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* Doutoranda e Mestre em Direito do Estado pela Pontifcia UniversidadeCatlica de So Paulo. Professora de Direito Constitucional, Direito Proces-sual Administrativo e Direito Processual Constitucional do Curso de Direitoda Universidade Metodista de So Paulo. Professora de Direito Administra-tivo e Direito Tributrio do Curso de Direito do Centro UniversitrioSalesiano de So Paulo. Professora-associada do Instituto Brasileiro deDireito Constitucional.
** Mestre em Administrao de Empresas pela Universidade Metodista de SoPaulo. Ps-Graduada em Administrao na rea de Qualidade nas Orga-nizaes pelo Centro Universitrio Nove de Julho Uninove. Aluna do 8semestre do Curso de Direito da Universidade Metodista de So Paulo.
*** Servidor Pblico da Prefeitura de So Bernardo do Campo. Aluno do 8
semestre do Curso de Direito da Universidade Metodista de So Paulo.
O CONTROLE JUDICIAL
DAS POLTICAS PBLICAS
Maria Cristina Teixeira*
Anna Christina Kauf Paiuca**
Jos Sebastio Vieira Bicalho***
RESUMOO presente artigo tem como objetivo identificar a atua-o do Supremo Tribunal Federal quanto efetivao dedireitos fundamentais pelo Poder Executivo no que serefere realizao de polticas pblicas relativas aosdireitos sociais, especialmente a educao infantil. Ini-cialmente, conceitua os direitos fundamentais e descrevebrevemente sua evoluo para identificar o direito educao como direito social. A seguir, examina os ins-titutos da reserva do possvel e do mnimo existencial,utilizados pelo Estado para a anlise da concretizaodos direitos sociais, especialmente, neste trabalho, daeducao infantil. Indica tambm o delineamento daatuao do Judicirio como fiscalizador do Executivo eLegislativo para essas aes.Palavras-chaves: Direito educao, educao infantil,polticas pblicas, direitos sociais
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REVISTA DO CURSO DE DIREITO
58 Revista do Curso de Direito da Faculdade de Humanidades e Direito, v. 6, n. 6, 2009
ABSTRACT
This article aims to identify the actions of the SupremeCourt as to the effectiveness of fundamental rights bythe Executive as regards the implementation of publicpolicies on social rights, especially the childrens educa-tion. Initially, conceptualized the fundamental rightsand briefly describes its evolution. Passes, then, to iden-tify the right to education as a social right. Next, exam-ines the institutes of the reservation as possible and theexistential minimum, the state used for the analysis ofthe implementation of social rights, especially in thiswork, early childhood education. The following showsthe design of the supervisory role of the judiciary andthe executive and legislative branch for such actions.Keywords: Right to education, early childhood educa-tion, public policy, social rights
INTRODUO
O Supremo Tribunal Federal (STF) tem a funo de guardio
da Constituio, com competncia relativa ao exame e inter-
pretao de matrias constitucionais, conforme assinalado no
artigo 102 da Constituio. Referida atividade realizada
precipuamente por meio do controle de constitucionalidade das
leis e atos normativos dos poderes pblicos.1
O Estado, em sua conduta, se sujeita jurisdio cons-
titucional do STF quando, em sua atuao positiva, contraria
preceitos e princpios da Lei Fundamental, ou, omissivamente,
deixa de cumprir as medidas necessrias concretizao
deles, conforme se verifica da previso relativa ao controle
concentrado de constitucionalidade por ao e omisso indi-
cados, respectivamente, pela Constituio nos artigos 102, I,
a, III e 103, 2.
