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A ABORDAGEM ENXUTA APLICADA AO AGRONEGÓCIO: ESTUDO DE CASO EM UM VIVEIRO DE MUDAS FLORESTAIS Ana Julia Dal Forno (UFSC) [email protected] Fernando Antonio Forcellini (UFSC) [email protected] Paulo Alberto Crestani (UFSC) [email protected] O objetivo do trabalho é introduzir os conceitos e técnicas enxutas para o setor da agronomia. Aplicado em uma empresa de mudas florestais, localizada em Videira/SC, estudo apresenta uma forma de melhorar a capacidade competitiva da empresaa frente ao crescimento da concorrência no setor de Agronegócio. Através da aplicação do Mapeamento do Fluxo de Valor, sugeriu-se a conversão do sistema empurrado para o puxado e a utilização de supermercados. Os resultados incluem reduções nos estoques dos processos mapeados: Estoque de Sementes, Bandejas Semeadas, Mudas Germinadas, Mudas Formadas, Mudas Terminadas, Mudas Embaladas, Crescimento Biológico, que em conjunto propiciaran a entrega mais rápida ao cliente. Com a metodologia de estudo de caso, o diferencial mostrou-se na necessidade de adicionar uma linha do tempo no MFV para o “tempo cronológico”, visto que não há como interromper o processo de crescimento de uma planta, como ocorre na manufatura, onde o produto somente é transformado em cada processo. Outra diferença do MFV para esse estudo, em relação à manufatura é o tamanho do lote (mensal) e a entrega do fornecedor que era anual. Assim, as primeiras mudanças para o conceito enxuto se tornam evidentes com parcerias com os fornecedores do substrato e diminuindo o tamanho do estoque. Palavras-chaves: Mapeamento do Fluxo de Valor, Abordagem Enxuta, Agronegócio XXX ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUÇÃO Maturidade e desafios da Engenharia de Produção: competitividade das empresas, condições de trabalho, meio ambiente. São Carlos, SP, Brasil, 12 a15 de outubro de 2010.

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A ABORDAGEM ENXUTA APLICADA

AO AGRONEGÓCIO: ESTUDO DE CASO

EM UM VIVEIRO DE MUDAS

FLORESTAIS

Ana Julia Dal Forno (UFSC)

[email protected]

Fernando Antonio Forcellini (UFSC)

[email protected]

Paulo Alberto Crestani (UFSC)

[email protected]

O objetivo do trabalho é introduzir os conceitos e técnicas enxutas

para o setor da agronomia. Aplicado em uma empresa de mudas

florestais, localizada em Videira/SC, estudo apresenta uma forma de

melhorar a capacidade competitiva da empresaa frente ao crescimento

da concorrência no setor de Agronegócio. Através da aplicação do

Mapeamento do Fluxo de Valor, sugeriu-se a conversão do sistema

empurrado para o puxado e a utilização de supermercados. Os

resultados incluem reduções nos estoques dos processos mapeados:

Estoque de Sementes, Bandejas Semeadas, Mudas Germinadas, Mudas

Formadas, Mudas Terminadas, Mudas Embaladas, Crescimento

Biológico, que em conjunto propiciaran a entrega mais rápida ao

cliente. Com a metodologia de estudo de caso, o diferencial mostrou-se

na necessidade de adicionar uma linha do tempo no MFV para o

“tempo cronológico”, visto que não há como interromper o processo

de crescimento de uma planta, como ocorre na manufatura, onde o

produto somente é transformado em cada processo. Outra diferença do

MFV para esse estudo, em relação à manufatura é o tamanho do lote

(mensal) e a entrega do fornecedor que era anual. Assim, as primeiras

mudanças para o conceito enxuto se tornam evidentes com parcerias

com os fornecedores do substrato e diminuindo o tamanho do estoque.

Palavras-chaves: Mapeamento do Fluxo de Valor, Abordagem Enxuta,

Agronegócio

XXX ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUÇÃO Maturidade e desafios da Engenharia de Produção: competitividade das empresas, condições de trabalho, meio ambiente.

