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    Quo interativo o hipertexto?Da interface potencial escrita coletiva

    Alex Primo1Universidade Federal do Rio Grande do Sul

    [email protected]

    Resumo: No hipertexto interativo e de estrutura no-linear o usuriotransforma-se em autor. Uma frase como essa poderia parecer

    consensual entre pesquisadores da cibercultura. No entanto, este trabalho

    pretende discutir o hipertexto e a interao mediada por computador

    atravs de uma abordagem relacional. A partir dessa perspectiva,

    preocupada com a relao entre os interagentes, questes como

    interatividade, bidirecionalidade, usurio, no-linearidade e autoria

    compartilhada so revistas e desafiadas. Finalmente, analisando-se a

    questo da escrita coletiva, prope-se trs formas de interao

    hipertextual: potencial, colaborativa e cooperativa.

    Ao fazer citaes deste artigo, utilize esta referncia bibliogrfica:

    PRIMO, Alex. Quo interativo o hipertexto? : Da interface potencial escrita coletiva. Fronteiras: EstudosMiditicos, So Leopoldo, v. 5, n. 2, p. 125-142, 2003

    1. Introduo

    Quando certos conjuntos tericos parecem encaminhar-se a um estvelconsenso, talvez chegada a hora de se afirmar exatamente o oposto ou rever-se os

    postulados em busca das diferenas que desequilibram as generalizaes, motivando-se assim o debate.

    Mesmo que muito se tenha falado e escrito sobre as chamadas novastecnologias de comunicao, ainda se est longe de qualquer certeza. Abundam textossobre interatividade, mas persiste a confuso em torno do tema. Inclusive, muitos

    pesquisadores no conseguem ultrapassar o que a indstria e o marketing alardeiam.Mesmo o termo usurio, que pode fazer sentido para os empresrios que exploram a

    produo em srie de computadores e software, usado de forma acrtica at mesmopelos estudiosos de maior cautela. Quanto ao hipertexto, um excesso de artigos

    1

    Professor de Comunicao (Fabico/PPGCOM//UFRGS), doutor em Informtica na Educao(PGIE/UFRGS), mestre em Jornalismo pela Ball State University; coordenador do Laboratrio deInterao Mediada por Computador (PPGCOM/UFRGS).

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    (muitos at poticos) celebra a nova possibilidade de autoria compartilhada.Entretanto, no vo alm da navegabilidade da interface.

    No se pretende aqui repetir-se as inmeras definies e os diversos

    autores que tratam do hipertexto (nem haveria espao para tanto). Quer-sefundamentalmente discutir o hipertexto em virtude das relaes interativas por elemotivadas. Nesse sentido, interessa particularmente a este trabalho as modalidades deescrita coletiva, que vo alm do hipetexto cujos links e lxias j esto todos pr-configurados. Tais modalidades mereceram at agora pouca ateno dos estudiosos dacibercultura. Para tanto, questes como interao (incluindo bidirecionalidade,dilogo e permutalibilidade), o termo usurio e autoria compartilhada serodesafiadas antes que o consenso as proteja para sempre do olhar desconfiado.Finalmente, diversos hipertextos, espalhados pelo ciberespao, detonaro discussesem torno do problema da colaborao e da cooperao.

    2. De interatividade interao mediada por computador

    Muita trabalho foi investido na histria da Teoria da Comunicao emcombate ao modelo hierrquico dos meios de massa. Como se sabe, Brecht jdefendia, nos anos 30, que a radiodifuso deveria se transformar de aparelho dedistribuio em aparelho de comunicao. Em 1970, Enzensberger (1978),advogava pela possibilidade de influncia recproca entre emissores e receptores nacomunicao mediada.

    Discusses inflamadas se estenderam por diversas dcadas reinvindicandovoz a todos os envolvidos no contexto da comunicao mediada. Entretanto, no atual

    contexto das tecnologias informticas, muito da preocupao poltica parece ter seesvaziado. A defesa de Brecht (1932, citado por Enzensberger, 1978, p. 50) para queo ouvinte no se limitasse a escutar, mas tambm falasse, no ficasse isolado, masrelacionado parecia que ganharia mais fora com a chegada do computador.Contudo, o que mais se salienta hoje a interao homem-mquina e a usabilidadedas interfaces.

    A discusso a respeito da interao mediada parece agora reduzida aopotencial multimdia do computador e de suas capacidades de programao eautomatizao de processos. Mas ao estudar-se a interao mediada por computadorem contextos que vo alm da mera transmisso de informaes (educao adistncia, por exemplo), tais pressupostos tecnicistas so obviamente insuficientes.Reduzir a interao a aspectos meramente tecnolgicos, em qualquer situaointerativa, desprezar a complexidade do processo de interao mediada. fechar osolhos para o que h alm do computador. Seria como tentar jogar futebol olhandoapenas para a bola.

    Rafaeli (1988) aponta algumas dimenses normalmente associadas interatividade que a definem simplesmente em termos de harware:

    bidirecionalidade, resposta rpida do sistema, largura de banda,feedback, operaestransparentes (que ocorrem sem obstruir o uso do sistema), inteligncia artificial,entre outros.

    No raro encontrar-se referncias bidirecionalidade comocaracterstica fundamental da interatividade. Entretanto, muitos artigos sobre a

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    bidirecionalidade o fluxo de mensagens em mo dupla a confundem cominterao social, como mostra Rafaeli (1988, p. 116):

    From the users perspective, the transition to nonbatch systems allowed

    two-way flow of messages (bidirectionality), rapid exchange (quick-response), larger volume of transaction per time unit (bandwith), and a vastincrease in the combinatorial measure of the number of possible responses,the choice and variety made available to the user. These fruits of advancesin technology could be viewed in the terms of sociological exchangetheory as increases in simple reciprocity. A better symmetry is achievedfor contributions of either side, and (ostensibly) parity in gratifications can

    be improved. This technical tit-for-tat reciprocity, however, does not havean obvious reflection on the social relations involved. Even taken together,the technological improvements should not be mistaken as providing oreven regulating interactivity.

