociedade civil – elegeram a valorização
e o reconhecimento do magistério como condições essenciais para o resgate da qualidade da
educação e para a consecução das diretrizes firmadas no Plano Decenal de Educação, que vigeria
(mas não vigeu) de 1993 a 2003. Naquele momento, num inédito esforço da sociedade e dos entes
federados, selou-se o Acordo Nacional de Educação para Todos.
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As premissas e as linhas de ação do Acordo Nacional previam, no campo da valorização
profissional, a instituição de piso salarial (PSPN) e da política nacional de formação inicial e
continuada para os profissionais do magistério; a revisão dos currículos dos cursos de formação de
professores (Normal, Pedagogia e Licenciaturas) e a reorientação dos programas de pós-graduação
das universidades; a revisão dos estatutos e planos de carreira, a fim de promover a implantação do
novo regime de trabalho (PSPN, jornada e melhorias das condições de trabalho); a assistência
técnico-científica para estimular o desenvolvimento do projeto político pedagógico da escola; a
disseminação de experiências e inovações facilitadoras da aprendizagem e da produtividade dos
sistemas de ensino, dentre outras ações.
As responsabilidades pela efetivação do Pacto eram de todos os seus signatários, que
deveriam também promover a gestão colegiada do Plano Decenal de Educação para Todos em cada
uma das esferas administrativas.
Contudo, o projeto neoliberal, instalado a partir de janeiro de 1995, rompeu com o Acordo
Nacional e desconstituiu os princípios do PL 1.258/88, que visavam empregar uma visão sistêmica
às políticas educacionais, sobretudo através de regimes de cooperação (institucionalizado através da
LDB) e de colaboração (por adesão dos entes ao Acordo Nacional), ambos pautados na
democratização da gestão escolar e dos sistemas de ensino, e no apoio técnico e financeiro da
União.
A reforma educacional, com destaque para a EC 14/96 e para as leis 9.424 (Fundef) e 9.394
(LDB), desprezou a noção sistêmica e os princípios cooperativos e democráticos assegurados pela
CF/88 à educação nacional. Optou, assim, por centralizar a organização das políticas e por
descentralizar (leia-se, na maioria dos casos, prefeiturizar sem apoio correspondente) a execução das
mesmas. Sugeriu uma articulação precária dos sistemas com base no art. 8º da LDB, que prevê a
possibilidade de regime voluntário de colaboração. Desobrigou a União em financiar a educação
básica e os programas de erradicação do analfabetismo e priorizou os parcos recursos federais numa
só etapa, o ensino fundamental. Fragmentou os níveis, etapas e modalidades de ensino, congelou as
matrículas da educação profissional e criou cisão entre o ensino profissional e propedêutico (Decreto
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2.208/97). Negou as diretrizes nacionais de carreira e o piso salarial profissional nacional e centrou a
regulação da educação num sistema de avaliação tosco e limitado.
Do ponto de vista da valorização profissional, a Reforma aniquilou o processo de resgate
social dos trabalhadores da educação básica. As políticas neoliberais, além de negar as prerrogativas
do Pacto de 1994, ainda trataram de inverter os valores nele consensuados, e quem era vítima do
sistema – no caso os profissionais da educação – passou a ser o principal ‘culpado’ pelas mazelas
educacionais. Os salários médios, alicerçados na política de abonos e gratificações, sobrepuseram o
PSPN e agravaram ainda mais a quebra da paridade imposta pelas ECs 19 e 20, ambas de 1998; a
desobrigação do Estado em ofertar formação profissional (inicial e continuada) transferiu a
responsabilidade da qualificação aos próprios profissionais e à iniciativa privada, sem qualquer
critério de aferição da qualidade dessas instituições; a escassez do financiamento e a negação da
gestão democrática rebaixaram a qualidade da educação e desestimularam o controle social.
Em 1997, por ocasião do debate sobre o Plano Nacional de Educação, a sociedade brasileira
apresentou uma contraproposta à lógica neoliberal, sintetizada no PL 4.155/98 (PNE da Sociedade),
mas este foi preterido pelo projeto do governo FHC que deu origem à Lei 10.172/01.
Já a eleição do presidente Lula possibilitou reabrir o diálogo social em torno da construção
do projeto de educação para o país. Em que pese arestas ainda estarem sendo aparadas, fato é que os
condutos de comunicação (governo/sociedade) começam a se aprimorar a ponto de alcançar esse
importante processo das Conferências de Educação.
Quanto à materialidade desse diálogo, o caráter sistêmico da política educacional, garantido
pela Constituição Federal, retornou ao centro das discussões. E é objetivo da CONAE 2010 buscar
institucionalizar essa orientação para todo o ordenamento infraconstitucional. O Fundo da Educação
Básica (Fundeb) e o Piso Salarial Profissional Nacional são duas políticas estruturantes que já
absorveram a visão sistêmica das políticas educacionais. Mas ainda falta estruturar outros elementos
do próprio financiamento, da gestão democrática e da valorização profissional.
O fato de a CONAE 2010 ter pautado a construção do Sistema Nacional Articulado de
Educação juntamente com a reformulação do PNE, foi uma decisão acertada, pois condiciona o
novo Plano a observar, de imediato, os conceitos sistêmicos e democráticos a serem perseguidos por
todos os gestores públicos e os sistemas de ensino do país.
De nossa parte resta, agora, consolidar a CONAE como instância máxima de consulta da
sociedade e definir a concepção do SNE, sobre o qual o próximo PNE pautará seus objetivos e
metas.
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Concepção de Sistema Nacional de Educação: algumas
posições de diferentes atores
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Para a CNTE, um Sistema Nacional de Educação deve orientar e sustentar toda a política
educacional do país, da creche à pós-graduação. Para tanto, o SNE deve conceber a educação como
direito público e subjetivo de todo cidadão e cidadã, visando sua formação integral e garantindo
escola pública, gratuita, laica, unitária e de qualidade socialmente referenciada.
Também na nossa visão, a qualidade da educação necessita de elementos estruturantes que
dialoguem entre si, como o financiamento, a gestão democrática e a valorização profissional. A
articulação cooperativa entre os entes federados e a gestão democrática são os requisitos
fundamentais para a sustentabilidade e a eficiência do SNE, o qual tem como escopo transpor as
desigualdades regionais e assegurar a qualidade da educação em todo território nacional.
Neste sentido, a denominação articulado conferida, neste momento, ao SNE, além de
explicitar a cooperação entre os sistemas de ensino deve reforçar seu caráter democrático, pois se
subentende que cada esfera administrativa abrirá mão de parte de sua autonomia para integrar um
projeto maior de sociedade, à luz dos arts. 3º e 205 a 214 da CF/88 e de suas regulamentações em
leis a serem pactuadas na CONAE e aprovadas pelo Congresso Nacional.
Dessa forma, o caráter institucional do SNE é essencial, assim como é imprescindível que o
novo PNE, além de prever o conceito sistêmico das políticas educacionais, eleja a valorização de
todos os profissionais da educação como condição sine qua non para a melhoria da qualidade da
educação pública. As premissas do Pacto de 1994 devem ser resgatadas pelo PNE e por outras leis,
sobretudo a LDB. Assim como o Piso, já regulamentado pela Lei 11.738, as diretrizes de carreira e a
política nacional de formação do magistério (Decreto 6.755/09) e o Programa Profuncionário devem
conter legislações próprias e constarem do PNE.
