71723847 Um Lirico No Auge Do Capitalismo Charles Baudelaire

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l \. 1 ER BENJAMIN LEITURAS AFINS Waltec Benjamin jeanne Marie Gagncbin CHARLES BAUDELAIRE UM LÍRICO NO AUGE DO CAPITALISMO Os Arca nos do Inteiramente Outro .-1 Escola de Fm11 kfurt, a melancolia, a reuotução Olgária Mato; Coleção Tudo é História Biografias o lIuminismo Visionário Walter Benjamin, leitor de Descartes e Kant Olgária Matos Obra; Escolhidas 1: Magia e técnica, arte e política 2 kuu de mão única j: Cbarles Ba 11 dela ire, WIl lírico 110 auge do capitalismo \X'aher Benjamin '1e; e o peJD 3'" OBRAS ESCOLHIDAS VOLUME III tradução: José Car/os Martins Barbosa Hemerson Atues 'Baptista Teoria Crítica Ontem e hoje Bárbara Freitag ) \ (1;0 t: ') ~ frFrtEL., :::§l" ~Mé'JT{2(:: C- {!.ose mA (l Y ,J~ (4 :.\) L/ ,,-> A I' ,~ L. L, I I~) J}-( (11(;"( 'A) ) editora brasiliense r ' BJBLll~'T:"7~ .: fE,::d'.5t> l?JP

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LEITURAS AFINS

Waltec Benjaminjeanne Marie Gagncbin

CHARLES BAUDELAIREUM LÍRICO NO AUGE DO

CAPITALISMO

Os Arca nos do InteiramenteOutro

.-1 Escola de Fm11 kfurt, amelancolia, a reuotução

Olgária Mato;

Coleção Tudo é HistóriaBiografias

o lIuminismo VisionárioWalter Benjamin, leitor de

Descartes e KantOlgária Matos

Obra; Escolhidas1: Magia e técnica, arte e

política2 kuu de mão única

j: Cbarles Ba 11dela ire, WIl

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OBRAS ESCOLHIDASVOLUME III

tradução:José Car/os Martins Barbosa

Hemerson Atues 'Baptista

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Bárbara Freitag

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Paris do Segundo Império

•Uma capital não é absolutamentenecessária ao homem"

Senancour

A Boêmia

A boêmia surge em Marx num contexto revelador. Ele aíinclui os conspiradores profissionais, de que se ocupa na deta-lhada resenha das Memórias do Agente Policial de Ia Hodde,publicadas em 1850 na Nova Gazeta Renana. Rememorar a fi-siognomonia de Baudelaire significa falar da semelhança que eleexibe com esse tipo político. Marx assim o delineia: "Com odesenvolvimento das conspirações proletárias surgiu a necessi-dade da divisão do trabalho; os membros se dividiram em cons-piradores casuais ou de ocasião, isto é, operários que só exer-ciam a conspiração a par de suas outras ocupações e que, sócom a ordem do chefe, freqüentavam os encontros e ficavam deprontidão para comparecer ao ponto de reunião, e em conspi-radores profissionais, que dedicavam todo o seu serviço à cons-piração, vivendo dela ... As condições de vida desta classe con-dicionam de antemão todo o seu caráter. .. Sua existência osci-lante e, nos pormenores, mais dependente do acaso que da pró-pria atividade. sua vida desregrada, cujas únicas estações fixas

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• Proudhon, que se quer distanciar dos conspiradores profissionais,denomina-se vez por outra "um homem novo - um homem cujo negócionão é a barricada, mas a discussão; um homem que, todas as noites,poderia sentar-se à mesa com o chefe de polícia e ganhar a confiança detodos os De La Hodde do mundo." (cit. Gustave Geffroy, L'enjermé, Paris18<n, pp. 180-18t),

Em sua descrição dos conspiradores profissionais prossegueMarx: "Para eles, o único requisito da revolução é organizarsuficientemente sua conspiração. .. Lançam-se a invenções quedevem levar a cabo maravilhas revolucionárias: bombas incen-diárias, máquinas destrutivas de efeito mágico, motins que de-verão resultar tanto mais miraculosos quanto menos bases ra-cionais tiverem. Ocupados com esse frenesi de projetos não têmoutra meta senão a mais próxima - ou seja, a derrubada dogoverno existente - e desdenham profundamente o esclareci-mento mais teórico dos trabalhadores sobre seus interesses declasse. Daí sua raiva, não proletária mas plebéia, contra os habitsnoirs (casacas-pretas), as pessoas mais ou menos cultas querepresentam esse lado do movimento, das quais, no entanto,como de representantes oficiais do partido, nunca se conseguemfazer de todo independentes'<.f Em princípio, os vislumbres polí-ticos de Baudelaire não excedem os desses conspiradores pro-fissionais. Se dirige suas simpatias ao reacionarismo clerical, ouse as oferece à insurreição de 1848, sua expressão desconhecemediações, e seu fundamento permanece frágil. A imagem queapresentou nos dias de fevereiro - numa esquina de Paris,agitando uma espingarda e proferindo as palavras "Abaixo ogeneral Aupick"* - é convincente. Na pior hipótese, poderiater feito suas as palavras de Flaubert: "De toda a política sóentendo uma coisa: a revolta". Essa frase então deveria serentendida à luz do trecho final de uma nota que nos foi entre-gue junto com seus esboços sobre a Bélgica: "Digo 'viva a re-volução!' como diria 'viva a destruição! viva a expiação! vivao castigo! viva a morte!'. Seria feliz não só como vítima; tam-pouco me desagradaria representar o carrasco, a fim de sentira revolução pelos dois lados! Todos temos no sangue o espíritorepublicano assim como a sífilis nos ossos; estamos infectadosde democracia e de sífilis".s

O que Baudelaire assim registra poder-se-ia denominar ametafísica do provocador. Na Bélgica, onde fez aquele aponta-mento, teve por algum tempo f~ma de espião da polícia fran-cesa. Expedientes desse gênero causavam tão pouca estranheza

são as tavernas dos negociantes de vinho - os locais de encon-tro dos conspiradores -, suas relações inevitáveis com toda asorte de gente equívoca, colocam-nos naquela esfera de vida que,em Paris, é chamada a boêmia'í)"

De passagem, deve-se observar que o próprio Napoleão 111iniciara sua ascensão num meio que tinha muito em comumcom o descrito. Um dos instrumentos do seu período gover-namental foi a Sociedade de 10 de Dezembro, cujos quadros,segundo Marx, haviam empregado "toda a massa indefinida,diluída e disseminada por toda a parte, a qual os franceses de-nominam a boêmia"? Durante seu império, Napoleão aperfei-coou hábitos conspirativos. Proclamações surpreendentes, trá-fico de segredos, invectivas bruscas e ironias impenetráveis cons-tituem a razão de Estado do Segundo Império. Tornamos a acharessas mesmas características nos escritos teóricos de Baudelaire.O mais das vezes, ele expõe opiniões apodicticamente. Discutirnão é a sua seara. Ele o evita mesmo quando as evidentes con-tradições em teses que adota sucessivamente exigiriam um debate.O Salão de 1846 ele o dedicou "aos burgueses"; aparece comoseu porta-voz, e seu gesto não é o do advocatus diaboli. Maistarde, por exemplo em sua invectiva contra a escola do bonsens, encontra para a "'honnête' burguesia" e para o notário- a figura do respeito no meio burguês - os traços do boêmiomais raivoso.! Por volta de 1850, proclama que a arte não deveser separada da utilidade; alguns anos depois, defende "I'artpour I'art", Em tudo isso se esforça tão pouco em se reconciliarcom seu público quanto Napoleão III ao passar da tarifa pro-tecionista para o Iivre-carnbismo, quase da noite para o dia eàs escondidas do parlamento francês. Todavia esses traços tor-nam compreensível que a crítica oficial - com Jules Lemaitreà frente - tenha rastreado tão mal as energias teóricas conti-das na prosa de Baudelaire.