    Se antes participao rimava com discusso, hoje participar rima com

    apontar-clicar. Nesse cenrio, quanto mais clicvel um site, mais interativo eleser considerado (mesmo que todas as reaes dos links e botes j estejamdeterminadas na programao/previso).

    Sfez (1994) reage afirmando que a interatividade cria apenas uma ilusode expresso. Para ele, o espetculo que hoje se exibe parece nos incluir na cena e nosfaz crer nessa incluso. Mesmo que o emissor esteja longe, mediado pela eletrnica,

    j no se percebe mais uma sensao de artificialidade, seno a impresso de umaespontaneidade natural. A essa confuso, o autor d o nome de tautismo(neologismo que combina tautologia, autismo e totalitarismo). A comunicao passa aser uma repetio do mesmo: tautologia. O sujeito morto ou surdo, encerrado em simesmo: autismo. Ele captado por um Todo, que o engloba e dissolve: totalitarismo.

    Sfez (1994) apresenta, impiedosamente, a interatividade comoargumento de venda, no apenas na economia mas tambm no mercado terico. Defato, tanto engenheiros de sistemas como tericos da cibercultura mergulham noencantamento das tecnologias informticas e recitam em coro um discurso similar.

    perigoso ver tal defesa mesmo quando, por debaixo das simulaes maisimpressionantes, encontra-se a mesma bola de bilhar em movimento (imagem usada

    para ilustrar o modelo transmissionista da Teoria da Informao).

    Mas se interatividade um argumento de venda, como ela tratada pelomercado? O guru do marketing Al Ries2 e sua filha Laura Ries (2001), no livro As11 consagradas leis de marcas na Internet apresentam a Lei da Interatividade.Trata-se da possibilidade de se inserir dados, de acordo com as instruesapresentadas no site, e obter as informaes solicitadas. Por exemplo, no sitecomercial Amazon.com, ao se digitar o nome do autor de um livro, o site apresentaruma lista de livros correspondentes quela busca.

    Os autores no apontam em momento algum a importncia do dilogo.No de uma metfora que, por exemplo, compare um mecanismo de busca a umdilogo3, mas de uma prtica real de conversao, onde cada rodada modifica os

    2

    Considerado, segundo a quarta capa do livro citado, como o estrategista de marketing mais famosodo mundo.3 Algo do tipo: O AltaVista funciona como se fosse um dilogo.

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    interlocutores, seus comportamentos, suas mensagens e tambm a prpria relaoentre eles.

    Estranhamente, mesmo estudiosos da comunicao humana se contentam

    com a sofisticao dos bancos de dados como smbolo mximo da interao emambientes informticos. Ora, se o que est em jogo a comunicao (a aocompartilhada) e a interao (a ao entre) mediada, porque tantos estudos dainteratividade esquecem-se de tratar do dilogo mediado pelo computador? Quandoo fazem, tratam do tema de forma metafrica: a mquina dialogando com ointernauta. Estar ento o tautismo afetando at mesmo os crticos da comunicaomediada?

    Do ponto de vista da comunicao (e no da transmisso de informaes),tecnologias como ICQ, o e-mail, os fruns, as listas de discusso e os chats vieramfacilitar o livre debate e a cooperao, apesar da distncia geogrfica que separa os

    participantes. Entretanto, os arautos da interatividade no se cansam de celebrar aslinguagens de programao e os sites ditos dinmicos (que automaticamentepreenchem as pginas com informaes fornecidas por um banco de dados).

    Antes, porm, do desenvolvimento de ferramentas como o ICQ e o chat,Thompson (1988) buscava enfatizar a questo dialgica nos meios tradicionais decomunicao. O autor parte de uma discusso da interao face-a-face e a contrastacom a interao mediada. A partir disso, sugere trs formas ou tipos de situaesinterativas criadas pelos meios de comunicao, conforme mostra a tabela abaixo:

    Caractersticasinterativas

    Interao face-a-face Interao mediada Interao quasemediada

    Espao-tempo Contexto de co-presena; sistemareferencial espao-temporal comum

    Separao doscontextos;disponibilidadeestendida no tempo eno espao

    Separao doscontextos;disponibilidadeestendida no tempo eno espao

    Possibilidade de deixassimblicas

    Multiplicidade dedeixas simblicas

    Limitao daspossibilidades dedeixas simblicas

    Limitao daspossibilidades dedeixas simblicas

    Orientao da atividade Orientada para outrosespecficos

    Orientada para outrosespecficos

    Orientada para umnmero indefinido dereceptores potenciais

    Dialgica/monolgica Dialgica Dialgica MonolgicaComo se v, a anlise de Thompson no aborda os meios apenas no que

    toca transmisso ou irradiao. Procura, isso sim, pens-los em seu potencial demediar o dilogo. Em um encontro face-a-face os interlocutores so aptos (egeralmente obrigados) a levar em considerao as respostas alheias, e a modificarsuas subseqentes aes e expresses a luz destas respostas (Thompson, 1998, p.89). Por outro lado, a interao quase mediada (ou quase-interao) apresenta umaassimetria estrutural entre produtores e receptores de televiso, por exemplo, no

    permitindo a monitorao reflexiva das respostas alheias. J na interao mediadatelefnica, onde as deixas simblicas so mais restritas que na interao face-a-face,indicaes verbais como sim e um-hum demonstram que a pessoa com quem sefala est acompanhando a argumentao.

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    O autor sugere que as novas tecnologias de comunicao (mesmo semdedicar maior espao discusso das mesmas) permitem um grau maior dereceptividade e que redes de computadores possibilitam a comunicao de ida-e-

    volta que no se orienta para outros especficos, mas que de muitos para muitos(p. 235).