Na visão do PNE da Sociedade Brasileira, consolidado em 1997 e atualizado até 2005, “as
ações do Sistema Nacional de Educação, eixo central da organização da educação nacional, devem
simplificar as estruturas burocráticas, descentralizar os processos de decisão e execução, fortalecer
as escolas e as unidades prestadoras de serviços, articular os diferentes níveis e sistemas de ensino,
integrar a educação formal e a informal, articular a educação escolar com as ações educativas no
interior dos movimentos populares, valorizar os processos de avaliação institucional (...)” Do ponto
de vista cooperativo, o documento enfatiza que “(...) cabe à União, além de organizar, financiar e
administrar sua rede de ensino, prestar assistência técnica e financeira aos Estados e Municípios,
visando o desenvolvimento dos respectivos sistemas, a compensação e a superação das
desigualdades sociais e regionais, tanto em termos quantitativos como qualitativos. Isso se justifica
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face às disparidades regionais de um país de dimensões continentais como o Brasil e,
principalmente, pelas diferenças na condução política – clientelista – de alguns Estados (...)”
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Embora consideremos atuais essas orientações do PNE da Sociedade, é preciso destacar que
a descentralização dos processos de decisão e execução precisa atender à demanda local, sem,
contudo, opor-se aos princípios do SNE. Assim, caberá à CONAE indicar as fronteiras para a
regulamentação dos arts. 23 e 24 da CF/88, que tratam das competências comuns e concorrentes dos
entes federados, a fim de orientar as áreas de atuação dos sistemas federal, estaduais e municipais.
Quanto ao apoio técnico e financeiro da União, apesar de quase todas as normas educacionais o
preverem, ele também leva em consideração a alta concentração de arrecadação tributária nesta
esfera administrativa, que corrobora com a necessidade de suplementação aos demais entes.
O Pacto pela Valorização do Magistério e Qualidade da Educação propunha a execução de
uma série de medidas sistêmicas que giravam em torno da “valorização do magistério”. Em que pese
algumas delas estarem em andamento, a exemplo do Piso, e outras estarem no espectro das políticas
do MEC, como a Política Nacional de Formação de Professores e o Profuncionário, é preciso
resgatar outras concepções, especialmente no que diz respeito à gestão democrática do processo de
elaboração, execução e avaliação das políticas educacionais.
Desde 2007, o MEC tem buscado colocar em prática um regime de colaboração entre esferas
administrativas (União, Estados e Municípios) por meio do Plano de Desenvolvimento da Educação
(PDE), o qual congrega o Plano de Ações Articuladas (PAR). A ação ministerial abrange as
transferências voluntárias destinadas aos sistemas e se desenvolve, basicamente, sob quatro eixos:
financiamento, gestão educacional, formação e valorização profissional e avaliação institucional –
que deveria, na nossa compreensão, englobar as políticas dos sistemas, as condições das escolas e
sua clientela, os profissionais, os estudantes e os instrumentos de gestão democrática.
Embora a estrutura colaborativa esteja em consonância com a perspectiva de consolidação
do SNE, falta à proposta do MEC o caráter institucional. Hoje ela é tida como ação de governo,
portanto, frágil do ponto de vista legal. Assim, será tarefa da CONAE eleger as políticas do PDE e
do PAR, dentre outras, que devem compor a estrutura institucionalizada do SNE, refletindo,
inclusive, sobre suas concepções pedagógicas e organizativas.
Como desfecho desse compromisso institucionalizado, é preciso que os entes deem garantias
do cumprimento das diretrizes traçadas pelo SNE e pelo PNE, as quais devem ser asseguradas
mediante a aprovação, pelo Congresso Nacional, de Lei de Responsabilidade Educacional. Esta
deverá definir os limites para a organização dos sistemas de ensino, tais como: o número de
estudantes por professor e por funcionários de escola em âmbito das redes de ensino (urbano e
2 Plano Nacional de Educação da Sociedade Brasileira, consolidado na plenária de encerramento do II Coned. BH, 1997, p. 30.
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rural); o número de estudantes por salas de aulas (seriadas e multiseriadas), com diferenciação
quando se trata de inclusão de deficientes; a aplicação dos recursos constitucionalmente vinculados
à educação nos limites dos arts. 70 e 71 da LDB, e que devem ficar sob responsabilidade das
secretarias de educação (art. 69, § 5º da LDB); a aplicação das políticas de valorização profissional
(PSPN, planos de carreira, acesso por concurso público e limites para contratação temporária,
jornada com mínimo de hora-atividade, política de formação etc); o cumprimento dos requisitos da
gestão democrática pactuados na CONAE e devidamente legalizados; o atendimento à base comum
do currículo escolar; a participação efetiva dos sistemas nos processos de avaliação da educação
nacional, dentre outros temas. E os gestores públicos que descumprirem a legislação educacional
deverão ser responsabilizados administrativa e penalmente, conforme os casos.
Os preceitos (e princípios) constitucionais a serem observados
pelo Sistema Nacional Articulado de Educação
A Constituição de 1988 representa a síntese da reorganização da democracia brasileira, a
qual elegeu a equidade e o respeito aos direitos individuais, coletivos e sociais como bases
materiais, e a cidadania o elemento formal para sua difusão. Daí a denominação de Carta Cidadã.
Ocorre que, como visto, consolidado o período da redemocratização, o país optou por um
projeto político antagônico ao princípio da equidade, que dependia de forte respaldo do Estado para
sua consecução. O neoliberalismo induziu uma depreciação dos valores e dos compromissos sociais
do Estado brasileiro, atingindo fortemente a educação e demais políticas públicas.
Ao contrário do que muitos pregam, a CF/88 não traz comandos utópicos, inatingíveis. Sua
estrutura foi edificada a partir da concepção cooperativa dos entes federados que formam a
República do Brasil. Ela não promove o isolamento das unidades federadas, mas sim a união dos
esforços destas. Isso está claro no princípio da indissolução da República (art. 1º) e nos fundamentos
do art. 3º, que preveem: “I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o
desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades
sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor,
idade e quaisquer outras formas de discriminação.”
O Título II da CF/88 trata dos direitos e garantias fundamentais. O art. 5º estipula os direitos
individuais e coletivos e do 6º ao 11 estão previstos os direitos sociais, sendo estes: a educação, a
saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade
e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.(art. 6º da CF, gn). 33
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O Título III denomina-se “Da Organização do Estado”, e é fundamental para entender os
limites da atuação dos entes federados. O art. 22 descreve as competências privativas da União, à
qual inclui legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional (inciso XXIV). O art. 23, V diz ser
competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios proporcionar os
meios de acesso à cultura, à educação e à ciência. O parágrafo único do mesmo artigo preceitua
que: Leis complementares fixarão normas para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito
Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito
nacional. Já o artigo 24 enumera as competências concorrentes dos entes – exceto os municípios –
sendo educação, cultura, ensino e desporto alguns dos temas passíveis de serem legislados
alternativamente. Os parágrafos do artigo ainda esclarecem os limites dessas competências,
conforme seguem: § 1º - No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer
normas gerais.
§ 2º - A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência
suplementar dos Estados.
§ 3º - Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa
plena, para atender a suas peculiaridades.
§ 4º - A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no
que lhe for contrário.