• O general Aupick era padastro de Baudelaire.

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que, em 20 de dezembro de 1854, Baudelaire pôde escrever àmãe, com referência aos literatos de aluguel da polícia: "Jamaismeu nome aparecerá em seus registros infames"." Dificilmentea causa dessa fama terá sido apenas a inimizade que Baudelairemanifestou contra o então proscrito Victor Hugo, muito cele-brado na Bélgica. Por certo, sua devastadora ironia participouna formação desse boato; facilmente ele mesmo poderia se com-prazer em difundi-Ia. O culte de Ia blague, que reencontramosem Georges Sarei e que se tornou componente inalienável dapropaganda fascista, dá em Baudelaire seus primeiros frutos.O título sob o qual o espírito com que Céline escreveu Bagatellespour un massacre remete diretamente a um registro do diáriode Baudelaire: "Podia-se organizar uma bela conspiração com ointuito de exterminar a raça judaica"." O blanquista Rigault,que encerrou a carreira de conspirador como chefe de políciada Comuna de Paris, parece ter tido o mesmo humor macabro,de que muito se fala em testemunhos sobre Baudelaire. DizCharles Proles em Os Homens da Revolução de 1871: "Ao ladode muito sangue-frio, Rigault tinha em tudo alguma coisa deum gozador depravado. Tal qualidade lhe era inseparável, atémesmo em seu fanatismov.ê O próprio ideal terrorista que Marxencontra nos conspiradores tem seu equivalente em Baudelaire,que, numa carta à mãe, em 23 de dezembro de 1865, escreve:"Se alguma vez recuperar o vigor e a energia que já possuí,então desabafarei minha cólera através de livros horripilantes.Quero incitar toda a raça humana contra mim. Seria para mimuma volúpia que me compensaria por tudo'"? Essa fúria encar-niçada - Ia rogne - foi a disposição de espírito que alimentouos conspiradores profissionais de Paris durante meio século delutas em barricadas.

.. São eles - diz Marx a respeito desses conspiradores - osque erguem e comandam as primeiras barricadas".'? Com efeito,a barricada é o ponto central do movimento conspirativo. Va-le-se da tradição revolucionária. Na Revolução de Julho, maisde quatro mil barricadas se espalharam pela cidade.!' QuandoFourier espreita à sua volta em busca de um exemplo do. "tra-balho não assalariado mas apaixonado", não encontra nenhum

mais próximo que a construção de barricadas. Hugo fixou, demodo impressionante, a rede dessas barricadas, deixando nasombra, no entanto, sua guarnição: "Por toda a parte, a invisí-vel polícia dos revoltosos vigiava. Mantinha a ordem, ou seja,a noite. .. Olhos que, de cima, tivessem olhado essas sombrasamontoadas talvez percebessem, em locais dispersos, uma apa-rência indistinta que indicava contornos fragmentados e detraçado arbitrário, perfis de construções singulares. Nessas ruí-nas se movia algo semelhante a luminárias. Nesses locais esta-vam as barricadasv.P Na alocução a Paris, que permaneceufragmentária e que deveria fechar As Flores do Mal, Baude-laire não se despede da cidade sem evocar suas barricadas; lem-bra-se de seus "paralelepípedos mágicos que se elevam para oalto como fortalezas't.P Naturalmente essas pedras são "mági-cas", uma vez que o poema de Baudelaire não conhece as mãosque as colocaram em movimento. Mas precisamente esse palhaspoderia ser imputado ao blanquismo, pois, de modo semelhante,clama o blanquista Tridon: "O força, rainha das barricadas ...tu, que brilhas no clarão e no motim ... é para ti que os pri-sioneiros estendem as mãos acorrentadas" .14 Ao fim da Comuna,como animal mortalmente atingido, o proletariado retomou ta-teante para trás das barricadas. Responsável pela derrota foi ofato de os operários, adestrados em lutas de barricadas, nãoserem favoráveis ao combate aberto que teria bloqueado cami-nho a Thiers. Esses operários preferiram - como escreve umdos historiadores modernos da Comuna - "a luta no próprioquarteirão ao combate aberto e, se preciso, a morte atrás docalçamento empilhado como barricada, numa rua de Paris" .15

Blanqui, o mais importante dos chefes de barricadas pari-siense, estava na época confinado em sua última prisão, o Fortdu Taureau, Em sua retrospectiva sobre a Revolução de Julho,Marx viu nele, e em seus companheiros, "os verdadeiros líderesdo partido proletãrio't.l" Dificilmente se pode exagerar o pres-tígio revolucionário que Blanqui então possuía e que manteveaté a morte. Antes de Lênin, não houve quem tivesse aos olhosdo proletariado traços mais distintos. Traços que se gravaramtambém em Baudelaire. Há uma folha de sua autoria em que,

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ao lado de outros desenhos improvisados, se mostra a cabeçade Blanqui.

Os conceitos a que Marx recorre em sua descrição dos am-bientes conspirativos em Paris permitem, com maior razão,reconhecer a posição ambígua que Blanqui ali ocupava. Se, porum lado, BJanqui entrou na tradição como "putschista", háboas razões para isso. Para a tradição, ele representa o tipo depolítico que, como diz Marx, vê sua missão no "antecipar-seao processo de evolução revolucionário, impeli-lo por meio deartifícios para a crise, improvisar uma revolução sem que hajacondições para ela".'? Se, por outro lado, compararmos descri-ções que possuímos de Blanqui, então ele parecerá, antes, umdos habits noirs, em quem os conspiradores viam os seus mal-quistos concorrentes. Uma testemunha ocular descreve assim oclube blanquista de Les Halles: "Se quisermos ter uma idéiaexata da impressão que, desde o primeiro momento, se tinha doclube revolucionário de Blanqui em comparação com os outrosdois clubes que o partido possuía na época ... , então o melhorserá imaginarmos o público da Comédie-Française num dia emque são encenados Racine e Corneille ao lado da massa humanaque lota um circo onde acrobatas exibem habilidades de risco.Era como estar numa capela consagrada ao rito ortodoxo daconspiração. As portas ficavam abertas a todo o mundo. massó voltava quem era adepto. Após o aborrecido desfile dos opri-midos. .. erguia-se o sacerdote daquele lugar. Seu pretexto eraresumir as queixas de seus clientes, do povo representado pelameia dúzia de imbecis arrogantes e irritados, que justamentetinham acabado de ser ouvidos. Na verdade, ele explicava asituação. Seu aspecto era distinto e a roupa impecável; a ca-beça de forma delicada, a expressão tranqüila; apenas de vezem quando um Jampejo sinistro e selvagem lhe atravessava osolhos, que eram pequenos, apertados e penetrantes; em geral,pareciam mais benévolos que implacáveis. Seu modo de falarera comedido, paternal e inequívoco; o modo de falar menosdec1amatório que, junto com o de Thiers, jamais ouvi";" Nestadescrição, Blanqui aparece como doutrinador. Os sinais de iden-tificação com os habits noirs se confirmam até nas pequenascoisas. Era sabido que o "velho" costumava ensinar de luvas

pretas. * Porém a seriedade comedida e a irnpenetrabilidadepróprias de Blanqui aparecem de modo distinto sob a luz emque as coloca uma observação de Marx. "Eles são - escreveMarx a respeito desses conspiradores profissionais - os alqui-mistas da revolução e partilham inteiramente a desordem men-tal e a estreiteza das idéias fixas dos antigos alquimistas=.'?Com isso, a imagem de Baudelaire se apresenta como que porsi própria: a bade1 de enigmas da alegoria em um, a mania desegredamento do conspirador em outro.

