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    Universidade do Sul de Santa Catarina

    Para início de estudo

    A guerra da Tríplice Aliança contra Solano López ou Guerrado Paraguai foi um divisor de águas na história do Brasil e,particularmente, na história de suas instituições militares.Brasileiros de todos os rincões do território nacional, das “ilhas”do grande “arquipélago”, acorreram ao chamado do império ese dirigiram aos campos do Paraguai. Lá, lutaram e viveram,morreram, adoeceram, conviveram com a gente platina eguarani e se conheceram. De volta, foi custoso e demorado sereconhecerem, até porque não foram reconhecidos. A pátria nãoprecisava mais de seus soldados nem daqueles que se haviamtornado soldados.

    Mas a nação também já não era a mesma. A sociedade semobilizara, deixara adormecidas suas questões menores ecomemorara a vitória. Mas não sabia mais o que fazer com elamesma, com sua economia agroexportadora em declínio, comsua elite política inerte ou omissa e governos pífios, incapazes degerenciar com acerto as coisas do país. E o velho Imperador, jámais velho que imperador; uma princesa inteligente e enérgica,

    com um marido estrangeiro que, mesmo se mostrando umbom comandante no final da guerra, jamais soubera angariar asimpatia e a confiança dos brasileiros.

    As instituições militares relegadas ao abandono burocráticocomeçavam a sentir o que Camões dissera com propriedade –“Que um fraco rei faz fraca a forte gente”! Os velhos líderes queemprestavam sua fidelidade e prestígio à monarquia faleceram.As gerações seguintes já não tinham o carisma e as condições

    para sensibilizar seja a tropa em favor do trono, seja os governosem favor de seus soldados e marinheiros.

    E ainda havia a escravidão! Por quê? Se abolicionistas eram quasetodos, do imperador aos próprios escravos. Mas, propriedade eforça de trabalho, o escravo tornara-se a própria vida dos grandesfazendeiros, elite socioeconômica e sociopolítica em decadência.O Exército, que, havia muito tempo, se tornara a porta daliberdade para os negros e os mestiços escravos, não suportava

    mais a escravidão.

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    História Militar Brasileira II

    Unidade 1

    Veio a grande revolução: em um instante, de um só golpe, aPrincesa Regente faz a abolição da escravatura no Brasil. Deum só golpe, virou de pernas para o ar a ordem econômica e a

    ordem social vigente, particularmente na Corte e no seu entornoimediato.

    E a ordem política? Que ordem? A elite política já não era maispoderosa o suficiente para administrar o caos que se sucedeu. O vazio de poder que selou aquela incompetência de que já falamos,abriu caminho para a República.

     Tropeços e intrigas nos gabinetes de governo, boatos, açãoe inação no meio militar terminaram por fazer crescer omovimento sedicioso com o qual as tropas da corte, com oMarechal Deodoro à frente, derrubaram o gabinete Ouro Pretoe, com ele, a monarquia.

    Naquele dia 15 de novembro de 1889, inicia-se o

    período republicano, nascido de um golpe de estado,

    de fato um golpe militar, e, durante cem anos, ver-

    se-ão militares envolvidos na política partidária e

    administrativa do país, arrastando com eles, muitasvezes, as próprias instituições a que pertenciam.

    Mas, no trabalho silencioso das casernas, durante esses mesmoscem anos, prevalecerá sempre o compromisso do soldado paracom a nação, para com a sociedade a que serve. Por isso, serãocontidas revoltas; por isso, as instituições militares continuarãofiadoras da integridade territorial e imaterial do Brasil;

    continuarão a cumprir seu dever constitucional de garantia da leie da ordem; continuarão a ser parte indivisível do povo brasileiro.

    Venha conosco percorrer este caminho recente, sujeito ainda ainúmeras versões e interpretações históricas, sujeito a surpresasde fontes primárias que só agora vão-se tornando acessíveis aopesquisador isento e veraz. Os textos que ofereceremos não sãouma história militar brasileira. Constituem sínteses conclusivasde episódios militares importantes, os quais servirão para motivar

    a pesquisa, o estudo e a discussão que resultarão, sempre, em

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    uma nova história militar do Brasil. Sugerimos que você leia,na Midiateca, um roteiro que lhe facilitará o estudo da históriamilitar no período republicano.

    Seção 1 - As instituições militares brasileiras damonarquia à república

    Nilson Vieira Ferreira de Mello

    O Exército Brasileiro herdou, mais intensamente do que os dasdemais nações sul-americanas, a tradição militar europeia. O fatode a independência haver sido alcançada sem grande mobilizaçãopopular permitiu que se mantivesse aqui a organização militare a doutrina de emprego do Exército português. Nos outrospaíses do continente, ao contrário, lutas prolongadas para obtere consolidar a independência exigiram a participação de grandescontingentes de civis nas forças combatentes, democratizando-as

    de algum modo, mas fazendo delas instrumento das ambiçõespolíticas.

    O fenômeno do caudilhismo nasceu daí.

    Ademais, a instalação de um governo europeu no Brasil em1808 fortaleceu a absorção de hábitos e costumes de além-marpelas tropas coloniais, que -- ressalte-se -- já haviam acumuladoexperiências de guerra importantes na expulsão de invasoresestrangeiros. Instalada a Corte no Rio de Janeiro, logo foramencetadas campanhas militares ao norte (Guiana Francesa) e aosul (Cisplatina), que contribuíram para um melhor entrosamentoentre as tropas coloniais e as vindas de Portugal.

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    História Militar Brasileira II

    Unidade 1

    1.1 - A Independência e o Império

    A revolução liberal de 1821 no Porto repercutiu no Brasil. Aqui

    havia os que concordavam com o retorno de D. João VI paraPortugal e aqueles que desejavam a sua permanência entrenós. O rei, como de costume, hesitava: pensou, até, em enviarseu filho mais velho para Portugal e constituir dois governossob duas constituições. Acabou cedendo às pressões daquelesque, em Lisboa, não suportavam o fato de o Brasil haver sidoalçado à categoria de reino e de estar, aqui, a sede da monarquiaportuguesa. Estes, obviamente, não poderiam concordar tambémcom a amputação do império lusitano, justamente da sua partemais importante, com a divisão dos governos de Lisboa e do Riode Janeiro.

    Decidindo-se a partir, D. João nomeou D. Pedro regente doBrasil e embarcou de volta para Portugal em abril de 1821. Poréma animosidade entre portugueses e brasileiros não desapareceucom o afastamento de D. João VI. Ao contrário, continuou acrescer, chegando ao extremo de o Gen Avilez, comandante daDivisão Auxiliadora trazida de Portugal quando da RevoluçãoPernambucana de 1817, recusar-se a cumprir ordens do Príncipe

    Regente.

    Desiludido com a falta de lealdade da tropa lusitana, D. Pedro

    chegou a preparar seu retorno a Portugal, porém o decidido

    apoio do povo e das tropas brasileiras levou-o a reconsiderar sua

    decisão, no episódio que ficou conhecido como o Dia do Fico.

    Percebendo a necessidade de recompor a unidade do país,prejudicada com o antagonismo entre brasileiros e portugueses,D. Pedro decidiu visitar algumas províncias, a começar pelasmais próximas: Minas Gerais e São Paulo. Nesta última,quando viajava de Santos para a capital provincial, foi alcançadopor mensageiro com despachos de Lisboa contendo novas ehumilhantes exigências, entre as quais a de retornar a Portugalpara completar sua educação. Era a tarde do dia sete de setembrode 1822 quando D. Pedro, num gesto muito próprio do seu

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    temperamento impulsivo, declarou rompidos os laços que nosuniam a Portugal. A este ato meramente declaratório deveriaseguir-se a submissão de todas as províncias ao governo central,

    bem como a configuração legal do Estado a ser estabelecida poruma Constituição.

    Mas o prestígio enorme do jovem imperador, autor daindependência, vinha sendo abalado por comportamentosprivados dissolutos e por atos públicos autoritários, entre os quaisa dissolução da Assembleia Constituinte. Para este ato de força,D. Pedro I valeu-se de um estratagema para obter o apoio doExército: diante da tropa formada, declarou que os constituinteshaviam acabado de votar sua deposição e que o próximo ato dosdeputados seria dispersar as unidades militares pelo interior dopaís. Decorrido pouco mais de um ano de vida independente e jáo país presenciava ato de autoritarismo, envolvendo ardilosamenteo exército.

    Dissolvida a Assembleia Constituinte, criou-se um Conselhode Estado para elaborar o texto constitucional. Em março de1824, a nova Constituição foi jurada e outorgada à nação por D.Pedro I. Calcada em textos europeus e adequadamente adaptadaà realidade brasileira, vigorou até 1889, portanto, por 65 anos,sendo a mais duradoura do Brasil.

    A institucionalização constitucional do país não foi capaz derestaurar o prestígio do imperador e nem de criar um ambientefavorável à boa administração governamental. Continuaramos atritos entre brasileiros e portugueses, em particular noExército, onde muitos desconfiavam que D. Pedro I privilegiavaseus patrícios, em detrimento dos brasileiros. Uma campanha

    malsucedida no sul (Campanha Cisplatina), onde o exércitofora mandado travar uma guerra longa e impopular, desgastavao soberano. A vida dissoluta de D. Pedro, a morte prematurada imperatriz Leopoldina, a prisão de militares envolvidos emconflito de rua no Rio de Janeiro (noite das garrafadas), tudocontribuía para criar um clima de animosidade popular e militarcontra o monarca. A notícia de que o governo mandara prenderdiversos líderes liberais precipitou os acontecimentos.

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    O Decreto Legislativo de 1834 promulgou Ato Institucionalque, entre outras modificações da Constituição, estabelecia aRegência Uma e concedia maior autonomia às províncias. Criava-

    se uma espécie de monarquia federativa, assemelhada ao modelorepublicano. No ano seguinte, eclodia a Revolução Farroupilhaque, alimentada por questões políticas e de posição geográfica,evoluiu, nos 10 anos de sua duração, para o separatismorepublicano, obrigando o emprego do Exército para restaurara unidade nacional. Mas as agitações e revoltas continuavam aocorrer em outras províncias, robustecendo a ideia da declaraçãoda maioridade do jovem príncipe. Em todas, houve a participaçãodo Exército contra ameaças internas de desagregação, e, nelas,

    distinguiu-se Caxias, justamente por isto cognominado de“Pacificador”.