    Por outro lado, enquanto Thompson preocupa-se com as possibilidadestecnolgicas de mediar a interao entre as pessoas, muitos textos sobreinteratividade tratam do dilogo apenas de forma alegrica, sem preocupar-se coma preciso conceitual. Isto , em vez de um estudo crtico dos diferentes potenciaisinterativos no contexto da interao em ambientes informticos, escorrega-se para afcil fbula da mquina que dialoga com o homem.

    Lemos (1997, p. 5) lembra de um conceito que aparece com freqncianesse sentido:

    A conversationality a interao, onde o usurio e o computador estoem dilogo permanente, onde a uma ao corresponde um leque de

    possibilidades de respostas. A interatividade seria uma espcie deconversao entre o homem e a tcnica atravs das interfaces [grifosmeus].

    Contrrio ao ideal conversacional, Rafaeli (1988, p. 117) discorda daafirmativa que a melhor mdia aquela que emula de alguma forma umaconversao humana face-a-face: Defining interactivity as conversationality is bothsubjective and simplistic. Tal ideal aproxima-se dos posicionamentos da Cincia daComputao que comparam o computador inteligncia humana (como o Teste deTuring).

    J em 1988, Rafaeli denunciava que frequentemente a discusso sobreinteratividade carrega consigo formas de animismo e antropomorfizao, ao se suporque a tecnologia comporta-se como os humanos.

    Chocando-se de frente com tais propostas problemticas encontramos acrtica feroz de Searle (1997, p. 118-119). Ele discorda da prtica de atribuirintencionalidade a objetos que na verdade no a demonstram. Nesse sentido, faz umadiferenciao entre intencionalidade intrnseca e intencionalidade como-se. O

    primeiro tipo um fenmeno que seres humanos e determinados outros animais tmcomo parte de sua natureza biolgica. J frases como meu termostato percebemudanas na temperatura ou meu carburador sabe quando enriquecer a mistura

    fazem atribuies psicologicamente irrelevantes, pois, segundo ele, no implicam apresena de nenhum fenmeno mental. A intencionalidade nesses casos chamadapelo autor de como-se. Distinguindo a intencionalidade intrnseca, Searle quer opora coisa real simples aparncia da coisa (como-se).

    Algum, ao observar o computador reagir com um nova informao apsseu clique em um link, pode supor que a mquina esteja dialogando com ele.Entretanto, nem o hardware nem osoftware possuem intencionalidade intrnseca. Seo dilogo humano no uma relao automtica, nem previsvel, porque ento suporque toda e qualquer utilizao do computador seja comparada a um dilogo ou umaconversao? No contexto cientfico em que a preciso conceitual esperada,

    definies como-se prestam um papel apenas introdutrio, j que a metfora caducalogo ali onde se encontra um olhar mais crtico.

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    Distanciando-se do tecnicismo e das metforas simplificadoras, Rafaeli(1988, p. 111) prope uma definio de interatividade que se baseia na natureza daresposta (responsiveness) e que a apresenta como varivel processual (no como

    caracterstica do meio): Formally stated, interactivity is an expression of the extentthat in a given series of communication exchanges, any third (or later) transmission(or message) is related to the degree to which previous exchanges referred to evenearlier transmissions.

    O que causa estranheza na proposta de Rafaeli que ele afirma que nemtoda comunicao interativa. Se uma interao no corresponde sua definio deinteratividade, ele a classificar como comunicao de dupla via (ou no-interativa,correspondendo apenas troca bidirecional, mesmo de mensagens sem sentido) ou decomunicao reativa (quando uma resposta se refere apenas mensagem anterior).

    Este trabalho, no entanto, no diferenciar interao de comunicao.

    Entender-se- que a interao varia qualitativamente de acordo com a relaomantida entre os envolvidos, variando progressivamente da interao mais reativa(programada e determinstica) de maior envolvimento e reciprocidade, a interaomtua (Primo, 1998). Neste ltimo tipo de interao, o relacionamento entre os

    participantes vai sendo construdo durante o processo, tendo um impacto na evoluodas interaes subsequentes4. E como o termo interatividade tornou-se por demaisligado s reaes automatizadas do computador, ele ser evitado. Sendo assim, estetrabalho optar por tratar de interao mediada por computador.

    Tendo em vista toda esta discusso sobre interao mediada e o problemado dilogo e reciprocidade, buscar-se- aqui debater as formas de produohipertextual que viabilizam uma interao mtua.

    3. De receptor e usurio a interagente

    Da miopia tecnicista, que valoriza a interao homem-mquina emdetrimento do dilogo homem-homem mediado tecnologicamente, herdamos oconceito de usurio. Como o foco tecnicista volta-se para os desempenhos doharware e software no surpresa que trate aqueles que usam a tecnologia apenascomo usurios.

    Em uma discusso sobre possibilidades de construo cooperada de umtexto coletivo no justo tratar os envolvidos nesse processo simplesmente como

    usurios.Tal figura vista apenas como coadjuvante da estrela maior que a

    tecnologia. O usurio aquele que simplesmente faz uso do que est pronto e lhe oferecido para manipulao. Isto , enxerga-se essa figura como um consumidor.Escutar o usurio significa basicamente colher sua reao frente interface comintuito de modelar o produto para torn-lo mais vendvel.

    4 Estas observaes situam-se dentro de uma perspectiva relacional (Watzlawick et al, 1993). Logo, ofoco no recai nos participantes individuais (encaminhamento tpico dos estudos de produo ou de

    recepo). Quer-se investigar a prpria interao e a construo da relao construda entre osinteragentes, que influencia o encaminhamento da mesma. Isto , o produto da interao retorna sobresi e participa de sua construo (que visualmente pode ser ilustrado por uma espiral).