De modo depreciativo, como não poderia deixar de ser, Marxfala das tavernas onde O conspirador subalterno se sentia emcasa. Os vapores que aí se precipitavam eram também Iamilia-res a Baudelaire. Em meio a eles se desenvolveu o grande poe-ma intitulado O Vinho dos Trapeiros. Sua origem pode ser da-tada em meados do século. Naquela época, temas que ressoamnesses versos eram debatidos publicamente. Certa vez, tratou-sedo imposto sobre o vinho. A Assembléia Constituinte da Repú-blica tinha prometido sua abolição, como já prometera em 1830.Em As Lutas de Classe na França, Marx mostrou que, na re-moção desse imposto, comungavam uma exigência do proleta-riado e uma dos camponeses. O imposto, que onerava o vinhode mesa no mesmo nível que o mais fino, reduzia o consumo,"uma vez que estabelecera às portas de todas as cidades demais de 4.000 habitantes alfândegas municipais e transformaracada cidade num país estrangeiro com tarifas protecionistas con-tra o vinho francês't.ê? "No imposto do vinho - diz Marx -o camponês prova o bouquet do governo." O imposto, porém,prejudicava igualmente o habitante da cidade, forçando-o a sedirigir às tavernas da periferia a fim de encontrar vinho maisbarato. Lá era servido o vinho isento de imposto, o vinho dabarreira. Se se pode crer no chefe de seção na central de polí-cia, H. A. Frégier, os trabalhadores, cheios de soberba e inso-lência, exibiam então todo o seu prazer, como se fora o únicoa lhes ser concedido. "Há mulheres que não hesitam em acom-

• Baude\aire sabia apreciar esses detalhes .• Por que - escreve ele -os pobres não usam luvas para mendigar? Fariam fortuna.· (I I, p. 424)Atribui o dito a um desconhecido; ele tem, contudo, o selo de Baude-laire.

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"Vê-se um trapeiro cambaleante, a fronte inquieta,Rente às paredes a esgueirar-se como um poeta,E, alheio aos guardas e alcagüetes mais abjetos,Abrir seu coração em gloriosos projetos.

Naturalmente, o trapeiro não pode ser incluído na boêmia.Mas, desde o literato até o conspirador profissional, cada umque pertencesse à boêmia podia reencontrar no trapeiro um pe-daço de si mesmo. Cada um deles se encontrava, num protestomais ou menos surdo contra a sociedade, diante de um amanhãmais ou menos precário. Em boa hora, podia simpatizar comaqueles que abalavam os alicerces dessa sociedade. O trapeironão está sozinho no seu sonho. Acompanham-no camaradas;também à sua volta há o cheiro de barris, e ele também enca-neceu em batalhas. O bigode lhe pende como uma bandeira ve-lha. Em sua ronda, vêm-lhe ao encontro os mouchards, os agen-tes secretos sobre quem os sonhos lhe dão supremacia. * Temassociais do cotidiano parisiente se encontram já em Sainte-Beuve.Nele representavam uma conquista da poesia lírica, mas ainda

p anhar o marido até a barreira, junto com os filhos já em idadede trabalhar. .. Em seguida, põem-se todos a caminho de casameio embriagados e se fingem de mais bêbados do que estão naverdade, de modo que a todo o mundo fique claro que bebe-ram e que não foi pouco. Muitas vezes, os filhos imitam o exem-plo dos pais"." Um observador contemporâneo escreve: "Umacoisa é certa: o vinho da barreira poupou ao governo muitoschoques't.ê? O vinho transmite aos deserdados sonhos de des-forra e de glórias futuras. Assim, em O Vinho dos Trapeiros:

Juramentos profere e dita leis sublimes,Derruba os maus, perdoa as vítimas dos crimes,E sob o azul do céu, como um dossel suspenso,Embriaga-se na luz de seu talento imenso. "2~

Maior número de trapeiros surgiu nas cidades desde que, gra-ças aos novos métodos industriais, os rejeitos ganharam certovalor. Trabalhavam para intermediários e representavam umaespécie de indústria caseira situada na rua. O trapeiro fascinavaa sua época. Encantados, os olhares dos primeiros investigado-res do pauperismo nele se fixaram com a pergunta muda: "Ondeseria alcançado o limite da miséria humana?" Frégier lhe de-dica seis páginas do seu As Classes Perigosas da População. LePlay fornece para O período de 1849 a 1850, presumivelmenteaquele em que nasceu o poema de Baudelaire, o orçamento deum trapeiro parisiense e dependentes. *

orçamento de um trapeiro - necessidades culturais, recreações e higiene- aparece da seguinte maneira: "Instrução das crianças: a mensalidadeescolar é paga pelo empregador da família: 48 F; compra de livros:1,45 F. Assistência social e esmola (os trabalhadores desta camada geral-mente não dão esmolas); festas e solenidades: refeições tomadas por todaa família numa das barreiras de Paris (8 excursões anuais): vinho, pão,batata frita: 8 F; refeições consistindo de macarrão preparado com manoteiga e queijo, e mais vinho, no Natal, na terça-feira de Carnaval, naPáscoa e em Pentecostes: essas despesas estão registradas na primeiraseção; fumo de mascar do marido (tocos de cigarro juntados pelo própriotrabalhador) ... representando de 5 a 34 F; rapé para a mulher (com-prado) ... 18,66 F; brinquedos e outros presentes para as crianças: 1 F... Correspondência com parentes: cartas para o irmão do trabalhador,residente na Itália: na média, uma por ano .. _ Adicional: em caso dereveses, o recurso mais importante para a família consiste na caridadeprivada. .. Economia anual (o trabalhador não possui nenhum tipo deprevisão; o que lhe importa, acima de tudo, é proporcionar à mulher eà filha pequena todo o bem-estar compatível com sua situação; não fazeconomia, mas gasta dia a dia tudo o que ganha)·. (Frédéric Le Play,Les ouvriers européens, Paris, 1855, pp. 274-5.) O espírito de semelhantelevantamento é ilustrado por uma observação sarcástica de Buret: "Comoo sentimento humanitário, ou mesmo o decoro, proíbe que se deixemmorrer os homens como animais, então não se lhes pode negar a esmolade um ataúde.". Eugêne Buret, De Ia misêre des classes laborieuses enAngleterre et en France, Paris, 1840, vol. I, p. 166.)