    Decretada, em 1840, a maioridade do adolescente Pedro deAlcântara, assumia ele o Trono com apenas 15 anos incompletos.Iniciava-se o 2º Reinado durante o qual o Exército Brasileiroparticipou de duas guerras externas, uma das quais longa e difícile que teve duradoura influência na formação da mentalidademilitar brasileira. Na Guerra do Paraguai, surgiu certoinconformismo militar com a forma como os políticos tratavamo Exército em operações num teatro longínquo e inóspito,ignorando ou protelando o atendimento de suas prementesnecessidades. Ideias como a da abolição do trabalho servil e, emmenor escala, a de república, começaram a circular e a recebernumerosas adesões.

     Terminada a Guerra da Tríplice Aliança, seguiram-se anoseconomicamente prósperos, graças à renda proporcionada pelaexportação do café, mas financeiramente difíceis. Havia uma

     vultosa dívida a pagar, assumida para financiar o conflito eque o comércio do café não cobria. O exagerado otimismo dospacifistas favorecia a ideia de que seria insensato queimar recursoscom as Forças Armadas, instituição para a qual os pacifistas,no seu míope imediatismo, sequer encontravam uma ocupação válida. Em consequência, os orçamentos militares foramdrasticamente glosados, assim como os efetivos em pessoal, quechegaram a níveis próximos daqueles da Regência, quando sepensou em extinguir o Exército. Esta foi a razão pela qual se

    colocou, em todas as constituições republicanas, o dispositivo queas declara nacionais e permanentes.

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    Unidade 1

    1.2 - A transição para a República

    Por volta de 1880, os veteranos da Guerra do Paraguai,

    especialmente os mais velhos, compreendiam a necessidadedo respeito à hierarquia e à disciplina. Comportavam-sesegundo os padrões clássicos do militar profissional. Entreeles, encontravam-se os oficiais que vieram diretamente dascategorias de praças, sem cursos escolares, que eram chamadosde tarimbeiros. Os mais jovens, oriundos da Escola Militar,que, majoritariamente, haviam ingressado na carreira depois determinado o conflito, mostravam-se críticos da realidade nacionale menos adeptos aos rigores profissionais. Bacharéis em CiênciasFísicas e Matemáticas, julgavam-se mais preparados do que aelite civil, em magna parte constituída de Bacharéis em Direito,para promoverem o progresso nacional. Aos poucos, foramdesenvolvendo um sentimento de superioridade e de animosidadeem relação aos juristas diletantes que militavam nos partidospolíticos ou ocupavam cargos rendosos na administração pública.

    Porém tanto os mais jovens quanto os veteranos do Paraguai,

    todos comungavam um sentimento de superioridade moralem relação aos casacas, cujas colocações na vida pública

    resguardava-os dos perigos, desconfortos e servidões da vida

    militar.

    Neste ponto, cabe uma digressão para lembrar que a engenharianacional nasceu do seio generoso do Exército. Desde a criaçãoda Escola Militar por D. João em 1811 até quando a velha escola

    do Largo de São Francisco foi transferida para a  jurisdiçãode ministério civil, engenheiros e oficiais formaram-se numamesma organização de ensino de caráter militar.

    A despeito das diferenças de mentalidade apontadas, as váriasgerações de oficiais encontravam um denominador comum nacrença da missão civilizadora do Exército, na qual incluíam:

      a abolição da escravidão;

    Neste momento, passou a

    denominar-se Escola Poli-

    técnica.

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      a construção de estradas e ferrovias estratégicas; e,

      a divulgação de preceitos de civismo e de higiene.

    Essas ideias, avançadas para a época, ganharam impulso coma doutrinação positivista, intensa na Escola Militar da PraiaVermelha, onde lecionava Benjamin Constant. Os políticos,pragmáticos, preocupavam-se, sobretudo, com suas carreirase, neste divórcio de mentalidades, eram inábeis no tratodas questões militares. Contudo, quando lhes parecia útil,aproximavam-se dos chefes das Forças Armadas, estimulando-os a praticarem atos de natureza política, inclusive atraindo-os

    para as suas agremiações partidárias. Os políticos sempre viramos militares como um instrumento a ser explorado em benefíciopróprio. Segundo Oliveira Viana, o exército, ao longo da nossahistória, tem sido instrumento das ambições civis.

    Este entendimento contribuiu, entre outros fatores, para induziruma parcela dos militares (que afinal preponderou) a não entregaro poder aos políticos imediatamente após a vitória da Revoluçãode 1964.

     José Honório Rodrigues considerava que faltava às elitesbrasileiras uma mística nacional que as inspirasse na busca daprosperidade, enquanto reconhecia a existência de uma místicamilitar que impulsionava os homens de farda à prática de atoscoletivos de solidariedade. A Questão Militar é um exemplo dasolidariedade corporativa castrense. Tratava-se de definir se osmilitares tinham, ou não, o direito de discutir, em público eatravés da imprensa, assuntos profissionais e de criticar decisõesdas autoridades civis competentes. Consultado quando já ia longaa pendência, o Conselho Superior Militar de Justiça exarou aseguinte interpretação: “[...] os oficiais, como outros cidadãos, têmo direito de usar a imprensa como meio de expressão de opinião”.E concluiu: “O militar só deve obediência nos limites da lei”,entendimento que passou a constar em todas as constituiçõesrepublicanas, exceto nas de 1937 e 1988.

    A fundação do Clube Militar, ocorrida em assembleia reunidana sede do Clube Naval em 26 de junho de 1887, teve como

    propósito maior institucionalizar um canal para a expressão das

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    opiniões correntes no seio da oficialidade. Foram empossadoscomo seu presidente e vice-presidente, respectivamente, omarechal Deodoro da Fonseca e o tenente-coronel Benjamin

    Constant. Aliás, foi na condição de presidente do Clube Militarque Deodoro endereçou a famosa carta à Princesa Regente,pedindo que o exército não mais fosse empregado na captura deescravos foragidos, desvelando a posição dos militares a favor daabolição.

    No final de 1880, o trabalho servil seguia um processo gradualde extinção com a promulgação de leis que o restringiamprogressivamente. Ninguém duvidava de que em breve eleseria completamente extinto, mas poucos se preocupavam emassegurar aos escravos libertados adequadas condições de vida.Havia o problema crucial da mão de obra na agricultura cafeeira,totalmente servil em Minas Gerais, Rio de Janeiro e EspíritoSanto. Em São Paulo, já estava adiantada a substituição doescravo pelo imigrante estrangeiro, mais rentável em termos deprodutividade.

    Os abolicionistas queriam simplesmente o fim da

    escravidão, enquanto os emancipacionistas, menos

    numerosos, achavam que a abolição devia ser

    acompanhada da indenização prevista em lei, bem

    como de medidas de amparo social aos emancipados.

    No domingo, 13 de maio de 1888, a Princesa Izabel embarcounum trem em Petrópolis e veio ao Rio de Janeiro. Na tarde dessedia, no Paço da Cidade, assinou uma lei de apenas um artigo,

    abolindo a escravidão. Assinada com uma pena de ouro, esselacônico diploma passou à história como Lei Áurea. Enquantoa multidão a aclamava a então Regente, da Europa chegava umtelegrama, igualmente lacônico, nos seguintes termos: “Parabénsà Redentora. Seu pai, Pedro”. Um ano e meio depois, na mesmapraça do Paço da Cidade, a família imperial embarcava, à noite eàs pressas, para o exílio.

    Esse ato, ardentemente desejado pelos brasileiros, que divergiam

    apenas na maneira de executá-lo, repercutiu diferentementeem determinadas províncias. Para os agricultores mineiros,

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    fluminenses e capixabas, cujas economias baseavam-se naprodução cafeeira e que colhiam sua safra em maio, foi grande oprejuízo. Para os de São Paulo, estado cuja mão de obra contava

    com numerosos imigrantes estrangeiros que colhiam sua safra emsetembro, foi grande o regozijo.

    Você sabia que existia até um projeto de lei no

    Congresso para atender a essa diferença de época de

    colheita? De autoria do senador paulista Antônio do

    Prado, fixava o dia 28 de setembro para a abolição,

    quando as safras de ambas as regiões produtoras

     já estivessem colhidas. Subitamente, o senador

    modificou aquela data, antecipando-a para maio. Istodesorganizou a colheita do café na Zona da Mata, no

    Vale do Paraíba e em certos municípios do Espírito

    Santo. Desde então, teve início a decadência dos

    “barões do café” fluminenses, cujas belas fazendas são

    hoje tristes testemunhos de uma época de fausto e

    riqueza, riqueza e fausto que se transferiram para São

    Paulo.

    Até as primeiras décadas do século passado, as suntuosasresidências da Avenida Paulista atestavam essa prosperidade,agora identificada pelos arranha-céus da era industrial. Quantoaos ex-escravos, desassistidos e sem trabalho, migraram para ascidades onde se amontoaram em habitações precárias, chamadasde cortiços, inicialmente, e de favelas, após a Campanha deCanudos, quando principiaram a subir pelas encostas dosmorros. Entregues à própria sorte, muitos descambaram para amarginalidade, o alcoolismo e a prostituição, tornando-se vítimas

    inocentes de uma providência generosa que pretendia resgatá-lospara a vida plena da liberdade e da cidadania.

    1.3 - O exército na transição para a República

    Durante o tempo dos vice-reis, não havia unidade de comandoe administração no Exército. Isso se deveu principalmente aosseguintes fatores:

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      dimensões geográficas do país;

      dificuldades de ligação; e,

      tradição de autonomia das capitanias hereditárias.

    Com a instalação da Corte no Brasil, em 1808, surgiu um quartelgeneral que, todavia, não exercia as funções próprias de umórgão de coordenação geral. Os presidentes de província tinhamascendência sobre os comandantes das organizações militaresaquarteladas em seus territórios, o que muitas vezes ocasionavachoques com os governadores das armas.

    Paulatinamente, o Governador das Armas da Corte foiadquirindo certa autoridade doutrinária sobre seus homólogosdas províncias. Em1857, criou-se a Ajudância-General doExército, primeira providência para dar certa organicidade à forçaterrestre, não obstante os planos de operações continuarem sendoformulados localmente, sob a responsabilidade dos comandantesdas armas. Ao  Ajudante-General cabia cuidar da disciplina, doabastecimento, da administração, dos hospitais e das fortalezas.

