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7º Encontro da ABRI 23 a 26 de julho de 2019 PUC-Minas Belo Horizonte Área Temática: Economia Política Internacional Geopolítica, Geoeconomia e Economia Política Internacional: um olhar sobre o papel estratégico da economia nas relações de poder entre Estados. Raphael Padula Coordenador e Professor da Pós-Graduação em Economia Política Internacional (PEPI) do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

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7º Encontro da ABRI

23 a 26 de julho de 2019

PUC-Minas – Belo Horizonte

Área Temática: Economia Política Internacional

Geopolítica, Geoeconomia e Economia Política Internacional:

um olhar sobre o papel estratégico da economia nas

relações de poder entre Estados.

Raphael Padula

Coordenador e Professor da

Pós-Graduação em Economia Política Internacional (PEPI) do

Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

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Resumo

Em textos anteriores, argumentamos sobre como as dimensões geopolítica e

geoeconômica aparecem nas reflexões de Economia Política Internacional (EPI),

desde suas origens na Economia Política de Petty, Hamilton e List, e presentes em

autores realistas que dão impulso à disciplina nos anos 1970, como Strange, Gilpin e

Knorr. Dando continuidade à pesquisa, o objetivo desse texto é apontar que a

economia aparece como uma dimensão estratégica do Estado no pensamento

Geopolítico Clássico, tal qual na EPI, diferente das abordagens tradicionais ou

mainstream da teoria econômica. Por isso, questões caras à EPI realista aparecem

nas reflexões e conceitos-chave de pensadores geopolíticos – como Ratzel e

Mackinder – e mesmo no debate atual sobre Geoeconomia e Geopolítica proposto por

Blackwill e Harris. Questões sobre como a formação de um sistema econômico

nacional menos dependente das relações exteriores se relaciona com o poder

nacional e a busca de maior independência política e segurança diante de ameaças e

influências externas, ou a utilização de instrumentos econômicos para fins

(geo)políticos, estão presentes nos autores da Geopolítica, da Geoeconomia e da EPI

citados. Esse último aspecto também aparece nas abordagens marxistas do

imperialismo e da geopolítica de Harvey, entre outros dessa escola. O artigo se apoia

em uma revisão bibliográfica de textos originais dos autores. A seção 1 apresenta a

visão estratégica estatal da economia presente na Economia Política. A seção 2

aborda reflexões e conceitos selecionados de autores geopolíticos clássicos, no que

concerne às suas conexões sobre o uso da economia e de instrumentos econômicos

para fins estratégicos. A seção 3 discorre de forma sucinta sobre abordagens

marxistas. A seção 4 trata do debate atual sobre Geoeconomia e Geopolítica, no qual

Blackwill e Harris propõe o predomínio da utilização de instrumentos econômicos para

fins geopolíticos como arma do Estado. A seção de considerações finais encerra o

texto.

Palavras-chave

Economia Política Internacional; Geopolítica; Geoeconomia.

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Introdução

Como argumentamos em textos anteriores, as dimensões geopolítica e

geoeconômica aparecem nas reflexões de Economia Política Internacional (EPI)

desde suas origens, na Economia Política Clássica (EPC) de Petty, Hamilton e List, e

estão presentes em autores da escola Realista que dão impulso à disciplina nos anos

1970, como Susan Strange, Robert Gilpin e Klaus Knorr. De outro outro ângulo, o

artigo ora apresentado tem como argumento central que questões caras à Economia

Política Internacional aparecem nas reflexões e conceitos-chave de pensadores da

Geopolítica Clássica – como Ratzel e Mackinder – e mesmo no debate atual sobre a

Geoeconomia de Blackwill e Harris. Portanto, que na Geopolítica Clássica há um olhar

apara a economia do ponto de vista estratégico e interdisciplinar, mesclando economia

e política, poder e riqueza, levando em conta a importância dos fatores geográficos.

Geopolítica e desenvolvimento econômico estão fortemente interconectados nessas

reflexões.

Concernente à política dos Estados, questões sobre a relação entre a formação

de um sistema econômico nacional autossuficiente como fonte de poder e a busca por

maior independência política e segurança diante de ameaças e influências externas,

ou a utilização de instrumentos econômicos para projeção política internacional e fins

geopolíticos, estão presentes tantos nos autores da Geopolítica quanto da EPC e EPI

citados. Esse último aspecto também aparece nas abordagens marxistas, em autores

do imperialismo, como Hilferding, e na abordagem geopolítica de David Harvey, mas

centrando-se em objetivos econômicos, que gerariam disputas entre Estados e seriam

a razão fundamental dos conflitos geopolíticos. Tais preocupações também vão se

refletir no papel econômico e/ou político da infraestrutura, e das vias de transporte, em

todas as abordagens aqui trazidas.

De forma mais ampla e ousada, o argumento central poderia ser de que há

uma continuidade nas preocupações de autores aqui selecionados da Economia

Política Clássica, da Geopolítica, e Realistas na origem das teorias de Relações

Internacionais (notadamente Edward Carr) e da EPI dos anos 1970. Mas, por questões

de espaço, o escopo será reduzido e esse não será o objetivo aqui. O artigo se apoia

em uma revisão bibliográfica de textos originais dos autores. Na primeira seção,

apresentamos de forma sucinta, recuperando artigos anteriores, a preocupação

geopolítica presente na EPC, mas fundamentalmente seu olhar estratégico sobre a

economia, presente em Petty, Hamilton e List. Na seção seguinte, selecionamos e

apresentamos reflexões e conceitos geopolíticos de Friedrich Ratzel, Rudolf Kjéllen,

Alfred Mahan e Halford Mackinder, no que concerne às suas concepções sobre o uso

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da economia para a autonomia nacional, maior acúmulo de poder relativo e projeção

externa. Na seção 3, apresentamos a abordagem marxista do imperialismo a partir de

Hilferding e geopolítica de David Harvey, destacando no que ela converge e diverge

das abordagens anteriores. Na seção 4, apresentamos a visão sobre Geoeconomia

conforme a definição de Blackwill e Harris (2016), como a utilização de instrumentos

econômicos para fins geopolíticos, como uma continuação das preocupações e

reflexões de EPI mencionadas. Embora tais conceitos apresentem várias definições a

partir de diferentes autores, para fins práticos, ao longo do artigo vamos adotar essa

definição de Geoeconomia e consideramos a Geopolítica como o estudo ou reflexões

estratégicas sobre como os fatores geográficos influenciam a estratégia dos Estados,

e, de forma, mais ampla as relações internacionais. Uma advertência é que não

pretendemos aqui fazer um resumo exaustivo das obras dos autores mencionados,

mas apenas pinçar seletivamente seus conceitos e visões que contribuam ao

argumento central do texto.

1 – A dimensão geopolítica e a economia do ponto de vista estratégico na

Economia Política Clássica

Autores da Economia Política Clássica - como o britânico William Petty, o

estadunidense Alexander Hamilton e o alemão Friedrich List – incorporaram as

dimensões geopolítica e geoeconômica em suas reflexões preocupadas com a

economia nacional do ponto de vista estratégico, embora a sistematização de um

pensamento geopolítico não fosse a preocupação ou objeto central de tais autores.

Tais autores concebem raciocínios econômicos como um saber estratégico. É

possível identificar reflexões preocupadas com a autonomia nacional através da

construção de uma economia menos dependente de suas relações exteriores e menos

vulnerável à influências estrangeiras (ameaças externas), e ao mesmo tempo voltada

para a guerra em um ambiente interestatal competitivo e conflituoso. A construção

estatal de uma economia nacional pujante seria motivada fundamentalmente pelas

relações de poder interestatais, levando em conta fatores geográficos, como a

situação geográfica relativa de um Estado (PADULA, 2018; PADULA & FIORI, 2019).