A proteo outorgada ao Colendo Tribunal se mostra cla-
ramente quando analisamos as diversas decises emanadas
em casos concretos como, por exemplo, o recurso Agravo de
Instrumento no 677274/SP de Relatoria do ministro Celso de
1 NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. 3. ed. So Paulo: Mtodo,2009, p. 216.
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Revista do Curso de Direito da Faculdade de Humanidades e Direito, v. 6, n. 6, 2009 59
O CONTROLE JUDICIAL DAS POLTICAS PBLICAS
Mello, que ratificou a eficcia dos direitos bsicos de ndole
social diante da inrcia do Poder Pblico Municipal da Cidade
de So Paulo em atender demanda de vagas em creches e
na pr-escola para crianas de at cinco anos de idade:
EMENTA: CRIANA DE AT SEIS ANOS DE IDADE. ATENDI-
MENTO EM CRECHE E EM PR-ESCOLA. EDUCAO INFAN-
TIL. DIREITO ASSEGURADO PELO PRPRIO TEXTO CONSTI-
TUCIONAL (CF, ART. 208, IV). COMPREENSO GLOBAL DO
DIREITO CONSTITUCIONAL EDUCAO. DEVER JURDICO
CUJA EXECUO SE IMPE AO PODER PBLICO, NOTA-
DAMENTE AO MUNICPIO (CF, ART. 211, 2). RECURSO
EXTRAORDINRIO CONHECIDO E IMPROVIDO.
Tal deciso, por garantir os chamados direitos de segunda
gerao, merece um estudo aprofundado, objeto do presente
artigo, cuja abordagem ser distribuda entre os tpicos: di-
reitos fundamentais, reserva do possvel, mnimo existencial
e controle judicial das polticas pblicas.
1 DIREITOS FUNDAMENTAIS
Segundo Paulo Bonavides2, citando Carl Schmitt, direitos
fundamentais so, na essncia, [...] os direitos do homem
livre e isolado, direitos que possui em face do Estado. Por
conseguinte, tais direitos buscam a realizao da dignidade
humana em todas as dimenses, motivo pelo qual foram juri-
dicamente institudos para resguardar o homem em sua liber-
dade, suas necessidades e na preservao, calcados no trip
direitos individuais direitos sociais, econmicos e culturais
direitos relacionados fraternidade e solidariedade.
Os direitos fundamentais evoluram historicamente, tendo
sido sistematizados a partir da Revoluo Francesa e da Decla-
rao de Direitos do Homem e do Cidado, na qual foram indi-
cados os direitos individuais, de nacionalidade e cidadania (pri-
2 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 22. ed. So Paulo:Malheiros, 2008, p. 561.
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REVISTA DO CURSO DE DIREITO
60 Revista do Curso de Direito da Faculdade de Humanidades e Direito, v. 6, n. 6, 2009
meira gerao ou dimenso), passando, no incio do sculo pas-
sado, para os direitos sociais (segunda gerao ou dimenso),
inseridos em primeiro lugar nas Constituies do Mxico (1917)
e da Alemanha (1919) e nos direitos de solidariedade (terceira
gerao ou dimenso), discutidos e previstos a partir da segunda
metade do sculo XX, sem que houvesse a excluso, mas sim a
complementao da gerao anterior pela subsequente.
Observe-se, a esse respeito, o entendimento de Paulo
Bonavides3 sobre a existncia tambm de uma quarta gera-
o de direitos fundamentais que se relaciona ao processo de
globalizao.
1.1 Direitos sociais
Conjuntamente com os direitos individuais, coletivos, de
nacionalidade e de cidadania, os direitos sociais so uma esp-
cie de direitos fundamentais. Segundo Jos Afonso da Silva4,
[...] so prestaes positivas proporcionadas pelo Estado direta ou
indiretamente, enunciadas em normas constitucionais, que pos-
sibilitem melhores condies de vida aos mais fracos, direitos que
tendem a realizar a igualizao de situaes sociais desiguais.
Constitucionalmente garantidos, os direitos sociais foram
indicados no artigo 6 da Carta Magna, nos seguintes termos:
So direitos sociais a educao, a sade, o trabalho, a mora-
dia, o lazer, a segurana, a previdncia social, a proteo
maternidade e infncia, a assistncia aos desamparados, na
forma desta Constituio. Os direitos relativos ao trabalho
foram discriminados nos artigos 7 a 11 e nos demais no T-
tulo VIII do texto constitucional. Tm como finalidade possi-
bilitar a superao das carncias individuais e sociais, medi-
ante aes previstas em lei e realizadas por meio de polticas
pblicas do Estado.