• E fascinante acompanhar como a rebelião vagarosamente abre cami-nho nas diferentes versões dos versos conclusivos do poema. Na primeiraversão diziam:

* Este orçamento é um documento social, não tanto pelos levantarnen-tos realizados numa família definida quanto pela tentativa de fazer a maisprofunda miséria, por ser cuidadosamente recenseada, parecer menosescandalosa. Com a ambição de não deixar nenhuma de suas desumani-dades sem o parágrafo que deve ser observado a respeito, os Estadostotalitários fizeram brotar um gérmen que, como se pode presumir aqui,já dormitava num estádio remoto do capitalismo. A quarta seção deste

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não do discernimento. A miséria e o álcool contraem no espíritodo ilustrado capitalista uma relação essencialmente distinta da-quela em Baudelaire.

tinha dos deserdados. Faz do conflito dos irmãos bíblicos o deduas raças eternamente irreconciliáveis.

"Neste cabriolé de aluguel examinoO homem que me conduz, verdadeira máquina,Hediondo, barba espessa, longos cabelos emplastrados:Vício e vinho e sono carregam seus olhos bêbados.Como o homem pode cair assim? pensavaEnquanto me recolhia ao outro canto do assento.v-"

"Raça de Abel, frui, come e dorme.Deus te sorri bondosamente.

Raça de Caim, no lado informeRoja-te e morre amargamente. "25

• Para amansar o coração e acalmar o sofrimentoDe todos esses inocentes que morrem em silêncio,Deus já lhes dera o doce sono;Ajuntou o vinho, filho sagrado do Sol."

o poema consiste de 16 dísticos, cujo início é alternada-mente igual ao dos anteriores. Caim, o ancestral dos deserda-dos, nele aparece como fundador de uma raça que não pode sersenão a proletária. Em 1838, Granier de Cassagnac publicousua História das Classes Operárias e das Classes Burguesas. Estaobra soube proclamar a origem dos proletários: formavam umaraça de homens inferiores, resultante do cruzamento de ladrõese prostitutas. Terá Baudelaire tomado conhecimento dessas espe-culações? B bem possível. O certo é que foram encontradas porMarx, que saudou em Granier de Cassagnac o "pensador" dareação bonapartista. O Capital, ao fixar o conceito de "umaraça de peculiares proprietários de bens", respondeu à sua teoriaracial. Em Marx, é desse modo que se entende o proletariado."Exatamente nessa acepção aparece em Baudelaire a raça origi-nária de Caim. Obviamente, ele não teria podido defini-Ia. B araça dos que não possuem outro bem que não a sua força detrabalho.

O poema de Baudelaire se encontra no ciclo intitulado Revol-ta", As. três partes que o compõem mantêm um tom blasfemat6-rio. O satanismo de Baudelaire não deve ser tomado demasiada-mente a sério. Se tem algum significado, é como a única atitudena qual Baudelaire era capaz de manter por muito tempo uma po-

Assim é o começo do poema; o que se segue é uma interpre-tação edificante. Sainte-Beuve pergunta a si mesmo se sua almanão estaria igualmente abandonada como a do cocheiro de alu-guel.

A litania intitulada Abel e Caim mostra sobre que substratorepousa a noção mais livre e mais compreensiva que Baudelaire

• E assim que o vinho reina por seus benefícios.E canta suas façanhas pela goela do homem.Grandeza da bondade daquele que tudo batiza,Que já nos dera o doce sono,E quis ajuntar o vinho, filho do 50),Para esquentar o coração e acalmar o sofrimentoDe todos esses infelizes que morrem em silêncio."

Em 1852. diziam:

Por fim, soam em 1857 com uma mudança radical no sentido:

• E para o ódio afogar e o ócio ir entretendoDesses malditos que em silêncio vão morrendo,Em seu remorso Deus o sono havia criado;O Homem o Vinho fez, do 50) filho sagrado!" (p. 381)

• Ao título se segue uma nota prévia, em edições posteriores supri-mida. Declara os poemas deste ciclo uma cópia altamente literária • dossofismas da ignorância e da raiva". Na verdade, não se pode falar decópia. A Procuradoria de Estado do Segundo Império assim o entendeu.e também as sucessoras assim o entendem. O barão Seilliêre o revelacom muito desleixo em sua interpretação do poema introdutório, A Ne·gação de São Pedra, que contém os seguintes versos:

Percebe-se nitidamente como a estrofe só encontra sua forma maissegura com o conteúdo blasfemo.

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"Tu que dás ao proscrito esse alto e calmo olharQue leva o povo ao pé da forca a desvairar.v'"

tes festejos da corte dos quais ele se rodeava. As mem6rias emque o conde Viel-Castel descreve a companhia do imperadorpermitem que uma Mimi e um Schaunardê? pareçam até hones-tos e tacanhos. Na classe alta, o cinismo era de bom-tom; nabaixa, a argumentação rebelde. Em E/oa, seguindo os rastros deByron, Vigny homenageara, em sentido gn6stico, Lúcifer, o anjocaído. Barthélemy, por outro lado, em sua Nêmesis associara osatanismo aos dirigentes; faz com que se diga uma missa doágio e que se cante um salmo da renda." Essa dupla face deSatã é, de ponta a ponta, familiar a Baudelaire. Para ele, Satãnão fala apenas pelos inferiores, mas também pelos superiores.Dificilmente, Marx teria podido encontrar um leitor melhor paraas seguintes linhas: "Quando os puritanos - diz em O DezoitoBrumário - protestaram contra a vida depravada dos papas ... ,o cardeal Pierre d'AilI trovejou contra eles: - S6 o Diabo empessoa ainda pode salvar a Igreja católica, e vós exigis anjos! -Assim bradava a burguesia francesa após o golpe de Estado -Só o líder da Sociedade de 10 de Dezembro ainda pode salvara sociedade burguesa! Só ° roubo à propriedade, o perjúrio àreligião, a bastardia à família, a desordem à ordem! "32 Mesmoem suas horas rebeldes não quis Baudelaire, admirador dos je-suítas, romper de todo e para sempre com esse salvador. Seusversos se resguardaram do que sua prosa não se proibira. Bpor isso que Satã aparece neles. B a ele que devem a força sutilde, mesmo no protesto desesperado, não abjurarem totalmentede sua obediência àquele que causou indignação ao discerni-mento e à humanidade. Quase sempre a confissão religiosa brotade Baudelaire como um grito de guerra. Não quer que lhe tiremo seu Satã. Este é o verdadeiro móvel do conflito que Baude-laire teve de sustentar com sua descrença. Não se trata de sacra-mento e oração, mas da ressalva luciferina de difamar o Satã,de quem se está à mercê.

Com sua amizade por Pierre Dupont, Baudelaire quis fazer-se conhecido como poeta social. Os textos críticos de d' Aure-viIly dão um esboço desse autor: "Nesse talento e nessa cabeça,Caim tem a supremacia sobre o manso Abel - o rude, o fa-minto, o invejoso, o selvagem Caim, que se foi para as cidadesa fim de sorver o fermento do rancor que aí se acumula e departicipar das falsas idéias que aí vivem o seu triunfo" .33 Essa

s ição não-conformista. A última parte do ciclo, As Litanias deSatã, é, por seu conteúdo teológico, o miserere de uma liturgiaof ídica.?" Satã aparece em sua coroa de raios luciferinos comodepositário do saber profundo, como instrutor das habilidadesprometéicas, como patrono dos impenitentes e inquebrantáveis.Entre as linhas lampeja a cabeça sombria de Blanqui.