É nesse sentido que Petty se preocupa com o progresso e geração de

excedente econômico na agricultura, capaz de abastecer toda economia nacional,

liberando mão de obra para trabalhar nas atividades que considera mais rentáveis, a

indústria e o comércio, formando uma economia autossuficiente e capaz de financiar

guerras frente a rivais como a Holanda e a França. Hamilton e List ressaltaram a

importância do desenvolvimento da indústria para a diversificação produtiva e o

desenvolvimento das forças produtivas nacionais, fundamentalmente para a

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independência política no jogo de poder interestatal. A proteção industrial seria

fundamental para o desenvolvimento da indústria e diversificação da economia,

enquanto o custo econômico de comprar mais caro bens industriais produzidos

internamente (que fossem mais baratos no exterior) seria compensado pelo ganho

político, nas palavras de List: “essa aparente perda é contrabalançada e amplamente

compensada por se adquirir uma força de produção, e esta não somente assegura à

nação uma quantidade infinitamente maior de bens materiais, mas também a

autonomia industrial em caso de guerra”(LIST, 1841, p.104). Por isso, consideram

riqueza e poder devem ser encarados de forma conjunta e sinérgica, mas em última

instancia o poder é mais importante que a riqueza, pois, sem poder e segurança, a

debilidade e a vulnerabilidade externa podem fazer com que a riqueza nacional seja

apropriada por quem possui mais poder.

No sentido da construção de uma economia nacional autônoma e preparada

para a guerra, as reflexões de Petty, Hamilton e List consideram fatores geográficos,

como o aproveitamento do espaço territorial nacional, de seus recursos naturais e

potencialidades para geração de excedente e progresso econômicos, passando pela

industrialização e construção de um eficiente sistema de infraestrutura. Para List, cada

nação é produtiva na medida em que consegue se apropriar das conquistas das

gerações anteriores, em termos de capital material e não material acumulados ao logo

do tempo, e fazê-los crescer “por seus próprios recursos, na medida em que as

potencialidades naturais de seu território, sua extensão e posição geográfica, sua

população e poder político forem capazes de se desenvolver, da maneira mais

completa e regular possível, todas as fontes de riqueza dentro de suas fronteiras”, e

estender sua influência moral, intelectual, comercial e política sobre outras nações e a

economia mundial (LIST, 1841, p.101). O sistema de infraestrutura teria como objetivo

não só o desenvolvimento econômico, mas fundamentalmente a independência

política, a identidade ou integração política nacional e o domínio político do território.

Mesmo o espalhamento de desenvolvimento pelo território, tornando-o homogêneo em

termos de ocupação e avanço econômico e demográfico, atuaria nesse sentido. Assim

a dimensão geográfica do espaço de domínio, o território, aparece como elemento

central, assim como a posição geográfica relativa a pólos de poder globais e de

vizinhança. Petty aponta as vantagens auferidas pela Holanda por conta de sua

posição geográfica favorável à expansão comercial e de seu poder naval. List referia-

se à Inglaterra como um “poder insular” capaz de obter vantagens na preparação para

a guerra (ligada ao avanço industrial) e não sofrer com seus danos, podendo se isolar

geograficamente e intervir no continente europeu quando conveniente (LIST, 1841,

p.281). Ainda, na sua interpretação, o “poder insular” praticava uma política de

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promoção de ideologia e tratados de livre comércio no continente que minava a

industrialização e a autonomia dos países, sendo conveniente para o “poder

continental” da Prússia unificar e industrializar a Alemanha para fazer frente ao “poder

insular” britânico” – enquanto os Estados Unidos tenderia a se expandir e tornar toda a

América sua esfera de influência. List ainda ressalta o interesse comum dos países do

continente em não deixar que a rota pelo Mediterrâneo para o Mar Vermelho e o Golfo

Pérsico caísse nas mãos exclusivas do poder marítimo da Inglaterra. Em alternativa a

isso percebeu a necessidade da construção de vias de comunicação (especialmente

ferrovias) integrando o continente europeu, e em direção ao Oriente Médio. Por fim,

em razão de interesses comuns, aponta como inevitável o destino dos países do

europeus do continente em se unir frente à supremacia insular britânica.

Ao apontar a importância do domínio de rotas marítimas estratégicas por parte

da Inglaterra, List faz uma afirmação que, nas palavras de Earle (1986, p.337),

“honraria o Almirante [Alfred] Mahan”, formulador da teoria da supremacia do poder

marítimo a partir do estudo da expansão marítima britânica: “A Inglaterra tem a posse

das chaves de todos os mares e colocou uma sentinela defronte a cada nação (...)”

(LIST, 1841, p.38; Apud EARLE, 1986, p.338).

Para Earle (1986, pp.341-342), “a maior contribuição singela que List fez para a

estratégia moderna foi sua ordenada argumentação quanto à influência das estradas

de ferro sobre as alterações no equilíbrio de poder militar”. Nos EUA, List se envolveu

diretamente em grandes projetos ferroviários e pôde entender a importância dos

sistemas de transportes ligando todo o país para o desenvolvimento das forças

produtivas e para a defesa nacional, incluindo mobilidade de tropas e suprimentos.

Isso fez com que ele partisse para a Europa lutando por um sistema férreo nacional

ligando toda a Alemanha, e prevendo ainda a ligação de toda Europa à Ásia.1

Segundo Earle (1986, p.344), “de fato, parece que ele foi a origem da ideia da Estrada

de Ferro de [Berlim-] Bagdá”. Assim, na década de 1830, List escreve vários estudos e

projetos no qual prevê a importância do transporte ferroviário para Estados terrestres,

na mesma linha desenvolvida por Harford Mackinder somente em 1904 (abordada na

seção seguinte deste texto). Ao alterar sua capacidade de mobilidade por grandes

espaços, as ferrovias conferem aos Estados terrestres tanto capacidade de segurança

e desenvolvimento internos quanto para a projeção e ampliação de sua influencia

política e econômica para outros territórios além de suas fronteiras, diante da

capacidade de mobilidade do poder marítimo britânico.

1 Em 1833, quando enfim foi aceito como cônsul dos Estados Unidos em Leipzig, começa a promover o sistema

ferroviário alemão, e chega a elaborar um anteprojeto que originou a concepção que nortearia a sua efetiva

construção duas décadas depois, com recursos muito além do que havia imaginado.

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Ainda, tais autores se preocupam com a utilização de instrumentos econômicos

– comercio e investimentos – como uma forma de aumentar a influência política

internacional, sobre espaços territoriais e recursos de outros Estados, o que pode ser

caracterizado como geoeconomia. Ou seja, também nesse ponto a economia é

encarada do ponto de vista estratégico, no jogo de poder competitivo interestatal. É

importante sublinhar a preocupação central de tais autores com temas de segurança e

rivalidades interestatais que não se restringem ao espectro econômico, colocando-os

próximos à abordagem Realista da EPI e à Geopolítica Clássica. No âmbito das

reflexões marxistas do imperialismo, como em V.Lenin e R. Hilferding, por exemplo, a

utilização de projeção política e econômica externa através de instrumentos

econômicos está amplamente presente, levando a conflitos internacionais entre as

Grandes Potências, mas por razões predominantemente econômicas, busca por

mercados e recursos naturais, como tratado adiante na seção 3.

2 – A economia e os instrumentos econômicos na Geopolítica Clássica

Nessa seção são apresentadas algumas reflexões e conceitos selecionados de

autores da geopolítica clássica, buscando apoiar o argumento de que eles

representam uma continuidade à EPC e podem ser conectados à EPI no sentido de

olhar para a economia desde o ponto de vista estratégico e interdisciplinar,

considerando ameaças externas, redução de vulnerabilidade econômicas e políticas, e

mesmo sua utilização para projeção externa.

Considerado um dos precursores da geopolítica clássica, o alemão Friedrich

Ratzel (1897) tinha como preocupações centrais o que considerou uma unificação

“mal concluída” da Alemanha e sua posição inferior relativa à corrida neocolonial entre

as potências europeias, especialmente Inglaterra e França.

