9º Consenge: soCiedade, energia e Meio aMbiente · quadro, o 9º Congresso Nacional de Sindicatos...

94
9º Consenge: soCiedade, energia e Meio aMbiente

Transcript of 9º Consenge: soCiedade, energia e Meio aMbiente · quadro, o 9º Congresso Nacional de Sindicatos...

Page 1: 9º Consenge: soCiedade, energia e Meio aMbiente · quadro, o 9º Congresso Nacional de Sindicatos de Engenheiros (Consenge) debaterá o tema central Sociedade, Energia e Meio Ambiente

9º Consenge: soCiedade,

energia e Meio aMbiente

Page 2: 9º Consenge: soCiedade, energia e Meio aMbiente · quadro, o 9º Congresso Nacional de Sindicatos de Engenheiros (Consenge) debaterá o tema central Sociedade, Energia e Meio Ambiente

triênio 2008/2011

diretoria executiva

Carlos Roberto Bittencourt - PR - PresidenteVicente de Paulo Alves Lopes Trindade - MG - Vice-presidenteRenato dos Santos Andrade - BA - TesoureiroClovis Francisco Nascimento Filho - RJ - Secretário GeralFernando Elias Vieira Jogaib - Volta Redonda/RJ - Relações SindicaisJosé Ezequiel Ramos - RO - Diretor ExecutivoRaul Otávio da Silva Pereira - MG - Diretor ExecutivoRoberto Luiz de Carvalho Freire - PE- Diretor ExecutivoEduardo Medeiros Piazera - SC- Diretor Executivo

suplentes da diretoria executiva

Gilson NériJosé Carlos AssisJorge Dotti CesaClayton PaivaMárcia Ângela NoriUlisses KaniakAgamenon Rodrigues de OliveiraLuiz Antônio Cosenza

Conselho Fiscal

Marcus Fixel HoffmannRogério nascimento RamosTigernaque Pergentino Santana

suplentes do Conselho Fiscal

Rolf Gustavo MeyerLaurette Martins Alcântara SatoMauro Carvalho Vasconcelos

reLaÇÃo de sindiCatos FiLiados À Fisenge:Sindicato dos Engenheiros da BahiaSindicato dos Engenheiros no Estado do Espírito SantoSindicato dos Engenheiros no Estado de Minas GeraisSindicato dos Engenheiros no Estado do ParanáSindicato dos Engenheiros no Estado da ParaíbaSindicato dos Engenheiros no Estado de PernambucoSindicato dos Engenheiros no Estado do Rio de JaneiroSindicato dos Engenheiros no Estado de RondôniaSindicato dos Engenheiros no Estado de SergipeSindicato dos Engenheiros na Cidade de Volta Redonda (RJ)Sindicato dos Engenheiros Agrônomos de Santa Catarina

CoMissÃo organiZadora:Presidente da Fisenge: Carlos Roberto Bittencourt; Diretor Tesoureiro da Fisenge, Renato Andrade dos Santos; Diretor Executivo da Fisenge, José Ezequiel Ramos Presidente do Seagro-SC: Jorge Dotti Cesa Presidente do Senge-RO: Jorge Luiz da Silva Alves

Page 3: 9º Consenge: soCiedade, energia e Meio aMbiente · quadro, o 9º Congresso Nacional de Sindicatos de Engenheiros (Consenge) debaterá o tema central Sociedade, Energia e Meio Ambiente

sUMÁrio

a Cidade sUstentÁVeL ...............................................................07ermínia maricato

integraÇÃo da aMériCa Latina ............................................. 33valter pomar

energia, reCUrsos Minerais e desenVoLViMento.......... 43ildo sauer, nilton bispo amado, sonia seger

Page 4: 9º Consenge: soCiedade, energia e Meio aMbiente · quadro, o 9º Congresso Nacional de Sindicatos de Engenheiros (Consenge) debaterá o tema central Sociedade, Energia e Meio Ambiente

5

apresentaÇÃo

Numerosos são os desafios da Engenharia Nacional no cotidiano da sociedade.Grandes obras, mega eventos e a consolidação de um desenvolvimento sustentávelsão pautas que estão intrinsecamente ligadas aos profissionais da área. Diante destequadro, o 9º Congresso Nacional de Sindicatos de Engenheiros (Consenge) debateráo tema central Sociedade, Energia e Meio Ambiente, em Porto Velho, Rondônia, entreos dias 7 e 10 de setembro. Para fomentar os debates foram produzidas teses sobreos seguintes temas: A cidade sustentável; Integração da América Latina; e Energia,Recursos Minerais e Desenvolvimento.

A arquiteta, que foi ministra adjunta das Cidades, Ermínia Maricato fala sobre a im-portância de políticas públicas nas áreas de habitação, saneamento e mobilidade ur-bana com o objetivo de construir cidades verdadeiramente democráticas e sus -ten táveis. O historiador Valter Pomar disserta sobre a importância de uma integraçãoentre os povos latino-americanos, a fim de construir uma unidade solidária e soberana,além de apontar a necessidade de mudanças estruturais nesse processo de disputade hegemonia. Já a terceira tese foi coordenada pelo professor e ex-dirigente da Pe-trobras, Ildo Sauer, com a participação do engenheiro eletricista e doutor em Energiapela Universidade de São Paulo (USP), Nilton Bispo Amado, e a engenheira civil, tam-bém doutora em Energia pela USP, Sonia Seger. Os autores abordam a importânciada apropriação social da energia e seu papel no modo de produção atual.

Os três documentos convergem em alguns pontos: o desenvolvimento sustentáveldo país e a garantia da soberania nacional. Além das teses, o 9º Consenge tambémserá palco de palestras, debates e definições de políticas. Nesse sentido, a diretoriada Fisenge agradece a colaboração dos autores nessa discussão fundamental para asociedade. O debate está aberto e os sindicatos, ao lado da categoria organizada, cer-tamente marcarão mais um momento histórico no Consenge.

a diretoria

Page 5: 9º Consenge: soCiedade, energia e Meio aMbiente · quadro, o 9º Congresso Nacional de Sindicatos de Engenheiros (Consenge) debaterá o tema central Sociedade, Energia e Meio Ambiente

a Cidade sUstentÁVeL

Professora Erminia Maricato

____________

ermínia MaricatoGraduação (1971), mestrado (1977) e doutorado (1984) e Livre Docência (1996), professora titular (1997) em Ar-quitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo (USP). Professora visitante da University of British Co-lumbia/Center of Human Settlements, Canadá (2002) e da University of Witswaterhand of Johannesburg, Áfricado Sul (2006). Secretária de Habitação e Desenvolvimento Urbano da Prefeitura de São Paulo (1989/1992), co-ordenadora do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP (1998/2002) eMinistra Adjunta das Cidades (2003/2005). Foi consultora ad-doc da FINEP, CAPES, CNPQ, FAPESP, e tambémde inúmeras prefeituras no Brasil e no exterior. Criou o LABHAB - Laboratório de Habitação e AssentamentosHumanos da FAUUSP (1997) e formulou a proposta de criação do Ministério das Cidades. Prêmio Juan TorresHiguerras da Federação Panamericana de Associações de Arquitetos, em 2006. Prêmio Arquiteto do Ano 2007da Federação Nacional de Arquitetos e Urbanistas. Conferência de abertura da World Planning Schools Congress(México, 2006). Key speaker do Social Forum of Architecture - Ankara (2010). Presidente da Comissão dePesquisa da FAUUSP (2007/2009) e Membro do Conselho de Pesquisa da USP (2007/2009). Membro do HumanSettlemente Advisory Board - United Nation Habitat (2009). Membro dos conselhos editoriais da Revista Urbe -PUCPR, Cadernos Metrópole - PUCSP, Revista Brasileira Estudos Urbanos e Regionais- ANPUR e Justice Spa-ciale - Nanterre Universite, França.

Page 6: 9º Consenge: soCiedade, energia e Meio aMbiente · quadro, o 9º Congresso Nacional de Sindicatos de Engenheiros (Consenge) debaterá o tema central Sociedade, Energia e Meio Ambiente

ÍndiCe

INTRODUÇÃO: A QUESTÃO AMBIENTAL SE IMPÔS NAS AGENDAS

NACIONAL E GLOBAL

NO BRASIL: A URBANIZAÇÃO PRÓPRIA DO CAPITALISMO PERIFÉRICO: DE-

SIGUALDADE SOCIAL E PREDAÇÃO AMBIENTAL

MUDANÇAS NO PROCESSO DE URBANIZAÇÃO. METRÓPOLES,

CIDADES MÉDIAS. COMO ANDAM A HABITAÇÃO E SANEAMENTO

O AUTOMÓVEL REINA SOBERANO. O TRANSPORTE COLETIVO

CAMINHA PARA A RUÍNA

O IMPACTO DAS POLÍTICAS NEOLIBERAIS NO APROFUNDAMENTO DA

TRAGÉDIA URBANA BRASILEIRA E A RETOMADA DO DESENVOLVIMENTISMO

O PROGRAMA DE ACELERAÇÃO DO CRESCIMENTO (PAC), O PROGRAMA

MINHA CASA, MINHA VIDA (MCMV), E O PLANO DIRETOR PARTICIPATIVO:

UMA AGENDA PARA AS CIDADES NO INÍCIO DO SÉCULO XXI?

O MOVIMENTO SOCIAL DE REFORMA URBANA, AS CONQUISTAS

INSTITUCIONAIS, A AMPLIAÇÃO DA PARTICIPAÇÃO E O IMPASSE ATUAL

SOBRE A FORMAÇÃO DO ENGENHEIRO

DESAFIOS, DIFICULDADES E PERSPECTIVAS

11

13

14

18

19

22

24

26

28

Page 7: 9º Consenge: soCiedade, energia e Meio aMbiente · quadro, o 9º Congresso Nacional de Sindicatos de Engenheiros (Consenge) debaterá o tema central Sociedade, Energia e Meio Ambiente

11

A CIDADE SUSTENTÁVEL

1- introdUÇÃo: a QUestÃo aMbientaL se iMpÔs nas agendas naCionaL e gLobaL1

É de conhecimento amplo que o padrão capitalista de produção e consumo, (e aípoderíamos incluir as sociedades socialistas produtivistas), vigente nos últimos 200anos, desconhece limites para a exploração de recursos naturais, consumo de energiae poluição de terras, águas e ar, tornando-se absolutamente insustentável para o futuroda humanidade e do planeta. Numa sociedade onde a mercadoria se generaliza aponto de marcar como tal o próprio trabalhador, a felicidade é identificada com o atode possuir ou consumir, novas necessidades são criadas por força do mercado. Re-verter este padrão não é tarefa banal.

A crise ambiental se impõe na agenda política do final do século XX e iníciodo século XXI com um diferencial (mas necessariamente em parceria), com a crise so-cial e econômica promovida pelo desemprego e precarização do trabalho decorrentesda reestruturação produtiva do capitalismo. Aquecimento global, agressão à camadade ozônio, elevação do nível do mar, desertificação de terras, assoreamentos de cursosd’água, são evidências científicas do Intergovernmental Panel on Climate Change(IPCC) e entraram na agenda para ficar2.

Além de inviável, esse padrão produtivo é injusto: alguns consomem, de formaconspícua marcada pelo desperdício, mais do que necessitam e muitos não consomem

____________

1 A autora agradece as indispensáveis colaborações de: engenheiro, e professor da UFABC, Francisco Comarú;urbanista e professora da PUC de Campinas, Laura Machado de Mello Bueno; e engenheiro Clovis do Nasci-mento, Secretário Geral da FISENGE.

2 Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC), trata-se de um corpo de cientistas definidos pela UnitedNations Environment Programme (UNEP) e pela World Meteorological Organization (WMO) que visa fornecer umdiagnóstico claro do conhecimento sobre mudança climática e seus potenciais impactos sócio-econômicos.

Page 8: 9º Consenge: soCiedade, energia e Meio aMbiente · quadro, o 9º Congresso Nacional de Sindicatos de Engenheiros (Consenge) debaterá o tema central Sociedade, Energia e Meio Ambiente

12

9º CONGRESSO NACIONAL DE SINDICATOS DE ENGENHEIROS – CONSENGE

o mínimo para a sobrevivência. E sabemos que o planeta não tem recursos para quetodos consumam de acordo com o padrão americano vigente. Há consenso sobre anecessidade de mudança, mas não há consenso sobre as causas e também sobre aprofundidade das medidas a serem tomadas. Há resistências – ou interesses – muitofortes contra as mudanças, e elas são especialmente fortes no meio urbano. E maisainda nos países emergentes e periféricos.

Apenas para dar uma ideia de fatos que denunciam um estado de emergência, valea pena lembrar que uma pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Es-tatística (IBGE) em 2002 mostrou que aproximadamente 60% dos municípios brasileirosapresentavam assoreamento dos cursos d’água (70% com desmatamento das matasciliares e 56% com erosão e deslizamentos de encostas), 74% despejam esgotos do-mésticos nos cursos d’água, 63% apresentavam contaminação do solo por uso de agro-tóxicos, esgotos domésticos e chorume.

Utilizando um indicador menos sistêmico e isolado, porém paradigmático, podemoschegar à mesma conclusão sobre a urgência catastrófica da poluição da água em meiourbano. Pesquisas realizadas nos anos 90 trouxeram à tona uma evidência estarrece-dora. Se nos anos 60 constatou-se a presença de metais pesados na água conside-rada potável, submetida a tratamento, nos anos 90 constatou-se que o tratamentoconvencional não elimina a presença de poluentes fármacos, hormônios, disruptoresendócrinos, herbicidas, em águas que recebem efluentes de ETES3.

Há 40 anos, o Brasil consumia 5% dos agrotóxicos que os EUA consumiam. Em2009, o Brasil tornou-se o maior consumidor de agrotóxico do mundo, com óbvio im-pacto sobre as águas também no meio urbano, mas especialmente sobre a segurançaalimentar. Enquanto o mercado mundial de agrotóxicos cresceu 94% entre 2000 e 2009,o brasileiro subiu 192%4. Foram negociados 1,06 milhão de toneladas de defensivos,segundo o Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Agrícola. Apenas13 empresas transnacionais são responsáveis por 90% dessa produção. No entanto,nunca a palavra sustentabilidade foi tão pronunciada e, não pouco frequentemente,alardeada exatamente por aqueles que mais a violentam. O desafio da FISENGE aodebater a cidade sustentável é o desafio do Brasil e do mundo de transformar um padrãosocial, econômico, cultural, político e ambiental insustentável.

____________

3 Esses estudos são geralmente de universidades públicas. Somente em 2005, as concessionárias de saneamentoforam obrigadas a avaliar outros parâmetros além dos sanitários, por Portaria da Fundação Nacional de Saúde(FUNASA), e deverão torná-los públicos conforme resolução da Agência Nacional de Águas (ANA). Ver a respeitoBUENO, L.M. A água no ambiente urbano. In BIOIKOS 51-55 Vol. 19, nºs 1 e 2 , jan/dez 2005.

4 Reportagem de Débora Prado. Revista Caros Amigos, de 17/09/2010

Page 9: 9º Consenge: soCiedade, energia e Meio aMbiente · quadro, o 9º Congresso Nacional de Sindicatos de Engenheiros (Consenge) debaterá o tema central Sociedade, Energia e Meio Ambiente

13

A CIDADE SUSTENTÁVEL

2 - no brasiL: a UrbaniZaÇÃo prÓpria do CapitaLisMo periFériCo:desigUaLdade soCiaL e predaÇÃo aMbientaL

De 1940 a 2010 a proporção da população brasileira vivendo nas cidades passoude 31% a 84%, com atuais cerca de 160 milhões de residentes urbanos. Pode-se dizerque foi um dos processos mais intensos de urbanização ocorridos no mundo duranteo século XX. Esse deslocamento gigantesco de população está relacionado à históricaconcentração da terra rural e ao fracasso da proposta de Reforma Agrária, uma daspropostas de Reforma de Base sustentada pelos movimentos sociais e sindicais noperíodo que antecedeu o Regime Militar que teve início em 1964.

Nas cidades para onde se dirigiram, esses migrantes tiveram um papel fundamentalcomo oferta de mão de obra barata para o processo de industrialização tardio baseadona chamada substituição de importação. Entre 1940 e 1980 o Brasil cresceu a taxassuperiores a 7% configurando um aparentemente bem sucedido salto de moderniza-ção. No entanto essa modernização se fez às expensas da força de trabalho barataque, ignorada pelas políticas públicas e excluída do mercado formal residencial capi-talista, foi obrigada a construir suas próprias moradias, e frequentemente seus própriosbairros, para resolver seu problema de assentamento nas cidades.

Um processo de urbanização baseado nos baixos salários – nas áreas industrializadas– e na relação informal, nas áreas de economia deprimidas é a chave explicativa para ci-dades e metrópoles produzidas, em grande parte, de forma ilegal pelas mãos de seusmoradores: sem observação de leis urbanísticas e edilícia, sem conhecimento técnico deengenheiros e arquitetos, sem financiamento público ou subsídios resultando em casase demais edifícios cuja construção se arrasta ao longo de muitos anos, marcados por am-bientes insalubres e áreas submetidas a riscos de diversas naturezas. Trata-se, ainda,desde o início da industrialização até os dias de hoje, de uma força de trabalho que nãoganha o suficiente para sua própria reprodução dentro da formalidade urbanística.

A ocupação de áreas inadequadas ou ambientalmente frágeis como APAS, APPs,mangues, dunas, encostas instáveis, pela população pobre – ou seja, a maior parte dapopulação – é apenas mais uma das consequências desse processo que tem no mercadoprivado especulativo e restritivo – orientado pelo produto de luxo – um agente central.

A escala da cidade ilegal no Brasil mostra que ela é mais regra que exceção. Nasmetrópoles situadas nas regiões Norte e Nordeste do Brasil, mais de 50% dos domi-cílios são ilegais (essa taxa se aplica também ao Rio de Janeiro). Em São Paulo, BeloHorizonte, Porto Alegre, Salvador, essa taxa está entre 33% e 25% dos domicílios. Atémesmo a “planejada” Curitiba apresenta números significativos se considerarmos suaRegião Metropolitana. O diagnóstico sobre as cidades não contraria o fato de que setrata de uma das sociedades mais desiguais do mundo. Até mesmo no contexto da

Page 10: 9º Consenge: soCiedade, energia e Meio aMbiente · quadro, o 9º Congresso Nacional de Sindicatos de Engenheiros (Consenge) debaterá o tema central Sociedade, Energia e Meio Ambiente

14

9º CONGRESSO NACIONAL DE SINDICATOS DE ENGENHEIROS – CONSENGE

América Latina, o Brasil é um campeão de desigualdade.

A ocupação desordenada da terra, a falta de controle sobre o uso e a ocupação dosolo, a especulação fundiária e imobiliária sem regulação (com a despudorada demons-tração de luxo e preconceito), a segregação urbana, o crescimento exponencial de fa-velas, os desastres decorrentes de desmoronamentos com mortes e até mesmo a altataxa de impermeabilização do solo causadora de enchentes constantes, são causasarticuladas de um processo que tem a valorização imobiliária no seu núcleo central.

Não faltam planos e nem leis para contrariar essa cidade partida e reorientar seusrumos. O planejamento urbano é bastante prestigiado nos meios técnicos e até mesmona grande mídia. Após 2005 teve lugar a produção de um número significativo de Pla-nos Diretores participativos formulados por 1.526 municípios brasileiros. As leis urba-nísticas no Brasil figuram entre as mais avançadas do mundo tendo à frente o Estatutoda Cidade aprovado no ano 2001 após muitas lutas dos movimentos sociais reunidosem torno do Movimento Nacional de Reforma Urbana.

Ao decidir debater o tema de Cidades Sustentáveis, a FISENGE se encontra diantede um grande desafio: como implementar políticas, planos e programas que rompamcom a injustiça urbana e com a predação ambiental que persiste apesar das conquistasinstitucionais obtidas nos últimos anos? Como vencer os obstáculos que se contrapõemàs propostas que ocupam um sem número de teses, agendas, planos, leis, tecnica-mente viáveis, socialmente necessários, mas politicamente travados? Esta é a questão.

3 - MUdanÇas no proCesso de UrbaniZaÇÃo. MetrÓpoLes e CidadesMédias. CoMo andaM a HabitaÇÃo e saneaMento

O Brasil tem apresentando mudanças acompanhadas de grande impacto territorialdecorrentes de sua inserção na economia globalizada na virada do século XXI. O pro-cesso de urbanização, historicamente concentrado nas faixas litorâneas, apresentamudanças. A partir de 1980 o IBGE evidencia a reorientação dos fluxos migratórios.As cidades do Norte e do Centro-Oeste passam a crescer a taxas mais altas e, alémdisto, as cidades de porte médio (entre 100 mil e 500 mil habitantes) crescem propor-cionalmente mais do que as metrópoles. Esse fenômeno, crescimento das cidades deporte médio, se dá tanto no que se refere à população quanto à economia. Enquantoa população das cidades grandes cresceu 1,43% e a das cidades pequenas 1,15% aoano, entre 2000 e 2007, as cidades de porte médio cresceram 2,06% no mesmo pe-ríodo. Quanto ao Produto Interno Bruto (PIB), as cidades de porte médio apresentaramcrescimento de 5,3% ao ano entre 2002 e 2006, ao mesmo tempo em que o cresci-mento do PIB nacional ficou aquém de 3,2% ao ano em média5.

Page 11: 9º Consenge: soCiedade, energia e Meio aMbiente · quadro, o 9º Congresso Nacional de Sindicatos de Engenheiros (Consenge) debaterá o tema central Sociedade, Energia e Meio Ambiente

15

A CIDADE SUSTENTÁVEL

A região Sudeste perde peso relativo na economia brasileira. O indicador de Valorda Transformação Industrial (VTI) mostra que a importância da Região Metropolitanade São Paulo passou de 43,5% em 1970 para 22,0% em 2005. O VTI do estado deSão Paulo passou de 58,1% em 1970 para 44,0% em 2005. O VTI da região Sudestepassou, como um todo, de 80,7% em 1970 para 61,8% em 2005, perdendo importânciarelativa se comparado a todas as demais regiões do país6.

Entretanto, apesar das mudanças, trazidas especialmente pelo agronegócio ancoradona exportação de commodities, a concentração econômica e as desigualdades regionaispersistem acentuadamente. O mesmo vale quando olhamos para as cidades. Os dadosnão nos autorizam a negar a característica de concentração de pessoas e poder econô-mico nos grandes pólos configurados nas principais metrópoles e nelas uma desigualdademuito acentuada, como evidenciam estudos do Observatório das Metrópoles.

Como mostra a Tabela 1 abaixo, nas 15 metrópoles mais populosas em 2010 resi-diam cerca de 36% da população total do país, o equivalente a 69 milhões de habitan-tes, segundo dados do Censo de 20107.

Metrópoles brasileiras – população ibge/2010

Metrópoles

São Paulo

Rio de Janeiro

Belo Horizonte

Porto Alegre

Brasília

Curitiba

Salvador

Recife

Fortaleza

Campinas

Manaus

Goiânia

Belém

Vitória

Florianópolis

total metrópoles

Habitantes

19.672.582

11.602.070

4.882.977

3.960.068

3.716.996

3.168.980

3.353.704

3.688.428

3.525.564

2.798.477

2.021.722

2.091.335

2.040.843

1.685.384

877.706

69.086.836

____________

5 Motta, D.M. e Matta, D. Dinamismo das Cidades Médias Brasília: IPEA, 2010. Ver ainda 6 Campolina Diniz, Fórum Fiscal, Brasília 2008.7Ver sítio www.ibge.gov.br

Fonte: Observatório

das Metrópoles, 2004 e 2009.

Page 12: 9º Consenge: soCiedade, energia e Meio aMbiente · quadro, o 9º Congresso Nacional de Sindicatos de Engenheiros (Consenge) debaterá o tema central Sociedade, Energia e Meio Ambiente

16

9º CONGRESSO NACIONAL DE SINDICATOS DE ENGENHEIROS – CONSENGE

As duas maiores e mais importantes metrópoles localizam-se na região que conti-nua sendo a mais rica e dinâmica do país – o Sudeste – e, juntas, detêm pouco maisde 23% da população urbana total e mais de 45% da população das 15 regiões apre-sentadas na Tabela 1.

É preciso reconhecer que a urbanização no Brasil, contribuiu positivamente com aevolução de alguns indicadores ao longo do século XX e início do século XXI. Entreos exemplos destacam-se a diminuição da mortalidade infantil (de 150 mortes paracada mil nascidos vivos em 1940 para 23,3 em 2008), a melhoria da expectativa devida (de 40,7 anos de vida média em 1940 para 72,8 em 2008), a diminuição da taxade fertilidade8 (de 6,16 filhos por mulher em idade fértil em 1940 para 1,86 em 2008)e o aumento muito significativo da escolaridade da população (55,9% de analfabetosem 1940 para 10% em 2007).

Segundo relatório da UN-Habitat9, a América Latina e o Caribe constituem-se terra

da desigualdade: os coeficientes de Gini das zonas urbanas desta região estão entreos mais altos do mundo. No nível das cidades, as mais desiguais da região (Américase Caribe) incluem as brasileiras Goiânia, Brasília, Belo Horizonte, Fortaleza e SãoPaulo, e a cidade colombiana de Bogotá – todas com coeficiente de Gini acima de0,60, o que é considerado um padrão extremamente alto em termos de comparaçãointernacional (regiões urbanas comparáveis da Índia apresentavam em 2005, cercade 0,37, por exemplo). Estes coeficientes de desigualdade estão muito próximos dosseguidos por outras cidades brasileiras como Rio de Janeiro e Curitiba, pouco abaixode 0,6. Segundo a mesma fonte, outras cidades latino-americanas como Buenos Aires,Santiago, Quito, Guatemala, México apresentavam coeficientes de Gini entre 0,50 e0,55 – melhor colocadas que as brasileiras.

O déficit habitacional estimado em 2007 corresponde a 6,3 milhões de domicílios,dos quais 5,2 milhões referem-se a regiões urbanas, de acordo com dados do Minis-tério das Cidades e Fundação João Pinheiro10. Quase 90% do déficit habitacional re-fere-se à população com rendimentos na faixa de zero a três salários mínimos.

A população moradora de favelas cresceu mais do que o conjunto da população ur-bana durante as décadas de 1980 e 1990. De acordo com o IBGE, 82% da população

____________

8 Portanto abaixo do nível mínimo de reposição da população, considerado de 2,1 filhos por mulher. No Sudesteesta taxa estava em torno de 1,62 filhos por mulher. Fonte: IBGE: http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noti-cias/noticia_impressao.php?id_noticia=1233 9 UN-HABITAT – United Nations Human Settlement Programme. State of the world’s cities 2008/2009. Harmoniouscities. London: Earthscan: IIED, 2008.10 4 Brasil. Ministério das Cidades. Déficit habitacional no Brasil 2007. Em: http://www.cidades.gov.br/secretarias-nacionais/secretaria-de-habitacao/biblioteca/publicacoes-e-artigos/DeficitHabitacional.zip/view

Page 13: 9º Consenge: soCiedade, energia e Meio aMbiente · quadro, o 9º Congresso Nacional de Sindicatos de Engenheiros (Consenge) debaterá o tema central Sociedade, Energia e Meio Ambiente

17

A CIDADE SUSTENTÁVEL

brasileira moradora de favelas (habitações subnormais) estavam nessas 11 metrópolesque concentram também 33% do déficit habitacional ou o equivalente a 2.192.296 uni-dades. Mais da metade dos moradores de favelas estão nas metrópoles de São Pauloe Rio de Janeiro o que afirma esse padrão de crescimento, modernização, concentraçãode poder e riqueza e a manutenção de relações atrasadas e pobreza.

Apesar da ampliação do acesso à água tratada, 5% da população urbana e 18,8%da população brasileira não fazem parte desse quadro, o que soma 37,6 milhões depessoas, que corresponde a dez países do tamanho do Uruguai11.

Na área de esgotamento sanitário a situação é desesperadora, pois coletamos 52%dos esgotos produzidos na área urbana e tratamos apenas 65%. Significa dizer que96 milhões de brasileiros não são atendidos com sistema de esgotamento sanitário econtribuem para o quadro dantesco de poluição hídrica.

Com base na totalidade dos esgotos gerados pela população brasileira, o índicede tratamento é de apenas 35%, ou seja, 65% dos esgotos produzidos, sem trata-mento, contribuem, de maneira decisiva, para a poluição dos rios e mares transfor-mando-se em um dos principais veículos de transmissão de doenças, ampliando aproliferação de vetores e de reservatórios de doenças infecto-contagiosas.

A coleta domiciliar de lixo está marcada por um padrão questionável, como evi-dencia o abandono dos bairros pobres, e o destino final dos resíduos constitui omaior problema.

A drenagem e macrodrenagem urbanas constituem um capítulo à parte que requeratenção dos profissionais de engenharia. As soluções ainda preconizadas na maioriadas obras, mais agravam o problema ao invés de resolvê-los. Tamponamento de cór-regos para a construção de avenidas em fundos de vales, marginais nas áreas lindeirasde rios e córregos são modelos seguidos em todo o Brasil, durante décadas, que con-tribuíram para a impermeabilização da superfície urbana e ocorrência tão frequentede enchentes. Após décadas de erros que apressaram o fluxo das águas pluviais paraas calhas urbanas, trata-se de retardá-lo e outra solução paliativa ganha status de mo-delos que são disseminados de uma cidade para outra – “os piscinões” – contribuindopara a felicidade de um certo empresariado que oferece soluções rápidas aos gover-nantes de plantão. Enquanto isso, o padrão de ocupação do solo permanece inalteradoe a impermeabilização avança guiada especialmente pela matriz rodoviarista ou peloimpério do automóvel. Este merece um destaque neste documento.