São Carlos, SP, Brasil, 12 a15 de outubro de 2010.

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1. Introdução

O setor florestal contribui com uma parcela importante para a economia brasileira. Segundo a

Revista da Madeira (2007), o PIB Florestal corresponde a 4% do PIB nacional e 8% das

exportações, totalizando US$ 30 bilhões no Brasil. Esse setor é responsável por gerar 1,6

milhões de empregos diretos, 5,6 milhões de empregos indiretos e recolher anualmente R$ 3

bilhões de impostos. Ainda, conserva uma enorme diversidade biológica, possuindo 6,4

milhões de hectares de florestas plantadas, sendo 4,8 milhões de hectares com florestas de

produção de Pinus e Eucaliptos; mantém 2,6 milhões de hectares de florestas nativas,

inseridas nos reflorestamentos, e possui cerca de 15 milhões de hectares de Florestas

Nacionais.

Uma estratégia que tem sido empregada por empresas, na busca pela melhoria dos processos

produtivos, é a adoção do sistema de produção enxuto. O pensamento enxuto busca a

melhoria contínua dos processos, reduzindo os custos pela eliminação de desperdícios

possibilitando assim a melhoria da qualidade dos produtos para os clientes, sejam eles

internos ou externos.

Esse artigo retrata o trabalho realizado na conclusão de curso de Crestani (2008), na qual o

objetivo geral foi analisar a viabilidade de aplicação da abordagem enxuta em um viveiro de

mudas florestais localizado em Videira/SC. Detalhando os objetivos, foi necessário definir o

que é valor para os clientes externos e internos da empresa, utilizar a ferramenta Mapeamento

do Fluxo de Valor (MFV), identificar os desperdícios e elaborar um plano de ação, além de

introduzir o pensamento enxuto para os colaboradores da empresa, desde a alta direção até o

operacional. A metodologia empregada foi o estudo de caso que, segundo Yin (2001), é uma

investigação empírica que trata de um fenômeno contemporâneo dentro do seu contexto de

vida real em que múltiplas fontes de evidência são usadas. Complementando, existem três

tipos distintos de estudo de caso: o exploratório, o explanatório e o descritivo (TELLIS,

1997). O presente trabalho utiliza o método descritivo, para que se possa desenvolver uma

correlação entre a teoria apresentada e o estudo de caso em uma empresa do Agro-negócio,

produtora de mudas florestais.

O ineditismo do trabalho está na área de aplicação, visto que a Manufatura Enxuta é

comumente aplicada em fábricas, diretamente em indústrias que possuem produtos que

utilizam processos de linhas de montagem. Assim, embora a filosofia lean exista desde 1950,

no Brasil as empresas estão reconhecendo sua importância nesses últimos anos. O Diário

Catarinense (2007) cita dois exemplos de sucesso em Santa Catarina. Dentre elas está a

Docol, fabricante de metais sanitários que adota o sistema desde 2005 e a Whirlpool, uma das

pioneiras no país na adoção do Sistema Toyota, multinacional americana, líder em

eletrodomésticos da linha branca. Em ambas, obteve-se a redução de custos de

aproximadamente 30% no processo produtivo e inseriu na empresa uma cultura de busca

constante da eficiência, com foco na geração de valor ao cliente, sem demissões. Assim,

expandir os conceitos da filosofia lean para o segmento do Agro-negócio é uma forma de

validar a funcionalidade em diversas áreas, como tem sido realizado em toda a cadeia e

chamado de lean enterprise.

2. A empresa e seu processo produtivo

Em 1990 James Womack, Daniel Jones e Daniel Roos publicaram o livro “A Máquina que

Mudou o Mundo” mostrando um estudo comparativo da manufatura do automóvel combinado

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com um estudo das plantas americanas, européias e japonesas. O livro ganhou sua

importância pois mostrou uma forma melhor de produção do que a produção em massa.

