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78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público 1 AO JUÍZO DA ___ ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA ESTADUAL DA COMARCA DE GOIÂNIA-GO. O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS, pela Promotora de Justiça que a presente subscreve, com fundamento nos artigos 37, caput e § 4º, e 129, inciso III, da Constituição da República Federativa do Brasil, nas Leis nº 7.347/85, nº 8.625/93 e nº 8.429/92, assim como na Lei Complementar Estadual nº 25/98, vem perante Vossa Excelência propor a presente em face de: 1. MARCONI FERREIRA PERILLO JÚNIOR, brasileiro, casado, ex-Governador do Estado de Goiás, portador do RG nº 1314602 DGPC/GO, inscrito no CPF sob o nº 035.538.218- 09, o qual pode ser encontrado na Rua 115-A, nº 50, Setor Sul, Goiânia/GO, CEP 74.805-240 (Diretório do PSDB); AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA c/c OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER com PEDIDO DE TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA

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78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público

1

AO JUÍZO DA ___ ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA ESTADUAL DA

COMARCA DE GOIÂNIA-GO.

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS, pela

Promotora de Justiça que a presente subscreve, com fundamento nos artigos 37, caput

e § 4º, e 129, inciso III, da Constituição da República Federativa do Brasil, nas Leis nº

7.347/85, nº 8.625/93 e nº 8.429/92, assim como na Lei Complementar Estadual nº

25/98, vem perante Vossa Excelência propor a presente

em face de:

1. MARCONI FERREIRA PERILLO JÚNIOR, brasileiro,

casado, ex-Governador do Estado de Goiás, portador do RG

nº 1314602 DGPC/GO, inscrito no CPF sob o nº 035.538.218-

09, o qual pode ser encontrado na Rua 115-A, nº 50, Setor

Sul, Goiânia/GO, CEP 74.805-240 (Diretório do PSDB);

AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

c/c OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER com

PEDIDO DE TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA

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2. ESTADO DE GOIÁS, pessoa jurídica de direito público,

inscrita no CNPJ com o nº 01409655/0001-80, com sede na

Rua 82, S/N, Palácio Pedro Ludovico Teixeira, Setor Sul,

neste ato representado pelo Procurador-Geral do Estado de

Goiás, nos termos do art. 132 da Constituição Federal, com

endereço profissional na Praça Dr. Pedro Ludovico Teixeira,

n° 26, nesta Capital;

pelas razões de fato e de direito a seguir expostas:

I – DOS FATOS

O Ministério Público do Estado de Goiás instaurou Inquérito Civil

Público nº 046/2018-78ªPJ, a fim de apurar irregularidades praticadas pelo ex-

Governador do Estado de Goiás, MARCONI FERREIRA PERILLO JÚNIOR,

concernentes a não aplicação do percentual mínimo de 12% da arrecadação tributária

no desenvolvimento de ações e serviços públicos destinados à saúde (ASPS),

conforme preceitua o art. 198 da Constituição Federal, regulamentado pela Lei

Complementar nº 141/2012.

A investigação iniciou-se a partir de representação encaminhada pelo

Vereador de Goiânia e médico Paulo Roberto Daher Júnior, noticiando o

descumprimento da aplicação do mínimo constitucional na área da saúde pelo

Requerido e então Governador MARCONI PERILLO desde o ano de 2011.

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Os laudos técnicos elaborados pelo Serviço de Contas de Governo do

Tribunal de Contas do Estado de Goiás, exarados no bojo dos processos de Prestação

de Contas de Governo, especialmente nos anos de 2014, 2015, 2016 e 2017, apontam

para a existência de irregularidades na aplicação mínima constitucional na área da

saúde.

Não obstante, desde o exercício de 2011, a Unidade Técnica tem

alertado acerca de impropriedades nas prestações de contas do Governador,

referentes ao déficit do Tesouro Estadual.

No relatório referente ao ano de 2011, primeiro ano de governo do

requerido MARCONI FERREIRA PERILLO JÚNIOR, a Unidade Técnica apontou

que “os gastos com ações e serviços públicos de saúde de R$ 991.826.130,58, equivalem a

11,93% do total da receita líquida de impostos que foi de R$ 8.314.882.187,42”.

Adiante, a Unidade Técnica considerou que, “quanto aos restos a pagar

cancelados no exercício, os quais afetaram o índice de sua respectiva inscrição, entende-se que

os mesmos podem ser recompostos até o fim do exercício de 2012, conforme o que determina a

Lei Complementar nº 131/12, art. 24, §§ 1º e 2º. Portanto, no exercício de 2012 o montante de

R$ 25.297.743,00 deverá ser recomposto”.

As constatações decorreram de análise dos relatórios das Unidades

Técnicas do Tribunal de Contas do Estado de Goiás (TCE/GO), sobre as Contas do

Governador dos exercícios de 2011 a 2017, por meio dos quais ficou cabalmente

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comprovado que o requerido, ardilosamente, lançou mão de várias manobras

contábeis para manipular dados financeiros e simular o cumprimento da aplicação

do mínimo constitucional na área da saúde.

Com as “pedaladas fiscais” praticadas ao longo desses 07 (sete) anos,

MARCONI FERREIRA PERILLO JÚNIOR criou uma situação em que o Estado de

Goiás, por meio de uma contabilidade maquiada, chegava até a ultrapassar o

percentual de 12% aplicados nas ações e serviços públicos de saúde (ASPS), impostos

pela Lei Maior, quando, na verdade, não havia alcançado sequer esse mínimo

constitucional em cada um dos respectivos exercícios.

É dizer que, de 2014 a 2017, o Governo do Estado só apurou o

cumprimento do investimento mínimo nas ações e serviços públicos de saúde (ASPS)

porque maquiou as contas públicas.

Constatou-se, ainda, que nos exercícios de 2014 a 2017, para alcançar

o percentual mínimo de 12%, o requerido contabilizou indevidamente despesas

inscritas em restos a pagar não processados, como investimento na saúde, no

montante de R$ 553.098.680,00, não amparados por efetiva vinculação financeira.

A Unidade Técnica do TCE/GO, ao analisar as contas do Governador

nos exercícios financeiros de 2014 a 2017, pontuou que os valores inscritos em restos

a pagar não processados não poderiam ser incluídos no cômputo de gastos com

ASPS para fins de apuração do mínimo constitucional, porquanto não havia, ao fim

de cada exercício, recursos disponíveis na Conta Centralizadora do Estado e,

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posteriormente, na Conta Única do Tesouro Estadual, capazes de garantir

financeiramente as despesas.

Como resultado dessas condutas, houve uma simulação do

cumprimento da aplicação mínima em saúde e evidente redução real dos valores

anuais que deveriam ser destinados às ASPS, por força do comando constitucional, e

um montante milionário de restos a pagar de exercícios anteriores concorrendo com

os orçamentos dos exercícios seguintes que, no decorrer dos anos, foram em grande

parte cancelados sem que fossem efetivamente investidos na saúde.

Além disso, foi apurado que, nos exercícios financeiros de 2011 a

2017, o percentual de 12% das receitas resultantes de impostos a ser aplicado na

ASPS foi alcançado determinantemente pela inclusão indevida de despesas com

inativos e pensionistas no cômputo do mínimo constitucional. Esses valores eram

lançados como “maquiagem” para atingir a meta constitucional do exercício,

contudo, no exercício seguinte, tais valores eram cancelados e lançados como restos a

pagar.

A Unidade Técnica apurou, também, que o saldo do Tesouro

Estadual (Conta nº 4204.02355) tem sido deficitário desde 2010, o que impacta no

resultado final da Conta Centralizadora. Veja-se a tabela1 abaixo, que demonstra a

evolução do saldo negativo na conta do Tesouro:

1 Fl. 164 do Relatório sobre as Contas do Governador

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Ressalta-se que a Unidade Técnica do TCE/GO constatou que o

Tesouro Estadual tem se apropriado indevidamente dos rendimentos auferidos por

meio da Conta Centralizadora. No exercício de 2013, por exemplo, o saldo negativo

do Tesouro para com a Conta Centralizadora era de R$ 858.859.813,88, entretanto, o

Governo se apropriou dos rendimentos da Conta Centralizadora, por meio das Guias

de Receita nº 2012.9995.1389 e nº 2013.9995.1520, conforme demonstra a tabela

abaixo:

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Dessa forma, o saldo devedor do Tesouro para com os órgãos e

entidades do Estado no exercício de 2013 atinge o patamar de R$ 987.652.593,86, em

virtude da soma do saldo negativo com os rendimentos apropriados.

No exercício de 2014, o saldo negativo do Tesouro Estadual com a

Contas Centralizadora salta para a cifra de R$ 1.492.774.810 (um bilhão, quatrocentos

e noventa e dois milhões, setecentos e setenta e quatro mil, oitocentos e dez reais).

Nesse deslinde, para melhor contextualização, faz-se mister

individualizar os exercícios financeiros e as irregularidades constatadas pela

Unidade Técnica do TCE/GO.

I.1) CONTAS DO GOVERNADOR DO EXERCÍCIO DE 2011

Conforme registrado no relatório técnico da Divisão de Contas do

TCE/GO (Anexo 2011, pág. 192), no ano de 2011, o total da receita líquida de

impostos arrecadado pelo Estado de Goiás foi de R$ 8.314.882.187,42 (oito bilhões,

trezentos e quatorze milhões, oitocentos e oitenta e dois mil, cento e oitenta e sete

reais e quarenta e dois centavos).

De acordo com o Relatório Resumido da Execução Orçamentária –

RREO 2011, o Estado de Goiás informou que as despesas com ações e serviços

próprios de saúde foi na ordem de R$ 1.135.661620,83, que representa o percentual

13,66% do total das receitas.

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Não obstante, de acordo com a Unidade Técnica da Corte de Contas,

a SEFAZ considerou, de forma irregular, no cômputo da aplicação do mínimo

constitucional, as disponibilidades financeiras e a despesa com inativos e

pensionistas.

Para melhor visualização, elaborou-se as seguintes tabelas com os

valores e informações extraídos do RREO 2011 e do Relatório da Unidade Técnica:

ESTADO DE GOIÁS – RREO 2011

Receita Líquida de Impostos 8.314.882.187,42 (12% = 997.785.862,49)

Despesa Própria com Saúde Despesa Liquidada Inscrita em RP não processados

Despesas com saúde 1.597.653.667,96 265.566.822

Inativos e pensionistas (-) 2.148.571,55 -

Despesas custeadas com recursos vinculados à saúde

(-) 820.083.066,25 (-) 28.055.022,39

Restos a pagar cancelados (-) 45.777.715,28 -

DP Líquida (Disponibilidade financeira referente à receita em

29/12/11) (+) 168.505.506,37 -

Total Despesas Próprias 898.149.821,25 237.511.799,58

Participação em ASPS 1.135.661.620,83 (13,66%)

RELATÓRIO UNIDADE TÉCNICA

Receita Líquida de Impostos 8.314.882.187,42 (12% = 997.785.862,49)

Despesa Própria com Saúde Despesa Liquidada Inscrita em RP não processados

Despesas com saúde 1.597.653.668 265.566.822

Inativos e pensionistas (-) 2.741.280 -

Despesas custeadas com recursos vinculados à saúde

(-) 820.083.066 (-) 28.055.022

Recomposição RP cancelados em 2010

(-) 20.514.990 -

Total Despesas Próprias 754.314.331 237.511.800

Participação em ASPS 991.826.131 (11,93%)

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Observa-se que o Estado de Goiás considerou a disponibilidade

financeira, na ordem de R$ 168.505.506,37, como ações e serviços públicos de saúde.

Nota-se, também, que o valor referente a gastos com inativos e pensionistas

informado pelo Estado de Goiás está R$ 592.709,00 a menor do levantado pela

Unidade Técnica.

Nesse sentido, a Unidade Técnica do TCE/GO apurou que o valor

efetivamente gasto em ações e serviços públicos de saúde (ASPS) foi na ordem de R$

991.826.130,58 (novecentos e noventa e um milhões, oitocentos e vinte e seis mil,

cento e trinta reais e cinquenta e oito centavos), correspondente a 11,93% do total da

receita líquida de impostos, o que evidencia a não aplicação do mínimo

constitucional na área.

Dessa forma, considerando que a receita líquida de impostos atingiu

a cifra de R$ 8.314.882.187,42, o Estado de Goiás deveria ter aplicado em ações e

serviços públicos de saúde o valor de R$ 997.785.862,49, ou seja, R$ 5.959.731,91 a

mais do efetivamente aplicado.

É importante esclarecer que a disponibilidade financeira representa a

fonte para a futura despesa, o suporte para o futuro gasto a pagar. Os analistas

ponderaram que as disponibilidades financeiras não poderiam ser computadas como

despesas em ASPS na apuração do mínimo constitucional em saúde, pelos seguintes

argumentos:

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Considerar as disponibilidades financeiras como aplicação efetiva

nos índices constitucionais reflete em um desvirtuamento dos índices,

das metas da LDO e da responsabilidade na gestão fiscal.

Ao considerar como despesa as disponibilidades financeiras, o Estado deixa

de empenhar, diminuindo sua despesa real e, por conseguinte, apresentando

uma situação financeira líquida fictícia, pois tal recurso já deveria

estar comprometido. Isso reflete em uma superavaliação de um superávit

financeiro, servindo de fonte para abertura de créditos adicionais, quando na

realidade tais recursos estariam comprometidos, além de refletir nas metas

previstas na LDO, diminuindo as despesas e, consequentemente, melhorando

os resultados primário e nominal. Ou seja, tal prática afetaria vários outros

dispositivos e demonstrativos contábeis, não encontrando respaldo técnico

em sua efetivação.

[...]

Concluindo, o Demonstrativo da Receita Líquida de Impostos e das Despesas

próprias com Saúde, na forma apresentada pela Sefaz, considerando a

disponibilidade financeira como despesa e recompondo os restos a pagar

cancelados no exercício de 2011, resultaria em 12,07% do total da receita

líquida de impostos.

Entretanto, não computando tais disponibilidades financeiras como se fossem

despesa, e ainda deduzindo-se o total da despesa com inativos e pensionistas,

os gastos ações e serviços públicos de saúde totalizam R$ 991.826.130,58,

equivalentes a 11,93% do total da receita líquida de impostos.

Sem embargo, o Conselheiro Kennedy Trindade, relator do processo

de prestação de contas do Governador, ignorou os argumentos técnicos apresentados

pela Divisão de Contas do TCE/GO, por meio dos quais se comprovou que o Estado

de Goiás não havia aplicado o percentual mínimo em saúde no exercício de 2011, e,

de forma claramente arbitrária e sem qualquer respaldo legal, considerou a

disponibilidade financeira do final do exercício fiscal e parte despesa com inativos e

pensionistas como se fossem despesas executadas em ações e serviços públicos de

saúde, indicando como gastos o percentual de 12,07% do total da receita líquida de

impostos, veja-se a manifestação do relator no Projeto de Parecer Prévio:

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7 . Os recursos destinados às ações e serviços públicos de saúde, totalizaram

em 12,07% do total da receita líquida de impostos, portanto atendendo o

mínimo constitucional que é de 12%. Esta relatoria levou em consideração o

ingresso de recursos financeiros no final do exercício fiscal, gerando uma

disponibilidade para a recomposição do índice constitucional mínimo no

exercício posterior, cabendo a esta Corte de Contas fiscalizar a glosa dos

empenhos, para que não ocorra superposição de dados na composição do

índice do exercício de 2012.2

Extrai-se do Parecer Prévio, também, que os restos a pagar

processados e não processados aos 31 de dezembro de 2011 totalizaram R$

1.629.424.000,00. Na análise do relator, havia disponibilidade de caixa líquida

suficiente para arcar com essa despesa:

6. Os restos a pagar em 31 de dezembro de 2011, estão assim distribuídos:

Processados: R$ 650.621.000,00. (seiscentos e cinquenta milhões,

seiscentos e vinte e um mil reais).

Não processados: R$ 978.803.000,00. (novecentos e setenta e oito

milhões, oitocentos e três mil).

Perfazendo um total de: R$ 1.629.424.000,00. (um bilhão, seiscentos e

vinte e nove milhões e quatrocentos e vinte e quatro mil reais).

Pelo confronto da disponibilidade de caixa líquida com os restos a

pagar não processados, verifica-se que o Estado de Goiás possui, no

final do exercício de 2011, possui recursos suficientes para arcar com

os seus compromissos em restos a pagar não processados.

No entanto, o Tribunal Pleno determinou ao TCE/GO a realização de

inspeção na Conta Centralizadora do Estado e demais contas que a compõem, “com

2 Pág. 06 do documento “2011_Parecer Prévio”.

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vistas a apurar os efeitos da não contabilização dos saldos negativos evidenciados nos extratos

gerenciais, uma vez que não refletiram nas disponibilidades apresentadas”3.

Nota-se que, no exercício de 2011, o TCE/GO já havia apurado a

“maquiagem contábil” realizada pelo ex-Governador nas contas públicas. O Estado de

Goiás não contabilizava o saldo negativo das contas para fins de apuração da

disponibilidade financeira real existente para que não evidenciasse o déficit nas

contas públicas e o consequente descumprimento das vinculações constitucionais.