____________

11 Brasil. Ministério das Cidades. Diagnóstico dos serviços de água e esgoto. Secretaria Nacional de SaneamentoAmbiental do Ministério das Cidades / SNIS. Brasília, 2008. Disponível em: http://www.snis.gov.br/

Page 14: 9º Consenge: soCiedade, energia e Meio aMbiente · quadro, o 9º Congresso Nacional de Sindicatos de Engenheiros (Consenge) debaterá o tema central Sociedade, Energia e Meio Ambiente

18

9º CONGRESSO NACIONAL DE SINDICATOS DE ENGENHEIROS – CONSENGE

4 - o aUtoMÓVeL reina soberano. o transporte CoLetiVo CaMinHapara a rUÍna

De todos os fatores que contribuem para a piora na condição de vida das metró-poles, o modelo de mobilidade baseado na matriz rodoviarista, especialmente no au-tomóvel, e o relativo desprezo pelo transporte coletivo são, talvez, os de maior impacto.Em 2008, o Brasil produziu aproximadamente 2,8 milhões de automóveis de passa-geiros e comerciais leves. Estima-se que em 2010 a produção tenha sido de aproxi-madamente 2,9 milhões e, em 2015, será de 3,9 milhões, a maior parte dos quais ficano país, que por sua vez, segundo estimativas, será o terceiro mercado mundial con-sumidor de automóveis até o fim da década12. O produto das indústrias automobilísticasequivaleu a 13% do PIB em 1999 e 19,8% do PIB dez anos depois, em 2009.

Em 2008 a indústria automobilística mundial produziu 66 milhões de unidades eem 2015 estima-se que vá produzir 82 milhões. As indústrias automobilísticas estãose voltando para os países “emergentes” para onde tem sido orientada a produção eo consumo dos veículos e não apenas em busca da mão de obra barata.

O automóvel é o fator urbano de maior impacto no aquecimento global, idem na qua-lidade do ar nas cidades, induz a ocupação espraiada do solo, é um dos maiores res-ponsáveis pela impermeabilização do solo (causa principal de enchentes), atua comooposição ao transporte coletivo de massa, ao pedestre e à mobilidade baseada em veí-culos não motorizados, além de ser uma das maiores causas de mortes ou incapacitaçãopara o trabalho devido ao número de acidentes que em 2005 totalizaram 35.753 óbitose 123.061 internações a um custo de R$ 118 milhões (SUS – Ministério da Saúde).

Em dez metrópoles brasileiras 38,1% das viagens são feitas a pé13. No entanto, oautomóvel continua sendo um dos itens de maior investimento por parte das prefeiturase governos estaduais, tendência orientada pela visibilidade das obras e compromissosde financiamento de campanhas eleitorais. Comparado ao transporte coletivo os au-tomóveis são responsáveis por 83% dos acidentes e 76% da poluição. O custo dashoras de trabalhadores parados em trânsito congestionado pode atingir 10% do PIBde uma metrópole, como comprovou pesquisa desenvolvida em 2008, pela FundaçãoGetúlio Vargas para a cidade de São Paulo.

Dados da Associação Nacional de Transporte Público (ANTP) mostram que autos,motos e táxis recebem de R$ 10,7 a R$ 24,3 bilhões/ano de subsídios (86%), enquantoo transporte público recebe R$ 2,0 a R$ 3,9 bilhões (14%)14.

____________

12 Segundo a PricewaterhouseCoopers, 2010.13 Fonte ANTP, elaboração IPEA. Revista Desenvolvimento. IPEA, ago 2009.14 AFFONSO, N.S. Automóveis e sustentabilidade. Revista Desenvolvimento. IPEA ago 2009 .

Page 15: 9º Consenge: soCiedade, energia e Meio aMbiente · quadro, o 9º Congresso Nacional de Sindicatos de Engenheiros (Consenge) debaterá o tema central Sociedade, Energia e Meio Ambiente

19

A CIDADE SUSTENTÁVEL

Durante a crise global de 2008 a indústria automobilística recebeu subsídios públi-cos em vários países do mundo, incluindo o Brasil. No entanto, em que pesem os nú-meros inéditos de venda de automóveis entre nós, os recursos investidos pelasmontadoras no país ficaram aquém da remessa de lucros que estas enviaram ao ex-terior: entre 2008 e 2010 as empresas automotivas enviaram, entre remessas de lucrose dividendos, US$ 12,4 bilhões diante de investimentos externos de US$ 3,6 bilhões15.

5 - o iMpaCto das poLÍtiCas neoLiberais no aproFUndaMento da tra-gédia Urbana brasiLeira e a retoMada do desenVoLViMentisMo

O ideário neoliberal que acompanhou a reestruturação produtiva do capita-lismo deixou uma herança nas cidades dos países emergentes ou não desenvolvidosdo mundo capitalista que serão necessários muitos anos de investimentos, caso elesaconteçam, para neutralizar seu impacto. A queda do crescimento econômico, o de-semprego, o aprofundamento da informalidade, o aumento da violência, o aumento decrianças abandonadas, o aumento dos moradores (e até de famílias) nas ruas, o cres-cimento das favelas, mas especialmente o recuo das políticas públicas e sociais emcontexto de significativo crescimento urbano, como verificado na América Latina, mar-caram as duas últimas décadas do século XX e início do século XXI16.

Se a reestruturação produtiva com a precarização do trabalho e fim do Wel-fare State significou ampliação da desigualdade nas cidades dos países centrais, entrenós, que nunca conhecemos a universalização de direitos como a previdência social,o impacto foi mais profundo.

O que havia de acúmulo de capacidade técnica e administrativa no aparelhode Estado – que não era muita – foi desconstruída especialmente a partir do governode Collor de Mello. Isso se deu especialmente na habitação, no saneamento e nostransportes urbanos17. As propostas de desregulamentação ou privatizações eviden-temente constituíram-se em fracassos nos casos das políticas sociais.

Embora a partir de 2003 o Brasil passe a apresentar políticas públicas voltadaspara a distribuição de renda, como foi o caso da Bolsa Família ou aumento real do sa-lário mínimo, foi somente a partir de 2006 que se verifica uma clara agenda desenvol-

____________

15 Ver de SARTI, F. e HIRATUKA, C. Gasto público, lucro privado. In Revista Carta Capital. 16/fev.2011.16 Ver a respeito: um quadro internacional em DAVIS, M. Planeta Favela. São Paulo: Boitempo. 2006. Para oBrasil, ver dados sobre a piora nas condições de vida urbana, MARICATO, E. O impasse da política urbana.Petrópolis: Vozes, no prelo.

Page 16: 9º Consenge: soCiedade, energia e Meio aMbiente · quadro, o 9º Congresso Nacional de Sindicatos de Engenheiros (Consenge) debaterá o tema central Sociedade, Energia e Meio Ambiente

20

9º CONGRESSO NACIONAL DE SINDICATOS DE ENGENHEIROS – CONSENGE

vimentista em oposição à agenda neoliberal. Em maio de 2007 é lançado o primeiroPlano de Aceleração do Crescimento (PAC) com previsão de investimentos de R$503,9 bilhões em logística (rodovias, ferrovias, portos, hidrovias, aeroportos), energia(geração, transmissão, combustíveis renováveis, petróleo e gás natural), sociais e ur-banos (luz para todos, habitação, saneamento e recursos hídricos).

O PAC rompia com a regra de fogo do ajuste fiscal antes determinado pelo FundoMonetário Internacional (FMI) de contabilizar no superávit primário as despesas comessas obras. Esse artifício permitiu que o Estado brasileiro retomasse o investimentoem obras de infraestrutura econômica e social o qual estava praticamente abandonadohá quase três décadas. Ainda na agenda para as cidades, em 2009 o governo federallança o Programa Habitacional Minha Casa Minha Vida.

Ao mesmo tempo o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social(BNDES) avança decisivamente no financiamento de investimentos industriais e na in-fraestrutura. Em 2004 a participação do BNDES nesses investimentos era de 19%; em2009 chegou a quase 40% totalizando R$ 137,4 bilhões. Essa orientação permitiu aconcentração de capitais em torno de algumas empresas – ou fusões de empresas –que passaram a figurar entre os maiores conglomerados transnacionais do planeta. OBNDES e, portanto, o Estado brasileiro tornou-se sócio do Bradesco, Brasken, BrasilFoods (fusão da Sadia com a Perdigão), Coteminas, Companhia Siderúrgica Nacional(CSN), Embraer, Gerdau, Itaú, JBS, Klabin, Marfrig e Vale.

O crescimento econômico, com impacto sobre o crescimento do emprego, e as po-líticas públicas distributivas contribuíram para mudar o quadro da distribuição da rendano Brasil, durante os governos do presidente Lula. A Segundo a Relação Anual de In-formações Sociais (RAIS), foram gerados 1,77 milhões de empregos apenas em 200918.

Considerando os rendimentos do trabalho, aumento do emprego, ganhos da pre-vidência (que, ao contrário do que quer a agenda neoliberal, não são regressivos) e apolítica assistencial, entre 2001 e 2008, o número de pobres no Brasil caiu de 57milhões para menos de 30 milhões de pessoas19. Quanto ao número de indigentes oupobreza extrema, o número é mais efetivo e caiu de 36 milhões de indivíduos para 12milhões ou 3,6 milhões de famílias, no mesmo período. Isso significa que a proporçãode indigentes que era no começo do período 19,2% da população, cai para 6,5%20.

____________

17 Ver a respeito: MARICATO, E. Metrópoles desgovernadas. Revista IEA. São Paulo/USP, abril 2011.18 http://blog.planalto.gov.br/brasil-gera-17-milhao-de-empregos-no-ano-da-crise-economica-mundial/19 Conceito de pobreza utilizado nessa medição: US$ 2,5 por dia per capita.20 Fonte: PNAD/IBGE com dados manejados por Lena Lavinas, 2010.

Page 17: 9º Consenge: soCiedade, energia e Meio aMbiente · quadro, o 9º Congresso Nacional de Sindicatos de Engenheiros (Consenge) debaterá o tema central Sociedade, Energia e Meio Ambiente

21

A CIDADE SUSTENTÁVEL

O salário mínimo teve reajuste nominal de 155% e aumento real de 73% (acimada taxa de inflação calculada pelo INPC/IBGE) de janeiro de 2003 a março de 201021.Em dezembro de 2008, o Bolsa-Família chegava a 11.353.445 famílias com recursosno valor de R$ 10,9 bilhões22. Outros programas também ajudaram a irrigar recursospara as camadas mais pobres da sociedade: Luz para Todos, Pro-UNI, Crédito Con-signado, PRONAF, Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), entre outros.

Apesar desses números, que podem ser atribuídos tanto a iniciativas internasquanto (especialmente o crescimento econômico) à expansão capitalista que privile-giou os chamados países emergentes, a distribuição de renda no Brasil continua aapresentar índices inaceitáveis. O Coeficiente Gini, indicador universal aprovado pelaOrganização das Nações Unidas (ONU), que mede a desigualdade social, passou de0,587 em 2002 para 0,539 em 200923.

Apesar da queda da taxa de juros nos anos do governo Lula, o Brasil mantém ataxa mais alta do mundo com impacto decisivo sobre os gastos federais. O estudo doInstituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) “Distribuição funcional da renda noBrasil: situação recente” baseado na PNAD/IBGE revela que de 2000 a 2007 o Brasilgastou com os serviços da dívida mais do que o dobro do que gastou com educação,saúde e investimentos, de um modo geral. Sete por cento do PIB são comprometidoscom juros da dívida, um verdadeiro ralo de recursos públicos transferidos como rendade propriedades24. Essa constatação envolve uma clara disputa que está presente nasociedade brasileira há muitos anos e ainda permanece viva em 2011. De um ladoestão os representantes do capital financeiro e dos veículos de comunicação ligadosao mainstream, repetindo ad nauseam, como um mantra, a necessidade de aumentodos juros e de cortes dos gastos públicos por meio da diminuição do aparelho de Es-tado e das políticas sociais. De outro, há a constatação de que o Estado brasileironão é o apregoado elefante superdimensionado, de que a taxa de juros pode seroutra, e os investimentos em educação e saúde, entre outras políticas sociais, preci-sam ser ampliados25.

____________

21 Informações extraídas de BRASIL. Presidência da República. Secretaria de Comunicação Social. Destaques:ações e programas do Governo Federal / Secretaria de Comunicação Social – Brasília, 2010.22 Fonte: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome.23 Dados extraídos de Apresentação de Jorge Abrahão de Castro na 1º Conferência Nacional de Políticas Públicas– UFRN e USP, em Natal, nov. de 201024 er a respeito entrevista de Marcio Pochmann para o jornal Brasil de Fato. 20 a 26 nov. 2008. 25 Ver a respeito da possível e necessária diminuição da taxa de juros os artigos de Amir Khair no jornal O Estadode São Paulo, entre janeiro e abril de 2011.

Page 18: 9º Consenge: soCiedade, energia e Meio aMbiente · quadro, o 9º Congresso Nacional de Sindicatos de Engenheiros (Consenge) debaterá o tema central Sociedade, Energia e Meio Ambiente

22

9º CONGRESSO NACIONAL DE SINDICATOS DE ENGENHEIROS – CONSENGE

Além do mais, condições estratégicas que mantém a desigualdade social e eco-nômica não foram tocadas. Para citar apenas duas, o lucro dos bancos nesse períodoaumentou (420% em relação à era FHC) atingindo recordes no ano de 2010, e a ques-tão da terra ficou intocada, no campo ou na cidade.

A queda no desemprego e a distribuição de renda contribuem para a melhoria davida urbana embora, como veremos adiante, não é suficiente. Nas cidades lidamoscom uma variável que é o território. Sem tocar na questão fundiária, o direito à cidadefica travado como veremos adiante.

6 - o prograMa de aCeLeraÇÃo do CresCiMento (paC), o prograMaMinHa Casa, MinHa Vida (MCMV) e o pLano diretor partiCipatiVo: UMaagenda para as Cidades?

A análise do conjunto de obras que compõem o PAC mostra que ele não inova noque se refere a uma nova atitude em relação à questão ambiental, especialmente noque se refere à energia. De fato várias mega obras relacionadas à infraestrutura eco-nômica foram resgatadas da antiga orientação seguida pelo Regime Militar, contra-riando a necessidade de repensar um plano inovador orientado por uma nova atitude– sustentável – de planejamento de Estado. Na área do saneamento ambiental, con-quistas da primeira equipe que ocupou a Secretaria Nacional do Saneamento Ambien-tal do Ministério das Cidades foram perdidas e obras insustentáveis – como otamponamento de córregos e impermeabilização de calhas de vales – tiveram finan-ciamentos retomados, repetindo erros dos anos da ditadura.

O mesmo felizmente não se pode dizer das obras do PAC de habitação. Elas cons-tituíram uma inovação como prática do governo federal.

O PAC-Habitação priorizou a urbanização de áreas precárias investindo na cons-trução de bairros saneados sem a remoção da maior parte da ocupação já consolidada.Pela primeira vez na história do país, as chamadas obras de urbanização de favelasatingem uma importância e escala sem precedentes. Esse programa dialoga com acidade real, com o passivo urbano, com a cidade informal repassando recursos paraprefeitos recuperarem bairros inteiros, verdadeiros focos de epidemias e insalubridade.

O Programa Minha Casa Minha Vida (MCMV) não seguiria essa lógica. Dialogandofortemente com o setor empresarial do mercado residencial (incorporadores e cons-trutores), carreando recursos financeiros inéditos – oriundos do FGTS, do SBPE e sub-sídios orçamentários – mas deixando intocada a base fundiária, o MCMV contribui pararepetir erros e falhas verificados durante o período de vigência do Banco Nacional daHabitação (BNH) e do Sistema Financeiro da Habitação (SFH).

Page 19: 9º Consenge: soCiedade, energia e Meio aMbiente · quadro, o 9º Congresso Nacional de Sindicatos de Engenheiros (Consenge) debaterá o tema central Sociedade, Energia e Meio Ambiente

23

A CIDADE SUSTENTÁVEL

O impacto dos recursos financeiros na base fundiária e imobiliária, deixada intocadapelos governos locais, isto é, sem controle ou regulação, causou um súbito aumentodo preço da terra e dos imóveis em todas as principais cidades brasileiras após seulançamento em 2009 e 2010. Nos municípios periféricos do Rio de Janeiro e de SãoPaulo o preço do metro quadrado aumentou mais de 50% em (2) dois anos, enquantoque o imóvel usado aumentou mais de 30%. Um movimento fortemente especulativoreafirma a tendência socialmente excludente das cidades brasileiras embora os recur-sos drenados para o mercado tenham o efeito de permitir sua ampliação, isto é, nota-se a inserção de uma classe média que até então, apesar de constituir força detrabalho regularmente empregada, como policiais militares, professores secundários,bancários, se encontrava fora do mercado26.

Os mais pobres, que compõem 90% do déficit habitacional, continuam a ocupar,quase como regra, conjuntos habitacionais situados fora da cidade acarretando maisproblemas do que soluções para o mercado de terras, para o transporte urbano, parao isolamento social dessas famílias, acarretando o desenvolvimento de patologias,como já mostrou vasta bibliografia.

De acordo com a Constituição Federal de 1988 e com a lei federal Estatuto da Ci-dade de 2001, caberia principalmente às prefeituras municipais o controle sobre a es-peculação fundiária e imobiliária, assegurando a função social da propriedade e dacidade por meio do Plano Diretor. Entretanto, apesar da Campanha do Plano DiretorParticipativo desenvolvida pelo Ministério das Cidades a partir de 2005 ter asseguradoa elaboração de 1.526 Planos Diretores por municípios brasileiros, sua eficácia temse revelado sofrível27.

Mais do que lei ou plano, a correlação de forças sociais é que pode assegurar aaplicação da função social da propriedade, um limitante ao direito de propriedade quecontraria a história do país, onde patrimônio sempre esteve ligado ao poder político,econômico e social. O planejamento urbano ou as peças de Planos Diretores têm sidobastante prestigiadas entre nós, seja pela mídia, seja pelos profissionais, seja pelaacademia, e seja até, ultimamente, por lideranças populares formadas em “cursos decapacitação”. Mas, como destaca uma razoável, porém ignorada, bibliografia com des-

____________

26 Impacto nos preços dos imóveis, conforme pesquisas realizadas pela autora. Conforme anúncio, o MCMV 2pretende destinar 1,2 milhão, dos 2 milhões de unidades a serem financiadas, para as faixas de renda situadasabaixo ou igual a três s.m. O preço da terra constituirá um grande obstáculo para a boa localização dessasunidades caso elas sejam, de fato, construídas. 27 Ver a respeito: SANTOS Jr, O. e MONTANDON, T. Os planos diretores municipais pós Estatuto da Cidade:balanço crítico e perspectivas. Rio de Janeiro: Letra Capital/Ministério das Cidades, 2011.

Page 20: 9º Consenge: soCiedade, energia e Meio aMbiente · quadro, o 9º Congresso Nacional de Sindicatos de Engenheiros (Consenge) debaterá o tema central Sociedade, Energia e Meio Ambiente

24

9º CONGRESSO NACIONAL DE SINDICATOS DE ENGENHEIROS – CONSENGE

taque para os escritos do professor Flavio Villaça, no Brasil, o papel dos PDs têm sidomais ideológicos do que efetivos28. Frequentemente eles desviam a atenção dos reaisinteresses que orientam o crescimento urbano com exclusão social, confinando o de-bate a instrumentos jurídicos ou medidas burocráticas.

É preciso desmistificar a importância real que os Planos Diretores têm tido no destinodas cidades brasileiras, especialmente no nível dos poderes municipal e metropolitano,retomar o debate crítico sobre os programas dispersos e insuficientes do governo fe-deral para então reorientar a construção social de uma política urbana sustentável.

7 - o MoViMento soCiaL de reForMa Urbana, as ConQUistas institUCionais, a aMpLiaÇÃo da partiCipaÇÃo e o iMpasse atUaL

A proposta de Reforma Urbana foi formulada no ano de 1963 em consonância comoutras propostas de Reformas – Agrária, da Educação, da Saúde, Política, Adminis-trativa – que ocupavam as forças vivas e organizadas da sociedade brasileira. A Amé-rica Latina passava por uma conjuntura especial e buscava sua emancipação políticapara fugir ao poder do império. Sabemos pelo que aconteceu em 1964 qual foi o des-fecho histórico e o que aconteceu com as forças que se encontravam em disputa pordiferentes modelos de sociedade.

Durante a luta contra a ditadura militar, pela retomada de um Estado de Direito, aproposta de Reforma Urbana foi resgatada mantendo em seu núcleo central a questãofundiária urbana. Nas décadas que se seguiram aos anos 60 o país passou a ser pre-dominantemente urbano e os problemas acarretados por um processo de urbanizaçãoveloz e predatório ganharam dimensões cada vez maiores. O movimento social quefoi organizado em torno da proposta de Reforma Urbana reuniu uma gama importantede lideranças composta de uma diversidade expressiva de agentes políticos. Lideran-ças sociais, sindicais, profissionais (arquitetos, engenheiros, sanitaristas, advogados,assistentes sociais etc.) além de pesquisadores, acadêmicos, parlamentares, ONGs,até prefeitos ou integrantes do Executivo. Esse movimento social ganhou represen-tantes nas câmaras municipais, no Congresso Nacional, nas prefeituras municipaiscom a eleição de militantes ligados a ele.

Nas prefeituras, ainda na vigência do Regime Militar, nos anos 80, tem início novaspráticas de governo nas cidades que incorporavam a participação social como o orça-mento participativo e os conselhos locais e setoriais. A orientação de inclusão social

____________

28 Ver especialmente de VILLAÇA, F. As ilusões do Plano Diretor. http://www.flaviovillaca.arq.br/pdf/ilusao_pd.pdf

Page 21: 9º Consenge: soCiedade, energia e Meio aMbiente · quadro, o 9º Congresso Nacional de Sindicatos de Engenheiros (Consenge) debaterá o tema central Sociedade, Energia e Meio Ambiente

25

A CIDADE SUSTENTÁVEL

no território levou a novas atitudes, como as obras de urbanização e saneamento emfavelas e as tentativas de regularização fundiária. Novos sujeitos sociais se formaramnesse processo que acompanhou a democratização do país.

A lista de conquistas do movimento de Reforma Urbana é respeitável e tem iníciocom a Constituição Federal (CF) de 1988, que incorpora dois artigos sobre o tema dascidades. O Estatuto da Cidade, lei federal de 2001, que regulamenta os capítulos da CF,registra a proeza de limitar o direito de propriedade individual e subordiná-lo à sua funçãosocial prevista na Constituição. Em 2003 foi criado o Ministério das Cidades e com eleas Conferências Nacionais das Cidades e o Conselho das Cidades. Em 2005 foi apro-vada uma lei federal que regulamenta os Consórcios Públicos. Em 2007 foi aprovada leifederal que constitui o novo marco regulatório do saneamento básico. Essa última leipôs fim a um período de quase duas décadas de vazio institucional na área do sanea-mento, quando forças pró e contra a privatização se enfrentaram nos bastidores das dis-putas entre interesses públicos e privados. Ganha importância nesse quadro o papel daFrente Nacional do Saneamento à qual deve ser creditada a defesa do caráter públicodo saneamento no Brasil. Em 2010 foi aprovada a lei federal de Resíduos sólidos.

A retomada dos investimentos em habitação e saneamento teve início em 2003 e2004, porém foi com o PAC e o MCMV, que a escala ganhou mais expressão tendoem vista a orientação desenvolvimentista.

Enquanto se processa um movimento de retomada dos investimentos e a amplia-ção dos espaços de participação em um grande número de Conselhos setoriais –Saúde, Criança e Adolescente, Educação, Habitação, Cidade, entre muitos – o movi-mento ligado à Reforma Urbana parece ter perdido a antiga unidade, independência,força e ofensividade.

Como já foi afirmado, mais do que planos ou leis, o que parece orientar o cresci-mento das cidades são as obras esparsas de infraestrutura definidas por empreiteirasem consonância com os governantes de plantão, a especulação imobiliária que, cominvestimentos públicos, abre novas frentes de expansão condenando parte das cidadesà deterioração, com especial destaque para a matriz rodoviarista. O que temos sãoobras sem planos e planos sem obras. O Plano/discurso, expressão cunhada por FlávioVillaça, é menos efetivo na indução do rumo tomado pelas cidades do que as obras es-porádicas de infraestrutura ou do que a influência exercida pelo capital imobiliário.

Nos anos muito recentes registra-se uma sensível tendência de queda da taxa depobreza em algumas metrópoles. A taxa de pobreza que era em abril de 2004 de 42,7%do total da população para as seis principais regiões metropolitanas (São Paulo, Riode Janeiro, Salvador, Recife, Belo Horizonte e Porto Alegre) caiu para 30,7% em marçode 2009. Isso significa que uma quantidade significativa de pobres reduziu-se no período

Page 22: 9º Consenge: soCiedade, energia e Meio aMbiente · quadro, o 9º Congresso Nacional de Sindicatos de Engenheiros (Consenge) debaterá o tema central Sociedade, Energia e Meio Ambiente

26

9º CONGRESSO NACIONAL DE SINDICATOS DE ENGENHEIROS – CONSENGE

– fenômeno que não ocorria há décadas29. Mas para a conquista de cidades justas, oupara a conquista do direito à cidade, não basta a distribuição da renda como vimos, es-pecialmente num contexto de aumento exagerado no preço dos imóveis – terrenos eimóveis edificados – promovido pela disponibilidade de recursos para o financiamentoresidencial. Cabe reconhecer que com o programa Minha Casa Minha Vida há uma ten-dência para a ampliação do mercado especialmente em direção à classe média e médiabaixa (entre cinco e dez s.m. aproximadamente). Entretanto, necessário frisar tambémque o mesmo programa gera outros impactos e tende a não ser capaz de reverter a es-trutura de exclusão social e urbana marcada pelo espraiamento na ocupação do solo epela localização dos pobres em periferias distantes das áreas urbanas consolidadas. Aescala das unidades destinadas à baixa renda – 90% do déficit está concentrado nessasfaixas de renda – também não permite constatar aí um impacto significativo.

8 - sobre a ForMaÇÃo do engenHeiro

Muito já se escreveu sobre a necessidade da formação do engenheiro superar amera repetição de técnicas e fórmulas para alcançar o estágio criativo e crítico que acontextualização histórica e social exige num país como o nosso30.

Autores que estudaram a sociedade brasileira como Sergio Buarque de Holanda,Florestan Fernandes, Celso Furtado, Roberto Schwarz, Mario Schenberg, entre outros,chamaram a atenção para o prestígio obsessivo das ideias que vêm do exterior e odesprestígio daquilo que se desenvolve originalmente no país. Essa tradição de domi-nação cultural, intelectual, científica e tecnológica dificulta o acúmulo de conhecimentoe a solução de problemas locais. Doenças tropicais, como a de Chagas, ainda esperama cura ao mesmo tempo em que nossas universidades buscam parcerias com pesqui-sadores e temas que interessam, no mais das vezes, aos países desenvolvidos quandonão aos conglomerados transnacionais31. Nossas cidades repetem “soluções”, inspi-radas no capitalismo central, que são um verdadeiro conjunto de “ideias fora do lugar”.A maior parte dos estudos realizados fora do país e financiados com recursos públicos,

____________

29 Pochmann, M. Pobreza e crise econômica: o que há de novo no Brasil metropolitano. Nota Técnica. IPEA. Riode Janeiro, 2009. Em: http://www.observatoriodorecife.org.br/site/wpcontent/uploads/Ipea_Pobreza%20e%20Crise%20Economica_2009.pdf30 Ver a respeito: SANTOS, A. V. de “A percepção de nossos engenheiros: questões impertinentes e o campoCTS. Publicado pelo SENGE - BA em 27 de janeiro de 2009.31 Ver a respeito: A tragédia das doenças esquecidas. In Revista Problemas Brasileiros, nov/dez. 2009.

Page 23: 9º Consenge: soCiedade, energia e Meio aMbiente · quadro, o 9º Congresso Nacional de Sindicatos de Engenheiros (Consenge) debaterá o tema central Sociedade, Energia e Meio Ambiente

27

A CIDADE SUSTENTÁVEL

se dá em países do capitalismo central.32 Apenas recentemente, seguindo esforço dadiplomacia brasileira, é que poucos pesquisadores começam a dar prioridade às par-cerias entre os chamados países do sul, como é o caso do comitê Índia/Brasil, Áfricado Sul (IBSA).

Florestan Fernandes lembrou que as escolas profissionais – direito, engenhariae medicina – foram criadas, no Brasil, no século XIX ou começo do século XX, con-traditoriamente, sem um sentido prático. Elas eram dirigidas aos filhos de uma eliteque não precisava do saber prático ou do mérito para abrir seu caminho no mundo.Os alunos já eram “doutores” por conta da origem social. Uma certa alienação doensino em relação à realidade social, territorial e ambiental tornou-o abstrato e com-plexo enquanto que problemas simples nunca tiveram a centralidade adequada. NoBrasil discutem-se normas que frequentemente carregam excesso de detalhes (videCódigos Municipais de Obras e Edificações ou leis de zoneamento) ao mesmo tempoem que uma parte significativa e esquecida das cidades não segue norma nenhuma.O saber livresco, o saber dos gabinetes, é mais notável na área do direito, mas tam-bém está presente nas demais áreas e tem marcado muito o desenvolvimento doconhecimento nas universidades.