Posteriormente, com o livro “Pensamento Enxuto” James Womack e Daniel Jones cunharam

cinco princípios descrevendo o Sistema de Produção e Negócios da Toyota, sendo eles:

a) Identificar e aumentar o valor nos produtos sob a ótica do cliente;

b) Mapear a cadeira de valor para cada produto e remover os desperdícios;

c) Fazer o valor fluir pela cadeia;

d) Produzir de modo que o cliente puxe a produção;

e) Buscar a perfeição através da melhoria contínua.

Esta abordagem enxuta, visando melhoria contínua dos processos, reduzindo os custos e

melhorando a qualidade dos produtos tem se difundido amplamente entre as empresas que

objetivam melhorar sua capacidade competitiva no mercado de forma sustentável.

A partir da identificação do que é Valor, é preciso mapear o Fluxo de Valor. Para tal é

necessário explanar detalhadamente cada processo da cadeia produtiva, para que assim se

possa classificá-los em três tipos: aqueles que efetivamente geram valor, aqueles que não

geram valor mas são importantes para a manutenção dos processos e da qualidade e, por fim,

aqueles que não agregam valor, devendo ser eliminados imediatamente. Segundo Rother e

Shook (2003), apesar de continuamente olharem para sua cadeia produtiva, muitas empresas

insistem em focalizar em reduções de custos não acompanhadas pelo exame da geração de

valor, pois olham apenas para números e indicadores, no curto prazo, ignorando os processos

reais de fornecedores e revendedores. As empresas devem olhar para todo o processo, desde a

criação do produto até a venda final (e por vezes o pós venda).

Para realizar o mapeamento, existe um conjunto de elementos e representações gráficas que

possibilitam a representação visual de cada processo. Depois de “desenhado” o mapa de valor

atual, é possível identificar os desperdícios no processo produtivo e traçar uma visão futura

deste processo, onde cada problema destacado poderá ser avaliado e tratado

independentemente de forma a garantir a implementação de um fluxo diretamente relacionado

à agregação final de valor aos produtos formados.

Algumas das vantagens do mapeamento do fluxo de valor são:

Permitir uma visão ampla de todo o fluxo;

Auxiliar na identificação dos desperdícios;

Mostrar a relação entre fluxos de materiais e informações;

Fornecer uma linguagem simples e padronizada para tratar os processos;

Tornar as decisões mais “visíveis”, permitindo discussão prévia sobre possíveis alterações

e melhorias;

Formar a base de um plano de ações.

O objetivo principal da produção enxuta consiste na eliminação de desperdícios. Shingo

(1996) e Ohno (1997), na Toyota, identificaram sete principais formas de desperdícios,

posteriormente descritos por Womack e Jones (2004):

a) Superprodução: pode ser definido como a produção excessiva ou produção cedo demais,

resultando em um fluxo pobre de peças e informações. Segundo Caon, Côrrea e Gianesi

(2004) e Shingo (1996), existem dois tipos de superprodução: perda por produzir demais

(superprodução por quantidade), ou seja, a perda por fabricar além do volume programado ou

solicitado; e a perda por produzir antecipadamente (superprodução por antecipação), ou seja,

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é a perda decorrente de uma produção realizada antes que os produtos sejam solicitados,

resultando em estocagem.

b) Fabricação de produtos defeituosos: é resultante da fabricação de produtos fora dos padrões

de qualidade requeridos. O desperdício por defeitos de qualidade é um dos piores desperdícios

dentro dos processos de fabricação, gerando perda de materiais, mão-de-obra e maior

necessidade de avaliação e controle da produção.

c) Estoque: o desperdício ocorre pelo estoque desnecessário de matéria-prima, material em

processamento e produto acabado. Todo produto em estoque que necessita de mão de obra

operacional, ocupa espaço ou exige equipamentos para tal. A eliminação dos estoques é um

dos pontos chaves da eliminação de desperdícios na produção enxuta.