Em breve parêntese, o nó judicial envolvendo a Lei 11.738 – que instituiu o piso salarial do
magistério – consiste em definir o que são e o que não são normas gerais. A ADI 4.167, interposta
por cinco governadores de estado (RS, SC, PR, MS e CE) com apoio tácito de outros cinco (SP,
MG, TO, RR e DF), visa limitar o comando do art. 60, III, “e” do ADCT à mera questão de valor,
desconsiderando seu principal objetivo que é valorizar a carreira do magistério. Essa forçosa
restrição passa ao largo da interpretação sistêmica do texto constitucional, sobretudo dos preceitos
do art. 206. A hora-atividade (art. 2º, § 4º da lei do piso), na condição de elemento intrínseco da
carga de trabalho do professor e, consequentemente, determinante para o aprendizado dos estudantes
deve ou não ser minimamente regulada em nível nacional? É ou não uma norma geral? Em
julgamento de liminar, o Supremo Tribunal Federal entendeu que não. Esperamos reverter essa
posição no julgamento do mérito, pois o assunto é primordial para apontar as fronteiras do Sistema
Nacional Articulado de Educação.
Pelo artigo 25 da CF/88 se verifica que os estados organizam-se e regem-se pelas
Constituições e leis que adotarem, observados os princípios da Constituição Federal. São reservadas
aos Estados as competências que não lhes sejam vedadas pela Carta Magna (§ 1º).
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Quanto aos municípios, embora não gozem de autonomia para legislar sobre matéria
educacional – o artigo 24 da CF/88 limita essa prerrogativa à União, aos Estados e ao Distrito
Federal – eles podem constituir órgãos normatizadores (Conselhos de Educação), além do executor
(Secretaria de Educação), a fim de melhor e mais democraticamente acompanhar a implementação
das políticas educacionais. Estas, por sua vez, devem ser orientadas pelos Planos Municipais de
Educação, construídos também de forma democrática.
A última parte do supracitado art. 6º determina que os direitos sociais sejam reconhecidos (e
garantidos) na forma da Constituição. No caso da educação, esses direitos estão previstos no Título
VIII, Capítulo III, Seção I, compreendendo os artigos 205 a 214.
A Constituição elegeu a educação como direito de todos e dever do Estado e da família (art.
205). Os princípios regentes do ensino (educação formal e regular) pautam-se na igualdade de
condições para o acesso e a permanência na escola; na liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e
divulgar o pensamento, a arte e o saber; no pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas; na
coexistência de instituições públicas e privadas; na gestão democrática; na garantia de padrão de
qualidade; na valorização dos profissionais da educação escolar, através de piso salarial profissional
nacional, de planos de carreira e do ingresso por concurso público aos das redes públicas (art. 206).
Na nossa concepção, esses princípios referem-se aos objetivos do Sistema Nacional Articulado de
Educação.
Já o artigo 208 descreve os deveres do Estado com a educação pública, e vale a pena ser
transcrito uma vez que compreende parte das metas a serem alcançadas pelo SNE: Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:
I - ensino fundamental, obrigatório e gratuito, assegurada, inclusive, sua oferta gratuita para
todos os que a ele não tiveram acesso na idade própria;
II - progressiva universalização do ensino médio gratuito;
III - atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na
rede regular de ensino;
IV - educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco) anos de idade;
V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a
capacidade de cada um;
VI - oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do educando;
VII - atendimento ao educando, no ensino fundamental, através de programas suplementares de
material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde.
§ 1º - O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo.
§ 2º - O não-oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta irregular,
importa responsabilidade da autoridade competente.
§ 3º - Compete ao Poder Público recensear os educandos no ensino fundamental, fazer-lhes a
chamada e zelar, junto aos pais ou responsáveis, pela freqüência à escola.
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O art. 209 reconhece a oferta privada de educação, que deve atender às normas gerais e aos
requisitos de autorização e de avaliação estabelecidos pelo poder público. A rede particular deverá
integrar o SNE, em razão da garantia dos princípios e fundamentos universais da educação e do
Estado brasileiro, que preveem equidade na oferta do ensino e a não discriminação de cidadãos
(observando-se, também, o art. 19, II, CF). Ademais, toda instituição de ensino regular,
independente de ser pública ou privada, está condicionada aos ditames legais do poder público.
Outra importante referência constitucional para um Sistema Nacional de Educação é o art.
211, que fora totalmente adaptado para atender aos preceitos da Emenda 14 (Fundef). Nele estão
previstas as competências para atendimento dos níveis e etapas educacionais. E não obstante o
processo de municipalização do ensino fundamental e da educação infantil, atualmente, a oferta
pública de ensino encontra-se organizada conforme disposição deste artigo.
As garantias materiais para investimento na educação pública estão previstas no artigo 212.
Não há dúvida que o financiamento constitui um dos pilares centrais da política de cooperação (e de
colaboração) entre os entes federados, pois somente a vinculação constitucional de recursos é
insuficiente para atender, com qualidade e equidade, a demanda educacional no país. Desta forma,
essencial o apoio técnico e financeiro dos entes mais desenvolvidos para com os de menor
capacidade.
Quanto à destinação dos recursos públicos, o art. 213 determina a aplicação prioritária nas
escolas públicas, porém permite destinar parte da receita de impostos às escolas comunitárias,
confessionais ou filantrópicas, a depender da finalidade social (pública) de cada uma. E regular o
funcionamento dessas instituições similarmente aos requisitos para a qualidade das escolas públicas
parece ser uma opção bastante plausível.
O art. 214 determina que lei federal fixe o Plano Nacional de Educação, prevendo a
integração das ações do poder público, com vistas a atender a todos os preceitos constitucionais e ao
desenvolvimento do ensino nos diversos níveis, em especial no que diz respeito à erradicação do
analfabetismo, à universalização do atendimento escolar, à melhoria da qualidade do ensino, à
formação para o trabalho e à promoção humanística, científica e tecnológica do país. Esse tema
encontra-se associado ao debate do SNE, nas Conferências de Educação, primeiro porque o PNE,
sancionado em 2001, expirará em janeiro de 2011; segundo, porque a sua construção democrática é
fundamental para a conformação institucional de um Sistema Nacional também democrático.
Por fim, o art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), em sua
terceira versão (texto original, E.C 14/96 e E.C 53/06) prevê o Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), em
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âmbito dos estados e do DF, que representa, hoje, a mais ampla política de cooperação do setor
educacional.
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Os regimes de colaboração e cooperação e as políticas
articuladas do MEC com os sistemas de ensino
Desde 2004, quando o MEC formulou a Proposta de Emenda Constitucional nº 415/05, que
deu origem a E.C nº 53/06, iniciou-se um diálogo com os entes federados no sentido de consolidar
um regime de cooperação (concepção assegurada no parágrafo único do art. 23 da CF), a fim de
elevar o atendimento e a qualidade da educação pública.
Instituído pelo art. 60 do ADCT/CF e pela Lei 11.494/07, o Fundeb foi o primeiro regime
cooperativo consolidado em âmbito de toda a educação básica. O piso salarial profissional nacional
do magistério, previsto no próprio Fundeb, foi o segundo.
