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Apresentação O Estádio Caio Marns, equipamento que integra o complexo esporvo homônimo, foi inaugurado em 20 de julho de 1941. Seu nome homenageia o escoteiro Caio Vianna Marns, que em 1938, aos 15 anos de idade, sofreu um grave acidente ferroviário em Minas Gerais e recusou ajuda médica em detrimento de outros feridos. Localizado à Rua Presidente Backer, s/n Santa Rosa, Niterói/RJ, o complexo já foi palco de grandes compeções esporvas, a exemplo de dois campeonatos mundiais de basquete. Contudo, o espaço carrega uma nódoa em sua história, posto ter sido o primeiro estádio de futebol da América Lana a ser ulizado como prisão 1 . Documentos da polícia estadual, hoje de posse do Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro [APERJ], atestam o uso do espaço esporvo como um cárcere instuído na ordem regular do Estado durante a ditadura civil-militar, posto a própria nominação ulizada pelo aparato repressivo, a saber, Presídio Caio Marns (KNAUSS & MAIA, 2014). Sob o comando das Forças Armadas, em especial o I Exército, o presídio esteve também inmamente vinculado ao Departamento de Ordem Políca e Social e à Secretaria Estadual de Segurança Pública. Na verdade, o uso político do estádio já não era novidade. Sua inauguração foi um dos símbolos da época do governo da interventoria de Ernani do Amaral Peixoto, durante o período do Estado Novo. Foi palco de inúmeros atos cívicos no contexto da Segunda Guerra Mundial, de comemorações do Dia do Trabalhador, repetindo o ritual que era marcado pelos discursos do presidente Getúlio Vargas no estádio de São Januário, na cidade do Rio de Janeiro. Os usos políticos e não esportivos do complexo foram constantes ao longo da história. (KNAUSS & MAIA, 2014, p. 117). 1 Em verdade, o local específico ulizado como cárcere foi o ginásio do complexo esporvo. Na ditadura de Augusto Pinochet no Chile, o Estádio Nacional, entre setembro e novembro de 1973, foi ulizado como espaço de prisão, tortura e morte de opositores do regime. Por meio de depoimentos de sobreviventes e ulizando imagens históricas de arquivo, o documentário ‘Estadio Nacional’ da cineasta e jornalista chilena Carmen Luz Parot conta a transformação daquele estádio em campo de concentração. Também no estado do Rio de Janeiro, na cidade de Macaé, o estádio do Clube Ypiranga, segundo recentes pesquisas apontam, foi ulizado como prisão de opositores do regime. Ver aqui <hp://memoria.ebc. com.br/agenciabrasil/nocia/2013-12-18/ditadura-militar-torturou-desde-os-primeiros- dias-do-regime-indica-pesquisa> Estádio Caio Martins Estádio Caio Martins. Foto: Banco de Imagens Jornal O Dia

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ApresentaçãoO Estádio Caio Martins, equipamento que integra o complexo esportivo homônimo, foi inaugurado em

20 de julho de 1941. Seu nome homenageia o escoteiro Caio Vianna Martins, que em 1938, aos 15 anos de idade, sofreu um grave acidente ferroviário em Minas Gerais e recusou ajuda médica em detrimento de outros feridos. Localizado à Rua Presidente Backer, s/n Santa Rosa, Niterói/RJ, o complexo já foi palco de grandes competições esportivas, a exemplo de dois campeonatos mundiais de basquete.

Contudo, o espaço carrega uma nódoa em sua história, posto ter sido o primeiro estádio de futebol da América Latina a ser utilizado como prisão1. Documentos da polícia estadual, hoje de posse do Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro [APERJ], atestam o uso do espaço esportivo como um cárcere instituído na ordem regular do Estado durante a ditadura civil-militar, posto a própria nominação utilizada pelo aparato repressivo, a saber, Presídio Caio Martins (KNAUSS & MAIA, 2014). Sob o comando das Forças Armadas, em especial o I Exército, o presídio esteve também intimamente vinculado ao Departamento de Ordem Política e Social e à Secretaria Estadual de Segurança Pública.