d) Processamentos inapropriados: perdas pelo uso indevido ou inadequado da tecnologia. São

procedimentos que poderiam ser otimizados ou até eliminados sem gerar perdas no processo

produtivo.

e) Transportes desnecessários: são perdas pela movimentação excessiva de bens ou

informações. Resultam no aumento do lead time de fabricação e do custo de produto.

f) Espera: causada por um período de tempo em que nenhum processamento, transporte ou

inspeção é executado, ficando o lote parado esperando que algum outro processo ocorra para

que se dê continuidade ao fluxo de produção.

g) Movimentações desnecessárias: caracterizada por toda movimentação corporal de pessoas

que não estão relacionadas à agregação de valor ao produto.

Os desperdícios podem ser classificados em três tipos de atividades organizacionais, que são

elas:

a) Atividades que agregam valor, ou seja, são atividades que agregam valor para o cliente no

produto ou serviço;

b) Atividades que não agregam valor, que são atividades que não agregam valor algum aos

olhos do cliente, sendo, portanto desnecessárias à produção e precisam ser eliminadas;

c) Atividades que não agregam valor, mas são necessárias. Estas atividades são difíceis de

ser eliminadas, mas sua eliminação deve ser planejada em longo prazo.

3. A empresa e seu processo produtivo

A empresa Vitroplanta é uma empresa de biotecnologia vegetal que produz mudas florestais

de alta qualidade genética e sanitária. Localiza-se na cidade de Videira/SC, atuando no

mercado há mais de 20 anos. Atualmente, comercializa aproximadamente 4 milhões de mudas

de Pinus e Eucaliptos ao ano.

Com um sistema de produção baseado em programações trimestrais, a gerência de produção

encaminha ordens para ativar os diversos processos para produção das mudas. Os processos

pelos quais uma muda passa, desde a obtenção da semente e outras matérias-primas até a

entrega da muda final ao cliente, podem ser resumidos em: Semeadura, Germinador,

Formador, Terminador, Embalagem e Expedição.

Iniciando pela Semeadura, essa etapa consiste numa seqüência de processos que envolvem

desde o armazenamento da matéria-prima até o posicionamento final da muda no germinador.

Os principais componentes necessários à produção das mudas florestais são as sementes, o

substrato, bandeja, tubetes, máquinas para processar o substrato e insumos. O processo de

Semeadura inicia com o preparo do substrato e segue as etapas descritas na Figura 1.

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Figura 1 - Descrição das etapas do processo de semeadura. Fonte: Crestani, 2008

Seguindo para o processo Germinador, este caracteriza-se por conjunto de atividades que

envolve desde o recebimento da bandeja semeada até o momento em que a muda encontra-se

germinada e pronta para ser deslocada a um ambiente adequado ao seu crescimento. Este

processo com suas etapas está ilustrado na Figura 2.

Figura 2 - Descrição das etapas do processo de Germinação. Fonte: Crestani, 2008

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Continuando a seqüência, no processo Formador são agrupadas as etapas referentes à

formação da muda. O início ocorre quando a muda germinada é recebida do processo anterior

até a entrega ao processo de terminação. As atividades intermediárias incluem 45 dias de

crescimento da planta, classificar a planta e recolocá-la na bandeja, transportar e posicionar no

próximo processo chamado de Terminador.

O quarto processo chama-se Terminador, na qual ocorre a finalização da muda e ela será

exposta gradativamente ao sol e assim receberá as características e resistência necessárias

para ser plantada em campo pelo cliente. O processo é simples e envolve irrigação diária e

tratamentos fitossanitários semanais.

Após o processo de Terminação, é necessária a passagem pela Embalagem, cuja função é

preparar a muda para ser entregue ao cliente, de forma que possa ser posicionada no caminhão

com eficiência para o transporte. A expedição encerra a cadeia produtiva da muda. Nesse

processo as mudas são carregadas no caminhão com destino ao cliente.