De acordo com o levantamento feito pela Unidade Técnica do

TCE/GO, o Fundo Especial de Saúde terminou o exercício de 2011 com saldo de R$

509.499.141,004. Tal informação induz à aceitação de que os restos a pagar não

processados inscritos na saúde, na ordem de R$ 265.566.822,00, possuíam

disponibilidade financeira que suportasse.

Ocorre que a disponibilidade financeira da Conta Centralizadora,

como dito, sempre foi maquiada pelo Governo do Estado. No exercício de 2011, só o

Tesouro Estadual possuía um saldo negativo na ordem de R$ 597.084.995 para com a

Conta Centralizadora. Pelo confronto da disponibilidade de caixa líquida, na ordem

de R$ 1.797.733.000,00, e o total de restos a pagar inscritos no exercício, na ordem de

R$ 1.629.424.000,00, nota-se, em primeira análise, a existência de disponibilidade

financeira. Todavia, ao considerar o saldo negativo do Tesouro Estadual para fins de

3 Pág. 13 do documento “2011_Parecer Prévio”. 4 Pág. 217 do documento “2011_Relatório”.

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mensuração da real disponibilidade de caixa, nota-se que a situação passa a ser

deficitária. Veja-se:

Disponibilidade Financeira com o Saldo Negativo do Tesouro Estadual

Disponibilidade de Caixa Líquida R$ 1.797.733.000,00

Saldo negativo do Tesouro Estadual (-) R$ R$ 597.084.995

Disponibilidade de Caixa Real R$ 1.200.648.005,00

Restos a pagar inscritos (processados e não processados) R$ 1.681.297.000,00

(-) R$ 480.648.995,00

Diante disso, é importante mencionar que o saldo negativo do

Tesouro Estadual reflete na disponibilidade financeira das outras contas, inclusive no

Fundo Especial de Saúde, atual Fundo Estadual de Saúde. Ao contrário do que o

então Governador do Estado tentou demonstrar por meio da “maquiagem contábil”,

no ano de 2011, não foi aplicado o mínimo constitucional de 12% nas ações e serviços

públicos de saúde.

O valor a ser considerado como efetivamente investido na saúde

goiana no exercício de 2011 foi na ordem R$ de R$ 991.826.130,58 (novecentos e

noventa e um milhões, oitocentos e vinte e seis mil, centos e trinta reais e cinquenta e

oito centavos), correspondente a 11,93% do total de receita líquida de impostos

arrecadada no respectivo exercício.

Com efeito, no exercício de 2011, o requerido deixou de aplicar nas

ações e serviços públicos de saúde o montante de R$ 5.959.731,91 (cinco milhões,

novecentos e cinquenta e nove mil, setecentos e trinta e um reais e noventa e um

centavos), conforme demonstrado no quadro abaixo:

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Aplicação em Ações e Serviços Públicos de Saúde

Receita Líquida de Impostos R$ 8.314.882.187,42

Montante que deveria ter sido aplicado (12%) R$ 997.785.862,49

Montante efetivamente aplicado (11,93%) R$ 991.826.130,58

Diferença R$ 5.959.731,91

Diante desse quadro, o TCE/GO, mesmo aprovando as contas do

Governador, determinou ao Governo de Goiás, dentre outras coisas, o seguinte:

1) Garantir a recomposição dos mínimos constitucionais de Educação,

Ciência e Tecnologia e Saúde até o fim do exercício de 2012, fazendo a

glosa dos empenhos indicados nas contas do exercício de 2012.

2) Criação de controle específico para acompanhamento de possíveis saldos

negativos nas contas que compõem a centralizadora estadual e demais

contas do Estado.

Entretanto, conforme se demonstrará adiante, esse saldo negativo

não foi controlado e continuou sendo omitido.

I.2) CONTAS DO GOVERNADOR DO EXERCÍCIO DE 2012

No exercício de 2012, a Unidade Técnica apurou que os gastos com

ações e serviços públicos de saúde foram na ordem de R$ 1.177.815.700,10, que

correspondem a 12,45% do total da receita líquida de imposto, que foi de R$

9.461.184.532,17.

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78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público

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A aplicação do montante de R$ 1.177.815.700,10 corresponde ao

montante da despesa liquidada, na ordem de R$ 998.781.010,00, somado aos restos a

pagar não processados inscritos no final do período, na ordem de R$ 179.034.690,00.

Não obstante, o Estado de Goiás permaneceu ocultando a real

situação da Conta Centralizadora, tendo em vista que, novamente, não considerou o

saldo negativo do Tesouro Estadual no cálculo da disponibilidade financeira da

referida conta.

Em tabela elaborada pela Unidade Técnica do TCE/GO, nota-se que o

saldo do Poder Executivo para o exercício de 2013 seria na ordem de R$

2.791.759.521,00. Destes, o saldo de R$ 614.030.024,00 representaria o saldo da conta

do Tesouro Estadual (pg. 248 – Doc. 2):

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Ocorre que o saldo negativo da referida conta seria na ordem de

R$522.064.941, inscrito em “outras exigibilidades”, valor que impactaria

drasticamente no saldo real da Conta Centralizadora (pg. 135 – Doc. 2).

Diante desse quadro, o TCE/GO recomendou ao Governo de Goiás

que demonstrasse “o impacto causado pelo saldo negativo da conta do Tesouro Estadual

(4204.02355), levando o respectivo valor aos cálculos dos demonstrativos que compõem os

Relatórios Resumidos de Execução Orçamentária e de Gestão Fiscal, bem como às

disponibilidades apresentadas no Balanço Geral do Estado, por meio de notas explicativas”.

I.3) CONTAS DO GOVERNADOR DO EXERCÍCIO DE 2013

No exercício de 2013, a Unidade Técnica do TCE/GO apurou que o

gasto com ações e serviços públicos de saúde foi na ordem de R$ 1.533.856.133,67,

que representa 12,28% do total da receita líquida de imposto, que foi na ordem de R$

12.489.281.569,69.

O valor aplicado na saúde compreende as despesas liquidadas, na

ordem de R$ 1.239.628.491, e as despesas inscritas em restos a pagar não processados,

na ordem de R$ 294.227.642,00.

Não obstante, o saldo da Conta Centralizadora novamente foi

“maquiado” pelo Estado de Goiás. No Relatório de Gestão do exercício de 2013, o

Estado de Goiás informou a existência de um saldo para o exercício de 2014 na

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78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público

17

ordem de R$ 3.323.234.384,00. Desse valor, R$ 2.804.578.614,00 pertencia ao Poder

Executivo.

Entretanto, a Unidade Técnica apurou que o saldo negativo na conta

do Tesouro Estadual seria de R$ 858.859.813,88. Diante desse saldo negativo, a tabela

abaixo demonstra que a disponibilidade financeira do Poder Executivo seria na

ordem de R$ 130 milhões, e não no valor de R$ 989.632.000,00, conforme informado

pelo Estado de Goiás:

Por mais que o Estado de Goiás tenha cumprido o mínimo

constitucional em aplicações nas ações e serviços públicos de saúde nesse exercício,

os números apontam para um crescente desequilíbrio financeiro na Conta

Centralizadora do Estado.

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78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público

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Não bastasse, o Tesouro Estadual ainda se apropriou dos

rendimentos auferidos pela Conta Centralizadora, pertencentes ao outros órgãos e

entidades. De acordo com levantamento feito pela Unidade Técnica no exercício de

2013, o montante apropriado indevidamente somava R$ 128.792.779,98, representado

da seguinte forma (pg. 147 – Doc. 3):

Ao se apropriar indevidamente dos rendimentos auferidos por meio

da Conta Centralizadora, o Tesouro Estadual aumenta sua dívida para com os

demais órgãos e entidades do Estado.

Cumpre lembrar, também, que esse valor, se somado ao saldo

negativo da conta do Tesouro Estadual (R$ 858.859.813,88), resulta em uma dívida do

Tesouro para com a Conta Centralizadora no valor de R$ 947.647.643,85.

Nesse deslinde, a Unidade Técnica sugeriu ao Conselheiro Relator

das Contas do Governador no exercício de 2013, Sr. Kennedy Trindade, o seguinte:

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78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público

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Conforme recomendação contida no Parecer Prévio nas contas do

Governador de 2012, esta unidade técnica sugere ao Conselheiro Relator que

determine ao Poder Executivo, que em face do impacto nas

disponibilidades do Estado de Goiás referente ao saldo negativo da

Conta Centralizadora, demonstre a dedução desses valores, nas

disponibilidades financeiras, nos demonstrativos de gestão fiscal

(RGF) e no Relatório Resumido de Execução Orçamentária (RREO),

referente ao exercício financeiro de 2014 e subsequentes.

Acolhendo a opinião do Relator, o Tribunal Pleno recomendou ao

Governo do Estado de Goiás que “[demonstrasse] o impacto causado pelo saldo negativo

da conta do Tesouro Estadual (4204.02355), levando o respectivo valor aos cálculos dos

demonstrativos que compõem os Relatórios Resumidos de Execução Orçamentária e de Gestão

Fiscal, bem como às disponibilidades apresentadas no Balanço Geral do Estado, por meio de

notas explicativas” (pg. 4 – Doc. 3.2).

A SEFAZ informou que “o saldo negativo da conta 4204.02355 é apenas

gerencial e não impacta nos cálculos dos demonstrativos que compõem os Relatórios

Resumidos de Execução Orçamentária e de Gestão Fiscal, já que tal saldo negativo é zerado

em contrapartida com a conta contábil ‘Outros Credores’” (pg. 378 – Doc. 3).

A Unidade Técnica, entretanto, pontuou que “o saldo gerencial

negativo da conta do Tesouro Estadual nº (4204.02355) deve ser considerado na elaboração

dos relatórios contábeis e fiscais, assim como são considerados todos os saldos gerenciais

positivos dos demais órgãos que possuem recursos aplicados por meio da Conta

Centralizadora”.

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78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público

20

Evidencia-se, mais uma vez, que a intenção do Governo de Goiás era

de ocultar tais saldos negativos na contabilidade.

I.4) CONTAS DO GOVERNADOR DO EXERCÍCIO DE 2014

Nos relatórios dos exercícios anteriores, tentou-se demonstrar a

verdadeira situação financeira do Estado de Goiás, muitas vezes maquiada pelo à

época Governador do Estado, ora requerido, MARCONI FERREIRA PERILLO

JÚNIOR. O orçamento público há muito era tratado com irresponsabilidade. O

desfecho não poderia seria outro, senão o colapso nas contas públicas.

No exercício de 2014, o Estado de Goiás apresentou o Relatório

Resumido da Execução Orçamentária – RREO 2014 em que indica o gasto com ações

e serviços públicos de saúde no valor de R$ 1.656.922.033,70, equivalente a 12,10% do

total da receita líquida de impostos, que foi no valor de R$ 13.693.285.261,62.

Para a Unidade Técnica do TCE/GO, o gasto real com ações e

serviços públicos de saúde foi no valor de R$ 1.655.999.288,37, equivalente a 12,09%

do total da receita líquida de impostos.

De acordo com a Unidade Técnica do TCE/GO, essa diferença

ocorreu em virtude da inscrição indevida de restos a pagar não processados no valor

de R$ 992.745,00, sem que houvesse a respectiva disponibilidade financeira.

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21

Tema que será melhor aprofundado nos fundamentos desta exordial,

a inscrição de restos a pagar enseja a existência de disponibilidade financeira, caso

contrário, seu efeito será o mesmo da emissão de um “cheque sem fundo”.

Nesse deslinde, a Secretaria de Estado da Fazenda manifestou que “o

Estado de Goiás aplicou no exercício de 2014, 12,1% em ASPS, cumprindo assim o mínimo

constitucional, ou seja, houve um excedente de 0,1%, que equivale a R$ 13.693.285,26, valor

este superior à diferença apontada no valor de R$ 922.745,33” (pg. 244 – Doc. 4).

Ocorre que tal variação, por menor que seja, demonstra o

desequilíbrio financeiro em relação aos recursos constitucionalmente direcionados às

ações e serviços públicos de saúde. Ademais, evidencia a inobservância das normas

que regem o orçamento público.

Sobreleva o desequilíbrio financeiro, o fato de o Estado de Goiás não

ter considerado o saldo negativo do Tesouro Estadual na Conta Centralizadora. A

Unidade Técnica apurou que “foi registrado na conta ‘outras exigibilidades’, o valor de R$

1.492.774.810,30, por meio das guias de receita extra orçamentária nº 2012.9995.1447 (R$

522.064.940,59), 2013.9995.1589 (R$ 336.794.873,29) e 2014.9995.1592 (R$

633.914.996,42), referente ao saldo negativo da conta 4204.02355 do Tesouro Estadual” (pg.

339 – Doc. 4).

Significa dizer que dos R$ 1,5 bilhão de recursos centralizados

declarados pelo Estado só restavam disponíveis ao final do exercício R$ 50 milhões.

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22

Tal valor representa menos de 4% do total declarado. Isso quer dizer que, caso o

recurso centralizado da saúde (R$ 829 milhões) fosse demandado, não haveria

disponibilidade financeira para atendê-lo.

Por outro lado, a omissão do saldo negativo do Tesouro Estadual

demonstra que o saldo de R$ 50 milhões seria insuficiente para assegurar os restos a

pagar, sendo, no exercício de 2014, cerca de 370 milhões. Veja-se abaixo, parte da

tabela extraída do Relatório na Unidade Técnica (pg. 161 – Doc. 4):

Nota-se que haviam R$ 1.543.099.8535 na Conta Centralizadora.

Destes, R$ 828.624.752,00 pertenciam ao Fundo Estadual de Saúde, que representaria

53,69% do total. Entretanto, ao considerar o saldo negativo do Tesouro Estadual para

5 Produto da soma do “Tesouro Estadual (Centralizadora do Tesouro)” (R$ 1.492.774.810) com o

“Saldo da Conta Centralizadora do Estado” (R$ 50.325.043).

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23

com a Conta Centralizadora, o saldo fictício de R$ 1.543.099.853,00 se reduz a R$

50.325.043,00.

Não obstante, posteriormente, a Unidade Técnica do TCE/GO

apurou que o saldo devedor do Tesouro Estadual para com os órgãos/ entidades do

Estado, na realidade, seria na ordem de R$ 1.642.408.314,00, visto que, além do saldo

negativo da Conta do Tesouro, foi constatado que o Tesouro Estadual se apropriou

indevidamente dos rendimentos auferidos por meio da centralizadora na ordem de

R$ 149.633.503,00 (pg. 168 – Doc. 4).

Sobre o saldo negativo do Tesouro para com a Conta Centralizadora,

a Unidade Técnica do TCE/GO elaborou tabela em que demonstra a evolução entre o

exercício de 2010 e 2014 (pg. 164 – Doc. 4):

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24

Não bastasse, outra irregularidade indica que esse percentual de

investimento na saúde é ainda menor. Traz-se à baila outra tabela elaborada pela

Unidade Técnica do TCE/GO em que indica a insuficiência financeira do Poder

Executivo após a inscrição dos restos a pagar não processados. Nota-se que na linha

referente ao Poder Executivo, a última coluna aponta para a existência de

R$705.948.000 de suficiência após a inscrição dos restos a pagar não processados (pg.

155 – Doc. 4):

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Não obstante, na nota de rodapé da tabela, é informado que “o

montante real da disponibilidade do Poder Executivo (...) é R$ 1.492.774.810,30 inferior ao

apresentado”. Em outras palavras, a aparente suficiência financeira do Poder

Executivo, na realidade, se revela como uma insuficiência na ordem de R$

786.826.810,00, que, se somado ao valor dos rendimentos apropriados indevidamente

pelo Tesouro, atingiria uma insuficiência na ordem de R$ 936.460.314,00.

O impacto dessa insuficiência na Conta Centralizadora, em especial

no cálculo da aplicação do mínimo constitucional na saúde, é devastador.

Rememora-se que o declarado como aplicado em ações e serviços públicos de saúde

foi na ordem R$1.655.999.288,00 (12,09%). Esse valor resulta da soma das dívidas

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liquidadas (R$1.497.084.437,00) com os restos a pagar não processados

(R$158.914.851,00).

Ocorre que, conforme dito anteriormente, a insuficiência financeira

do Poder Executivo representa indisponibilidade de caixa para inscrever restos a

pagar para o exercício seguinte. Isso quer dizer que os R$ 158.914.851 não deveriam

ter sido inscritos como restos a pagar não processados, visto que não havia

disponibilidade de caixa para suportar essa despesa.

Consequentemente, ao excluir esse “cheque sem fundos” emitido

pelo Estado de Goiás no apagar das luzes do exercício de 2014, o valor efetivamente

aplicado nas ações e serviços públicos de saúde seria de R$ 1.497.084.437,00, relativo

às dividas liquidadas – visto que não havia disponibilidade financeira suficiente para

garantir a despesa inscrita, ou seja, abaixo do mínimo constitucional, por representar

apenas 10,93% do total das receitas líquidas de impostos.

Para atingir o mínimo constitucional, faltaria uma aplicação de

R$146.195.477,60, haja vista que os 12% da receita líquida de impostos representava a

o valor de R$1.643.279.914,60.