Na verdade, o uso político do estádio já não era novidade. Sua inauguração foi um dos símbolos da época do governo da interventoria de Ernani do Amaral Peixoto, durante o período do Estado Novo. Foi palco de inúmeros atos cívicos no contexto da Segunda Guerra Mundial, de comemorações do Dia do Trabalhador, repetindo o ritual que era marcado pelos discursos do presidente Getúlio Vargas no estádio de São Januário, na cidade do Rio de Janeiro. Os usos políticos e não esportivos do complexo foram constantes ao longo da história. (KNAUSS & MAIA, 2014, p. 117).

1 Em verdade, o local específico utilizado como cárcere foi o ginásio do complexo esportivo. Na ditadura de Augusto Pinochet no Chile, o Estádio Nacional, entre setembro e novembro de 1973, foi utilizado como espaço de prisão, tortura e morte de opositores do regime. Por meio de depoimentos de sobreviventes e utilizando imagens históricas de arquivo, o documentário ‘Estadio Nacional’ da cineasta e jornalista chilena Carmen Luz Parot conta a transformação daquele estádio em campo de concentração. Também no estado do Rio de Janeiro, na cidade de Macaé, o estádio do Clube Ypiranga, segundo recentes pesquisas apontam, foi utilizado como prisão de opositores do regime. Ver aqui <http://memoria.ebc.com.br/agenciabrasil/noticia/2013-12-18/ditadura-militar-torturou-desde-os-primeiros-dias-do-regime-indica-pesquisa>

Estádio Caio

Martins

Estádio Caio Martins. Foto: Banco de Imagens Jornal O Dia

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Sua transformação em cárcere, considerado por vezes um campo de concentração, aconteceu logo após o golpe de 1964, por volta de 23 ou 24 de abril, devido à superlotação de prisões e delegacias com presos políticos. Sua utilização para este fim se deu até os primeiros dias de julho2. Segundo depoimentos, mais de 1000 pessoas foram presas no estádio3. Segundo pesquisa documental realizada pela Comissão da Verdade de Niterói [CVN], pelo menos 339 pessoas foram presas no local, sendo estas oriundas de todo o estado do Rio de Janeiro. O perfil profissional do detidos era diverso, sendo possível identificar médicos, advogados, jornalistas, motoristas, bem como outras profissões. Contudo, é possível afirmar que maioria dos encarcerados eram envolvidos com atividades sindicais4.

Em 18 de outubro de 2010 a Comissão de Anistia do Ministério da Justiça realizou a 45º Caravana da Anistia na Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense [UFF], em Niterói. Na ocasião, integrantes do Fórum dos Operários Navais de Niterói reafirmaram a proposta de criação de um centro de memória em homenagem aos atingidos pela ditadura no Estádio Caio Martins. Já em 17 de julho de 2013, quando no lançamento da Comissão da Verdade de Niterói, a mesma reivindicação foi feita por Benedito Joaquim dos Santos. Ex-presidente do Sindicato dos Operários Navais, ele esteve preso no Caio Martins. No dia 19 de maio de 2012, o chão e as paredes da entrada do estádio amanheceram banhados de vermelho. Cartazes, faixas e fotografias de mortos e desaparecidos complementaram a intervenção que tinha por objetivo chamar atenção da população local para o fato do estádio ter funcionado como prisão política e reivindicar a construção de um memorial naquele espaço. Em 04 de junho de 2012, a Comissão Estadual de Reparação do Estado do Rio de Janeiro realizou uma cerimônia de reparação no próprio estádio. O evento reuniu em torno de 120 pessoas e homenageou alguns perseguidos políticos.