3.1 Mapeamento do Fluxo de Valor do Estado Atual

Com base na descrição dos processos, aplicou-se a ferramenta enxuta Mapeamento do Fluxo

de Valor (MFV), de forma a analisar e sugerir possíveis melhorias no processo produtivo. A

empresa possuía seu sistema de produção desenvolvido a partir de anos de melhorias em

tentativas práticas de acerto e erro. Escolheu-se a família de produtos com maior demanda,

neste caso as mudas florestais de Pinus e Eucaliptos, pois também apresentam afinidade em

praticamente todos os processos de produção.

Todos os processos foram descritos a partir de um lote de produção inicial de 20 mil

mudas/dia. Após uma série de perdas no processo, o lote resulta em uma entrega final de

16.000 mudas/dia. Por envolver tempo considerável em processos biológicos, no MFV foi

representado separadamente estes períodos do lead time e do tempo de processamento. A

escala de tempo adotada foi de horas, definidas em turnos de 8 horas/dia em um total de 22

dias mensais.

O MFV atual (Anexo A) inicia com o pedido do cliente para o Controle de Produção, que

envia programações diárias, semanais e mensais aos processos. Semanalmente o

gerenciamento faz pedidos ao fornecedor de insumos, semestralmente ao fornecedor de

substrato e anualmente ao fornecedor de sementes. Os processos são descritos desde a entrada

da matéria-prima na fábrica até a saída do produto ao cliente, sendo assim representado como

um mapa porta a porta.

Através da análise do estado atual do fluxo de valor na empresa, verificou-se uma série de

desperdícios, os quais devem ser reduzidos e/ou eliminados. Há ainda características de uma

produção empurrada, que pode resultar no maior dos desperdícios: o excesso de produção.

Cada processo na produção da muda funciona de forma isolada, produzindo e empurrando

para a etapa seguinte. Os efeitos permanecem encobertos em grandes estoques entre os

processos e como resultado teve-se um tempo de agregação de valor ao produto muito

pequeno em detrimento ao tempo total que o produto levou-se para passar por toda a planta.

No caso da Vitroplanta, o lead time total foi de aproximadamente 565 dias, ou seja, desde o

momento em que começou a ser produzida até o momento que foi expedido ao cliente.

Entretanto, a muda passa apenas cinco dias sob processos de agregação de valor e 195 dias

sob processos biológicos de desenvolvimento da planta. Todo o restante do tempo significa

tempo desperdiçado, pois não está ocorrendo uma transformação no produto final.

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Além disso, identificou-se perdas superiores a 15% na cadeia produtiva. A melhoria contínua

dos processos precisa buscar a redução ao máximo possível dessa perda. Outro desperdício

evidente é a formação excessiva de estoques dentro da planta. Ao todo, são aproximadamente

8,5 milhões de mudas em estoque entre os processos. Só em sementes, o estoque é superior a

cinco milhões de mudas.

Um estudo quanto ao arranjo físico também mostrou que muita movimentação era necessária

para a formação da muda, gerando perdas desnecessárias. E por fim, identificou-se também

desperdício em forma de espera, onde as mudas não estão sob nenhuma forma de

processamento de agregação de valor. Isso ocorre principalmente pelo desnivelamento entre

produção e demanda.

3.2 Plano de Ação para implementar as melhorias

Para reduzir o longo lead time é preciso que cada processo produza somente o que o próximo

processo necessita e quando necessita. O objetivo é ligar um processo ao outro, partindo do

consumidor final e chegando até a matéria-prima, em um fluxo contínuo, objetivando a mais

alta qualidade com um baixo custo.

O primeiro passo é produzir de acordo com o takt time. Este caracteriza-se pela freqüência

com que uma peça ou produto deve ser produzida, baseado no ritmo de vendas, para atender a

demanda dos clientes (ROTHER E SHOOK, 2003). No caso da Vitroplanta, o objetivo é

entregar um lote com 16.000 unidades diariamente. No desenvolvimento do mapa futuro, é

preciso respeitar o takt de processamento de um lote de 1,725 segundos, ou seja, que um lote

de 16.000 mudas seja processado a cada turno de 8 horas.