Tais preocupações influenciaram Ratzel que identificou dois fatores geográficos

fundamentais que devem influenciar a estratégia dos Estados: o seu espaço de

domínio político e sua posição geográfica relativa. Quanto ao espaço (raum), engloba

todos os recursos (conteúdo) presentes em um território, assim como suas condições

de coesão nacional. No que diz respeito à situação geográfica (lage), importa a

posição em relação a mares, continente, portos, planícies, elevações, rotas comerciais

(terrestres e marítimas), polos de poder globais e vizinhança.

Esses fatores aparecem em suas preocupações com a busca pela autarquia

como uma busca pela autonomia nacional, que passa pelo domínio do território, de

grandes espaços, e aproveitamento de seus recursos para formação de uma

economia autossuficiente, não importando os custos econômicos diante dos ganhos

políticos. É nesse sentido estratégico que Ratzel destaca o aproveitamento do

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potencial geográfico e sua conversão em poder real, observando a relação entre

espaço e tempo, no qual a infraestrutura tem um papel ao mesmo tempo político e

econômico. Também nessa lógica se enquadra a expansão do domínio de território e

recursos por parte dos Estados, o que se expressa em grande medida no seu conceito

de “espaço vital”. O conceito de espaço vital é apresentado pelo autor como o domínio

territorial adequado a ser buscado pelo Estado, considerando a presença de recursos

e o tamanho e vocação da população, para que esta possa viver e se desenvolver de

forma adequada (WEIGERT, 1942, pp.94-95). Justifica assim a expansão territorial

baseada em um argumento humanista e anti-malthusiano (COSTA, 2005)2. Mas ao

mesmo tempo prioriza a busca pela autossuficiência (ou autarquia) como forma de um

Estado depender o mínimo possível das relações exteriores, através da diversidade

geográfica proveniente do domínio de grandes espaços, internalizando a produção de

bens essenciais para o funcionamento e desenvolvimento do país, tornando-o menos

vulnerável economicamente, politicamente e militarmente, frente aos demais Estados.

É importante notar que, ao olhar para a experiência expansionista de grandes

potências, Ratzel identificou a possibilidade da utilização de meios econômicos,

culturais e políticos, para o domínio de recursos e territórios, no plano interno e

internacional3. Nesse sentido, comércio, investimentos e a construção de infraestrutura

poderiam servir tanto à exploração econômica quanto ao domínio político de recursos

e territórios (RAZTEL, 1895; 1898, p.453). Para ele, quanto mais os Estados se

desenvolvem, tanto em atividades agrícolas que demandam mais territórios quanto em

atividades industriais que demandam mais matérias primas e mercados, mais cresce a

propensão a busca de tal expansão. Ao mesmo tempo que Ratzel considera a guerra

como a forma predominante de expansão, ele também aponta a possibilidade de

“penetração pacífica”, utilizando laços econômicos, que nações mais avançadas

teriam maior facilidade de utilizar na sua projeção política externa para controlar

territórios e recursos (IDEM).

Ratzel desenvolveu um pensamento que parte de um sistema interestatal

competitivo, no qual prevalece uma seleção natural e os Estados com maiores

territórios, recursos e capacidades de mobilidade possuem maior vantagem se

2 O economista britânico Thomas Malthus desenvolveu uma visão pessimista ao observar o crescimento

geométrico da população diante do crescimento aritmético da produção agrícola para sua subsistência.

Para ele, o ajuste entre o tamanho da população e da produção para sua subsistência se daria na primeira,

através da mortalidade, ou controlando a natalidade. Ratzel inverte esse raciocínio e, sob bases nacionais,

justifica a expansão territorial. 3 Dentre as “Leis de crescimento espacial dos Estados” formuladas por Ratzel em 1895, uma delas aponta

que o crescimento espacial dos Estados acompanha diversas expressões do seu desenvolvimento, como:

produção e difusão de ideologia; produção física; atividade comercial; atividade missionária. Segundo

Octavio Tosta, em Teorias Geopolíticas (Rio de Janeiro: Bibliex, 1984, p.11), esta teria sido apelidada

como “lei da penetração pacífica” por Everardo Backheuser.

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transformarem seu potencial geográfico em poder real. É nesse sentido que a

expansão da economia (ou a utilização de instrumentos econômicos) podem ser

usados para projeção de poder frente aos rivais num sistema competitivo.

Vale notar que as sementes do conceito de autarquia apresentado pelo sueco

Rudolf Kjéllen (discípulo de Ratzel, responsável pela criação do termo Geopolítica)

foram plantadas por List e Ratzel. Em Kjéllen a ideia de controle e ocupação de um

espaço geográfico por parte de um Estado responde às vicissitudes da dependência

das relações exteriores e dos mercados internacionais. A busca pela autarquia seria

um objetivo político do Estado em ação, para alcançar a independência política, e não

uma política econômica em si, com objetivos meramente econômicos. Para isso, o

controle de um território que possa fornecer os recursos necessários para depender o

mínimo possível de importações seria fundamental (KJÉLLEN, 1985). Kjéllen busca

construir uma teoria empírica, sistêmica e dinâmica para a ação do Estado, na qual há

também uma preocupação com o papel do Estado cuidando da economia (KJELLÉN,

1916. pp. 132-134), conforme aponta Gunneflo (2015, p.32):

“O que é absolutamente fundamental para a perspectiva sobre economia fornecida por Kjéllen é que ele inverte a compreensão liberal dos Estados servindo aos mercados e aponta como o comércio pode servir ao Estado e ao Estado como um ator comercial. Além disso, em vez de fornecer leis universalmente aplicáveis, Kjéllen enfatiza a individualidade dos Estados em ternos das políticas adotadas, dependendo se o Estado é exportador ou um país importador bruto, se for um país agrário ou industrializado e a extensão e variedade dos recursos naturais, etc. Apesar de alertar contra o fato de tornar isso um "fetiche" que cega sobre a importância do intercâmbio econômico entre os povos, Kjellén prefere mercados autárquicos e delimitados ao invés de livre comércio em um mercado mundial (...). 4

No pensamento geopolítico estadunidense, o almirante Alfred Mahan (1890)

estudou a evolução do domínio marítimo britânico como a fonte de sua supremacia,

inspirando suas recomendações para os EUA. Ao pregar a importância do

desenvolvimento do poder marítimo para o seu país, da marinha mercante e de guerra

no seu país, e do controle de rotas marítimas estratégicas, Mahan destacou que este

deveria proporcionar maior segurança territorial e comercial e maior expansão

produtiva-industrial e comercial. Olhando para a Inglaterra, e comparando com

Portugal e Espanha, ele argumentou que o poder marítimo para ser bem-sucedido

4 No original: What is absolutely fundamental for the perspective on the economy provided by Kjellén is that he

reverses the liberal understanding of states serving markets and points to how commerce can serve the state and to the

state as a commercial actor. Further, instead of providing universally applicable laws Kjellén stresses the

individuality of states in terms of the policies pursued, depending on if the state is a gross exporting or a gross

importing country, if it is an agrarian or industrialised country and the extent and variety of natural resources etc.

Although he cautions against making it a ‘fetish’ that blinds against the significance of economical exchange between

peoples, Kjellén prefers autarky and delimited markets rather than free trade on a world market, and notices with

approval how protectionism is currently gaining ground against nineteenth century free trade ‘cosmopolitanism’.

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deveria atrelar sua expansão marítima e comercial a atividades produtivas internas

baseadas em bens manufaturados, que geram maior riqueza.

Contrariando Mahan, o geógrafo britânico Halford Mackinder (1904) apresentou

a teoria do poder terrestre. Mackinder atribui importância à dinâmica tecnológica,

especificamente ao advento das ferrovias transcontinentais que alteraram a relação

entre tempo e espaço e dão grande capacidade de mobilidade terrestre aos Estados

continentais, que constituiriam o chamado poder terrestre. O autor observou a

expansão e interconexão territorial russa, a construção da ferrovia transiberiana e

posteriormente o lançamento da construção da ferrovia Berlim-Bagdá por parte da

Alemanha, esta uma ideia já presente na obra e atuação política de List.