3 BONAVIDES, Paulo. Op. cit., p. 570.4 SILVA, Jos Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 32. ed.
So Paulo: Malheiros, 2009, p. 289.
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O CONTROLE JUDICIAL DAS POLTICAS PBLICAS
Assim, os direitos sociais representam prerrogativas cons-
titucionais indisponveis. Dentre os citados, destaca-se, para
o estudo proposto, o direito educao.
1.1.1 DIREITO EDUCAO E EDUCAO INFANTIL
O direito educao , segundo observao de Jos Luiz
Quadros de Magalhes5,
[...] um dos mais importantes direitos sociais, pois essencial
para o exerccio de outros direitos fundamentais. a educao
instrumento para o direito sade e para a proteo do meio
ambiente, preparando e informando a populao sobre a pre-
servao da sade e respeito ao meio ambiente. Educao no
apenas o ato de informar. Educao a conscientizao,
ultrapassando o simples ato de reproduzir o que foi ensinado,
preparando o ser humano para pensar, questionar e criar.
Nesse diapaso, traz consigo alto significado social e ine-
gvel valor constitucional, haja vista o disposto no artigo 205
da Lei Fundamental:
A educao, direito de todos e dever do Estado e da famlia,
ser promovida e incentivada com a colaborao da sociedade,
visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para
o exerccio da cidadania e sua qualificao para o trabalho.
A esse respeito, oportuno lembrar a lio de Celso Bastos6,
para quem:
esse dispositivo possui carter bifronte, pois, simultaneamente
garantia do direito do povo de receber educao, concede-lhe
o direito de exigir essa prestao estatal, como tambm atribui
prpria sociedade o direito de ministrar o ensino.
5 MAGALHES, Jos Luiz Quadros de. Direito Constitucional. Belo Horizon-te: Mandamentos, 2000, p. 237.
6 BASTOS, Celso. Curso de Direito Constitucional. So Paulo: Saraiva,2000, p. 482.
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luz do dispositivo legal transcrito, tem-se que o pleno
desenvolvimento da pessoa s possvel se tiver, desde a ten-
ra idade, acesso aos bens da vida necessrios ao seu progres-
so fsico e mental, ou seja, sade, alimentao, moradia, apoio
familiar e sistema de ensino adequado. Tanto a Constituio
como o Estatuto da Criana e do Adolescente (ECA) trazem
mandamentos vinculantes obrigao de tornar efetivo o
acesso ao ensino infantil, mormente, em creche e pr-escola.
CF Art. 208. O dever do Estado com a educao ser
efetivado mediante a garantia de: [...]
IV educao infantil, em creche e pr-escola, s crianas at
5 (cinco) anos de idade;
CF Art. 211. A Unio, os Estados, o Distrito Federal e os
Municpios organizaro em regime de colaborao seus sistemas
de ensino. [...]
2 Os Municpios atuaro prioritariamente no ensino funda-
mental e na educao infantil.
ECA Art. 54. dever do Estado assegurar criana e ao
adolescente: [...]
IV atendimento em creche e pr-escola s crianas de zero a
seis anos de idade;
ECA Art. 208. Regem-se pelas disposies desta Lei as aes
de responsabilidade por ofensa aos direitos assegurados cri-
ana e ao adolescente, referentes ao no-oferecimento ou oferta
irregular: [...]
III de atendimento em creche e pr-escola s crianas de zero
a seis anos de idade.
Convm esclarecer que a Constituio utiliza as palavras
educao e ensino para designar realidades distintas. A
primeira indica o processo global de desenvolvimento da pes-
soa, e a segunda a aquisio de conhecimento formal. A esse
respeito, escreve Nina Ranieri7:
7 RANIERI, Nina Beatriz. Autonomia Universitria. So Paulo: Edusp, 2000,p. 168.
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O CONTROLE JUDICIAL DAS POLTICAS PBLICAS
Educao [...] constitui o ato ou efeito de educar-se; o processo
de desenvolvimento da capacidade fsica, intelectual e moral do
ser humano, visando a sua melhor integrao individual e so-
cial. Significa tambm os conhecimentos ou as aptides resul-
tantes de tal processo, ou o cabedal cientfico e os mtodos
empregados na obteno de tais resultados [...]