Logo, para obter regularidade no processo, é preciso que tudo flua de maneira contínua

sempre que for possível. Isso deve reduzir o tempo de espera entre processos e conseqüentes

desperdícios. Onde não for possível estabelecer fluxo, devemos criar supermercados, de

preferência usando kanban para gerenciar a produção de maneira puxada. O processo cliente

retira produtos entregues pelo processo fornecedor de um supermercado e no lugar deixa um

kanban de retirada. O supermercado envia então um kanban de produção ao processo

fornecedor que produzirá um novo produto para preencher novamente o supermercado.

Rother e Shook (2003) descrevem que ao colocar um sistema puxado entre dois processos

ocorre a ordem exata de produção ao processo anterior, sem tentar prever a demanda posterior

e programar este processo. Desta forma a produção não precisa ser controlada pela gerência

de produção e sim, pela necessidade de fornecimento de produto para um processo específico.

Outra maneira de atingir o fluxo contínuo é adotar um FIFO (first in, first out), ou seja, o

primeiro que entra é o primeiro a sair entre dois processos, para substituir um supermercado e

manter um fluxo contínuo entre eles.

Ao contrário do que se percebe no estado atual, o estado futuro deve tentar ser controlado por

um processo puxador, onde apenas ele receberá ordens de programação e todos os processos

restantes atenderão à necessidade por ele gerada. A puxada de produção feita por este

processo puxador deve ser feita adequadamente, nivelada à capacidade de todos os outros

processos. Este nivelamento permite uma estabilidade no takt time e um ritmo de produção

constante e previsível, diminuindo a necessidade de horas extras e permitindo que ações

rápidas corrijam problemas na produção.

Na empresa do estudo de caso, visivelmente notava-se a maior quantidade do estoque inicial

nas sementes (matéria-prima). Além de buscar alternativas aos atuais fornecedores de

sementes, era necessário buscar melhorias no controle dos estoques e na previsibilidade na

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demanda, evitando assim estoques desnecessários. Essas sugestões contribuem para reduzir as

perdas que chegavam a 15% das sementes, correspondendo a cerca de três quartos de toda

perda na produção da muda. Neste sentido, o maior comprometimento dos fornecedores era

imprescindível.

3.3 Mapeamento do Estado Futuro

Considerando os aspectos para a introdução da abordagem enxuta na empresa em questão,

elaborou-se o mapa futuro (Anexo B) do fluxo de valor demonstrando alguns conceitos

aplicados ao processo produtivo.

A primeira grande mudança seria a transformação da produção atualmente empurrada para a

puxada através de um supermercado alimentando a germinação sempre que ela precisar de

bandejas germinadas e de um estoque pulmão garantindo o fornecimento das mudas aos

clientes quando necessário. Além disso, com a definição da regra de sequenciamento first in,

first out toda a produção estaria organizada de forma puxada.

O pedido dos clientes passou a ser enviado diretamente ao processo de embalagens, sendo

este o processo puxador. Um nivelamento de carga foi planejado com os kanbans

provenientes dos pedidos de clientes para que a produção seja constante ao longo da semana.

A mudança mais impactante para o lead time foi identificada como sendo a compra de

sementes em estoques mensais e não mais anuais. A melhoria na constância da produção

proveniente do nivelamento de carga e melhor gerenciamento com a utilização do kanban

geram também reduções no tempo de processamento de cada processo.

4. Resultados e Considerações Finais

Após mapeados os estados atual e futuro das mudas de Pinus e Eucalipto, o próximo passo

para implementar as propostas foi elaborar um plano de ações, dividindo o mapa futuro em

segmentos e implementando-os gradativamente, respeitando um cronograma pré-estabelecido.