Esse Satã, que a série de invocações do poema conhece tam-bém como "confessor. .. do conspirador", é diferente do intri-gante infernal, a quem outros poemas chamam pelo nome de"Satã Trismegisto", de "Demônio", e as peças em prosa pelode "Vossa Alteza", que tem sua moradia subterrânea nas pro-ximidades do bulevar. Lemaitre chamou a atenção para a duali-dade que faz do diabo "ora o autor de todo o mal, ora o grandevencido, a grande vítima" .29 Só fazemos formular o problemadiferentemente se lançamos a questão: "O que terá forçado Bau-delaire a dar uma forma teológica radical à sua rejeição aosdominadores?"

Após a derrota do proletariado na Campanha de Junho, arevolta contra os conceitos de ordem e honestidade estava maisbem preservada junto aos dominadores do que junto aos opri-midos. Os que se declaravam partidários da liberdade e do di-reito não viam em Napoleão 111 o imperador-soldado que pre-tendia ser a emulação de seu tio, mas sim o impostor favore-cido pela sorte. Foi essa a imagem que Os Castigos, de VictorHugo, dele fixou. Por seu turno, a boêmia dourada via seus so-nhos de uma vida "livre" se tornarem realidade nos estontean-

"Pensavas tu nos dias ...Em que, a alma pródiga de audácia e de esperança,Aos vendilhões do templo açoitavas o dorso,Em que tu foste o mestre enfim? Dize: o remorsoTeu flanco não rasgou mais fundo do que a lança?" (pp. 417 e 419)

Nesse remorso, o irônico intérprete percebe as autocensuras .-por terperdido uma oportunidade tão boa de implantar a ditadura do proleta-riado". (Ernest Seilliere, 8audelaire, Paris, 1931, p. 193.)

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A introdução com que, em 185 I, Baudelaire contribuiu paraum fascículo de poemas dupontianos foi um ato de estratégia lite-rária. Aí se encontram os seguintes juízos curiosos: "A ridículateoria da 'arte pela arte' excluiu a moral e, muitas vezes, a pró-pria paixão; desse modo, tornou-se necessariamente estéril". E,mais adiante, numa clara referência a Auguste Barbier: "Quan-do um poeta que, apesar de algumas faltas ocasionais, quasesempre se revelou grande, surgiu e proclamou a santidade daRevolução de T ulho e, em seguida, com versos igualmente fla-mejantes, escreveu poemas sobre a miséria na Inglaterra e naJ rlanda, ... a questão estava de uma vez por todas liquidada,e doravante a arte ficou inseparável da moral, assim como dautili dade't.ê? Isso nada tem da profunda duplicidade que dá asasà poesia do próprio Baudelaire, que se interessava pelos opri-midos, mas tanto por suas ilusões quanto por sua causa. Tinhaum ouvido para os cantos da revolução e outro para a "vozsuperior" que fala através do rufar dos tambores das execuções.Quando Bonaparte chega ao poder através do golpe de Estado,por um momento Baudelaire fica indignado. "Depois, contem-pla os acontecimentos 'do ponto de vista providencial' e se su-

jeita como um monge.?" "Teocracia e cornunismo'P" não erampara ele convicções, mas insinuações que disputavam entre sio seu ouvido: uma nem tão seráfica, outra nem tão luciferina,quanto ele imaginava. Não demorou muito, e Baudelaire aban-donara seu manifesto revolucionário e, depois de uma série deanos, escreve: "E à graça e à delicadeza feminis de sua naturezaque Dupont deve as suas primeiras canções. Por sorte, a ativi-dade revolucionária que, na época, arrastava todo o mundo con-sigo não o desviou totalmente de seu caminho natural".40 ParaBaudelaire, essa brusca ruptura com a "I'art pour I'art" tinhavalor apenas como postura. Permitia-lhe proclamar o espaçoque, como literato, tinha para se mover. Era a sua vantagemsobre os escritores do seu tempo, sem excluir os maiores. Comisso se torna evidente que ele se situava acima do meio literárioque o circundava .

Durante um século e meio, a atividade literária cotidianase movera em torno dos periódicos. Por volta de 1830, as belas-letras lograram um mercado nos diários. As alterações trazidaspara a imprensa pela Revolução de Julho se resumem na intro-dução do folhetim. Durante a Restauração, números avulsos dejornais não podiam ser vendidos; só quem fosse assinante podiareceber um exemplar. Quem não pudesse pagar a elevada quan-tia de 80 francos pela assinatura anual ficava na dependênciados cafés, onde, muitas vezes, grupos de várias pessoas rodea-vam um exemplar. Em 1824 havia em Paris 47 mil assinantesde jornal; em 1836 eram 70 mil, e em 1846,200 mil. La Presse,o jornal de Girardin, tivera papel decisivo nesse aumento. Trou-xera três importantes inovações: a redução do preço da assina-tura para 40 francos, o anúncio e o romance-folhetim. Ao mes-mo tempo, a informação curta e brusca começou a fazer con-corrência ao relato comedido. Recomendava-se pela sua utilidademercantil. O assim chamado "réclame" abria passagem; poresse termo se entendia uma nota, autônoma na aparência, mas,na verdade, paga pelo editor e com a qual, na seção redacio-nal, se chamava a atenção para um livro que, na véspera ou na-quele mesmo número, fora objeto de anúncio. Já em 1839,Sainte-Beuve lamentava seus efeitos desmoralizantes: "Como sepode condenar na parte crítica um produto. .. do qual, duaspolegadas abaixo, se lê que é a maravilha da época? Impunha-

característica exprime com exatidão o que fez Baudelaire soli-dário a Dupont. Tal como Caim, Dupont "se foi para as cida-des e abandonou o idílio". "A canção como era entendida pelosno ssos pais ... , mesmo a singela romança, está muito afastadadele."?" Dupont sentiu chegar a crise da poesia lírica com aprogressiva desintegração entre cidade e campo. Um de seusversos admite isso desairosamente; diz que o poeta "emprestaouvidos alternadamente às matas e às massas". As massas re-compensaram-no por sua atenção; em 1854, Dupont estava emtodas as bocas. Quando se perderam, uma a uma, as conquistasda Revolução, Dupont compôs o seu Canto do Voto. Na poesiapolítica da época, pouca coisa há que possa rivalizar com seurefrão. E a folha de louro que Karl Marx reclamara então paraa "sombria e ameaçadora fronte'<" dos combatentes de Junho.

.. Faz ver, frustrando o ardil,O República! a esses perversos,Tua grande face de MedusaEm meio a rubros clarões! "36

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se a força atrativa das letras crescentes do anúncio; representauma montanha magnética que desvia a bússola't.'! O "réclame"se encontra nos primórdios de uma evolução cujo final é a no-tícia da boba publicada nos jornais e paga pelos interessados.Dificilmente a história da informação pode ser escrita separan-do-a da história da corrupção da imprensa.