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    Ora, aqueles que povoam o ciberespao precisam ser vistos como sujeitose no apenas como visitantes indiferenciados de um parque temtico (onde o queinteressa abrir vias que escoem o fluxo de visitantes ou rampas que facilitem o

    trnsito).O designer de informao Edward Tufte, citado por Gould (1995), faz

    uma constatao assustadora. Segundo ele, existem apenas duas indstrias quedenominam o seu pblico como usurios: a que vende tecnologia e a que vendedrogas!

    preciso lembrar, no entanto, que a viso que valoriza a transmisso deinformaes e o canal transmissor faz parte da histria da Teoria da Comunicao.Desenvolvida para o estudo da telefonia, a Teoria da Informao teve seus conceitosgeneralizados para a comunicao humana. O termo usurio no era usado, mas umconceito de equivalente limitao foi adotado pela maioria dos estudiosos: o

    receptor.Parece estranho que depois de tanto trabalho lutando contra o modelo da

    Teoria da Informao que subentende um emissor genrico, macro, sistema, redede veculos de comunicao, e um receptor especfico, indivduo, despojado, fraco,micro, decodificador, consumidor de suprfluos (Souza, 1995, p. 14) os estudiososda comunicao mediada adotem o termo usurio que no vai muito alm domodelo informacional.

    Em 1979, Raymond Williams j sugeria que as figuras dos plos emissore receptor deveriam ser substitudas pela idia mais estimulante de agentesintercomunicadores. A discusso do autor se referia aos sistemas interativos, que,

    segundo ele, deveriam abarcar a possibilidade de resposta autnoma, criativa e noprevista da audincia (Machado, 1990).

    Infelizmente, o termo (usurio) que acabou substitundo receptor mais jovem, mas nasce com o mesmo esprito envelhecido. Poderia-se, entretanto,

    perguntar: usar no denota maior atividade do que receber? Se receptor lembraa idia de algum sentado quieto em sua poltrona assistindo ao desenrolar linear deuma emissora de televiso, o termo usurio no descreveria algum que agelivremente diante do programa? Veja-se este excerto de Marco Silva (2000, p. 128):O usurio , portanto, um experimentador com imenso leque de possibilidades. Na

    perspectiva da criao interativa, ele pode agir sobre a imagem, sobre oprocessamento do programa, em tempo real (quase simultaneamente) e mudarparmetros, dados e instrues.

    Em contraste a essa afirmativa entusiasmada, Arlindo Machado (2001, p.41) revela o outro lado da moeda:

    Desgraadamente, porm, essas mesmas mquinas e programas sebaseiam, em geral, no poder de repetio, e so os conceitos daformalizao cientfica o que elas repetem at a exausto. A repetioindiscriminada conduz inevitavelmente a estereotipia , ou seja, homogeneidade e previsibilidade dos resultados. A multiplicao, nossa volta, de modelos pr-fabricados, generalizados pelo software comercial, conduz a uma impressionante padronizao das solues, a umauniformidade generalizada, quando no a uma absoluta impessoalidade,

    conforme se pode constatar em encontros internacionais tipo Siggraph, nos

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    quais se tem a impresso de que tudo o que se exibe tenha sido feito pelomesmo designerou pela mesma empresa de comunicao.

    Em vista da problemtica exposta at aqui, percebe-se que, vindo da

    indstria da informtica, o termo usurio refere-se utilizao de um pacoteacabado, pr-determinado pela empresa produtora do software. Quem produz ocontedo gravado em um CD-ROM, por exemplo, decide que forma e funo ter umcerto boto. Ao usurio cabe us-lo, apert-lo e aceitar o efeito programado. Se o

    programa apresenta falhas (bugs), preciso esperar para comprar a prxima verso5.Falar-se usurio antes de mais nada partir-se de uma relao empresa-cliente.

    Enfim, tanto receptor e usurio so termos infelizes no estudo dainterao. A proposta que aqui se defende abandonar-se esses termos que denotamidias limitadas sobre o processo interativo. Isto posto, este trabalho preferir adotar otermo interagente, que emana a idia de interao, ou seja, a ao (ou relao) queacontece entre os participantes. Interagente, pois, aquele que age com outro6.

    4. Da interface potencial ao hipertexto colaborativo ecooperativo

    As discusses sobre o hipertexto raramente deixam de apontar suaestrutura no-linear e que seu leitor transforma-se em autor. O que segue umadiscusso a respeito dessas caractersticas to repetidas em textos sobre a cibercultura.Tal crtica ser conduzida analisando-se as possibilidades interativas em jogo.

    Quanto ao primeiro aspecto (estrutura no-linear), talvez seja mais justofalar de multi-sequencialidade (Landow, 1997, p. 82) ao se estudar a estrutura interna

    do hipertexto digital. As seqncias ainda esto l. Elas encontram-se, isso sim,multiplicadas.

    No hipertexto Fbulas Cibervertidas (http://www.hipertramas.cjb.net)7, acada caminho escolhido pelo internauta uma nova historieta se desvela. O diferencialdeste hipertexto que todos os caminhos esto a mostra. Revela-se visualmente nainterface todas as seqncias possveis, a prpria estrutura da rede hipertextual,atravs de linhas que ligam as lxias disponveis. O produtor do site programou porantecedncia todos os caminhos possveis. Mas, mesmo que o internauta possaescolher quais caminhos tomar, os seus trajetos particulares ficam limitados pelasseqncias permitidas na interface. Ao internauta no oferecido a possibilidade de

    inserir novas histrias ou alterar a interface (que modificaria o contedo que oprximo visitante encontraria).

    Claro, a cada leitura sua interpretao diferente, pois relaciona o texto aoutros textos lidos anteriormente, a outras experincias passadas. Toda leitura

    5 Sobre Bill Gates e a Microsoft, Deutschman (2000, p. 54) afirma Bill was the ultimate pragmatist.He put out bad software, buggy and flawd, but he got it out to the market, and then he fixed some ofthe problems in the next version, and then the next and the next.6 Se houver a inteno de se diferenciar a ao criativa de um internauta, por exemplo, de um programadeterminstico e reativo, o primeiro ser chamado de interagente, enquanto o segundo (para fins de

    distino) de reagente.7 O site Hipertramas, lanado em novembro de 1999 pelo autor deste trabalho, traz diversos hipertextosexplorando diferentes formas de interao. Alguns deles sero aqui discutidos.