    Em 1889, o Ajudante-General era o marechal FlorianoPeixoto, a mais alta autoridade do Exército Imperial, seu virtualcomandante em chefe. As questões referentes ao material ficavama cargo do Quartel-Mestre-General, que despachava diretamentecom o ministro.

    Como já mencionado, a ascendência dos presidentes dasprovíncias sobre as tropas localizadas em seus territórios gerounão poucos atritos, como os ocorridos na Campanha Cisplatina

    e na Revolução Farroupilha (na República, problema semelhanteocorreu em Canudos). Por isto é que Caxias exigia enfeixarem suas mãos o poder político e o militar, quando convidado apacificar uma província. Outra peculiaridade ligada ao comandosupremo das forças armadas é que a Constituição de 1824 nãoatribuía ao imperador essa função. Esta é a razão pela qual, nacapitulação dos paraguaios em Uruguaiana, durante a Guerra da Tríplice Aliança, D. Pedro II não pôde assumir o comando emchefe das operações.

    Cargo cujo primeiro ocupante

    foi Caxias, então marquês.

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    A abolição da escravidão agravou o clima de

    conspiração latente em que se vivia no Brasil, no fim do

    século XIX.

    O Visconde de Ouro Preto, na chefia do Gabinete em 1889, vinha sendo informado desses indícios de conspiração, assimcomo o Imperador que, por convicções liberais ou porqueconfiava no Exército, dava-lhes pouca importância. Não obstante,D. Pedro II só se referia ao Exército como “a tropa”, expressãoque muitos interpretavam como de desprezo pelos militares. MasOuro Preto, com as responsabilidades de governo, decidiu tomar

    precauções: diminuiu a quantidade de unidades do Exército noRio de Janeiro e aumentou a presença da polícia e da GuardaNacional. Isto robusteceu os rumores de que o governo cogitavaextinguir o Exército e substituí-lo pela Guarda Nacional,revivendo receio que já se manifestara durante a Regência. Emnovembro precipitaram-se os acontecimentos.

    Na noite do dia 9, enquanto se realizava o famoso baile da IlhaFiscal, Benjamin Constant e outros exaltados republicanos

    discutiam, em reunião no Clube Militar, a derrubada da dinastiados Bragança. No dia seguinte, 10 de novembro, BenjaminConstant foi à casa de Deodoro, sob o pretexto de dar-lhe ciênciado que ocorrera na reunião da véspera, mas, realmente, paraconvencer o velho marechal de que a única maneira de salvara Pátria e o Exército seria a substituição da monarquia por umregime mais democrático. Deodoro levantou objeções, alegandosaúde precária e amizade ao soberano.

    Mas, diante da insistência e da argumentação de que o Trononão resistiria a um terceiro reinado, com a Princesa Izabelreinando com seu marido, um príncipe estrangeiro malvistopelos brasileiros, teria dito que, não havendo outro remédio, que viesse a República. Assinale-se a contradição entre essa posiçãode Deodoro e o que ele escrevera a um sobrinho que cursavaa Escola Militar do Rio Grande do Sul, apenas um ano antes,recomendando que não se metesse em questões republicanas,pois a república no Brasil seria uma desgraça completa. Aliás,a aquiescência do marechal não resultou de um convencimento

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    da necessidade de se fazer a república, mas, provavelmente, dodesconforto que lhe causava a visita de Benjamin Constant,agravando seus padecimentos de homem doente e idoso, a quem

     já faltava firmeza para manter seus pontos de vista.

    E, assim, a 15 de novembro de 1889, declarou-se instaurada a

    República pela ação de um monarquista e pela força das armas.

    O povo assistiu a tudo “bestificado”, segundo registrou Aristides

    Lobo, republicano convicto.

    1.4 - A República

    Ao definir a destinação das forças armadas, a primeiraconstituição republicana assim estabelecia:

    Art 14 - As forças de terra e mar são instituiçõesnacionais permanentes, destinadas à defesa da Pátriano exterior e à manutenção das leis no interior. A forçaarmada é essencialmente obediente, dentro dos limitesda lei, aos seus superiores hierárquicos e obrigada asustentar as instituições constitucionais. (Do textoda CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DOSESTADOS UNIDOS DO BRASIL, DE 24 DEFEVEREIRO DE 1891).

    A declaração de serem as forças armadas permanentes  tinha o

    propósito de evitar a repetição do receio dos militares quanto àextinção do Exército em determinadas situações. A expressãodentro dos limites da lei  visava manter certa autonomia militarquanto ao seu emprego, parcialmente obtida com a Guerra doParaguai e reforçada com o golpe militar de 15 de novembro.Em suma, garantia aos chefes militares julgarem se, quando eonde os governantes estariam empregando as forças armadas emproveito de seus objetivos políticos pessoais.

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     E como foi que se estabeleceu o exército nos primeiros anos daRepública? 

    1.4.1 - As praças

    A lei que instituiu o serviço militar obrigatório por sorteiodatava de 1874. Mas, por falta de regulamentação, em 1889 oExército ainda preenchia os claros de praças de suas unidadespelo engajamento, pelo voluntariado e, principalmente, pelorecrutamento forçado. O sistema, injusto e discriminatório,funcionava mal. Os corpos de tropa estavam sempre com grande

    número de claros, justamente quando o serviço da guarda dasrepartições públicas, atribuído ao Exército, consumia efetivosdiários muito grandes. Para contornar o problema, ofereciam-se vantagens e facilidades aos engajados e aos voluntários, do queresultava ser a tropa constituída, em grande parte, por elementospermanentes, os quais, aos 20 anos de serviço, obtinham areforma. Assim, o sistema, além de injusto e discriminatório, nãoproduzia reserva e onerava o orçamento.

    O grosso dos soldados era recrutado nas camadas maispobres da população. A possibilidade de obter engajamentossucessivos determinava a existência de praças com muitos anosde serviço, durante os quais muitas constituíam família e iamse instalar nas imediações do quartel, formando comunidadesque sobrecarregavam os comandos com problemas sociais edisciplinares. Quando o Exército marchava para operaçõesdemoradas, essas famílias acompanhavam os soldados, nãoapenas nas campanhas externas, como ocorreu no Império, mastambém nos conflitos internos, como na Revolução Federalista de1893-1895 e em Canudos.

    O primeiro degrau da hierarquia era o anspeçada, simplessoldado, cuja função era a de substituir o cabo em seusimpedimentos. Usava uma divisa única na manga do uniforme.Com os engajamentos sucessivos, surgia a figura do cabo velhoque, não podendo progredir na carreira por falta de capacidadeintelectual, esbanjava dedicação ao trabalho e conhecimentoprático de muitos aspectos da vida no quartel.

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    História Militar Brasileira II

    Unidade 1

    Há a história real, pois conheci o chefe militar a que

    ela se refere, de um companheiro que, na década dos

    anos 1960, comandara como coronel o Regimento

    de Cavalaria de Alegrete. Passados cerca de 20 anos, já general em visita àquela unidade, lembrou-se do

    soldado Adão, que fora seu ordenança. Perguntou por

    ele e soube que ainda servia no Regimento. Chamado

    à sua presença, apresentou-se com garbo e atitude

    perfeita. O general, para criar uma atmosfera menos

    formal, exclamou: “Mas você já é cabo?” Ao que o Adão

    orgulhosamente respondeu:

    “I eu drumo, Excelença?”

    A instrução dos recrutas durava seis meses e a instruçãoespecífica de tiro era muito negligenciada, pois os corpos detropa não dispunham de linha de tiro. Os sargentos possuíamconhecimentos teóricos e, sobretudo, práticos da profissão.Além da dedicação à instrução da tropa, os de melhor letraeram encarregados da escrituração da unidade e da subunidade.Naquele tempo, não havia máquina de escrever e muito menoscomputador. A escrituração era toda feita à mão. Havia:

      o sargento-ajudante ou brigada;

      o sargento quartel-mestre, que exercia funções próximasdo atual subtenente;

      os 1º e 2º sargentos; e

      os furriéis, atuais 3ºs sargentos.

    O brigada era uma figura respeitada: como auxiliar do capitão-ajudante, controlava o efetivo das praças, fazia as escalas deserviço, colocava a parada diária em forma e nela passavarevista antes de apresentá-la ao ajudante. Quando em serviço,usava uma espada ou espadim, símbolo da autoridade de queestava investido. O sargento quartel-mestre era o auxiliar doalmoxarife da unidade. Os 1ºs sargentos eram peça fundamentaldas subunidades, mas os 2ºs sargentos geralmente nelas nãotrabalhavam, pois eram empregados na casa-das-ordens, na

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    secretaria, na fiscalização, etc., para fazerem a escrituraçãoda unidade. Os furriéis exerciam as funções que hoje sãodesempenhadas pelos 3ºs sargentos.

    1.4.2 - Os oficiais

    Como já foi dito, em 1889 havia duas categorias de oficiais:

    os egressos das escolas militares, ou seja, os doutores; e,

      os que vieram diretamente da tropa, isto é, ostarimbeiros.

    A preponderância intelectual dos primeiros conduziu a certodesprezo pelas coisas práticas da profissão, um academicismoprejudicial à eficiência do Exército. Um antigo chefe, o Gen Tito Escobar, em artigo publicado na revista A Defesa Nacionalno mês de outubro, assim se expressava, criticando o excessivobacharelismo dos oficiais doutores:

    Raros soldados de escol formaram as escolas militares eraríssimos exemplares deles nos legaram; sobram-nos,entretanto, enraizados burocratas, literatos, publicistase filósofos, engenheiros e arquitetos notáveis, políticossôfregos e espertíssimos, eruditos professores dematemática, ciências físicas e naturais, bons amigos dasanta paz universal, do desarmamento geral, inimigos daguerra, e dos exércitos permanentes. (Outubro, 1914.)

    Nessa crítica, excessivamente severa, pois são muitos os soldadosde escol formados na Escola Militar da Praia Vermelha ,percebe-se a grande influência que a religião da humanidadeexercia sobre os alunos do então chamado tabernáculo do saber.O Exército era católico, assim como a maioria dos brasileiros.Religião oficial durante a monarquia, seus rituais eram praticadosnos quartéis como atos de serviço. Contudo, entre oficiaisformados sob a influência positivista, muitos eram ecléticos oufrancamente materialistas.