Importante mencionar, também, que no Relatório do exercício de

2015, a Unidade Técnica do TCE/GO observou que o Tesouro Estadual emitiu, ao fim

do Exercício de 2014, diversas Ordens de Pagamento Extraorçamentárias para

transferência de recursos da Conta Centralizadora ao Fundo Estadual de Saúde,

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27

dentre outros, com objetivo de cumprir as vinculações constitucionais e legais com a

saúde, a educação e a ciência e tecnologia.

Na oportunidade, observaram que “o valor total transferido via O.P.

Extraorçamentária foi de R$ 614.411.179,00. Em contrapartida, os extratos bancários da

conta centralizadora identificavam estar depositado na conta centralizadora apenas montante

de R$ 51.767.018,90. Portanto, restou evidenciado que o saldo centralizado não era suficiente

para respaldar o envio de recursos aos mencionados entes e fundos, gerando um saldo a

descoberto de R$ 562.644.160,10” (pg. 232 – Doc. 5).

Nesse deslinde, o Conselheiro Relator pontuou que “a existência de

Saldo Negativo na Conta Centralizadora do Estado tem a capacidade de alterar o

resultado dos demonstrativos fiscais e contábeis. Não basta levar em conta o referido

saldo nos resultados, é preciso determinar ao Executivo que elimine definitivamente a

sistemática atual, por absoluta incompatibilidade com a atividade estatal, uma vez que serve

de alavancagem financeira ao Estado, subvertendo completamente a racionalidade e a lógica

contábil e ferindo os princípios contábeis e de responsabilidade fiscal” (pg. 25 – Doc. 4.1).

Novamente, a Unidade Técnica do TCE/GO sugeriu ao Conselheiro

Relator que determinasse ao Governo de Goiás que “[demonstrasse] o impacto causado

pelo saldo negativo da conta do Tesouro Estadual (4204.02355), levando o respectivo valor aos

cálculos dos demonstrativos que compõem os Relatórios Resumidos de Execução

Orçamentária e de Gestão Fiscal, bem como às disponibilidades apresentadas no Balanço

Geral do Estado, por meio de notas explicativas” (pg. 172 – Doc. 4).

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Nessa senda, o Tribunal Pleno emitiu “Parecer Prévio favorável à

aprovação das contas referentes ao exercício financeiro de 2014, com ressalva quanto ao déficit

da Conta Centralizadora do Estado” (pg. 2 – Doc. 4.2).

I.5) CONTAS DO GOVERNADOR DO EXERCÍCIO DE 2015

No exercício de 2015, os recursos aplicados em ações e serviços

públicos de saúde foram na ordem de R$ 1.747.226.773,23, que corresponde a 12,01%

da receita líquida de impostos (R$ 14.551.851.176).

Essa aplicação corresponde à dívida liquidada, no valor de

R$1.639.020.001, somada aos restos a pagar não processados, no valor de

R$108.206.773. Não obstante, como ocorreu nos exercícios anteriores, o Governo de

Estado maquiou os valores reais da Conta Centralizadora, omitindo a ausência de

disponibilidade financeira que garantisse o pagamento dos saldos inscritos em restos

a pagar.

Foi apurado pela Unidade Técnica do TCE/GO que o saldo real da

Conta Centralizadora era de R$ 51.423.473, tendo em vista que o saldo negativo do

Tesouro Estadual para com a Conta Centralizadora era de R$ 1.592.819.828. Veja-se a

seguinte tabela (pg. 224 – Doc. 5):

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Dessa forma, a Unidade Técnica pontuou, novamente, que “a

sistemática atual mascara as disponibilidades de recursos por apresentar saldos fictícios para

as subcontas centralizadas. Estes saldos ilusórios são constatados quando se observa que o

Fundo Estadual de Saúde possuía R$ 809 milhões em recursos centralizados ao final de 2015 e

que só restavam disponíveis para aplicação na amplitude da Conta Centralizadora cerca de R$

52 milhões” (pg. 319 – Doc. 5).

Ressaltou, ainda, que, “como o saldo restante na Conta Centralizadora

está totalmente comprometido com Restos a Pagar de exercícios anteriores, a aplicação em

ASPS não deve considerar os valores referentes a restos a pagar não processados inscritos no

exercício de 2015 (R$ 108.206.773,00), pois não há respaldo financeiro para inclusão deste

grupo no cálculo dos recursos mínimos aplicados, como determinado pela Lei Complementar

nº 141/2012. Sendo assim, o valor efetivamente aplicado se reduz a R$ 1.638.840.001,00, e o

índice 11,26% não atende à exigência constitucional” (pg. 320 – Doc. 5).

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Não bastasse, o Tesouro Estadual emitiu, novamente, ao fim do

exercício de 2015, diversas Ordens de Pagamento Extraorçamentárias para dar

cumprimento às vinculações constitucionais. De um total de R$ 727.352.939

(setecentos e vinte e sete milhões, trezentos e cinquenta e dois mil, novecentos e

trinta e nove reais) Ordens de Pagamento Extraorçamentárias, para a saúde foi

transferido R$ 291.197.377 (duzentos e noventa e um milhões, cento e noventa e sete

mil, trezentos e setenta e sete reais), por meio da O.P. nº 2015.9995.8542 (pg. 233 –

Doc. 5)

Todavia, conforme se demonstrou anteriormente, o saldo real da

Conta Centralizadora no final de 2015 foi de pouco mais de 51 milhões, ou seja,

gerando um saldo a descoberto na ordem de R$ 675.929.466,00 (seiscentos e setenta e

cinco milhões, novecentos e vinte e nove mil, quatrocentos e sessenta e seis reais).

Dessa forma, a ausência de disponibilidade financeira demonstra que

a diferença entre o valor executado e o limite mínimo constitucional de aplicação em

ações e serviços públicos de saúde era na ordem de R$ 107.382.141, assim

representado:

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78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público

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Diante disso, resta demonstrado que no exercício de 2015 o requerido

e ex-Governador do Estado, Sr. MARCONI FERREIRA PERILLO JÚNIOR,

descumpriu o mínimo constitucional de aplicação em ações e serviços públicos de

saúde.

A Unidade Técnica do TCE/GO sugeriu ao Conselheiro Relator, Sr.

Saulo Mesquita, que recomendasse ao Governo de Goiás que “[demonstrasse] o

impacto causado pelo saldo negativo da conta do Tesouro Estadual (4204.02355), levando o

respectivo valor aos cálculos dos demonstrativos que compõem os Relatórios Resumidos de

Execução Orçamentária e de Gestão Fiscal, à apuração dos índices constitucionais, bem como

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32

às disponibilidades apresentadas no balanço geral do Estado, por meio de correta escrituração

e notas explicativas” (pg. 467 – Doc. 5).

O Conselheiro Saulo Mesquita, Relator das contas, ressaltou a

orientação, no seguinte sentido:

Também deverá o Estado demonstrar o impacto causado pelo saldo

negativo da Conta Centralizadora, levando o respectivo valor aos

cálculos dos demonstrativos que compõem os Relatórios Resumidos da

Execução Orçamentária e de Gestão Fiscal, bem como às disponibilidades

apresentadas no balanço geral, por meio de notas explicativas, de modo a

assegurar a transparência e fidedignidade de seus dados contábeis, o que já

foi objeto de reiteradas recomendações nos exercícios anteriores, as

quais não foram atendidas.

Com efeito, a ressalva do exercício anterior, inerente à sistemática da Conta

Centralizadora, deve ser reiterada no presente Parecer Prévio, contudo, de

forma mais assertiva e, ainda, com a devida delimitação relacionada a tempo

e modo de execução. (pg. 9 – Doc. 5.1)

Nesse sentido, o Tribunal Pleno recomendou a “[realização] a

contabilização e distribuição de forma tempestiva dos rendimentos auferidos pela Conta

Centralizadora, bem como reconhecer um passivo do Tesouro Estadual com os demais órgãos e

fundos que tiveram recursos centralizados e não receberam as devidas receitas de juros

proporcionais ao saldo gerencial aplicado desde a criação da conta” (pg. 2 – Doc. 5.2).

Deve-se reiterar que essa recomendação também foi emitida nos

exercícios anteriores. Entretanto, até o exercício de 2015 não havia sido cumprida.

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78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público

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I.6) CONTAS DO GOVERNADOR DO EXERCÍCIO DE 2016

No exercício de 2016, observou-se que a receita líquida de impostos

utilizada para cálculo do índice de aplicação em ações e serviços públicos de saúde

foi de R$ 15.449.703.387,00. A aplicação, na avaliação da Unidade Técnica, foi na

ordem de R$ 1.857.642.447,00, que corresponde a 12,02% da receita.

Compõem esse valor ao montante referente às despesas liquidadas,

na ordem de R$ 1.662.754.569,00, e o montante referente às despesas inscritas em

restos a pagar não processados, na ordem de R$ 194.887.878,00.

Não obstante, em mais um exercício, o Governo de Goiás ignorou as

recomendações exaradas pelo Tribunal de Contas do Estado e maquiou as contas

públicas para ocultar a real situação da Conta Centralizadora, ante o saldo negativo

do Tesouro Estadual, comprometeu, novamente, a inscrição dos restos a pagar por

ausência de disponibilidade financeira suficiente a suportar essa despesa.

A Unidade Técnica do TCE/GO constatou a “insuficiência liquida de

caixa para cumprimento das obrigações financeiras do Poder Executivo, atingindo déficit no

importe de R$ 441.192.000,00 antes da inscrição de restos a pagar não processados do

exercício e R$ 1.379.445.000,00 após a inscrição, mesmo sem considerar as demais obrigações

financeiras independentes da execução orçamentária como depósitos restituíveis, consignações

e outros, denotando desequilíbrio das contas do Estado de Goiás, em desatendimento ao

estabelecido no art. 1º da LRF”(Pg. 230 – Doc. 6). É o que demostra a seguinte tabela:

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78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público

34

No exercício de 2016, foi editada a Lei Complementar nº 121/2015,

em que o Estado de Goiás criou a Conta Única do Tesouro Estadual – CUTE. Com o

advento da Lei, os recursos originários do orçamento do Estado passariam a ser

acolhidos na CUTE, inclusive os recursos referentes ao Fundo Estadual de Saúde –

FES.

Entretanto, a Conta Centralizadora não pôde ser encerrada, haja vista

a existência de saldo negativo na conta do Tesouro Estadual. Durante o exercício de

2016, as duas contas estiveram ativas. A Unidade Técnica do TCE/GO fez um balanço

dos saldos dessas duas contas e chegou à seguinte conclusão:

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78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público

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O Tesouro Estadual apresentou ao final do exercício um déficit de R$

1.164.154.674,33 junto à Conta Centralizadora. Todavia, apresentou

também déficit junto à Conta Única no importe de R$ 354.361.581,71,

totalizando R$ 1.518.516.256,04 no exercício, o que representa uma redução

de apenas R$ 74.303,572,00 se comparado com 2015.

Observou-se ainda que o saldo registrado junto à CUTE, não representava a

realidade. Ao final do exercício de 2016 constava registrado na Contabilidade

do Estado como saldo final da CUTE o montante de R$ 2.337.021.016,40, o

que difere substancialmente do valor apurado por meio de seu extrato

bancário, R$ 16.288.811,78, denotando, portanto, uma diferença de R$

2.320.732.204,62 entre o valor contabilizado e o existente de fato. (pg. 492 –

Doc. 6)

Importante mencionar que o Fundo Especial de Saúde – FUNESA,

mesmo com após a instituição do Fundo Estadual de Saúde – FES, continuou ativo e

vinculado à Conta Centralizadora. Dessa forma, no ano de 2016, o FUNESA possuía

um saldo fictício de R$ 418.242.056,53 em recursos na Conta Centralizadora. Na

Conta Única do Tesouro Estadual – CUTE, o FES possuía um saldo fictício na ordem

de R$ 8.752.053,19 (pg. 233/235 – Doc. 6).

Não obstante, restaram centralizados ao final de 2016 e disponíveis

para aplicação na amplitude da Conta Centralizadora e CUTE menos de R$ 45

milhões, nos termos da seguinte tabela:

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78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público

36

Posto isso, ao considerar o impacto do saldo negativo do Tesouro

Estadual, nota-se que os saldos restantes da Conta Centralizadora e CUTE estavam

totalmente comprometidos com restos a pagar de exercícios anteriores, na cifra

aproximada de R$ 97 milhões (pg. 332 – Doc. 6).

Em uma atitude totalmente ilegal e que reforça a maquiagem nas

contas públicas, o Estado de Goiás emitiu, aos 29/12/2016, a Ordem de Pagamento

Extraorçamentária nº 2016.9995.6502, para que fosse transferido o valor de R$

414.684.474,45 ao Fundo Especial de Saúde, “destinado ao pagamento de despesas

relativas ao exercício de 2016, para cumprimento das vinculações constitucionais” (pg. 228 –

Doc. 6).

Na realidade, o Estado de Goiás emitiu, novamente, um verdadeiro

“cheque sem fundos”, na tentativa de maquiar a situação decadencial que vivia o

orçamento público.

A Unidade Técnica do TCE/GO pontuou que “pela comparação do saldo

real da Conta Centralizadora e Cute com os valores das Ordens de Pagamento

Extraorçamentárias acima citadas, constatou-se que o saldo centralizado não era

suficiente para respaldar o envio de recursos aos mencionados entes e fundos,

restando um saldo a descoberto de R$ 557.713.092,73” (pg. 229 – Doc. 6).

Diante disso, não deveria ter sido considerado como ações e serviços

públicos de saúde os restos a pagar não processados inscritos no exercício de 2016, na

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78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público

37

ordem de R$ 194.887.878,00, ante a ausência de respaldo financeiro que garantisse

essa despesa.

Sendo assim, o valor efetivamente aplicado se reduz a R$

1.662.754.569,00, relativo à despesa liquidada. O índice, na mesma linha, reduz a

10,76%. Considerando que a receita líquida de impostos foi de R$ 15.449.703.387,00 e

que o mínimo constitucional de 12% representa R$ 1.853.964.406, restaria

descumprido a aplicação em ações e serviços públicos de saúde no montante de R$

191.209.838,00.

A Unidade Técnica do TCE/GO ponderou, novamente, sobre a

metodologia do Estado de Goiás que omite dos cálculos o saldo negativo no do

Tesouro (pg. 473 – Doc. 6):

Entretanto, nos relatórios desta unidade técnica sobre as Contas do

Governador dos anos de 2014 e 2015 foi destacado que a Sefaz deveria

revisar a metodologia de cálculo dos índices inerentes às vinculações

constitucionais, de modo a considerar o saldo negativo do Tesouro Estadual

com a conta centralizadora, uma vez que a inscrição em restos a pagar não

processados não possui sustentação financeira real.

Assumindo-se que os saldos das subcontas componentes da conta

centralizadora são fictícios em virtude do saldo negativo do Tesouro

Estadual, entende-se que o montante inscrito em restos a pagar não

processados em 2016 (R$ 194.887.878,00) não poderia ser levado ao cálculo

da vinculação constitucional. Nesse sentido, ao recalcular o índice sob esse

cenário, foi possível verificar que o valor efetivamente aplicado atingiria R$

1.662.754.569,00 e, portanto, o cumprimento efetivo do índice resta

condicionado à eliminação do saldo negativo do Tesouro junto à Conta

Centralizadora.

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78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público

38

Dessa forma, o TCE/GO determinou que se “[realizasse] as baixas

nos saldos remanescentes da conta centralizadora e reduzir o saldo negativo do

Tesouro junto à centralizadora apresentado ao final de 2016, eliminando-o

gradativamente, até o final do exercício de 2020” (pg. 2 – Doc. 6.2), bem como

recomendou que o Governo “[controlasse] as disponibilidades de caixa e a geração de

obrigações, observando o saldo de caixa para adimplemento ano a ano, em todos os exercícios”

e “[Repusesse] os valores acumulados como saldo negativo junto a Conta única” (pgs. 2/3 –

Doc. 6.2).

I.7) CONTAS DO GOVERNADOR DO EXERCÍCIO DE 2017

No exercício de 2017, a receita líquida de impostos foi de

R$16.061.260.187, sendo o valor mínimo a ser aplicado de R$1.927.351.222 (12%).

Conforme apurado, o valor aplicado foi na ordem de R$1.941.887.960 (12,09),

compreendida a despesa liquidada (R$1.822.468.020) e inscritas em restos a pagar

não processados (R$119.419.940), conforme se vê:

AÇÕES E SERVIÇOS PÚBLICOS DE SAÚDE – ASPS

A Disponibilidade de Caixa Líquida R$ 16.061.260.187

B 12% R$ 1.927.351.222

C Despesa Liquidada R$ 1.822.468.020

D Inscrita em Restos a Pagar não Processados R$ 119.419.940

E Valor Aplicado (C + D) = 12,09% R$ 1.941.887.960

Ocorre que, novamente, não havia disponibilidade financeira para

suportar a inscrição dos restos a pagar não processados. O Estado de Goiás

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78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público

39

informou, no RREO 2017, que o Fundo Estadual de Saúde – FES, no fechamento do

exercício de 2017, dispunha do valor de R$ 492.500.854,19 (pg. 336 – Doc. 7), todavia,

a disponibilidade real de caixa para todas as contas bancárias das unidades

orçamentárias da CUTE, incluindo a conta do FES, era de R$ 162 milhões.