A diferença entre regime de colaboração e de cooperação refere-se à forma pela qual as
políticas educacionais se articulam entre os sistemas de ensino. Conforme visto mais acima, a LDB
elegeu o regime de colaboração como forma de propiciar a articulação dos sistemas (art. 8º). Essa
articulação, todavia, só se faz possível em âmbito de decisões de governos, ou seja, pelo princípio da
adesão voluntária. Já o regime de cooperação pauta-se na institucionalização das relações entre os
sistemas, independente de ações de governos. Ele traduz a forma escolhida pela Constituição para
implementar as políticas educacionais (em nível de Estado). Daí crermos que a E.C 14/96 constituiu
um estelionato constitucional, pois negou a cooperação constitucional e impôs
infraconstitucionalmente o regime de colaboração. Parte do voto do ministro Carlos Ayres Britto, no
julgamento da liminar da ADI 4.167, enfatiza a compreensão cooperativa da CF/88, embora o
assunto versasse sobre a remuneração dos profissionais da educação. Senão vejamos: “(...) Entendo que numa macrovisão constitucional, a Constituição, em tema de educação, sobretudo
educação básica, consagrou um modelo de federalismo cooperativo, tanto financeiro quanto
tecnicamente. Ou seja, a Constituição inovou, primou por um modelo peculiar de federação
eminentemente cooperativa nos dois citados planos: o plano técnico e o plano financeiro. Basta
lembrar que a Constituição contém 56 dispositivos na sua parte permanente sobre educação. Nada
menos do que 56 dispositivos. Ela se fez praticamente regulamentar, tal cuidado que devotou ao tema
da educação. E, no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, 40 dispositivos – pelo menos eu
contei aqui – foram dedicados ao mesmo tema. Vale dizer, há 96 dispositivos constitucionais
focadamente direcionados para regulação do tema da educação. Tudo nesses 96 dispositivos é
transfederativo. Por que transfederativo? Porque abarca de todas as esferas federativas brasileiras:
União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios. Essa macrovisão já responde, ainda num
juízo prefacial, à boa parte das objeções que estão sendo feitas à lei (PSPN). É que a autonomia dos 36
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Estados, Municípios e Distrito Federal foi relativizada pela Constituição. A própria Constituição
quebrantou a autonomia dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios na matéria. Com uma
exceção. E, aí sim, a Constituição preservou a integridade autonômica em matéria de universidade.
Em se tratando de universidade, a Constituição deixou a autonomia totalmente intocada (...)”
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Em 2007, o Ministério da Educação lançou, na esfera de governo, o Plano de
Desenvolvimento da Educação e o Plano de Ações Articuladas com a finalidade de empreender
vários programas e políticas de colaboração entre os sistemas de ensino federal, estaduais e
municipais. Hoje, essas ações do MEC estão disponíveis para adesão dos entes federados, mediante
convênio firmado pelo Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação.
As críticas da CNTE ao PDE, à época de seu lançamento, referiam-se à forma como o Plano
foi elaborado – sem ouvir a sociedade – e à sua relação estreita com uma só representação social, o
movimento Compromisso Todos pela Educação, que, inclusive, cedeu nome ao Plano de Metas do
governo federal. Também a limitação das ações colaborativas, listadas nos 27 programas do PDE, e
o foco da avaliação numa aparente tendência reducionista e meritória foram alvos de contestação.
Mas a principal crítica apontava a fragilidade do regime de colaboração, não institucionalizado por
lei e pendente de adesão voluntária dos entes federados. Para a CNTE, o melhor consistia em
avançar no regime de cooperação, visando antecipar a regulamentação do Sistema Nacional de
Educação.
Não obstante às críticas, o aprimoramento do Plano de Metas, que passou a englobar, no
PAR, outras políticas para além dos programas iniciais do PDE, tem apontado as matérias que
formam o atual regime de colaboração do MEC como norteadoras para o Sistema Nacional de
Educação (articulado). E o próprio Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), a partir
da agregação de variáveis mais amplas, poderá contribuir, ainda mais, para projetar um padrão de
qualidade a ser perseguido por cada ente da federação, pautado nas orientações das políticas do
SNE. E quem sabe, assim, as metas do Compromisso, previstas para 2022, podem ser antecipadas.
O PDE e o PAR também inovaram na questão da contrapartida dos entes às políticas de
colaboração, e a mesma estrutura poderá ser mantida para assegurar a continuidade de regimes
colaborativos (de âmbito governamental), entre os entes federados. Isso transfere às políticas de
governo, sobretudo em períodos de transição eleitoral, um compromisso institucional importante
para a elevação da qualidade da educação.
3 Idem Acórdão ADI 4167, páginas 40-41.
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Propostas da 7ª Conferência Nacional de Educação da CNTE
sobre os eixos estruturantes do SNE e do PNE
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Tendo em vista o acúmulo da CNTE – muito dos quais constam dos fundamentos e objetivos
listados no documento-base da CONAE 2010 – e, levando-se em consideração as propostas contidas
no PNE da Sociedade Brasileira, no Pacto pela Valorização do Magistério e Qualidade da Educação
e no atual regime de colaboração do MEC, que se pauta nos pilares do financiamento, da gestão, da
valorização profissional e da avaliação institucional, propõe-se:
Sobre o Financiamento
O novo PNE deve prever novas fontes de recursos para a educação, especialmente as
decorrentes (i) da PEC 277/08, que visa eliminar a Desvinculação de Receitas da União (DRU) da
educação e a estender a obrigatoriedade do ensino da pré-escola ao ensino médio e (ii) do Fundo
Social, que prevê a transferência das riquezas do pré-sal para a realização de projetos e programas
nas áreas de combate à pobreza e de desenvolvimento da educação, da cultura, da ciência e
tecnologia e da sustentabilidade ambiental, devendo 50% desses recursos serem destinados à
educação pública.
Desta forma, o PNE deve indicar o investimento mínimo de 10% do PIB na educação
brasileira, a fim de atender todas as necessidades da educação pública. E para alcançar esta
ampliação, além de pôr fim à DRU na educação, o governo deverá reduzir, drasticamente, o
pagamento da dívida pública que compromete quase 50% da arrecadação tributária, realizar uma
reforma tributária com foco no princípio da progressividade dos impostos, aplicar os recursos
públicos exclusivamente na educação pública, além de outras medidas, como o fim da Lei de
Responsabilidade Fiscal, que é amplamente utilizada pelos gestores para não atender as
reivindicações sindicais e, consequentemente, para rebaixar as carreiras dos trabalhadores em
educação.
Quanto à reforma tributária, seus princípios devem se pautar na justiça social e no equilíbrio
regional, visando, primordialmente, a garantia de recursos para a efetivação de direitos sociais e para
a distribuição da renda. Essa reforma ainda deve ser capaz de vincular adequadamente os tributos
(impostos, taxas e contribuições) ao investimento educacional, de tal modo que as políticas de
substituição dos impostos pelas contribuições sociais e a renúncia e a guerra fiscais não prejudiquem
o financiamento público da educação.
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Paralelamente aos esforços de elevação dos investimentos do PIB em educação, a próxima
CONAE deve pautar o debate sobre Custo Aluno Qualidade (CAQ), com o intuito de mensurar as
demandas educacionais por níveis, etapas e modalidades, bem como do ponto de vista do pagamento
de pessoal, dos diversos custeios e dos investimentos.
À União caberá coordenar processo de equiparação proporcional dos investimentos per
capita da educação básica e superior, a fim de eliminar o ‘abismo do financiamento’ existente entre
os dois níveis e, consequentemente, possibilitar a elevação da qualidade da educação básica.
O Fundeb significou um avanço para o financiamento da educação básica. Além de romper
com a fragmentação do ensino fundamental, o Fundo estimula o acesso e a permanência dos
estudantes e contribui para a queda da evasão e a melhoria do fluxo escolar. Contudo, segundo
dados da Pnad/2008, o acesso à creche e a redução do analfabetismo continuam em patamares
insatisfatórios e carecem de programas e recursos privilegiados. Assim, a limitação de 15% do
Fundeb para investimento na EJA (art. 11 da Lei 11.494) pode significar um gargalo à erradicação
do analfabetismo caso não haja outras compensações significativas da União. Quanto à creche, o
objetivo das ações governamentais deve focar o atendimento público, em contraposição a sugestões
parlamentares em trâmite no Congresso, que visam ampliar a rede privada.