Mackinder conclui então a importância das interconexões de infraestrutura de

transportes que permitiriam tanto mobilidade interna quanto projeção de poder

externa, tanto para dominar e explorar territórios e recursos quanto para promover sua

segurança. Assim, com sua maior capacidade de mobilidade, deslocaria a importância

das rotas comerciais marítimas e daria vantagens em termos de poder e domínio de

recursos econômicos para os Estados continentais ou poderes terrestres, que

dominam grandes espaços. Para ele, isso configurava a chegada de uma era (Pós-

Colombiana) de supremacia do poder terrestre frente ao poder marítimo. Seu conceito

de área pivô ou heartland, que seria uma porção territorial de posição geográfica

central na Eurásia – aproximadamente equivalente ao território russo – leva em conta

suas características de fortaleza natural, a presença de recursos estratégicos

potenciais, sua capacidade de desenvolvimento econômico, e principalmente sua

capacidade de mobilidade interior e de projeção externa para as porções marginais da

Eurásia – Europa Ocidental, Oriente Próximo, Subcontinente indiano, e leste da Ásia.

A capacidade de mobilidade terrestre poderia então promover o desenvolvimento

territorial e econômico nacional, através do aproveitamento de recursos estratégicos,

para a autonomia nacional. Ao mesmo tempo, a projeção externa para Estados

vizinhos através da construção de vias terrestres, aumentando interconexões

comerciais e acesso a mercados e recursos econômicos, ampliaria a influência política

e acesso e controle de territórios por parte dos Estados continentais, ou especialmente

o poder terrestre russo que poderia se expandir a partir da área pivô ou heartland.

Todo esse movimento expansionista ou centrífugo estaria sob o imperativo geográfico

e estratégico permanente do poder terrestre de romper com o seu isolamento

geográfico continental e buscar alcançar as bordas e os mares quentes, para se tornar

um poder anfíbio.

É importante sublinhar que, na visão dos autores da Geopolítica clássica

mencionados, além da autossuficiência econômica ter relação com a segurança e a

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independência política, também são relevantes do ponto de vista da balança de poder

e, consequentemente, da supremacia global. Por isso Mackinder aponta a Eurásia

como o continente basilar, cujo Estado que exercer seu controle aufere à posição de

supremacia mundial. Para o autor, o Estado ou aliança que controlar essa região,

acabaria por controlar uma massa de território e recursos demográficos e econômicos

sem equivalência na disputa de poder global, e, portanto, um excedente de poder na

sua visão materialista. Partindo desse ângulo, Nicholas Spykan, holandês radicado

nos EUA, argumenta que este deve buscar controlar e integrar a América para formar

um sistema autossuficiente sob o comando de Washington, caso uma potência ou

aliança venha a dominar a Eurásia, visando equilibrar e compensar o poder dominante

na Eurásia.

Ao falar sobre a influência dos grandes espaços dos EUA sobre os pais da

geopolítica alemã, Weigert (1942, p.98) aponta que, além de Ratzel, é preciso

mencionar List, que chegou aos EUA em 1825 e foi influenciado por todo seu

ambiente, aprendendo a pensar em termos de grandes espaços para a sua Alemanha.

Influenciado pelo que viu nos EUA, List traçou suas ideias de aproveitamento da

vastidão territorial germânica, união aduaneira e política, protecionismo e

industrialização visando o desenvolvimento e a independência política, assim como o

papel de um sistema ferroviário integrando o território em um Estado orgânico para o

domínio territorial e redução da vulnerabilidade externa, vindo a influenciar a política

levada adiante por Bismark. Para Weigert, é notável, embora não reconhecida como

significante, a influência de List sobre Ratzel, por conta do primeiro ter colocado

ênfase em fatores econômicos. Enquanto o papel da experiência estadunidense sobre

ambos é reconhecido e notável, e pode ser a chave para conectá-los: “It was the

‘American world-view’ that merged the views of Ratzel and List and that influenced

Ratzel in his expansionism of politics as a factor of space and distance, size, position,

and frontiers” (IDEM, p.99). Earle (1986, p.348) compartilha da ideia de que List

estabeleceu os fundamentos para conceitos básicos da geopolítica, presentes em

Ratzel, como o de espaço vital que pavimentou o caminho para o pangermanismo, e

em Ratzel e Mackinder, como a importância do sistema de infraestrutura, e das

ferrovias em especial, afetando a relação espaço-tempo tanto para a integração do

território nacional quanto apara a projeção externa política e econômica.

Assim, é importante notar que há uma conexão clara entre a preocupação

econômica dos autores da EPC que estão na origem da EPI e os autores da

Geopolítica clássica mencionados: como desenvolver a economia nacional, a

integração territorial e o aproveitamento de recursos naturais para formar uma

economia nacional autossuficiente e mesmo vulnerável externamente do ponto de

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vista econômico, político e militar; mas ao mesmo tempo sobre como utilizar

instrumentos econômicos como comércio, investimentos e construção de infraestrutura

para ter acesso a territórios, recursos e mercados, visando aumentar a projeção

econômica e de poder. Ambos objetivos tendo como bussola orientadora uma ameaça

externa na competição geopolítica interestatal. Ainda, é importante notar que, embora

com ênfase diferenciadas, tantos os autores mencionados da Economia Política e da

Geopolítica Clássicas olham para a economia desde o ponto de vista estratégico e de

forma interdisciplinar.

3 – As abordagens marxistas de Hilferding e Harvey

Nesta seção vamos discorrer sobre a abordagem marxista do imperialismo a

partir do economista político austríaco Rudolf Hilferding e do geógrafo britânico David

Harvey, no que concerne à utilização de instrumentos econômicos para fins

geopolíticos, mas destacando similaridades e diferenças fundamentais em relação àss

abordagens dos autores da EPC e da Geopolítica Clássica. Escolhemos Hilferding, e

sua obra O capital financeiro, por conta de seu rigor acadêmico e capacidade de

abranger os conceitos e a visão histórica do imperialismo. Harvey foi escolhido pela

sua notoriedade como geopolítico da abordagem marxista.

Em Hilferding, assim como em Lenin, a dimensão geopolítica do território

econômico nacional fragmenta o planeta, e dentro dos conflitos interestatais tal

dimensão geopolítica aparece subordinada aos interesses capitalistas e à busca

incessante pela reprodução e expansão do capital e do lucro.5

Na obra O Capital, Marx apresenta sua lei da acumulação capitalista, na qual

“(...) a competição faz cada capitalista sentir as leis imanentes da produção capitalista

como leis coercitivas externas. Essas leis forçam cada capitalista a manter

constantemente o aumento do seu capital, para preservá-lo; no entanto, ele não

consegue aumentá-lo, exceto por meio da acumulação progressiva” (MARX, 1967,

vol.1, p.592; Apud HARVEY, 2005, p.44). Marx identifica uma lei de tendência à queda

da taxa de lucro no âmbito nacional proveniente do próprio avanço e da expansão

concentradora do capitalismo em busca da ampliação do lucro, que levaria a uma

composição orgânica do capital crescentemente poupadora de mão de obra e ao

crescimento da taxa de mais-valia, e consequentemente à crise de superprodução,

5 “Enquanto, por um lado, a generalização do sistema protecionista aspira desmembrar progressivamente

o mercado mundial em territórios econômicos individuais separados por Estados, a evolução para o

capital financeiro eleva a importância da magnitude do espaço econômico. Este sempre foi de grande

importância para o desenvolvimento da produção capitalista” (HILFERDING, 1985, p.293).