Trechos de depoimentosManoel Martins5

“Durante 18 dias, o Caio Martins foi o terror implantado. Para ir ao banheiro, íamos acompanhados por um soldado com metralhadora. Éramos professores, operários e camponeses, muitos evangélicos das

2 Esta informação consta do Relatório Parcial de Pesquisa e Atividades da Comissão da Verdade de Niterói, junho de 2014.3 Segundo Manoel Martins, advogado que prestou depoimento à Comissão Nacional da Verdade [CNV], por volta de 1800 pessoas foram presas no estádio. Disponível em <http://www.cnv.gov.br/index.php/outros-destaques/151-campo-de-concentracao-tortura-mutilacao-e-solidariedade-nos-depoimentos-de-advogados-a-comissao-da-verdade>.4 O documento da CVN aponta ainda algumas categorias profissionais a que pertenciam os detidos no Caio Martins: Ferroviários, Bancários, Operários Navais e Camponeses.5 Manoel Martins foi líder estudantil. Tornou-se conhecido como advogado de sindicatos e militante do PCB. O trecho selecionado corresponde ao depoimento prestado à CNV em dezembro de 2012.

Manoel Martins no ginásio do Caio Martins. Foto: Wagner Meier Complexo Esportivo Caio Martins. Foto: Vitor Silva Ato realizado por movimentos sociais na entrada do Ginásio Caio Martins. 45ª Caravana da Anistia na Faculdade de Direito da UFF. Foto: Bruno Eduardo

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Testemunhas de Jeová. [...] As pessoas chegavam em caminhões. Eu vi tanta coisa e continuei vendo e precisava registrar isso. O que aconteceu com essa cidade, com Niterói, esse foco de resistência.”

Benedito Joaquim Barbosa6

“Fui preso em 7 de abril de 1964, porque acharam que eu era comunista. Depois de lá, estive em oito presídios. Fiquei seis meses preso. [...] Havia mais de 500 presos com a gente: advogados, atores de teatro, médicos, camponeses, professores. Nunca houve espancamento, mas outros tipos de tortura.”

6 Ex-operário naval, Benedito foi torturado pela ditadura. Trecho do depoimento prestado à CVN em 17 de julho de 2013, quando da realização de sua primeira sessão pública. Mais informações em <http://www.ebc.com.br/noticias/brasil/2013/07/comissao-da-verdade-de-niteroi-ouve-depoimentos-de-vitimas-da-ditadura>

Manoel Martins no ginásio do Caio Martins. Foto: Wagner Meier Complexo Esportivo Caio Martins. Foto: Vitor Silva Ato realizado por movimentos sociais na entrada do Ginásio Caio Martins. 45ª Caravana da Anistia na Faculdade de Direito da UFF. Foto: Bruno Eduardo

Ato realizado por movimentos sociais na entrada do Ginásio Caio Martins.

Imagem constante do relatório da CVN, disponibilizada original-

mente pela CEV-Rio.

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Bibliografia consultada e indicada

Caio Martins amanhece sangrando

<http://niteroipelaverdade.wordpress.com/2012/05/19/caio-martins-amanhece-sangrando/>

Campos de concentração, tortura, mutilação e solidariedade nos depoimentos de advogados à Comissão da Verdade <http://www.cnv.gov.br/index.php/outros-destaques/151-campo-de-concentracao-tortura-mutilacao-e-solidariedade-nos-depoimentos-de-advogados-a-comissao-da-verdade>

Caravanas da anistia: o Brasil pede perdão. Organização: Maria José H. Coelho, Vera Rotta – Brasília, DF: Ministério da Justiça; Florianópolis: Comunicação, Estudos e Consultoria, 2012

<http://portal.mj.gov.br/main.asp?View=AE37C304-4FA7-4071-95D1-09D6243A6C9D&Team=&params=itemID=78BC6964-EB2B-407A-B427-AD992B9A88AF;&UIPartUID=2218FAF9-5230-431C-A9E3-E780D3E67DFE>

Comissão da Verdade de Niterói<http://www.verdadeemniteroi.org/>

Caravana 45 - Abertura (RJ - parte 1)<https://www.youtube.com/watch?v=BmHYtqkdhN8>