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    tambm uma inveno particular, alicerada em uma cadeia mental tambmhipertextual. Mas enquanto produto digital, Fbulas Cibervertidas sempre apresentara mesma configurao programada quantas vezes for visitada.

    Este tipo de hipertexto, onde os caminhos e movimentos possveis estopr-definidos e que no abrem espao para o interagente visitante incluir seusprprios textos e imagens, ser aqui chamado de potencial8.

    Imagine-se agora um hipertexto cuja pgina inicial contm dois links: X eY. Cada um desses links conduz a uma nova pgina, cujos arquivos HTML sorespectivamente X.html e Y.html. A pgina X.html contm a frase Eu te amo, Maria

    diz Pedro. Logo abaixo, apresenta-se um linkque ao ser clicado leva o interagente pgina Y.html. A pgina Y.html, por sua vez, apresenta o seguinte texto: Pedroconfessa: Maria o que eu disse antes era mentira.. O linknessa pgina aponta para oarquivo X.htm.

    Se a pgina X for lida antes de Y, trata-se de uma histria de Pedro quementiu que amava Maria. Por outro lado, se Y for lida antes de X, o personagemPedro confessa que na verdade ama Maria. Isto , dependendo da seqncia escolhida,o sentido da histria se altera. Por outro lado, a programao HTML do linksdetermina sempre a mesma seqncia (por exemplo, de X se vai para Y e vice-versa).

    Sendo assim, pode-se apontar pelo menos duas redes hipertextuais emjogo. De um lado encontram-se trs pginas digitais conectadas entre si por umalinguagem HTML. O browser utilizado pelo internauta respeitar a seqncia

    programada na interface potencial, apresentando as pginas conforme determina ocdigo. O outro hipertexto em cena se estrutura a partir da complexidade cognitiva do

    visitante do site. Conhecimentos, lembranas, memrias e esquemas mentaisarticulam-se permitindo a criao de diferentes interpretaes do texto a cada leitura9.No primeiro caso, a tecnologia utilizada garante uma estrutura determinstica. J osegundo articula uma rede imprevisvel.

    Enfim, poderia-se analisar o site do exemplo apenas do ponto de vistasinttico, observando-se, por exemplo, sua programao e as permutaesdisponibilizadas ao internatura. Esse olhar apontaria a estrutura multi-sequencial e

    potencial do site em questo, que estabelece uma interao reativa. Outro estudopossvel seria o semntico, levando-se em conta os significados que emergem a cadaleitura.

    Quanto a possibilidade permutatria que se oferece ao interagente quenavega atravs de um hipertexto, vale acompanhar a descrio de Marco Silva (2000,p. 137) sobre o binmio permutabilidade-potencialidade, que sugere (inspirado emArlindo Machado) para a explicao do que viria a ser interatividade:

    8 Como se encontra em Deleuze (1988) e Lvy (1996), o potencial um conjunto de possveis queaguardam por sua realizao. O possvel seria aquilo que j est completamente constitudo, mas

    permanece no limbo. Isto , ser realizado se no houver interferncia. Logo, exatamente como oreal, s lhe faltando a existncia. Segundo Deleuze (1988, p.342), o potencial s inspira um

    pseudomovimento, um falso movimento do possvel.9 Ainda se poderia apontar outros hipertextos relevantes, que conectam as tradies, a cultura, apoltica, a histria familiar, e outros elementos contextuais.

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    o sistema permite no s o armazenamento de grande quantidade deinformaes, mas tambm ampla liberdade para combin-las(permutabilidade) e produzir narrativas possveis (potencialidade). Permiteao usurio a autoria de suas aes. Dependendo do que ele fizer acontecer,

    novos eventos ou combinaes podem ser desencadeados. E quanto maisele percorre o aleatrio, mais encontra-se disposio do acaso que oconvida a mais combinaes, a novos percursos.

    O prprio Arlindo Machado (1993, p. 180) observa que nem sempre ascoisas funcionam to bem como a sua descrio terica. Segundo ele, a obracombinatria fundante de Raymond Quenau de 1961, Cent Mille Milliards de Poms(em que o leitor combina cartes com versos), gera combinaes com desequilibradosvalores poticos. J sobre Compostion n. 1, publicado por Max Saporta em 1964(experincia na qual o leitor embaralha as pginas contidas em uma pasta e as l emqualquer ordem), Machado (1993, p. 182) comenta que: Uma vez escolhida umadisposio das folhas, o que o leitor obtm como resultado um texto convencional,

    em nada diferente de um romance mediano, com as pginas severamente numeradasem ordem crescente.

    Tendo em vista essas observaes de Machado, preciso analisar commais cuidado at que ponto a autoria de um hipertexto compartilhada com osleitores. Admitindo que a interveno detonadora do autor essencial, Machado(1993, p. 184) afirma o seguinte a respeito da participao do leitor:

    Queneau e Saporta preferem ater-se apenas ao aspecto ldico dacombinatria, propondo algo assim como um brinquedo com peas soltas

    para montar. Ao leitor cabe menos contribuir para a criao do texto doque aderir ao jogo, o interesse residindo mais na excitao do trabalhocombinatrio do que no gesto de produo de sentidos plurais.

    A tecnologia informtica veio potencializar a criao de textospermutatrios, antes criados atravs de cartes e pginas soltas pelos pioneiroscitados.

    A construo de uma histria hipertextual em suporte digital passa peloprojeto da navegabilidade do site. O autor planeja quais os caminhos possveis queoferecer ao seu leitor. Os diversos caminhos abertos oferecem diferentescombinatrias. A linguagem HTML, no entanto, disponibiliza recursos limitados paraa elaborao de histrias hipertextuais. Por outro lado, o software Storyspace10(http://www.eastgate.com/) oferece ao autor recursos que incrementam ainda mais as

    possibilidades de permutao. Atravs desse programa11 o autor pode programarcondies se/ento. Com isto, pode-se definir, por exemplo, que um links apontar

    para uma certa lxia se o leitor j houver lido um determinado texto anterior; em casocontrrio, aps clicar sobre o mesmo link outra ser a lxia mostrada. Aumenta-se,assim, a combinatria possvel, medida que se amplia o controle do autor (logo, anavegao em tal hipertexto no to livre e aleatria como se poderia imaginar).