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visto que tal produção não poderia ser realizada 6. Por um lado, tal processo geraria

uma massa trabalhadora não empregada e desvalorizada (com salários achatados) e,

por outro lado, um excedente de capital sem possibilidades de emprego lucrativo por

parte dos capitalistas. Para Marx, a expansão do capital para além das fronteiras

nacionais seria uma obra do próprio capitalista buscando superar crises internas e a

reprodução e ampliação dos seus lucros, na busca de oportunidades para o emprego

do excedente de capital acumulado.

A análise dos autores do imperialismo se dá em um momento histórico

específico do capitalismo no qual ocorre a fusão de interesses entre o capital bancário

e o capital industrial, configurando o capital financeiro, conforme exposto por

Hilferding, inicialmente nas experiências da Alemanha e dos EUA. Ao mesmo,

configurava-se uma crescente disputa interestatal entre as Grandes Potências, que

acabou culminando na Primeira Guerra Mundial. Do ponto de vista da política e da

teoria do Estado, é relevante lembrar que, em Marx, este aparece como um

instrumento nas mãos da classe dominante para garantir seu domínio sobre os

trabalhadores, sua propriedade privada e estabilidade interna. A abordagem marxista

do imperialismo parte dessa visão, mas adiciona-se a importância do Estado nas

relações internacionais como braço político dos capitalistas e de seus interesses em

busca de expansão e internacionalização.

Desse ponto de vista, Hilferding (1985, p. 289) aborda o protecionismo

econômico proporcionado pela política comercial estatal. Em um primeiro momento, o

protecionismo funcionaria como “a arma defensiva do mais fraco” diante da

competição contra bens estrangeiros, mas permitiria o surgimento de cartéis e trustes,

do capital monopolista, e logo se tornaria “arma de ataque do mais forte” (Idem, p.

291). Como um demarcador do território econômico nacional, ele possibilita o aumento

e a combinação de preços por parte dos capitalistas. Em última instância, o

protecionismo visaria o aumento do lucro dos carteis capitalistas no mercado interno.

Mas também funcionariam implicitamente como prêmios a exportações diante da

concorrência internacional. Considerando a importância dos ganhos de escala, para o

autor, quanto maior for o território econômico ou mercado nacional, maiores serão os

lucros, e consequentemente, maior o apoio implícito às exportações, e “a ambição do

lucro é tão limitada quanto a ambição pelo aumento da tarifa”7. A proteção do mercado

6 A grosso modo, a composição orgânica do capital é a relação entre capital constante e capital variável, ou, em

termos de valor, entre o montante de máquinas e insumos (“trabalho morto”) e força de trabalho (“trabalho vivo”,

remunerado por salários). 7 “Dessa forma, existem aqui duas tendências opostas. Por um lado, o protecionismo torna-se, para os carteis, uma

arma ofensiva na luta competitiva, pela qual se aguça a guerra de preços, enquanto, ao mesmo tempo, tenta-se

fortalecer a posição na luta competitiva empregando-se meios estatais coercitivos e intervenções diplomáticas. Por

outro lado, o protecionismo estabiliza os carteis nacionais, criando assim condições para a conclusão de acordos

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nacional que impulsiona a diversificação da produção é vista como favorável ao lucro

do capitalista, e por isso seria buscada pelo Estado no seu papel de instrumento de

domínio e interesses capitalistas. Assim, não teria como fim a autonomia estatal do

ponto de vista estratégico, ou a “autarquia” para usar o termo de Kjéllen, diante de um

sistema interestatal competitivo no qual os Estados se preocupam prioritariamente

com temas de concorrência geopolítica, ameaças externas, segurança e

sobrevivência. Portanto, a visão de Hilferding nesse ponto difere dos autores da

economia política ou da geopolítica clássica aqui abordados.

No entanto, o processo de expansão e concentração do capital em âmbito

nacional levaria à tendência à queda da taxa de lucro e a crises, como observado por

Marx. Um expediente dos capitalistas para tentar driblar tais crises seria ampliar seus

mercados através de exportações, onde poderia encontrar dificuldades futuras com a

concorrência estrangeira e o protecionismo de outros países, ou mesmo pelos limites

e contradições na expansão capitalista dentro de outros territórios ou mercados

nacionais. Para Hilferding, a generalização do sistema protecionista levaria a

repartições e lutas imperialistas por territórios econômicos por parte das grandes

potências impulsionadas pelo seu capital financeiro, já que a evolução do capital

financeiro eleva a importância da magnitude dos territórios econômicos para a

exportação de capitais. O avanço das tecnologias de infraestrutura integrando grandes

espaços e mercados, permitiria tanto uma geografia concentradora e desigual, quanto

a exportação de excedente de capital e espalhamento de atividades econômicas para

explorar recursos e mercados.

Hilferding aponta que, se o prêmio implícito às exportações não for suficiente

para superar barreiras tarifarias em outros territórios econômicos nacionais e as

concorrências estrangeiras, o Estado atua empreendendo a exportação de capitais na

forma de implantação de fábricas, investimentos e financiamentos no exterior

(explorando o protecionismo em outro território econômico nacional), impulsionado

pelos interesses do capital financeiro. Ou seja, a internacionalização do capital é

proporcionada pela ação política estatal, mas impulsionada pela busca de lucro, e/ou

de evitar a queda da taxa de lucro e crise capitalista no âmbito nacional. Nas palavras

de Hilferding (1985, p.296), “A paralização da produtividade, em consequência da

redução do território econômico [fruto do protecionismo nacional], tenta compensá-lo

não pela transição para o livre comércio, mas pela ampliação do território econômico

próprio, forçando a exportação de capital”. Assim, suprime-se o efeito da redução da

intercartelistas. O resultado dessas tendências é que os acordos internacionais significam mais um armistício do que

uma comunidade de interesses perene, já que toda modificação da defesa protecionista e das relações estatais de

mercado mudam a base do acordo e tornam necessários novos contratos” (HILFERDING, 1985, p.295).

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taxa de lucro que é causado pela paralisia da produtividade. A política do capital

financeiro teria como objetivos controlar o maior território econômico possível,

estabelecendo (monopólio político e econômico através da) proteção à concorrência

estrangeira, convertendo-o assim em área de exploração para as associações

monopolistas nacionais, aproveitando seu mercado, recursos naturais e matérias-

primas baratas. Hilferding (1985, p.311) afirma que “O poder político é assim decisivo

na luta competitiva de caráter econômico, e para o capital financeiro a posição do

poder estatal é vital para o lucro”. Dessa forma, o autor empreende uma análise da

importância das diferenças de poder econômico, político e militar dos Estados na

expansão e centralização do capital, levando a relações econômicas desiguais no

âmbito global. Nesse processo, inclui-se a utilização por parte do Estado de

instrumentos econômicos como relações comerciais, investimentos e financiamentos,

buscando aumentar sua influência política e controle sobre territórios, recursos e

mercados, mas tendo como fim último a reprodução e ampliação em escala cada vez

maior do lucro dos capitalistas nacionais, ou do capital financeiro. O processo de

expansão do capital combinado à fragmentação territorial levaria a antagonismos e

conflitos geopolíticos entre as Grande Potências ou Estados centrais.

Podemos aqui fazer uma diferenciação relevante. Na economia política

clássica de Petty, Hamilton e List, o aumento das relações econômicas exteriores teria

objetivos como aumentar ganhos econômicos gerados pelo aumento da produção

industrial, aumentar a influência política e econômica sobre outros Estados com

objetivos geopolíticos e econômicos, e através de um comercio superavitário obter

recursos para financiar guerras. Para Ratzel, a busca do Estado pelo controle de

territórios além das fronteiras nacionais, ou pelo “ajuste espacial” almejando a

conquista do espaço vital, seja através da guerra ou de instrumentos econômicos, teria

um objetivo de autonomia estratégica e/ou de segurança, e secundariamente de

ganhos econômicos quando fortalecesse ganhos de poder. Já na visão de Hilferding, o

objetivo estatal seria a perpetuação e ampliação dos ganhos econômicos dos

capitalistas. Mesmo quando instrumentos econômicos, políticos e/ou militares são

utilizados contra Estados rivais ou alvos da expansão capitalista, este seria o fim

último. Os conflitos geopolíticos teriam então as razões econômicas como seu

elemento principal.