Caravana 45 - Abertura (RJ - parte 2)<https://www.youtube.com/watch?v=7fnsX8yIve8>

Complexo de Caio Martins foi usado como prisão durante a ditadura

<http://globotv.globo.com/globo-news/jornal-globo-news/v/complexo-de-caio-martins-foi-usado-como-prisao-durante-a-ditadura/3460601/>

Ex-presos recebem homenagem em antigo centro de repressão

<https://www.youtube.com/watch?v=-Ym3wBBpO0I>

Os Advogados Contra A Ditadura (série, capítulo 1/5) <https://www.youtube.com/watch?v=PEVSjWLRSXQ>

Vídeos

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Comissão da Verdade de Niterói. Relatório Parcial de Pesquisa e Atividades. Junho de 2014.<www.verdadeemniteroi.org/#!relatorio-parcial/c1zhr>

Comissão da Verdade de Niterói ouve depoimentos de vítimas da ditadura militar<http://www.ebc.com.br/noticias/brasil/2013/07/comissao-da-verdade-de-niteroi-ouve-depoimen-tos-de-vitimas-da-ditadura>

Comissão da Verdade prova que Ginásio Caio Martins foi usado como presídio <http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2014-06/comissao-da-verdade-em-niteroi-pro-va-que-caio-martins-foi-usado-como-presidio>

Complexo Esportivo Caio Martins<http://www.suderj.rj.gov.br/complexo_esportivo.asp>

Ditadura militar torturou desde os primeiros dias do regime, indica pesquisa<http://memoria.ebc.com.br/agenciabrasil/noticia/2013-12-18/ditadura-militar-torturou-desde-os-pri-meiros-dias-do-regime-indica-pesquisa>

Ex-presos políticos recebem reparação no Estádio Caio Martins<http://www.ofluminense.com.br/editorias/politica/ex-presos-politicos-recebem-reparacao-no-esta-dio-caio-martins-em-niteroi>

Governo do Rio faz ato de reparação a presos vítimas da ditadura militar <http://agencia-brasil.jusbrasil.com.br/noticias/3141551/governo-do-rio-faz-ato-de-reparacao-a-presos-vitimas-da-ditadura-militar>

KNAUSS, Paulo & MAIA, Eric. Niterói, 1964 – Memórias da Prisão Esquecida. A Operação Limpeza e o cárcere político do Caio Martins. Revista Acervo, Rio de Janeiro, v. 27 , n º 1, p. 99 - 120, jan ./jun. 2014.<http://www.revistaacervo.an.gov.br/seer/index.php/info/article/download/647/557>

Niterói quer memorial no Caio Martins<http://www.abi.org.br/niteroi-quer-memorial-no-caio-martins/>

Memórias de um estádio de repressão<http://oglobo.globo.com/niteroi/memorias-de-um-estadio-de-repressao-5027623>

O estádio transformado em prisão pela ditadura militar<http://trivela.uol.com.br/arquivo-o-estadio-transformado-em-prisao-pela-ditadura-militar/>

Pesquisa aponta: 43,68% das violações de DH na ditadura no Rio ocorreram entre 1964 e 1966 <http://www.cnv.gov.br/index.php/outros-destaques/413-pesquisa-aponta-43-68-das-violacoes-de-direit-os-na-ditadura-ocorreram-entre-1964-e-1966>

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Documento produzido em outubro de 2014 pelo pesquisador Tiago Régis.

Rua do Russel, 76, 5º Andar, Glória, Rio de Janeiro

[email protected]

Primeira sessão da Comissão da Verdade de Niterói é marcada por depoimentos emocionados <http://www.cnv.gov.br/index.php/outros-destaques/292-primeira-sessao-da-comissao-da-verdade-de-ni-teroi-e-marcada-por-depoimentos-emocionados>

50 anos do golpe: Caio Martins já foi prisão para inimigos da ditadura<http://futrio.net/site/noticia/detalhe/35176880/50-anos-do-golpe-caio-martins-ja-foi-prisao-para-inimigos-da-ditadura>