    Por outro lado, nem todo uso de alta tecnologia em atividades literriasresulta em maior combinatria ou autoria compartilhada. Um projeto do provedor de

    10 Raquel Longhui faz uma boa descrio de sua experincia de leitura de um hipertexto produzido em

    Storyspace em http://www.pucsp.br/~cimid/4lit/longhi/afternoon.htm.11 A histria hipertextual mais famosa construda atravs do Storyspace Afternoon a story, deMichael Joyce.

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    Internet Terra em torno da criao literria, anunciado com grande estardalhao,utilizou-se de diversas ferramentas tecnolgicas sem promover a escrita coletiva.Atravs dosite daquele provedor, os internautas converteram-se em testemunhas do

    autor Mario Prata, enquanto ele escrevia o romance policial Os anjos de Badar(aps um ano de planejamento). Talvez nunca a figura do autor tenha sido tocelebrada.

    No site era possvel ver Prata em uma pequena janela que transmitiaimagens captadas por uma webcam. Em outra parte do site podia-se acompanhar oautor digitando letra por letra o texto do livro, observando-se a criao e eliminaode personagens e captulos. Mesmo que no site existissem frum, enquetes e chat,Mario Prata, em uma entrevista que antecedeu o incio da redao, avisava: No setrata de um livro interativo. Claro que todo mundo poder dar palpites, mas a intenono guiar o romance pela opinio do pblico(http://ww12.terra.com.br/marioprata/entrevista.htm). Em um chat realizado com o

    autor (http://chat.terra.com.br/chat/marioprata.htm), um interagente decepcionou-secom a impossibilidade de participar na criao da histria:

    Bandini pergunta: At que ponto internautas podero contribuir nacriao da trama do livro?

    Prata 17:22:28 > Bandini: na trama, nunca. Mas palpites sero semprebem vindos. Afinal, o escritor escreve para o leitor. Tem que conquistar oleitor. Tem que saber o que e o leitor pensa. Tem que agarrar o cara.

    Bandini rebate: Se s influncia, ento no interatividade de verdade.

    Prata 17:33:31 > Bandini, eu no vou escrever um livro com voc. paravoc. A interatividade vai surgir com mil possibilidades dentro do site.

    Um leitor apressado pode supor que o objetivo deste trabalho negar aparticipao criativa dos interagentes em um hipertexto que acessem na Internet. Pelocontrrio. O que se quer aqui apresentar as diferentes formas de interaohipertextual: da mais simples navegao criao cooperativa. Nesse sentido, o quese segue um contraste entre dois hipertextos: o Museu Virtual Iber Camargo e o

    projeto Sito. Em vez de hipertextos literrios, tratam-se de experincias hipertextuaisvoltadas para as artes visuais.

    O primeiro exemplo, apesar de estar na Internet(http://www.gaudencio.com.br/gaudencio/museu/index.htm), um sistema fechado(no sentido de no aceitar contribuies nem trocas de e-mails). O museu virtual

    oferece, alm de textos sobre o artista Iber Camargo, links que apontam paraimagens digitais de seus quadros. Cada interagente pode escolher os trajetos quemelhor lhe convier, fazendo um percurso particular cuja seqncia diferente daquelaque outros internautas conectados ao mesmo tempo esto seguindo. Por outro lado,deve-se lembrar que os percursos possveis dentro do site foram criados pela equipede produo. Nem todas obras do artista foram digitalizadas. E se o internauta quiseracrescentar alguma imagem ou comentrio no ter esse direito, pois o site nooferece essa opo. Os internautas tampouco encontraro no museu virtual uma salade discusso, nem mesmo um endereo eletrnico para entrar em contato com osresponsveis pelo museu digital. Isto , toda forma de interao dialogal oucooperativa encontra-se barrada.

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    Outrossites artsticos vo muito alm dessa forma limitada de interao.Lenara Verle (2000) faz uma interessante apresentao do projeto Sito(http://www.sito.org), no apenas como pesquisadora, mas tambm como artista

    colaboradora. Mais do que uma galeria digital, o Sito abriga um espao decolaborao (collabspace) chamado Synergy. Ali, segundo a autora, o internauta convidado a abandonar sua atitude passiva de espectador e trabalharcolaborativamente com outros artistas na criao de obras de arte interativas.

    Atravs de sua experincia com o projeto Sito, Verle identifica trs nveisde interatividade, com relao sua intensidade. So eles:

    a) a forma mais simples de interagir seria jogar com o contedo do site esuas variadas formas de navegao. Verle comenta que trata-se de umnvel baixo de interatividade, ainda que mais comum, onde persisteuma grande distncia entre o espectador e o artista;

    b)no collab mode, o internauta convidado a ser tambm um dosartistas participantes do projeto (chamandos de articipants),criando imagens que so incorporadas obra maior (em constantecrescimento);

    c)num nvel de interao mais alto, o internauta participa dodesenvolvimento conceitual do projeto. Na reas de discusso (comoo frum), as idias so sugeridas e discutidas. Verle comenta queainda que muitas opinies sejam divergentes, os debates so muitorespeitosos e resultam em criativos e originais projetos de arte em quevrias pessoas podem colaborar.