Como exaustivamente citado, o impacto do saldo negativo do

Tesouro Estadual na Conta Centralizadora e CUTE é devastador. Extrai-se do

relatório da Unidade Técnica que o saldo negativo do Tesouro na Conta

Centralizadora, aos 31/12/2017, era de R$ 445.319.116, ao passo que o saldo negativo

do Tesouro na CUTE era de R$ 694.390.817.

Soma-se a esse valor o saldo negativo indevido das demais Unidades

junto à CUTE, na cifra de R$ 3.830.726, e a reversão indevida de saldo financeiro ao

Tesouro, na ordem de R$ 53.226.490. O resultado do saldo negativo do Tesouro

Estadual é de R$ 1.196.767.151 (pg. 233 - Doc. 7).

Não bastasse, o Tesouro Estadual emitiu as Ordens de Pagamento

Extraordinárias nº 2017.9995.5644, no valor de R$291.103.417, e nº 2017.9995.5610, no

valor de R$ 37.492.206, para que os valores fossem transferidos às contas do Fundo

Estadual de Saúde na CUTE e na Conta Centralizadora, respectivamente.

Ocorre que, como dito, o Tesouro Estadual não possuía respaldo

financeiro para suportar essas despesas, haja vista que o saldo negativo do Tesouro

Estadual era de R$ 1.196.767.151. Tais Ordens de Pagamentos foram emitidas para

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78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público

40

que, ilusoriamente, houvesse o cumprimento da aplicação mínima constitucional na

saúde. Não obstante, em não havendo recursos na fonte emissora, não haverá

efetivação no repasse. Novamente, o Estado de Goiás emitiu o cheque sem fundos

para maquiar o orçamento público.

Considerando que esse valor não foi repassado, não houve

disponibilidade financeira suficiente para suportar os restos a pagar não processados

inscritos no final do exercício de 2017, na ordem de R$ 119.419.940, contabilizados

como gastos em ações e serviços públicos de saúde (pg. 337 – Doc. 7).

Nesse deslinde, pode-se considerar que o Estado de Goiás aplicou

apenas 11,35% das receitas líquidas de impostos, ou seja, o valor de R$1.822.468.020,

o que evidencia o descumprimento da vinculação constitucional mínima na saúde

em R$104.883.203.

Posto isso, o Tribunal Pleno emitiu Parecer Prévio pela aprovação

das Contas do, à época, Governador MARCONI FERREIRA PERILLO JÚNIOR, réu

nesta demanda. Entretanto, a Corte de Contas fez as seguintes determinações ao

Governador, dentre outras:

5.1 Promover a efetiva extinção do saldo negativo do Tesouro Estadual junto

à Conta Única do Tesouro Estadual - CUTE, até o exercício de 2022,

adotando redução proporcional a cada exercício de no mínimo 20,00%;

6.1 Ausentar-se de efetuar Ordens de Pagamento Extraorçamentárias sem o

devido respaldo financeiro.

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78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público

41

Não obstante as inscrições de restos a pagar sem disponibilidade

financeira, ocorridas entre os exercícios de 2011 a 2017, foram constatados novos

cancelamentos nos exercícios seguintes, em total descompasso às normas que regram

a matéria e à Moralidade Administrativa.

1.8) DOS CANCELAMENTOS DE RESTOS A PAGAR INSCRITOS EM

EXERCÍCIOS ANTERIORES

Primeiramente, é importante esclarecer que os restos a pagar

representam despesas empenhadas e não pagas dentro do exercício orçamentário de

referência. Divididos em processados e não processados, os restos a pagar

constituem-se em dívidas de curto prazo e, como tais, precisam de cobertura de

caixa.

Os restos a pagar processados são aqueles cuja obrigação por parte

do prestador foi cumprida, conforme prevê o Manual de Demonstrativos Fiscais –

MDF, ao passo que os restos a pagar não processados representam “despesas

empenhadas e não pagas no encerramento do exercício, que não percorreram a fase

de liquidação” (pg. 151 – Doc. MDF_2017)

Feitas essas considerações, foi observado ao longo dos exercícios o

cancelamento de grande parte dos restos a pagar inscritos nos exercícios anteriores.

A título de referência, no exercício de 2017 houve o cancelamento de R$997.303.144

de restos a pagar. Destes, R$210.226.882 (duzentos e dez milhões, duzentos e vinte e

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78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público

42

seis mil, oitocentos e oitenta e dois reais) representam cancelamentos ocorridos no

âmbito do Fundo Estadual de Saúde.

Em detida análise, observa-se que esse montante de R$ R$210.226.882

(duzentos e dez milhões, duzentos e vinte e seis mil, oitocentos e oitenta e dois reais)

é composto de restos a pagar processados, na ordem de R$87.110.953 (oitenta e sete

milhões, cento e dez mil, novecentos e cinquenta e três reais) e restos a pagar não

processados, na ordem de R$123.115.929 (cento e vinte e três milhões, cento e quinze

mil, novecentos e vinte e nove reais).

Em análise geral, na data de 01/01/2017 constava inscrito em restos a

pagar o total de R $3.102.128.651,82, sendo R$ 2.476.583241,28 concernente ao

exercício de 2016 e R$ 625.545.410,54 de exercícios anteriores a 2016. No decorrer do

exercício de 2017, foram pagos R$ 1.721.638.296,05 e cancelados R$ 997.303.144,45,

restando inscrito o saldo total de R$ 383.187.211,32.

A Unidade Técnica do TCE/GO ressaltou a quantidade excessiva de

valores cancelados no exercício de 2017, “atingindo montante próximo a 1 bilhão, ou seja,

mais de 30% dos valores inscritos inicialmente em 2017 foram cancelados, havendo inclusive

cancelamento de cerca de 216 milhões de restos a pagar processados, ou seja, despesas que já

haviam passado pela fase de liquidação, ferindo, no mínimo, o princípio da moralidade

administrativa, conforme prevê o Manual de Demonstrativos Fiscais – MDF” (pg. 517 –

Doc. 7).

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78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público

43

Como exaustivamente explanado, o mínimo constitucional de

aplicação na saúde é composto pelas dívidas liquidadas e os restos a pagar não

processados. Ocorre que, no exercício seguinte, no qual deveria haver o pagamento

dos restos a pagar, houve, na realidade, o cancelamento das obrigações. Esse

cancelamento dos restos a pagar não processados aponta, mais uma vez, para o não

cumprimento do mínimo constitucional.

No exercício de 2014, por exemplo, constatou-se que houve o

cancelamento de R$ 116.913.066,43 de restos a pagar inscritos na saúde. Para a

Unidade Técnica, esse cancelamento caracteriza grave desequilíbrio financeiro.

A Unidade Técnica do TCE/GO realizou levantamento dos

cancelamentos ocorridos na saúde no exercício de 2016. Na tabela é possível observar

a existência de restos a pagar não processados inscritos em exercícios anteriores, que

ainda não haviam sido executados no exercício de 2016 (pg. 308 – Doc. 6):

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78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público

44

Nota-se o desequilíbrio financeiro do Estado de Goiás, haja vista que

os restos a pagar inscritos em um exercício, deveriam ser adimplidos no exercício

seguinte.

Já no exercício de 2017, foram cancelados R$87.110.953 (oitenta e sete

milhões, cento e dez mil, novecentos e cinquenta e três reais) em restos a pagar

processados no Fundo Estadual de Saúde. Significa dizer que o fornecedor de boa-fé

cumpriu a obrigação contratada, mas o Estado simplesmente cancelou a

contraprestação devida.

Em análise geral, na data de 01/01/2017 constava inscrito em restos a

pagar o total de R $3.102.128.651,82, sendo R$ 2.476.583241,28 concernente ao

exercício de 2016 e R$ 625.545.410,54 de exercícios anteriores a 2016. No decorrer do

exercício de 2017, foram pagos R$ 1.721.638.296,05 e cancelados R$ 997.303.144,45,

restando inscrito o saldo total de R$ 383.187.211,32.

Essa “pedalada fiscal” evidencia o desequilíbrio financeiro que vive

o orçamento público. Como demonstrado, o Tesouro Estadual inscrevia os restos a

pagar para o exercício seguinte, como se estivesse cumprindo com as metas

estabelecidas e com as vinculações constitucionais, mas, no exercício seguinte,

cancelava parte dessas obrigações.

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78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público

45

Não se pode olvidar, também, que nos anos de foram feitas

inscrições de restos a pagar não processados sem que houvesse disponibilidade

financeira que assegurasse o adimplemento das obrigações.

No exercício de 2014, constatou-se que houve o cancelamento de R$

116.913.066,43 de restos a pagar inscritos em exercícios anteriores. Para a Unidade

Técnica, esse cancelamento caracteriza grave desequilíbrio financeiro. Não obstante,

tal assunto será tratado mais adiante em tópico específico.

No curso das investigações foram requisitados documentos e

informações constantes nos bancos de dados do Estado de Goiás, foram expedidas

notificações para oitivas de testemunhas e do Requerido MARCONI PERILLO, o

qual compareceu à Promotoria de Justiça, oportunidade em que refutou a denúncia e

ressaltou que todas suas contas foram aprovadas pelo TCE/GO e pela ALEGO –

Assembleia Legislativa de Goiás.

II – DIREITO

É sabido que a Constituição Federal de 1988, também conhecida

como Constituição Cidadã, foi a primeira a encampar o princípio do respeito à

dignidade da pessoa humana dentre seus basilares.

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78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público

46

Nas palavras do Ministro Gilmar Mendes6:“pela primeira vez na

História do nosso constitucionalismo, apresentava o princípio do respeito à dignidade da

pessoa humana e o Título dos direitos fundamentais logo no início das suas disposições, antes

das normas de organização do Estado, estava mesmo disposta a acolher o adjetivo cidadã, que

lhe fora predicado pelo Presidente da Assembleia Constituinte no discurso da promulgação”.

Nessa senda, o art. 6º da Carta Magna estabeleceu que “são direitos

sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia...”. O art. 196, por sua vez,

estabelece que “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas

sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso

universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.

Nas palavras de Lenir Santos7, o art. 196 da CF pode ser desdobrado

em duas partes:

a) A primeira de linguagem mais difusa que corresponde a programas

sociais e econômicos que visem à redução coletiva de doenças e seus

agravos, com melhoria da qualidade de vida do cidadão. Esta primeira

parte diz respeito muito mais à qualidade de vida, numa demonstração

de que saúde tem conceito amplo que abrange o bem-estar individual,

social, afetivo, psicológico, familiar etc. e não apenas a prestação de

serviços assistenciais; e

6

7 SUS e a Lei Complementar 141 Comentada. 2ª Ed. Saberes Editora, 2012, p. 58.

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47

b) a segunda parte, de dicção mais objetiva, obriga o Estado a manter, na

forma do disposto nos arts. 198 e 200 da Constituição e na lei 8.080/90,

ações e serviços públicos de saúde que possam promover a saúde e

prevenir, de modo mais direto, mediante uma rede de serviços

regionalizados e hierarquizados, os riscos de adoecer (assistência

preventiva) e recuperar o indivíduo das doenças que o acometem

(assistência curativa).

À vista disso, o art. 198 da CF tratou de estabelecer as diretrizes das

ações e serviços públicos de saúde assim como a forma de financiamento, com

alterações posteriores pela Emenda Constitucional nº 29/2000:

Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede

regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de

acordo com as seguintes diretrizes:

I – descentralização, com direção única em cada esfera de governo;

II – atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas,

sem prejuízo dos serviços assistenciais;

III - participação da comunidade.

[...]

§ 2º A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios aplicarão,

anualmente, em ações e serviços públicos de saúde recursos mínimos

derivados da aplicação de percentuais calculados sobre:

[...]

II – no caso dos Estados e do Distrito Federal, o produto da arrecadação dos

impostos a que se refere o art. 155 e dos recursos de que tratam os arts. 157 e

159, inciso I, alínea a, e inciso II, deduzidas as parcelas que forem

transferidas aos respectivos Municípios; (Incluído pela Emenda

Constitucional nº 29, de 2000)

Destarte, o art. 77 do Ato das Disposições Constitucionais

Transitórias, incluído, também, pela Emenda Constitucional nº 29, estabeleceu o

percentual mínimo de 12% a ser aplicado nas ações e serviços públicos de saúde,

assim definido:

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78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público

48

Art. 77. Até o exercício financeiro de 2004, os recursos mínimos aplicados

nas ações e serviços públicos de saúde serão equivalentes:

[...]

II – no caso dos Estados e do Distrito Federal, doze por cento do produto da

arrecadação dos impostos a que se refere o art. 155 e dos recursos de que

tratam os arts. 157 e 159, inciso I, alínea a, e inciso II, deduzidas as parcelas

que forem transferidas aos respectivos Municípios;

[...]

§ 3º Os recursos dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios

destinados às ações e serviços públicos de saúde e os transferidos pela União

para a mesma finalidade serão aplicados por meio de Fundo de Saúde que

será acompanhado e fiscalizado por Conselho de Saúde, sem prejuízo do

disposto no art. 74 da Constituição Federal.

Posteriormente, editou-se a Lei Complementar nº 141/2012, que

regulamentou o § 3º do art. 198 da CF e manteve a porcentagem de 12%, conforme se

vê no art. 6º da referida Lei:

Art. 6º Os Estados e o Distrito Federal aplicarão, anualmente, em ações e

serviços públicos de saúde, no mínimo, 12% (doze por cento) da arrecadação

dos impostos a que se refere o art. 155 e dos recursos de que tratam o art.

157, a alínea “a” do inciso I e o inciso II do caput do art. 159, todos da

Constituição Federal, deduzidas as parcelas que forem transferidas aos

respectivos Municípios.

A Lei Complementar estabelece, ainda, em seu art. 16, que “O repasse

dos recursos previstos nos arts. 6º a 8º será feito diretamente ao Fundo de Saúde do respectivo

ente da Federação”.

Nesse prisma, a Lei Estadual n° 17.797/2012 instituiu o Fundo

Estadual de Saúde e o Decreto nº 7.824/2013 o regulamentou. O Fundo Estadual de

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78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público

49

Saúde – FES foi instituído por meio da reestruturação do Fundo Especial de Saúde –

FUNESA8, cujo objetivo é a gestão dos recursos destinados ao financiamento das

ações e dos serviços de saúde.

A receita do Fundo Estadual de Saúde integra a Conta

Centralizadora do Tesouro Estadual, criada pelo Decreto nº 5.525/2001. A Conta

Centralizadora foi criada com objetivo de centralizar todos os recursos financeiros

que ingressassem no âmbito da administração pública direta e indireta do Poder

Executivo estadual. É o que prevê o art. 1º do Decreto:

Art. 1º Fica determinada a centralização na Conta nº 070001-1 - Tesouro

Estadual de todos os ingressos de recursos financeiros de caráter ordinário ou

extraordinário e de natureza orçamentária ou extra-orçamentária, que

tenham sido decorrentes, produzidos ou realizados, direta ou indiretamente,

na forma da legislação pertinente, por órgãos e entidades das administrações

direta e indireta, integrantes da estrutura do Poder Executivo.

No ano de 2015, todavia, editou-se a Lei Complementar nº 121, de 21

de dezembro de 2015. A referida Lei instituiu o “Sistema de Conta Única do Tesouro

Estadual”. Com o mesmo objetivo de gerenciamento dos recursos financeiros do

Estado, a implementação da Conta Única seria gradual e, até o exercício de 2017,

alcançaria a totalidade dos recursos, conforme prevê o art. 8º da Lei.

8 O Fundo Especial de Saúde – FUNESA, criado pela Lei Estadual nº 9.593/84 e regulamentado pelo

Decreto nº 2.470/85, era responsável pela gestão dos recursos da saúde antes da criação do FES.

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50

Entretanto, no relatório de 2016, a Unidade Técnica do TCE/GO

pontuou que “a Conta Centralizadora não será encerrada com a implantação da Cute, tendo

em vista que a mesma apenas poderá ser encerrada após a cobertura do saldo negativo

do Tesouro Estadual, o que segundo o §1º, do art. 1º do Decreto nº 8.849/2016, se dará no

prazo de 48 meses” (pg. 469 – Doc. 6).

Dessa forma, nota-se que nos exercícios de 2016 e 2017 as duas contas

estiveram ativas e gerenciando recursos do Fundo Estadual de Saúde – FES.

Feitas essas observações, deve-se ressaltar que a gestão do orçamento

público obriga o gestor a observar as regras estabelecidas no ordenamento jurídico. A

Constituição Federal, a Lei de Responsabilidade Fiscal e outras normas correlatas

estabelecem as regras a serem seguidas pelo Administrador Público.