Nas últimas duas ou três décadas o desenvolvimento tecnológico se destacou, noBrasil, em áreas específicas da engenharia, agronomia, geologia, a ponto de competirem escala global. A produção de grãos, carnes, celulose, etanol, aviões, ganhou altaprodutividade. Todo o conhecimento envolvido na prospecção e agora na exploraçãodo petróleo do Pré Sal foi desenvolvido no país, o que não deixa de constituir uma no-vidade histórica. No entanto, como já foi destacado, o saneamento ambiental constituiuma tragédia marcada até por epidemias com mortes por motivos banais. Os contras-tes são profundos.

Essa realidade exige a hierarquização dos problemas nacionais que leve em contao peso social dos mesmos e reoriente o ensino de engenharia para um desenvolvi-mento científico e tecnológico mais engajado na realidade brasileira. Ao invés do en-gate passivo no capitalismo globalizado, o país deve ser pensado a partir de umaproposta de desenvolvimento sustentável como sugere documento da FISENGE. A es-colha da Amazônia para a realização do Congresso não se dá por acaso já que essaregião ocupa um lugar estratégico tanto nacional como internacionalmente.

____________

32 Apenas recentemente parte dos pesquisadores, seguindo o esforço da diplomacia brasileira, se voltam paraparcerias entre os chamados países do sul que apresentam condição urbana semelhante. É o caso do esforçoque tenta consolidar o MERCOSUL ou os laços latino-americanos. É o caso também do Comitê Índia, Brasil,África do Sul (IBSA).

Page 24: 9º Consenge: soCiedade, energia e Meio aMbiente · quadro, o 9º Congresso Nacional de Sindicatos de Engenheiros (Consenge) debaterá o tema central Sociedade, Energia e Meio Ambiente

28

9º CONGRESSO NACIONAL DE SINDICATOS DE ENGENHEIROS – CONSENGE

9 - desaFios, diFiCULdades e perspeCtiVas

Há uma quase unanimidade entre urbanistas do mundo todo ao contrapor e defen-der a “cidade compacta com diversidade de usos” em oposição à cidade dispersa comespecialização de usos.

Uso misto e mais denso do solo (contrapondo-se aos subúrbios dispersos e condo-mínios extensivos e fechados), desenvolvimento da economia local e defesa do pe-queno comércio, implantação de centros de bairros com oferta de serviços públicos,comunidades com sentido de vizinhança, propiciam viagens curtas que podem ser feitasa pé para acessar a padaria, a lavanderia, o chaveiro, a farmácia, o cabeleireiro... Apegada ecológica é menor (além de propiciar também maior segurança pública comojá demonstrou certa bibliografia a começar pelo clássico livro de Jane Jacobs, Morte e

vida das grandes cidades). Outros princípios devem ser lembrados como novas formasde tratamento de esgoto e de gestão de resíduos sólidos, novas formas de geração emanejo de energia, respeito à drenagem natural, gestão integrada da água, e, final-mente, as políticas baseadas nos 3R’s (Reduzir, Reusar e Reciclar). Entretanto, a refe-rência aqui é de um modelo abstrato, que até foi implementado em algumas cidadesdo capitalismo central, mas que está muito distante da realidade dos países periféricos.

Aqui encontramos cidades excessivamente impermeabilizadas, (certos bairros ocu-pados de forma muito adensada apresentando riscos de diversas naturezas), comgrande acúmulo de problemas sociais e ambientais que exigem mitigação ou adapta-ção urgentes. Há um imenso passivo a ser enfrentado. Não cabe desenvolver cadacaso, mas ao menos lembrar que deve-se correlacionar as políticas urbana, sanitária,agrícola e ambiental no espaço periurbano e integrá-las com a habitacional e de trans-porte no espaço intraurbano. Esse processo é de maior impacto socioambiental nasáreas metropolitanas. Por isso, lembremos de diferenciar como essa crise se expressanas metrópoles e nas pequenas e médias cidades.

Por outro lado, as competências para o desenvolvimento urbano, previstas na Cons-tituição Federal, exigem um Pacto Federativo que reúna esforços (incluindo planos,ações e investimentos) dos três níveis de governo, do Legislativo, do Judiciário, do setorprivado e da sociedade civil. Nada mais difícil se levarmos em consideração a culturade competição, descontinuidade e o desprezo pela implementação de planos entre nós.Elaborar planos resulta inútil se eles não são implementados para o conjunto da cidade.

A FISENGE pode e deve afirmar uma agenda política para cidades sustentáveis,mas ela será mais um documento cheio de boas intenções, como tantos outros, senão for acompanhado de uma perspectiva crítica que aponte o que impede a imple-mentação dessa agenda.

Page 25: 9º Consenge: soCiedade, energia e Meio aMbiente · quadro, o 9º Congresso Nacional de Sindicatos de Engenheiros (Consenge) debaterá o tema central Sociedade, Energia e Meio Ambiente

29

A CIDADE SUSTENTÁVEL

Afirmar mais uma vez, a necessidade da prioridade do transporte coletivo ouda universalização do saneamento básico não vai mudar a realidade, enquanto or-çamentos públicos, em diversos níveis, priorizam investimentos para a circulaçãode automóveis.

No Brasil temos instrumentos legais importantes para planejamento e gestão dacidade sustentável.

• os planos diretores municipais participativos, que visam a implantação da funçãosocial da cidade e da propriedade;

• os planos locais de saneamento, conforme a lei federal 11.445 de janeiro de 2007,que institui as diretrizes nacionais do saneamento básico, regulamentada pelo De-creto 7.217 de 21 de junho de 2010;

• Os planos de resíduos sólidos conforme lei federal 12.305 de 02/08/2010;

• a política ambiental e de recursos hídricos, baseada em conselhos e comitês comparticipação e controle social;

• o acesso aos recursos federais para financiamento de obras de infraestru-tura, saneamento e habitação a partir da existência dos planos e de projetosde qualidade;

• está em discussão o Plano Nacional para enfrentamento das mudanças cli-máticas.

Se as leis fossem aplicadas e os planos cumpridos muitos dos problemas poderiamser amenizados.

Lembremos ainda que as Conferências Nacionais das Cidades (2003, 2005, 2007,2010) e o Conselho das Cidades do Ministério das Cidades já registraram um grandenúmero de propostas visando orientar políticas urbanas, metropolitanas, e as políticassetoriais de transporte e mobilidade urbanos, saneamento ambiental, habitação – estetema foi tratado inclusive em um plano nacional, o Plano Nacional de Habitação (PLA-NHAB) – e os programas especiais para as cidades que tratam dos Planos Diretores,Reabilitação de Áreas Centrais Urbanas e, o que é muito importante, um Programapara Áreas de Risco.

Portanto, o que parece faltar é uma iniciativa independente da sociedade civil parareafirmar o que é prioritário e denunciar o que está travando – onde e como – a ne-cessária mudança de rumo para as cidades.

Do ponto de vista estritamente territorial, considerando a conflituosa realidade ur-bana brasileira, antes de mais nada é preciso retomar a centralidade da questão fun-

Page 26: 9º Consenge: soCiedade, energia e Meio aMbiente · quadro, o 9º Congresso Nacional de Sindicatos de Engenheiros (Consenge) debaterá o tema central Sociedade, Energia e Meio Ambiente

30

9º CONGRESSO NACIONAL DE SINDICATOS DE ENGENHEIROS – CONSENGE

diária e afirmar o controle do Estado sobre o uso e a ocupação do solo sem o que nãohá futuro para cidades que crescem, em parte, desgovernada, orientada por um mer-cado imobiliário formal especulativo e excludente e na outra parte, também desgover-nada, construída pelos próprios moradores livre de qualquer plano ou norma jurídica.Trata-se da “cidade partida”, ou fraturada ou segregada ou simplesmente desigual.

Portanto, Justiça urbana e sustentabilidade ambiental exigem a aplicação da FUN-ÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE E DA CIDADE, PREVISTA NA CONSTITUIÇÃOBRASILEIRA E NO ESTATUTO DA CIDADE. Como sua aplicação se faz por meio doPlano Diretor Municipal, como reza o Estatuto da Cidade, é necessário romper coma cultura do plano/discurso para implementar efetivamente os Planos Diretores, desdeque efetivamente comprometidos com esse rumo de justiça ambiental.

Não há qualquer alternativa técnica ou jurídica que garanta esse caminho, massimplesmente a correlação de forças dada pela luta social (daí a importância da FI-SENGE retomar esse debate e dar o exemplo para outras entidades sociais e sindi-cais). Esse embate se dá na arena política municipal ou metropolitana, mas umaproposta clara definida nacionalmente é fundamental.

Portanto, em escala federal se faz necessário a formulação da Política Nacional deDesenvolvimento Urbano e da Política Nacional para Regiões Metropolitanas, que orientea articulação dos esforços nacionais em todas as escalas incluindo Estado e sociedade.Mas não se pode aceitar a ausência de municípios e governos estaduais em relação àpolítica urbana. Para tanto o Ministério das Cidades não pode ser instrumento de trocasclientelistas, mas ser conduzido por uma equipe representativa do conhecimento técnicoe empírico acumulado no setor público brasileiro e sensível à busca da justiça urbana.

Constatada a centralidade da questão fundiária, outras propostas deveriam segui-la. Trata-se de propostas nas áreas de Transporte, Saneamento Ambiental (água, es-goto, resíduos sólidos e drenagem), Habitação e Informação para a gestão. Como foilembrado, não é por falta de propostas que nossas cidades estão como estão. Masvale insistir em algumas delas para o debate da FISENGE.

AS PRÓXIMAS PROPOSTAS COMPOEM UMA RELAÇÃO INCOMPLETA CUJACONSOLIDAÇÃO DEPENDERÁ DOS DEBATES REGIONAIS PROMOVIDOS PELAFISENGE. ALGUMAS DESSAS PROPOSTAS TIVERAM ORIGEM NA REUNIÃO DADIRETORIA REALIZADA NO RIO DE JANEIRO NO DIA 30/04/2011

MobiLidade Urbana e transporte CoLetiVo

Afirmar o transporte urbano como tema de agenda nacional. Buscar aprovação domarco nacional de Mobilidade no Congresso Nacional.

Page 27: 9º Consenge: soCiedade, energia e Meio aMbiente · quadro, o 9º Congresso Nacional de Sindicatos de Engenheiros (Consenge) debaterá o tema central Sociedade, Energia e Meio Ambiente

31

A CIDADE SUSTENTÁVEL

Prioridade ao transporte coletivo e transporte não motorizado. Ampliar rede de cor-redores exclusivos para ônibus. Ampliar transporte sobre trilhos. Ampliar rede de trans-porte não motorizado.

Integrar as linhas de ônibus, às ferrovias, aos metrôs, aos corredores exclusivosde ônibus e ciclovias combatendo irracionalidades e superposições.

Elaboração e implantação de Planos Metropolitanos de Transportes articuladoscom plano de uso e ocupação do solo nas RMs.

Ampliar a segurança do pedestre com a construção de calçadas nos bairros de pe-riferia e ampliar a sinalização urbana em toda a cidade com especial atenção ao pe-destre, idosos e crianças.

Criar um fundo de mobilidade urbana municipal com recursos provenientes daCIDE – combustível, de pedágios urbanos e estacionamentos visando equilíbrio e ta-rifas e investimentos.

saneaMento aMbientaL

Implementar o marco regulatório do Saneamento, lei federal 11.445 de janeiro de 2007.

Implementar a lei federal de resíduos sólidos, 12.305 de 2010.

Integrar os sistemas de drenagem, abastecimento de águas, esgotamento sanitá-rio, limpeza urbana, gestão de resíduos, uso do solo e legislação ambiental. As obraspúblicas e privadas devem estar em consonância com essa integração.

Integrar um sistema de operação e fiscalização desses sistemas

Promover políticas públicas visando manter ou recuperar a permeabilização da su-perfície do solo à água de chuva no interior de uma bacia hidrográfica. Controlar a im-permeabilização nas intervenções sobre o ambiente construído. Proteger áreaspúblicas e áreas verdes.

Controlar as fontes de poluição incluindo as difusas e proteger as nascentes.

HabitaÇÃo

Implementação do Plano Nacional de Habitação elaborado pela Secretaria Nacio-nal de Habitação do Ministério das Cidades em 2009, levando em consideração a di-versidade regional e urbana no Brasil.

Page 28: 9º Consenge: soCiedade, energia e Meio aMbiente · quadro, o 9º Congresso Nacional de Sindicatos de Engenheiros (Consenge) debaterá o tema central Sociedade, Energia e Meio Ambiente

32

9º CONGRESSO NACIONAL DE SINDICATOS DE ENGENHEIROS – CONSENGE

Implementação do Subsistema de Habitação de Interesses Social descentralizadobuscando articular recursos financeiros e instrumentos urbanísticos que garantam afunção social da propriedade. Prioridade do sistema social sobre o sistema de mercado.

Implementar a função social da propriedade visando combater a especulação imobi-liária (controle dos lucros e rendas imobiliários) e promover a ampliação do direito à cidade.

Aperfeiçoar o padrão de fiscalização da ocupação das áreas ambientalmente frágeis.

Controle do lucro e da renda imobiliários.

Elaborar política de desenvolvimento industrial visando a produção normatizadade materiais ambientalmente sustentáveis.

Assistência técnica e jurídica gratuita para moradia social.

Elaborar e implementar política de qualificação da força de trabalho.

Aperfeiçoar fiscalização das condições de trabalho.

Page 29: 9º Consenge: soCiedade, energia e Meio aMbiente · quadro, o 9º Congresso Nacional de Sindicatos de Engenheiros (Consenge) debaterá o tema central Sociedade, Energia e Meio Ambiente

integraÇÃo da aMériCa Latina

Valter Pomar

____________

Valter pomarGraduado em História pela Universidade de São Paulo (1996), mestre em História Econômica pela Universidadede São Paulo (2000) e doutor em História Econômica pela Universidade de São Paulo (2006). Técnico industrialem Artes Gráficas, com especialização em Produção Visual Gráfica, formado pelo Senai. Foi secretário municipalde Cultura, Esportes e Turismo da Prefeitura de Campinas, SP (dezembo de 2001 a dezembro de 2004); terceirovice-presidente nacional (1997-2005) e secretário de Relações Inernacionais (2005-2010) do Partido dos Trabal-hadores. Membro do conselho editorial da revista Contexto Latinoamericano. Integra o Conselho Curador do Me-morial da Anistia Política no Brasil. Atualmente é membro do Diretório Nacional do Partido dos Trabalhadores esecretário-executivo do Foro de São Paulo.

Page 30: 9º Consenge: soCiedade, energia e Meio aMbiente · quadro, o 9º Congresso Nacional de Sindicatos de Engenheiros (Consenge) debaterá o tema central Sociedade, Energia e Meio Ambiente

35

INTEGRAÇÃO DA AMÉRICA LATINA

integraÇÃo da aMériCa Latina

A região que hoje conhecemos como América Latina contribuiu para o desenvolvi-mento do capitalismo e, mais especificamente, para a riqueza das potências ainda hojedominantes: os Estados Unidos e alguns países europeus.

Numa primeira etapa, o saque e a exploração da região cumpriu um papel decisivona acumulação de riquezas que precedeu a industrialização capitalista das metrópoleseuropeias. Numa segunda etapa, os países da região serviram como fonte de matériasprimas, mercado consumidor de produtos industriais e espaço receptor dos capitaisexportados pelas metrópoles.

Esta relação de exploração se manteve, independente de quem hegemonizava opólo metropolitano: Portugal, Espanha, Holanda, França, Inglaterra ou Estados Unidos.A exploração pelas metrópoles não impediu o desenvolvimento da região, mas gerouum tipo de desenvolvimento que reproduzia as condições geradoras da exploração,da dependência externa e da desigualdade.

No limite, as metrópoles aceitavam e até estimulavam o desenvolvimento, desdeque fosse associado, subalterno, dependente, periférico. Tanto a exploração quanto odesenvolvimento assumiram diferentes formas nacionais, a depender: a) das condi-ções naturais; b) das características das sociedades pré-colombianas e das respecti-vas metrópoles; c) dos diferentes tipos e níveis de exploração; d) do comportamentoda forças sociais exploradas.

As diferenças nacionais e sub-regionais, inclusive étnicas, culturais e linguísticassão frequentemente utilizadas para questionar a própria existência de uma AméricaLatina e Caribenha. Foi assim no início do século XIX e continua assim no início do

Page 31: 9º Consenge: soCiedade, energia e Meio aMbiente · quadro, o 9º Congresso Nacional de Sindicatos de Engenheiros (Consenge) debaterá o tema central Sociedade, Energia e Meio Ambiente

36

9º CONGRESSO NACIONAL DE SINDICATOS DE ENGENHEIROS – CONSENGE

século XXI, como se pode verificar no discurso dos que discordam das políticas deintegração impulsionadas desde 1998 e plasmadas em instituições como a Alba, Una-sul, Celac etc.

Não cabe desconhecer, nem minimizar, as diferenças profundas existentes entreos países da região latino-americana. Até porque estas diferenças decorrem, ao menosem parte, da ação das metrópoles e de seus aliados na região.

FUtUros possÍVeis

Do que se trata é perceber que, ao longo da história, a região sempre manifestou,simultaneamente, um potencial de integração; mas também um potencial de desinte-gração em unidades nacionais autônomas e às vezes enfrentadas entre si, mas igual-mente subordinadas a centros metropolitanos. Ambos destinos, portanto, estãoinscritos entre os futuros possíveis da América Latina: ou bem se tornar uma regiãointegrada a partir de fora, a partir dos interesses das potências centrais; ou bem setornar uma região integrada a partir de dentro.

Neste segundo futuro possível se inscreve um leque de alternativas, que vai desdea integração impulsionada por uma nação da região, em benefício dos interesses desua própria classe dominante; até uma integração de corte democrático-popular e, nolimite, socialista. Ao longo dos últimos cinco séculos, prevaleceu a variante dependente,associada e periférica de integração, combinada com desenvolvimentos nacionais mar-cados pela desigualdade e por reduzidas liberdades democráticas. Dada as conexõesjá indicadas, cada vez que ocorria uma crise nas metrópoles, acentuava-se na regiãoa disputa sobre a natureza do desenvolvimento nacional, da integração regional e dasrelações com o restante do mundo.

Entre o final do século XVIII e o início do século XIX, o ciclo de revoluções burgue-sas na Europa criou um contexto favorável às independências latino-americanas. Masas repúblicas independentes, assim como a monarquia brasileira, escaparam da he-gemonia ibérica em direção à hegemonia britânica. Na primeira metade do século XX,o conflito interimperialista abriu as portas para a fase de industrialização substitutivade exportações, processo este vinculado tanto ao ciclo revolucionário e populista dosanos 30-50, quanto ao ciclo de golpes e ditaduras iniciado nos anos 60. Mas esta etapacorresponde, também, ao fim da hegemonia britânica e a consolidação da hegemoniaestado-unidense.

A crise dos anos 70, mais exatamente a atitude dos Estados Unidos para enfrentaresta crise, desencadeou no mundo e na região um processo regressivo, caracterizadopela crise da dívida externa; pelo colapso da social-democracia europeia, dos nacio-

Page 32: 9º Consenge: soCiedade, energia e Meio aMbiente · quadro, o 9º Congresso Nacional de Sindicatos de Engenheiros (Consenge) debaterá o tema central Sociedade, Energia e Meio Ambiente

37

INTEGRAÇÃO DA AMÉRICA LATINA

nalismos africanos, dos desenvolvimentismos latino-americanos e do socialismo detipo soviético; e pela ascensão do neoliberalismo. Nas décadas de 1980 e 1990, o neo-liberalismo tornou-se hegemônico na América Latina, acentuando a desigualdade, oconservadorismo político e a dependência tão características do período anterior. NaAmérica Latina, desde o final dos anos 80, a defesa dos interesses nacionais, popula-res, democráticos e socialistas entrou numa etapa de defensiva estratégica. Noutraspalavras: tratava-se de defender as conquistas obtidas no período anterior.

Paradoxalmente, a partir da segunda metade dos anos 90, a defensiva das forçaspopulares coincidiu com um período de grande instabilidade internacional, decorrenteda combinação entre duas variáveis principais: a crise capitalista internacional e o de-clínio da hegemonia estado-unidense. De um lado temos uma típica crise de acumu-lação, que se manifesta direta ou indiretamente em todos os terrenos: financeiro,comercial, cambial, energético, alimentar, ambiental. De outro lado temos uma reaco-modação geopolítica, resultante: das dificuldades que os Estados Unidos enfrentampara manter seu suposto império mundial; do aguçamento das contradições intercapi-talistas, crescentes após a derrota do bloco soviético; e do fortalecimento de potênciasconcorrentes, cujo principal exemplo é a China.

O período de instabilidade causado pela combinação entre declínio da hegemoniados EUA e crise capitalista internacional, é marcado por crises, guerras e grandes re-voltas sociais. Não é possível saber quanto tempo durará este período de instabilidade.Isto, bem como o que ocorrerá depois, dependerá da luta política, dentro de cada país,e da luta entre Estados e blocos regionais. A luta internacional entre Estados e blocosregionais é, hoje, travada entre dois grandes pólos: de um lado, os Estados Unidos eseus aliados europeus e japoneses; de outro lado, os países que integram os BRICSe seus aliados. Diferente do que ocorria antes de 1945, trata-se de uma disputa entrea antiga periferia e o antigo centro. Diferente do que ocorria antes de 1990, trata-se deuma disputa nos marcos do capitalismo.

A América Latina é um dos cenários da disputa entre os Estados Unidos e os Brics.No fundamental, trata-se de saber se a região continuará sendo hegemonizada pelosEUA; ou constituir-se-á em uma região integrada, com política própria. Apesar de seruma disputa nos marcos do capitalismo, há um dado fundamental a ser levado em conta:na América Latina e Caribe, há forte presença e até mesmo hegemonia política de par-tidos de esquerda em vários países da região. Assim como está presente uma importanteoposição de esquerda naqueles países onde a direita neoliberal segue controlando ogoverno nacional. Os países latino-americanos onde governam forças marcadamentede direita são: México, Costa Rica, Panamá, Colômbia, Peru, Chile e Honduras.

No caso de Honduras, o atual governo é beneficiário do golpe de Estado que der-rubou o anterior presidente, Manuel Zelaya. No dia 5 de junho, ocorrerá o segundo

Page 33: 9º Consenge: soCiedade, energia e Meio aMbiente · quadro, o 9º Congresso Nacional de Sindicatos de Engenheiros (Consenge) debaterá o tema central Sociedade, Energia e Meio Ambiente

38

9º CONGRESSO NACIONAL DE SINDICATOS DE ENGENHEIROS – CONSENGE

turno das eleições presidenciais no Peru, entre Ollanta Humala e Keiko Fujimori. Essesgovernos de direita buscam consolidar um eixo próprio no continente, em concorrênciacom a União das Nações da América do Sul (Unasul) e com a Comunidade de EstadosLatino-americanos e caribenhos (Celac). Guatemala, Belice, Jamaica, Suriname, asduas outras Guianas, as Antilhas Menores e o Haiti, ainda que não sejam governadospor partidos de esquerda, tampouco estão alinhados com a direita, com o elementoadicional de que uma das Antilhas (Dominicana) pertence à Aliança Bolivariana paraas Américas (ALBA).

Partidos de esquerda apoiam, participam ou dirigem os governos de Cuba, Vene-zuela, Nicarágua, El Salvador, Brasil, Equador, Bolívia, Uruguai, Paraguai, Argentinae República Dominicana. Tirante Cuba – cujo governo é resultado de uma luta armadarevolucionária, num processo que, em 1961, assumiu um caráter socialista –, os de-mais governos resultam de vitórias eleitorais, numa onda iniciada em 1998 com HugoChavez (Venezuela) e que se estendeu até 2009, com Maurício Funes (El Salvador).Todos estes governos têm em comum três coisas: a) a herança do neoliberalismo, dodesenvolvimentismo conservador e colonial (como o racismo na Bolívia e no Brasil);b) a oposição radical que um setor da elite faz a qualquer tipo de política redistributiva,seja de poder, seja de riquezas, seja de acesso a direitos sociais; c) o conflito dasmetrópoles contra governos que priorizam as relações entre si e os processos de in-tegração regional.

Ao mesmo tempo, estes governos mantêm importantes diferenças, que vão dasdiferenças naturais e geográficas, históricas e sociais, até aquelas produzidas pelasdiferentes linhas políticas, tanto da esquerda que chegou ao governo, quanto da direitaque passou à oposição. Uma das diferenças políticas mais relevantes está relacionadaao impacto do neoliberalismo sobre a estrutura política nacional. Naqueles países emque o neoliberalismo foi mais destrutivo, ele solapou inclusive as bases de sustentaçãoda direita clientelista e dissolveu todo o espectro político, inclusive a esquerda tradi-cional. Por isto, quando se esgota a hegemonia neoliberal e a oposição vence as elei-ções, os novos presidentes antineoliberais têm um perfil diferenciado do “políticoprofissional”; e são apresentados por formações políticas recentes, como o MVR ve-nezuelano, o MAS boliviano, o PAIS equatoriano. Não se trata apenas de uma dife-rença de perfil partidário ou pessoal: os novos governantes encontram a necessidadee ao mesmo tempo dispõem dos meios para convocar processos constituintes, radi-calizando o processo do ponto de vista retórico, político e institucional.

A radicalidade politica não implica que, nesses países, as condições macro e mi-croeconômicas sejam propícias à construção de um modelo econômico pós-neoli-beral. Esta contradição entre as condições subjetivas e objetivas torna estes paísesalvo de campanhas de desestabilização e golpes. Que não tiverem sucesso, em

Page 34: 9º Consenge: soCiedade, energia e Meio aMbiente · quadro, o 9º Congresso Nacional de Sindicatos de Engenheiros (Consenge) debaterá o tema central Sociedade, Energia e Meio Ambiente

39

INTEGRAÇÃO DA AMÉRICA LATINA

parte devido à força interna dos governos antineoliberais; mas também em parte gra-ças ao apoio obtido dos demais governos da região. Neste sentido, pode-se dizerduas coisas: primeiro, que existem não uma, nem duas, mas várias esquerdas naAmérica Latina e Caribe; e que o sucesso de cada uma depende, em grande medida,do apoio e do sucesso das demais. Outra maneira de dizer isto é afirmar o seguinte:a diversidade foi uma causa do sucesso das esquerdas latino-americanas e caribe-nhas. Se fosse apenas uma, se seguisse um único modelo, a esquerda latino-ame-ricana não teria conseguido vencer as eleições em países tão distintos. Mas, aomesmo tempo que adota estratégias nacionais distintas, a esquerda latino-americanae caribenha necessita de uma estratégia continental comum, que se traduz no pro-cesso de integração regional.

Há diferentes processos de integração. Alguns precedem a onda de governos pro-gressistas e de esquerda. É o caso do Mercosul e de outros acordos comerciais sub-regionais, que em parte respondiam ao propósito da integração, mas em parte eramvistos como passos para a Área de Livre Comércio das Américas (Alca). Outros pro-cessos de integração são iniciativa dos governos progressistas e de esquerda: é ocaso da Unasul, da Alba e da Celac. A Alba não é propriamente um projeto de integra-ção, mas sim um enquadramento institucional para a cooperação entre governos ideo-logicamente afins. Já a Unasul e a Celac são projetos de integração regional, quebuscam envolver as nações latino-americanas e caribenhas, independente da orien-tação político-ideológica de seus governos.

A influência da esquerda faz com que a América Latina seja palco de dois combatessimultâneos: o primeiro, de natureza geopolítica, a respeito da relação entre a região eo restante do mundo; o segundo, acerca da natureza político-social do desenvolvimentodos países da região. Noutras palavras: a influência da esquerda na América Latina eCaribe tornou possível combinar, de maneira mais efetiva que nunca em nossa história,soberania nacional e integração regional, desenvolvimento econômico, igualdade sociale democratização política. Para transformar esta possibilidade em realidade, a esquerdapolítica e social latino-americana e caribenha terá que enfrentar seis desafios funda-mentais. O primeiro destes desafios é derrotar o contra-ataque promovido pela direitalatino-americana e seus aliados metropolitanos. Este contra-ataque inclui: a) uma cam-panha midiática permanente contra a esquerda; b) a tentativa de colocar uma cunhaentre os governos de esquerda na região, dividindo-os entre “moderados” e “radicais”e jogando-os uns contra os outros; c) a promoção de campanhas de desestabilizaçãoe inclusive golpes, dos quais até agora teve sucesso apenas o de Honduras; d) o lan-çamento de candidaturas eleitoralmente competitivas, tática que teve êxito no Panamá,Costa Rica e Chile; d) a pressão militar, através do relançamento da IV Frota e da am-pliação do número de bases militares dos EUA e aliados europeus na região.

Page 35: 9º Consenge: soCiedade, energia e Meio aMbiente · quadro, o 9º Congresso Nacional de Sindicatos de Engenheiros (Consenge) debaterá o tema central Sociedade, Energia e Meio Ambiente

40

9º CONGRESSO NACIONAL DE SINDICATOS DE ENGENHEIROS – CONSENGE

Vale dizer que este contra-ataque da direita é favorecido por dois fatores: por umlado, a eleição de Obama; por outro, a crise internacional. Obama, embora não tenhaalterado a política dos EUA para a região, gerou, quando de sua eleição, enormes ex-pectativas, que dão ao mandatório estado-unidense um capital político de que Bushnão dispunha. A crise internacional causou dificuldades imensas para alguns paísesgovernados pela esquerda, especialmente aqueles fortemente dependentes das ex-portações, caso de Cuba, Venezuela, Bolívia e Equador. O segundo e o terceiro desafioda esquerda político-social latino-americana são os seguintes:

a) não perder os governos nacionais conquistados até agora;

b) conquistar novos governos nacionais.