    Em relao ao segundo nvel de interao no Sito, Verle faz um alerta:Joining a collaborative process like this, means to share authorship with agroup of people, not being able to write an artist signature in the bottom ofthe piece. This is sometimes a hard task for an artist accustomed to thecontemporary art rules, where the signature and ultimately the autorship issomething very valued. We see now some art projects on the Internet thatallow the participants to add content, but normally a single artist retains theauthorship of the concept. We can say theres some sort of hierarchy,where the conceptual artist is still on top, and signs the piece, and thenthere are the many collaborating artists that add the content to fill theconceptual artists idea ( Verle, 2000 , p.3)

    Enquanto o Museu Virtual Iber Camargo permite apenas uma interaoreativa (os trajetos esto todos pr-definidos), o Sito est aberto para o trabalhocoletivo, no voltado apenas para a contemplao.

    Verle identifica bem trs formas diferentes de interao. O Museu VirtualIber Camargo se encaixaria no primeiro tipo identificado pela autora, e que se estaqui chamando de interface potencial. Os visitantes do Sito podem resumir-se a essetipo de interao se apenas passearem pelo site, resistindo s possibilidades deenvolvimento na construo coletiva das obras digitais. Aqueles que cadastram-se no

    site e modificam as imagens produzidas anteriormente por outro artista envolvem-seem um hipertexto que aqui ser chamado de colaborativo. A colaborao constitui-seem uma colagem, sem discusses durante o processo criativo. Conforme se encontraem Nitzke et al (2002; 2000), a colaborao volta-se mais para a organizao egerenciamento de informaes do que propriamente a construo conjunta de algo.

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    Em Hipertramas (http://www.hipertramas.cjb.net), o projeto PoesiaBarata convida os visitantes a participarem da construo colaborativa de uma

    poesia, juntamente com o criador do site. Primeiramente, o internauta informa seu

    nome e aps ler os versos mpares, cria e submete os versos pares. Ao final, a poesia mostrada completa, apresentando o nome dos dois interagentes de Alex Primo, oprodutor do site, e do internauta. preciso dizer que os versos do primeiro j foramtodos escritos por antecedncia e so os mesmos apresentados para todo e qualquernovo visitante. No acontece um dilogo entre os dois para pensar cooperativamente aestrutura e contedo da poesia digital. J no hipertexto Obra em Obras, do mesmo

    site, cada interagente pode acrescentar um ou mais pargrafos histria de ficocientfica em construo. possvel ainda iniciar novas histrias e bifurcar oencaminhamento daquelas em progresso, sugerindo caminhos alternativos. Nessesdois exemplares os internautas podem interferir nos textos digitais participando dacriao coletiva. Tratam-se sim de escrita coletiva, mas que dispensa o pensar em

    conjunto e a criao cooperada que emerge do dilogo durante o processo.A escrita colaborativa no exclusividade do suporte digital12. O livro

    Pega pra Kapput um exemplar impresso lanado em 1978 pelos escritores JosuGuimares, Moacyr Scliar, Luiz Fernando Verissimo e pelo ilustrador Edgar Vasques.Alm de colaborativo13 Cada um escreveu um captulo. O manuscrito era remetido,

    por pombo-correio, a um companheiro (companheiro! Imagina se fossem inimigos!)para que o continuasse (Guimares et al, 1981, p. 7) , o livro era tambmmultimdia: alm de textos trazia algumas pginas no formato de histrias emquadrinhos14.

    O terceiro nvel de interao hipertextual (tambm presente no projeto

    Sito, como informa Verle) tambm oferece possibilidades de criao coletiva, maschama por uma discusso contnua que modifica o produto medida que desenvolvido. Diferentemente da colagem colaborativa, o hipertexto cooperativodepende do debate.

    Jean Piaget (1973, p. 22) afirma que cooperar envolve operaesefetuadas em comum ou em correspondncia recproca. O autor acrescenta que nacooperao o eu substitudo pelo ns e que as aes e operaes se tornam,uma vez completadas pela adjuno da dimenso coletiva, interaes, quer dizer,condutas se modificando umas s outras.

    Poucos so os hipertextos digitais construdos atravs da cooperao.

    Mesmo os blogs15 (http://www.blogger.com), cuja tecnologia permite a escritacoletiva e que cada trecho escrito seja comentado por outras pessoas, apresentam rarouso desse mtodo.

    12 A rigor, os livros que trazem diversos captulos de diferentes autores no poderiam deixar de serconsiderados colaborativos.13 A introduo do livro informa que no houve combinao prvia e cada autor enviava suacontribuio acabada ao prximo colega.14 Nota pessoal: lembro-me que, ainda nos tempos de faculdade, um dos prazeres de meu grupo decolegas de Comunicao Social era criar contos ou roteiros de vdeo em uma mesa de bar. Para tanto,um guardanapo era passado de mo em mo, para que cada colega acrescentasse um pargrafo na

    histria ou um plano no roteiro.15 Blog, um dos fenmenos recentes mais interessantes da Internet, deriva de Web log, ou seja, umdirio escrito na Web.

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    Para facilitar o trabalho cooperado (como tambm a escrita colaborativa),mesmo a distncia e assincronicamente, alunos do Doutorado em Informtica naEducao da UFRGS desenvolveram o programa Equitext (disponvel para uso em

    http://equitext.pgie.ufrgs.br). O programa apresenta as seguintes caractersticas:as mensagens podem inseridas, no apenas ao final da lista decontribuies j efetuadas, mas tambm entre essas contribuies; asmensagens podem, mediante combinaes prvias entre o grupoenvolvido, ser alteradas ou excludas pelos participantes, mesmo quandono forem de prpria autoria (Axt et al, 2001`, p. 136).

    O uso paralelo de ferramentas como frum, chat e ICQ contribuem para oplanejamento e revises do texto em progresso. Como o Equitext permite alteraes eincluses em qualquer ponto do texto, o mesmo vai sendo alterado pelo grupo durantetodo o processo.

    A professora Margarete Axt, dos programas de ps-graduao emEducao e Informtica em Educao, fez uso do Equitext com seus alunos comoatividade complementar ao trabalho terico sobre narratividade. Oito autores criarama histria coletiva Era uma vez... de forma assncrona atravs da Internet.