Ainda sobre o Fundeb, as portarias que fixam o valor mínimo per capita devem assegurar que
qualquer revisão a menor do valor anual não ultrapassará a 5% o inicialmente estipulado. A ação
visa garantir maior segurança jurídica aos entes federados e a comprometer a União pelas
informações fornecidas aos estados e municípios. A medida também visa salvaguardar os
investimentos de estados e municípios, efetivados mediante a previsão de receitas projetadas pelos
órgãos do governo federal, de eventuais políticas econômicas da União que gerem impacto negativo
na arrecadação tributária.
Tema de grande relevância diz respeito à liberalização integral dos recursos
constitucionalmente vinculados à educação dos limites impostos pela Lei de Responsabilidade
Fiscal (LRF), LC 101/00, principalmente os que se destinam à reformulação dos planos de carreira,
conforme prevê a lei do piso salarial. O assunto precisa ser pauta do PNE, mas, sobretudo, de ações
do Executivo e do Parlamento federais, a fim de corrigir uma sobreposição de lei infraconstitucional
à Carta Maior que tem impedido a efetiva valorização dos profissionais da educação em diversas
localidades.
A aplicação do art. 69, § 5º da LDB deve ser reforçada no PNE, constar da Lei de
Responsabilidade Educacional e exigida em todos os convênios do Ministério da Educação, assim
como a regulamentação do PSPN, de acordo com a Lei 11.738, julgada constitucional pelo STF.
O MEC deve assegurar a complementação financeira ao PSPN a todos os estados e
municípios que não conseguirem atingir o valor indicado pela Lei 11.738, alterando, assim, sua
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interpretação de suplementar financeiramente apenas os entes previstos no repasse federal ao
Fundeb.
A suplementação financeira da União deve ser garantida a todas as políticas de cooperação
envolvendo os níveis básico e superior, como medida equalizadora das políticas públicas que visem
alcançar a escola unitária.
Sobre a Gestão Democrática
A luta histórica pela gestão democrática se confunde com o processo da redemocratização do
país. Avançamos em algumas conquistas, mas, no entanto, com a ofensiva neoliberal, uma nova
concepção de gestão se contrapõe ao modelo defendido pelo movimento dos trabalhadores em
educação.
Sob o pretexto de melhorar a educação, diversas ações vêm sendo implementadas em vários
estados e municípios, as quais introduzem conceitos de gestão empresarial e tecnocrática no
cotidiano escolar. Essa nova prática educacional caracteriza-se, ainda, pelo aprofundamento do
autoritarismo do sistema e da direção escolar para com os demais atores escolares, contrapondo o
princípio da democracia.
Nesse sentido, torna-se fundamental reafirmar a gestão democrática na sua totalidade, como
resistência a esse projeto pautado meramente na produtividade e no desempenho individual de
escolas, estudantes e profissionais.
À luz do PNE da Sociedade, que absorveu as premissas apontadas pela 5ª Conferência
Nacional de Educação da CNTE (outubro de 1997), “a fundamentação da gestão está, pois, na
constituição de um espaço público de direito, que deve promover condições de igualdade, garantir
estrutura material para um serviço de qualidade, criar um ambiente de trabalho coletivo que vise a
superação de um sistema educacional seletivo e excludente, e, ao mesmo tempo, que possibilite a
interrelação desse sistema com o modelo de produção e distribuição de riqueza, com a organização
da sociedade, com a organização política, com a definição de papéis do poder público, com as
teorias do conhecimento, as ciências, as artes e as culturas.”
Enfatiza o documento, ainda, que “a gestão deve estar inserida no processo de relação da
instituição educacional com a sociedade, de tal forma a possibilitar aos seus agentes a utilização de
mecanismos de construção e de conquista da qualidade social na educação. Nessa perspectiva, a
instituição educacional deve ter como princípios fundamentais: o caráter público; a inserção social
e a gestão democrática, onde as práticas participativas, a descentralização do poder, a socialização
das decisões desencadeiem um permanente exercício de conquista da cidadania. Esta última é
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concebida como materialização dos direitos fundamentais legalmente constituídos, entre eles o
direito à educação.”
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Com base nesses fundamentos, a proposta da CNTE para a gestão do SNE leva em
consideração cinco questões: i) a competência privativa da União para legislar sobre diretrizes e
bases da educação nacional; ii) a divisão das competências legais, normativas e executoras do SNE
entre os sistemas de ensino federal, estaduais e municipais; iii) a participação democrática de todos
os atores educacionais representados na CONAE no processo de planejamento, elaboração,
implementação e avaliação das políticas públicas; iv) a garantia de controle legislativo, jurídico e
social das políticas educacionais e; v) a gestão democrática das escolas, com eleição direta para
diretor(a) e conselho escolar, instrumento essencial para a qualidade social da educação, inclusive
para o combate à violência, na medida em que a comunidade escolar se envolve e passa a ser co-
dirigente do processo.
Assim, a CONAE deve ficar responsável pela definição de diretrizes e prioridades que
atendam à execução das políticas estruturantes do SNE (financiamento, gestão, valorização
profissional e avaliação institucional), com vistas a alcançar os objetivos e metas dos planos
nacionais de educação. Tal como proposto, atualmente, sua composição deve garantir ampla
representação dos setores sociais envolvidos com a educação.
O Fórum Nacional de Educação deve cumprir função consultiva, de articulação, organização,
acompanhamento da política educacional e de coordenação da CONAE. Parte das entidades
educacionais que integram a CONAE deve compor sua estrutura, a ser mantida pelo MEC.
As competências da União estão definidas nos artigos 8º e 9º da LDB, devendo, no entanto, o
§ 1º do art. 9º prever a autonomia administrativa e financeira do Conselho Nacional de Educação, a
fim de torná-lo órgão normativo tanto do sistema federal quanto do Sistema Nacional de Educação –
à luz das deliberações da CONAE. Já a sua composição deve manter o princípio da ampla
representação social.
Os artigos 10 e 11 da LDB devem prever a participação democrática de todos os atores
educacionais, eleitos por seus pares, nos conselhos de educação estaduais e municipais, os quais
devem manter funções consultivas, normativas, fiscalizadoras e deliberativas de seus respectivos
sistemas. As decisões desses órgãos não poderão sobrepor deliberações do CNE, tendo em vista o
princípio da relativização da autonomia federativa que abarca o SNE, bem como pelo fato de a
Constituição não ter concedido soberania aos sistemas estaduais e municipais em matéria de
legislação e normatização educacionais.
Em nível escolar, o artigo 14 da LDB deve sofrer alteração mediante aprovação de Proposta
de Emenda Constitucional que vise assegurar eleição direta para direção escolar e para os conselhos
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escolares. A aprovação do PLS 344/07, do Senado Federal, caminha no sentido de efetivar essa
conquista.
A gestão democrática das escolas não deve se limitar às eleições de dirigentes, mas também
abranger a realização de conferências; a livre organização sindical, estudantil e da comunidade; o
planejamento coletivo; a avaliação e o controle social.
O atual artigo 16 da LDB deverá ser precedido de outro que institucionalize o Sistema
Nacional de Educação, tendo a CONAE e o Fórum Nacional de Educação como instâncias de
articulação dos sistemas com a sociedade.
Sobre o atual modelo de gestão do PAR e do PDE, é preciso garantir a efetiva participação
dos profissionais e da comunidade escolar na elaboração dos planos voltados aos sistemas e às
escolas, conforme versa as orientações do MEC. Infelizmente, na maioria das redes de ensino, as
secretarias de educação realizaram os planejamentos de forma terceirizada ou individual.
É preciso garantir, também, na Lei de Responsabilidade Educacional, que os sistemas de
ensino discutam com os profissionais da educação a elaboração ou a adequação dos planos de
carreira, que devem ser, preferencialmente, unificados (professores, especialistas e funcionários de
escola).