A informação precisava de pouco espaço; era ela, e não oeditorial político nem o romance-folhetim, que proporcionavaao jornal o aspecto a cada dia novo e inteligentemente variadoda paginação, no qual residia uma parte de seu encanto. Preci-sava ser constantemente renovada: mexericos urbanos, intrigasdo meio teatral e mesmo "curiosidades" constituíam suas fontesprediletas. Desde o início é notável sua peculiar elegância ba-rata e que se torna tão característica do folhetim. A Sra. Girar-din, em suas Cartas Parisienses, saúda desse modo a fotografia:"Hoje em dia, as pessoas se ocupam muito com a invenção doSr. Daguerre, e nada é mais engraçado que as sérias explicaçõesque os nossos eruditos de salão sabem dar a respeito. O Sr.Daguerre pode ficar descansado: o seu segredo não lhe vai serroubado ... De fato, sua descoberta é maravilhosa, mas as pes-soas nada entendem dela; ela foi por demais explicada't.'? Asatisfação com o estilo folhetinesco não foi tão rápida nem tãouniversal. Em 1860 e em 1868 aparecem em Marselha e emParis os dois volumes das Revistas Parisienses, do barão Gastonde Ia Flotte. Tomaram para si a incumbência de lutar contra aleviandade das informações históricas, sobretudo as do folhetimda imprensa parisiense. Era nos cafés, durante o aperitivo,que se recheava a informação. "O hábito do aperitivo. .. apa-receu com o advento da imprensa do bulevar. Antes, quando sóhavia os grandes e sérios jornais, não se conhecia a hora doaperitivo, que é conseqüência lógica da 'crônica parisiense' edos mexericos urbanos.t'P A atividade dos cafés treinou os re-datores no ritmo do serviço informativo antes mesmo que suamaquinaria estivesse desenvolvida. Quando, por volta do fimdo Segundo Império, o telégrafo elétrico entrou em uso, o bu-levar perdera o seu monopólio. Doravante, os acidentes e oscrimes podiam ser recebidos de todo o mundo.

Assim, a assimilação do literato à sociedade em que se encon-trava se consumou no bulevar. Era no bulevar que ele tinha à

disposição o primeiro incidente, chiste ou boato. No bulevar,desdobrava os ornamentos de suas relações com colegas e boas-vidas; e estava tão dependente de seus efeitos quanto as co-quetes de sua arte de se transvestir." No bulevar, passava suashoras ociosas, exibindo-as às pessoas como parcela de seu horá-rio de trabalho. Portava-se como se tivesse aprendido de Marxque o valor de cada bem é definido pelo tempo de trabalhosocialmente necessário para sua produção. Dessa forma, o valorde sua própria força de trabalho adquire alguma coisa próxi-mo ao fantástico em face do dilatado ócio que, aos olhos dopúblico, é necessário para seu aperfeiçoamento. O público nãoestava sozinho em tal avaliação. A alta remuneração do folhe-tim de então mostra que essa opinião se alicerçava nas relaçõessociais. De fato, existia uma conexão entre a redução da taxade' assinatura, o incremento dos anúncios e a crescente impor-tância do folhetim.

"Devido ao novo arranjo - a redução da taxa de assinatura- o jornal tem de viver dos anúncios ... ; para obter muitosanúncios, a página quatro, que se voltara para a publicidade, pre-cisava ser vista pelo maior número possível de assinantes. Foinecessária uma isca que se dirigisse a todos sem considerar opi-niões pessoais e que tivesse o seu valor no fato de pôr a curiosi-dade no lugar da política. .. Uma vez dado o ponto de partida,isto é, o preço da assinatura a 40 francos, chegou-se quase forço-samente ao romance-folhetim por via do anúncio."44 E exatamen-te isso que explica a alta cotação desses artigos. Em 1845, Du-mas fechou contrato com Le Constitutionnel e com La Presse,pelo qual lhe foram prometidos durante cinco anos honoráriosmínimos de 63 mil francos por uma produção mínima anual de18 vclumes.P Eugêne Sue recebeu por Os Mistérios de Parisum sinal de 100 mil francos. Calculou-se em 5 milhões defrancos os honorários de Lamartine para o período entre 1838e 1851. Por História dos Girondinos, que apareceu primeira-

• "Com um pouco de perspicácia, é fácil reconhecer que uma moçaque, às oito, se apresenta ricamente vestida num elegante costume é amesma que, às nove, surge como costureirinha e, às dez, como carnpone-sa." (F.-F.-A. Béraud, Les filles publiques de Paris, et Ia police qui lesrégit, Paris, 1839, voI. I, p. 51.)

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mente como folhetim, recebera 600 mil francos. Os exuberanteshonorários da mercadoria literária nos diários levavam neces-sariamente a inconvenientes. Acontecia de o editor, na comprado manuscrito, reservar para si o direito de tê-lo assinado porum autor de sua escolha. Isso pressupunha que alguns roman-cistas bem-sucedidos não tivessem melindres com a própria assi-natura. Amplas informações sobre o assunto são dadas por umpanfleto, Fábrica de Romances, Casa Alexandre Dumas e Cia.46A Revista dos Dois Mundos escreveu na época: "Quem conhe-ce os títulos de todos os livros assinados pelo Sr. Dumas? Seráque ele próprio os conhece? Se não mantiver um diário com'débito' e 'crédito', certamente esquecerá de mais de um dos fi-lhos de que é pai legítimo, natural ou adotivo" .47 Corria o boa-to de que Dumas empregava em seus porões toda uma compa-nhia de literatos pobres. Dez anos após as constatações da gran-de revista, em 1855, encontra-se num pequeno órgão da boêmiaa seguinte representação pitoresca da vida de um romancista desucesso, que o autor chama de Sr. de Santis: "Chegando à casa,fecha a porta à chave cuidadosamente. .. e abre uma pequenaporta atrás de sua biblioteca. Com isso se acha num pequenogabinete mal iluminado e bastante sujo. Ali, com uma longapena de ganso na mão, está sentado um homem sombrio, deolhar submisso e cabelos emaranhados. Nele se reconhece a umamilha de distância o verdadeiro romancista de estirpe, mesmo quese trate apenas de um ex-funcionário de ministério, que apren-deu a arte de Balzac através da leitura de Le Constitutionnel. Overdadeiro autor da 'Câmara dos Crânios' é ele; é ele o roman-cista".48* Durante a Segunda República, o parlamento procuroucombater a predominância do folhetim. Taxava-se a continuaçãodo romance, capítulo por capítulo, com um imposto de umcentime. Com a reacionária Lei da Imprensa que, através derestrições à liberdade de opinião, intensificou o valor do folhe-tim, aquela prescrição deixou de vigorar pouco depois.

A alta cotação do folhetim aliada à sua grande saída ajudouos escritores que o forneciam a fazer nome junto ao público.

Não estava fora do alcance do indivíduo a possibilidade deestabelecer sua fama em combinação com seus recursos finan-ceiros: a carreira política abria-se-lhe quase por si mesma. Comisso se verificaram novas formas de corrupção, mais graves queo abuso de nome de autores conhecidos. Tendo sido despertadaa ambição política do literato, era natural que o regime lheindicasse o caminho certo. Em 1846, Salvandy, Ministro dasColônias, ofereceu a Alexandre Dumas, às custas do governo -a empreitada custava 10 mil francos -, urna viagem a Túnispara fazer propaganda na colônia. A expedição fracassou, de-vorou muito dinheiro e acabou numa pequena interpelação naCâmara. Mais sorte teve Sue que, devido ao sucesso de Os M is-térios de Paris, não só elevou o número de assinantes de LeConstitutionnel de 3.600 para 20.000, como também foi eleitodeputado com 130 mil votos do operariado de Paris. Os eleito-res proletários não ganhavam muito com isso. Marx chama aeleição de um "comentário sentimental que enfraquece'"? osganhos do mandato anterior. Se a literatura podia assim abriruma carreira política aos privilegiados, essa carreira é, por seuturno, valiosa na consideração crítica de seus escritos. Larnar-tine oferece um exemplo disso.