Portanto, a política estatal protecionista nada mais é do que um instrumento em

favor da expansão continua do capital, apoiado na união dos bancos com a indústria,

que permite concentrar e planejar a exportação de capital (mesmo o capital de

empréstimo), gerando mais-valia a partir da concessão de capital monetário para

indústrias que implantam fábricas em territórios econômicos além de suas fronteiras

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nacionais. A exportação de capital é um meio para compensar a queda a taxa de lucro

nacional e/ou diversificar as fontes de taxa de lucro, essencial para o capitalista. A

composição orgânica do capital determina a taxa de lucro, onde quanto mais

avançado for o país, menor será sua taxa de lucro. Já que as mercadorias

comercializadas internacionalmente sofrem influência dos preços de economias mais

avançadas, e a composição orgânica do capital em nível nacional pode importar

pouco. Em mercados novos a taxa de lucro é alta, pois entra em concorrência com a

produção artesanal. A abertura de novos mercados serve para aumentar o mercado

consumidor e atenuar os efeitos das crises. A diplomacia estatal atua em serviço dos

capitalistas não só através da política comercial, mas da expansão do capital

financeiro. O Estado é o braço diplomático do capital financeiro. O Estado forte é

fundamental para abrir e proteger seus mercados ou territórios econômicos de

exportação de capital, garantindo posições privilegiadas e lucros. Nesse sentido, a

política imperialista e as guerras são um produto da própria exportação de capital e

dos interesses capitalistas na competição por territórios econômicos (posições

privilegiadas e lucros). Interesses econômicos antagônicos entre capitalistas seriam o

fundamento dos conflitos interestatais e das guerras.

Para Lenin, a distribuição desigual do capital e do poder entre Estados estão

na dinâmica do sistema e nas lutas imperialistas na fase do capitalismo monopolista,

com a exploração em escala internacional que gera mais desigualdades. A exportação

do capital excedente para sua reprodução e ampliação. O capitalismo organizado pela

aliança entre poder político e econômico em monopólios e trustes leva à competição e

exploração em escala global pelos capitalistas e seus Estados, as Grandes Potências.

Segundo Lenin (1916, p.42):

O imperialismo é o capitalismo na fase de desenvolvimento em que ganhou corpo a dominação dos monopólios e do capital financeiro, adquiriu marcada importância a exportação de capitais, começou a partilha do mundo pelos trusts internacionais e terminou a partilha de toda a terra entre os países capitalistas mais importantes.

David Harvey (2005), nos ensaios publicados em A produção capitalista do

espaço, recupera a visão de Marx sobre Estado, acumulação e crise endêmica no

capitalismo, e especialmente seus insights que colocam em relevo uma teoria da

geografia da expansão capitalista e da produção desigual do espaço e do

desenvolvimento geográfico, subjacente nos seus escritos. Harvey se preocupa em

tecer uma análise marxista que trata as afirmações de Marx “como propostas

experimentais e ideias inacabadas”, que precisam ser avançadas e consolidadas. Ao

conectar a visão de Marx com a do imperialismo, aponta que no primeiro revela-se que

é de suma importância para a expansão capitalista buscar anular a distância (o

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espaço) pelo tempo por meio de avanço nas comunicações e nos transportes. Diante

das crises de superprodução (e subconsumo), a necessidade de ajuste da demanda

levaria os capitalistas a buscar “a expansão geográfica para novas regiões,

incrementando o comércio exterior, exportando capital e, em geral, expandindo-se

rumo à criação do que Marx denominou ‘mercado mundial’” (HARVEY, 2005, p.48).

Assim, os avanços nos transportes e comunicações possibilitariam a estruturação de

uma geografia ao mesmo tempo concentradora e desigual do capital e do

desenvolvimento econômico no processo de acumulação e expansão capitalista. Ao

diminuir o tempo das distâncias, permite tanto as trocas comerciais desiguais (na

divisão internacional do trabalho) quanto os investimentos para explorar recursos e

mão de obra em territórios distantes, buscando superar crises internas ou aproveitar

vantagens geográficas de recursos (naturais e mão de obra) e mercados. 8 Conforme

citação de Marx recuperada por Harvey, “Se o capital é enviado para o exterior, isso

não se faz pelo fato de que esse capital não possa ser aplicado no país de origem,

mas porque esse capital pode ser aplicado com maior margem de lucro em um país

estrangeiro” (MARX, O Capital, vol.3, p.256, Apud HARVEY, 2005, p.61).

Partindo da lógica de inevitabilidade das crises capitalistas em Marx e da

abordagem do imperialismo, Harvey observa que esse processo de expansão

geográfica (e desigual) do capitalismo gera conflitos entre Estados fundamentalmente

por razões econômicas. Nas palavras de Harvey (2005, p.142):

“(...) a questão a ser resolvida é se o dilema interno do capitalismo pode ser solucionado por meio da expansão ou da reestruturação geográfica. Em resumo, será que há um “ajuste espacial” para as contradições internas do capitalismo? A exportação de excedentes de força de trabalho e capital parece um meio bastante fácil de evitar a desvalorização. (...) No entanto, o resultado final, devo concluir, é que as crises se tornam mais globais em escopo, enquanto os conflitos geopolíticos se tornam parte dos processos de formação e solução da crise”.

Harvey destaca o fato de Lenin (e da abordagem do imperialismo) introduzir a

dimensão do Estado na expansão capitalista e na busca por superação de crises,

colocando em relevo “a conversão desse processo em lutas econômicas, políticas e

militares entre Estados-Nações” (IDEM, p.156), diante das inevitáveis crises e buscas

por “ajuste espacial” que “assume uma direção viciosamente competitiva e violenta”

(IDEM, p.157), envolvendo inclusive alianças regionais interestatais instáveis:

“A exportação do desemprego, da inflação e da capacidade produtiva ociosa se tornam as apostas num jogo arriscado. As guerras

8 “(...) enquanto o capital deve, por um lado, esforçar-se em derrubar todas as barreiras espaciais para

realizar o intercâmbio (isto é, a troca), e conquistar todo o mundo como seu mercado, esse capital esforça-

se, por outro lado, em anular esse espaço pelo tempo [...] Quanto mais desenvolvido o capital [...] mais

esse capital esforça-se, simultaneamente, em relação a uma ainda maior ampliação de mercado e a uma

maior anulação de espaço pelo tempo” (MARX, Grundisse, 1973, p.539; Apud HARVEY, 2005, p.51).

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comerciais, o dumping, as tarifas e cotas, as restrições ao fluxo de capital e ao câmbio, as guerras relativas a taxas de juros, as políticas de imigração, a conquista colonial, a subjugação e o controle das economias dependentes, a reorganização forçada da divisão territorial do trabalho nos impérios econômicos (...) e, finalmente, a destruição física e a desvalorização forçada resultantes da confrontação militar e da guerra podem ser consideradas como parte e parcela dos processos de formação e solução da crise” (IDEM, p.157).