As próximas eleições na região são: Peru, Guatemala, Argentina e Nicarágua. Por-tanto, três países governados pela centro-esquerda e um país governado pela direita.Se Ollanta Humala for eleito no próximo 5 de junho, teremos duas novidades importantes:será a primeira vitória da esquerda em um país governado pela direita, desde El Salva-dor; terá sido quebrado o eixo de centro-direita, impulsionado por Chile, Peru, Colômbiae México. Posteriormente, teremos duas eleições fundamentais: Venezuela e México. Oquarto desafio da esquerda político-social é, nos países onde controla o governo nacio-nal, impulsionar mudanças estruturais de natureza democrático-popular. Aqui é precisolevar em consideração o seguinte: a) em âmbito mundial, a esquerda ainda se encontranuma etapa de defensiva estratégica; b) eleger governos e realizar revoluções são coisasdistintas; c) é preciso criar as condições para sustentar politicamente as reformas estru-trurais necessárias; d) os governos de centro-esquerda enfrentam a oposição não ape-nas da direita, mas também uma oposição de esquerda (vide a mobilização em curso,no mês de abril, na Bolívia); e) parte desta oposição tem uma causa estrutural: nestafase, os governos de esquerda são obrigados a estimular o desenvolvimento capitalista,o que gera conflitos com parte da base popular dos governos de esquerda.

Um bom exemplo disto é a situação brasileira. No Brasil continua a disputa entreduas grandes alternativas de desenvolvimento: a conservadora e a progressista. A al-ternativa conservadora é aquela onde o capitalismo se desenvolve sem reformas es-truturais, com baixos teores de democracia e mantendo o Brasil alinhado aos EstadosUnidos. A alternativa progressista é aquela em que o desenvolvimento capitalista écombinado com reformas, democratização e soberania nacional. Ao longo de grandeparte do século XX, a alternativa conservadora foi hegemônica, o que explica a coe-xistência de crescimento rápido, num ambiente de ditaduras e desigualdade socialcrescente. Durante quase todo o século XX, a alternativa progressista, além de mino-ritária, foi hegemonizada por forças capitalistas, tendo algumas forças socialistas comoaliadas. No final dos anos 80, as forças socialistas, encabeçadas pelo PT, passarama dirigir o bloco de forças políticas e sociais defensor da alternativa progressista.

Page 36: 9º Consenge: soCiedade, energia e Meio aMbiente · quadro, o 9º Congresso Nacional de Sindicatos de Engenheiros (Consenge) debaterá o tema central Sociedade, Energia e Meio Ambiente

41

INTEGRAÇÃO DA AMÉRICA LATINA

Por um breve momento, pareceu que passaríamos a ter uma disputa entre duasgrandes alternativas: a capitalista-conservadora e a democrático-popular & socialista.Mas este momento durou pouco: num ambiente internacional e nacional marcado pelacrise do socialismo e pela ofensiva neoliberal, o Partido dos Trabalhadores e grandeparte da esquerda brasileira rebaixaram seus objetivos programáticos e estratégicos.Assim, os anos 90 seguiram marcados pela disputa entre a alternativa conservadora(agora sob hegemonia neoliberal) e a progressista (agora encabeçada pelo PT). O pe-ríodo neoliberal acentuou as tendências mais conservadoras do padrão tradicional dodesenvolvimento brasileiro, a tal ponto que ocorreram cisões no bloco hegemônico,cisões que foram fundamentais para a eleição de Lula à presidência da República.

Uma vez conquistada a presidência, o grande desafio tático da esquerda brasileiracontinuou sendo a superação da herança neoliberal, que continua extremamente in-fluente. E o grande desafio estratégico consistia em, mantendo o governo nacional ea hegemonia do PT sobre as forças progressistas, fazer da alternativa democrático-popular & socialista um dos pólos da disputa. A vinculação entre o desafio tático e odesafio estratégico está na realização das chamadas reformas estruturais, que alterema concentração de renda, propriedade e poder. Noutras palavras: reforma tributária,reforma agrária, reforma urbana, reforma do sistema financeiro, reforma política, de-mocratização da comunicação etc. Se um governo de esquerda não realiza estas re-formas, ele não possui significado estratégico, por mais que ele tenha contribuído paramelhorar a vida do povo. Mas para realizar estas reformas, um governo de esquerdaprecisa de sustentação política, sem o que ele pode ser derrubado, como ocorreu como governo de Honduras.

O quinto desafio político-social da esquerda latino-americana é acelerar o processode integração regional, fundamental para reduzir a ingerência imperialista. Enfrentarexitosamente este desafio depende, em primeiro lugar, da força que a esquerda políticae social tenha em cada país; mas depende, também, em grande medida, do que ocorrano conjunto da região, a começar de alguns países estratégicos, entre eles o Brasil. OBrasil ocupa um lugar contraditório no processo de integração da América Latina. Porum lado, ele é o principal protagonista da integração. Por outro lado, corremos o risco,permanentemente, de o Brasil assumir um papel “subimperialista” em relação a seusvizinhos. O risco do subimperialismo é decorrente, principalmente, do peso relativo daeconomia brasileira em relação aos demais países da região.

Tal risco não é evitado, nem denunciando-o, nem desconhecendo-o. O risco do su-bimperialismo é evitado na medida em que se construa, no Brasil, apoio para um pro-jeto de integração com duas características fundamentais: a) primeiro, alto grau deinstitucionalização; b) segundo, alto grau de investimento brasileiro a fundo perdido naeconomia dos países vizinhos, em particular na infraestrutura e nas políticas públicas.

Page 37: 9º Consenge: soCiedade, energia e Meio aMbiente · quadro, o 9º Congresso Nacional de Sindicatos de Engenheiros (Consenge) debaterá o tema central Sociedade, Energia e Meio Ambiente

42

9º CONGRESSO NACIONAL DE SINDICATOS DE ENGENHEIROS – CONSENGE

Sem um alto grau de institucionalização, que inclui a eleição, pelo voto direto, de umparlamento latino-americano e caribenho, o processo de integração será no máximouma vontade da cúpula dos governos e de setores das burocracias estatais, ambasaltamente suscetíveis aos interesses das grandes empresas capitalistas existentes naregião, inclusive as brasileiras, motivadas pelo objetivo do lucro. Sem um imenso in-vestimento em infraestrutura, investimento que deve ser sustentado a fundo perdidopelos países mais fortes da região (como Brasil, Argentina e Venezuela), a região con-tinuará especializada na exportação de produtos primários, de baixo valor agregado.

Deste ponto de vista, é importante perceber o papel contraditório da abundânciade recursos naturais na América Latina. Pois embora sejam uma riqueza potencial, es-timulam uma exploração predatória, de curto prazo e extensiva em mão de obra. Osexto e último desafio político social da esquerda é tornar hegemônica, na região, umacultura popular latino-americana e caribenha. Ainda não existe uma consciência latino-americanista de massa na região. Apesar de tudo, o american way of life segue hege-mônico. E isto possui uma base material, que reside principalmente na hegemoniaprivada e no peso do capital metropolitano na indústria cultural e de telecomunicações.Ao lado disto, existe o déficit teórico das esquerdas latino-americanas, no enfrenta-mento de três grandes temas: o balanço das experiências populares do século XX(entre os quais o socialismo e o desenvolvimentismo progressista), a análise do capi-talismo do século XXI e o debate sobre as estratégias.

Especificamente sobre as estratégias, é preciso tomar nota de que vivemos, hoje,em larga escala, aquilo que se tentou fazer nos anos 70, especialmente através da ex-periência do governo da Unidade Popular no Chile. Como dissemos antes, a atual con-juntura latino-americana e caribenha é distinta de outros momentos da história e muitomais favorável, tanto ao projeto de integração e desenvolvimento autônomos, quantoaos projetos democrático-populares e socialistas. Entretanto, os desafios também sãoimensos, pois no atual quadro de instabilidade mundial, não se deve descartar nenhumcenário, nem mesmo o de uma regressão similar ao que vivemos nos anos 80 e 90.

Neste sentido, é preciso todo o esforço para que o processo de integração ora emcurso deixe de ser uma iniciativa principalmente das burocracias estatais, dos governose dos partidos; e passe a ser uma iniciativa dos movimentos movimentos sociais, dascentrais sindicais, da intelectualidade progressista e das juventudes.

Page 38: 9º Consenge: soCiedade, energia e Meio aMbiente · quadro, o 9º Congresso Nacional de Sindicatos de Engenheiros (Consenge) debaterá o tema central Sociedade, Energia e Meio Ambiente

energia, reCUrsos Minerais e desenVoLViMento

Eng. Ildo Luís Sauer1

Eng. Nilton B. Amado2

Enga. Sonia Seger Mercedes3

____________

1 Ildo Luis Sauer é graduado em Engenharia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1977), possuimestrado em Engenharia Nuclear e Planejamento Energético pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1981),doutorado em Engenharia Nuclear pelo Massachusetts Institute of Technology (1985) e Livre Docência pela Univer-sidade de São Paulo (2004). Servidor público desta instituição, desde 1991, é professor titular do Instituto deEletrotécnica e Energia onde exerce os mandatos de Diretor da Divisão de Ensino e Pesquisa e Coordenador doPrograma de Pós-Graduação em Energia. Esteve licenciado entre 31/01/2003 e 24/09/2007, para exercer o cargode Diretor Executivo da Petrobras, responsável pela Área de Negócios de Gás e Energia. 2 Pós-doutorando em Energia pela Universidade de São Paulo.3 Pós-doutoranda em Energia pela Universidade de São Paulo.

Page 39: 9º Consenge: soCiedade, energia e Meio aMbiente · quadro, o 9º Congresso Nacional de Sindicatos de Engenheiros (Consenge) debaterá o tema central Sociedade, Energia e Meio Ambiente

45

ENERGIA, RECURSOS MINERAIS E DESENVOLVIMENTO

introdUÇÃo

Os debates envolvendo a apropriação social da energia e seu papel no modo deprodução atual compõem-se de duas dimensões distintas, ainda que permanente-mente interligadas: (i) a disputa pelos excedentes decorrentes da propriedade dos re-cursos naturais de alta qualidade; (ii) o papel dos recursos naturais no mecanismocausal de aumentos de produtividade desencadeado pela Revolução Industrial. Ambassão imprescindíveis para entender a maneira como o conflito de classes tem se mani-festado no momento histórico atual, desde as crises do petróleo na década de 1970 eo fim da chamada era de ouro do capitalismo. Dada a amplitude do problema e seusinúmeros desdobramentos, neste texto se buscará fundamentalmente apresentar fatose questionamentos que permitam evidenciar as relações sociais de produção que ga-rantem à sociedade o controle sobre os fluxos de energia e materiais dos quais de-pende, de modo a mostrar o processo subjacente a este controle sobre o mundonatural como um fio condutor organizador da reprodução da civilização burguesa aolongo do tempo. Para efetuar tal discussão, será adotada a perspectiva da contextua-lização histórica da apropriação social da energia e dos materiais no mundo e no Brasile da análise da forma pela qual esta apropriação se vincula ao processo social de acu-mulação e reprodução do capital. Será enfocada a disputa pelos excedentes econô-micos provenientes da propriedade dos recursos energéticos e minerais e, também,problematizado o que tem sido chamado de ‘desenvolvimento sustentável’, explicitandoo conflito de classes implícito e aparentemente intransponível (nos termos do modode produção capitalista) que se articula a partir dos atuais dilemas ambientais. Por fim,tendo em vista o cenário atual e o papel que os recursos naturais têm tido na reprodu-ção socioeconômica, serão apresentadas propostas e conclusões.

Page 40: 9º Consenge: soCiedade, energia e Meio aMbiente · quadro, o 9º Congresso Nacional de Sindicatos de Engenheiros (Consenge) debaterá o tema central Sociedade, Energia e Meio Ambiente

46

9º CONGRESSO NACIONAL DE SINDICATOS DE ENGENHEIROS – CONSENGE

A análise e as propostas deste texto devem ser vistas no contexto das perspectivasanalíticas hegemônicas nas recentes décadas no Brasil para o debate do processo dedesenvolvimento. Como contribuição e resgate destas perspectivas, aqui são recupe-radas três concepções: a da teoria do desenvolvimento dependente ou associado; aabordagem dos neomarxistas, que rejeitavam a possibilidade de uma aliança de clas-ses que levasse a um desenvolvimento capitalista autônomo na periferia do capita-lismo, e que defendiam a busca pela revolução socialista; e a escola estruturalista,formulada pela CEPAL e abraçada pelo ISEB. De certa forma simplificada, estas trêsperspectivas aparecem, implícita ou explicitamente, nas propostas e nas práticas im-plementadas no Brasil em relação às estruturas de produção e apropriação da energiae dos recursos minerais e naturais em geral.

A concepção da teoria da dependência, associada no Brasil ao trabalho de EnzoFaletto e Fernando Henrique Cardoso, tem origem na análise do marxista alemão Gun-der Frank, criticando a teoria da revolução capitalista, que propunha a aliança da es-querda com a burguesia, pois afirmava a inexistência da burguesia nacional no Brasilou na América Latina. Paradoxalmente, a partir da crítica de Gunder Frank, Faletto eCardoso entendiam que a solução para a inexistência de uma burguesia nacional, capazde ancorar o desenvolvimento em bases capitalistas, estaria na dependência associada:a associação ao capital estrangeiro, com a poupança externa, instrumentalizada pelasmultinacionais, cumpriria este papel. Na verdade, tratava-se de uma justificativa ele-gante para a subordinação ao Império, e, por isso mesmo, foi saudada pela intelectua-lidade norte-americana como uma saída da esquerda democrática para lutar pela justiçasocial. Esta percepção permite compreender o terreno fértil encontrado pela onda neo-liberal dos anos 90, dos governos Collor a FHC, para as ações concretas: privatizaçõesdas telecomunicações, da energia elétrica, da siderurgia e da Vale do Rio Doce, tenta-tiva de privatização da Petrobras, concessões de blocos de petróleo, desmonte do Es-tado empreendedor e sua substituição pelo Estado regulador, “neutro” via agênciasANEEL, ANP, ANATEL, financiamento das privatizações, mesmo para grupos estran-geiros, às vezes estatais, via poupança pública gerida pelo BNDES, promovendo ape-nas uma transferência da gestão do capital público para grupos privados.

A concepção estruturalista, gestada no âmbito da CEPAL, sob a liderança de RaulPrebisch, com forte participação de Celso Furtado, também propugnada pelo ISEB,pontificada por Ignácio Rangel, centra-se na proposta do desenvolvimento a partir deuma revolução capitalista nacional, associando empresários, trabalhadores e governo.O socialismo poderia vir numa etapa posterior, como consequência do próprio desen-volvimento histórico da hegemonia capitalista. Pode-se identificar no governo Lula umarecuperação de elementos desta concepção, ainda que sem ruptura clara com a he-rança de FHC, uma simbiose com o neoliberalismo, reforçando a concepção da de-pendência associada. Lula manteve grande parte dos instrumentos institucionais

Page 41: 9º Consenge: soCiedade, energia e Meio aMbiente · quadro, o 9º Congresso Nacional de Sindicatos de Engenheiros (Consenge) debaterá o tema central Sociedade, Energia e Meio Ambiente

47

ENERGIA, RECURSOS MINERAIS E DESENVOLVIMENTO

criados para implementar e gestar aquela concepção mantendo: as agências regula-doras, os leilões de blocos de petróleo, o status quo da exploração mineral e gestãoda Vale do Rio Doce, o caráter híbrido da Petrobras, como empresa com gestão con-trolada pelo governo mas operando com a lógica de petrolífera internacional, o papeldo BNDES para financiar a presença de grupos estrangeiros em empresas conces-sionárias, entre outros. Por outro lado, agregou elementos da concepção estruturalista,ampliando, em geral com apoio do BNDES, dos grupos privados nacionais no petróleo(vide OGX), na energia elétrica, na agroindústria, nos biocombustíveis, na indústria ali-mentícia, fomentando a consolidação de grupos capitalistas brasileiros para atuaçãoem escala internacional, principalmente na siderurgia, na indústria frigorífico-alimentí-cia, e no ramo contratista de obras públicas e de infraestrutura. Ampliou a instrumen-talização dos recursos dos fundos de pensão, dos trabalhadores, para promoverinvestimentos em aliança com os grupos privados em infraestrutura, petróleo, energiaelétrica, telecomunicações, transportes, biocombustíveis, entre outros. Pode-se afirmarque o governo Lula foi um marco na consolidação das relações sociais capitalistaspara organizar a produção e a vida social no Brasil, ainda que com a ampliação dopapel de grupos nacionais.

A terceira concepção, também inspirada na análise de Gunder Frank – compreen-dendo o caráter incipiente da burguesia nacional e o seu traço entreguista e de asso-ciação com o imperialismo – propunha o desenvolvimento do país em basessocialistas, sem a necessidade da fase capitalista. Teve como seguidores iniciais RuyMauro Marini e Teotônio dos Santos, mas adquiriu relevância maior no debate políticocom a adesão de Florestan Fernandes. Identifica-se nesta concepção a inspiração daspropostas defendidas pelo PT e pelos partidos que integravam a frente popular queconstruiu a eleição de Lula em 2002. Seu ocaso foi anunciado pela Carta aos Brasilei-ros e seu abandono ocorreu na prática do governo. Permaneceram apenas resquíciosde sua inspiração nos discursos justificadores dos programas compensatórios como oBolsa-família, às vezes sucumbindo a apelos mais populistas do que emancipadores.

A partir do reconhecimento da natureza destas três concepções, presentes nos de-bates sobre o caráter e o processo de desenvolvimento nacional nas práticas dos go-vernos recentes, as análises e propostas deste texto, explicitamente, guardam vínculoscom os valores e princípios da terceira concepção, não obstante o avanço das estru-turas institucionais e políticas baseadas nas primeiras. Ainda persistem na sociedadebrasileira espaços extraordinários para promover o direcionamento dos benefíciosoriundos da apropriação social dos recursos naturais – pontificados pelo petróleo egás natural, potenciais hidráulicos e eólicos, urânio, minérios de ferro, alumínio, nióbio,manganês, terras raras, além do acesso à terra – para a implementação de um projetonacional de desenvolvimento econômico e social, capaz de extirpar as assimetrias so-ciais e regionais, de promover a autonomia dos cidadãos, resgatando os valores da li-

Page 42: 9º Consenge: soCiedade, energia e Meio aMbiente · quadro, o 9º Congresso Nacional de Sindicatos de Engenheiros (Consenge) debaterá o tema central Sociedade, Energia e Meio Ambiente

48

9º CONGRESSO NACIONAL DE SINDICATOS DE ENGENHEIROS – CONSENGE

berdade, igualdade e fraternidade. A idéia fundadora da proposta baseia-se na criaçãode mecanismos de apropriação destas rendas – que se originam principalmente danatureza e do regime de propriedade dos recursos sobre os quais são aplicados osesforços de produção, dando luz a lucros suplementares e ganhos extraordinários, au-sentes dos processos capitalistas de produção em condições normais – e sua desti-nação para fins públicos.

A construção de uma estrutura concreta de apropriação social destes recursos na-turais com esta finalidade somente será possível com a mobilização da plena capaci-dade da engenharia e dos engenheiros brasileiros, onde a capacitação profissionaldeverá ombrear com atuação na esfera das políticas públicas nacionais. No momentoatual da história brasileira, está no palco do debate a definição sobre o destino, privadoou público, dos benefícios da apropriação dos recursos naturais, que adquirem o caráter,normalmente oculto, das rendas do petróleo, dos potenciais hidráulicos, da renda daterra na produção de alimentos e biocombustíveis, e da renda dos recursos minerais.O movimento hegemônico em curso, aliando grupos privados nacionais, multinacionaiscom setores dos partidos políticos, está pendendo para a apropriação majoritariamenteprivada destes benefícios. Somente uma ação concertada de forças populares organi-zadas no âmbito dos sindicatos, federações, movimentos sociais poderá reverter estatendência. Objetivamente, a maior diferença em termos de desenvolvimento econômicoentre os governos FHC e Lula está na conjuntura internacional, que elevou os preçosdas commodities, como petróleo, minérios de ferro e alumínio, e dos produtos agrícolas,que após a autossuficiência em petróleo, permitiu que uma fração das rendas, do ex-cedente econômico associado a esta nova situação, circulasse pela economia brasileira,embora principalmente do lado do capital. Esta tendência de acumulação privada dasrendas, com suas consequências e aniquilação de caminhos alternativos se manterá,caso não haja esta ação concertada das forças populares organizadas.

anÁLise HistÓriCa do papeL da energia no MUndo e no brasiL

A História da Humanidade guarda profundos vínculos com o processo de apropria-ção social dos recursos naturais, sobretudo energia. No início do processo de civiliza-ção, a apropriação da energia pela Humanidade se deu pela agricultura e pelapecuária, as quais por meio do aproveitamento controlado da fotossíntese e da cadeiaalimentar, “organizavam” a energia direta do Sol. A passagem do sistema de coletapara o sistema de produção agrícola representou um impacto ímpar na produtividadeda produção de alimentos e na reprodução da população e, em síntese, resultou noaparecimento das instâncias organizadoras da vida social: a divisão do trabalho, o co-mércio/mercado, a guerra, a defesa, o poder. A complexidade dessas formações re-crudesceu, sempre visando a aquisição de territórios mais produtivos e seguros e,

Page 43: 9º Consenge: soCiedade, energia e Meio aMbiente · quadro, o 9º Congresso Nacional de Sindicatos de Engenheiros (Consenge) debaterá o tema central Sociedade, Energia e Meio Ambiente

49

ENERGIA, RECURSOS MINERAIS E DESENVOLVIMENTO

logo, dos resultados da energia controlada: gente, terra, plantações, gado, que signi-ficavam matéria-prima, manufatura, comércio: riqueza.

Este modo de produção predominou até, aproximadamente, o século XVIII. A ener-gia disponível provinha do Sol, dos músculos, da força das águas e dos ventos, damadeira, do carvão e os ganhos de produtividade estavam atrelados ainda à qualidadedos sítios em que viviam os homens, seu clima, seus recursos. O calor tornou-se amola mestra do modo de vida urbano-industrial quando já se consolidava o novo pa-drão baseado não mais em extrair riqueza exclusivamente da terra, mas de gerá-lanas cidades, pela confecção de bens e serviços, utilizando mais e mais os aparatosmecânicos, automáticos, que reduziam custos e ampliavam a fabricação das merca-dorias, potencializando os ganhos de produtividade do trabalho socialmente incorpo-rado. O carvão mineral sucedeu o vegetal no fornecimento de energia para asatividades cotidianas e a incipiente indústria. As primeiras máquinas térmicas, utilizadaspara bombeamento de água para fora das minas, engendraram a futura construçãode James Watt. A associação destas máquinas com os teares – ingleses – estabeleceuo marco da Revolução Industrial. O carvão poderia continuar sendo a fonte por exce-lência de energia para manter o funcionamento do sistema, pois é o recurso fóssil maisabundante do planeta (aproximadamente 4 trilhões de barris equivalentes de petróleoem reservas no globo – Figura 1). Entretanto, já no final do século XIX, outra máquinatérmica transformou um insumo praticamente sem valor em necessidade essencial davida moderna: foi a associação entre a indústria do motor de combustão interna e a dopetróleo, com forte apoio do sistema financeiro – a expansão do automóvel como meiode transporte gerou uma demanda sustentada de produtos petrolíferos e, ainda queutilizado para outras finalidades, inclusive não energéticas, o consumo maciço de pe-tróleo no mundo, hoje, destina-se ao transporte (Figura 2). Nessa mesma época, sur-gem as telecomunicações, o gerador, o motor e a transmissão elétricos. Os derivadosdo petróleo e a eletricidade, produzida a partir dos potenciais hidráulicos, do carvão etambém do petróleo, tornaram-se a principal forma de energia do modo de vida ur-bano-industrial, que persiste até o presente. Desde então, o que se seguiu foram a so-fisticação e hegemonização do modo de produção capitalista, com sua inerentenecessidade da multiplicação ad infinitum, ou enquanto a termodinâmica assim o per-mitir, da acumulação do capital e da apropriação dos excedentes, de forma cada vezmais concentrada e a descentralização da geração das riquezas, não mais restrita àpropriedade de um território específico.

Page 44: 9º Consenge: soCiedade, energia e Meio aMbiente · quadro, o 9º Congresso Nacional de Sindicatos de Engenheiros (Consenge) debaterá o tema central Sociedade, Energia e Meio Ambiente

50

9º CONGRESSO NACIONAL DE SINDICATOS DE ENGENHEIROS – CONSENGE

1.4 (1.4)MiddleEast

15.0 (7.4)S. & Cent.América

32.0 (31.8)Africa

246.1 (113.3)North América

259.3 (155.8)Asia Pacific

271.2 (102.0)Europe & Eurasia

proved reservas at end 2009Thousand million tonnes (antharacite and bituminous coal shown in brackets)

Figura 1 - reservas provadas mundiais de carvão.

Obs.: 1 t equivalente de petróleo = 1,5 t de carvão = 7,33 barris equivalentes de petróleo

Fonte: BP Statistical Review, 2010.

4000

3500

3000

2500

2000

1500

1000

500

01971 1975 1979 1983 1987 1991 1995 1999 2003 2008

Figura 2 - Consumo

final de petróleo por

setor – 1971 – 2008

(106 tep). *inclui setor

agrícola, comercial,

residencial e público.

Fonte: OECD/IEA,

Key World Energy

Statistics 2010.Industry Transport Other* Non-energy use

evolution from 1971 to 2008 of total final consumptionby sector (Mtoe)

oil

Page 45: 9º Consenge: soCiedade, energia e Meio aMbiente · quadro, o 9º Congresso Nacional de Sindicatos de Engenheiros (Consenge) debaterá o tema central Sociedade, Energia e Meio Ambiente

51

ENERGIA, RECURSOS MINERAIS E DESENVOLVIMENTO

O controle sobre a propriedade dos meios de produção, dos conhecimentos tecno-lógicos adquiridos e da mão de obra foi fundamental para a determinação deste processoe sua consolidação. O fracionamento da potência, que permitiu uma liberdade sem pre-cedentes para a produção, que podia, agora, mover-se para onde os ganhos mais com-pensassem, fosse onde estavam as matérias-primas de maior qualidade ou a mão deobra de menor custo... O desenvolvimento das telecomunicações permitiu, primeiro, ocontrole das matrizes sobre suas filiais, alastradas nos países de origem e no ultramare, posteriormente, o controle instantâneo de operações do chão de fábrica a longa dis-tância e, sobretudo, a realização das transações financeiras que sustentam todo o edi-fício, entre corporações separadas por continentes. A mobilidade, permitida inicialmentepelos biocombustíveis – os óleos vegetais de Rudolph Diesel e o etanol, favorito de HenryFord – e pela eletricidade – sim, os primeiros automóveis foram mais elétricos do quemovidos à combustão –, potencializou a esfera da distribuição levando o sistema a umaglobalização mais extraordinária que aquela promovida pelos grandes navegadores...Este desenvolvimento não poderia prescindir do vínculo com o sistema financeiro que,desde o início aliado aos oligopólios da energia – elétrica e petrolífera –, permitiu que asinovações tecnológicas saíssem do campo teórico, transformando-se em negócios ex-tremamente rentáveis. A apropriação da energia também está atada à apropriação dosmateriais, cujo aperfeiçoamento foi necessário para suportar as forças e temperaturascada vez maiores a que estavam submetidos os novos aparatos – motores, geradorese outros. A sofisticação da indústria das telecomunicações também passa a exigir mate-riais cada vez mais originais e aprimorados. Novas ligas e substâncias naturais ou sin-téticas são cada vez mais baratas e disseminadas. Aprofunda-se o processo...

No Brasil, a percepção do papel da apropriação social da energia, especialmentedo petróleo e da energia elétrica, nos processos de transformação social induzidospela industrialização e urbanização esteve no cerne da luta do povo, nas décadas de1940 e 1950, que conduziram ao monopólio estatal do petróleo e à criação da Petro-bras, da Eletrobras. Atualmente, além dos recursos convencionais como o petróleo,os biocombustíveis e a hidreletricidade, o Brasil explora as fronteiras das fontes re-nováveis modernas, como a energia solar fotovoltaica e principalmente a eólica. Tam-bém por este motivo se buscou desenvolver o potencial do país na descoberta,exploração, produção e comércio de minerais energéticos e não energéticos. Nessebojo, seguiu-se a criação da CSN, da Companhia Vale do Rio Doce como instrumen-tos indispensáveis para a possibilidade material de transformação da sociedade agrá-rio-mercantil em outra. Alguns desses minerais, ao longo do século XX recrudesceramem importância e o Brasil passou a deter significativos recursos em termos, por exem-plo, de urânio e nióbio, além dos metais preciosos e do minério de ferro, que ajudarama escrever a História da Revolução Industrial. Para complementar a infraestruturaeconômica do país em direção à transformação pretendida, forjou-se o sistema Tele-bras e, imprescindivelmente, o BNDE (mais tarde BNDES).