Instituída pela Lei Complementar nº 101/2000, a Lei de

Responsabilidade Fiscal determina, em seu art. 1º, § 1º, que “a responsabilidade na

gestão fiscal pressupõe a ação planejada e transparente, em que se previnem riscos e corrigem

desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas, mediante o cumprimento de metas

de resultados entre receitas e despesas e a obediência a limites e condições no que tange a

renúncia de receita, geração de despesas com pessoal, da seguridade social e outras, dívidas

consolidada e mobiliária, operações de crédito, inclusive por antecipação de receita, concessão

de garantia e inscrição em Restos a Pagar”.

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78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público

51

A mesma Lei, em seu art. 50, § 2º, estabelece que “a edição de normas

gerais para consolidação das contas públicas caberá ao órgão central de contabilidade da

União”, que se trata da Secretaria do Tesouro Nacional.

A fim de dar cumprimento a essa atribuição, a Secretaria do Tesouro

Nacional edita os Manuais de Demonstrativos Fiscais – MDF para cada exercício

financeiro, com aplicação a todos os entes federados, inclusive ao Estado de Goiás.

Entretanto, ao analisar as Contas do Governador no período de 2011

a 2017, a Unidade Técnica do TCE apurou diversas irregularidades na gestão dos

recursos públicos. Como demonstrado em linhas pretéritas, essas irregularidades

resultaram em um verdadeiro colapso do orçamento público.

Importante lembrar que, em reportagem recente, a imprensa

informou que as dívidas com as Organizações Sociais da saúde somavam R$ 283

milhões9, conforme dados levantados em setembro deste ano, o que representa uma

consequência lógica da abordagem feita pelo ex-Governador MARCONI FERREIRA

PERILLO JÚNIOR com as contas públicas.

Ressalta-se que o ESTADO DE GOIÁS, alegando que a saúde estava

deficitária, passou a gestão da saúde às Organizações Sociais (OS). Isso há uns 05

(cinco) anos aproximadamente.

9https://www.opopular.com.br/editorias/cidades/d%C3%ADvidas-com-oss-da-sa%C3%BAde-somam-

283-milh%C3%B5es-1.1642354

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78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público

52

Posto isso, observou-se, em primeira análise, que o Estado de Goiás

não cumpriu o mínimo constitucional de 12% em ações e serviços públicos de saúde

nos exercícios de 2011, 2013, 2014, 2015, 2016 e 2017. A tabela a seguir demonstra os

valores que deixaram de ser aplicados nos exercícios:

Exercício

Valor não aplicado,

abaixo do mínimo

constitucional

2011 R$ 5.959.731

2014 R$146.195.477

2015 R$ 107.382.141

2016 R$ 191.209.838

2017 R$ 104.883.203

Total R$ 555.630.390

Contudo, a não aplicação do mínimo constitucional na saúde decorre

de algumas irregularidades perpetradas pelo Governo de Goiás, algumas de forma

reiterada, entre os exercícios de 2011 a 2017. Nesse deslinde, é importante ressaltar as

irregularidades detectadas e que influenciaram no descumprimento da vinculação

constitucional na saúde.

Primeiramente, observou-se que a SEFAZ computou a

disponibilidade financeira e gastos com inativos e pensionistas no cômputo do

mínimo constitucional.

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No ano de 2011, o Estado não cumpriu a vinculação constitucional na

saúde, pois considerou a disponibilidade financeira (R$ 168.505.506,37) e os gastos

com inativos e pensionistas (R$ 592.709,00) no cálculo da aplicação.

A disponibilidade financeira, conforme já mencionado, se trata do

saldo para uma nova despesa. Contabilizar a disponibilidade financeira como ações e

serviços públicos de saúde é realizar uma contagem duplicada, haja vista que os

restos a pagar não processados já representavam a referida disponibilidade que

estava sendo contabilizada.

Sobre o tema, o Manual de Demonstrativos Fiscais previa o seguinte

(pg. 168 – Doc. 1):

Durante o exercício, não deverão ser incluídos os valores das despesas

empenhadas que ainda não foram liquidadas. No encerramento do exercício,

as despesas empenhadas, não liquidadas e inscritas em restos a pagar não-

processados, por constituírem obrigações preexistentes, decorrentes de

contratos, convênios e outros instrumentos, deverão compor, em função do

empenho legal, o total das despesas executadas. Portanto, durante o

exercício, são consideradas despesas executadas apenas as despesas

liquidadas e, no encerramento do exercício, são consideradas despesas

executadas as despesas liquidadas e as inscritas em restos a pagar

não-processados.

No encerramento do exercício, as despesas com ações e serviços públicos de

saúde inscritas em Restos a Pagar poderão ser consideradas para fins de

apuração dos percentuais de aplicação estabelecidos na Constituição, desde

que haja disponibilidade financeira vinculada à saúde.

Constatou-se, também, no mesmo exercício, a contabilização de

gastos com inativos e pensionistas no cálculo da aplicação do mínimo constitucional

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54

na saúde. Extrai-se do Manual de Demonstrativos Fiscais vigente à época, que a

orientação já era no sentido de que esse tipo de despesa não se enquadrava nas ações

e serviços públicos de saúde, veja-se:

TOTAL DAS DESPESAS COM AÇÕES E SERVIÇOS PÚBLICOS DE

SAÚDE – Nessa linha, registrar o total das despesas em ações e serviços

públicos de saúde de acesso universal, deduzidas as despesas com

inativos e pensionistas; com juros, encargos e amortização da dívida; e as

despesas custeadas pelo Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza. Esse

total representa todo o gasto do ente em ações e serviços públicos de saúde de

acesso universal, financiado com recursos próprios, apurado para fins de

verificação do cumprimento do limite mínimo constitucionalmente

estabelecido. (pg. 213 – Doc. 8.1)

Entretanto, ignorando o regramento financeiro, o Governo do Estado

contabilizou tais gastos como aplicação no mínimo constitucional.

Por outro lado, o Governo não contabilizou o saldo negativo do

Tesouro Estadual na apuração da disponibilidade financeira, consequentemente,

inscreveu restos a pagar não processados sem que houvesse saldo suficiente para

suportar a despesa.

Sobre o tema, o art. 42 da Lei de Responsabilidade Fiscal estabelece o

seguinte:

Art. 42. É vedado ao titular de Poder ou órgão referido no art. 20, nos

últimos dois quadrimestres do seu mandato, contrair obrigação de

despesa que não possa ser cumprida integralmente dentro dele, ou

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55

que tenha parcelas a serem pagas no exercício seguinte sem que haja

suficiente disponibilidade de caixa para este efeito.

Parágrafo único. Na determinação da disponibilidade de caixa serão

considerados os encargos e despesas compromissadas a pagar até o final do

exercício.

Importante esclarecer que o dispositivo legal baliza a vedação

apenas nos últimos 2 (dois) quadrimestres do mandato do Governador, no caso.

Não obstante, há orientação da Secretaria do Tesouro Nacional para que seja

observado em todos os exercícios

Foi possível observar que a Superintendência do Tesouro Estadual,

desde o exercício de 2011, não contabilizava o saldo negativo do Tesouro para fins de

apuração da disponibilidade de caixa na Conta Centralizadora.

Considerar o saldo negativo do Tesouro para com a Conta

Centralizadora é importante para que se saiba, realmente, qual o limite de caixa

disponível (disponibilidade financeira) para inscrição de restos a pagar.

Ocorre que, para o Governo, desconsiderar o saldo negativo na

apuração da disponibilidade de caixa representou o cumprimento das metas e

vinculações constitucionais.

Aliado a isso, a Conta Centralizadora há muito tem estado com o

saldo negativo em decorrência da alavancagem financeira exercida pelo Estado de

Goiás.

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56

Extrai-se do relatório de análise das contas que o “saldo negativo é

decorrente da alavancagem financeira citada no item anterior, na qual o Tesouro se apropriou

dos recursos da Conta Centralizadora, ficando devedor para com a mesma, e

consequentemente com os demais órgãos e entidades do Estado, sendo obrigado a restituí-los

na forma do § 1º, art. 2º, do Decreto nº 6.542/2006” (pg. 165 – Doc. 4).

A Unidade Técnica ressaltou, ainda, que o procedimento adotado

pelo Estado é inverso do adotado pela União:

“Por meio do caixa único o Tesouro Nacional se vale de suas disponibilidades

para socorrer os órgãos e entidades federais, mas não utiliza das

disponibilidades dos órgãos e entidades federais para se socorrer

financeiramente. Conforme evidenciado anteriormente, o Tesouro do Estado

de Goiás se vale dos saldos financeiros dos órgãos e entidades para se socorrer

e o inverso não ocorre” (pg. 165 – Doc. 4)

A apropriação desses recursos pode ocasionar dificuldades

financeiras aos órgãos e entidades que tiveram seus recursos suprimidos. Diante

disso, o art. 2º do Decreto nº 6.542/2006 previu que só em casos excepcionais a

Secretaria da Fazenda poderia se utilizar desses recursos. Veja-se:

Art. 2º Excepcionalmente, no interesse do cumprimento da

programação mensal de desembolso e do atendimento a despesas

prioritárias, fica a Superintendência do Tesouro Estadual da Secretaria da

Fazenda autorizada a utilizar, para provisão financeira aos órgãos e às

entidades do Estado, o saldo total dos recursos aplicados na Conta

Centralizadora mencionada no “caput” do art. 1º, inclusive os oriundos de

receitas próprias de empresas estatais dependentes, autarquias, fundações,

sociedades de economia mista, empresas públicas e fundos especiais,

ressalvados os previstos no § 2º do art. 1º, e os oriundos das subcontas dos

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órgãos da administração direta do Poder Executivo e dos fundos de outros

Poderes, na forma da autorização prevista no § 4º do art. 1º.

Ocorre que, conforme demonstrado exaustivamente nas linhas

pretéritas, a utilização dos recursos centralizados tornou-se prática rotineira por

parte do Tesouro Estadual. É tão evidente a apropriação desses valores que o saldo

negativo do Tesouro Estadual aumentou de forma significante entre os 2011 e 2017,

período em que houve um impacto substancial na saúde financeira do Estado de

Goiás e no resultado final da Conta Centralizadora. Veja-se a tabela abaixo, que

demonstra a evolução do saldo negativo na conta do Tesouro:

EXERCÍCIO SALDO NEGATIVO DO TESOURO ESTADUAL

2011 R$ 597.084.995

2012 R$ 522.064.941

2013 R$ 858.859.814

2014 R$ 1.492.774.810

2015 R$ 1.592.819.828

2016 R$ 1.518.516.256

2017 R$ 1.196.767.151

Em gráfico, os valores ficam assim representados:

0

500.000.000

1.000.000.000

1.500.000.000

2.000.000.000

2011

2013

2015

2017

Saldo Negativo

do Tesouro

Estadual

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Ressalta-se que a Unidade Técnica do TCE/GO constatou, também,

que o Tesouro Estadual tem se apropriado indevidamente dos rendimentos auferidos

por meio da Conta Centralizadora.

No exercício de 2013, por exemplo, o saldo negativo do Tesouro para

com a Conta Centralizadora era de R$ 858.859.813,88, entretanto, o Governo se

apropriou dos rendimentos da Conta Centralizadora, por meio das Guias de Receita

nº 2012.9995.1389 e nº 2013.9995.1520, conforme demonstra a tabela abaixo:

No exercício de 2014, houve a apropriação pelo Tesouro Estadual dos

rendimentos no importe de R$ 20.840.723, por meio da Guia de Receita nº

2014.9995.1569. (pg. 167 – Doc. 4)

No exercício de 2015, a apropriação foi na ordem de R$5.862.020 (pg.

241 – Doc. 5). Dessa forma, a Unidade Técnica do TCE/GO apurou que, desde o

exercício de 2002, o Tesouro se apropriou de R$164.444.717 dos rendimentos, que

representa mais de 90% do total de rendimentos obtidos (R$ 181.395.436,39). Desse

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montante, R$ 155.495.523, ou 85% do total, foi apropriado entre os exercícios de 2012

e 2015, no Governo do requerido MARCONI FERREIRA PERILLO JÚNIOR.

Esse valor representa prejuízo aos fundos e entidades, pois não

obtiveram a remuneração devida, e, consequentemente, aumento da dívida do

Tesouro para com a Conta Centralizadora.

O Decreto nº 6.542/2006, em seu art. 1º, § 1º, dispõe que “o produto

resultante da aplicação financeira referida no “caput” deste artigo, referente a recursos

oriundos das empresas estatais dependentes, autarquias, fundações, sociedades de economia

mista, empresas públicas e fundos especiais constitui, proporcionalmente, receita

financeira de cada entidade ou fundo, devendo ser contabilizada como “Juros de Depósitos

Bancários”, à conta de recursos diretamente arrecadados”.

Dessa forma, o Governador do Estado violou a legalidade ao

apresentar prestação de contas com dados maquiados e em desconformidade às

regras estabelecidas.

Ademais, o ex-Governador não pode alegar desconhecimento, haja

vista que, já no exercício de 2012, a Unidade Técnica recomendou ao Governo de

Goiás que regularizasse tal situação e passasse a considerar o saldo negativo do

Tesouro para fins de inscrição em restos a pagar. Todavia, a Secretaria da Fazenda

não regularizou.

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Isso porque, nos exercícios de 2014 a 2017, para alcançar o percentual

mínimo de 12%, o requerido contabilizou indevidamente despesas inscritas em restos

a pagar não processados como investimento na saúde, no montante de R$

Consta do Relatório sobre as Contas do Governador que o

“7 . Os recursos destinados às ações e serviços públicos de saúde, totalizaram

em 12,07% do total da receita líquida de impostos, portanto atendendo o

mínimo constitucional que é de 12%. Esta relatoria levou em consideração o

ingresso de recursos financeiros no final do exercício fiscal, gerando uma

disponibilidade para a recomposição do índice constitucional mínimo no

exercício posterior, cabendo a esta Corte de Contas fiscalizar a glosa dos

empenhos, para que não ocorra superposição de dados na composição do

índice do exercício de 2012”. (pg. 6, Doc. 1.3)

Corroborando tal informação o MDF – ANEXO II assim dispõe:

Durante o exercício, não deverão ser incluídos os valores das despesas

empenhadas que ainda não foram liquidadas. No encerramento do exercício,

as despesas empenhadas, não liquidadas e inscritas em restos a pagar não-

processados, por constituírem obrigações preexistentes, decorrentes de

contratos, convênios e outros instrumentos, deverão compor, em função do

empenho legal, o total das despesas executadas. Portanto, durante o

exercício, são consideradas despesas executadas apenas as despesas

liquidadas e, no encerramento do exercício, são consideradas despesas

executadas as despesas liquidadas e as inscritas em restos a pagar não-

processados.

No encerramento do exercício, as despesas com ações e serviços públicos de

saúde inscritas em Restos a Pagar poderão ser consideradas para fins de

apuração dos percentuais de aplicação estabelecidos na Constituição, desde

que haja disponibilidade financeira vinculada à saúde.

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No ano de 2014, a Unidade Técnica do TCE apurou um saldo

negativo na ordem de R$ 1.492.774.810,30 na conta do Tesouro Estadual (nº

4204.02355)

A tabela em epígrafe mostra a gravidade da situação das finanças

públicas estaduais, observadas especificamente no Poder Executivo, com flagrante

descumprimento do artigo 42 da Lei de Responsabilidade Fiscal – LC nº 101/2000. A

coluna contendo a disponibilidade de caixa líquida só não considera as inscrições de

restos a pagar não processados do exercício de 2014. Portanto, essa coluna deve

evidenciar os recursos públicos que o ente deveria ter em caixa para honrar seus

compromissos assumidos, exceto as obrigações provenientes de inscrições de restos a

pagar não processados do exercício de 2014.

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62

Todavia, percebe-se que em 31/12/2014 faltavam cerca de R$ 317

milhões ao Poder Executivo para o pagamento de suas obrigações. Por conseguinte,

isso mostra, por meio de números, o que já existe no cotidiano da administração

estadual: falta de recursos para cumprir com os compromissos. Por outro lado,

pontua-se que o déficit financeiro tão somente do Poder Executivo, alcança a cifra de

R$ 786 milhões, caso se considere nas disponibilidades a inscrição dos restos a pagar

não processados do exercício de 2014.

Por todo o exposto, é notório que os desmandos do Governador

resultariam no colapso do orçamento público e, consequentemente, no

descumprimento das vinculações constitucionais.

Na pasta da saúde, considera-se descumpridas as vinculações

constitucionais nos anos de 2011, 2014, 2015, 2016 e 2017, no valor total de R$

555.630.390,00 (quinhentos e cinquenta e cinco milhões, seiscentos e trinta mil,

trezentos e noventa reais).

Não se pode olvidar, também, que este Parquet ajuizou Ação Civil

Pública por Ato de Improbidade Administrativa em desfavor do mesmo demandado,

ex-Governador MARCONI FERREIRA PERILLO JÚNIOR, pelo descumprimento da

vinculação constitucional, na ordem de R$ 2.182.345.466,70 (dois bilhões, cento e

noventa e dois milhões, trezentos e quarenta e cinco mil, quatrocentos e sessenta e

seis reais e setenta centavos), na manutenção e desenvolvimento do ensino público.