[...] Ensino, por sua vez, designa a transmisso de conheci-
mentos, informaes ou esclarecimentos teis ou indispens-
veis educao; os mtodos empregados para se ministrar o
ensino, o esforo orientado para a formao ou modificao da
conduta humana [...]
Estabelecidos os conceitos de educao e ensino, cumpre
agora definir o que so polticas pblicas, ou seja, atividades
do Estado que se relacionam com as aes dos poderes
Legislativo e Executivo para sua previso e execuo, para a
realizao e o cumprimento dos princpios e objetivos do Es-
tado brasileiro, indicados na Constituio, nos artigos 1 a 4,
dentre os quais destacamos a cidadania e a dignidade da
pessoa humana (CF, artigo 1, II e III), bem como a constru-
o de uma sociedade livre, justa e solidria e a garantia do
desenvolvimento social (CF, artigo 3, I e II). Sobre o assunto,
oportuna a lio de Maria Paula Dallari Bucci8, para quem
polticas pblicas so as aes de coordenao dos meios
disposio do Estado, harmonizando as atividades estatais e
privadas para a realizao de objetivos socialmente relevantes
e politicamente determinados.
Uma vez desrespeitado o comando legal para a imple-
mentao de polticas pblicas, surge a figura do Ministrio
Pblico9 que, ao atuar como custus legis, promover ao com
8 BUCCI, Maria Paula Dallari. Direito Administrativo e Polticas Pblicas.So Paulo: Saraiva, 2006, 279.
9 Estatuto da Criana e do Adolescente:Artigo 209. As aes previstas neste Captulo sero propostas no foro dolocal onde ocorreu ou deva ocorrer a ao ou omisso, cujo juzo ter com-petncia absoluta para processar a causa, ressalvadas a competncia daJustia Federal e a competncia originria dos tribunais superiores.
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o objetivo de obter a tutela jurisdicional para que se d efetivo
cumprimento do direito educao para a criana.
A Administrao Pblica no pode se valer de juzos de
convenincia e oportunidade com a inteno de descumprir a
obrigao de atender demanda de cada criana a ver-se
matriculada em creche ou pr-escola. O direito educao de
crianas de at cinco anos deve ser plenamente atendido. Nesse
momento, vale transcrever pargrafo motivador da deciso do
AI 677274/SP, cujo entendimento se coaduna com o nosso:
O objetivo perseguido pelo legislador constituinte, em tema de
educao infantil, especialmente se reconhecido que a Lei Fun-
damental da Repblica delineou, nessa matria, um ntido pro-
grama a ser implementado mediante adoo de polticas pblicas
conseqentes e responsveis notadamente aquelas que visem
a fazer cessar, em favor da infncia carente, a injusta situao
de excluso social e de desigual acesso s oportunidades de
atendimento em creche e pr-escola , traduz meta cuja no-
realizao qualificar-se- como uma censurvel situao de
inconstitucionalidade por omisso imputvel ao Poder Pblico.
2 RESERVA DO POSSVEL E MNIMO EXISTENCIAL
Superada a difcil conjuntura de observncia e execuo,
com o surgimento do Estado Social e as Constituies da
segunda metade do sculo XX, os direitos fundamentais dei-
xaram o carter programtico e adquiriram uma exigibilidade
processual protetora e de aplicabilidade imediata.10 Desse
modo, cabe ao Legislativo e ao Executivo a implantao de
polticas pblicas que garantam a prestao material garan-
tidora da efetividade dos direitos de segunda gerao.