    Analisando a experincia conduzida, Axt et al (2001, 140) concluem:

    A cada novo acesso que se faz narrativa, a sensao que se tem deencontro com uma outra histria: pargrafos inteiros foram colocados entreos que j haviam sido escritos agenciando novas conexes e disperses;

    personagens aparecem e morrem, enquanto outros parecem ter ficadodistantes; tempos e lugares se modificam rapidamente; perguntas queinterrogam, reticncias que convocam, descries que surpreendem,acontecimentos que decepcionam. Tudo conduz a uma sensao

    indescritvel de desorganizao. como se a histria tivesse seguido seusprprios rumos, como se os personagens houvessem modificado, por suaprpria vontade, toda a trama enquanto os autores dormiam.

    A escritora Sonia Rodrigues tambm tem trabalhado h alguns anos emprojetos de autoria coletiva. Seu site, Autoria e Companhia(http://www.autoriaecia.com.br/), promove inclusive torneios de criao. Ostorneios que ocorrem atravs da Internet se baseiam no pioneiro jogo Autoria: o jogode criar histrias, da mesma autora. Este funciona como um guia de estruturanarrativa, atravs de cartas e um tabuleiro. Enquanto o torneio na Internet baseia-se nacolaborao cada participante cria uma fase da histria16 , o jogo de tabuleiroincentiva a cooperao entre os participantes do jogo para quem criem e decidam emconjunto o desenvolvimento da histria.

    5. Concluses temporrias

    preciso recuperar nas discusses sobre interao mediada a dimensopoltica e a preocupao com os canais que aproximam os interagentes atravs dodilogo. Ainda que a problemtica relativa ao hardware e software no possa serdeixada de lado, as questes de engenharia no devem tomar o centro do palco.Confundir bidirecionalidade com relao social e ver os interagentes apenas comousurios de tecnologia retirar a prpria interao do foco de anlise. Seduzir-se

    16 As 7 fases so: incio, perda, obstculo, diviso, auxlio, deciso e concluso.

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    pelas funes automatizadas da mquina, no resistindo ao tecnicismo, cegar-se aofato que o ciberespao povoado por sujeitos em interao. Estudos de comunicaosocial mediada pelo computador que se perdem no encantamento maqunico apagam

    o que lhe era mais prprio: o social e a ao compartilhada.Em vista disso, este trabalho procurou diferenciar os tipos de relaes

    mantidas em ambientes hipertextuais. Entendendo-se que estudar a interao observar as aes entre os interagentes (interao = ao entre) e como a relaorecproca modifica o progresso da mesma, o problema da autoria compartilhadamereceu uma abordagem diferenciada. Enquanto no hipertexto potencial apenas oleitor se modifica, permanecendo o produto digital com suas caractersticas originais,no hipertexto cooperativo todos os envolvidos compartilham a inveno do textocomum, medida que exercem e recebem impacto do grupo, do relacionamento queconstrem e do prprio produto criativo em andamento. J o hipertexto colaborativoconstitui uma atividade de escrita coletiva, mas demanda mais um trabalho de

    administrao e reunio das partes criadas em separado do que um processo de debate(nesses casos, inclusive, uma nica pessoa pode assumir as decises do que publicar).

    Poderia-se ainda questionar como fica a qualidade final do texto coletivo?Possivelmente a resposta passa pela qualidade do texto de cada interagente e de comoo grupo trabalha em torno da produo compartilhada. Isto , como o texto

    produzido por diferentes pessoas, ele corre o risco de ter freqente variao de estilo ebrilho, pecando pela falta de harmonia. Esse problema mais comum na criaocolaborativa. Alm disso, como nessa modalidade efetua-se apenas uma colagem de

    partes produzidas individualmente, possvel at que algum em determinado pontoda histria decida assassinar o protagonista, mudar radicalmente o gnero da trama ou

    mesmo usar o espao para divulgao publicitria ou manifestao obscena. Surpresascomo essas podem at ser divertidas, mas comprometem a qualidade literria doconjunto. Apesar dessas possveis dificuldades apontadas, a produo colaborativa

    pode garantir um resultado final de qualidade (como o livro Pega pra Kapput!). Otrabalho cooperado, por sua vez, avalia constantemente sua produo. E como todosinteragentes podem alterar qualquer parte do texto, a personalidade e o estilodesenvolvidos no grupo acabam por permear toda a produo. Trabalharcooperativamente, no entanto, exige novo aprendizado e nova postura, poistradicionalmente a autoria vista como prtica individualizada.

    Quanto questo da multi-seqencialidade, a interface potencial traz

    programados os caminhos possveis e no permite modificaes dos visitantes em suaestrutura. como em uma praa colocar-se grades ao lado das caladas, impedindoque os transeuntes atravessem o gramado, riscando novos caminhos e deixando suasmarcas. O hipertexto colaborativo permitir a interveno criativa dos participantesdo grupo, mas atravs de lacunas na seqncia prevista (como em Poesia Barata) ou

    pela mera justaposio de partes que vo construindo o progresso seqencial quepermite a exposio da histria (tal como funciona Obra em Obras). J na produocooperativa, a evoluo dos textos depende das decises do grupo como um todo. Ecomo o debate contnuo, as seqncias so sempre temporrias, podendo seralteradas ou mesmo apagadas a qualquer momento, modificando o todo,resignificando as seqncias.

    Mas, enfim, que importncia tem toda este debate a respeito de conceitose da comunicao mediada? Primeiramente, quer se chamar de volta o debate em

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    torno da interao mtua e dialogal, que parecia se encaminhar para a margem dasdiscusses que mais se preocupavam com o desempenho da tecnologia. E, antes deser acusado de mero capricho semntico que busca lapidar conceitos, este trabalho

    espera inspirardesigners e produtores multimdia para a incoporao de recursos quefacilitem o dilogo e o debate cooperativo nos programas que constrem. Dessaforma, cai a supremacia do programador sobre seus usurios e valoriza-se a

    participao inventiva dos interagentes em cooperao.

    Referncias bibliogrficas

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