Para Harvey (2005, p.64), o capitalismo só consegue escapar da sua

contradição por meio da expansão para todas as partes do mundo, devendo “existir ou

ser criado espaço novo para acumulação”. Prevalecendo, “haverá pouco ou nenhum

espaço restante para a acumulação adicional (o crescimento populacional e a criação

de novos desejos e necessidades seriam as únicas opções)”. Daí Harvey afirma que

da competição por espaços geográficos surgem áreas de fricção e conflitos

interestatais, e em algum momento o esgotamento do capitalismo. “(...) as crises se

tornam mais globais em escopo, enquanto os conflitos geopolíticos se tornam parte

dos processos de formação e solução da crise” (HARVEY, 2005, p.142

Mas Harvey coloca maior complexidade no argumento e faz uma ressalva de

que a história concreta mostra que não é possível fazer uma derivação direta da

ligação entre a teoria geral (ou lógica) da acumulação capitalista e do imperialismo

para explicar “o capital em ação”, e, portanto, a própria ação do Estado. Para ele:

“A lógica subjacente não determina e, na realidade, não pode determinar exclusivamente as consequências. Essas consequências precisam ser entendidas em termos de equilíbrio de forças – econômicas, sociais, políticas, ideológicas, concorrentes, legais, militares etc. – por meio das quais os grupos de interesse e as classes se conscientizam da lógica subjacente contraditória e procuram mediante suas ações “decidir pela luta” em relação a algum tipo de resolução. (....) também temos de levar em consideração a influência mediadora das estruturas políticas, ideológicas, militares e outras, que, embora devam ser organizadas de modo coerente em relação ao curso da acumulação de capital, não são determinadas unicamente por isso” (IDEM, p.66).

Portanto, há vários fatores e estruturas que influem na tomada de decisão do

Estado, embora sempre permeadas pela lógica da acumulação de capital, podendo

levar a decisões e conflitos que não tenham como razão presente ou única os ganhos

econômicos. Ou seja, pode haver ações e conflitos estatais por razões ideológicas,

militares, étnicas, religiosas, entre outras, ou dessas combinadas com razões

econômicas, ou tendo como fim último o ganho econômico.

Ao abordar a aliança regional em torno do Plano Marshall de reconstrução da

economias europeias devastadas pela guerra, juntamente com a construção das

instituições de Bretton Woods e das negociações de liberalização comercial no âmbito

do GATT, Harvey (2005, p.159) as coloca dentro da lógica de acumulação e expansão

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capitalista, mesmo dentro do espectro da disputa geopolítica e/ou ideológica bipolar da

Guerra Fria, e de processos como a construção da OTAN e do Pacto de Varsóvia, ou

da corrida nuclear em torno do equilíbrio ou vantagem nas armas estratégicas. Nas

palavras do autor:

“Para esse fim, forjaram-se novas alianças geopolíticas, e estabeleceram-se novas fundações para a coesão de alianças regionais de classes dentro de uma estrutura internacionalista. É claro que a ameaça soviética e o anticomunismo se tornaram a principal ferramenta ideológica, para assegurar a solidariedade de alianças regionais de classes potencialmente competidoras. Até o ponto que essa ideologia precisou de uma base material, a confrontação geopolítica em relação à União Soviética e ao bloco comunista se tornou fundamental para a sobrevivência do capitalismo, independente das políticas ou ações soviéticas” (HARVEY, 2005, p.161).

Harvey afirma que “Mesmo na era contemporânea, nem todas as guerras

podem ser consideradas capitalistas”, e nem o fim do capitalismo esgotará as guerras.

Mas ao mesmo tempo coloca a centralidade da guerra capitalista por ganhos

econômicos em um sistema interestatal capitalista. Sobretudo com uma visão

catastrófica sobre o capitalismo, que teria sobrevivido à custa de mortes e guerras e

que, seguindo esse curso, ganharia uma escala terminal:

“conforme se esgotam as soluções temporais e geográficas para a dialética da superacumulação, a tendência de crise do capitalismo mais uma vez investe furiosamente, as rivalidades interimperialistas se agudizam e a ameaça de autarcia dentro dos impérios comerciais fechados se avulta. Numa ordem mundial em desintegração, a luta para exportar a desvalorização ganha prioridade e a beligerância domina o tom do discurso político. Com isso, surge uma ameaça renovada da guerra global, dessa vez travada com armas de tão grande e insano poder destrutivo que nem mesmo o mais apto sobreviverá” (HARVEY, 2005, p.162).

É preciso notar então que na abordagem do imperialismo, como em Hilferding,

o protecionismo e a diversificação econômica, e a utilização de instrumentos

econômicos para dominar territórios e recursos e mercados além das fronteiras, têm

como objetivo o ganho econômico, o lucro dos capitalistas. E são essas disputas

econômicas, por territórios econômicos, que levam às guerras interimperialistas entre

Grandes Potências, e ao fim do capitalismo. Esse argumento aparece novamente nas

reflexões de Harvey. Ainda, através da interpretação de Harvey, podemos assinalar

que tanto em Marx, quanto nas abordagens marxistas do imperialismo e geopolítica de

Harvey, o papel da infraestrutura, ao encurtar distâncias, é de apoiar a expansão

capitalista em busca do lucro, acessando e integrando territórios e mercados. Assim,

as abordagens marxistas se diferem das abordagens da Economia Política ou da

Geopolítica Clássica, nas quais a diversificação produtiva da economia tem como

objetivo a autonomia nacional, e os instrumentos econômicos podem ser usados para

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ganhos econômicos frente a rivais, mas também podem ter como fim último ganhar

influência política e militar, tendo assim como questão central a segurança e a

competição geopolítica frente a Estados rivais. Nesse sentido, o papel da

infraestrutura pode ser econômico, mas sobretudo na diversificação produtiva e

domínio territorial nacional, e podendo ser utilizada para projeção econômica e política

além das fronteiras. Enquanto a abordagem marxista parte do materialismo e da

filosofia da história de Marx, determinando o conflito de classes e o curso da história

para crises e o fim do capitalismo, os autores da economia política e da geopolítica

clássicas partem de uma análise sobre os fatores materiais como elementos

influenciadores ou instrumentos de poder na disputa interestatal em um sistema

competitivo. A utilização de instrumentos econômicos para fins geopolíticos ou para

defesa do interesse nacional está na abordagem de Blackwill & Harris que veremos a

seguir.

4 – Geoeconomia como economia a serviço da geopolítica

Robert Blackwill e Jeniffer Harris, em War by other means: geoeconomics and

statecraft publicado em 2016, definem Geoeconomia como “O uso de instrumentos

econômicos para promover e defender interesses nacionais, e para produzir

resultados geopolíticos favoráveis; e os efeitos das ações econômicas de outras

nações sobre os objetivos geopolíticos de um país” (BLACKWILL & HARRIS, 2016,

p.20).

Aqui cabe uma ressalva importante. Como os próprios autores admitem, há

diferentes definições entre diferentes autores tanto para Geopolítica quanto para

Geoeconomia. No entanto, para o objetivo deste texto, é suficiente aceitar a definição

dos autores para colocar em relevo como abordam a relação entre instrumentos

econômicos e fins geopolíticos. Para eles, é importante observar não somente os fins

a serem alcançados, mas principalmente os meios utilizados. Por isso, a utilização de

meios militares ou políticos para ganhos econômicos, ou a utilização de instrumentos

econômicos para ganhos econômicos, não se enquadrariam na definição de

Geoeconomia dos autores. A Geoeconomia seria caracterizada pela utilização de

instrumentos econômicos objetivando e focando em ganhos geopolíticos na política de

Estado, podendo acarretar inclusive em perdas econômicas, ou com ganhos

econômicos aparecendo apenas como um efeito colateral ou secundário – nesta

última hipótese, estariam os casos mais nebulosos para se enquadrar na definição

proposta. Por exemplo, um embargo econômico, uma política de dumping comercial

ou desvalorização cambial (em uma “guerra comercial”) para minar o desenvolvimento

de uma indústria em outros países cuja tecnologia seja militarmente estratégica, ou um

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ataque cibernético ao sistema bancário-financeiro de um país, pode ter objetivos

geopolíticos, mas também efeitos econômicos. Ainda, Blackwill & Harris (IDEM, p.27)

destacam que assim como nem todos os Estados possuem a mesma capacidade de

projeção geopolítica, eles também possuem diferentes “dotações geoeconômicas”, ou

características estruturais específicas, que influenciam o quanto um Estado pode ser

efetivo no uso de instrumentos econômicos para fins geopolíticos.