Artigo 210. Para as aes cveis fundadas em interesses coletivos oudifusos, consideram-se legitimados concorrentemente:I o Ministrio Pblico; [...] 1 Admitir-se- litisconsrcio facultativo entre os Ministrios Pblicos daUnio e dos estados na defesa dos interesses e direitos de que cuida esta Lei. 2 Em caso de desistncia ou abandono da ao por associao legitimada,o Ministrio Pblico ou outro legitimado poder assumir a titularidade ativa.
10 BONAVIDES, Paulo. Op. cit., p. 564.
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Revista do Curso de Direito da Faculdade de Humanidades e Direito, v. 6, n. 6, 2009 65
O CONTROLE JUDICIAL DAS POLTICAS PBLICAS
3.1 Reserva do possvel
O Estado, muitas vezes, alega a inexistncia de recursos
em virtude de limitao oramentria para justificar o no-
cumprimento da sua obrigao constitucional em relao
realizao dos direitos sociais. Esquece, todavia, que a tutela
das finanas pblicas no pode ser vista como um fim em si
mesma, uma vez que ele existe para atender s necessidades
do ser humano, em todos os seus direitos fundamentais, se-
jam individuais, sociais ou de solidariedade, e no o contrrio.
Essa prestao, persecutria da superao das carncias
sociais e individuais, traz consigo, como no poderia ser dife-
rente, a necessidade de dispndio do errio, motivo pelo qual
o Estado, por mera convenincia e oportunidade, muitas ve-
zes, busca se eximir da obrigao constitucional, justificando-
se por meio do instituto da reserva do possvel.
Referida teoria, criada pela doutrina alem, estabelece que
a efetivao dos direitos sociais se condiciona s limitaes de
ordem econmica, para sustentar a impossibilidade do atendi-
mento integral da necessidade relativa educao infantil. Essa
ideia no pode ter uma aceitao inocente e modesta em nosso
ordenamento jurdico, mesmo porque as realidades do Brasil e
da Alemanha so completamente diferentes, tanto aquela rela-
tiva s questes econmicas quanto sociais, bem como porque
nosso pas possui peculiaridades que merecem ser analisadas:
Nesse sentido, reconheceu a Corte Constitucional alem, na
famosa deciso sobre numerus clausus de vagas nas Univer-
sidades (numerus-clausus Entscheidung), que pretenses
destinadas a criar os pressupostos fticos necessrios para o
exerccio de determinado direito esto submetidas reserva do
possvel (Vorbehalt des Mglichen).11
11 MENDES, Gilmar Ferreira. Os direitos fundamentais e seus mltiplossignificados na ordem constitucional. Disponvel em: .Acesso em: 27 abr. 2009.
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No artigo 212 da Constituio, os constituintes reserva-
ram 18% da receita da Unio e 25% da receita dos Estados,
do Distrito Federal e dos Municpios, no mnimo, na manu-
teno e desenvolvimento do ensino12. Essa receita enten-
dida como resultante de impostos, compreendida a proveni-
ente de transferncias.
3.2 Mnimo existencial
De acordo com Ricardo Lobo Torres13, possvel definir o
mnimo existencial como um direito s condies mnimas de
existncia humana digna que no pode ser objeto de interven-
o do Estado e que ainda exige prestaes estatais positivas.
preciso, no entanto, que o oramento cumpra metas prio-
ritrias, indispensveis ao pleno desenvolvimento da pessoa
humana, tidas como mnimo existencial, independentemente
da disponibilidade, ou no, de recursos materiais pelo Estado.
Nesse sentido a advertncia do ministro Celso de Mello14:
No se mostrar lcito, no entanto, ao Poder Pblico, em tal
hiptese mediante indevida manipulao de sua atividade
financeira e/ou poltico-administrativa criar obstculo artifi-
cial que revele o ilegtimo, arbitrrio e censurvel propsito de
fraudar, de frustrar e de inviabilizar o estabelecimento e a pre-
servao, em favor da pessoa e dos cidados, de condies
materiais mnimas de existncia.