    Este era o estabelecimento de

    ensino a que o Gen Tito Escobar

    preferencialmente se referia.

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    Unidade 1

    No Império, era comum o oficial filiar-se a partidos políticos.Destacados chefes, como Caxias e Osório, tiveram carreiraspolíticas paralelas e ocuparam cadeiras no Senado. Diferenças

    outras de mentalidade entre os oficiais de 1889 e os de hojeocorriam, também, em detalhes menos importantes, como o usoda barba, o comprimento dos cabelos, a cobertura posta inclinadasobre a cabeça e certa flexibilidade no uso de peças do uniformenão regulamentares, particularmente em campanha. Lembrodo chapéu de feltro de abas largas e do poncho de Osório, e atémesmo traje civil completo, como registra fotografia do Gen.Artur Oscar, em Canudos.

    Veja esta fotografia na página 26 do livro “O Exército na

    História do Brasil”, volume “República”, publicado pela

    BIBLIEX – ODEBRECHT.

    1.4.3 - A rotina diária

    A rotina diária nos quartéis era diferente da de hoje. Nãohavia os dois tempos de instrução -- manhã e tarde -- porque apreocupação era com as escalas de serviço. O Exército forneciaas guardas das repartições públicas federais e, em muitas cidades,patrulhava as ruas. Em cada corpo de tropa havia um únicooficial instrutor, nomeado em boletim. Os demais, ociosos,reuniam-se na sala do oficial-de-estado (oficial de dia) e matavamo tempo no dominó, no gamão, na dama e em outros jogos desalão, excluídos os esportivos, visto que os esportes eram pouco

    praticados no Brasil. Não havia, ainda, o cassino dos oficiaise o expediente diário começava à hora do almoço, entre 10 e11 horas, e terminava à tarde, com o toque de ordem para aleitura do boletim diário. O oficial subalterno pouco se envolviacom a sua subunidade; somente o capitão se preocupava com aadministração e a disciplina, e pouco com a instrução. Os oficiaismais sobrecarregados de trabalho eram o fiscal, o ajudante e oencarregado do rancho.

    Acumulava a fiscalização

    administrativa com as atuais

    funções do subcomandante.

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    1.4.4- Justiça e disciplina

    As questões de justiça e disciplina eram reguladas pelo Alvaráde 1710, conhecido como ”Artigos de Guerra” ou “Regulamentodo Conde de Lippe”. Deste constavam punições como oespancamento com a espada sem corte, abolida em 1874, masempregada irregularmente até os primeiros anos da República.

    Os castigos corporais foram causa de uma rebelião

    republicana: a revolta dos marinheiros em 1910 ou

    “Revolta da Chibata”. Aproveite para pesquisar este

    assunto na Internet.

    Em 1889 havia mais um número enorme de avisos e resoluçõesque faziam da administração da disciplina e da justiça umlabirinto difícil de ser percorrido. A maioria das praças recrutadapara a Marinha e para o Exército tinha maus antecedentes,obrigando os comandantes, em situações de serviço delicadas,a adotarem procedimentos rigorosos, ainda que não previstosnos atos regulatórios oficiais. A propósito, lembro que oscastigos corporais não tinham a conotação humilhante que têmhoje. Objetos como a vara de marmelo e a palmatória faziamparte do rol de instrumentos de educação das crianças no lare dos alunos nas escolas. Ainda recentemente -- se é possívelconsiderar recente o ano de 1979 -- , quando exercia o cargo deadido do Exército em Paris, fui procurado por um oficial a mimsubordinado, que me pediu para obter da direção da escola de seufilho que o isentasse de castigos corporais. A direção da escolainformou que tais castigos estavam previstos no regulamento

    escolar, do qual os pais tomavam conhecimento ao matricularseus filhos. Winston Churchil, na sua autobiografia, narra oscastigos físicos que sofreu quando interno em colégio inglês,portanto os fatos históricos devem ser apreciados considerando-seo tempo em que ocorreram.

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    1.4.5 - Estratégia, tática e armamento

    As ideias estratégicas em curso na França, derrotadas em 1871,e no Brasil, nos primeiros anos do século XX, eram basicamentedefensivas. A preocupação era manter a soberania e a integridadeterritorial contra ameaças externas; no caso brasileiro, vindas dosul do continente. Para as forças armadas brasileiras, a manobraestratégica estava assim esquematizada, tendo Porto Alegre comoponto de apoio:

    a) defender a fronteira do Rio Uruguai com uma flotilhafluvial, operando em combinação com força terrestre;

    b) defender a fronteira seca ao sul com o Exército (máximode força terrestre); e,

    c) defender a região lacustre com forças navais operando deforma combinada com força terrestre.

    O dispositivo estratégico tinha nas ferrovias elemento vital parao apoio logístico e operacional. O próprio Osório defendia essemesmo ponto de vista. Em caso da impossibilidade de manter

    o terreno no Estado do Rio Grande do Sul, previa-se umaação retrógrada em linhas sucessivas, apoiadas em obstáculosnaturais para, afinal, deter o invasor e retomar o territórioestrategicamente cedido. Todavia não havia planos formalmenteelaborados por um órgão central de planejamento. As ideiasacima expostas eram de oficiais mais intelectualizados que sepreocupavam com os problemas profissionais publicados nasrevistas especializadas. Só mais tarde é que o Estado-Maior doExército, com as hipóteses de guerra, viria a formalizar os planos

    de operações.

    As ideias táticas eram influenciadas pelo progresso do

    armamento.

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    Sentia-se a necessidade de diminuir em combate a concentraçãoda infantaria e da cavalaria, enquanto a metralhadora e ocanhão iam impondo seu domínio no campo de batalha. No

    Exército brasileiro, a instrução tática de infantaria, até asgrandes manobras de 1907-1908, dava pouca importância aoaproveitamento do terreno. Os rígidos movimentos de entrarem linha ou em coluna, formar quadrados, desenvolver linhade atiradores haviam resistido a Canudos, a despeito dosinconvenientes evidenciados na ocasião.

    Na defensiva, a posição comportava uma linha exterior de postosavançados, um reduto principal, com obras de organizaçãodo terreno formando pontos fortes e uma retaguarda menospreparada defensivamente, mas em condições de apoiar o redutoprincipal, desfechando contra-ataques. Assim foi no Paraguai.A cavalaria empregava uma tática baseada em complicadasformações como a linha em duas fileiras, em coluna e aformação em batalha. A carga, assim como o assalto a baionetapara a infantaria, culminava o combate. Com a crescenteimportância do fogo na batalha, essas táticas foram sendosubstituídas pelo emprego mais constante em reconhecimentose em destacamentos de descoberta e de cobertura. Também a

    organização dos regimentos de cavalaria foi alterada: metade dosesquadrões era armada com lanças, e a outra metade, com armasde fogo, mas o regulamento da cavalaria ainda era o de Beresford,herdado do Exército português. A artilharia, arma mais técnica,dava mais importância à instrução no tiro do que às questões deemprego tático.

    O armamento da infantaria era o fuzil comblain, retrocarga,calibre 12mm, alça graduada de 100 em 100m a partir de 200

    até 1.200m. Os cartuchos eram metálicos e carregados compólvora negra, pois ainda não se conhecia a pólvora sem fumaça.A cavalaria era armada parte com o mosquetão comblain eparte com a lança. Usava-se, também, a carabina winchester.Os oficiais de todas as Armas usavam espada, assim como aspraças das armas montadas, e o revólver gerard, calibre 8mm.Os sargentos usavam revólver nagant. O material de artilhariacompreendia:

     

    canhões;  obuseiros;

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    Unidade 1

      morteiros; e,

      pedreiros, que lançavam pedras. Este material, emboradisponível e distribuído, não era mais regulamentar.

    Esses materiais ostentavam marcas de fabricantes renomados,como La Hitte, Whitworth e Krupp. As munições de artilhariausavam, como as de infantaria, a pólvora negra, tanto nacarga de projeção como na de arrebentamento. Os projetiseram cilíndrico-ogivais e dividiam-se em granada, shrapnel elanternetas.

    Em 1889, a cultura dominante no Brasil era jurídica e literária.Emprestava-se pouca importância aos técnicos, em particularos voltados para a produção e manutenção de material bélico.Não obstante, o Arsenal de Guerra fundiu canhões de bronze,fabricou peças de armamentos diversos e espoletas para asmunições de artilharia, enquanto o arsenal da Ilha das Cobrasfazia outro tanto para a Marinha, inclusive embarcações. Nãohavia nenhum estímulo para as atividades industriais militares.Pouco antes da proclamação da República, o próprio Imperadorrelutava em direcionar recursos para a fabricação de materialbélico. Certa vez, tendo ele concordado, de má vontade, com amodificação de um determinado armamento, irritou-se quando,passado algum tempo, propuseram-lhe nova modificação namesma arma. Consta que teria dito: “Tanto põem e tiram asapata nessa arma que acabarão deixando o Tesouro descalço!” 

    Acesse a Midiateca e veja a lista de conflitos internos

    ocorridos na República, bem como alguns fatos querepercutiram na evolução da arte militar no Brasil.

     Aproveito este espaço para anexar em nosso material didático,uma transcrição elaborada pelo Estado-Maior do Exército sobre aimportância da questão militar como uma das causas da proclamaçãoda República. Vamos a ela? 

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    A questão militar

    (In BRASIL. Estado-Maior do Exército. História do Exército

    Brasileiro. (Sobre a) Questão Militar. Rio de Janeiro: IBGE, 1972.

    vol 2. p. 676 - 679.)

    Na década dos 80, começou a exaltação no meio militar, gerada,

    em princípio, pelo dasapreço à classe por parte do governo

    imperial. Iniciava-se a chamada questão militar.

    Segundo Oliveira Viana, desaparecera o sentimento de fé nas

    antigas instituições. O próprio Nabuco afirmava que “nos últimos

    anos do Império, havia mais coragem em se dizer alguém

    monarquista do que em ser republicano”

    A questão militar constituiu uma sucessão de incidentes que

    feriu o espírito de corpo da classe. Situá-los todos, hoje, é

    mais difícil, pois teríamos que discriminar, com justiça, os que

    efetivamente ofendiam a honorabilidade militar, daqueles

    provocados por questões pessoais ou, na fase derradeira do

    processo de transformação do regime, criados para facilitar a

    queda da monarquia.