Do ponto de vista tanto das ideias quanto da utilização de instrumentos

econômicos, os autores enfatizam que o uso da política econômica para fins

econômicos não se enquadraria na Geoeconomia. Mas que, se por um lado os autores

denominados mercantilistas tinham uma preocupação com a geoeconomia em um

contexto geopolítico competitivo e de guerras, o liberalismo de Adam Smith não

separa economia de política. Smith sabia que o liberalismo poderia trazer ganhos

econômicos mútuos, mas afirmava que era preciso ter atenção com os ganhos em

termos de poder entre os Estados, e seus impactos em ternos de segurança. Assim,

uma política de laissez-faire poderia ser utilizada para ganhos políticos, ou poderia

causar ganhos econômicos mas ter diferentes impactos nos Estados em termos de

ganhos políticos e segurança. Earle (1986) faz uma ampla sistematização das

passagens de Smith que destacam sua preocupação com a segurança e a indústria

bélica, que não poderia ser deixada nas mãos do mercado. Ainda, Blackwill & Harris

ressaltam que esta forma de liberalismo não está presente nos seguidores de Smith,

que separam a economia da política e reduzem sua preocupação a questões

econômicas e de mercado.

Os autores apresentam a Geoeconomia como atualmente a forma

predominante de projeção externa dos Estados, principalmente da China e dos

emergentes que possuem opções limitadas por conta da desvantagem relativa aos

EUA em termos de poder militar. Sumarizando o debate em torno do tema, o objetivo

dos autores é influenciar a política externa estadunidense, destacam a geoeconomia

como a arma mais moderna e utilizada para conseguir objetivos político-militares.

Porém, alertam que é preciso diferenciar quando instrumentos econômicos são

utilizados para fins econômicos, quando instrumentos políticos são utilizados para fins

econômicos, e quando instrumentos econômicos são utilizados para fins geopolíticos.

Nesse último caso, o objetivo final não é o lucro ou uma relação econômica vantajosa

(superavitária), mas ganhos políticos que podem levar inclusive a prejuízos, se for

considerada a ótica de mercado (preços de bens e taxas de juros internacionais). Sete

instrumentos principais são listados pelos autores: política comercial, política de

investimentos, sanções econômicas, a esfera cibernética (ataques cibernéticos), ajuda

econômica, política monetária, e política energética e de commodities. Um exemplo no

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qual a China se destaca são os acordos chamados “oil for loan”, no qual o Estado

estimula uma empresa estatal a realizar investimentos para construção de

infraestrutura, compra de ativos e/ou exploração de recursos naturais em outro país,

com financiamento de longo prazo e juros abaixo do mercado fornecido por banco

estatal chinês, tendo como contrapartida do país receptor o pagamento em uma

matéria-prima estratégica. Nestas operações, não há preocupação com os preços de

mercado do recurso natural ou dos juros, mas somente com o acesso garantido a tais

recursos estratégicos em territórios de outros países, que são vitais em termos

político-militares. Outros exemplos são as sanções econômicas utilizadas pelos

Estados Unidos contra Estados rivais ou não-alinhados, e um ataque cibernético que

pode ser empregado para paralisar todo sistema de um governo com fins políticos e

militares, mas paralisando também seu sistema bancário-financeiro, tendo impactos

significativos em termos também econômicos.

A política de livre comércio, como mencionado, também pode ser utilizada com

objetivos geopolíticos. Assim, os grandes acordos internacionais envolvendo grandes

regiões ou áreas geográficas podem ser analisados como um instrumento para que

um Estado busque influência sobre territórios, recursos e mercados mais amplos,

deslocando o acesso e deteriorando o poder relativo de países que estejam de fora

dos acordos.

Por fim, Blackwill & Harris apontam que o uso de meios econômicos para fins

geopolíticos e afetando a segurança dos Estados faz com que tensões econômicas e

de segurança (antes distintas) tendam a se reforçar mutuamente em um grau mais

elevado que em outros períodos, e mesmo se confundam.

A partir do resumo apresentado nessa seção, concluímos que, em Blackwill e

Harris, o conceito de geoeconomia, ou a utilização de instrumentos econômicos com

objetivos políticos e militares, converge com a visão dos autores da EPC e da

geopolítica clássica, não se resumindo à busca pelo lucro ou expansão capitalista,

como na abordagem marxista apresentada na seção anterior.

Considerações Finais

Recuperando textos anteriores de nossa pesquisa (PADULA, 2017; 2018;

PADULA & FIORI, 2018), de forma resumida, argumentamos que os autores da EPC

apresentação a preocupação geopolítica como elemento estruturante de suas

reflexões sobre economia, que se dão a partir de um prisma estratégico e

interdisciplinar, não separando a economia da política, a riqueza do poder. A partir da

centralidade que assume a competição geopolítica interestatal, as guerras e ameaças

externas, Petty, Hamilton e List pensaram a construção de uma economia nacional

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diversificada no sentido defensivo, menos dependente das relações exteriores, por

isso, menos vulnerável. Mas também no sentido ofensivo, da capacidade de travar e

financiar guerras, através de uma economia avançada tecnologicamente e pujante

para poder extrair tributos, e da utilização de instrumentos econômicos (como o

comércio) para ampliar os ganhos e influência não só econômica, mas também

política-militar. O conceito e análise sobre Geoeconomia de Blackwill e Harris se

enquadram nesse último aspecto.

Os autores e conceitos da Geopolítica Clássica que recuperamos também

mostram uma preocupação com a economia de um ângulo estratégico, desde sua

contribuição para a autonomia nacional e para a competição política interestatal. As

reflexões de List mostram influência nos país da geopolítica alemã, como Ratzel e

Kjéllen, por exemplo, em seus conceitos de espaço vital e autarquia, respectivamente.

Ainda, os autores da EPC argumentavam sobre a importância do sistema de

infraestrutura para o aproveitamento de recursos internos e a integração de mercados,

mas também para o domínio político do território, visão também presente em Ratzel,

Kjéllen e Mackinder, sendo que List anteviu seu papel na projeção terrestre

internacional, presente na visão geopolítica teórica e histórica de Mackinder. Os

autores da EPC também mostram preocupação com a posição geográfica e o domínio

de rotas marítimas, que aparecem posteriormente na teoria do poder marítimo de

Mahan. Esse também olhou para a economia do ponto de vista estratégico, ao atrelar

a necessidade do desenvolvimento do poder marítimo nacional ao desenvolvimento

industrial, para que o primeiro seja sustentável e leve o Estado à uma posição de

supremacia.

Por outro lado, os autores da abordagem marxista aqui apresentados,

Hilferding e Harvey, destacam a importância da utilização de instrumentos econômicos

e políticos para influenciar Estados e acessar ou controlar territórios, recursos e

mercados, mas tendo como objetivo predominante a ampliação da escala de atuação

e do lucro dos capitalistas. Sendo, portanto, os conflitos geopolíticos gerados a partir

de disputas econômicas. Mesmo o protecionismo e a diversificação econômica

promovida pelo Estado é encarada por Hilferding como sendo motivada por este fim,

aumentar o lucro dos capitalistas.

Ao olhar para a economia desde um ponto de vista estratégico e

interdisciplinar, os autores da EPI Realista seguem a linha traçada pelos autores da

EPC e da Geopolítica Clássica. Ao sistematizar a visão Realista da Política

Internacional, Edward Carr (1939) argumenta sobre as relações sinérgicas entre poder

militar e poder econômico como elementos constitutivos do poder de um Estado, e

ainda apontou que a economia poderia ser utilizada como uma arma política no

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sentido defensivo, através da busca pela autarquia, e ofensivo, utilizando comércio,

empréstimos e investimos para fins geopolíticos. No âmbito da EPI, nos anos 1970,

Susan Strange, Robert Gilpin refletiram sobre as relações entre poder e riqueza,

economia e política, de um ponto de vista estratégico dentro da competição geopolítica

e do objetivo superior da segurança nacional (PADULA, 2018).

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