A realizao da dignidade da pessoa humana no pode
depender da existncia de disponibilidade financeira ou
razoabilidade da pretenso individual. O Judicirio pode e
12 CF, Artigo 212. A Unio aplicar, anualmente, nunca menos de dezoito, eos Estados, o Distrito Federal e os Municpios vinte e cinco por cento, nomnimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente detransferncias, na manuteno e desenvolvimento do ensino.
13 TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiroe Tributrio. V. III: Os Direitos humanos e a Tributao Imunidades eIsonomia. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 269.
14 ADPF 45. Voto do Ministro Celso de Mello. 24/04/2004.
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O CONTROLE JUDICIAL DAS POLTICAS PBLICAS
deve garantir o direito de crianas de at cinco anos de idade
se verem matriculadas em creche e em pr-escola15, impondo
que os Municpios aloquem os recursos necessrios. Para isso,
dispem de oramento pblico passvel de suplementao de
crditos oramentrios ou de remanejamento de recursos
destinados s reas de menor significncia para a devida
prestao do servio educacional infantil.
O Poder Executivo se reveste da figura do violador nega-
tivo do texto constitucional ante o no-atendimento s de-
mandas sociais, no presente caso, a prestao de servios
educacionais infantis, com base na reserva do possvel.
O mnimo existencial deve ser consagrado com a aplica-
o dos recursos expressamente previstos na Lei e com a fis-
calizao do gasto. Simplesmente a omisso inadmissvel,
haja vista que falta de recursos financeiros no h mesmo
porque h que ser demonstrada , mas sim, ao que se perce-
be, mau gerenciamento deles. A administrao pblica muni-
cipal est diante da concretizao de polticas pblicas que se
traduzem em direitos sociais constitucionalmente garantidos
e alicerados em princpios constitucionais slidos como a
dignidade da pessoa humana, fundamento do Estado brasilei-
ro, previsto no artigo 1, III da Constituio. A esse respeito,
cabe a transcrio de parte do voto do ministro Celso de Mello
na deciso relativa ADPF 45:
No se ignora que a realizao dos direitos econmicos, sociais
e culturais alm de caracterizar-se pela gradualidade de seu
processo de concretizao depende, em grande medida, de um
inescapvel vnculo financeiro subordinado s possibilidades
oramentrias do Estado, de tal modo que, comprovada, obje-
tivamente, a alegao de incapacidade econmico-financeira da
pessoa estatal, desta no se poder razoavelmente exigir, ento,
considerada a limitao material referida, a imediata efetivao
do comando fundado no texto da Carta Poltica.
15 Nesse sentido, ADPF 45/DF - Rel Ministro Celso de Mello - Informativo/STF n 345/2004.
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REVISTA DO CURSO DE DIREITO
68 Revista do Curso de Direito da Faculdade de Humanidades e Direito, v. 6, n. 6, 2009
No se mostrar lcito, contudo, ao Poder Pblico, em tal hip-
tese, criar obstculo artificial que revele a partir de indevida
manipulao de sua atividade financeira e/ou poltico-adminis-
trativa o ilegtimo, arbitrrio e censurvel propsito de frau-
dar, de frustrar e de inviabilizar o estabelecimento e a preser-
vao, em favor da pessoa e dos cidados, de condies mate-
riais mnimas de existncia.16
3 O CONTROLE JUDICIAL DAS POLTICAS PBLICAS
O Poder Judicirio, em face da inao do Pode Executivo em
efetivar polticas pblicas necessrias ao atendimento dos direi-
tos sociais, deve, munido de seu habitual zelo, fazer cumprir os
encargos poltico-jurdicos que sobre este pairam, com aspecto
mandatrio. A esse respeito, entende Marcelo Novelino17:
[...] os tribunais tm, no apenas a faculdade, mas o dever de
desenvolver e evoluir o texto constitucional em funo das exi-
gncias do presente. Cabe-lhes descobrir os valores consensuais
existentes no meio social e projet-los na tarefa interpretativa.
Sagus observa que esta compreenso se associa ao chamado
ativismo judicial, doutrina que confere ao Judicirio um
protagonismo decisivo nas mudanas sociais e na incorporao
de novos direitos constitucionais aos j existentes, partindo do
pressuposto de que esse Poder, em geral, seria o mais habilitado
funo de plasmar em normas os atuais valores da sociedade.