Sobre o Fundeb, é preciso que a Comissão Intergovernamental de Financiamento para a
Educação Básica de Qualidade agregue representação do Fórum Nacional de Educação, como forma
de democratizar o acesso dos trabalhadores às decisões. Também é necessário que os entes
federados assumam o compromisso de capacitar regularmente todos os membros do conselho de
acompanhamento e controle social do Fundeb, bem como os conselheiros escolares.
Sobre a Valorização dos Profissionais da Educação
O SNE e o PNE devem resgatar o conceito do Pacto de 1994, com as devidas atualizações, e
situar a valorização dos profissionais da educação no centro do debate educacional.
De acordo com a Lei 12.014, que alterou o art. 61 da LDB:
“Consideram-se profissionais da educação escolar básica os que, nela
estando em efetivo exercício e tendo sido formados em cursos reconhecidos,
são:
I – professores habilitados em nível médio ou superior para a docência na
educação infantil e nos ensinos fundamental e médio;
II – trabalhadores em educação portadores de diploma de pedagogia, com
habilitação em administração, planejamento, supervisão, inspeção e
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orientação educacional, bem como com títulos de mestrado ou doutorado nas
mesmas áreas;
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III – trabalhadores em educação, portadores de diploma de curso técnico ou
superior em área pedagógica ou afim.
Parágrafo único. A formação dos profissionais da educação, de modo a
atender às especificidades do exercício de suas atividades, bem como aos
objetivos das diferentes etapas e modalidades da educação básica, terá como
fundamentos:
I – a presença de sólida formação básica, que propicie o conhecimento dos
fundamentos científicos e sociais de suas competências de trabalho;
II – a associação entre teorias e práticas, mediante estágios supervisionados
e capacitação em serviço;
III – o aproveitamento da formação e experiências anteriores, em instituições
de ensino e em outras atividades.”
Portanto, essa classificação é a base para a regulamentação dos incisos V e VIII e parágrafo
único do art. 206 da CF/88, modificados ou introduzidos pela EC 53/06.
Diante dessa nova perspectiva de profissionais da educação, o SNE e o PNE devem prever a
regulamentação de todos os dispositivos constitucionais referentes ao tema, sob a lógica da
indissociabilidade dos elementos da carreira, que compreende a formação, o salário, a jornada, as
condições de trabalho e o ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, pelo
regime estatutário.
Sobre o aspecto da formação, a CONAE deve indicar a institucionalização do Decreto
6.755/09, que versa sobre a Política Nacional de Formação de Professores. Esta legislação deve
absorver, ainda, as indicações apontadas no art. 5º, incisos XI a XV da Resolução CNE/CEB nº
02/09 – que também observam princípios e níveis de abrangência e colaboração entre os sistemas
para a oferta da política de formação – bem como prever a formação inicial dos professores
exclusivamente em cursos presenciais, exceto nas regiões onde não for possível.
Com base na 21ª Área de Formação Profissional, instituída pelo Conselho Nacional de
Educação, o MEC deve encaminhar projeto de lei ao Congresso propondo a obrigatoriedade da
formação dos Funcionários de Escola dentro do eixo profissional “Serviço de Apoio Escolar”.
Atualmente, essa formação é ofertada por meio do programa Profuncionário, executado mediante
parceria voluntária entre os sistemas federal, estaduais e municipais. Porém, dada a necessidade de
massificação, o MEC deve transformar o Profuncionário em política pública efetiva para que possa
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ser oferecido tanto na rede federal de educação tecnológica (CEFETs e IFETs) como pelos sistemas
estaduais e municipais, através das escolas públicas.
Ainda sobre os Funcionários de Escola, cabe ao CNE normatizar o inciso III do novo art. 61
da LDB, referente às áreas de formação em nível superior para atuação profissional.
Do ponto de vista da proposta do MEC de limitar a atuação dos profissionais formados em
nível médio na modalidade Normal apenas à educação infantil, conforme dispõe o PL 5.395/2009, a
CNTE defende a elevação da escolaridade dos profissionais da educação (professores, especialistas
e funcionários de escola), mas não descarta a importância dos cursos Normais de nível médio como
referencial para a formação do profissional do magistério. Neste sentido, nossa proposta consiste em
reformular os cursos de Pedagogia e as Licenciaturas (currículo, estágio, práticas docentes,
tecnologias de informação e comunicação etc), bem como reforçar a importância dos cursos
Normais de nível médio na perspectiva de um primeiro nível para a formação docente com foco de
atuação na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental. Paralelamente, poder-se-ia
garantir vagas em instituições públicas de ensino superior aos formandos do curso Normal, como
forma de possibilitar a continuidade da formação para a profissão de professor. Ademais, essas
iniciativas não correm o risco de engrossar o preocupante déficit de professores e nem condicionam
uma nova corrida por formação aligeirada em instituições de qualidade duvidosa, na hipótese de
uma eventual mudança nos rumos da política de governo a partir de 2011.
Também o fato de o PL 5.395/09 indicar o ENEM para nota de corte nos processos de
seleção para as vagas em cursos de formação de professores das universidades públicas, e, mesmo
longe desta medida, isoladamente, prever a solução do problema do déficit de professores em
determinadas áreas de conhecimento, há uma tendência do movimento social em considerar a ideia
oportuna em função de sua permeabilidade aos estudantes da escola pública e pela possibilidade que
cria (junto com a reforma geral do ENEM) para a revisão do currículo do ensino médio. Em suma,
esta proposta visa privilegiar o conhecimento à ‘decoreba’ e tenta aproximar a universidade da
escola básica, por meio de proposta curricular com conteúdo mais qualificado.
Ainda sobre esse tema, é fundamental que a CONAE discuta as redações subseqüentes ao art.
61 da LDB, dado que a proposta do MEC de alteração do art. 62 não mantém coerência com a Lei
12.014. O corte à formação de professores nega a essencialidade da habilitação de todos os
profissionais da educação. O MEC já reconheceu a importância da profissionalização dos
Funcionários de Escola, através do Profuncionário. Por isso, nossa proposta consiste em prever
critérios de formação para as três categorias de profissionais listadas no art. 61 da LDB e em
estender o requisito de notas do ENEM também para as graduações dos Funcionários. Estas, como
já observado, necessitam de normatização da Câmara de Ensino Superior do Conselho Nacional de
Educação, pois o eixo profissional “Serviço de Apoio Escolar” limita-se à formação de nível médio
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em quatro áreas: Gestão Escolar, Multimeios Didáticos, Alimentação Escolar e Infraestrutura
Material e Ambiental.
Entendemos que caberá ao Fórum Nacional de Educação, através das indicações apontadas
pela CONAE, aprofundar o debate com o MEC, o CNE e os sistemas de ensino acerca da
reformulação dos currículos dos cursos de formação dos profissionais da educação; da reorientação
das pós-graduações nesta área – inclusive sobre a forma de acesso dos profissionais, recentemente
contemplada por meio de programas da CAPES – e da adaptação dos professores às áreas de
conhecimentos previstas na Resolução CEB/CNE nº 3/98, às quais integram a concepção do projeto
piloto Ensino Médio Inovador, proposto pelo MEC em parceria com os sistemas de ensino estaduais.