Page 46: 9º Consenge: soCiedade, energia e Meio aMbiente · quadro, o 9º Congresso Nacional de Sindicatos de Engenheiros (Consenge) debaterá o tema central Sociedade, Energia e Meio Ambiente

52

9º CONGRESSO NACIONAL DE SINDICATOS DE ENGENHEIROS – CONSENGE

Entretanto, ainda no século XIX, o país começou a construir seu sistema energético.Eram iniciativas isoladas, privadas, baseadas em geração térmica a óleo ou carvão e hi-dreletricidade. A exploração do gás, obtido do carvão, para iluminação pública, tambémestava presente. Ao longo do século XX, em um cenário dinâmico de mudanças políticase tecnológicas, o sistema hidrelétrico, interligado, foi sendo construído. Assim como osetor de combustíveis, onde predominava, no início, a dependência externa de petróleo,mas já com incursões na seara dos biocombustíveis, das quais emergiria, bem maistarde, o bem-sucedido Proálcool. Nas primeiras décadas do século XX, o setor elétricoera caracterizado por uma presença hegemônica do capital privado e pela ausência deuma política de expansão setorial. Os contratos de concessão eram firmados diretamenteentre as concessionárias e os municípios e estados. Nos anos 20, foram realizadas asprimeiras ações estatais de intervenção e foram marcadas por racionamentos e intensi-ficação da fiscalização – necessárias em função da crônica falta de investimentos porparte das concessionárias. Com a crise do capital após 1929 surge, também no Brasil,o Estado de Bem-Estar, que se consolida no entre-guerras. É o período keynesiano-de-senvolvimentista, durante o qual, a despeito das correntes políticas à direita ou à es-querda que se sucederam no poder, o país foi marcado por um pensamento econômicocujo traço principal era o fomento à industrialização planejada, não necessariamente es-tatizante (de acordo com a linha político-econômica vigente), nem nacionalista.

A Petrobras foi criada na esteira da campanha “O petróleo é nosso”, com o desafiode encontrar petróleo e abastecer o mercado interno. Com o primeiro choque do pe-tróleo em 1973 e o segundo, em 1979, criou-se uma nova situação, na qual a economiamundial entrou em crise. O paradigma keynesiano de intervenção estatal definida,forte, entrou em crise também, pois as taxas de acumulação do capital se reduziramdrasticamente. A estratégia teve de mudar: a meta passou a ser atingir a autossufi-ciência. Não encontrando petróleo em terra, a Petrobras, para assegurar sua missãode redução da dependência energética, migra para o mar. Em 1968, haviam sido ini-ciadas as atividades de prospecção offshore no recém-descoberto campo de Guari-cema, Sergipe. Em 1974, encontrou-se a bacia que é, até o momento, a maior pro dutorado Brasil, Campos. Nesta fase foi desenvolvida a tecnologia de exploração em águasprofundas e ultraprofundas. Progressivamente, da exploração em lâminas de água depoucas dezenas de metros, passa-se para centenas e, mais adiante, para mil, 2 mil ehoje, profundidades próximas a 3 mil metros. E assim o Brasil alcança a autossuficiên-cia em 2006. A autossuficiência permitiu a estabilidade macroeconômica do país,mesmo quando o preço do barril de petróleo superou os 100 dólares. A capacitaçãona área de exploração, desenvolvimento, produção, gestão, associada à interação comgrandes organizações mundiais de ponta, permitiram à Petrobras testar um novo mo-delo geológico, desenvolvido ao longo de décadas, que previa a possibilidade da exis-tência de um segundo andar de petróleo, sob a camada de sal abaixo do primeiro, quepermitira essa autossuficiência. Foi a primeira descoberta de petróleo no pré-sal, no

Page 47: 9º Consenge: soCiedade, energia e Meio aMbiente · quadro, o 9º Congresso Nacional de Sindicatos de Engenheiros (Consenge) debaterá o tema central Sociedade, Energia e Meio Ambiente

53

ENERGIA, RECURSOS MINERAIS E DESENVOLVIMENTO

bloco de Parati, em 2005. O valor da Petrobras está principalmente em sua corporaçãode 75 mil pessoas, no esforço histórico do povo brasileiro que acreditou nela, que lhedeu apoio quando foi ameaçada de privatização, em pleno auge do neoliberalismo dosanos 90. No governo Lula, o setor de petróleo e gás natural manteve, além da estruturainstitucional, o modelo de exploração sob o regime de concessões, que permitiu a pri-vatização de vários blocos dos novos recursos, do pré-sal.

A criação da Eletrobras representou uma tomada de posição do Estado, a fim depreencher as lacunas deixadas pelo modelo privado de gestão do setor elétrico, emtermos de planejamento, expansão e universalização do acesso à energia, perce-bendo, ainda, que somente assim seria possível atender aos anseios de desenvolvi-mento econômico e industrialização da sociedade nacional. Por este motivo, inclusive,foi pivô de vários conflitos, o que levou à postergação de sua implantação por seteanos, decorridos entre a apresentação do projeto de criação em 1954 e sua aprovação,em 1961. As atividades somente foram iniciadas em 1962. Ao longo dessa década,com a consolidação institucional do setor (o Ministério de Minas e Energia fora recém-criado por JK, em 1960), a Eletrobras tornou-se a executora da política elétrica brasi-leira, responsável pela expansão da geração e extensão geográfica do atendimento,enquanto o DNAEE exercia a função normalizadora e fiscalizadora. A criação de Fur-nas representou, na prática, o início da integração setorial. Na década de 1970, a Ele-trobras se viu fortalecida por uma série de iniciativas: o reagrupamento das supridorasregionais (ELETROSUL, ELETRONORTE, CHESF, FURNAS); a reorganização dasconcessionárias estaduais – todas sob sua gestão; a criação do Grupo Coordenadorpara a Operação Interligada (GCOI) e a Reforma Campos-Bulhões que lhe conferiucapacidade de autofinanciamento. Com a crise internacional do capital, na década de1980, teve início um intenso processo de corrosão da estrutura de financiamento dosetor elétrico. Foi um período marcado por contenção tarifária e conflito entre a Eletro-bras e as concessionárias. Nessa época começaram as primeiras tentativas de refor-mar o setor e o primeiro plano foi o REVISE – Revisão Institucional do Setor Elétrico.Finalmente, na década de 1990 iniciou-se o processo de liberalização do setor elétrico,marcado pela privatização, que foi célere no segmento de distribuição e comercializa-ção, mas avançou também na geração e transmissão. Iniciado com a instituição doPlano Nacional de Desestatização (PND), sob Collor, alcançou seu ápice no governoFHC. Como consequência da verdadeira “operação desmonte”, seguiu-se o esvazia-mento institucional da Eletrobras. Atualmente, após Lula e sob Dilma, tenta-se umareorganização da empresa, atribuindo-lhe um papel de estruturante âncora de parce-rias com agentes privados e de internacionalização de negócios.

Em linhas gerais, as consequências da reforma liberal para o setor elétrico foramnegativas. Além da perda de competência técnica (com o desmantelamento das prin-cipais áreas de planejamento e operação), do surgimento e ampliação dos custos de

Page 48: 9º Consenge: soCiedade, energia e Meio aMbiente · quadro, o 9º Congresso Nacional de Sindicatos de Engenheiros (Consenge) debaterá o tema central Sociedade, Energia e Meio Ambiente

54

9º CONGRESSO NACIONAL DE SINDICATOS DE ENGENHEIROS – CONSENGE

transação e custos regulatórios, da inadequação do modelo e falta de cultura regula-tória e do aumento exponencial das tarifas, um evento ficou como a marca derradeirada reforma: o racionamento de energia ocorrido em 2001. Antes, vários blecautes, pormá gestão, má operação e manutenção, com explicações, no mínimo pitorescas. Afalta de investimentos em capacidade instalada e o fracasso do programa prioritáriode termelétricas levaram à depleção dos reservatórios do Sistema Interligado Nacional(SIN) e culminaram no racionamento. O governo Lula levou a cabo uma nova reforma,com os objetivos anunciados de: assegurar estabilidade regulatória; garantir segurançado suprimento; promover a modicidade tarifária e a inserção social (universalizaçãode atendimento). Porém, manteve praticamente a mesma estrutura institucional que ogoverno FHC, com algumas pequenas alterações de nomenclatura e criação de novosórgãos, além de adotar um modelo comercial ainda liberalizante e de alta complexi-dade, que não mitigou os equívocos do anterior e manteve os custos sociais, sobretudoem termos de tarifas altas e deterioração da qualidade da gestão setorial.

Nos anos 70, o estudo da área nuclear representava a fronteira do conhecimento,não apenas no país, onde definira até mesmo a implementação dos rudimentos de umapolítica nacional de ciência e tecnologia (CNPq, CNEN) (Coimbra, 2003; Porto, 2003;Schwartzman, 1989), mas em âmbito internacional. A partir do advento das bombasatômicas, primeiro baseadas na fissão e depois na fusão nuclear, ficou claro que osdois processos representavam um novo e inexplorado potencial, apto em alguma me-dida a permitir a superação da escassez de recursos e fontes energéticas que se previapara um futuro não tão distante. De bases científicas assim lançadas, dos anos 60 emdiante, a energia nuclear passou a ter larga aplicação comercial. Por outro lado, apre-sentava-se a possibilidade de aplicação direta das propriedades benéficas do átomoem áreas impregnadas de demandas sociais no Brasil de então: as utilidades médicas,o aperfeiçoamento da produção (pós-produção) agrícola e o resgate da dependênciaenergética. O choque do petróleo de 1973 abalara a suposição de equilíbrio no setorenergético mundial. A crença em uma iminente escassez de energia e consequente co-lapso de sistemas econômicos valorizou as previsões de demanda e oferta e a consi-deração de fontes antes não desenvolvidas. A tecnologia nuclear apresentava-se comoa opção mais segura e barata. Pelo menos, esse era o argumento implícito do governomilitar, que casava perfeitamente com a ideologia de “Brasil-Potência” que vigia. O do-mínio da tecnologia nuclear assumia, então, papel ainda mais fundamental e contornosmais pragmáticos. Nesse cenário, passou-se a adotar uma estratégia voltada para aformação e fixação no país de recursos humanos que pudessem operar e gerir a in-dústria nuclear que se almejava implantar. A partir de 1975, dois fatos foram marcantes:ocorreu uma significativa intensificação das atividades técnicas, tecnológicas e acadê-micas no campo da tecnologia nuclear e a Alemanha veio a tornar-se o principal refe-rencial do Brasil no projeto de domínio dessa tecnologia. A partir desse acordo, todo

Page 49: 9º Consenge: soCiedade, energia e Meio aMbiente · quadro, o 9º Congresso Nacional de Sindicatos de Engenheiros (Consenge) debaterá o tema central Sociedade, Energia e Meio Ambiente

55

ENERGIA, RECURSOS MINERAIS E DESENVOLVIMENTO

um complexo de centrais nucleares e indústrias correlatas foi criado: Nuclebras (antigaCBTN, Cia. Brasileira de Tecnologia Nuclear) e suas controladas Nuclebras Equipa-mentos Pesados S.A. (Nuclep); Nuclebras Enriquecimento Isotópico S.A. (Nuclei); Urâ-nio do Brasil S.A. e Nuclemon Mínero-Química Ltda e a Eletronuclear, vinculada aFurnas/Eletrobras. A Nuclebras também não passou incólume pela liberalização e foiextinta em 1989, substituída pelas Indústrias Nucleares Brasileiras (INB). Nos últimosanos, o país atingiu a meta de estar apto a aplicar em escala comercial todas as etapasde beneficiamento do urânio. Além disso, detém reservas de importância mundial oque, somado, poderia significar uma condição de exportador líquido desse mineral.Porém, também nesse caso, parece haver falta de uma visão estratégica e de umapolítica setorial integrada.

Vale ressaltar que o processo liberalizante descrito acima não envolveu apenassetores energéticos. Quase tão importante quanto o processo de apropriação dos ex-cedentes energéticos foi o processo pelo qual se transferiu para a iniciativa privada apropriedade de empresas estratégicas como CSN e Vale do Rio Doce, justamente nummomento em que a demanda chinesa pressiona para cima os preços de importantesprodutos de indústrias extrativas e de base. Ou seja, a transição do modelo keynesianopara o modelo neoliberal significou na prática transferir do Estado para agentes priva-dos a renda energética e mineral que surge neste novo contexto de fortes aumentosna demanda, devidos ao crescimento de países emergentes como a China. A Vale tal-vez seja o exemplo mais paradigmático de decisão política de transferir para agentesprivados o controle sobre ativos de alta qualidade.

A Vale foi privatizada sem que seu valor de mercado levasse em conta o valor desuas reservas. É como se a Microsoft fosse vendida ignorando-se o valor de mercadodo sistema operacional Windows ou se a Coca-Cola trocasse de mãos sem que osnovos proprietários tivessem que pagar pelo valor da marca. Não é preciso ser econo-mista para entender que o tamanho e a qualidade das reservas que uma mineradorapossui são um ativo essencial para entender as possibilidades de evolução de tal em-presa. Isto é ainda mais verdadeiro no caso da Vale pós-privatização, cuja política es-tratégica tem se concentrado basicamente em explorar as enormes reservas quepossui, precisamente num momento em que a demanda por tais recursos aumentaabruptamente no mundo. Segundo dados do Departamento Nacional de Produção Mi-neral, em 2004 o valor das exportações de minério de ferro foi 33.3% maior que o re-gistrado em 2003, enquanto a variação desse valor de 2003 para 2007 foi de 133,8%.Quando se observa o comportamento das ações da Vale no período de 2001 a 2011,percebe-se claramente que o seu valor caminha praticamente lado a lado com o preçodo minério de ferro no mercado internacional (Figura 3).

Page 50: 9º Consenge: soCiedade, energia e Meio aMbiente · quadro, o 9º Congresso Nacional de Sindicatos de Engenheiros (Consenge) debaterá o tema central Sociedade, Energia e Meio Ambiente

56

9º CONGRESSO NACIONAL DE SINDICATOS DE ENGENHEIROS – CONSENGE

Figuras 3ª e 3b – Valor

das ações da Vale x preço

minério de ferro e valor das

ações da petrobras x preço

do petróleo – 2001 - 1011

Fonte: Index Mundi online, 2011

Us

cent

s pe

r d

ry M

etri

c to

nVaLe adr (VaLe)

10 Year HigH05/19/08

32.64

petroLeo brasiLeiro adr 4 (pbr)10 Year HigH05/21/08

37.09

40.00

30.00

20.00

10.00

0.00

75.00

62.50

50.00

37.50

25.00

12.00

0.00

196.54

159.64

122.72

85.84

48.94

12.05

139.18127.02

114.86

102.7

90.54

78.39

66.23

54.07

41.91

29.75

17.59

2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011

2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011

Us

dol

lars

per

bar

rel

Mar

-200

1

Sep

-200

1

Mar

-200

2

Sep

-200

2

Mar

-200

3

Sep

-200

3

Mar

-200

4

Sep

-200

4

Mar

-200

5

Sep

-200

5

Mar

-200

6

Sep

-200

6

Mar

-200

7

Sep

-200

7

Mar

-200

8

Sep

-200

8

Mar

-200

9

Sep

-200

9

Mar

-201

0

Sep

-201

0

Mar

-201

1

Mar

-200

1

Sep

-200

1

Mar

-200

2

Sep

-200

2

Mar

-200

3

Sep

-200

3

Mar

-200

4

Sep

-200

4

Mar

-200

5

Sep

-200

5

Mar

-200

6

Sep

-200

6

Mar

-200

7

Sep

-200

7

Mar

-200

8

Sep

-200

8

Mar

-200

9

Sep

-200

9

Mar

-201

0

Sep

-201

0

Mar

-201

1

Page 51: 9º Consenge: soCiedade, energia e Meio aMbiente · quadro, o 9º Congresso Nacional de Sindicatos de Engenheiros (Consenge) debaterá o tema central Sociedade, Energia e Meio Ambiente

57

ENERGIA, RECURSOS MINERAIS E DESENVOLVIMENTO

Enquanto o sucesso da Vale tem se constituído basicamente por suas reservas euma conjuntura internacional favorável, o sucesso da Petrobras tem estado ligado a po-líticas ativas de inovação tecnológica e institucional, tais como as estratégias tecnológicasde ampliação das reservas (sem as quais o pré-sal seria impossível), a massificação dogás natural e o desenvolvimento do segmento dos biocombustíveis. Não obstante estasiniciativas estratégicas a Petrobras segue o paradigma de gestão de empresa capitalista.A comparação entre a Vale e a Petrobras é importante, pois permite desmistificar a visãocomumente difundida no período mais radical do neoliberalismo e hoje bastante arrai-gada no senso comum de que a iniciativa privada é sempre mais capaz que o setor pú-blico de enxergar possibilidades de valorização dos ativos que administra eopera.Verifica-se que em ambos os casos, substancialmente o valor de mercado estávinculado ao aumento dos preços das commodities e a expectativa de rentabilidade as-sociada a estes aumentos gerando renda petroleira e mineira incrementais.

Em síntese, após quase duas décadas de reformas, essencialmente liberais, porémsujeitas à oscilação do cenário político nacional entre o liberalismo pleno de Collor e FHCe uma versão suavizada e pró-desenvolvimentista de Lula e Dilma, o setor energético emineral do país ainda enfrenta problemas relacionados ao acesso aos serviços – tantoem termos de infraestrutura de fornecimento quanto em termos do seu encarecimentopara o usuário – e aos prejuízos, reais e potenciais, causados à sociedade pelas falhasdo modelo institucional, nos segmentos elétrico, petrolífero e de demais recursos.

gênese e dispUta da renda energétiCa e MineraL no brasiL

O petróleo constitui a forma de energia mais flexível, a que mais facilita a produçãoe o consumo, sem depender de redes estruturadas e caras. Multiplica a produtividadedo trabalho. E o excedente que resulta da sua introdução no processo social de produ-ção e de circulação é muito maior do que o custo de produzi-lo. No início da indústriapetroleira, a energia líquida disponível estava na razão de 1 para 100. Ou seja: gas-tava-se em esforço equivalente um barril de petróleo para obter 100 barris. Hoje, a razãoestá em 1 para 30: gasta-se em capital e trabalho humano o equivalente a um barril depetróleo para produzir apenas 30 barris. Mas, esse custo cada vez maior deve ser ana-lisado comparativamente. A fonte alternativa ao petróleo mais competitiva hoje, o etanolbrasileiro, tem uma razão de 1 para 8. E o biodiesel, o óleo diesel produzido a partir devegetais, de 1 para 1. A conversão direta do Sol em eletricidade, a fotovoltaica, temuma relação semelhante. Além disso, hoje, o petróleo se produz ao custo de US$1-10/barril. O seu valor no mercado oscilou nos últimos anos entre US$60 e US$150/barril.Um excedente de mais de US$50/barril. Surge daí a renda diferencial, disputada nocampo econômico, político e ideológico pelas grandes empresas e Estados. O sistemaeconômico mundial consome cerca de 30 bilhões de barris/ano, permitindo a apropria-

Page 52: 9º Consenge: soCiedade, energia e Meio aMbiente · quadro, o 9º Congresso Nacional de Sindicatos de Engenheiros (Consenge) debaterá o tema central Sociedade, Energia e Meio Ambiente

58

9º CONGRESSO NACIONAL DE SINDICATOS DE ENGENHEIROS – CONSENGE

ção de um excedente da ordem de 2 trilhões de dólares anuais. Entretanto, não sepode vincular esse problema a uma fonte natural. Ele está na sociedade, na forma deorganizar a produção. A demanda total de petróleo não é determinada a partir de umpaís, mas da forma como se dá hoje a produção e como se dá a sua circulação, juntocom a circulação de pessoas, em escala global. O petróleo continua exercendo umpapel essencial para que esta forma de produzir permaneça. Na verdade, a crescentedemanda por petróleo num cenário de aumentos no preço deste combustível e au-mento das restrições ambientais evidencia que os países até têm certa condição dearcar com o alto custo do barril, mas são impotentes diante de eventual não disponi-bilidade deste recurso.

Hoje, o recurso energético mais disponível em estoque é o carvão. O urânio tam-bém existe em grande quantidade. Em termos de fluxo, a quantidade de energia quechega à Terra vinda do Sol e que volta para o espaço após algumas transformações éimensa. Cada uma das três formas que a energia solar assume na sua ação sobre aTerra – a energia hidráulica, a eólica e a da fotossíntese – tem, por ano, um valor maiorque todo o estoque de petróleo acumulado (Figura 4). No entanto, em função do papelque o petróleo assumiu no sistema urbano-industrial que emergiu da Revolução In-dustrial, nenhum recurso energético natural contribui mais que ele para fazer a rodado consumo girar. O consumo, por sua vez, move a roda da produção. E esta faz amáquina de geração de excedente funcionar cada vez mais rápido. Podem-se imaginarmudanças nesse modelo urbano-industrial e a transição para outro, de menor uso deenergia. Para que outras formas de energia desempenhem esse mesmo papel, no en-tanto, é preciso melhorar as condições técnicas de sua apropriação, para que elasusem menos capital e trabalho. Os economis-tas ecológicos falam da necessidade de mu-dança desse paradigma. É necessário e épossível. Mas levará tempo. E não há nestemomento força política global capaz de asse-gurar e acelerar essa passagem.

Figura 4 - Magnitude dos

recursos mundiais de energia

Fonte: WEC, 2004

Consumo mundial anualPetróleo

Gás natural

Urânio

Carvão

Rec

urso

s en

ergé

ticos

tota

isE

nerg

ia s

olar

anu

al

Fotossíntese

Energia eólica

Hidráulica

Page 53: 9º Consenge: soCiedade, energia e Meio aMbiente · quadro, o 9º Congresso Nacional de Sindicatos de Engenheiros (Consenge) debaterá o tema central Sociedade, Energia e Meio Ambiente

59

ENERGIA, RECURSOS MINERAIS E DESENVOLVIMENTO

A natureza da relação que se estabelece no caso do petróleo é replicada para outrasfontes de energia e para outros insumos e, embora a produção de riqueza esteja virtual-mente descentralizada – e globalizada – e seja necessariamente decorrente do trabalhosocialmente incorporado, há um mérito intrínseco em possuir vantagens comparativasque permanecem vinculadas à propriedade territorial. Esta análise exige algumas consi-derações sobre as particularidades da produção de valor e formação de preços no setorenergético e a forma específica da lei do valor e dos preços na esfera das indústrias ex-trativas (Massarat, 1979 apud Sauer, 1981; Marx, 1968 apud Sauer, 1981).

Não há propriamente a necessidade específica de uma dada matéria energética –petróleo, gás natural, carvão, urânio etc. – mas da energia em que são convertidaspelos diferentes processos de transformações. Assim, o valor e também o preço demercado de uma quantidade de matérias energéticas é obtido a partir da quantidadede energia que ela pode proporcionar e do custo de separação da energia de seu su-porte material. Por outro lado, as jazidas, que são as bases materiais de produção dasmatérias-primas energéticas, se encontram em quantidades relativamente limitadas erepartidas em forma muito diferenciada em qualidade e localização no globo terrestre.Estas condições materiais de produção, dadas pela natureza, significam que o custode produção individual das matérias-primas, considerando-se o emprego de forçasprodutivas de mesmo grau, é variável segundo os produtores industriais disponhamde um monopólio de melhor ou pior qualidade. Para satisfazer a necessidade de umadada matéria-prima, é necessário produzi-la com custos de produção individuais va-riáveis. O preço de mercado destas matérias-primas é regulado pelo preço individualdas matérias-primas produzidas nas piores condições, mas ainda necessárias parasatisfazer a demanda, constituindo as condições limites. Os produtores que produzemnestas condições obtêm justamente o benefício médio (para a economia) e os queproduzem em melhores condições obtêm um sobrebenefício ou excedente que seconstitui numa renda diferencial, enquanto os que produzem em condições piores queas limites são eliminados do mercado. Nas condições atuais é o oligopólio do petróleoque provê a grande massa de matérias energéticas necessárias no mercado mundial,e o carvão se apresenta como a principal alternativa capaz de satisfazer parte consi-derável destas necessidades. Como consequência é o preço de produção individualdo carvão que determina o preço de mercado mundial dos materiais energéticos, cons-tituindo-se na alternativa de referência (Sauer, 1981) (Figuras 5 e 6), em condições decontrole oligopolista ou regulado de acesso aos recursos petrolíferos.

Page 54: 9º Consenge: soCiedade, energia e Meio aMbiente · quadro, o 9º Congresso Nacional de Sindicatos de Engenheiros (Consenge) debaterá o tema central Sociedade, Energia e Meio Ambiente

60

9º CONGRESSO NACIONAL DE SINDICATOS DE ENGENHEIROS – CONSENGE

Figura 5 - Formação das rendas absoluta e relativas

Fonte: Alvarez, 2000

Figura 6 - Custos de produção de recursos energéticos

Fonte: IEA, 2010

Precio Regulador del Mercado segun Marx

Renta absolutapara A, B y C = 200 por unidad

Precio Regulado/ del Mercado segun Ricardo

Renata Diferencial B =(800 – 500) = 300 porunidad

Renata Diferencial A =(800 – 300) = 500 por unidad

Cantidades enunidades

precios/Costospor unidad

production cost curve (not including carbon pricing)

Pro

duct

ion

cost

(200

8 U

SD

)

Alreadyproduced

Otherconv. oil

Heavy oibitumen

All deepwater

Other EOR

CO2 EOR

Arctic

Oilshales gtL

gtLbtL e

than

ol

bio

dise

l

MENAconv. oil

Hoje: carvão.Futuro: nuclear,renováveis (?)

a

b

C

1000

800

500

300

0 5 10 15 17 20

150140130120

110

100

90

8070

60

504030

20

100

0 1000 2000 3000 4000 5000 6000 7000 8000 9000

Avaliable oil in billion barrelsCompeting fuel sources

Page 55: 9º Consenge: soCiedade, energia e Meio aMbiente · quadro, o 9º Congresso Nacional de Sindicatos de Engenheiros (Consenge) debaterá o tema central Sociedade, Energia e Meio Ambiente

61

ENERGIA, RECURSOS MINERAIS E DESENVOLVIMENTO

A renda dos recursos naturais adquire diferentes manifestações de acordo com asparticularidades que assumem a intervenção do capital no aproveitamento desses re-cursos e a formação de excedentes nos processos de produção de determinados tiposde bens. Uma das manifestações da renda está relacionada com as qualidades dife-renciais dos recursos naturais que, a partir da aplicação de capital e força de trabalho,conduzem a diferentes custos unitários para o mesmo bem. Estas qualidades diferen-ciais relacionam-se principalmente com localização (proximidade dos centros de con-sumo e das redes de transporte), características geológicas e hidrológicas que facilitema implantação das usinas e minimização dos impactos ambientais, no caso dos poten-ciais hidráulicos e, com a localização, acessibilidade e qualidade dos recursos de pe-tróleo e gás natural.

Quando a produção de um bem em quantidades suficientes para abastecer a de-manda requer a utilização de recursos naturais com características diferentes, o preçodeste bem, pelo menos em mercados competitivos, será determinado pelos custos doprocesso produtivo marginal, dando origem a uma renda diferencial nos processosprodutivos intramarginais. Esta noção está nitidamente associada aos processos degeração de energia hidrelétrica e de produção de petróleo e gás natural. No Brasil,pela Constituição, tanto os potenciais hidráulicos quanto os recursos do subsolo, pe-tróleo e gás natural, são propriedade da União, pertencendo assim à sociedade comoum todo, a quem os benefícios decorrentes da exploração desses recursos deveriamser adjudicados.

Figura 7 - Histórico e projeção da demanda mundial de ener-

gia primária (quatrilhões de btu)

Fonte: DOE/EIA Annual Energy Outlook 2010

120

100

80

60

40

20

01980 1995 2008 2020 2035

Coal

Nuclear

Natural gas

Liquids

Biofuels

RenewablesHistory Projections

quadrilion Btu

Page 56: 9º Consenge: soCiedade, energia e Meio aMbiente · quadro, o 9º Congresso Nacional de Sindicatos de Engenheiros (Consenge) debaterá o tema central Sociedade, Energia e Meio Ambiente

62

9º CONGRESSO NACIONAL DE SINDICATOS DE ENGENHEIROS – CONSENGE

O petróleo é o recurso energético mais utilizado no planeta. O consumo mundialde energia, fortemente dependente desse recurso, tende a seguir aumentando (Figura7) – pelo aumento da população, pela diversificação e ampliação de atividades produ-tivas, pelo acréscimo de consumo de parcelas da população mundial historicamenteexcluídas do sistema econômico e pelo crescimento do transporte individual. O Brasilpossui, do ponto de vista da sua matriz de energia primária, uma condição favorável ediferenciada, sobretudo quando comparada à matriz global, em um contexto permeadopor problemas compartilhados por todo o planeta, de exaustão dos recursos, especial-mente das reservas de petróleo de baixo custo de exploração; da manutenção da se-gurança energética, em face da concentração dos recursos petrolíferos em áreaspotencialmente conflituosas e dos problemas ambientais crescentes – locais, regionaise globais –, especialmente a mudança climática, de solução não trivial (Figura 8). To-davia, essa matriz, considerada exemplar em âmbito mundial em termos de uso defontes renováveis, também é marcada pelo predomínio dos fósseis.