    Um projeto do Marquês de Paranaguá sobre o montepio militar,

    1883, provocou agitações na classe.

    Nesta oportunidade apareceu a personalidade marcante de SenaMadureira, oficial veemente, que surgiu em outros incidentes,

    sempre vigilante contra atitudes do governo, capazes de

    prejudicar os seus camaradas.

    Os anos seguintes não trouxeram calma ao ambiente. Ao

    contrário, das crises resultou, talvez, o início do movimento

    militar que culminou com a derrubada da monarquia e a

    proclamação da República. Oliveira Viana: “Essas questões

    militares de 86-87 têm uma grande importância – porque delas

    é que partiu toda a dinâmica do movimento que haveria de dar,

    dois anos mais tarde, com o trono em terra”.

    Ainda em 65, o Coronel Cunha Matos fizera uma inspeção a

    uma unidade do exército no Piauí. Verificando a existência de

    irregularidades, Cunha Matos solicitou a apuração dos fatos,

    através de um conselho de guerra e a conseqüente retirada do

    capitão do comando da unidade.

    O capitão estava ligado ao deputado Simplício de Resende que,

    da tribuna da Câmara, atacou violentamente o coronel. Este

    não hesitou e revidou, pela imprensa, aos ataques considerados

    injustos. No calor dos debates, pela tribuna, um, e pela imprensa,

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    História Militar Brasileira II

    Unidade 1

    o outro, o capitão sai prejudicado; é punido pelo Ministro da

    Guerra, Conselheiro Alfredo Chaves.

    Mas, se Cunha Matos se curvou aos ditames da disciplina

    e silenciou, da tribuna do senado, um militar, o senador e

    general José Antônio Corrêa da Câmara, Visconde de Pelotas,

    chefe militar que empreendeu a última ação contra López, em

    Cerro Corá, levantou a luva e procurou desagravar a honra do

    companheiro injuriado, fazendo-o altivamente.

    Enquanto o incidente Cunha Matos se esvaziava, Sena Madureira,

    intimorato abolicionista, anteriormente punido e afastado do

    comando da Escola Geral de Tiro (por haver recebido, na Escola

    que comandava, em Campo Grande - Realengo - com honras, os

     jangadeiros cearenses que se recusaram a transportar escravos),voltava a carga.

    No Rio Grande do Sul, para onde fora transferido, juntou-se a

    Júlio de Castilhos. Em entendimentos com ele, escreveu um

    artigo no jornal Federação. Evitou tratar de assuntos militares

    (aos militares era proibido tratar de assuntos militares pela

    imprensa, não os de outros assuntos), mas, repelindo um ataque

    feito pelo Senador Franco de Sá, acabou por insinuar que

    nem sempre “os velhos soldados tomamos a sério os generais

    improvisados que perpassam rápida e obscuramente pelas altas

    regiões do poder”.

    Sena Madureira referia-se ao Ministro da Guerra, Conselheiro

    Alfredo Rodrigues Fernandes Chaves, ferrenho escravocrata.

    Por ordem deste, o Ajudante-General do Exército telegrafou ao

    General Manoel Deodoro da Fonseca – Presidente da província e

    comandante das armas do Rio Grande do Sul – perguntando se

    aquele oficial obtivera permissão para publicar o artigo.

    O futuro proclamador da república respondeu por telegrama e

    ofício. Neste último, declarou que não lhe parecia necessária a

    permissão, pois, aos militares, era vedado tratar, pela imprensa,

    de assuntos militares ou de questões que envolvessem osministros das pastas militares ou outros militares; por isso não via

    por que haver autorização para artigos assinados por militares,

    envolvendo membros do parlamento, no caso, o Senador Franco

    de Sá.

    Repreendido, Sena Madureira não se conformou e lançou

    enérgico protesto pelo jornal Federação. Interveio Júlio de

    Castilho com uma série de artigos iniciada com o título de

    Arbítrio e Inépcia. No parlamento, o Visconde de Pelotas

    protestou contra o ato ministerial. Formara-se nova crise

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    Universidade do Sul de Santa Catarina

    que minava as fundações do Império, facilitava a abolição da

    escravidão e aproximava o Brasil do regime republicano.

    Com a permissão de Deodoro, reuniram-se, em Porto Alegre, a

    oficialidade da ativa, reformados e honorários para resolverem

    sobre a forma de homenagearem Sena Madureira pelo

    desassombro com que defendera os direitos da classe.

    Nova interpelação a Deodoro, agora do Presidente do Conselho de

    Ministros, o Barão de Cotegipe. Respondeu o general que aprovara

    e permitira a reunião porque havia ressentimentos no exército

    e, textualmente, “os militares não podem, não devem estar

    sujeitos a ofensas e insultos de francos de Sá e simplícios, cujas

    imunidades não os autorizam a dirigir insultos, nem os isentam da

    precisa e conveniente resposta... A ferida foi forte, cruel e mortal,e, com justa razão, sangrará enquanto Madureira e Cunha Matos

    estiverem sob a pressão da injustiça de que foram vítimas.”

    Sena Madureira solicitou conselho de guerra. O pedido não

    tinha cabimento, mas o presidente do Conselho de Ministros

    resolveu ouvir o Conselho Superior Militar e de Justiça. A decisão

    foi: “os militares, como qualquer cidadão, podiam discutir pela

    imprensa, mas que era contrária à disciplina toda e qualquer

    discussão, pela imprensa, entre militares por objeto de serviço”.

    Apoiados neste conceito, os punidos anteriormente por questões

    com civis, através da imprensa, pleitearam a anulação das

    punições. O Barão de Cotegipe replicou que cabia aos militares,

    prejudicados, requererem. Estes se recusaram, alegando que,

    reconhecida a ilegalidade das punições, incumbiria ao Governo

    anulá-las ex-ofício.

    Formava-se outra crise e, a este tempo, Deodoro, destituído dos

    cargos que exercia no Rio Grande do Sul, estava na Corte, como

    Quartel-Mestre-General. Não se escusava em tomar a vanguarda

    daqueles que lutavam por um exército mais adestrado e

    aparelhado e com seus elementos respeitados pelos políticos.

    Não se estranhe que, dentro desse ideal, estivesse também oda abolição e, por que não dizer, o da instauração do regime

    republicano.

    Os ânimos acaloraram-se na capital do Império, onde se

    reuniu em um de seus teatros, a oficialidade exaltada. Coube

    ao Visconde de Pelotas e a Deodoro, este agora exonerado

    da função de Quartel-Mestre-General, a missão de endereçar

    ao Parlamento e à Nação um manifesto. Prudentemente, o

    Presidente do Conselho de Ministros resolveu cancelar as

    punições, causa de tanta celeuma.

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    Unidade 1

    Muitas outras pequenas crises locais se sucederam, envolvendopessoal militar e autoridades. Não houvesse tanta insatisfação,e não estivesse o país vivendo uma profunda crise econômica e

    social, nem estivesse o poder político fraco e incapaz, enfim, nãohouvesse se esgotado o modelo sociopolítico até então vigente,e as questões institucionais menores não poderiam ter sidoexploradas pelos interesses políticos de qualquer natureza, nemcrescerem a ponto de provocar a sedição da guarnição militar daCorte. Naquele momento, a jovem oficialidade se tornara críticaquanto ao estado de coisas institucionais e nacionais, fazendo ecoà insatisfação da caserna e dando espaço à pregação republicanae positivista de Benjamim Constant Botelho de Magalhães.

    Funda-se o Clube Militar e levantam-se as vozes contra ogoverno e contra o próprio regime monárquico.

    Para saber mais sobre isso, acesse os artigos de Renato

    Jorge Paranhos Restier Junior na Midiateca.

    Seção 2 - O 15 de Novembro e o governo provisório

    Luiz Carlos Carneiro de Paula (Org)

    Figura 1.1 - Proclamação da República, 1893. Óleo sobre tela, 123,5 x 198,5 cm. Benedito Calixto (1853-1927).Fonte: Acervo da Pinacoteca Municipal de São Paulo.

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    Universidade do Sul de Santa Catarina

    Desde o Manifesto Republicano, ocorrido no dia 3 de dezembrode 1870, os republicanos propagavam suas ideias através de jornais, clubes e outras manifestações, principalmente na Corte

    e nas províncias do sul do país. Defendiam o federalismo, nãose arriscavam muito sobre a escravidão, se aproximavam dospositivistas e não tinham as forças armadas permanentes entresuas propostas. Eram poucos e não empolgavam a maioriada população. Habilmente souberam explorar os diversosincidentes havidos, tornaram o abolicionismo também coisasua e aproximaram a oficialidade jovem do exército. Nãotitubearam em atacar com virulência a família imperial eem incompatibilizar a opinião pública com o Conde D’Eu.

    Com a abolição da escravidão e o caos que se seguira,enfraquecida a sustentação do trono, ali estavam juntos, em1889, os republicanos federalistas e liberais e os positivistasque acreditavam que só uma ditadura daria ao país ordem eprogresso.

    Em junho, o Imperador chama o Visconde de Ouro Pretopara formar o gabinete que proporia as reformas urgentesindispensáveis ao reordenamento socioeconômico do país. ACâmara recusa o voto de confiança ao programa proposto pelopresidente do Conselho e é dissolvida. Eleições são realizadas em31 de agosto e foi marcada a data 20 de novembro para o iníciodos trabalhos parlamentares. Mas, até lá, o governo não teriatrégua. Repetiam-se, na Corte, as manifestações de hostilidade aOuro Preto e seu ministério.

    Deodoro chegou de volta ao Rio de Janeiro em setembro,enquanto novos pequenos incidentes com militares acirravamos ânimos na guarnição. Deodoro e Câmara se integraram ao

    descontentamento militar e cuidaram de derrubar o gabineteem 19 de novembro, véspera da abertura dos trabalhosparlamentares. Em 9 de novembro, o baile da Ilha Fiscal nãoteve a presença de nenhum oficial do exército. Na verdade,muitos deles, particularmente os da mocidade militar, estavamreunidos no Clube Militar, quando deram liberdade de ação aBenjamim Constant. No dia 11, houve uma reunião na casa deDeodoro, que se mostrou reservado quanto ao movimento. Oscircunstantes, entretanto, já se haviam decidido pela derrubada

    da monarquia, especialmente os comandantes dos corpos detropa estacionados na Corte.