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63

Destaca-se que o caso em tela se trata de um direito fundamental

social, ao qual o Constituinte conferiu peso em abstrato mais elevado, se comparado

aos demais direitos fundamentais, em virtude do tratamento mais detalhado e

rigoroso que o dispensou. O direito fundamental à saúde, justamente por ser aquele

responsável pela manutenção da vida em seu sentido mais primário, é o que

encontra maior proximidade com a dignidade humana, princípio fundamental e

pedra angular do nosso Estado Democrático de Direito.

É evidente que as ilicitudes aqui narradas redundou na atual

situação do serviço público de saúde no Estado de Goiás. A imprensa tem noticiado a

ausência de repasses dos recursos públicos às Organizações Sociais que gerem parte

das unidades de saúde do Estado10. Cita-se como exemplo a matéria publicada no

jornal O Popular, aos 17/10/2018, onde é noticiado que “a dívida do governo estadual

com as organizações sociais (OSs) que administram 17 unidades de saúde em Goiás é de R$

283,2 milhões”.

Em outra matéria, a imprensa noticiou que o Instituto Gerir,

responsável pela gestão do Hospital de Urgências de Goiânia – HUGO e do Hospital

de Urgências de Trindade – HUTRIN, pediu a rescisão do contrato dos contratos de

gestão firmados com a Secretaria Estadual de Saúde, “devido aos atrasos recorrentes de

10 https://www.opopular.com.br/editorias/cidades/d%C3%ADvidas-com-oss-da-sa%C3%BAde-

somam-283-milh%C3%B5es-1.1642354

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78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público

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pagamento e déficits constantes, que resultam em falta de recursos materiais e humanos para

que a organização social continue prestando o trabalho de excelência”11.

Ressalta-se que, recentemente, o Ministério do Trabalho determinou

que o HUGO não recebesse novos pacientes devido à falta de medicamentos e

insumos12.

O Ministério Público Federal – MPF, por sua vez, ajuizou Ação Civil

Pública13 em face da União e do Estado de Goiás para que fosse bloqueado o valor de

R$ 27.589.000,00 (vinte e sete milhões e quinhentos e oitenta e nove mil reais),

referente ao déficit do Estado para com o HUGO até o dia 25/09/2018.

O MPF ressaltou que, em audiência realizada com representantes do

hospital, deste Ministério Público, do Conselho Regional de Farmácia – CRF, da

Secretaria de Estado da Saúde – SES, da OAB/GO e do Ministério do Trabalho, foi

noticiado que “a SES realizara os empenhos das despesas, mas cabe a Secretaria de Fazenda

do Estado proceder a liquidação e pagamento, ainda pendentes” (pg. 8 – Doc. 13).

Por todo o exposto, é nítido o descumprimento à legalidade e à

moralidade pelo requerido MARCONI FERREIRA PERILLO JÚNIOR, ante o

11 https://g1.globo.com/go/goias/noticia/2018/10/26/organizacao-social-responsavel-pela-gestao-do-

hugo-e-do-hutrin-pede-a-secretaria-de-saude-a-rescisao-dos-contratos.ghtml 12 https://g1.globo.com/go/goias/noticia/2018/10/12/ministerio-do-trabalho-determina-que-hugo-nao-

receba-novos-pacientes-devido-a-falta-de-insumos-em-goiania.ghtml 13 http://www.mpf.mp.br/go/sala-de-imprensa/docs/not2321-ACP%20Hugo.pdf

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78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público

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descumprimento de recomendações e de dispositivos legais e constitucionais que

resultaram em um verdadeiro colapso nas contas públicas e na prestação dos

serviços de saúde no Estado. Conforme se demonstrará, essas violações configuram

atos de improbidade administrativa.

II.1) DA PRÁTICA DE ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

Inobstante a clareza normativa e doutrinária a respeito da temática, o

Poder Executivo do Estado de Goiás, em contrariedade a comandos normativos

vigentes, não repassou, na quantidade e forma devidas, os valores mínimos para as

ações e serviços públicos de saúde nos exercícios de 2011, 2014, 2015, 2016 e 2017,

conforme se comprova pela análise dos elementos probatórios colhidos no curso das

investigações.

Tal conduta do ex-Governador MARCONI FERREIRA PERILLO

JÚNIOR tem agravado a situação da saúde pública no Estado, mormente pela

frequente falta de medicamentos e insumos em afronta à preservação da dignidade

da pessoa humana, da vida e da saúde dos cidadãos goianos. Deixou o gestor de

atender a um dever republicano, ao qual se encontrava vinculado, em razão da sua

inarredável obrigação de executar escorreitamente os comandos insertos na

Constituição Federal e na legislação correlata.

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O descumprimento dos mínimos constitucionais é resultado de uma

gestão irresponsável, que maquiou as contas públicas para esconder os verdadeiros

números do orçamento estadual.

O somatório de várias irregularidades (omissão do saldo negativo do

Tesouro Estadual na Conta Centralizadora; apropriação dos rendimentos da Conta

Centralizadora; inscrição de restos a pagar não processados sem disponibilidade de

caixa; despesas com inativos e pensionistas e disponibilidade de caixa considerados

como aplicação na saúde...) redunda no descumprimento das vinculações

constitucionais na saúde.

Pode-se dizer, seguramente, que o requerido agiu com dolo, tendo

em vista que, desde o exercício de 2011, tem sido recomendado a regularizar tais

situações pelo TCE/GO.

Para relembrar, no exercício de 2011, a Corte de Contas determinou

“a recomposição dos mínimos constitucionais de Educação, Ciência e Tecnologia e Saúde até

o fim do exercício de 2012, fazendo a glosa dos empenhos indicados nas contas do exercício

de 2012”, bem como a “criação de controle específico para acompanhamento de

possíveis saldos negativos nas contas que compõem a centralizadora estadual e

demais contas do Estado”. (pg. 13 – Doc. 1.1).

Observada a maquiagem contábil, no exercício de 2012 o Tribunal de

Contas recomendou ao Governador que “[demonstrasse] o impacto causado pelo

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78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público

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saldo negativo da conta do Tesouro Estadual (4204.02355), levando o respectivo valor

aos cálculos dos demonstrativos que compõem os Relatórios Resumidos de Execução

Orçamentária e de Gestão Fiscal, bem como às disponibilidades apresentadas no Balanço

Geral do Estado, por meio de notas explicativas” (pg. 4 – Doc. 2.2).

Não obstante, o Governo continuou a maquiar as contas públicas, o

que ensejou, no exercício de 2013, nova recomendação para que fosse “[demonstrado]

o impacto causado pelo saldo negativo da conta do Tesouro Estadual (4204.02355),

levando o respectivo valor aos cálculos dos demonstrativos que compõem os Relatórios

Resumidos de Execução Orçamentária e de Gestão Fiscal, bem como às disponibilidades

apresentadas no Balanço Geral do Estado, por meio de notas explicativas” (pg. 4 – Doc. 3.2).

Novamente, no exercício de 2014, a Unidade Técnica do TCE/GO

sugeriu ao Conselheiro Relator que determinasse ao Governo de Goiás que

“[demonstrasse] o impacto causado pelo saldo negativo da conta do Tesouro Estadual

(4204.02355), levando o respectivo valor aos cálculos dos demonstrativos que compõem os

Relatórios Resumidos de Execução Orçamentária e de Gestão Fiscal, bem como às

disponibilidades apresentadas no Balanço Geral do Estado, por meio de notas explicativas”

(pg. 172 – Doc. 4).

O Tribunal Pleno, então, emitiu “Parecer Prévio favorável à aprovação

das contas referentes ao exercício financeiro de 2014, com ressalva quanto ao déficit da Conta

Centralizadora do Estado” (pg. 2 – Doc. 4.2).

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78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público

68

No exercício de 2015, o TCE recomendou “[realização] a contabilização

e distribuição de forma tempestiva dos rendimentos auferidos pela Conta Centralizadora, bem

como reconhecer um passivo do Tesouro Estadual com os demais órgãos e cheques que tiveram

recursos centralizados e não receberam as devidas receitas de juros proporcionais ao saldo

gerencial aplicado desde a criação da conta” (pg. 2 – Doc. 5.2).

Com o agravamento ano a ano da situação financeira do Estado, o

TCE determinou, no julgamento das contas de 2016, que o governo “[realizasse] as

baixas nos saldos remanescentes da conta centralizadora e reduzir o saldo negativo do Tesouro

junto à centralizadora apresentado ao final de 2016, eliminando-o gradativamente, até o final

do exercício de 2020”, bem como “[recompusesse] os valores acumulados como saldo

negativo junto a Conta única” e ”[realizasse] a emissão de ordens de pagamento

extraorçamentários, somente em casos de disponibilidade de recursos financeiros” (pg. 2/3 –

Doc. 6.2).

Por fim, no Parecer Prévio relativo às contas de 2017, o Tribunal de

Contas fez as seguintes determinações (pg. 3 – Doc. 7.2):

5. Conta Centralizadora e Conta Única:

5.1. Promover a efetiva extinção do saldo negativo do Tesouro Estadual

junto à Conta Única do Tesouro Estadual - CUTE, até o exercício de 2022,

adotando redução proporcional a cada exercício de no mínimo 20,00%.

6. Impacto no Cumprimento dos Índices Constitucionais:

6.1. Ausentar-se de efetuar Ordens de Pagamento Extraorçamentárias sem o

devido respaldo financeiro.

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78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público

69

Nesse deslinde, é notório que o Governador do Estado tinha

conhecimento da real situação orçamentária, ano a ano, e mesmo assim, de forma

livre e consciente, perpetuou a maquiagem das contas públicas e adotou postura

ímproba deliberada de descumprir as normas constitucionais e legais mencionadas,

ignorando os justos anseios dos cidadãos e incorrendo no que dispõe os artigos 10,

caput e inciso XI, e 11, caput e inciso II, da Lei nº 8.429/92.

II.1.1) DA VIOLAÇÃO DOLOSA AOS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO

PÚBLICA: ARTIGO 11, CAPUT E INCISO II DA LEI Nº 8.429/92

O artigo 11, caput e inciso II, da Lei de Improbidade Administrativa

dispõe o seguinte:

Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os

princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os

deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às

instituições, e notadamente:

[...]

II - retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício;

A Constituição Federal elencou, no caput do art. 37, os princípios da

legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência como os

norteadores do administrador público. Tais princípios, quando relegados, ensejam a

responsabilização por ato de improbidade administrativa. Com efeito, a conduta do

ex-Governador feriu frontalmente os postulados administrativos-constitucionais da

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78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público

70

moralidade, da legalidade e da eficiência, além de caracterizar violação ao dever de

lealdade às instituições.

O princípio da legalidade, em primeiro lugar, obriga que os agentes

públicos pautem suas condutas a partir dos exatos ditames constantes das normas

jurídicas que regulam a matéria em questão. Em outras palavras, ao gestor só é lícito

fazer o que determina a lei.

A doutrina de Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo14 (apud Celso

Antônio Bandeira de Mello), ensina que “o princípio da legalidade representa a

consagração da ideia de que a administração pública só pode ser exercida conforme a lei, sendo

a atividade administrativa, por conseguinte, sublegal e infralegal, devendo restringir-se à

expedição de comandos que assegurem a execução da lei”.

Conclui-se que, ao optar voluntariamente por não seguir o comando

normativo objetivo, de caráter inquestionavelmente vinculado, diante dos fatos

exaustivamente narrados, principalmente da Constituição da República e da Lei

Complementar nº 141/2012 (Lei de Responsabilidade Fiscal), o gestor incorreu

dolosamente na prática de ato de improbidade administrativa, promovendo a afronta

ao princípio e dever de legalidade, alçando, ainda, uma das modalidades expressas

no exemplificativo rol do artigo 11 da Lei nº 8.429/92, já que o referido ato de ofício

decorre de mandamentos normativos.

14 Direito administrativo descomplicado. P. 194

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78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público

71

Importante mencionar que a afronta à legalidade se deu em matéria

de direito fundamental à saúde, epicentro da ordem constitucional brasileira, já que

representa uma projeção da dignidade da pessoa humana, também princípio de

ordem constitucional.

Sobre o tema, traz-se à baila julgado do Ministro Celso de Mello:

“O direito à saúde - além de qualificar-se como direito fundamental que

assiste a todas as pessoas - representa consequência constitucional

indissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera

institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira,

não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena

de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento

inconstitucional. A INTERPRETAÇÃO DA NORMA PROGRAMÁTICA

NÃO PODE TRANSFORMÁ- LA EM PROMESSA

CONSTITUCIONAL INCONSEQÜENTE. - O caráter programático da

regra inscrita no art. 196 da Carta Política - que tem por destinatários todos

os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização

federativa do Estado brasileiro - não pode converter-se em promessa

constitucional inconsequente, sob pena de o Poder Público, fraudando

justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de

maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por

um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que

determina a própria Lei Fundamental do Estado. (...) (RE 271286 AgR,

Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em

12/09/2000, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJ 24-11-2000 PP-00101

EMENT VOL-02013-07 PP-01409).

A moralidade administrativa, por sua vez, foi ferida pelo atuar

censurável do Chefe do Executivo Estadual. O referido princípio prescreve ao

governante rigidez ética em sua conduta, pautando-se por valores concernentes à

honestidade, imparcialidade, probidade, além da persecução do justo e do bem

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72

coletivo, consignados, em grande parte, nas escolhas democráticas alocadas no

ordenamento jurídico, cuidando-se, portanto, de uma moral objetiva.

O princípio da moralidade “é um requisito de validade do ato

administrativo, e não de aspecto atinente ao mérito” (ALEXANDRINO; PAULO, 2016, p.

196). Dessa forma, a análise não se sujeita à oportunidade e conveniência, mas sim,

na legitimidade do ato.

Outrossim, a eficiência administrativa, “que se identifica com a noção de

‘administração gerencial’”15, restou violada pelo ex-Governador, haja vista a obrigação

que a Administração Pública tem de assegurar a maior efetividade na execução de

uma política pública.

Referente às políticas públicas de saúde, a Constituição Federal foi

efetiva em estabelecer, visando a economicidade orçamentária, estipular o mínimo

constitucional de 12% da arrecadação de determinados tributos em ações e serviços

públicos de saúde. Notadamente, o Governador rompeu com a economicidade ao

não aplicar o mínimo constitucional estabelecido pelo Constituinte. Violou, ainda, a

economicidade ao elevar a despesa pública de modo que não houvesse

disponibilidade orçamentária para suportar os empenhos emitidos.

15 Marcelo Alexandrino p. 212.

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73

Leciona a doutrinadora Odete Medauar16 o seguinte:

“O vocábulo liga-se à ideia de ação, para produzir resultado de modo rápido e

preciso. Associado à Administração Pública, o princípio da eficiência

determina que a Administração deve agir, de modo rápido e preciso,

para produzir resultados que satisfaçam as necessidades da

população. Eficiência contrapõe-se a lentidão, a descaso, a negligência, a

omissão – características habituais da Administração Pública brasileira, com

raras exceções”.

Por fim, o ex-Governador faltou com o dever de lealdade às

instituições, nos termos do art. 11, caput, do mesmo diploma legal. Lealdade é o

respeito aos princípios e regras que norteiam a probidade, pelo que, quando aplicada

ao setor público, implica necessariamente em adoção de opções que sejam conforme

os fins institucionais dos entes aos quais o agente está vinculado, que busquem

atender os objetivos do bem comum e do interesse público.

Significa dizer que a lealdade se confirma na gestão ética da coisa

pública, a partir de condutas que estejam alinhadas ao bem comum e às exigências

normativas.

Nesse contexto, o Superior Tribunal de Justiça – STJ já declarou que o

descumprimento de normas legais e constitucionais que fixam um percentual

mínimo de destinação de receita configura improbidade administrativa, veja-se:

16 Direito Administrativo Moderno. 8. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 151.

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ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL.

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. NÃO

DESTINAÇÃO DO PERCENTUAL MÍNIMO DE RECEITA DE

IMPOSTOS NA MANUTENÇÃO E DESENVOLVIMENTO DO

ENSINO. ART. 212 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. CONDUTA

COMISSIVA POR OMISSÃO, CUJA AUSÊNCIA DO ELEMENTO

SUBJETIVO COMPETE AO ADMINISTRADOR PÚBLICO.

PROPORCIONALIDADE DAS SANÇÕES APLICADAS.

1. Recurso especial no qual se discute a caracterização de ato ímprobo em

razão da não destinação de 25% das receitas provenientes de impostos na

manutenção e desenvolvimento do ensino, conforme determinação do art.

212 da Constituição Federal.

2. O administrador público, que não procede à correta gestão dos recursos

orçamentários destinados à educação, salvo prova em contrário, pratica

conduta omissiva dolosa, porquanto, embora saiba, com antecedência, em

razão de suas atribuições, que não será destinada a receita mínima à

manutenção e desenvolvimento do ensino, nada faz para que a determinação

constitucional fosse cumprida, respondendo, assim, pelo resultado porque

não fez nada para o impedir.

3. Caracterizado o ato ímprobo, verifica-se que não há desproporcionalidade

na aplicação das penas de suspensão de seus direitos políticos pelo prazo de 3

(três) anos e de pagamento de multa civil no valor equivalente a duas

remunerações percebidas como Prefeito do Município.