E o petróleo manterá seu elevado valor ainda por três ou quatro décadas, no mí-nimo. Quem controlar a apropriação de qualquer elo importante da cadeia desse re-curso natural controlará parte do poder. Onde está esse petróleo remanescente? Emtrês fronteiras: na Ásia Central, na África, em países como Nigéria e Sudão e, agora,no pré-sal brasileiro. A importância política da intervenção estatal como forma de apro-priar parte da renda extra criada pelo petróleo surge em 1922, com a criação da YPFArgentina. Prossegue com a criação da Pemex, 1938, no México. A criação da OPEP

Figura 8 - oferta interna de energia – brasil 2009 (%)

Fonte: BRASIL/EPE, 2010a

bioenergia31,9%

Hidráulicae

eletricidade15,2%

renovável47,2%

Urânio (U308)e derivados1,4%

eólica0,04%

Carvão mineral ederivados

4,8%

gás natural8,8%

petróleo ederivados

37,9%

milhões tep 243,7 115,0 77,8

Lenha e carvão vegetal

10,1%

produtosda cana

18,0%

ÓleosVegetais

0,6%outrasbiomassas

3,2%

Page 57: 9º Consenge: soCiedade, energia e Meio aMbiente · quadro, o 9º Congresso Nacional de Sindicatos de Engenheiros (Consenge) debaterá o tema central Sociedade, Energia e Meio Ambiente

63

ENERGIA, RECURSOS MINERAIS E DESENVOLVIMENTO

em 1960 é outro passo na compreensão política do problema da apropriação da rendapetroleira. E com os choques de preços dos anos 1973-1979 esse papel especial dopetróleo se torna ainda mais evidente. Na década de 1960, o capital privado controlava85% das reservas mundiais de petróleo; hoje, apenas 16%. O que está em disputa,não só aqui, mas em todos os cantos do mundo hoje é isso. Quem ganhará com asrendas a serem propiciadas pelos recursos do pré-sal, uma das últimas grandes fron-teiras mundiais do petróleo, é o debate, ainda inconcluso, que se apresenta para a so-ciedade brasileira neste momento. Dimensionar o volume e pensar estrategicamentea propriedade e o valor dos recursos possibilitará apropriar socialmente os benefíciosque podem ser gerados pelo pré-sal.

Para estimar grosseiramente valores, considere-se um período de extração das re-servas de 40 anos, um preço médio do petróleo de US$ 75,00/barril (nos 40 anos) eum custo de extração (capital e trabalho, nos 40 anos) de US$ 15,00/barril. O exce-dente (renda petroleira) gerado será de US$ 60,00/barril. Se as reservas forem de 100bilhões de barris, a extração anual será de 2,5 bilhões de barris, ou 6,85 milhões debarris/dia. Nessas condições, o excedente anual gerado seria de aproximadamenteUS$ 150 bi (R$ 263 bi)!! Em se duplicando, ou triplicando, o volume das reservas, omesmo ocorre com a geração potencial da renda. Em termos comparativos, basta lem-brar que toda a arrecadação de impostos pelo governo federal no ano de 2010 atingiuo valor de R$ 800 bilhões, dos quais apenas 5% destinados a investimentos.

Dependendo de sua capacidade técnica e tecnológica, dos recursos financeiros dis-poníveis, do grau de autonomia política do país e dos riscos envolvidos, os países de-tentores de reservas têm adotado diferentes regimes de exploração e produção. Ostrês regimes básicos utilizados são: concessão, partilha da produção e prestação deserviço. No regime de concessão a empresa que explora o recurso assume os riscos etambém a propriedade do óleo e gás extraídos; no regime de partilha, como o próprionome indica, os recursos extraídos são partilhados entre a empresa que opera a reservae o Estado; no regime de “Acordo de Serviço”, o Estado apenas contrata o serviço dapetrolífera, assumindo os riscos e também a propriedade dos recursos extraídos.

O modelo governamental de gestão dos recursos do pré-sal encontra-se integral-mente sancionado. Os representantes da sociedade brasileira optaram por uma formade exploração compartilhada, com a criação de um Fundo Social e de uma nova em-presa pública responsável por gerir os novos contratos. Restam, entretanto, questõesnão suficientemente debatidas, que expõem potenciais fragilidades deste modelo:

A decisão final está toda centrada na presidência, de forma unilateral, auto-crática: todos os órgãos envolvidos são de sua nomeação e agem sob suaorientação.

Page 58: 9º Consenge: soCiedade, energia e Meio aMbiente · quadro, o 9º Congresso Nacional de Sindicatos de Engenheiros (Consenge) debaterá o tema central Sociedade, Energia e Meio Ambiente

64

9º CONGRESSO NACIONAL DE SINDICATOS DE ENGENHEIROS – CONSENGE

Há a manutenção de aura de risco, implicando em redução do óleo-lucro arbi-trado nas propostas de licitação – necessidade de quantificar as reservas pre-viamente, eliminando o risco.

A necessidade de coordenar a produção com o mercado internacional e garantiraporte de recursos para financiar desenvolvimento não tem sido estruturada.

O modelo aprovado pelo governo somente aportará recursos em longo prazo:

Legislação, licitações, exploração, contratações e início de operações: qua-tro anos (2014);

Produção do óleo custo: dois a quatro anos (2016-2018);

Formação do fundo social com receitas a partir de 2018, aplicadas em“investimentos externos”;

Rendimentos aplicados no país: início dos rendimentos significativos:2020-2022.

Enquanto se produzia e aprovava este modelo, em regime de urgência, desneces-sária, como evidenciado, não se destacou, no entanto, o seguinte: o monopólio públicoexercido por operadora estatal é a forma mais simples e mais amplamente utilizadapara operar a indústria do petróleo, que passou a ser adotada na medida em que ospaíses mais pobres foram se dando conta do enorme excedente gerado pelo petróleoe da necessidade de controlá-lo. Petróleo é, cada vez mais, um recurso geopolítico.Se decidir explorar essa reserva em 30 anos, o Brasil colocará no mercado cerca de10 milhões de barris por dia, mais ou menos como a Arábia Saudita faz hoje. Mas aArábia Saudita não foi ao mercado sozinha, nem deixou o mercado decidir por ela.Ajudou a formar a OPEP. Por quê? Porque a entrada de um grande ator no mercadomundial de petróleo tem consequências sobre os preços. Dada a necessidade de es-tabelecer um rigoroso controle sobre o processo de extração e produção, de modo ainternalizar os benefícios da renda de propriedade decorrente das reservas, o modelomais adequado seria aquele que garantisse à Petrobras e ao Estado brasileiro a pro-priedade de todo o óleo extraído.

Teremos capacidade de compreender essas coisas, de construir um caminho pró-prio? O capital financeiro está aí, em busca de aplicações rentáveis. Quer que o go-verno se comporte dentro de suas regras. Para fugir dessa sina o país tem de ter umprojeto nacional de desenvolvimento econômico e social, um plano. Que plano é esse?Conclusão da delimitação e conhecimento dos recursos; garantia da manutenção daeficiência industrial e operacional; definição de ritmo de exploração e produção conju-gando as necessidades de financiamento de um novo projeto de desenvolvimento eco-

_

_

_

_

Page 59: 9º Consenge: soCiedade, energia e Meio aMbiente · quadro, o 9º Congresso Nacional de Sindicatos de Engenheiros (Consenge) debaterá o tema central Sociedade, Energia e Meio Ambiente

65

ENERGIA, RECURSOS MINERAIS E DESENVOLVIMENTO

nômico e social do país com a estrutura do mercado internacional de petróleo e deri-vados, via Petrobras; estender a nova regulamentação a todas as áreas: eliminar mo-delo dual, sobreposto e, acima de tudo, definição da apropriação e destinação doexcedente econômico, da renda petrolífera, em termos sociais, ambientais e estraté-gicos, incluindo o financiamento das atividades vinculadas à transição energética. Érecomendável considerar medidas adicionais como a criação do fundo constitucionaldo futuro do Brasil, como caixa para financiar o plano nacional de desenvolvimento econtrole de “doença holandesa”; importação de alguns fatores estratégicos (por exem-plo, os de alto conteúdo tecnológico), visando promover o intercâmbio. Concluindo, éestratégico considerar que as reservas no subsolo têm alta probabilidade de valoriza-ção, superior a qualquer outro investimento ou reservas financeiras em qualquermoeda, e que o desenvolvimento do plano de exploração, produção e comercializaçãomerece elaboração cuidadosa e sem açodamento.

A participação das fontes renováveis de energia na matriz mundial ainda é bastantereduzida. Todavia, o crescimento anual dessa participação, especialmente no caso dasrenováveis modernas (biomassa moderna, solar, eólica, marítima, geotérmica...) é ex-tremamente significativo e superior ao dos demais recursos, embora se dê sobre umabase muito pequena (Figuras 9, 10 e 11). Há, entretanto, um grande potencial teórico,técnico e econômico extremamente subutilizado de fontes renováveis. No Brasil, a si-tuação se repete, especialmente no caso da energia solar fotovoltaica e da energiaeólica. A energia eólica apresenta, já, uma forte complementaridade anual e plurianual,especialmente na bacia do São Francisco, com a ENA (energia natural afluente) hi-dráulica (Figura 12), além disso, projeções (2050) indicam que esta última seria, emcomplementação com a energia hidráulica, capaz de suprir e sustentar um consumode eletricidade per capita duas vezes maior que o atual, com uma população maior(230 milhões de habitantes, aproximadamente) e sem necessidade de emprego de ge-ração térmica (fóssil e nuclear), a custos competitivos (Figura 13).

Figura 9 - participação das reno-

váveis no consumo final global

de energia - 2008

Fonte: REN21, 2010

nuclear 2.8% Wind/solar/biomass/geothemalpower generation 0.7%biofuels 0.6%

biomass/solar/geothermalhot water/heating 1.4%Hydropower 3.2%

traditional biomass 13%

renewables19%

Fossil fuels78%

Page 60: 9º Consenge: soCiedade, energia e Meio aMbiente · quadro, o 9º Congresso Nacional de Sindicatos de Engenheiros (Consenge) debaterá o tema central Sociedade, Energia e Meio Ambiente

66

9º CONGRESSO NACIONAL DE SINDICATOS DE ENGENHEIROS – CONSENGE

Figura 10 - Capacidade

renovável instalada - 2009

Fonte: REN21, 2010

320300280260240220200180160140120100

80604020

0

Solar PV (grid)

Geothermal

Biomass

Small hydro

Wind

Wor

lddev

elopi

ng

Count

ries eU-2

7

China

Unite

d sta

tes

germ

any

spain

indi

a

Japa

n

gig

awat

ts

Figura 11 - Crescimento anual

médio da Capacidade

renovável instalada.

Fonte: REN21, 2010

120%

100%

80%

60%

40%

20%

0%

60%

44%27%

32%

19% 21% 20%10% 12%

41%

4% 4%

51%

9%

53%

102%end-2004 to 2009 Five-Year Period2009 only

solar

pV

(util

ity sc

ale)

solar

pV

(grid

-tied

)

Win

d po

wersol

ar h

ot

water

/hea

ting

ethan

ol

prod

uctio

nsol

ar

ther

mal

power

geoth

erm

al

power bio

dies

el

prod

uctio

n

18000

16000

14000

12000

10000

8000

6000

4000

2000

0

MW

m e

na

MW

m

eól

ica

250

200

150

100

50

0

Eólica 2008

Eólica 2009

Eólica 2010

ENA 2008

ENA 2009

ENA 2010

Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez

Figura 12 –

Complementariadade

eólica x hidráulica

(ena x eólica - nordeste)

Fonte: Ricosti, J.F.C., 2011

Page 61: 9º Consenge: soCiedade, energia e Meio aMbiente · quadro, o 9º Congresso Nacional de Sindicatos de Engenheiros (Consenge) debaterá o tema central Sociedade, Energia e Meio Ambiente

67

ENERGIA, RECURSOS MINERAIS E DESENVOLVIMENTO

A bioenergia é um dos recursos que mais contribuem para o alto percentual de fon-tes renováveis na matriz energética brasileira. Os produtos da cana têm maior impor-tância e são secundados pela biomassa tradicional – lenha e carvão vegetal – (Figura8). O uso energético dos produtos da cana extrapola a produção de álcool. O bagaçoé bastante empregado no próprio setor sucroalcooleiro, para a produção de açúcar edo álcool e este emprego tem apresentado uma tendência crescente. Contudo, o con-sumo veicular de etanol vem crescendo consistentemente, desde o lançamento docarro flex fuel, em 2003. Este combustível ganha relevância internacional, sobretudoem função das crescentes restrições ambientais, mas também das preocupações cres-centes com a segurança energética, nos países petróleo-dependentes. Pesquisasidentificam a possibilidade de que o consumo de etanol supere por completo o uso dagasolina, a depender da conjuntura de preços (Figuras 14, 15, 16 e 17).

Figura 13 - previsão do balanço de energia elétrica 2040 (gWh)

Fonte: Ricosti, J.F.C., 2011

1.800.000

1.600.0001.400.0001.200.0001.000.000

800.000600.000

400.000200.000

Previsão de Oferta Hidráulica e Eólica

Previsão deCarga

45

40

35

30

25

20

15

10

5

0

1970

1973

1976

1979

1982

1985

1988

1991

1994

1997

2000

2003

2006

2009

Figura 14 - Usos dos produtos de cana no brasil (milhões de t equivalentes de petróleo)

Fonte: BRASIL/EPE, 2010a

Page 62: 9º Consenge: soCiedade, energia e Meio aMbiente · quadro, o 9º Congresso Nacional de Sindicatos de Engenheiros (Consenge) debaterá o tema central Sociedade, Energia e Meio Ambiente

68

9º CONGRESSO NACIONAL DE SINDICATOS DE ENGENHEIROS – CONSENGE

milh

ões

de m

3

Vendas de etanol Hidratado (1990 - 2010)

18

16

14

12

10

8

6

4

2

milh

ões

de u

nida

des

3,0

2,5

2,0

1,5

1,0

0,5

0,0

1990

1991

1992

1993

1994

1995

1996

1997

1998

1999

2000

2001

2002

2003

2004

2005

2006

2007

2008

2009

2010

Venda veículosleves a álcool

Venda veículosleves flex

60000

50000

40000

30000

20000

10000

0

gasoline

ethanolgas + ethanolobserv. data

103 tOE

2003 2008 2013 2018 2023

Figura 16 - Venda de veículos leves flex fuel e etanol

Fonte: Losekann e Vilela, 2010

Figura 17 - projeção do consumo de

gasolina e etanol - br.

Fonte: Kamimura & Sauer, Energy Policy 36

(2008) 1574-76

Figura 15 - Vendas de etanol hidratado (milhões de metros cúbicos)

Fonte: ANP, 2011

Page 63: 9º Consenge: soCiedade, energia e Meio aMbiente · quadro, o 9º Congresso Nacional de Sindicatos de Engenheiros (Consenge) debaterá o tema central Sociedade, Energia e Meio Ambiente

69

ENERGIA, RECURSOS MINERAIS E DESENVOLVIMENTO

A história do uso combustível do álcool no Brasil é bastante antiga, data da décadade 1920, quando foram realizadas as primeiras experiências. A mistura do álcool à ga-solina também o é e data de 1931, quando foi instituída sob o governo de Getúlio Var-gas. As Figuras 18 e 19 reconstituem a série da produção de álcool anidro e hidratadono Brasil desde 1934. Nesta época, o álcool anidro tinha aplicação quase que exclusivacomo aditivo à gasolina, o que comprova a larga experiência brasileira em uso veicularde etanol. Trata-se de uma vantagem para o país, sem dúvida, dominar a tecnologiaveicular, do combustível e também da matéria-prima – a cana brasileira é o insumo demaior produtividade entre todas as culturas energéticas empregadas, seja para a fa-bricação de álcool, ou para a de biodiesel –, porém, o papel dos biocombustíveis nãodeve ser superestimado a ponto de crer em uma substituição plena dos combustíveisfósseis, pelo menos enquanto durarem as condições que asseguram ao petróleo suacaracterística especial. Porém, há inúmeras possibilidades científicas que permitemampliar a importância deste recurso, pela intervenção nas características de produçãodas matérias-primas, incluindo o melhor aproveitamento da terra e dos próprios bio-combustíveis e sua utilização (otimização de processos e sistemas de conversão ener-gética). Grande parte dessas pesquisas já vem sendo desenvolvida em instituiçõesbrasileiras, em termos de produção de etanol de segunda e terceira gerações, de au-mento da produtividade da cana-de-açúcar, de desenvolvimento de novos derivadosde cana, de aprimoramento da fisiologia vegetal e investigação dos impactos de umambiente de alto carbono, de diversificação de espécies energéticas e de manutençãoda sustentabilidade de ambientes que necessitam de proteção, como a floresta tropical.A relevância futura da biomassa moderna (entre outros, biocombustíveis) pode sermuito grande e, nesse futuro, há um papel para o Brasil. Mas também nesse caso énecessária a tomada de decisão firme, por parte do governo, no sentido de fazer dosbiocombustíveis uma opção estratégica. A mera posição geográfica do país, no “cintu-rão da fotossíntese” não é suficiente para fazer dessa condição uma vantagem com-parativa no mercado de combustíveis. A renda diferencial resulta de uma açãocalculada e globalmente concatenada sobre o modo de produção, em que o país nãopode, de forma ufanista, alicerçar suas expectativas futuras em uma característica ter-ritorial. O exemplo do etanol mostra que o sucesso só foi possível no Brasil devido aum conjunto de elementos de política pública – nem sempre executado de forma coor-denada –, após cinco décadas de maturação.

Page 64: 9º Consenge: soCiedade, energia e Meio aMbiente · quadro, o 9º Congresso Nacional de Sindicatos de Engenheiros (Consenge) debaterá o tema central Sociedade, Energia e Meio Ambiente

70

9º CONGRESSO NACIONAL DE SINDICATOS DE ENGENHEIROS – CONSENGE

1933

/34

1934

/35

1935

/36

1936

/37

1937

/38

1939

/40

1940

/41

1941

/42

1942

/43

1943

/44

1944

/45

1945

/46

1946

/47

1947

/48

1947

/49

1948

/40

1949

/50

1950

/51

1952

/53

1953

/54

1954

/55

1955

/56

1956

/57

1957

/58

1958

/59

1959

/60

1960

/61

1961

/62

1962

/63

1963

/64

1964

/65

1965

/66

1966

/67

1967

/68

1968

/69

1969

/70

1970

/71

1971

/72

1972

/73

1973

/74

1974

/75

800.000

700.000

600.000

500.000

400.000

300.000

200.000

100.000

0

Lite

rs

1975

1976

1977

1978

1979

1980

1981

1982

1983

1984

1985

1986

1987

1988

1989

1990

1991

1992

1993

1994

1995

1996

1997

1998

1999

2000

2001

2002

2003

2004

2005

2006

2007

2008

30000

25000

20000

15000

10000

5000

0

mill

ion

liter

s

Figura 18 - produção de álcool no brasil – 1933 a 1975 – l/safra

Fonte: Rico, J.A.P. et al., 2010

Figura 19 - produção de álcool no brasil – 1975 a 2009 – milhões de l/safra

Fonte: Rico, J.A.P., 2010

Page 65: 9º Consenge: soCiedade, energia e Meio aMbiente · quadro, o 9º Congresso Nacional de Sindicatos de Engenheiros (Consenge) debaterá o tema central Sociedade, Energia e Meio Ambiente

71

ENERGIA, RECURSOS MINERAIS E DESENVOLVIMENTO

A geração hidráulica de energia elétrica não é a mais significativa quando analisadano âmbito da matriz mundial de oferta (Figura 20). Para o Brasil, contudo, a hidreletri-cidade tem um peso significativo, tanto na matriz de oferta interna de energia, onde cor-responde a 15% (Figura 7), quanto na matriz de oferta interna de eletricidade, na qualrepresenta quase 77% (Figura 21). O Brasil é o terceiro país no mundo em capacidadeinstalada e em geração de hidreletricidade, em um cenário onde a China predomina.Quanto à participação percentual na matriz elétrica, só perde para a Noruega (Figura22). Entre as fontes disponíveis para a produção de eletricidade, a energia hidráulica éa que apresenta o maior potencial para desenvolvimento: de um total de 243.000 MW,cerca de 95.000 já estão desenvolvidos. A energia eólica, que vem logo em seguida,responde por 143.000 MW. Biomassa, cogeração, geração distribuída e gás naturalapresentam, juntos, cerca de 20.000 MW. PCHs, 17.000 MW e solar, cerca de 300 GW(400 TWh). As bacias das regiões Sudeste e Sul têm, respectivamente, os maiores per-centuais de capacidade instalada do país, assumindo grande importância no abasteci-mento. O maior potencial, porém, encontra-se, hoje, nas bacias da região Norte,especialmente a bacia do Amazonas, na qual as fragilidades ambientais representamuma restrição concreta aos projetos de desenvolvimento deste potencial. Entretanto,como supramencionado, é possível explorar outras potencialidades, especialmente aeólica, sem necessidade de ressuscitar projetos controvertidos e problemáticos, a des-peito da razoabilidade técnica, como o são os dos rios Madeira e Xingu.

Figura 20 - eletricidade - geração térmica + renovável - Mundo

Fonte: oeCd/iea, Key World energy statistics 2010.

Nota: **inclui geotérmica, eólica, solar, combustíveis renováveis, resíduos.

evolution from 1971 to 2008 of world eletricity generation*by fuel (tWh)

24 000

24 000

16 000

12 000

8 000

4 000

01971 1975 1979 1983 1987 1991 1995 1999 2003 2008

Fossil termal nuclear Hydro other**

Page 66: 9º Consenge: soCiedade, energia e Meio aMbiente · quadro, o 9º Congresso Nacional de Sindicatos de Engenheiros (Consenge) debaterá o tema central Sociedade, Energia e Meio Ambiente

72

9º CONGRESSO NACIONAL DE SINDICATOS DE ENGENHEIROS – CONSENGE

Importação/ Imports8,1%

Biomassa2/ Biomass2

5,4%

Eólica/ Wind0,2%

Gás natural/ Natural g2,6%

Derivados do petróleo/2,9%

Nuclear/ Nuclear2,5%

Carvão e derivados1 / Coal1

1,3%

Hidráulica/ Hydro76,9%

Figura 21 - oferta interna de energia elétrica por fonte – brasil - 2009

Fonte: BRASIL/ EPE, 2010b

Figura 22 - estatísticas da geração de hidreletricidade - Mundo

Fonte: OECD/IEA, Key World Energy Statistics 2010

2008 data

2008 data

2007 dataSources: IEA, United Nations

Notas/Notes:1 Inclui gás de coqueria/ Includes coe gás.2 Biomassa inclui lenha, bagaço de cana, lixívia e outras recuperações/ Biomass includes firewood, sugar cane bagasse,black liquor e other w

installedCapacity

People's Rep. of China

United States

Brazil

Canada

Japan

Russian Federation

India

Norway

France

Italy

Rest of the world

World

gW

149

100

77

73

47

47

36

29

25

21

320

924

Country(top-ten producers)

Norway

Brazil

Venezuela

Canada

Sweden

People's Rep. of China

Russian Federation

India

Japan

United States

Rest of the world**

World

% offhydroin total

domesticeletricity

generation

98.5

79.8

72.8

58.7

46.1

16.9

16.0

13.8

7.7

6.5

13.6

16.2

producers

People's Rep. of

Canada

Brazil

United States

Russian Federation

Norway

India

Venezuela

Japan

Sweden

Rest of the world

World

tWh

585

383

370

282

167

141

114

87

83

69

1007

3288

% ofworldtotal

17.8

11.5

11.2

8.6

5.1

4.3

3.5

2.6

2.5

2.1

30.8

100.0

Page 67: 9º Consenge: soCiedade, energia e Meio aMbiente · quadro, o 9º Congresso Nacional de Sindicatos de Engenheiros (Consenge) debaterá o tema central Sociedade, Energia e Meio Ambiente

73

ENERGIA, RECURSOS MINERAIS E DESENVOLVIMENTO

As tecnologias para a geração hidráulica de energia são muitas, em variadas es-calas. É verdade que as grandes barragens, que ainda têm emprego garantido nomundo, intensivas em capital e trabalho, têm um papel de indutor de investimento pú-blico que, no período keynesiano, foi de extrema importância para a recuperação eco-nômica, mesmo das economias centrais, como os EUA. Não foi por outro motivo queo desenvolvimento do potencial hidráulico do Vale do Tennessee foi alçado à condiçãode política pública (New Deal), para a superação da Depressão americana, a partirdos anos 30. Também no Brasil, as grandes hidrelétricas cumpriram este papel e, decerta forma, ainda cumprem. Porém, é necessário equilibrar os elementos favoráveise desfavoráveis que esta alternativa apresenta, quando da análise das possibilidadesde expansão do setor. Por exemplo, do ponto de vista da sustentabilidade social, hábenefícios potenciais inegáveis como a própria geração de empregos, o desenvolvi-mento dos usos múltiplos das águas da barragem (recreação, irrigação, dessedentaçãode animais, controle de cheias, navegação, pesca...), a dinamização da economia doentorno... Porém, também há ônus, como a necessidade de extensas áreas e o des-locamento de comunidades inteiras para a implantação deste tipo de obra; a destruiçãode patrimônio tangível e intangível, como a memória comunitária, paisagens, monu-mentos e outros; uma recorrente e injustificável falta de assistência, em todos os níveis– do trabalho à assistência habitacional, passando pelo apoio jurídico e correta inde-nização das perdas e prejuízos – aos atingidos pelas barragens, às populações vul-neráveis e minorias; o aumento de riscos à saúde pública e à segurança em caso dedesastres ou mau funcionamento da barragem; e, também, claro, impactos negativosque podem ocorrer sobre a economia do entorno, como decorrência de outros impactosnegativos ou pela simples frustração de impactos positivos esperados.

Sob a perspectiva ambiental, a despeito de se tratar de uma opção renovável degeração de energia, com todos os benefícios que isto possa representar, é preciso mo-nitorar os riscos ambientais em todas as fases: de construção, operação e descomis-sionamento e contemplá-los já no projeto. É necessário antecipar os impactoscausados sobre a bacia como erosão, assoreamento, alteração do regime hidrológico,na qualidade da água, emissões causadas por material submerso e processo de se-dimentação, bem como o risco de redução da biodiversidade e extinção de espécies,que tem como consequência a necessidade de custos adicionais para preservar aque-las que possuem valor comercial alto. Por outro lado, é possível que haja o risco deproliferação de espécies exóticas indesejáveis.

O balanço da sustentabilidade econômica de um empreendimento hidrelétrico deveconsiderar, já de início, a demonstração da necessidade de novos empreendimentos,uma vez consideradas todas as opções de gerenciamento da demanda e uso eficientedas alternativas já existentes. Altos custos diretos e indiretos podem decorrer de ummau planejamento e das oportunidades de desvios das verbas ao longo da implantação

Page 68: 9º Consenge: soCiedade, energia e Meio aMbiente · quadro, o 9º Congresso Nacional de Sindicatos de Engenheiros (Consenge) debaterá o tema central Sociedade, Energia e Meio Ambiente

74

9º CONGRESSO NACIONAL DE SINDICATOS DE ENGENHEIROS – CONSENGE

de um grande projeto, como é o caso dessa alternativa. A gestão de um empreendi-mento deste tipo, que prevê longa vida útil, deve ser adequadamente planejada e con-duzida sob pena de sacrificar os parâmetros de geração de energia prometidos emprojeto. Porém, esta é uma tecnologia madura e bastante dominada pela engenhariabrasileira, há muito exportadora deste know-how. Um mérito da geração hidráulica ésua alta confiabilidade, apresentando menor intermitência que outras fontes e tambémpermitindo operar a plena capacidade mais rápido que outras tecnologias (especial-mente termelétricas). Apresenta considerável competitividade, pois, embora os custosde construção sejam altos, comparados a outros arranjos tecnológicos, os custos deoperação e manutenção são extremamente baixos. A geração hidrelétrica permite oti-mização da capacidade e da operação e a estabilização dos sistemas via controle debacias (reservatórios) e interligação de subsistemas (grande vantagem do Brasil).

A geração de eletricidade, como o setor de petróleo, especialmente no Brasil, de-vido à maciça predominância dos recursos hidráulicos, também embute oportunidadesde formação e apropriação de excedentes econômicos. Entre 2013 e 2017 vencerãocontratos de geração de energia elétrica cujo montante total é de cerca de 14 GW mé-dios de energia, dos quais, aproximadamente, 12 GW médios não têm possibilidadede renovação pelos atuais titulares, pela legislação em vigor. Deverão sofrer processode licitação para a concessão de nova outorga. Entretanto, entre os dois momentos,de vencimento do contrato e de nova outorga, por leilão, as concessões retornam parao poder concedente e, aqui, surge a possibilidade para que o Estado, em nome da so-ciedade, exerça um papel estratégico, mantendo em mãos públicas o excedente criadona geração de energia elétrica. Para dar uma idéia dos valores em jogo, o exercício ésimples: 12 GW médios resultariam em uma geração de cerca de 105 TWh, anual-mente. Os custos médios desse parque, já amortizado, podem ser estimados em R$20,00/MWh, e o preço da energia em torno de R$ 120,00/MWh. Assim, o excedenteanual seria de R$ 100,00/MWh vezes 105 milhões de MWh, o que resultaria em umarenda hidráulica de R$ 10,5 bilhões!