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    História Militar Brasileira II

    Unidade 1

    Floriano, Ajudante-General do Exército, chamado por Deodorono dia 13, adere à derrubada do gabinete. Benjamim continuaaliciando adeptos, inclusive na Marinha. O movimento termina

    antecipado para o dia 15, graças aos boatos espalhados peloMajor Solon Ribeiro, no dia anterior, sobre uma ordem deprisão contra Deodoro e Benjamim e sobre a movimentação deunidades para o interior. No mesmo dia, à noite, rebelam-seas tropas da 2ª Brigada e outras unidades aquarteladas em SãoCristóvão. Iniciara-se a derrubada do gabinete e do regime, e ogoverno não tinha mais condições de contê-la. As unidades quedeveriam garantir o gabinete vão aderindo, uma após outra, aomovimento. Floriano nada faz. Deodoro, aclamado no velho

    quartel-general da Secretaria da Guerra, avisa que o gabinete nãomais existe e que tinha em mãos a proposta de ministério quelevaria ao Imperador. Depois disso, volta para casa.

    No Paço, D. Pedro ouve Ouro Preto e tenta formar novogabinete. Só o Conselheiro Saraiva se dispõe a tentar. Ele eo Conde D’Eu, através de amigos comuns, tentam falar comDeodoro, mas não conseguem. Os republicanos, que não haviamparticipado do golpe militar, ansiosos por mudar o regimeconseguiram, já à tarde, redigir, na Câmara de Vereadores doRio de Janeiro, um decreto proclamando a república. Foram aDeodoro, que se recusou a assinar. Só o fez, quando o MajorSolon Ribeiro mente mais uma vez, dizendo que se formara ogoverno com o General Gaspar Silveira Martins, desafeto deDeodoro. Quando Saraiva tentou um entendimento, era tarde.Estava proclamada a República. D. Pedro não questionou amudança do regime e aceitou o banimento, partindo para aEuropa com toda a família, no vapor Alagoas, escoltado atéFernando de Noronha pelo encouraçado Riachuelo.

    Em 16 de novembro, um governo provisório prestava juramento

    na Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro. Era presidido

    por Deodoro, o velho chefe militar que foi buscado pelos

    republicanos e positivistas para lhes emprestar o prestígio

    e a liderança que não tinham eles próprios. Rui Barbosa e

    Wandenkolk, Campos Salles e Aristides Lobo, Quintino Bocaiuva

    e Demétrio Ribeiro completavam o ministério.

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    Avisadas por telegrama, as províncias foram aos poucos sabendoda mudança do regime. Uma ou outra reação pessoal mostrouque, se republicanos não havia tantos, também não havia

    monarquistas dispostos a questionar a república. Transformadoem república federativa, o Brasil viu suas províncias tornarem-seestados, manteve sua bandeira, trocado apenas o brasão imperiale, mais tarde, o hino nacional. Resistiu aos desejos positivistasde adotar uma ditadura. Uma comissão elaborou um projeto deconstituição e foram convocadas as eleições para uma assembleiaconstituinte.

    Algumas medidas imediatas foram tomadas. No Exército,se referiram ao ensino militar, sob a inspiração de BenjamimConstant. Outras medidas envolvendo promoções econdecorações desgastaram o governo no meio militar. Masnão só isto. Rebeliões aqui e acolá mostraram dificuldades queexigiram medidas de exceção, aumentando o descontentamentoe a desconfiança no meio militar. Mas, de qualquer modo,a Assembleia Constituinte aprovou a nova Constituição,promulgada em fevereiro de 1891, e elegeu os primeirospresidente e vice-presidente da república: Deodoro e Floriano,que concorreram em chapas diferentes, mas iriam ser osprincipais protagonistas da implantação do novo regime.

    Seção 3 - Governo de Floriano Peixoto – A “RevoluçãoFederalista” e a “Revolta da Armada”

    Carlos Roberto Carvalho Daróz 

    Renato Jorge Paranhos Restier Júnior (Relator – DPHDM)

    Logo no início do que seria o primeiro governo constitucionalda república, as divergências entre o Presidente e o Congressolevaram Deodoro a dissolvê-lo, por decreto, seguido de ummanifesto à nação em que explicou seu gesto. Apesar de adesõesrecebidas, a reação é imediata e, no campo militar, o Contra-Almirante Custódio de Melo se apossa de alguns navios daesquadra e, com um tiro de advertência contra a torre da Igreja

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    da Candelária, exige a deposição de Deodoro. Reuniões sesucedem, algumas providências são tomadas na Marinha, masDeodoro renuncia e Floriano Peixoto assume a presidência em 23

    de novembro de 1891.Frota (2000, p. 488-489) descreve, da seguinte maneira, achegada de Floriano à presidência da república:

    Chamado Floriano Peixoto, a este foi entregue a chefiada Nação nesse mesmo dia 23. O vice-presidente eraum chefe nato, impávido, calmo; impunha a sua vontadepela frieza; confiava, desconfiando. Sua personalidade,

    cativante para uns, desagradável para outros, continuasendo um enigma para a história, na qual conquistou oepíteto de Consolidador. Estavam reservados para eledias tumultuosos. Entendeu o vice-presidente que podiagovernar até o fim do mandato, apesar de ser claro quedevia convocar novas eleições, segundo o Artigo nº 42da Constituição, pois não haviam decorrido dois anos demandato. Escorava sua atitude no texto do parágrafo 2ºdo Artigo 1º das Disposições Transitórias o qual davamargem a dúbia interpretação. Empolgou-se a opiniãopública: formaram-se partidos, discutia-se nos clubes,

    salões, esquinas. O Congresso aprovava a conduta doExecutivo.

     Entre os anos de 1893 a 1895, ocorreu a Revolução Federalista. Aseguir, observaremos com mais detalhes este processo.

    Apesar dos ideais republicanos terem sofrido um período dematuração no fim do Segundo Reinado, após 1889 o Brasil nãose encontrava plenamente preparado para a prática do regime

    republicano federativo. A fragilidade e o caráter heterogêneodas forças republicanas possibilitaram o surgimento de gruposoposicionistas que, efetivamente, lançaram-se ao conflito parafazerem valer suas reivindicações contra o governo central.

    A Revolução Federalista ocorreu no sul do Brasil

    pouco depois da Proclamação da República e foi um

    dos primeiros desafios ao regime republicano, recém

    instalado no país.

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    Grupos políticos antagonistas empenharam-se em disputassangrentas as quais acabaram por desencadear uma guerra civilque durou 31 meses, de fevereiro de 1893 a agosto de 1895.

    Durante a Revolução Federalista, foram desencadeadas operaçõesmilitares de vulto, com o emprego de forças irregulares.Envolvendo os três estados da Região Sul do Brasil – Rio Grandedo Sul, Paraná e Santa Catarina – a revolução contou com oapoio dos revoltosos da Marinha e prolongou-se por três anos,cessando sem que as diferenças ideológicas e o ódio entre osgrupos antagônicos arrefecessem.

    Contrariando a crença geral de que o povo brasileiro possuitemperamento pacífico e é avesso à violência, a RevoluçãoFederalista foi, sem dúvida, o episódio militar interno maissangrento na História do Brasil, caracterizando-se pela completaausência de cavalheirismo no campo de batalha e pela extremacrueldade.

    Veja, no mapa a seguir, o deslocamento das tropas federalistas sob ocomando do General Gumercindo Saraiva:

    Figura 1.2 – Revolução Federalista.

    Fonte: ESTADO-MAIOR DO EXÉRCITO.História do Exército Brasileiro. Rio de Janeiro: IBGE, 1972.(Modificada pelo autor.)

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    3.1 - Grupos Oponentes: Maragatos e Pica-paus

    O cenário político no Rio Grande do Sul era dividido entre dois

    grupos: o Partido Federalista do Rio Grande do Sul, cujos

    integrantes eram apelidados de maragatos; e,

      o Partido Republicano Rio-grandense (PRR), tendo seuspartidários conhecidos como pica-paus.

    O termo maragato foi usado pela primeira vez noBrasil, para se referir a uma das duas grandes correntes

    políticas gaúchas – formadas no final do século XIX. Era

    identificada com o uso do lenço vermelho. Inicialmente

    o termo foi usado pelos oposicionistas com sentido

    pejorativo, para denegrir os federalistas, mas dar

    esse apelido aos revolucionários foi um tiro que saiu

    pela culatra. A denominação granjeou simpatia –

    os próprios rebeldes passaram a se denominar

    maragatos  – e, em 1896, chegou a circular um jornal

    que levava esse nome. Eram chamados de Pica-paus 

    os opositores dos maragatos no Rio Grande do Sul. Omotivo da alcunha procedia dos chapéus usados pelos

    militares que apoiavam essa facção. Eles possuíam

    uma faixa branca que, segundo os revolucionários, era

    semelhante a um tipo de pica-pau do Sul do Brasil.

    O Partido Republicano era minoria por ocasião da Proclamaçãoe somente chegou ao poder devido às mudanças na política

    nacional. Adepto do presidencialismo e sob forte influênciapositivista, sob a liderança de Júlio de Castilhos, o partidodefendia um governo estadual forte e centralizado no poderexecutivo, tendo, em contrapartida, uma ampla autonomia dosestados. Com base em Augusto Comte, o PRR defendia oprincípio de que cada estado era uma “pequena pátria”. Sua basesocial era a elite recente do Rio Grande do Sul, estabelecidaprincipalmente no litoral e na serra gaúcha.

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    Do outro lado, encontrava-se o Partido Federalista, fundado em1892 por Gaspar Silveira Martins. Em tese, este partido defendiao sistema parlamentar de governo e a revisão da Constituição,

    pretendendo o fortalecimento do Brasil como União Federativa.Para os federalistas, o governo federal deveria ser democratizado,possibilitando acesso às oligarquias regionais, o que seria possívelem um governo colegiado parlamentarista. Este grupo tinhaorigem nos liberais do período monárquico, e sua base socialprovinha dos grandes estancieiros da campanha gaúcha.

    Eis o paradoxo político do Rio Grande do Sul no início

    da República: os federalistas tinham mentalidadeunitária e defendiam o sistema de governo

    parlamentarista.