Corrobora esse entendimento Andreas Joachim Krell, ci-
tado pelo autor18, ao observar que:
[...] a apreciao dos fatores econmicos para uma tomada de
deciso quanto s possibilidades e os meios de efetivao des-
ses direitos cabe, principalmente, aos governos e parlamentos.
Em princpio, o Poder Judicirio no deve intervir em esfera
16 Idem.17 NOVELINO, Marcelo. Op. cit., p. 73.18 NOVELINO, Marcelo. Op. cit., p. 374.
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Revista do Curso de Direito da Faculdade de Humanidades e Direito, v. 6, n. 6, 2009 69
O CONTROLE JUDICIAL DAS POLTICAS PBLICAS
reservada a outro Poder para substitu-lo em juzos de conve-
nincia e oportunidade, querendo controlar as opes
legislativas de organizao e prestao, a no ser, excepcional-
mente, quando haja uma violao evidente e arbitrria, pelo
legislador, da incumbncia constitucional. No entanto, parece-
nos cada vez mais necessria a reviso do vetusto dogma da
separao dos Poderes em relao ao controle dos gastos p-
blicos e da prestao dos servios bsicos no Estado Social,
visto que os Poderes Legislativo e Executivo no Brasil se mos-
traram incapazes de garantir um cumprimento racional dos
respectivos preceitos constitucionais.
O Poder Judicirio pode e deve garantir a efetivao dos
direitos sociais, impondo que a administrao pblica aloque
os recursos necessrios para seu cumprimento.
CONCLUSO
A sociedade brasileira tem enfrentado situaes difceis
relativamente educao infantil, direito de todos e obrigao
do Estado, conforme preceitua o artigo 208, inciso IV, da Lei
Maior, subdiviso de outro direito social: o direito educao
como um todo, prevista no artigo 205 do mesmo Diploma Legal.
Diuturnamente, tomamos conhecimento do descaso com que os
sujeitos de direitos sociais, em especial a educao infantil,
objeto deste trabalho, so tratados, os quais no tm condies
de ser matriculados em creches ou em pr-escolas, configuran-
do um abandono calcado em conjecturas de quem tem o dever
de proteg-los. Falta de edificaes de creches e de pr-escolas,
bem como de profissionais qualificados e material didtico, so
apenas alguns exemplos das deficincias existentes.
grande a quantidade de mes carentes, necessitadas da
prestao do servio educacional para seus filhos de at cinco
anos de idade, que, por no terem recursos suficientes para
pagar uma creche ou pr-escola infantil particular, procuram
a administrao pblica municipal para conseguir vaga a fim
de matricular suas crianas e poder, assim, trabalhar para
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REVISTA DO CURSO DE DIREITO
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auferir o mnimo necessrio de renda que custeie a sua sub-
sistncia e a de suas famlias.
Em face de todo o apresentado, conclui-se que o problema
da falta de vagas em creches e pr-escola para crianas de at
cinco anos, especificamente no municpio de So Paulo, tendo
em conta o acrdo ora analisado, somente ser resolvido se
houver vontade poltica, gerenciamento oramentrio eficiente,
competncia administrativa e gesto ntegra dos recursos.
cedio que a prerrogativa de formular e executar pol-
ticas pblicas funo primria do Legislativo e do Executivo;
todavia, excepcionalmente, absolutamente cabvel que o
Poder Judicirio determine que tais polticas sejam implanta-
das ante a inao dos outros poderes, caracterizada pelo
descumprimento dos encargos sob sua responsabilidade, com-
prometendo, assim, ante sua omisso ou incompetncia, a
eficcia e a integridade dos direitos sociais.
No se trata de judicializar a administrao pblica ou de
se ter o Poder Judicirio como administrador. Todos devem
cumprir a lei, e, diga-se de passagem, no presente caso se
trata da Constituio; este tambm o entendimento de nossa
Suprema Corte.
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