Até o acidente de Fukushima, deste ano, a geração termonuclear vinha sendo fa-voravelmente apreciada pelos planejadores e gestores do setor energético brasileiro.De fato há méritos nesta forma de geração, sobretudo no que diz respeito à emissãode gases de efeito estufa. Entretanto, há problemas e questões sem solução rápida,fácil ou mesmo conhecida, tal como o gerenciamento dos produtos e resíduos da fissãoe a garantia de segurança. O Brasil possui, em relação a recursos nucleares, uma si-tuação relativamente confortável, no mundo, pois tem reservas consideráveis (Figuras23 e 24) e domina a tecnologia de beneficiamento de urânio por centrifugação. Essacondição permitiria, por um lado, considerando as reservas de urânio de que dispõe opaís, consolidadas, operar 40 reatores equivalentes à Angra 2 (urânio enriquecido eágua leve convencional) durante 30 anos, gerando cerca de 1.000 MW médios x

Page 69: 9º Consenge: soCiedade, energia e Meio aMbiente · quadro, o 9º Congresso Nacional de Sindicatos de Engenheiros (Consenge) debaterá o tema central Sociedade, Energia e Meio Ambiente

75

ENERGIA, RECURSOS MINERAIS E DESENVOLVIMENTO

8.760h ou 9 TWh, aproximadamente. Outras tecnologias de reatores regeneradoresavançados poderiam multiplicar de forma extraordinária a energia a ser extraída desseurânio. Outra possibilidade seria o país tornar-se exportador líquido de urânio. Porém,diante do leque de alternativas, mais baratas e seguras e ainda inexploradas de quedispõe o Brasil, a opção nuclear para a geração de eletricidade assume um ar casuís-tico e enseja indagações sobre as reais motivações envolvidas nessa opção.

350.000

300.000

250.000

200.000

150.000

100.000

50.000

0

U3O

8(t)

1973 1974/1975 1976 1977 1978 1979 1980 1981 1982/1996 1997/2009

Figura 23 - –reservas brasileiras de urânio U3o8 (t)

Fonte: EPE/BEN, 2010

Page 70: 9º Consenge: soCiedade, energia e Meio aMbiente · quadro, o 9º Congresso Nacional de Sindicatos de Engenheiros (Consenge) debaterá o tema central Sociedade, Energia e Meio Ambiente

76

9º CONGRESSO NACIONAL DE SINDICATOS DE ENGENHEIROS – CONSENGE

as diFiCULdades Materiais do desenVoLViMento sUstentÁVeL

A disputa pelos excedentes em torno da renda fundiária propiciada por recursosnaturais de alta qualidade é ainda mais estratégica porque, tudo indica, nas próximasdécadas os conflitos envolvendo os mecanismos econômicos de apropriação socialda natureza inaugurados pela Revolução Industrial provavelmente sofrerão profundasmudanças, com todas as ameaças e possibilidades que isto implica.

A julgar pelo que vemos no noticiário cotidiano, há um consenso bastante estabe-lecido quanto à gravidade dos atuais problemas ambientais. Todos os dias alguma no-tícia nos lembra da importância de promover o ‘desenvolvimento sustentável’;campanhas eleitorais e governos garantem que a sustentabilidade ambiental é um pilarde suas plataformas políticas; empresas referem-se à responsabilidade ambiental na

World total = 569900t

Canada267100t

Brazil139900t

South America76000 t

China 62000t

Uranium resources (rar - $40/Kg U)[tU] Reasonably Assured Resources, recoverable res. as of 1/1/2009, Cost range <US$40/kgU (OECD 2010)

t metric tonne

na = data not avaliable

Page 71: 9º Consenge: soCiedade, energia e Meio aMbiente · quadro, o 9º Congresso Nacional de Sindicatos de Engenheiros (Consenge) debaterá o tema central Sociedade, Energia e Meio Ambiente

77

ENERGIA, RECURSOS MINERAIS E DESENVOLVIMENTO

construção de sua imagem; organizações não governamentais crescem e se profis-sionalizam lutando pela sustentabilidade. Em suma, a preocupação com os atuais pro-blemas ambientais parece ser generalizada. Tal situação gera questões intrigantes.Ora, sendo as vozes dissonantes tão poucas em relação ao discurso pró-sustentabili-dade, por que tem sido tão difícil reverter ainda que minimamente a persistente ten-dência de degradação do meio ambiente?

Entretanto, apesar de toda a declarada preocupação com o meio ambiente, os par-tícipes dos debates têm sido extremamente relutantes em tomar decisões mais incisi-vas no sentido de executar uma agenda política ambiental à altura dos desafioscolocados. Se há um problema grave de concentração excessiva de gases de efeitoestufa na atmosfera, seria razoável esperar que os órgãos supranacionais estabele-cessem metas globais de redução desta concentração. É significativo que o principalacordo até hoje firmado para enfrentar o problema não estabeleça claramente metasglobais de redução de CO2 na atmosfera. Tudo o que o Protocolo de Kyoto exigia éque seus signatários reduzissem, no período de 2008-2012, suas emissões a um nível5,2% menor que aquelas observadas em 1990. Ainda mais surpreendente é o fato deque estas tímidas metas não têm sido cumpridas. Como estas negociações começa-ram em 1992 no Rio de Janeiro, pode-se dizer que há quase 20 anos tenta-se semsucesso chegar a um acordo que estabeleça reduções mínimas nas emissões de CO2.Estamos diante de uma farsa ou de um dilema trágico?

Segundo a imagem que normalmente se faz do modo de produção atual, o processodesencadeado pela Revolução Industrial tem tido como uma de suas principais conse-quências tornar a sociedade menos dependente do mundo natural. Segundo se diz, en-quanto em outras civilizações os fluxos biogeoquímicos constituíam-se num gargalosempre presente ao processo de reprodução da ordem socioeconômica, na civilizaçãocapitalista o binômio tecnologia-mercado tem permitido um controle quase que absolutodos fluxos de energia e materiais. Por exemplo, no clássico trabalho dos neoclássicosBarnett e Morse (1963) defende-se que o papel da tecnologia é homogeneizar diferen-ças qualitativas até então intransponíveis entre os fatores de produção, tornando o sis-tema econômico imune à escassez de recursos específicos. Mais recentemente, numtrabalho provocativo e visivelmente orientado para defender os valores mercantis, Bau-mol (1986) argumenta coerentemente que seria possível sustentar uma trajetória decrescimento infinita mesmo partindo de uma base de recursos exauríveis.

Como conciliar a visão neoclássica de que o binômio tecnologia-mercado tornou-nos virtualmente independentes da natureza com a dificuldade evidente de cumprirmetas bastante tímidas de redução nas emissões de CO2? Caso o sistema econômiconão seja tão independente do mundo natural como supõe a ortodoxia econômica, quepapel têm tido os recursos naturais na sustentação do modo de produção capitalista?

Page 72: 9º Consenge: soCiedade, energia e Meio aMbiente · quadro, o 9º Congresso Nacional de Sindicatos de Engenheiros (Consenge) debaterá o tema central Sociedade, Energia e Meio Ambiente

78

9º CONGRESSO NACIONAL DE SINDICATOS DE ENGENHEIROS – CONSENGE

Sem dúvida, o modo de produção capitalista aumentou enormemente o controlesocial sobre os fluxos de materiais e energia. Se em tempos remotos os ciclos econô-micos eram controlados pelos ciclos naturais, hoje são os ciclos econômicos que con-trolam os ciclos naturais. O equívoco da ortodoxia econômica, que é de longe oreceituário mais influente nas instituições encarregadas de enfrentar os atuais proble-mas ambientais, está em tomar o aumento na capacidade social de apropriar-se dosfluxos biogeoquímicos como evidência da diminuição da dependência societal em re-lação ao mundo natural.

A verdade é que, contrariamente ao que defende a economia ortodoxa, a depen-dência do sistema econômico em relação à apropriação dos recursos naturais é abran-gente e crescente, a despeito de todo o ganho de produtividade observado desde aRevolução Industrial. A energia requerida para obter cada unidade de valor econômicocaiu persistentemente nos países desenvolvidos durante o século XX, indicando forteaumento da produtividade dos recursos naturais. Dados de Schurr e Netschert (1960)apontam uma queda de 28% na intensidade energética no período de 1900-1945;dados do Departamento de Energia do governo estadunidense mostram que a inten-sidade energética passou de 19,57 milhares de BTU por dólar do Produto Interno Bruto(PIB) em 1949 para 9,40 milhares de BTU por dólar do PIB em 2004. O intrigante aquié que a despeito de uma trajetória tão longa de aumentos na capacidade de obter valoreconômico de cada unidade de energia utilizada, o consumo per capita dos EstadosUnidos não pare de crescer. Dados do Departamento de Energia do governo estadu-nidense mostram que o consumo per capita dos Estados Unidos passou de 214 mi-lhões de BTU em 1949 para 343 milhões de BTU em 2004. Portanto, observa-seclaramente um padrão de utilização dos recursos em que a cada aumento de produti-vidade dos recursos corresponde um aumento na utilização deles, num processo deaceleração dos fluxos de energia pelo sistema econômico.

Vale notar que os Estados Unidos não são um caso isolado: padrões semelhantesa estes são encontrados em todos os países desenvolvidos, e aplicam-se tambémpara outros recursos naturais. Estes padrões indicam que o aumento na capacidadesocial de apropriar-se de recursos naturais não tem sido usado para diminuir a depen-dência em relação a estes recursos, mas para aumentar cada vez mais a escala deutilização deles. É surpreendente que uma civilização na qual se observa um aumentopersistente no consumo de energia por habitante, durante uma trajetória de mais dedois séculos, considere que depende menos dos recursos naturais. Na realidade, ascategorias e o aparato analítico neoclássico, com seu foco quase que exclusivo na es-fera das trocas e tratamento marginal da esfera da produção, tem nos cegado para ofato de que o sistema econômico capitalista até o momento tem se mostrado incapazde operar sem apoiar-se numa contínua aceleração dos fluxos de materiais e energiapelos ecossistemas do planeta. O enorme aumento na capacidade social de apropria-

Page 73: 9º Consenge: soCiedade, energia e Meio aMbiente · quadro, o 9º Congresso Nacional de Sindicatos de Engenheiros (Consenge) debaterá o tema central Sociedade, Energia e Meio Ambiente

79

ENERGIA, RECURSOS MINERAIS E DESENVOLVIMENTO

ção de fluxos de energia e materiais desencadeado pela Revolução Industrial tem sidosistematicamente e unilateralmente utilizado para transformar o crescimento econô-mico num fim em si mesmo e não para buscar de maneira organizada e consciente asatisfação das necessidades humanas.

Na verdade, o principal problema da retórica do ‘desenvolvimento sustentável’ é queela tem escamoteado o fato de que os atuais problemas ambientais são fruto do conflitoentre duas leis, uma delas determinada pelo mundo social, outra pelo mundo físico. Porum lado, a lei do valor impõe que o capital não pode existir sem permanentemente di-recionar a capacidade social de produção para aumentar a riqueza expressa na formamonetária, como nos mostram a busca ano após ano por crescimento no PIB, mesmoem países com níveis já altíssimos de riqueza e consumo e por vezes à custa da des-truição das condições de desenvolvimento na periferia do sistema capitalista. Por outrolado, a dimensão biofísica dos processos produtivos impõe que a capacidade social deprodução não pode ser efetiva sem mobilizar fluxos de energia e materiais de alta qua-lidade, os quais ao serem usados convertem-se em mercadorias e poluição. Na ordemsocial atual, a lei do valor, válida apenas na civilização capitalista, está em permanenteconflito com as leis da termodinâmica, válidas em qualquer civilização.

Numa sociedade voltada para a satisfação das necessidades humanas, a buscapelo crescimento econômico poderia ou não ser uma meta de cada país ou região, de-pendendo do grau de desenvolvimento já atingido e das condições de vida da popula-ção. Não é o que ocorre sob o capitalismo, em que a capacidade social de produçãodeve necessariamente sempre ser direcionada para aumentar a riqueza na forma pe-cuniária, reforçando os conflitos e acentuando a degradação dos recursos disponíveis.No mundo em que vivemos hoje, todos sabemos o que significa o não crescimento oumesmo uma queda na taxa de crescimento: desemprego e intervenções estatais nosentido de socializar as perdas dos capitalistas.

Não é por outra razão que a própria classe trabalhadora sempre apóia políticasque permitam garantir o crescimento econômico: dentro do modo de produção capita-lista, as relações sociais de produção impõem que todos, mesmo aqueles que são ex-plorados ou críticos do atual modo de produção, tornem-se dependentes dareprodução ampliada do capital. Sendo assim, uma transição para uma situação naqual o crescimento não seja o estado necessário do sistema econômico não poderiaser feita sem alterar radicalmente as relações de poder hoje vigentes. Uma transiçãodesta ordem engendraria certamente um profundo conflito de classes e, portanto, exi-giria um desenvolvimento da consciência de classe entre os trabalhadores que os le-vasse a conceber o processo produtivo em termos fundamentalmente diferentes dosatuais, sem que a busca por riqueza crescente na forma pecuniária fosse o fio condutordas decisões de produção.

Page 74: 9º Consenge: soCiedade, energia e Meio aMbiente · quadro, o 9º Congresso Nacional de Sindicatos de Engenheiros (Consenge) debaterá o tema central Sociedade, Energia e Meio Ambiente

80

9º CONGRESSO NACIONAL DE SINDICATOS DE ENGENHEIROS – CONSENGE

Marx defendeu que sob o comunismo o sistema econômico retiraria de cada umsegundo suas possibilidades e garantiria a cada um segundo suas necessidades. Sobtal sistema, aumentos na capacidade social de produção poderiam ser utilizados parabuscar inúmeras finalidades diferentes, inclusive reduções nas horas de trabalho. Sobo capitalismo, todo aumento na capacidade social de produção tem necessariamenteque ser usado para aumentar a taxa de reprodução do capital, o que tem tido comoefeito colateral uma aceleração dos fluxos de energia e materiais e, consequente-mente, todo o conjunto de problemas ambientais que temos observado. A sociedadecapitalista produz assim a estranha situação em que o fetiche monetário transforma oaumento na capacidade social de produção num processo que destrói as condiçõesmateriais biofísicas para existência da própria civilização capitalista.

Como fomos criados num ambiente em que a estabilidade institucional só podeexistir se houver condições para que a economia esteja sempre crescendo, geralmentenão nos damos conta de que os padrões de desenvolvimento econômico observadosno nosso tempo são extremamente recentes. A Tabela 1 sintetiza alguns fatos impor-tantes sobre a atual trajetória de crescimento econômico vivenciada no mundo.

A medição do tamanho das economias com base no PIB está longe de ser perfeita.O PIB é o valor total de todos os bens e serviços trazidos ao mercado dentro das fron-teiras do país. Contribuições para a reprodução da vida social que ocorrem fora dastrocas de mercado não são levadas em conta. Apesar das limitações, é possível usaro PIB com proveito como um estimador do tamanho das economias de mercado, abs-tendo-se por um momento de avaliar as implicações ambientais e sociais do processogerador do crescimento. Usando-o neste sentido restrito, estima-se que o tamanho dosistema econômico em 1992 era cerca de 120 vezes maior que o de 1500.

A maior parte do crescimento do sistema econômico ocorreu a partir de 1820, demodo que pode ser visto como um desdobramento da Revolução Industrial (é frequenteentre os historiadores tomar o período de 1760-1820 como aquele correspondente à

ano pib mundial

1500 100

1820 290

1870 470

1900 824

1913 1136

1929 1541

1950 2239

1973 6696

1992 11668

tabela 1 – Crescimento da economia mundial.

Fonte: Maddison, 1995. Nota (a): valores dados em números

índices relativos a 1500.

Page 75: 9º Consenge: soCiedade, energia e Meio aMbiente · quadro, o 9º Congresso Nacional de Sindicatos de Engenheiros (Consenge) debaterá o tema central Sociedade, Energia e Meio Ambiente

81

ENERGIA, RECURSOS MINERAIS E DESENVOLVIMENTO

Revolução Industrial inglesa). O período em que o crescimento econômico foi mais rá-pido foi o de 1950-1973, mas em todo o período posterior à Segunda Guerra Mundialforam observadas taxas de crescimento econômico sem precedentes na história dahumanidade.

Principalmente durante o período de 1950-1973, as taxas de crescimento no centrodo sistema capitalista foram tão elevadas que permitiram conciliar interesses da classetrabalhadora com os do capital por meio do chamado welfare state. Que entraves osdesafios ambientais atuais impõem à utopia do capitalismo humanizado representadopelo welfare state, em que o crescimento econômico é peça-chave?

Sendo o sistema econômico um sistema aberto, sua reprodução depende de umprocesso permanente de intervenção sobre qualidades concretas extraídas da natu-reza, transportadas e transformadas, ainda que este processo recorrente de transfor-mação não seja representado pelas variáveis monetárias que usualmente interessamà ortodoxia econômica. Há um vínculo material indissociável entre os fluxos de energiae materiais que nos cercam e os fluxos monetários que controlam o processo produtivo.Sendo assim, um regime no qual crescimento econômico é obtido ano após ano temcomo efeito colateral inescapável uma aceleração dos fluxos de energia e materiais,com todas as consequências ambientais que isto acarreta.

De fato, o processo disparado pela Revolução Industrial pode ser visto tanto daperspectiva de tendência persistente de aumento na riqueza pecuniária, indicada pelosaumentos no Produto Interno Bruto dos países, quanto na perspectiva de tendênciapersistente de aumento nos fluxos de valores de uso, como indicado pelo aumento dapopulação e do consumo per capita de energia. É essencial que se perceba que onível de riqueza sem precedentes desencadeado pela Revolução Industrial tem estadoassociado desde o início à capacidade de aumentar os fluxos de energia e materiaisapropriados pela sociedade. Do ponto de vista tecnológico, a Revolução Industrial es-tabeleceu uma transição de regimes energéticos somáticos para regimes energéticosde combustíveis fósseis, aumentando assim a flexibilidade e capacidade adaptativado sistema econômico.

Entretanto, é preciso também reconhecer que para grande parte da populaçãomundial esta transição não se completou. Estima-se que ainda hoje metade da popu-lação mundial dependa da utilização de biomassa (madeira, carvão vegetal, resíduosde colheita e esterco) como sua fonte primária de energia (Ezzati e Kammen, 2002).Portanto, há uma profunda desigualdade nesta que é até o momento a mais impactantetransição tecnológica da história da humanidade. A heterogeneidade desta transiçãoestá bem sintetizada na Figura 25, extraída de Grübler (2005).

Page 76: 9º Consenge: soCiedade, energia e Meio aMbiente · quadro, o 9º Congresso Nacional de Sindicatos de Engenheiros (Consenge) debaterá o tema central Sociedade, Energia e Meio Ambiente

200

150

100

50

00 2 4 6 8

82

9º CONGRESSO NACIONAL DE SINDICATOS DE ENGENHEIROS – CONSENGE

Para os países industrializados o aumento no consumo total de energia foi princi-palmente a consequência de aumentos no consumo per capita de energia e secunda-riamente a consequência de aumentos no tamanho da população; para os chamadospaíses em desenvolvimento, o aumento no consumo total de energia é mais conse-quência de aumentos no tamanho da população que de aumentos no consumo per

capita de energia. Apenas a partir de 1975 (parte correspondente aos dois últimostriângulos do gráfico) este padrão é quebrado, passando a haver fortes aumentos noconsumo per capita de energia dos países em desenvolvimento. Este padrão indicaque quanto mais bem sucedido foi o país em realizar o processo desencadeado pelaRevolução Industrial, mais se aceleraram fluxos de energia pelo sistema econômicode modo a garantir crescimento econômico: quanto mais rico o país mais eficiente seusistema produtivo e maior o consumo per capita de energia.

Pelo papel da energia dentro da estrutura de produção, inclusive garantindo oacesso a outros recursos naturais, destacamos até aqui as tendências relativas a con-

18001900

19251950 1975

2000

Area = 430 EJ(world in 2000)

Per

cap

ita e

nerg

y us

e (G

J)

Area = 20 EJ(WORLD IN 1800)

Population (billions)

World average

Developing

Industrialized

Figura 25 - Crescimento populacional versus Consumo per Capita de energia

Fonte: Grubler, 2005

Obs.: Trajetórias de intervalos de 25 anos cobrindo o período de 1800-2000. Os dados referem-se a países industrializados

(quadrados), países em desenvolvimento (triângulos), e à média mundial (círculos). Áreas dos quadrados ligando as

coordenadas dos eixos x e y para 1800 e 2000 são proporcionais ao consumo total de energia. Dados anteriores a 1950

são estimativas.

Page 77: 9º Consenge: soCiedade, energia e Meio aMbiente · quadro, o 9º Congresso Nacional de Sindicatos de Engenheiros (Consenge) debaterá o tema central Sociedade, Energia e Meio Ambiente

83

ENERGIA, RECURSOS MINERAIS E DESENVOLVIMENTO

sumo de energia e crescimento do sistema econômico. Entretanto, o padrão de repro-dução do sistema econômico desencadeado pela Revolução Industrial tem se apoiadotambém na apropriação crescente de materiais. A Tabela 2 mostra o consumo per ca-

pita de minerais selecionados no começo do século XX e no começo do século XXI.

Com exceção do estanho, todos os minerais tiveram aumentos no consumo per

capita, a maior parte deles aumentos bem superiores a 100%. Cabe observar que oséculo XX foi um período pródigo na descoberta e desenvolvimento de novos materiais,o que torna estes resultados ainda mais significativos. Nem os ganhos de eficiêncianem o desenvolvimento de novos materiais têm até o momento sido capazes de freara demanda por minerais básicos extraídos da natureza, de modo que o fluxo destesrecursos pelo sistema econômico tem sempre aumentado.

A correlação entre crescimento econômico e aceleração de fluxos de energia e ma-teriais (dada tanto em termos de consumo absoluto quanto de consumo per capita derecursos) tem sido sistematicamente ignorada pelos economistas. Entretanto, ela su-gere que à possibilidade do crescimento econômico ilimitado do sistema econômicocorresponderia a possibilidade de aumentos ilimitados nos fluxos de energia e mate-riais. Desta correlação decorre que mesmo que seja possível ofertar recursos naturaisem quantidade suficiente para garantir a cada chinês o modo de vida estadunidense,é altamente duvidoso que isto possa ser feito sem comprometer aquilo que ecologistase economistas ecológicos chamam de capacidade de suporte, isto é, a capacidade dosistema ecológico de absorver e processar os fluxos de energia e materiais decorrentesdos atos de produção e consumo. Em suma, tudo indica que a atual crise ambiental éexpressão da contradição entre um sistema econômico voltado para o crescimento ili-

AlumínioChumboCobaltoCobreCromoEstanhoFerroManganêsMolibdênioNíquelTungstênioVanádioZinco

4,08449,040,11296,769,8956,1257254,20345,920,015,571,020,62287,17

5820,23573,078,602298,241041,6744,62331305,411984,8532,53234,308,348,371731,15

Consumo mundialper capita em 1900a (g)

tabela 2 – tendências no consumo mundial per capita de minerais selecionados

Consumo mundialper capita em 2008 (g)

Fonte: Amado, 2010. Nota (a):

Para alguns dos minérios

exibidos na segunda coluna

da tabela, o consumo mundial

per capita não se 8 refere ao

ano de 1900. São eles: cobalto

(1901), estanho (1905), ferro

(1904), tungstênio (1905) e

vanádio (1921).

Page 78: 9º Consenge: soCiedade, energia e Meio aMbiente · quadro, o 9º Congresso Nacional de Sindicatos de Engenheiros (Consenge) debaterá o tema central Sociedade, Energia e Meio Ambiente

84

9º CONGRESSO NACIONAL DE SINDICATOS DE ENGENHEIROS – CONSENGE

mitado de quantidades monetárias e as bases materiais biofísicas que assim como otrabalho lhe dão suporte.

A enorme capacidade social de produção atingida pela humanidade tem sido ce-gamente orientada para um produtivismo cego e catastrófico. Os atuais dilemas am-bientais colocam-nos o desafio de reorientar esta enorme capacidade social deprodução de modo a transitar de um modelo focado nos aspectos quantitativos mone-tários impostos pela lógica do capital para um modelo no qual o sistema econômicoretire de cada um e de cada coisa segundo suas possibilidades e forneça a cada umsegundo suas reais necessidades. A crença atual de que crescimento econômico per-pétuo é conciliável com sustentabilidade ambiental somente seria plausível se hou-vesse fortes evidências de que é possível desvincular a reprodução ampliada dosistema econômico de fluxos crescentes de energia e materiais. Até o momento estasevidências não existem.

ConCLUsÕes e reCoMendaCoes

O custo de oportunidade de não possuir recursos naturais de alta qualidade tendea aumentar bastante nas próximas décadas, seja por conta do cenário de exaustãode reservas de petróleo de baixo custo, seja por conta dos crescentes problemas am-bientais associados à utilização dos recursos naturais. No passado, o capital era oprincipal fator de produção a limitar o desenvolvimento econômico. Mas esta situaçãomudou. Hoje, o capital pode ser obtido sem muitas dificuldades por meio do sistemafinanceiro, de modo que outros recursos tornaram-se fatores limitantes mais funda-mentais (cabe destacar aqui o papel dos recursos humanos e de recursos naturais dealta qualidade). No que concerne aos recursos humanos, é bastante evidente a im-portância da engenharia, inclusive no que diz respeito aos projetos de desenvolvimentoem disputa: é simplesmente impossível construir um projeto de desenvolvimento quepreze a autonomia econômica do país sem engenheiros bem formados e com oportu-nidades de exercer suas habilidades. Na verdade, a história tem mostrado que a va-lorização da engenharia nacional tem caminhado pari passu com a existência deprojetos de desenvolvimento que valorizem a autonomia nacional. Sendo assim, diantedeste contexto histórico em que os recursos humanos e os recursos naturais assumemproeminência, o que fazer?

Por um lado, o aumento dos custos de oportunidade decorrentes da não disponi-bilidade de recursos energéticos de alta qualidade possibilita aumentar o excedenteeconômico que o país pode obter por possuí-los. Coloca-se então o desafio de garantirque este excedente seja direcionado em benefício de toda a população brasileira. Umaetapa necessária para atingir esta meta seria internalizar a maior parte possível do ex-

Page 79: 9º Consenge: soCiedade, energia e Meio aMbiente · quadro, o 9º Congresso Nacional de Sindicatos de Engenheiros (Consenge) debaterá o tema central Sociedade, Energia e Meio Ambiente

85

ENERGIA, RECURSOS MINERAIS E DESENVOLVIMENTO

cedente econômico gerado a partir das reservas energéticas, minerais e de outros re-cursos naturais brasileiros. Nos países periféricos do capitalismo que são detentoresde grandes reservas de petróleo, desde a década de 1960, com a criação da OPEP,percebeu-se que estatizar a exploração das reservas é o instrumento mais eficaz parainternalizar o excedente econômico obtido da extração das reservas. Sem formas decontrole público, os excedentes econômicos fluem quase que exclusivamente para osagentes do capital.

No que diz respeito ao pré-sal, o primeiro passo deve ser um estudo detalhadocom o objetivo de precisar o tamanho das reservas. Após isto, a prospecção das re-servas deveria ser feita levando-se em conta a realidade de que não há e não haveráno futuro próximo recurso energético tão capaz de aumentar a produtividade quantopetróleo. Neste cenário, a melhor estratégia consiste em determinar um conjunto deinvestimentos prioritários em saúde, educação e desenvolvimento tecnológico e ex-plorar as reservas de modo a garantir os investimentos nestas áreas prioritárias e aimpedir o uso predatório das reservas. Tendo em vista a crescente demanda por ener-gia e os enormes custos de oportunidade decorrentes da não disponibilidade de pe-tróleo e gás natural, nenhum investimento externo oferece condições mais favoráveispara valorização do que reservas de combustíveis de alta qualidade.

A mesma concepção aplica-se também às reservas energéticas renováveis cons-tituídas pelas hidrelétricas e rios aproveitáveis, cujo aproveitamento deve ser contro-lado por algo como uma ‘Hidrobras’ capaz de coordenar os investimentos e construirsinergias de modo a potencializar o uso dos recursos hídricos e também de outros re-cursos. Por exemplo, assegurar para a sociedade brasileira, através do Estado, a ges-tão dos vultosos recursos que serão disponibilizados, sob a forma de renda hidráulica,pelas concessões das usinas geradoras que vencem entre 2013 e 2017, supramen-cionados (R$ 10,5 bilhões/ano). Da mesma forma, decisões de investimento e plane-jamento coordenados podem tornar possível o uso da energia eólica e de biomassapara aumentar o potencial energético brasileiro por meio do seu complexo e extensosistema interligado. Além de aumentar as reservas energéticas efetivamente utilizáveis,tal estratégia possibilitará reduzir as emissões de gases de efeito estufa do país e au-mentar ainda mais a escala de utilização de energias renováveis.

É urgente o inventário detalhado dos aproveitamentos hidráulicos e eólicos, com oordenamento segundo o mérito econômico, ambiental e social. Este plano, sob controlepúblico, permitirá organizar a sequência das usinas a serem construídas, bem como odescarte daquelas que apresentarem questões sociais, ambientais, insuperáveis. Casoeste processo decisório estivesse em vigor desde 2003, provavelmente os aproveita-mentos do rio Madeira e de Belo Monte teriam sido substituídos por outros, com maioríndice de mérito.