    3.2 - Causas e irrupção do movimento

    Como fatores que contribuíram para a eclosão do movimento,

    destaca-se o ideológico, opondo o positivismo republicano aoliberalismo dos federalistas. A eleição de Júlio de Castilhospara a presidência do estado evidentemente acirrou os ânimosentre os maragatos, que se rebelaram e pegaram em armas. Ainstabilidade política chegava a um ponto insustentável e, para osfederalistas, era preciso libertar o Rio Grande do Sul da tiraniade Júlio de Castilhos.

    Em janeiro de 1893, formou-se a União Nacional Federalista,aglutinando grupos oposicionistas diversos, sob a liderança doGeneral João Nunes da Silva Tavares, o “Joca Tavares” – Barãode Itaqui, mentor do federalismo no campo militar. Juraramlutar contra adeptos de Júlio de Castilhos. Aos federalistas, juntaram-se Gaspar da Silveira Martins e o General GumercindoSaraiva.

    Dentre estes, os gasparistas,

    deodoristas e restauradores.

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    Veja, a seguir, duas lideranças militares federalistas:

    Figura 1.3 - General Gumercindo Saraiva.

    Fonte: ESTADO-MAIOR DO EXÉRCITO. O Exército nahistória do Brasil, v.3. Rio de Janeiro: BIBLIEX, 1998.

    Figura 1.4 – General Joca Tavares.

    Fonte: .Acesso em: 20 nov. 2009.

     Nas próximas, duas lideranças militares legalistas:

    Figura 1.5 - General Hipólito Ribeiro.Fonte: ESTADO-MAIOR DO EXÉRCITO.História do Exército Brasileiro.

    Rio de Janeiro: IBGE, 1972.

    Figura 1.6 - Senador Pinheiro Machado.Fonte: ESTADO-MAIOR DO EXÉRCITO.História do Exército Brasileiro.

    Rio de Janeiro: IBGE, 1972.

    A União Federalista possuía reivindicações nos âmbitos nacional eestadual.

      Em nível nacional, reclamava a instituição, na República,do sistema de governo parlamentar que havia vigorado namonarquia.

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      Em nível estadual, defendia o retorno de um governorepresentativo, com a eliminação do autoritarismocastilhista. Planejava proibir a reeleição do governante,

    instituir uma câmara legislativa, e não simplesmenteautoritária. Visava, ainda, dar autonomia aos municípios.

    No dia 2 de fevereiro de 1893, os federalistas partiram para oconfronto armado.

    3.3 - Primeira invasão Federalista

    Com quatrocentos homens reunidos no Uruguai, o caudilhoGumercindo Saraiva entrou em solo gaúcho em fevereiro de1893, logo após a posse de Júlio de Castilhos como presidentedo estado. Tais forças juntaram-se às do General Joca Tavares,formando, no Rio Grande do Sul, o Exército Libertador,comandado por Gumercindo Saraiva, o Leão dos Pampas, eintegrado por três mil homens, aproximadamente.

    Diante da inflamação da revolta, preocupado com a gravidadeda situação política no Rio Grande do Sul e temendo pelaestabilidade do próprio regime republicano, o Presidente daRepública, Marechal Floriano Peixoto, enviou tropas federais,sob o comando do General Hipólito Ribeiro, para socorrer Júliode Castilhos.

    As forças republicanas consistiam nas tropas regulares doExército, Brigada Militar , brigadas civis e corpos de patriotas.Para dar combate aos maragatos federalistas, foram organizadas

    três divisões: a do norte, a da capital e a do centro.

    Imediatamente após a invasão, as tropas de Gumercindo Saraivase incorporaram à divisão do General Joca Tavares, que iniciouuma marcha em direção a Santana do Livramento – o primeiroobjetivo dos federalistas. No percurso, atacaram e ocuparam acidade de Dom Pedrito. Outras tropas também marcharam sobreSantana do Livramento, mas falharam na tentativa de conquistara cidade. De Dom Pedrito, os federalistas iniciaram uma série

    A Brigada Militar constituía a força

    policial do Estado do Rio Grandedo Sul.

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    de ataques relâmpagos contra vários pontos do estado, visando àdesestabilização de posições em poder dos legalistas.

    Em Uruguaiana, o Senador José Pinheiro Machado, quehavia deixado a sua cadeira no Senado Federal para juntar-se às forças republicanas, estruturava uma brigada mista paracombater os rebeldes. Gumercindo Saraiva, ao tomar ciência detais preparativos, decidiu cercar a cidade a fim de neutralizara brigada. Mas, socorrida pela Divisão Norte, Uruguaiana foipreservada.

    A primeira derrota dos maragatos foi em maio de 1893, junto aoarroio Inhanduí, em Alegrete, quando suas forças foram repelidaspela Divisão Norte, liderada pelo General Frederico RodriguesLima e pelo senador Pinheiro Machado. Embora não tenhaproduzido resultado conclusivo, de acordo com Donato (2001)o violento combate do Inhanduí demonstrou a incapacidadedos federalistas para obter a vitória no campo militar. Comoresultado imediato, a coluna liderada por Gumercindo Saraivae constituída por cerca de 1.100 homens permaneceu no Brasil,enquanto os demais revolucionários internaram-se no Uruguai.

    3. 4 - Segunda invasão Federalista

    Em 17 de agosto de 1893, na região das Missões, teve inícioa segunda invasão federalista ao território brasileiro. Quandose encontrava em Cerro do Vacanguá, em setembro do mesmoano, Gumercindo Saraiva tomou conhecimento da revolta daArmada no Rio de Janeiro. Animado por mais uma força que

    se levantava contra o governo de Floriano Peixoto e julgandoequivocadamente que todas as unidades da Armada se tornariamautomaticamente aliadas dos federalistas, buscou estabelecercontato com as que estivessem mais próximo. Nesse sentido,atravessou o Rio Ibicuí no Passo da Liberdade e atacou Itaqui,com a intenção de juntar-se com os navios da Flotilha do AltoUruguai lá estacionados. No entanto, de acordo com Donato, asembarcações da Marinha acolheram o contingente governistalocal e, como consequência, Gumercindo retomou sua marcha

    para o norte.

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    Em novembro de 1893, o General Joca Tavares ataca

    Bagé com uma tropa de 5.000 homens.

    Motivados com a Revolta da Armada, os maragatos decidiramavançar para o norte, em direção a Santa Catarina e Paraná, deonde poderiam investir, futuramente, contra a capital federal.Para tal, contaram com o apoio do Almirante Custódio de Melo,líder do movimento rebelde na Marinha, que conquistou ascidades de Desterro, atual Florianópolis, e Curitiba. No comandogeral das forças federalistas estava o General Gumercindo Saraiva

    que, em Curitiba, encontrou-se com Custódio de Melo.Ciente da movimentação federalista em direção ao norte, oGoverno Federal designou, no início do ano de 1894, o CoronelAntônio Ernesto Gomes Carneiro para bloquear o avanço dosrevoltosos. Mesmo consciente da inferioridade numérica de suastropas, o Coronel Gomes Carneiro foi ao encontro dos adversários,conseguindo detê-los na cidade da Lapa, a sessenta quilômetros asudoeste de Curitiba, onde protagonizou, com sua tropa, um dosmais heroicos episódios da História Militar do Brasil.

     A seguir, veja como ocorreu o cerco da Lapa:

    Em meados de janeiro de 1894, os comandantes maragatos Torquato Severo e José Serafim de Castilhos, o Juca Tigre,iniciaram operações de cerco contra Lapa. A cidade havia sidofortificada pelo Coronel Gomes Carneiro, que tinha ordens deimpedir a qualquer custo a progressão dos federalistas em direçãoa São Paulo e ao Rio de Janeiro. No dia 17, os federalistas

    realizaram um ataque coordenado contra o perímetro defensivoda cidade, investindo contra diversas posições simultaneamente.Nas posições denominadas Engenho e Cemitério, uma bateriaconseguiu rechaçar o ataque, resultando em dez federalistasmortos. No dia seguinte, no entanto, a artilharia dos maragatosempenhou-se em bater essas duas posições.

    No dia 26, os revoltosos conseguiram conquistar dois objetivosimportantes no centro da cidade. Desalojaram os legalistas que

    defendiam a Rua das Tropas e o Alto da Lapa. Nesses locais, os

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    maragatos instalaram metralhadoras em posições que podiamdominar as ruas centrais da cidade. Em outro local, conseguiramaprisionar a maior parte da cavalhada dos sitiados, cerca de 650

    animais, deixando-os sem meios de transporte para a munição,alimentação e artilharia.

    Um novo ataque federalista, desta vez realizando um duploenvolvimento contra o já castigado centro da cidade, foi realizadoem 7 de fevereiro. Na ocasião, o Coronel Gomes Carneiro foigravemente ferido quando orientava a defesa de uma das posiçõesde artilharia. Em seu lugar assumiu a defesa de Lapa o civil Joaquim Lacerda, o qual conseguiu repelir o ataque. O insucessodo avanço esmoreceu o ímpeto dos maragatos que, depois de dezhoras de combate, tiveram cinquenta e quatro mortos.

     Analise, a seguir, a imagem dos combatentes na cidade de Lapa. Nela,você vê o Coronel Gomes Carneiro, assinalado com um “x”, junto comseus oficiais:

    Figura 1.7 – Oficiais na Lapa.Fonte: ESTADO-MAIOR DO EXÉRCITO. O exército na história do Brasil, v.3. Rio de Janeiro: BIBLIEX, 1998.

    Conforme Donato, o Coronel Gomes Carneiro morreu

    dois dias depois, recomendando a seus homens a

    continuação da resistência.

    A batalha deu ao Marechal Floriano Peixoto, Presidente daRepública, tempo suficiente para reunir forças e posicioná-lasno corte do Rio Itararé, detendo as tropas federalistas. Ao todo,pouco mais de seiscentos homens, entre forças regulares e civis

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     voluntários, lutando durante vinte e seis dias contra as forçasrevolucionárias formadas por mais de três mil combatentes. Aobstinada resistência oposta às tropas federalistas na cidade de

    Lapa frustrou as pretensões rebeldes de chegarem à capital daRepública. A resistência da Lapa representou a contenção darevolução.