4. Recurso especial não provido.

(REsp 1195462/PR, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA

TURMA, julgado em 12/11/2013, DJe 21/11/2013)

Sobreleva-se que o demandado possuía pleno conhecimento dos

fatos e de suas respectivas consequências, em virtude de reiterados alertas feitos pelo

TCE/GO.

Dessa forma, ao contrariar, de modo deliberado, os preceitos legais e

constitucionais, violando os princípios da moralidade, da legalidade e da eficiência,

bem como o dever de lealdade às instituições, de forma dolosa, ferindo a dignidade

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78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público

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dos usuários do serviço público de saúde, o demandado incidiu nas restrições

contidas no art. 11, caput, e inciso II, da Lei de Improbidade, possibilitando a

aplicação das sanções do artigo 12, inciso III, da mesma norma.

I.1.2) DA APLICAÇÃO IRREGULAR DA VERBA PÚBLICA E DO PREJUÍZO AO

PATRIMÔNIO PÚBLICO PELA NÃO REALIZAÇÃO INTEGRAL DE POLÍTICA

DA SAÚDE: ART. 10, INCISO XI, DA LEI Nº 8.429/92

Não bastasse a violação ao disposto no art. 11, caput e inciso II, da

LIA, a malversação da verba pública configura violação ao art. 10, caput e inciso XI

da mesma norma, veja-se:

Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao

erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda

patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou

haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente:

[...]

XI - liberar verba pública sem a estrita observância das normas pertinentes

ou influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular;

O prejuízo ao erário advém dos atos e omissões do demandado que

proporcionaram o emprego irregular de verbas, passível de comprovação por meio

da notória constatação material de que, em decorrência da não aplicação do

percentual mínimo constitucional nos exercícios de 2011, 2014, 2015, 2016 e 2017, e

consequente alocação de tais verbas em despesas diversas, as políticas públicas

relacionadas às ações e serviços de saúde não foram plenamente atendidas,

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ocasionando graves transtornos aos direitos à vida, às saúde e às dignidade da

população goiana.

Por conseguinte, não se trata apenas de um prejuízo aferível em um

decréscimo patrimonial, como demonstrado exaustivamente nestes autos e noticiado

constantemente pela mídia, mas de dano à própria política pública que, por sua vez,

também integra o conceito superlativo de patrimônio público, insculpido na Lei nº

8.429/92, que perfaz com a conjugação dos aspectos material e imaterial, afinal,

entende-se por Patrimônio Público os bens, direitos e interesses valorados pela

coletividade e assentados no princípio republicano.

Dessa forma, deduz-se que a não aplicação do mínimo constitucional

nas ações e serviços públicos de saúde redunda, naturalmente, em aplicação em área

diversa da estabelecida. Ora, o fato de o Governo ter emitido Ordens de Pagamento

Extraorçamentária sem que houvesse disponibilidade de caixa, por consequência

lógica, significa que o valor que deveria estar vinculado havia sido empregado

irregularmente em outra área.

O Tribunal de Justiça do Estado do Paraná já enfrentou essa questão.

Na oportunidade, a Corte paranaense firmou o entendimento de que tal conduta

caracteriza desvio de finalidade e configura improbidade administrativa:

(...) 3) DIREITO ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.

INOBSERVÂNCIA DA APLICAÇÃO DO PERCENTUAL MÍNIMO

EM EDUCAÇÃO (ARTIGO 212, CF) E DESTINAÇÃO AOS

RECURSOS PÚBLICOS DO FUNDEF DIVERSA DAQUELA

PREVISTA EM LEI. VERBAS VINCULADAS. APLICAÇÃO EM

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ÁREAS DIVERSAS. OCORRÊNCIA DE DANO AO ERÁRIO.

CONDUTA DOLOSA. PRÁTICA DA CONDUTA TIPIFICADA NOS

ARTIGOS 11 E 10, INCISO XI, DA LEI Nº 8.429/1992. AÇÃO

IMPRESCRITÍVEL. RESSARCIMENTO DE VALORES. a) O Apelante

deixou de observar a aplicação do percentual mínimo em educação

segundo previsto no artigo 212, da Constituição Federal, bem como

restou incontroverso nos autos que o Apelante, quando era Prefeito

do Município de Faxinal, aplicou, com base em critérios pessoais,

parte dos recursos oriundos do FUNDEF no pagamento de

remuneração de profissionais alheios ao ensino fundamental público,

dando destinação aos recursos públicos diversa daquela prevista em

Lei. b) Trata-se de ato administrativo vinculado a aplicação dos

recursos destinados a educação (artigo 212, CF) e dos recursos

oriundos do FUNDEF no ensino fundamental público e na

valorização de seu magistério, não podendo o agente político, com

base em critérios pessoais, dar destinação diversa daquela prevista

expressamente em lei. c) Logo, a utilização de verba para fim diverso

daquele para o qual estava vinculada por Lei, implicou na prática

da conduta tipificada nos artigos 11, e, 10, inciso XI, da Lei nº

8.429/1992, caracterizando improbidade administrativa. d) É bem de

ver, ainda, que restou caracterizado o dolo na conduta do Apelante,

já que consciente e voluntariamente deixou de aplicar o percentual

mínimo em educação segundo previsto no artigo 212, da

Constituição Federal, bem como deu destinação diversa daquela

expressamente prevista em lei à parte dos recursos provenientes do

FUNDEF, ofendendo, assim, intencionalmente, o princípio da

legalidade. e) No caso, o prejuízo ao erário está caracterizado pelos

valores aplicados irregularmente, que comprometem o atendimento

dos objetivos do FUNDEF, acarretando prejuízos a grande parcela

da população, os quais devem ser ressarcidos ao Município, de

modo que venham a atender às finalidades específicas e vinculadas

para as quais foram previstos. (Relator vencido, nessa parte). f) Ou

seja, ainda que a verba tenha sido utilizada com outras despesas do

Município, deve ser recomposta à área para a qual foi

originariamente destinada. (...) [TJPR, Apelação Cível nº 800.798-1,

Rel. Des. Leonel Cunha, j. 13.12.2011].

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78

II.2) DO DANO MORAL DIFUSO E COLETIVO:

A previsão de responsabilização por danos morais coletivos encontra

guarida, dentre outros diplomas legais, na Lei Federal 7.347/85, in verbis:

Art. 1º Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular,

as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados:

(...)

IV - a qualquer outro interesse difuso ou coletivo.

(...)

VIII – ao patrimônio público e social.

Art. 3º A ação civil poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou o

cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer.

Além da expressa previsão legal, a doutrina advoga que “os valores da

coletividade não se confundem com os valores de cada um dos indivíduos que a compõem,

admitindo-se, assim, que um determinado fato possa abalar a imagem e a moral coletivas,

independentemente dos danos individualmente suportados”.17

Ademais, “o dano moral (lesão a direito personalíssimo) não se

confunde com a dor, com o abalo psicológico, com o sofrimento da vítima, sendo estes apenas

os efeitos da ofensa. Por isso é perfeitamente possível entender a proteção dos direitos da

personalidade para os direitos difusos e coletivos, a exemplo do que já é feito em relação às

pessoas jurídicas, passíveis de sofrerem dano moral”.18

17 ANDRADE, Adriano; MASSON, Cleber; ANDRADE, Landolfo. Interesses Difusos e Coletivos

Esquematizado. 3ª ed., São Paulo: Método, 2013, p. 435. 18 Ibidem, p. 436.

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78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público

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Com apoio nesse entendimento, o Superior Tribunal de Justiça,

por meio da 2ª Turma (direito público) e da 3ª Turma (direito privado) tem admitido

sistematicamente a possibilidade de responsabilização por dano moral coletivo, sua

função punitiva e a legitimidade do Ministério Público para pleiteá-la em sede de

ação civil pública. Confiram-se alguns precedentes:

ADMINISTRATIVO - TRANSPORTE - PASSE LIVRE - IDOSOS -

DANO MORAL COLETIVO - DESNECESSIDADE DE

COMPROVAÇÃO DA DOR E DE SOFRIMENTO – APLICAÇÃO

EXCLUSIVA AO DANO MORAL INDIVIDUAL –

CADASTRAMENTO DE IDOSOS PARA USUFRUTO DE DIREITO -

ILEGALIDADE DA EXIGÊNCIA PELA EMPRESA DE

TRANSPORTE - ART. 39, § 1º DO ESTATUTO DO IDOSO - LEI

10741/2003 VIAÇÃO NÃO PREQUESTIONADO.

1. O dano moral coletivo, assim entendido o que é transindividual e

atinge uma classe específica ou não de pessoas, é passível de

comprovação pela presença de prejuízo à imagem e à moral coletiva

dos indivíduos enquanto síntese das individualidades percebidas

como segmento, derivado de uma mesma relação jurídica-base.

2. O dano extrapatrimonial coletivo prescinde da comprovação de

dor, de sofrimento e de abalo psicológico, suscetíveis de apreciação

na esfera do indivíduo, mas inaplicável aos interesses difusos e

coletivos.

3. Na espécie, o dano coletivo apontado foi a submissão dos idosos a

procedimento de cadastramento para o gozo do benefício do passe

livre, cujo deslocamento foi custeado pelos interessados, quando o

Estatuto do Idoso, art. 39, § 1º exige apenas a apresentação de

documento de identidade.

4. Conduta da empresa de viação injurídica se considerado o sistema

normativo.

5. Afastada a sanção pecuniária pelo Tribunal que considerou as

circunstancias fáticas e probatória e restando sem prequestionamento

o Estatuto do Idoso, mantém-se a decisão.

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78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público

80

5. Recurso especial parcialmente provido.

(REsp 1057274/RS, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA

TURMA, julgado em 01/12/2009, DJe 26/02/2010)

RECURSO ESPECIAL - DANO MORAL COLETIVO - CABIMENTO -

ARTIGO 6º, VI, DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR -

REQUISITOS - RAZOÁVEL SIGNIFICÂNCIA E REPULSA SOCIAL -

OCORRÊNCIA, NA ESPÉCIE - CONSUMIDORES COM

DIFICULDADE DE LOCOMOÇÃO - EXIGÊNCIA DE SUBIR

LANCES DE ESCADAS PARA ATENDIMENTO – MEDIDA

DESPROPORCIONAL E DESGASTANTE - INDENIZAÇÃO -

FIXAÇÃO PROPORCIONAL - DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL

- AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO - RECURSO ESPECIAL

IMPROVIDO.

I - A dicção do artigo 6º, VI, do Código de Defesa do Consumidor é

clara ao possibilitar o cabimento de indenização por danos morais aos

consumidores, tanto de ordem individual quanto coletivamente.

II - Todavia, não é qualquer atentado aos interesses dos

consumidores que pode acarretar dano moral difuso. É preciso que o

fato transgressor seja de razoável significância e desborde os limites

da tolerabilidade. Ele deve ser grave o suficiente para produzir

verdadeiros sofrimentos, intranquilidade social e alterações

relevantes na ordem extrapatrimonial coletiva. Ocorrência, na

espécie.

III - Não é razoável submeter aqueles que já possuem dificuldades de

locomoção, seja pela idade, seja por deficiência física, ou por causa

transitória, à situação desgastante de subir lances de escadas, exatos

23 degraus, em agência bancária que possui plena capacidade e

condições de propiciar melhor forma de atendimento a tais

consumidores.

IV - Indenização moral coletiva fixada de forma proporcional e

razoável ao dano, no importe de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais).

V - Impõe-se reconhecer que não se admite recurso especial pela

alínea "c" quando ausente a demonstração, pelo recorrente, das

circunstâncias que identifiquem os casos confrontados.

VI - Recurso especial improvido.

(REsp 1221756/RJ, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA

TURMA, julgado em 02/02/2012, DJe 10/02/2012)

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78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público

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Na esteira do entendimento ora defendido, a Escola Nacional de

Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados – ENFAM, sob a batuta da então

Ministra do STJ Eliana Calmon, editou os seguintes enunciados sobre improbidade

administrativa e dano moral coletivo:

Enunciado n.º 16 (TJPB/ESMA – agosto de 2013): “O ato de

improbidade pode gerar dano moral coletivo quando configurada a

razoável significância a produzir sentimento de intranquilidade e

repúdio social, os quais ultrapassam a mera insatisfação com a

atividade administrativa.”

Enunciado n.º 8 (TJBA/Unicorp, Ilhéus – setembro de 2013): “É

cabível a condenação em dano moral coletivo, ainda que não exista

pedido expresso na inicial, desde que exposto como causa de pedir,

face a mitigação do princípio da adstrição nas ações de improbidade

administrativa.”

Enunciado n.º 5 (TJBA/Unicorp, Juazeiro – setembro de 2013): “O ato

de improbidade pode gerar dano moral coletivo cujo valor deverá ser

estimado e acrescido ao valor do ressarcimento do dano material, se

houver.”

Enunciado n.º 16 (TRF1/Esmaf – novembro de 2013): “A

compensação pelo dano moral coletivo não integra a sanção de

ressarcimento integral prevista no art. 12 da Lei 8429/92. Pode,

contudo, haver cumulação dos pedidos típicos da ação de

improbidade administrativa com o pedido de compensação pelo

dano moral coletivo, cujo valor será destinado ao fundo previsto na

Lei 7347/85.”

Importante frisar que há forte tendência no STJ e na doutrina em

eleger dois requisitos para a configuração do dano moral coletivo: a) razoável

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78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público

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significância do fato transgressor e b) repulsa social. In casu, esses requisitos estão

presentes, senão veja-se:

A significância do fato transgressor está presente, porquanto os atos

de improbidade administrativa imputados ao Requerido MARCONI PERILLO se

desenrolaram por anos a fio, acarretando um prejuízo à saúde do ESTADO DE

GOIÁS, com a não aplicação suficiente de receitas, no importe de R$ 555.630.390,00

(quinhentos e cinquenta e cinco milhões, seiscentos e trinta mil, trezentos e noventa

reais).

A repulsa social também é evidente, pois toda sociedade goiana está

chocada com os “rombos” nas contas públicas, o que só foi chegado ao conhecimento

de todos após o Requerido deixar o Governo, a partir de abril/2018.

Nesse passo, requer a condenação do Requerido MARCONI

FERREIRA PERILLO JÚNIOR ao pagamento de 10 (dez) vezes o valor de sua última

remuneração como Governador do Estado de Goiás, a título de danos morais

coletivos, totalizando o montante de R$ 250.520,00 (10x 25.052,00).

Por fim, os valores devem ser recolhidos ao fundo a que alude o art.

13 da Lei nº 7.347/85.

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78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público

83

III – DA TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA

Para concretização de parte da providência jurisdicional pedida,

calcada no art. 5º da Lei Federal 8.429/1992, afigura-se imperiosa a concessão de

tutela provisória de urgência consistente no bloqueio de bens dos réus, forte no que

dispõem o art. 37, § 4º, da Constituição Federal, art. 7º da Lei 8.429/1992 c/c arts. 294,

caput, 297, e 300, do CPC/2015.

É preciso ter presente que a decretação de indisponibilidade de bens

inaudita altera pars em Ações de Improbidade Administrativa não viola o art. 17, § 7º,

da Lei 8.429/1992, podendo ser deferida antes mesmo da notificação prévia. Eis o

entendimento, pacífico, do Superior Tribunal de Justiça:

ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA.

INDISPONIBILIDADE DE BENS. DEFERIMENTO SEM AUDIÊNCIA

DA PARTE ADVERSA. POSSIBILIDADE. MEDIDA

ACAUTELATÓRIA.

1. É pacífico nesta Corte Superior o entendimento segundo o qual, ante sua

natureza acautelatória, a medida de indisponibilidade de bens em ação

de improbidade administrativa pode ser deferida sem audiência da

parte adversa e, portanto, antes da notificação a que se refere o art.

17, § 7º, da Lei n. 8.429/92. Precedentes.

2. Recurso especial provido.

(REsp 862.679/PR, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES,

SEGUNDA TURMA, julgado em 02/09/2010, DJe 04/10/2010)

Por outro lado, é cediço que as medidas antecipatórias, em regra,

exigem, para a sua concessão, o cumprimento de dois requisitos: o fumus boni iuris

(plausibilidade do direito alegado) e o periculum in mora (fundado receio de que a

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78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público

84

outra parte, antes do julgamento da lide, cause ao seu direito lesão grave ou de difícil

reparação).

O fumus boni iuris se encontra presente, notadamente nos fatos e

fundamentos jurídicos esgrimidos nesta petição inicial, que demonstram de forma

cristalina que o Requerido MARCONI PERILLO descumpriu reiteradamente a

determinação constitucional de aplicar percentual mínimo de recursos na saúde, o

que certamente causou prejuízos irreparáveis à população goiana, principalmente

aos menos favorecidos, que utilizam o sistema público de saúde.

Ressalte-se que o setor técnico responsável em analisar as contas do

governador apontou que desde o ano de 2011 o Requerido MARCONI PERILLO tem

“maquiado” as contas do Estado deixando de aplicar R$ 555.630.390,00 para atingir o

mínimo de recursos na saúde.

No caso da medida de indisponibilidade de bens, prevista no art. 7º

da Lei 8.429/1992, o periculum in mora é oriundo da gravidade dos fatos e do

montante do prejuízo causado que atinge toda a coletividade.