Êxitos decisivos de Lamartine, As Meditações e As Harmo-nias remontam a urna época em que a clase dos agricultoresfranceses detinha o usufruto dos campos de cultura conquista-dos. Em .versos ingênuos a Alphonse Karr, o poeta equipara suaobra à de um viticultor:

"Todo homem com orgulho pode vender seu suor!Vendo meu cacho de fruta como vendes tua flor,Feliz quando seu néctar, sob meu pé que a pisa,Nos meus tonéis numerosos como riacho de âmbar corre,Produzindo para seu dono, .ernbriagado por sua carestia,Muito ouro para pagar muita liberdade! "30

• O uso do 'negro' não se limita ao folhetim. Scribe empregava paraos diálogos de suas peças uma série de colaboradores anônimos.

Essas linhas, onde Lamartine louva a própria prosperidadecomo se fosse rural e se gaba dos honorários que seu produtolhe proporciona na feira, são esclarecedoras se as consideramos

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menos pelo seu lado moral" do que como expressão do senti-mento de classe de Lamartine, do minifundiário. Nisso se encon-tra uma parcela da história da poesia de Lamartine. A situaçãodo minifundiário se tornou crítica na década de 40; ele estavaendividado. O minifúndio "já não se encontrava na assim cha-mada pátria, mas sim no certificado de hipoteca"." Com isso,o otimismo rural - fundamento da transfigurante contempla-ção da natureza, própria da poesia de Lamartine - começou adesmoronar. "Se o recém-formado minifúndio era naturalmentereligioso em sua concordância com a sociedade, em sua depen-dência das forças naturais e em sua submissão à autoridade que,do alto, o protegia, o minifúndio arruinado pelas dívidas, indis-posto contra a sociedade e contra as autoridades, lançado paraalém de sua própria limitação, torna-se naturalmente irreligioso.O céu era um adendo muito formoso para a minguada regiãorecém-conquistada, tanto mais porque determina o bom e o mautempo, mas vira insulto tão logo seja imposto ao minifúndiocomo cornpensação.Y'? Exatamente nesse céu os poemas de La-martine haviam sido formações de nuvens, como já em 1830escrevera Sainte-Beuve: "A poesia de André Chénier ... é, atécerto ponto, a paisagem sobre a qual Lamartine estendeu océu" .53 Esse céu desmoronou para sempre quando os campone-ses franceses votaram em 1848 pela presidência de Bonaparte.Lamartine colaborara na preparação de seus votos."'''' "Provavel-mente, ele não pensara - escreve Sainte-Beuve sobre seu papel

na revolução - que estivesse destinado a se tornar o Orfeuque, com seu áureo arco, deveria conduzir e moderar aquelainvasão dos bárbaros.Y" Baudelaire o chama secamente de "umpouco devasso, um pouco prostituído" .ss

Dificilmente alguém possuía olhar mais penetrante que Bau-delaire para os aspectos problemáticos desse fenômeno brilhante,talvez por ter ele sempre sentido pouco brilho sobre si mes-mo. Porché é de opinião que Baudelaire, parece, não teve esco-lha na negociação de seus manuscritos." "Baudelaire - escreveErnest Raynaud - tinha de contar com a prática de viga-ristas; tinha de lidar com editores que especulavam com a vai-dade das pessoas mundanas, dos amadores e dos principiantes,e cujos manuscritos só aceitavam se eles conseguissem assinatu-ras. "S7 O próprio comportamento de Baudelaire corresponde aesse estado de coisa. Põe o mesmo manuscrito à disposição devárias redações, autoriza reimpressões sem caracterizá-Ias comotais. Desde cedo, contemplou sem ilusões o mercado literário.Escreve em 1846: "Por mais bela que seja uma casa, ela temantes de tudo - e antes que nos detenhamos em sua beleza -tantos metros de altura e tantos de comprimento. Assim tambémé a literatura, que reproduz a substância mais difícil de avaliar,antes de tudo um enchimento de linhas, e o arquiteto literáriocujo simples nome não promete lucros tem de vender a qualquerpreço" .58 Até o fim da vida, Baudelaire permaneceu mal colo-cado no mercado literário. Calcula-se que, pelo conjunto de suaobra, não tenha ganho mais do que 15 mil francos.

"Balzac se arruína com café, Musset se embota com o absinto,Murger morre ... numa casa de saúde, como ainda há poucoBaudelaire. E nenhum desses escritores foi socialista! "59 -

escreve [ules Troubat, o secretário particular de Sainte-Beuve.Sem dúvida, Baudelaire merece a apreciação que a última fraselhe quer imputar. Nem por isso, porém, lhe faltou entendimentoda verdadeira situação do literato. Confrontá-lo - e, em pri-meiro lugar, a si mesmo - com a puta lhe era habitual. Dissofala o soneto A Musa Venal. O grande poema introdutório deAs Flores do Mal, Ao Leitor, apresenta o poeta na posição des-vantajosa de quem aceita moedas sonantes por suas confissões.Um dos primeiros poemas de Baudelaire, e não incluído em As

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• Numa carta aberta a Lamartine, escreve o ultramontano Louis Veuil-\ot: ·0 senhor realmente não sabe que 'ser livre' significa, antes, des-prezar o ouro. E, para obter essa espécie de liberdade que se compra comouro, o senhor produz seus livros do mesmo modo comercial que seuslegumes ou que seu vinho!" (Louis Veuillot, Pages Choisies, Paris, 1906,p_ 31.)

* * Segundo relatórios de Kisseliov, o então embaixador russo em Paris,o Sr. Pokrowski provou que os eventos se desenrolaram como Marx jáprevira em As Lutas de Classes na França. Em 6 de abril de 1849, Lamar-tine garantira ao embaixador que as tropas se concentrariam na capital- uma medida que, mais tarde, a burguesia procurou justificar com asdemonstrações operárias de 16 de abril. A observação de Lamartine deque precisaria aproximadamente de dez dias para a concentração dastropas lança efetivamente uma luz ambígua sobre aquelas demonstrações.(Cf. Pokrowski, Historische Aujsãtze, Viena, 1928, pp. 108-9.)

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15. Georges Laronze, Histoire de Ia Commune. La justice, Paris, 1928,p. 532.

16. Karl Marx, Der achtzehnte Brumaire des Louis Bonaparte, loc.cit., p. 28.

17. Karl Marx e Friedrich Engels, Bespr. von Adolphe Chenu, loc. cit.,p. 556.

18. Informe de J .-r. Weiss, cito Gustave Geffroy, L'enjermé, loco cit.,pp. 346-8.

19. Karl Marx e Friedrich Engels, Bespr. von AdoIphe Chenu, loco cit.,p. 556.

20. Karl Marx, Die Klassenkiimpfe in Frankreich 1848 bis 1850, Berlim,1895, p. 87.

21. H.-A. Frégier, Des classes dangeureuses de Ia population dans lesgrandes villes, et des moyens de Ies rendre meilleures, Paris, 1840, vol. 1.p. 86.

22. Edouard Foucaud, Paris inventeur. Physiologie de l'industrie [ran-çaise, Paris, 1844, p. 10.

23. Charles Baudelaire, As Flores do Mal, trad. Ivan [unqueira, Riode Janeiro, Nova Fronteira, 1985, 2." edição, p. 379. (Os poemas deAs Flores do Mal foram extraídos desta edição; doravante só serão indi-cadas as páginas. Os demais poemas citados nesta obra foram gentilmentetraduzidos por Angela C. M. Guerra.) (N. do T.)