Sobre o Projeto do Ensino Médio, a CNTE reconhece o esforço do MEC em pautar a questão
da identidade dessa etapa com foco na erradicação da dicotomia entre educação propedêutica e
profissional. A necessidade de inclusão e de regularização do fluxo é outro ponto relevante, dado
que só cerca de 47% da população entre 15 e 17 anos encontra-se efetivamente matriculada no
ensino médio, segundo a Pnad/2007. O PNE previu como meta a inclusão de 100% dos jovens nessa
faixa etária ao longo de sua execução. O déficit atual, portanto, é de mais de 50%. Outros milhões de
jovens e adultos também não concluíram a educação básica e necessitam elevar a escolaridade para
obter melhores condições de vida e garantia do emprego.
Outro ponto importante dessa proposta refere-se à expectativa de institucionalização do
projeto piloto em âmbito das políticas do SNE, a fim de responsabilizar os entes federados pelas
competências políticas, técnicas e financeiras quanto à execução desta e de outras ações realizadas
em âmbito de regimes de cooperação. E a formação profissional para o desenvolvimento dessa nova
proposta pedagógica para o ensino médio precisa ser ofertada e financiada pelas redes públicas em
conjunto com as instituições formadoras.
Não obstante sua importância, o referido Projeto deve preocupar-se em acompanhar o
impacto das mudanças no ENEM – que estão sendo propostas pelo MEC – a fim de preservar os
avanços e rever possíveis retrocessos, sobretudo em relação aos princípios que motivaram a
interiorização das universidades e dos institutos tecnológicos e para que o ENEM não sirva de
instrumento de avaliação de desempenho de caráter classificatório, punitivo e meritocrático. O MEC
e o CNE também devem supervisionar a aplicação do conceito de ‘áreas de conhecimento’ a ser
adotado pelos sistemas, com vistas a primar pela interdependência das disciplinas e dos conteúdos e
não por suas fusões, o que certamente descaracterizaria a proposta pedagógica – retornando a uma
educação instrumental – e provocaria onda de demissões de professores. E o exemplo da mudança
do modelo seriado para os ciclos serve de referência também para esse caso, pois a então inovadora
proposta de avaliação permanente transformou-se, em muitos casos, em “aprovação automática” na
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visão de vários sistemas de ensino preocupados apenas em economizar ‘custos’ com a manutenção
do ensino.
Quanto à carreira, as leis que se seguirão à do piso salarial profissional nacional do
magistério devem buscar regular as bases de atuação dos profissionais sob a ótica sistêmica da
educação. Ou seja, a valorização profissional é uma das políticas estruturantes para a qualidade da
educação, e por isso deve manter relação com o financiamento, a gestão democrática e a avaliação
(dos sistemas, das escolas, dos profissionais e dos estudantes, de forma articulada). O PL 1.592/03,
em trâmite na Câmara dos Deputados, dispõe de parte dessa compreensão e a Resolução CNE/CEB
nº 02/09 também. Enquanto aquele não é aprovado, cabe aos sistemas se comprometerem em
instituir as diretrizes emanadas pela Resolução do CNE, principalmente quando da reformulação
prevista no art. 6º da Lei 11.738.
Importante destacar, ainda, que a adequação dos PCCS, à luz da lei do piso salarial, tem por
finalidade transpor para estas normas os princípios da valorização contidos na lei federal, dentre os
quais destacam-se: i) a referência mínima do piso nacional para o vencimento inicial das carreiras
dos profissionais com formação de nível médio, em todas as redes públicas de educação básica; ii) a
vinculação do vencimento inicial de carreira a uma carga horária, no máximo, de 40 horas semanais;
iii) a imediata destinação de, no mínimo, 1/3 (um terço) da jornada para hora-atividade; iv) a
redução da jornada de trabalho sem redução de salários; e v) a extensão dos dispositivos
remuneratórios do piso aos aposentados, de acordo com os direitos previdenciários previstos na
CF/88, os quais estão ressaltados no § 5º do art. 2º da Lei 11.738.
Compete à União envidar esforços junto com os sistemas de ensino e o Fórum Nacional de
Educação no sentido de discutir a regulamentação do art. 206, VIII da CF/88, que prevê a extensão
do PSPN para todos os profissionais da educação.
Já a implantação do piso salarial e das diretrizes nacionais de carreira, por todos os entes
federativos, deve ser pauta da Lei de Responsabilidade Educacional, dada a essencialidade dessas
medidas para a melhoria da educação em todo Brasil.
Aos sistemas de ensino compete, imediatamente, incorporar os preceitos da Lei 11.301 nos
planos de carreira dos profissionais da educação, a qual prevê a contagem do tempo de serviço dos
professores nas funções de direção escolar, coordenação e assessoramento pedagógico para a
aposentadoria especial.
Com relação às condições de trabalho nas escolas, onde se insere o problema da violência,
o SNE, através de seus atores, no tocante ao problema da violência e da saúde dos profissionais da
educação, o SNE, através de seus atores, deve discutir medidas preventivas que indiquem ações
pedagógicas e propostas de interlocução com outros agentes públicos e sociais, a fim de promover o
bom trabalho dos educadores e a boa convivência com a comunidade escolar e o seu entorno.
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Outra condição fundamental para melhorar as condições de trabalho diz respeito ao número
máximo de estudantes por turma. É preciso a garantia das seguintes relações: i) na educação infantil:
de 0 a 2 anos, seis crianças por professor(a); de 3 anos, até 10 crianças; de 4 a 5 anos, até 15
crianças; ii) no ensino fundamental: nos anos iniciais, 20 estudantes por professor(a) e; nos anos
finais, 25 estudantes; iii) no ensino médio, 30 estudantes e iv) no ensino superior, até 35 estudantes.
Sobre a Avaliação Institucional
Atualmente, a educação básica conta com dois instrumentos genéricos de avaliação: as
provas aplicadas aos estudantes (SAEB, Prova e Provinha Brasil), que ajudam a compor o Índice de
Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB); e as metas estabelecidas no Plano de Ações
Articuladas, que também se correlacionam com o IDEB.
O IDEB, em que pese sua limitação de indicadores, pode ser considerado um embrião para a
aferição do padrão de qualidade do ensino, pois além da proficiência nas disciplinas de português e
matemática avalia também o fluxo e a evasão escolares. E sua importância tenderá a ganhar peso à
medida que avançar o debate sobre o Custo Aluno Qualidade e a Gestão Democrática, uma vez que
o cruzamento dessas variáveis abrirá novas perspectivas para a avaliação da educação, podendo até
contribuir para a antecipação das metas previstas no Compromisso Todos pela Educação. Hoje, o
valor per capita do Fundeb constitui parte do investimento por aluno empregado nas diferentes
etapas e modalidades. A outra parte deriva da aplicação direta dos recursos públicos que não
compõem o Fundo, e que varia demasiadamente entre os sistemas de ensino, tornando-se de difícil
mensuração.
Ao discutir o CAQ e a gestão democrática, a CONAE deve indicar aos sistemas de ensino,
reunidos sob a égide dos princípios do SNE, elementos essenciais para a elevação do padrão de
qualidade. Por outro lado, outros indicadores poderão ser agregados ao IDEB, no sentido de captar,
por exemplo, as realidades das diferentes clientelas da escola pública que necessitam de políticas
diferenciadas para alcançarem o “sucesso” escolar.
Quanto à avaliação dos sistemas de ensino, o PAR indica critérios de planejamento com
objetivos e metas atrelados às demandas educacionais verificadas através do censo educacional, da
Pnad/IBGE e das metas do plano nacional de educação. Ou seja, são referências coerentes, mas que
precisam de debate com a comunidade escolar para adquirir legitimidade social. Porém, ainda falta
avaliar o acompanhamento dos planos (PAR e PDE) nos sistemas e verificar a abrangência do
controle social sobre as ações planejadas. Estes requisitos são essenciais à qualidade social da
educação e devem ser pautados no PNE, na forma de gestão colegiada, a fim de garantir a
participação conjunta dos membros da Secretaria e do Conselho de Educação, do Ministério
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Público, do Tribunal de Contas (onde houver), dos profissionais, dos estudantes e de seus pais no
processo de avaliação dos planos de educação, dos orçamentos públicos e de outros programas
estruturantes desenvolvidos pelos sistemas.