Releva observar que para o deferimento da indisponibilidade de

bens em Ações de Improbidade Administrativa não é preciso demonstrar que os

Requeridos estejam dilapidando seu patrimônio ou na iminência de fazê-lo, uma vez

que o periculum in mora encontra-se implícito no art. 37, § 4º, da Constituição

Federal e no art. 7º da Lei 8.429/1992.

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85

Depois de muitos julgados, o Superior Tribunal de Justiça,

conforme noticiado no Informativo STJ n.º 547, de 8 de outubro de 2014, por meio de

sua PRIMEIRA SEÇÃO, que congrega as duas Turmas de Direito Público da Corte,

em processo submetido ao rito dos recursos repetitivos (art. 543-C, CPC/1973 e art.

1.036 e ss do CPC/2015), pacificou o tema em aresto paradigmático, in verbis:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL

REPETITIVO. APLICAÇÃO DO PROCEDIMENTO PREVISTO NO

ART. 543-C DO CPC. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE

ADMINISTRATIVA. CAUTELAR DE INDISPONIBILIDADE DOS

BENS DO PROMOVIDO. DECRETAÇÃO. REQUISITOS. EXEGESE

DO ART. 7º DA LEI N. 8.429/1992, QUANTO AO PERICULUM IN

MORA PRESUMIDO. MATÉRIA PACIFICADA PELA COLENDA

PRIMEIRA SEÇÃO.

1. Tratam os autos de ação civil pública promovida pelo Ministério Público

Federal contra o ora recorrido, em virtude de imputação de atos de

improbidade administrativa (Lei n. 8.429/1992).

2. Em questão está a exegese do art. 7º da Lei n. 8.429/1992 e a possibilidade

de o juízo decretar, cautelarmente, a indisponibilidade de bens do demandado

quando presentes fortes indícios de responsabilidade pela prática de ato

ímprobo que cause dano ao Erário.

3. A respeito do tema, a Colenda Primeira Seção deste Superior Tribunal de

Justiça, ao julgar o Recurso Especial 1.319.515/ES, de relatoria do em.

Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Relator para acórdão Ministro Mauro

Campbell Marques (DJe 21/9/2012), reafirmou o entendimento consagrado

em diversos precedentes (Recurso Especial 1.256.232/MG, Rel. Ministra

Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 19/9/2013, DJe 26/9/2013;

Recurso Especial 1.343.371/AM, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda

Turma, julgado em 18/4/2013, DJe 10/5/2013; Agravo Regimental no

Agravo no Recurso Especial 197.901/DF, Rel. Ministro Teori Albino

Zavascki, Primeira Turma, julgado em 28/8/2012, DJe 6/9/2012; Agravo

Regimental no Agravo no Recurso Especial 20.853/SP, Rel. Ministro

Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 21/6/2012, DJe 29/6/2012;

e Recurso Especial 1.190.846/PI, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda

Turma, julgado em 16/12/2010, DJe 10/2/2011) de que, "(...) no comando do

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art. 7º da Lei 8.429/1992, verifica-se que a indisponibilidade dos bens é

cabível quando o julgador entender presentes fortes indícios de

responsabilidade na prática de ato de improbidade que cause dano ao Erário,

estando o periculum in mora implícito no referido dispositivo, atendendo

determinação contida no art. 37, § 4º, da Constituição, segundo a qual 'os

atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos

políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o

ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo

da ação penal cabível'. O periculum in mora, em verdade, milita em favor da

sociedade, representada pelo requerente da medida de bloqueio de bens,

porquanto esta Corte Superior já apontou pelo entendimento segundo o qual,

em casos de indisponibilidade patrimonial por imputação de conduta

ímproba lesiva ao erário, esse requisito é implícito ao comando normativo do

art. 7º da Lei n. 8.429/92. Assim, a Lei de Improbidade Administrativa,

diante dos velozes tráfegos, ocultamento ou dilapidação patrimoniais,

possibilitados por instrumentos tecnológicos de comunicação de dados que

tornaria irreversível o ressarcimento ao erário e devolução do produto do

enriquecimento ilícito por prática de ato ímprobo, buscou dar efetividade à

norma afastando o requisito da demonstração do periculum in mora (art. 823

do CPC), este, intrínseco a toda medida cautelar sumária (art. 789 do CPC),

admitindo que tal requisito seja presumido à preambular garantia de

recuperação do patrimônio do público, da coletividade, bem assim do

acréscimo patrimonial ilegalmente auferido".

4. Note-se que a compreensão acima foi confirmada pela referida Seção, por

ocasião do julgamento do Agravo Regimental nos Embargos de Divergência

no Recurso Especial 1.315.092/RJ, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques,

DJe 7/6/2013.

5. Portanto, a medida cautelar em exame, própria das ações regidas

pela Lei de Improbidade Administrativa, não está condicionada à

comprovação de que o réu esteja dilapidando seu patrimônio, ou na

iminência de fazê-lo, tendo em vista que o periculum in mora

encontra-se implícito no comando legal que rege, de forma peculiar, o

sistema de cautelaridade na ação de improbidade administrativa,

sendo possível ao juízo que preside a referida ação,

fundamentadamente, decretar a indisponibilidade de bens do

demandado, quando presentes fortes indícios da prática de atos de

improbidade administrativa.

6. Recursos especiais providos, a que restabelecida a decisão de primeiro

grau, que determinou a indisponibilidade dos bens dos promovidos.

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7. Acórdão sujeito ao regime do art. 543-C do CPC e do art. 8º da Resolução

n. 8/2008/STJ.

(REsp 1366721/BA, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO,

Rel. p/ Acórdão Ministro OG FERNANDES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado

em 26/02/2014, DJe 19/09/2014).

O Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, por diversas vezes, foi

provocado quanto ao tema e, bem por isso, já consolidou seu entendimento através

de todas as Câmaras Cíveis. Confira-se: AI 130178-60.2013.8.09.0000, Rel. Des. Luiz

Eduardo Sousa, 1ª CÂMARA CÍVEL, julgado em 17.09.2013 e publicado em

26.09.2013; AI 139597-36.2015.8.09.0000, Rel. Des. Carlos Alberto França, 2ª

CÂMARA CÍVEL, julgado em 26/05/2015, DJe 1796 de 03/06/2015; AI 386988-

76.2010.8.09.0000, Rel. Des. Floriano Gomes, 3ª CÂMARA CÍVEL, julgado em

15.05.2012 e publicado em 29.05.2012; AI 381408-31.2011.8.09.0000, Rel. Des. Kisleu

Dias Maciel Filho, 4ª CÂMARA CÍVEL, julgado em 09.02.2012 e publicado em

07.03.2012; AI 35215-94.2012.8.09.0000, Rel. Des. Alan S. de Sena Conceição, 5ª

CÂMARA CÍVEL, julgado em 25.10.2012 e publicado em 28.11.2012; AI 352511-

90.2011.8.09.0000, Rel. Des. Camargo Neto, 6ª CÂMARA CÍVEL, julgado em

08.05.2012 e publicado em 25.05.2012.

Todavia, é cediço que a indisponibilidade de bens deve recair sobre

o patrimônio de modo suficiente não só a garantir a integral reparação do dano –

material e moral –, mas também, considerando o valor de possível multa civil como

sanção autônoma. Bem por isso, devem ser bloqueados tantos bens quantos forem

bastantes para dar cabo da execução em caso de procedência da ação.

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No caso ora em análise, pela gravidade da conduta do Requerido, a

multa civil a ser aplicada deverá alcançar o seu patamar máximo, a fim de atender

ao seu caráter retributivo e preventivo. Assim, considerando o art. 12, caput, III, da

Lei nº 8.429/1992, está o Requerido MARCONI PERILLO sujeito, dentre as demais

cominações estabelecidas por lei, ao pagamento de multa civil de 100 (cem) vezes o

valor da última remuneração.

O Superior Tribunal de Justiça possui entendimento consolidado nas

duas Turmas de Direito Público de que, dado o caráter assecuratório da medida de

indisponibilidade de bens prevista no art. 7º da Lei nº 8.429/1992, o bloqueio de bens

deve levar em consideração tanto os valores a título de enriquecimento ilícito e dano

causado quanto o valor de possível multa civil como sanção autônoma:

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL

NO RECURSO ESPECIAL. ARGUMENTOS INSUFICIENTES PARA

DESCONSTITUIR A DECISÃO ATACADA. EXEGESE DO ART. 7º

DA LEI N. 8.429/92. DECRETAÇÃO DE INDISPONIBILIDADE OU

BLOQUEIO DE BENS PELO JUÍZO. POSSIBILIDADE. PRESENÇA

DE FORTES INDÍCIOS DE RESPONSABILIDADE PELA PRÁTICA

DE ATO ÍMPROBO QUE CAUSE LESÃO AO PATRIMÔNIO

PÚBLICO OU IMPORTE EM ENRIQUECIMENTO ILÍCITO.

NECESSIDADE. COMPROVAÇÃO DE DILAPIDAÇÃO DE

PATRIMÔNIO OU SUA IMINÊNCIA. NÃO OBRIGATORIEDADE.

CARÁTER ASSECURATÓRIO. INDISPONIBILIDADE DE BENS QUE

RECAI SOBRE O PATRIMÔNIO DOS AGENTES, AINDA QUE

ADQUIRIDOS ANTERIORMENTE À PRÁTICA DO SUPOSTO ATO.

ACÓRDÃO EM CONFRONTO COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA

CORTE. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.

I - O acórdão recorrido está em confronto com o entendimento desta Corte,

no sentido de que o juízo pode decretar, fundamentadamente, a

indisponibilidade ou bloqueio de bens do indiciado ou demandado, quando

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presentes fortes indícios de responsabilidade pela prática de ato ímprobo que

cause lesão ao patrimônio público ou importe enriquecimento ilícito,

prescindindo da comprovação de dilapidação de patrimônio, ou sua

iminência.

II - Ademais, dado seu caráter assecuratório, a indisponibilidade de bens

deve recair sobre o patrimônio dos agentes, ainda que adquiridos

anteriormente à prática do suposto ato de improbidade, de modo

suficiente a garantir o integral ressarcimento de eventual prejuízo ao

Erário, levando-se em consideração, ainda, o valor de possível multa

civil aplicada como sanção autônoma.

III - Os Agravantes não apresentam, no regimental, argumentos suficientes

para desconstituir a decisão agravada.

IV - Agravo Regimental improvido.

(AgRg no REsp 1383196/AM, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA,

PRIMEIRA TURMA, julgado em 27/10/2015, DJe 10/11/2015)

O Tribunal de Justiça do Estado de Goiás perfilha o mesmo

entendimento do STJ, verbis:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO

CIVIL PÚBLICA POR SUPOSTOS ATOS DE IMPROBIDADE

ADMINISTRATIVA. RECURSO SECUNDUM EVENTUM LITIS.

INDISPONIBILIDADE DE BENS. LIMINAR INDEFERIDA NO

JUÍZO A QUO. CONTRATO DE TRANSPORTE. PRORROGAÇÃO

DA AVENÇA POR MEIO DE ADITIVO. MAJORAÇÃO DO VALOR

PREVIAMENTE CONTRATADO. PRESENÇA DOS REQUISITOS

LEGAIS. CONCESSÃO INAUDITA ALTERA PARTE. ARTIGO 12 DA

LEI Nº 7.347/85. INDÍCIOS DA PRÁTICA DE ATO ÍMPROBO.

DECISÃO REFORMADA. RECURSO AO QUAL SE DEU

PROVIMENTO, NOS TERMOS DO ARTIGO 557, § 1º-A, DO CÓDEX

PROCESSUAL. COMANDO JUDICIAL EM OBEDIÊNCIA À

LEGISLAÇÃO APLICÁVEL NA ESPÉCIE. AUSÊNCIA DE

ARGUMENTOS PLAUSÍVEIS CAPAZES DE ALTERAR O

JULGAMENTO.

I - A confirmação do decisum invectivado é medida que se impõe, mormente

porque a recorrente deixou de carrear argumentos plausíveis capazes de

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78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público

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alterar o julgamento já proferido no caderno processual. Premissas

equivocadas por parte da agravante.

II - O Superior Tribunal de Justiça, ao interpretar o artigo 7º,

parágrafo único, da Lei nº 8.429/92, tem entendido que a decretação

de indisponibilidade de bens deve incidir sobre quantos bens se façam

necessários ao integral ressarcimento do dano, levando-se em conta,

ainda, o potencial valor de multa civil. AGRAVO REGIMENTAL

CONHECIDO E DESPROVIDO.

(TJGO, AGRAVO DE INSTRUMENTO 366880-21.2013.8.09.0000, Rel.

DES. FAUSTO MOREIRA DINIZ, 6ª CÂMARA CÍVEL, julgado em

19/01/2016, DJe 1958 de 28/01/2016) (Grifou-se)

Assim, com apoio na melhor doutrina e na jurisprudência, e presente

a verossimilhança das alegações do Ministério Público, a determinação de bloqueio

de bens do Requerido MARCONI FERREIRA PERILLO JÚNIOR se impõe,

porquanto constatada a presença do fumus boni iuris e do periculum in mora. Os bens

e/ou valores a serem indisponibilizados são:

Réu Valor a título de dano ao erário

Valor a título de dano moral

coletivo

Valor a título de multa civil

Total

Marconi Ferreira Perillo Júnior

R$ 555.630.390,00

R$ 250.520,00 (10x 25.052,00).

R$ 2.505.200,00 R$ 558.386.110,00

A indisponibilidade deve se dar em contas bancárias e/ou aplicações

financeiras do Requerido, sendo as constrições realizadas por meio do sistema

BacenJud 2.0, porquanto possível o uso da penhora on-line de forma acautelatória e

não somente na fase de execução/cumprimento de sentença, o que inegavelmente

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geraria efetividade ao processo, evitando-se a dilapidação do patrimônio dos réus e

garantindo-se o perdimento de bens em favor do Estado de Goiás ao final da ação.

Frise-se que o art. 835, I, do CPC/2015 dispõe que a penhora recairá

preferencialmente sobre o dinheiro, em espécie ou em depósito ou aplicação em

instituição financeira, sendo desnecessário buscar outros bens antes de se efetuar o

bloqueio via BacenJud, conforme restou definido pela Corte Especial do Superior

Tribunal de Justiça ao julgar o REsp 1.112.943/MA, Rel. Ministra NANCY

ANDRIGHI, julgado em 15/09/2010, DJe 23/11/2010 (Informativo STJ n.º 447, de 13 a 17

de setembro de 2010).

É necessário registrar que o bloqueio de bens aqui pleiteado não se

afigura como antecipação de aplicação de sanções ao Requerido, mas tão somente

meio de assegurar o resultado útil do processo, instaurado em defesa do patrimônio

público e dos princípios da Administração Pública.

IV – DOS PEDIDOS

Ante todo o exposto, o Ministério Público requer:

Em face do Requerido MARCONI FERREIRA PERILLO JÚNIOR:

1. o deferimento da tutela provisória inaudita altera pars, para

determinar o bloqueio de bens do Requerido MARCONI FERREIRA

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PERILLO JÚNIOR até o limite de R$ 558.386.110,00 (quinhentos e

cinquenta e oito milhões, trezentos e oitenta e seis mil e cento e dez

reais);

2. a notificação pessoal do requerido para, caso queira, oferecer

manifestação preliminar, nos termos do artigo 17, § 7º, da Lei

8.429/92;

3. o recebimento da inicial, nos termos do artigo 17, § 9º, da Lei nº

8.429/92, e posterior citação do requerido para, caso queira,

apresentar contestação;

4. a procedência do pedido, em todos os seus aspectos, para que seja o

requerido MARCONI FERREIRA PERILLO JÚNIOR condenado nas

penas do artigo 12, II e III, da Lei nº 8.429/92, pela prática de atos de

improbidade administrativa descritos no artigo 10, caput e XI, e

artigo 11, caput e inciso I, da mesma Lei;

4.1) o pagamento de R$ 555.630.390,00 a título de

reparação pelos danos causados ao erário;

4.2) o pagamento de R$ 2.505.200,00 a título multa civil,

correspondente a 100 vezes o valor da última

remuneração;

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4.3) o pagamento de R$ 250.520,00 (10x 25.052,00) a

título de dano moral coletivo e difuso

Em face do Requerido ESTADO DE GOIÁS:

5. seja o Estado de Goiás condenado na obrigação de não fazer,

consiste na proibição de inserir no cálculo da apuração de

investimento mínimo em ações e serviços públicos de saúde restos a

pagar não amparados por disponibilidade financeira no exercício de

inscrição;

Pedidos finais:

6. a condenação do Requerido ao pagamento das custas processuais;

7. a produção de todos os meios de provas admitidos em direito,

inclusive, a juntada de documentos contidos nos autos extrajudiciais

nº 201800248760 (Inquérito Civil Público nº 046/2018);

Atribui-se à causa o valor de R$ 558.386.110,00 (quinhentos e

cinquenta e oito milhões, trezentos e oitenta e seis mil e cento e dez reais).

Goiânia, 13 de novembro de 2018.

VILLIS MARRA

– Promotora de Justiça –