24. Charles Augustin Sainte-Beuve, Les consolations. Pensées d'aoüt.25. P. 419.26. Karl Marx, Das Kapital, Berlim, 1932, vol. I, p. 173.27. Trata-se de uma seita gn6stica do século 11 que, dedica da ao culto

da serpente, a fazia um símbolo do Messias. (N. do T.)28. P. 423.29. Jules Lemaitre, Les contemporaines. Etudes et portraits littéraires,

Paris, 1897, 14." edição, p. 30.30. Personagens de Scênes de Ia vie de bohême, de Murger (1848).31. Cf. Auguste-Marseille Barthélémy, Némésis, Satire hebdomadaire,

Paris, 1834, voI. I, p. 225.32. Karl Marx, Der achtzehnte Brumaire des Louis Bonaparte, loco cit.,

p. 124.33. [ules-Amédée Barbey D'Aurevilly, Les oeuvres et les hommes. Les

poêtes, Paris, 1862, p. 242.34. Pierre Larousse, Grand dictionnaire universel du XIX' Siêcle.

Paris, 1870, vol. VI, p. 1.413.35. Karl Marx, Dem Andenken der [uni-Kãmpjer, Viena, 1928, p. 40.36. Pierre Dupont, Le chant du vote, Paris, 1850.37. 11, pp. 403-5.38. Paul Desjardins, Poêtes contemporaines. Charles Baudeloire, in:

Revue bleue, Paris, 1887, tomo 14,24.° ano, 2.° semestre, n." 1, p. 19.39. 11, p. 659.40. 11, p. 555.

Flores do Mal, é dirigido a uma mulher de rua. Diz a segundaestrofe:

I·~"\

IliIr

1'1~,

"Para ter sapatos, ela vendeu sua alma;Mas o bom Deus riria se, perto dessa infame,Eu bancasse o Tartufo e fingisse altivez,Eu, que vendo meu pensamento e quero ser autor.t"?

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i!ilj'!,r~{lI~

A última estrofe - "Essa boêmia - ela é tudo para mim" -inclui despreocupadamente essa criatura na irmandade da boê-mia. Baudelaire sabia como se situava, em verdade, o literato:como jlãneur ele se dirige à feira; pensa que é para olhar, mas,na verdade, já é para procurar um comprador.

Notas

~~

I. Karl Marx e Friedrich Engels. Bespr. von Adolphe Chenu, •Lesconspirateurs", Paris, 1850, e Lucien de La Hodde. La naissance de IaRépublique en [évrier 1848, Paris, 1850; cit. segundo Die Neue Zeit, 4(1886), p. 555.

2. Karl Marx, Der achtzehnte Brumaire des Louis Bonaparte, Viena eBerlim, 1927, p. 73.

3. Charles Baudelaire, Oeuvres, 2 volumes, Paris, Bibliothéque de IaPléiade, 1931/1932, lI, p. 415. (Doravante s6 serão indicados o volume ea página desta edição.)

4. Karl Marx e Friedrich Engels, loco cit., p. 556.5. lI, p. 728.6. Charles Baudelaire, Lettres à sa mére, Paris, 1932, p. 83.7. lI, p. 666.8, Charles Proles, Raoul Rigault, La préjecture de police sous Ia

Commune. Les otages. (Les hommes de Ia révolution de 1871), Paris,1898, p. 9.

9. Charles Baudelaire, Lettres à sa mêre, Paris, 1932, p. 278.10. Karl Marx e Friedrich Engels, loco cit., p. 556.11. Cf. Ajasson de Grandsagne e Maurice Plaut, Révolution de 1830.

Plan des combats de Paris au 27, 28 et 29 juillet, Paris, s/do12. Victor Hugo, Oeuvres completes. Roman, 8.° vol., Les Misérables.

Paris, 1881, pp. 522-3.13. I, p. 229.!4. Cito Charles Benoist, La crise de l'Etat moderne. Le •mythe" de

Ia "classe ouvriêre", in: Revue des deux mondes. 1.0 de março de 1914,p. 10'\.

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32 WALTER BENJAMIN

41. Charles Augustin Sainte-Beuve, De Ia littérature industrielte, in:Revue des deu x mondes, 1839, pp. 682-3.

42. Emile de Girardin, Oeuvres completes. Lettres parisiennes 1836-1840, Paris, 1860, pp. 289-90.

43. Gabriêl Guillemot, Le bohême. Physionomies parisiennes, Paris,rses, p. 72.

44. Alfred Nettement, Histoire de Ia littérature [rançaise sous leGouvernernent de [uillet, Paris, 1859, vol. I, pp. 301-2.

45. Cf. Ernest Lavisse, Histoire de France contem poraine: La monar-chie ele [uillet (1830-1848), Paris, 1921, p. 352.

46. Cf. Eugêne Mirecourt, Fabrique de romans. Maison AlexandreDumas et Compagnie, Paris, 1845.

47. Paulin Limayrae, Du roman actuel et de nos romanciers, in: Revuedes deu x mondes, tomo 11, 1845, pp. 953-4.

48. Paul Saulnier, Du roman en général et du romancier moderne enparticulier, in: Le bohême, abril 1855, n," 5, p. 2.

49. KarI Marx, Der achtzehnte Brumaire des Louis Bonaparte, loe. cit.,p.68.

50. Alphonse de Lamartine, Oeuvres poétiques completes, Paris, 1963.p. 1.506. (" Letlre à Alphonse Karr".)

51. KarI Marx, Der achtzehnte Brumaire des Louis Bonaparte, loc. cit.,pp. 122-3.

52. Id., ibid., p. 122.53. Charlc: Augustin Sainte-Beuve, Vie, poésies et pensées de losepn

Delorrne, Paris, 1863, pp. 159-60.54. Charles Augustin Sainte-Beuve, Les Consolation«, loco cit., p. 118.55. Cit. François Porehé, La vie douloureuse de Charles Baudelaire,

Paris, 1926, p. 248.56. CL François Porché, loco cit., p. 156.

57. Ernest Raynaud, Charles Baudelaire. Etude biographique, Paris,1922, p. 319.

58. 11, p. 385.59. Cit. Eugene Crépet. Charles Baudelaire. Etude biographique, Paris,

1906, pp. 196-7.60. I, p. 209.

o Flâneur

Uma vez na feira, o escritor olhava à sua volta como em umpanorama.' Um gênero literário específico faz suas primeirastentativas de se orientar. B uma literatura panorâmica. O Livrodos Cento e Um, Os Franceses Pintados por si Mesmos, O Dia-bo em Paris, A Grande Cidade gozavam, simultaneamente comos panoramas,'e não por acaso, as graças da capital. Esses livrosconsistem em esboços que, por assim dizer, imitam, com seuestilo anedótico, o primeiro plano plástico e, com seu fundoinformativo, o segundo plano largo e extenso dos panoramas.Numerosos autores forneceram contribuições para esses volumes.Desse modo, essas coletâneas são sedimentos do mesmo trabalhobeletrístico coletivo para o qual Girardin inaugurara um espaçono folhetim. Os trajes de gala de uma escritura por naturezadestinada a se vender nas ruas. Nesse gênero ocupavam lugarprivilegiado os fascículos de aparência insignificante, e em for-mato de bolso, chamados de "fisiologias". Ocupavam-se da des-crição dos tipos encontrados por quem visita a feira. Desde o