Sobre a avaliação dos profissionais, há diversas propostas de certificação para o magistério
em debate no Congresso, que desconsideram o caráter sistêmico de uma política de avaliação
eficiente para toda a rede. A Resolução CNE/CEB nº 02/09, no art. 5º, incisos XVI ao XIX trata de
incentivos de progressão na carreira levando-se em conta a dedicação exclusiva ao cargo, a elevação
da titulação, o tempo de serviço e a avaliação de desempenho. Esta, no entanto, segundo a
Resolução, “deve reconhecer a interdependência entre trabalho do profissional do magistério e o
funcionamento geral do sistema de ensino, e, portanto, ser compreendida como um processo global
e permanente de análise de atividades, a fim de proporcionar ao profissional do magistério um
momento de aprofundar a análise de sua prática, percebendo seus pontos positivos e visualizando
caminhos para a superação de suas dificuldades, possibilitando dessa forma seu crescimento
profissional e, ao sistema de ensino, indicadores que permitam o aprimoramento do processo
educativo.” (inc. XVII)
A opção por uma avaliação não punitiva, meramente, encontra eco nos sindicatos de
trabalhadores em educação, desde que venha acompanhada de valorização da carreira profissional.
Neste sentido, a política de bônus coletivo ou de gratificação individual não pressupõe a valorização
profissional, pois não integra a carreira dos profissionais da educação, e, pior, agrava a quebra da
paridade entre trabalhadores ativos e aposentados.
Embora seja matéria de múltipla interpretação, cabe à CONAE, ao Fórum Nacional e aos
Conselhos de Educação, juntamente com os órgãos executores dos sistemas de ensino e as entidades
representativas dos trabalhadores, organizarem a discussão sobre a avaliação docente e não docente
com o objetivo de inseri-la nos planos de carreira dos profissionais da educação, no PNE e na
própria LDB, caso esta opte em agregar um capítulo sobre a valorização dos profissionais da
educação.
Também o PNE da Sociedade aponta diretrizes para esta tarefa, e propõe que “a avaliação
interna e externa das instituições educacionais deve levar em conta os seus recursos, sua
organização, suas condições de trabalho, o padrão único de qualidade e, no caso da educação
superior, a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, a universalidade de campos de
conhecimento, entre outros indicadores. Esse processo avaliatório é coordenado pelos Conselhos
Superiores e Conselhos Sociais nas universidades, e pelos Conselhos Escolares nas unidades
escolares”. O documento fixou como uma de suas diretrizes gerais “instituir mecanismo de
avaliação interna e externa, em todos os segmentos do Sistema Nacional de Educação, com a
participação de todos os envolvidos no processo educacional, através de uma dinâmica
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democrática, legítima e transparente, que parta das condições básicas para o desenvolvimento do
trabalho educativo até chegar a resultados socialmente significativos.”
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Cabe aos trabalhadores lutar pela revogação de todos os dispositivos constantes em
legislações federais, estaduais e municipais, que instituam ou possibilitem a adoção da avaliação
meritocrática/punitiva, como as previstas nos incisos XIII, XV e XVIII, do art. 2º do Decreto nº
6.094/2007, que dispõe sobre a implementação do Plano de Metas Compromisso Todos pela
Educação.
Considerações finais
Além das medidas já destacadas, o MEC conduziu, e continua conduzindo, uma série de
ações que atendem aos pressupostos do Sistema Nacional Articulado de Educação. A extensão das
políticas de transporte, merenda e livro didático a toda educação básica, inclusive ao ensino médio,
ajuda a garantir o acesso e a permanência com qualidade na escola. O Decreto 5.154/04 revogou o
Decreto 2.208/97 e reintegrou o ensino profissional ao médio. A PEC 277/08, aprovada pela Câmara
dos Deputados, prevê o fim da DRU na educação e é mais um passo rumo ao incremento do
financiamento. A mesma PEC prevê estender a obrigatoriedade do ensino público da pré-escola ao
ensino médio, contrapondo o princípio limitador da E.C 14, imposto ao art. 208, I e II. O PROUNI
(Lei 11.096/05) e as mudanças nas regras do FIES (Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino
Superior) têm possibilitado aumentar as matrículas no ensino superior, principalmente de jovens
entre 18 e 24 anos, e o Decreto 6.096/07, que instituiu o REUNI (Programa de Apoio a Planos de
Reestruturação e Expansão das Universidades Federais Brasileiras), além de prever dobrar as
matrículas nas instituições federais de ensino superior, caminha em consonância com a política
nacional de formação de professores da educação básica, ao privilegiar a oferta de cursos de
licenciaturas. As mudanças no ENEM possibilitam formas alternativas de acesso da juventude e dos
adultos ao ensino superior e corroboram com o ingresso das camadas populares nas universidades
públicas, dada a alteração curricular que se propõe a implementar; o programa Mais Educação tem
priorizado a implantação da escola de tempo integral em áreas periféricas e de risco social,
contribuindo com outras políticas de inclusão e prevenção à criminalidade.
Mesmo havendo divergências conceituais entre uma e outra política, o fato é que todas elas
se pautam em princípios que reafirmam o direito à educação pública como dever do Estado – o que é
muito importante frente ao recente cenário de privatização e mercantilização da educação. Ademais,
4 Plano Nacional de Educação da Sociedade Brasileira, consolidado na plenária de encerramento do II Coned. BH, 1997, p. 33, 35 e 36.
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a democratização da gestão, proposta ao SNE, tende a contribuir para que essas divergências se
dissipem, haja vista a maior participação da sociedade na elaboração das políticas públicas.
Quanto à oferta educacional privada, a experiência histórica revela a necessidade de se
estender compromissos que regem o ensino público para as redes particulares (básica e superior).
Além do currículo, da avaliação e da gestão democrática, aspectos da carreira dos profissionais,
especialmente do nível básico, deverão integrar as normativas de funcionamento dessas instituições
(piso, jornada, planos de carreira e gestão democrática)
As instituições do setor privado, por fazerem parte do Sistema Nacional de Educação,
subordinam-se ao conjunto de normas gerais de educação e devem se harmonizar com as políticas
públicas que têm como eixo o direito à educação, bem como acatarem os critérios de autorização e
avaliação de responsabilidade do poder público. Dessa forma, no que diz respeito ao setor privado, o
Estado deve normatizar, controlar e fiscalizar todas as instituições, sob os mesmos parâmetros e
exigências aplicados ao setor público.
A possibilidade de concluir o processo da CONAE 2010 tendo uma noção mais clara acerca
da estruturação do Sistema Nacional Articulado de Educação é vital para se garantir a efetividade da
pauta dos movimentos sociais, em particular, o educacional, sobre a gestão democrática. Sem que
esse requisito seja atendido, de forma ampla e segura, corre-se o risco de que os avanços do SNE
sejam limitados pela onipotência de governos que não prezam em ouvir os anseios da sociedade. E,
em se tratando de educação, impossível melhorar seu nível de qualidade num ambiente em que a
democracia escolar (e dos sistemas) não seja a válvula impulsionadora da liberdade, da criatividade,
da crítica construtiva e do diálogo fraterno.
Texto aprovado na Plenária Final da 7ª Conferência Nacional de Educação
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