Page 80: 9º Consenge: soCiedade, energia e Meio aMbiente · quadro, o 9º Congresso Nacional de Sindicatos de Engenheiros (Consenge) debaterá o tema central Sociedade, Energia e Meio Ambiente

86

9º CONGRESSO NACIONAL DE SINDICATOS DE ENGENHEIROS – CONSENGE

O que este documento pretende evidenciar como urgente e necessário é que sepromova uma efetiva ação do Estado brasileiro para garantir o abastecimento dos mer-cados energéticos em longo prazo e para promover a adequada apropriação e distri-buição das rendas hidráulica, petroleira, gasífera, geradas especialmente nas fasesde produção de hidrocarbonetos e de geração hidrelétrica. Para tal, que concorra, tam-bém, a criação de mecanismos e instituições adequados para expandir, em padrõesde qualidade e quantidade compatíveis, a fronteira de energização e promover a de-mocratização do acesso aos serviços energéticos que, juntamente com outros serviçosde infraestrutura (transportes, comunicações, saneamento, educação, saúde, reformaagrária, crédito e tecnologia) poderão alavancar o processo de desenvolvimento eco-nômico e social e promover a modernização baseada nos valores da liberdade, igual-dade e fraternidade.

proposições para implementação:

Formulação de um projeto nacional de desenvolvimento econômico e social esua orçamentação para o horizonte de quatro décadas, compreendendo edu-cação, saúde, reforma urbana (habitação, mobilidade, infovias, saneamento),reforma agrária, infraestrutura produtiva, incluindo a viária e de comunicações(rodovias, ferrovias de alta velocidade, portos, vias navegáveis), ciência e tec-nologia, proteção ambiental, transição energética para fontes renováveis, entreoutros, com o objetivo final de garantir condições de vida produtiva e social atodos o brasileiros.

Planejamento do ritmo de produção do petróleo e gás natural, das usinas hi-drelétricas e eólicas públicas, dos recursos minerais, principalmente ferro e alu-mínio, de forma a gerar o excedente econômico sob a forma de rendaspetrolífera, gasífera, hidráulica e mineral para financiar os investimentos reque-ridos pelo plano nacional de desenvolvimento econômico e social, e de formaa garantir também o valor e preços dos bens produzidos e exportados, em coor-denação com os demais países produtores.

Planejar e promover a implementação de infraestrutura produtiva de forma agerar ocupação e valor adicionado aos produtos brasileiros.

Criação e implementação de mecanismos institucionais e empresariais nas es-feras de governo para planejar, promover a implementação e operação de todasas atividades no campo da energia, minérios e dos recursos naturais.

Debater o papel e estrutura e operação do Sistema Eletrobras, suas subsidia-rias e das empresas estaduais de energia, ao lado da Hidrobras – a ser criadapara operar o parque hidrelétrico, que reverterá à Nação com o vencimento

Page 81: 9º Consenge: soCiedade, energia e Meio aMbiente · quadro, o 9º Congresso Nacional de Sindicatos de Engenheiros (Consenge) debaterá o tema central Sociedade, Energia e Meio Ambiente

87

ENERGIA, RECURSOS MINERAIS E DESENVOLVIMENTO

das concessões – de forma a promover sua revitalização e reorientação nosentido público.

Revisar o papel da Petrobras e da recém criada Pré-sal Petróleo SA, com a al-teração dos regimes de concessão e de partilha na exploração e produção depetróleo e gás natural, para o de prestação de serviços, visando a futura rees-tatização total das operações neste campo.

Revisar a política de concessão e operação dos recursos minerais, assim comopapel do Estado, suas empresas, incluindo da Vale do Rio Doce, hoje geridaprivadamente, mas cujo capital é majoritariamente estatal e paraestatal (fundosde pensão).

Promover a gestão pública dos recursos dos Fundos de Pensão, hoje paraes-tatais, garantidos publicamente e geridos com mecanismos privados sob in-fluência do governo, de forma a orientá-los para o interesse público semprejudicar sua função de garantir a previdência dos trabalhadores.

Revisar o papel, estrutura e funcionamento de todas as agências reguladoras,como ANP, ANEEL e ANA, para retomar o caráter público no controle do acessoaos recursos naturais (jazidas e potenciais hidráulicos).

Rever o papel da Eletronuclear, das Indústrias Nucleares Brasileiras (INB), eda Comissão Nacional de Energia Nuclear, e seus laboratórios, de forma a agru-par as funções de promoção e pesquisa nuclear, de regulação e controle, e, deatuação industrial.

Revisar o papel e caráter do governo, incluindo o Ministério de Minas e Energia(incluindo a função e operação da EPE e do DNPM), o Ministério do Planeja-mento, Orçamento e Gestão, de Assuntos Estratégicos, Ciência e Tecnologiano planejamento, gestão e operação dos recursos energéticos e minerais.

reFerênCias

ALVAREZ, C.G. economía y política petrolera. Medellín: Universidad Nacional de Colombia,

2000. Disponível em <http://www.unalmed.edu.co/~cgalvare/libro.htm>. Acesso em 09 de agosto

de 2010.

AMADO, N. B. (2010). o papel dos recursos naturais na reprodução do processo econô-

mico: Contribuição à Crítica ecológica do Capitalismo. 2010. (Tese de doutorado).

USP/PPGE, São Paulo, 2010.

••

Page 82: 9º Consenge: soCiedade, energia e Meio aMbiente · quadro, o 9º Congresso Nacional de Sindicatos de Engenheiros (Consenge) debaterá o tema central Sociedade, Energia e Meio Ambiente

88

9º CONGRESSO NACIONAL DE SINDICATOS DE ENGENHEIROS – CONSENGE

BARNETT, H.J.; MORSE, C. scarcity and growth: the economics of natural resource

availability. Baltimore: Johns Hopkins Press, 1963.

BAUMOL, W. J. (1986), On the Possibility of Continuing Expansion of Finite Resources. Kyklos,

39: 167–179.

BP. statistical review of World energy June 2010. London, 2010. Disponível em <bp.com/sta-

tisticalreview>. Acesso em 10 de abril de 2011.

BRASIL. EPE (EMPRESA DE PESQUISA ENERGÉTICA). balanço energético nacional 2010

– ano base 2009. energia renovável. Disponível em <http://www.mme.gov.br/mme/galerias/ar-

quivos/publicacoes/BEN/7_-_Slides_-_Apresentacoes/6_-_Energia_Renovável_-_BR.ppt>.

Acesso em 19 de março de 2011.

______. balanço energético nacional 2010 – ano base 2009. Rio de Janeiro: EPE, 2010.

BRASIL. ANP (AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS).

VI SEMINÁRIO DE AVALIAÇÃO DO MERCADO DE DERIVADOS DE PETRÓLEO E BIOCOM-

BUSTÍVEIS Ano-Base 2010. Rio de Janeiro, 15 de fevereiro de 2011.

COIMBRA, G.L. A história e o desenvolvimento da energia nuclear no Brasil. In SEMINÁRIO DE

DIREITO INTERNACIONAL. Comissão Permanente de Direito Internacional. Instituto dos Advo-

gados Brasileiros. Rio de Janeiro, maio, 2003.

DOE/EIA (ENERGY INFORMATION ADMINISTRATION). annual energy outlook 2010 with

projections to 2035. Washington, 2010. Disponível em

<http://www.eia.gov/oiaf/archive/aeo10/pdf/0383(2010).pdf>. Acesso em 07 de fevereiro de 2011.

EZZATI M.; KAMMEN, D.M. The health impacts of exposure to indoor air pollution from solid

fuels in developing countries: knowledge, gaps, and data needs. environ Health perspect.

2002 Nov; 110(11):1057-68.

GRÜBLER, A. Transitions in Energy Use. In: CLEVELAND, C. J. encyclopedia of energy. Ams-

terdam: Elsevier, 2005. Disponível em <http://www.eoearth.org/article/Energy_transitions>.

Acesso em janeiro de 2010.

INDEX MUNDI. http://www.indexmundi.com/pt/. acesso em 19/04/2011.

KAMIMURA, A.; SAUER, I.L. The effect of flex fuel vehicles in the Brazilian light road transporta-

tion. energy policy 36 (2008) 1574-1576.

LOSEKANN, L.; VILELA, T. Estimação da frota brasileira de automóveis flex e a nova dinâmica

do consumo de etanol no Brasil a partir de 2003. In: Grupo de Economia da Energia, blog info-

petro. Disponível em <http://infopetro.wordpress.com/2010/07/26/estimacao-da-frota-brasileira-

de-automoveis-flex-e-a-nova-dinamica-do-consumo-de-etanol-no-brasil-a-partir-de-2003/>.

Page 83: 9º Consenge: soCiedade, energia e Meio aMbiente · quadro, o 9º Congresso Nacional de Sindicatos de Engenheiros (Consenge) debaterá o tema central Sociedade, Energia e Meio Ambiente

89

ENERGIA, RECURSOS MINERAIS E DESENVOLVIMENTO

Acesso em 18 de abril de 2011.

MADDISON, A. Monitoring the World economy, 1820-1992. Paris: OECD, 1995.

OECD/IEA (INTERNATIONAL ENERGY AGENCY). 2010 Key World energy statistics. Paris,

2010. Disponível em <http://www.iea.org/textbase/nppdf/free/2010/key_stats_2010.pdf>. Acesso

em 10 de abril de 2011.

______. 2010 resources to reserves. Paris, 2010.

PORTO, M. energia nuclear: status atual e futuro. Disponível em

<www.iis.com.br/~mporto/nuclear.htm>. Acesso em 19 de fevereiro de 2004.

REN21 (RENEWABLE ENERGY POLICY NETWORK FOR THE 21st CENTURY). renewables

2010 global status report. Paris: REN21 Secretariat, 2010.

RICO, J.A. P.; MERCEDES, S.S.P.; SAUER, I.L. Genesis and consolidation of the Brazilian

bioethanol: A review of policies and incentive mechanisms. renewable & sustainable energy

reviews, 14(7), 1874-1887, 2010.

RICOSTI, J.F.C. inserção da geração eólica no sistema Hidrotérmico brasileiro. 2011. (Dis-

sertação). USP/PPGE, São Paulo, 2011.

SAUER, I.L. Uma avaliação do sistema de reatores regeneradores a Água Leve pressuri-

zada como alternativa de geração nucleletrica no brasil. 1981. (Dissertação).

UFRJ/COPPE/PPE, Rio de Janeiro, 1981.

SCHURR, S.; NETSCHERT, B. energy in the american economy, 1850–1975: an economic

study of its History and prospects. Baltimore: Johns Hopkins University Press, 1960.

SCHWARTZMAN, S. A ciência no período de pós-guerra. In: CNPq. programa de política e

administração de C&t, Anais do II Seminário. Brasília, 1989, 17-22.

WEC (WORLD ENERGY COUNCIL). 2004 survey of energy resources. Oxford, 2004. Dispo-

nível em <http://www.worldenergy.org/documents/ser2004.pdf>. Acesso em 19 de março de 2011.

WISE URANIUM PROJECT (WORLD INFORMATION SERVICE on URANIUM PROJECT). Ura-

nium maps. Disponível em <http://www.wise-uranium.org/umaps.html>. Acesso em 20 de março

de 2011.

Page 84: 9º Consenge: soCiedade, energia e Meio aMbiente · quadro, o 9º Congresso Nacional de Sindicatos de Engenheiros (Consenge) debaterá o tema central Sociedade, Energia e Meio Ambiente

90

9º CONGRESSO NACIONAL DE SINDICATOS DE ENGENHEIROS – CONSENGE

regiMento interno 9º Consenge - Congresso naCionaLde sindiCatos de engenHeiros

CapÍtULo i - do obJetiVo

art. 1º - O objetivo do 9º Congresso Nacional de Sindicatos de En-genheiros é promover a discussão entre os engenheiros com o ob-jetivo de definir, para o próximo triênio, a ação da Fisenge e dosSenges filiados no campo sindical/profissional, nas áreas de políticatecnológica e de ensino da engenharia e, também, capacitar a Fi-senge e os Senges para acompanhar e intervir no debate de temasnacionais e na política institucional do país.

O 9º CONSENGE deverá buscar, ainda, estreitar os laços com osmovimentos sociais e entidades internacionais e definir um plano delutas centrado nos direitos e na defesa dos trabalhadores, bem comoconsolidar a Fisenge e ampliar sua base de atuação.

CapÍtULo ii – do noMe, teMÁrio, data e LoCaL

art. 2º - O nome do 9º CONSENGE é “sociedade, energia e meio

ambiente”

art. 3º - Os temas do 9º CONSENGE são:

abertura: A sociedade que Queremos

tema i: A Cidade Sustentável

tema ii: Integração da América Latina

teMa iii – Energia, Recursos Minerais e Desenvolvimento

art. 4º - O 9º CONSENGE terá início às 19 horas do dia 07 de se-tembro de 2011 e encerramento às 16 horas do dia 10 de setembrode 2011.

art. 5º - O 9º CONSENGE será realizado nas dependências doAquarius Selva Hotel, localizado na rua México, 2141 – Nova PortoVelho – Porto Velho / Rondônia.

Page 85: 9º Consenge: soCiedade, energia e Meio aMbiente · quadro, o 9º Congresso Nacional de Sindicatos de Engenheiros (Consenge) debaterá o tema central Sociedade, Energia e Meio Ambiente

91

REGIMENTO INTERNO

CapÍtULo iii – dos teXtos base

art. 6º - Para cada tema serão elaborados textos base.

parágrafo 1º - A Fisenge será responsável pelo desenvolvimentodos textos base, que deverão ser produzidos de acordo com o Termode Referência definido pela Comissão Organizadora.

parágrafo 2º - A Fisenge ficará responsável pelo encaminhamentodos textos base aos Sindicatos até o dia 15 de maio de 2011, paraque sejam divulgados nos Congressos/Encontros Estaduais/AGE.

CapitULo iV – dos Congressos/enContros estadUais/age

art. 7º - Os Congressos/Encontros Estaduais/AGE deverão ser rea-lizados no período de 02 de maio a 10 de julho de 2011.

a) Os Congressos/Encontros Estaduais/AGE deverão ser precedidosde convocação através de edital publicado em jornal estadual e/ouboletim do sindicato;

A página completa do jornal onde consta o Edital deverá ser enca-minhada à Fisenge até 12 de julho de 2011.

b) Os Senges deverão comunicar à Fisenge a data do Con -gresso/Encontro com 15 (quinze) dias de antecedência à realizaçãodo mesmo.

c) Nos Congressos/Encontros Estaduais/AGE deverão ser eleitos osdelegados representantes de cada Sindicato;

d) Nos Congressos/Encontros Estaduais/AGE deverão ser discutidostodos os temas do 9º CONSENGE e a alteração. Deverão ser enca-minhadas à Fisenge, até o dia 12 de julho, até cinco propostasmais votadas por tema.

e) Nos Congressos/Encontros Estaduais/AGE deverão ser aprova-das propostas para alteração parcial do Estatuto da Fisenge.

Os sindicatos receberão as propostas aprovadas pelo Conselho De-liberativo. Serão apreciadas somente as propostas de alteração, in-clusão ou supressão dos artigos e parágrafos do estatuto, aprovadosnos respectivos congressos/encontros e encaminhados à Fisengeaté o dia 12 de julho.

Page 86: 9º Consenge: soCiedade, energia e Meio aMbiente · quadro, o 9º Congresso Nacional de Sindicatos de Engenheiros (Consenge) debaterá o tema central Sociedade, Energia e Meio Ambiente

92

9º CONGRESSO NACIONAL DE SINDICATOS DE ENGENHEIROS – CONSENGE

f) Os Congressos/Encontros Estaduais/AGE deverão ser acompa-nhados por um representante designado pela Fisenge.

CapÍtULo V - do desenVoLViMento do Congresso

art. 8º - O desenvolvimento do 9º CONSENGE será constituído dasseguintes atividades:

a) Definição dos temas e elaboração dos textos base;

b) Divulgação do Congresso entre os engenheiros, as entidades e asociedade através dos meios próprios de comunicação da Fisengee dos Senges, bem como da mídia em geral.

c) Realização dos Congressos/Encontros Estaduais/AGE;

d) Realização da etapa final do Congresso em Rondônia / Porto Velho.

CapÍtULo Vi - da CoMissÃo organiZadora

art. 9º - A Comissão Organizadora do 9º CONSENGE é consti-tuída pelo Presidente da Fisenge, Carlos Roberto Bittencourt; peloDiretor Tesoureiro da Fisenge, Renato Andrade dos Santos; peloDiretor Executivo da Fisenge, José Ezequiel Ramos ou na sua au-sência pelo Diretor do Senge Rondônia, Eng. Geraldo Sena Neto;pelo Presidente do Senge onde foi realizado o último Congresso,Eng. Jorge Dotti Cesa e pelo Presidente do Sindicato do Estadoonde será realizado o Congresso, Eng. Jorge Luiz da Silva Alves.

parágrafo 1º - A presidência da Comissão Organizadora e a coor-denação do Congresso ficarão sob a responsabilidade do Presidenteda Fisenge.

parágrafo 2º - O Senge Rondônia constituirá Comissão Organiza-dora Estadual visando à realização do 9º CONSENGE.

art. 10º. - Compete à Comissão Organizadora:

a) Elaborar o Regimento Interno do 9º CONSENGE, tendo comobase o Regimento Interno do 8o CONSENGE;

b) Elaborar a programação detalhada do 9º CONSENGE;

Page 87: 9º Consenge: soCiedade, energia e Meio aMbiente · quadro, o 9º Congresso Nacional de Sindicatos de Engenheiros (Consenge) debaterá o tema central Sociedade, Energia e Meio Ambiente

93

REGIMENTO INTERNO

c) Tomar as demais iniciativas necessárias à realização do 9ºCONSENGE.

CapÍtULo Vii - dos partiCipantes

art. 11º. – O 9º CONSENGE contará com três modalidades de par-ticipantes:

parágrafo 1º - Delegados, profissionais em dia com o Sindicato, comdireito a voz e voto, eleitos nas assembléias realizadas durante osCongressos/Encontros Estaduais/AGE dos sindicatos filiados; osmembros titulares da Diretoria Executiva e do Conselho Fiscal da Fi-senge; os membros da Comissão Organizadora (que não são mem-bros efetivos da Diretoria Executiva da Fisenge) e a Coordenadorado Coletivo de Mulheres.

parágrafo 2º - Delegados Natos, com direito a voz e voto: ex-presi-dentes da Fisenge e presidentes dos Senges que estiverem exer-cendo o mandato.

parágrafo 3º - Convidados e Observadores, somente com direito àvoz, indicados pela Fisenge e pelos Sindicatos filiados, devendo serhomologados pela Comissão Organizadora. Os convidados da Fi-senge deverão ser definidos pela Diretoria Executiva até a últimareunião anterior ao Congresso.

parágrafo 4º - Os critérios de participação dos Sindicatos são:

03 (três) delegados por sindicato mais 01(um) para cada 100 asso-ciados ou qualquer fração de 100, em dia com o sindicato até30/11/2010, eleitos entre os presentes em Congresso/Encontro Es-tadual/AGE explicitamente convocado através de edital publicadoem jornal estadual.

parágrafo 5º – Os sindicatos deverão estar com a situação finan-ceira regularizada junto à Fisenge, até 12 de julho de 2011, para terdireito à indicação de delegados.

parágrafo 6º - Os delegados impedidos de comparecer ao 9º CON-SENGE poderão ser substituídos por suplentes eleitos no mesmoCongresso/Encontro Estadual/AGE que elegeu os delegados.

Page 88: 9º Consenge: soCiedade, energia e Meio aMbiente · quadro, o 9º Congresso Nacional de Sindicatos de Engenheiros (Consenge) debaterá o tema central Sociedade, Energia e Meio Ambiente

94

9º CONGRESSO NACIONAL DE SINDICATOS DE ENGENHEIROS – CONSENGE

parágrafo 7º - Os Sindicatos devem desenvolver ações no sentidode viabilizar a participação do número máximo de delegados, con-forme tabela a seguir:

deLegados ao 9º Consenge

Page 89: 9º Consenge: soCiedade, energia e Meio aMbiente · quadro, o 9º Congresso Nacional de Sindicatos de Engenheiros (Consenge) debaterá o tema central Sociedade, Energia e Meio Ambiente

95

REGIMENTO INTERNO

parágrafo 8º - Os Senges deverão informar à Fisenge, até o dia 30de novembro de 2010, o número de associados em dia.

parágrafo 9o - Junto com a relação dos delegados, cada Senge de-verá nomear o coordenador da delegação de seu estado e infor-mar à Fisenge. Será ele o interlocutor junto a Comissão Or gani zadorae ao agenciador oficial do Congresso.

art. 12º. - As passagens aéreas, se possível, deverão ser adquiridasde forma centralizada, através do agenciador oficial do 9º CONSENGE,com objetivo de obter melhores descontos e outros benefícios.

parágrafo 1º - Os custos com passagens, hospedagem, alimenta-ção, traslado e ajuda de custo dos membros da Diretoria Executiva,da Comissão Organizadora, do Conselho Fiscal titular, dos pales-trantes, ex-presidentes da Fisenge, Presidentes de Sindicatos e con-vidados da Fisenge serão de responsabilidade desta.

art. 13º. – A Fisenge só se responsabilizará pelo custeio da hospe-dagem nos hotéis por ela indicados.

parágrafo 1º - A Fisenge custeará para os delegados participantesdo Congresso:

a) Três pernoites no Hotel sede do Congresso, respectivamente nosdias 07, 08, 09 e 10. Eventualmente quatro.

b) Três almoços, respectivamente nos dias 08, 09 e 10, em local aser designado pela Comissão Organizadora;

c) Dois lanches, à tarde, nos dias 08 e 09

d) Confraternização da abertura e encerramento, incluindo todos osparticipantes nas respectivas solenidades;

e) Despesas da infraestrutura necessária à realização do Con-gresso.

CapÍtULo Viii - da prograMaÇÃo dos trabaLHos

art. 14º. - A programação dos trabalhos do 9º CONSENGE obede-cerá a seguinte ordem, detalhada em documento específico (folder):

Page 90: 9º Consenge: soCiedade, energia e Meio aMbiente · quadro, o 9º Congresso Nacional de Sindicatos de Engenheiros (Consenge) debaterá o tema central Sociedade, Energia e Meio Ambiente

96

9º CONGRESSO NACIONAL DE SINDICATOS DE ENGENHEIROS – CONSENGE

dia 07 – Quarta-feiraCredenciamento: Dia 7 – 14:00h às 20:00hDia 8 – 08:00h às 12:00h

19:00h - AberturaLocal: Aquarius Selva Hotel19:30h – Atividade Cultural20:00h – Formação da Mesa21:00h – Palestra de Abertura - “A sociedade que Queremos”22:00h – Coquetel

dia: 08 – Quinta-feira08:00h - Plenária Inicial: Aprovação do Regimento Interno08:30h - Alteração no Estatuto11:30h – Palestra sobre GêneroAlmoço: 12:30h

14:00h às 18:30h – Palestra seguida de Debate dos Temas I e II• Tema I: A Cidade Sustentável• Coffe Break• Tema II: Integração da América Latina

dia: 09 – sexta-feira08:00h – Palestra seguida de Debate do Tema III: Energia, Recursos Minerais e De-senvolvimento

11:00h às 13:00h – Trabalho em Grupo13:00h às 14:00h – Almoço14:00h - Visita Técnica Hidrelétrica Santo Antônio

dia: 10 – sábado08:00h – Plenária Final • Discussão e deliberação das propostas, recomendações e moções contidas no re-latório dos grupos de trabalho;• Discussão e aprovação da Carta de Rondônia;Almoço• Eleição da nova direção da Fisenge;• Escolha do Estado anfitrião do 10º Consenge• Apresentação da nova diretoria da Fisenge;• Posse da Diretoria e do Conselho Fiscal;Encerramento: 16:00h• Festa de Confraternização – 17:00h

Page 91: 9º Consenge: soCiedade, energia e Meio aMbiente · quadro, o 9º Congresso Nacional de Sindicatos de Engenheiros (Consenge) debaterá o tema central Sociedade, Energia e Meio Ambiente

97

REGIMENTO INTERNO

parágrafo 1º As alterações na programação dos trabalhos do Con-gresso, se necessárias, só poderão ser efetivadas com a aprova-ção da maioria dos membros da Comissão Organizadora.

CapÍtULo iX - da dinÂMiCa dos trabaLHos

art. 15º. - A Plenária Inicial aprovará este Regimento Interno, em es-pecial a respeito da regulamentação e programação dos trabalhos eatividades do 9º CONSENGE.

art. 16º. – A Comissão Organizadora, em conjunto com os Sindica-tos, elaborará proposta para composição das mesas e das regrasda dinâmica dos trabalhos das Plenárias e dos grupos de trabalho.

parágrafo 1º - A mesa da cerimônia de abertura será composta peloPresidente da Fisenge, Presidente do Senge/RO, Presidente doConfea, Presidente do Crea/RO, autoridades dos âmbitos Federal,Estadual e Municipal, representantes do Legislativo e por convidadosespeciais dentre as autoridades presentes.

parágrafo 2º - Os integrantes das mesas dos trabalhos em grupoe das Plenárias deverão ser escolhidos observando-se os seguin-tes critérios:

• ser delegado ao Congresso;

• ter experiência em condução de Plenárias;

• ter experiência como relator.

art. 17º. - Os delegados, os observadores e os convidados serãodistribuídos proporcionalmente entre os grupos de trabalho, a critérioda Comissão Organizadora, ouvidas as solicitações dos Sindicatos.

art. 18º. - Os grupos de trabalho deliberarão conforme estabelecidoneste Regimento Interno e suas reuniões constarão de:

a) Instalação dos trabalhos por um membro da Comissão Organi-zadora;

b) Escolha da mesa diretora a partir da proposta elaborada pela Co-missão Organizadora;

Page 92: 9º Consenge: soCiedade, energia e Meio aMbiente · quadro, o 9º Congresso Nacional de Sindicatos de Engenheiros (Consenge) debaterá o tema central Sociedade, Energia e Meio Ambiente

98

9º CONGRESSO NACIONAL DE SINDICATOS DE ENGENHEIROS – CONSENGE

c) Apresentação e discussão dos temas, recomendações e propos-tas, levando em consideração a dinâmica definida pela ComissãoOrganizadora;

d) Aprovação das propostas, recomendações, destaques e moçõesque comporão o relatório do grupo.

parágrafo 1º - Todas as propostas consideradas aprovadas nos gru-pos serão automaticamente encaminhadas à plenária.

parágrafo 2º - As propostas e Moções que obtiverem menos de 30%(trinta por cento) serão consideradas rejeitadas.

parágrafo 3º. - Os relatórios dos grupos serão sistematizados, portema, em relatório geral a ser apresentado na Plenária final.

art. 19º. - Discussão sobre os temas nos grupos de trabalho: serão03 grupos de trabalho. Cada grupo discutirá um tema.

art. 20º. – O registro de chapas deverá ser feito até às 09:00h dodia 10 de setembro/11 na secretaria do congresso.

art. 21º. - As deliberações das Plenárias constituirão as RESOLU-ÇÕES do 9º CONSENGE e determinarão as diretrizes para a açãoda Fisenge e dos Senges filiados até o próximo Congresso.

parágrafo Único – As RESOLUÇÕES do 9º CONSENGE farãoparte dos Anais do Congresso que serão editados pela Fisenge paradivulgação.

CapÍtULo X - dos direitos e deVeres dos deLegados, obserVadorese ConVidados

art. 22º. - São direitos e deveres dos delegados:

a) Tomar parte nos trabalhos, debater e votar este Regimento, as re-comendações, propostas e moções, de acordo com o estabelecidono presente Regimento, nas deliberações da Comissão Organiza-dora e pela Plenária do Congresso.

parágrafo único – Só poderá votar e ser votado para os cargosda Diretoria e do Conselho Fiscal os delegados presentes ao Con-gresso.

Page 93: 9º Consenge: soCiedade, energia e Meio aMbiente · quadro, o 9º Congresso Nacional de Sindicatos de Engenheiros (Consenge) debaterá o tema central Sociedade, Energia e Meio Ambiente

99

REGIMENTO INTERNO

art. 23º. - São direitos e deveres dos observadores e convidados:

a) Receber credencial, material de divulgação e cópias dos textosbase inscritos no Congresso, na conformidade deste Regimento;

b) Tomar parte nos trabalhos e debater sem direito a voto, de acordocom o estabelecido no presente Regimento, nas deliberações da Co-missão Organizadora e pela Plenária do Congresso.

CapÍtULo Xi - das disposiÇÕes gerais

art. 24º. - Os casos omissos neste Regimento serão resolvidos pelaComissão Organizadora.

parágrafo 1º. - A Comissão Organizadora poderá submeter à apro-vação da Diretoria ou do Conselho Deliberativo da Fisenge ou, ainda,da Plenária Inicial os casos que julgar acima do seu próprio âmbitode deliberação e delegação.

parágrafo 2º. – A Comissão Organizadora se reunirá com os coor-denadores e relatores de grupos e Plenárias para unificar procedi-mentos para a condução dos trabalhos.

art. 25º. - A Plenária é a instância máxima do Congresso e é sobe-rana em suas decisões.

Page 94: 9º Consenge: soCiedade, energia e Meio aMbiente · quadro, o 9º Congresso Nacional de Sindicatos de Engenheiros (Consenge) debaterá o tema central Sociedade, Energia e Meio Ambiente

Produção e edição: espalhafato Comunicação

Editoração: stefano Figalo

Revisão: rita Luppi

Impressão e fotolito: reproarte

Federação interestadual de sindicatos de engenheiros

Avenida Rio Branco, 277, 17º andar CEP: 20040-009

Cinelândia - Rio de Janeiro - Brasil

Tel.: (21) 2533-0836 - Fax: (21) 2532-2775

[email protected]

www.fisenge.org.br