    O retraimento revolucionário foi realizado em três colunas, comuma junção prevista no sul de Santa Catarina na confluênciados rios Pelotas e do Peixe. O deslocamento foi extremamentepenoso e acidentado, devido ao terreno e à dificuldade notransporte de feridos. No ponto de junção previsto, verificou-seque uma das colunas federalistas, comandada por Juca Tigre, nãochegara, tendo sido dispersada ainda no Paraná. Apesar do revés,Gumercindo Saraiva reuniu as colunas restantes e prosseguiucom operações ofensivas enquanto retraía.

    No dia 10 de agosto de 1894, as tropas zovernistas da DivisãoNorte alcançaram os revoltosos em sua marcha para o Sulna localidade de Carovi. Gumercindo Saraiva realizava umreconhecimento quando, em um capão de mata, o Tenente-coronel Bento Porto da Brigada Militar o reconhece, graças àindiscreta admiração de um prisioneiro federalista. Bento Porto,então, determinou a seus atiradores que realizassem “fogo depontaria”.

    Gumercindo foi atingido mortalmente por dois tiros

    no peito e, abatidas, suas tropas evitaram o combate e

    seguiram destino.

    Em seu retraimento para o sul, os federalistas receberam a adesãode aproximadamente uma centena de marinheiros liderados peloAlmirante Saldanha da Gama. Este chefe, contudo, perdeu a vida junto com dezenas de seus comandados em Campo Osório,em 24 de junho de 1895, em um dos últimos combates darevolução.

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    3.5 - Terceira invasão Federalista e o fim da Revolução

    Com Gumercindo, morria a revolução. Em meados de 1895,

    deu-se a terceira grande invasão do Rio Grande do Sul, por3.000 federalistas, sendo atacados e derrotados, em todas aspartes, pelas tropas governistas. A solução para o conflito,entretanto, acabou sendo política, e não militar. Em 23 de agostodo mesmo ano, já sob a presidência de Prudente de Moraes,foi assinada em Piratini a ata de pacificação, oportunidade naqual o General Inocêncio Galvão de Queiroz, representante doPresidente da República, ajustou uma paz honrosa com o General João Nunes da Silva Tavares.

    Durante a Revolução Federalista, foram realizadas operaçõesmilitares de vulto, com a participação de grandes efetivos, alémdo emprego de ações de guerra irregular. Logo após o combatede Inhanduí, em 1893, diante do resultado inconclusivo e de verificar a incapacidade de vencer os legalistas com os meiosmobilizados, o General Gumercindo Saraiva partiu para a práticada guerrilha, evitando combates decisivos, empreendendo umaguerra de movimento e procurando dispersar ou dividir as forçasadversárias.

    É possível verificar o sucesso dessas táticas por ocasião docerco de Uruguaiana, quando os federalistas conseguiram sairda armadilha organizada pelos legalistas e, ao mesmo tempo,desorganizaram suas tropas. Outras táticas não convencionaisforam empregadas. Durante o ataque federalista a Passo Fundo,em 1894, os rebeldes aproveitaram o vento favorável e atearamfogo na campina em que se encontravam os governistas,destruindo-lhes a munição e obrigando-os a recuar.

    A preocupação em tirar vantagem dos recursos logísticos doinimigo também é observada por ocasião do combate de Cerrodo Ouro, perto de São Gabriel, em agosto de 1894. Cercade 2.000 maragatos, sob o comando de Gumercindo Saraiva,impuseram uma derrota definitiva a voluntários civis. ConformeDonato, com o custo de apenas doze baixas, os federalistasconseguiram capturar centenas de armas, 125.000 tiros de

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    munição, carretas, provisões e até mulheres. Tática semelhantefoi empregada durante o Cerco da Lapa, quando os maragatosprivaram as tropas governistas de suas montarias, deixando-as

    sem transporte.As tropas legalistas, por sua vez, chegaram a empregar, comeficiência, táticas defensivas já em desuso na Europa. Durante oataque federalista a Passo Fundo, a infantaria governista utilizoua tática de formar o quadrado para defender-se da cavalariarebelde. O dispositivo funcionou muito bem, provocandonumerosas baixas entre os atacantes e preservando a integridadeda infantaria.

    A Revolução Federalista foi um conflito de extrema violência,em que ambos os contendores cometeram atrocidades, tal comoa prática da degola dos prisioneiros. Muitas vezes a degola erapraticada em meio a zombarias e humilhações. Embora não comfrequência, podia ser antecedida por castração.

    Conta-se, por exemplo, que apostas eram feitas em

    corrida de degolados. Na degola convencional, a

    vítima, ajoelhada, tinha as pernas e mãos amarradas,

    a cabeça estendida para trás e a faca era passada de

    orelha a orelha. Como se degolasse uma ovelha, rotina

    nas lides do campo. Os ressentimentos acumulados,

    as desavenças pessoais, somados ao caráter rude do

    homem da campanha acostumado a sacrificar o gado,

    tentam explicar estes atos de selvageria.

    As atrocidades não se limitaram à degola. De acordo comReverbel, o Major Menandro, oficial legalista, foi preso emCuritiba por tropas federalistas após o cerco da Lapa, ondecombatera. Foi obrigado a cavar sua própria sepultura e, emseguida, teve suas mãos decepadas. Na sequência, foi degolado, jarretado como “boi de açougue” e atirado na cova, juntamentecom pedaços de outros cadáveres republicanos.

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    A Morte do Barão do Cerro Azul, que apoiava, mas nãocombatia pela causa federalista, e de mais cinco de seuscompanheiros, também foi um exemplo da violência extrema do

    conflito. Acordados no meio da noite, foram colocados em um vagão de carga e fuzilados no quilômetro 65 da linha ferroviáriaque liga Curitiba a Paranaguá.

    Do ponto de vista militar e logístico, a degola decorria daincapacidade das forças em combate de fazer prisioneiros,mantê-los encarcerados e alimentá-los, pois ambas lutavam emsituação de grande penúria. Procurava-se, pelo mesmo motivo,poupar munição, empregando um meio rápido de execução. Aotodo, a mais sangrenta das revoluções brasileiras produziu cercade 10.000 mortos, dos quais, cerca de 1.000 foram degolados,estando na condição de prisioneiros.

    A Revolução Federalista trouxe ao Brasil e, em particular, ao Suldo país, importantes consequências. A derrota dos maragatosafirmou a supremacia republicana, inaugurando no Rio Grandedo Sul um clima de aparente estabilidade com a hegemonia doPRR, mas com latente crise que voltaria em nova revolta, em1923. Ainda no Rio Grande do Sul, o castilhismo consolidou-secomo corrente política que influenciou o estado por quase quatrodécadas.

    A revolução provocou incalculáveis prejuízos materiais e grandequantidade de perda de vidas, traumatizando a sociedade rio-grandense por muitos anos. Os ressentimentos e antagonismosentre grupos políticos e sociais não foram eliminados, pelocontrário, aumentaram com a violência praticada. No cenárionacional, o regime republicano venceu seu primeiro desafio,

    ainda que com o uso da força e de todo aparato político-militardo Brasil. O resultado da Revolução Federalista contribuiudiretamente para a consolidação da República. O custo em vidas,porém, foi muito alto, e Galuco Carneiro (1965) a chamou deGuerra Maldita. 

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    Universidade do Sul de Santa Catarina

    3.6 - A “Revolta da Armada”

    No início do regime republicano, os atritos políticos ocorridos

    resultaram em levantes que envolveram uma parcela da Armada.O primeiro ocorreu quando Deodoro fechou o Congresso,devido às divergências quanto à Lei de Responsabilidades doPresidente da República. No dia 23 de novembro, sob a liderançado Almirante Custódio de Melo, guarnições da Armada serebelaram, e o resultado final foi a renúncia de Deodoro.

    Em torno do Almirante Custódio movimentava-se grande número de oficiais de baixa graduação,

    que estabeleciam contatos com as guarnições dosnavios surtos na Guanabara, conseguindo adeptos ecompromissados. Um elemento que tomou parte ativanesse preparo da revolta foi o Capitão-Tenente Honório José Carlos de Carvalho, Diretor das Docas do Rio de Janeiro. Agia por intermédio de um irmão, o oficial doCruzador Primeiro de Março, fornecendo lanchas civis,providenciando suprimentos para os navios, tudo semdespertar suspeitas. (MARTINS, 1995, p. 35).

    A derrubada de Deodoro não diminuiu as tensões e ainstabilidade política. Alguns levantes tiveram desfechosrápidos, outros, repercussões internacionais. Teve início no RioGrande do Sul a “Revolução Federalista”, liderada por GasparSilveira Martins, ex-político liberal no Império. Este levantetinha o objetivo de derrubar Júlio de Castilhos da presidênciado Rio Grande do Sul e reelaborar a Constituição daqueleestado, adotando o sistema parlamentar de governo. Em 1893, aRevolução Federalista se uniu ao segundo levante que envolveu

    parcela da Armada, novamente liderado por Custódio de Melo.

    Entre outras divergências, agora com Floriano, estava acontestação de sua permanência na presidência da Repúblicaassumida após a renúncia de Deodoro. Custódio entendia que ocaso no Sul deveria ser resolvido com intervenção federal, estadode sítio e deposição de Júlio de Castilhos, ideias não endossadaspelo então presidente.

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    História Militar Brasileira II

    Unidade 1

    Após a saída de Custódio de Melo do Ministério da Marinha,assumiu o Contra-Almirante Firmino Rodrigues Chaves, apósa recusa de Baltasar da Silveira e Saldanha da Gama. Nesse

    momento, ampliou-se o clima de oposição a Floriano Peixoto porparte da Marinha.

    As tensões avolumaram-se até que todos os navios de guerrabrasileiros na Baía de Guanabara ostentavam a bandeira brancade revolta em 6 de setembro de 1893. Custódio contava apenascom cinco navios capazes de se movimentarem com seus própriosmeios, os demais apresentavam grandes dificuldades. Foramapresados pelos revoltosos 18 navios mercantes e rebocadores paracompletar a força naval rebelde.

    Uma das características da Revolta da Armada, denominaçãodestas ações que não envolveu a totalidade da oficialidade daArmada, apenas parte da oficialidade, foi a frequente intervençãoestrangeira. Inglaterra, Portugal, Itália, Estados Unidos daAmérica e França efetuaram, através de seus navios surtos naBaía de Guanabara, fiscalização e regulamentação das atividadesdos revoltosos e das forças governamentais. Esta intervençãofoi um dos motivos que levaram Custódio a sair da Baía deGuanabara. Justificando tais