Na Tabela 1 há a comparação das melhorias obtidas no estado futuro (depois) com o estado

atual (antes).

Item Estado atual Estado futuro

Estoque de sementes 365 dias 30 dias

Bandejas semeadas 1,25 dia 1 dia

Mudas germinadas 1,5 dia 1 dia

Mudas formadas 1,5 dia 1 dia

Mudas terminadas 1,5 dia 1 dia

Mudas embaladas 2 dias 1,8 dia

Crescimento biológico 195 dias 195 dias

Lead time de produção 372,75 dias 35,8 dias

Tamanho do estoque 8,5 milhões de

mudas

4 milhões de

mudas

Fonte: Crestani (2008)

Tabela 1 – Comparação do estado atual com o estado futuro

No momento em que se atinge a situação futura proposta, esta passa a ser a situação atual, e

uma nova situação futura pode ser desenhada e alcançada. Isso significa que estamos em um

ciclo sem fim de melhorias constantes, sempre em busca da perfeição (WOMACK E JONES,

2004).

Um diferencial evidente desse mapa focado ao agronegócio foi uma linha do tempo a mais, ou

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seja, referente ao tempo biológico da planta. Ao contrário do que ocorre na manufatura com o

fluxo de material, nesse caso não era possível parar o “produto”, a cada dia a planta tinha seu

crescimento, independente do processo ser ou não agregador de valor.

Fazer mudanças técnicas no aspecto produtivo de uma empresa também “puxará” a

necessidade de mudanças no lado humano do fluxo de valor. Os fluxos enxutos de valor

devem ser desenvolvidos com respeito pelas pessoas (ROTHER E SHOOK, 2003).

Em relação ao MFV, os pontos fortes dessa metodologia são:

permite identificar cada processo do fluxo;

evidencia o lead time através de estoques de matéria-prima, em processo e produto

acabado;

oferece um método visual de fácil compreensão;

há caixas de processo com dados relevantes: número de turnos (disponibilidade), número

de operadores, tempo do operador, tempo de máquina, tempo unitário, tamanho do lote,

setup e taxa de refugo;

o desenho destaca a diferença entre o sistema puxado e o empurrado e;

focado para desperdícios de estoque, superprodução, qualidade e processo.

No entanto, é preciso tomar cuidado, pois não constam simbologias para o mapeamento do

PCP, projeto do produto e demanda; e os desperdícios de movimentação, transporte e espera

não são possíveis de se visualizar através dos desenhos, tampouco a polivalência. No caso

aplicado, o diferencial mostrou-se na necessidade de adicionar uma linha do tempo para o

“tempo cronológico”, visto que não há como interromper o processo de crescimento de uma

planta, como ocorre na manufatura, onde o produto somente é transformado em cada

processo. Outra diferença do MFV para esse estudo, em relação à manufatura é o tamanho do

lote (mensal) e a entrega do fornecedor que era anual. Assim, as primeiras mudanças para o

conceito enxuto se tornam evidentes com parcerias com os fornecedores do substrato e

diminuindo o tamanho do estoque.

Ao expor várias fontes de desperdício dentro de um sistema produtivo, percebeu-se que

muitas pessoas em todas as funções do negócio podem ter que mudar os seus hábitos.

Entretanto todos podem ser beneficiados com a adoção da produção enxuta, seja com o

aumento da competitividade da empresa, um melhor ambiente de trabalho, ou simplesmente

uma sensação de estar trabalhando e fornecendo valor ao cliente. Esse trabalho também

destacou que a participação do fator humano é fundamental para as metas serem atingidas de

forma planejada.

Referências

CAON. M; CORRÊA, H. L.; GIANESI, I. G. N. Planejamento, Programação e Controle da Produção. 5. ed.

São Paulo: Atlas, 2007.

CRESTANI, P. A. Lean Production: Estudo para Implementação da Filosofia Enxuta em um Viveiro de

Produção de Mudas Florestais. Trabalho de Conclusão do Curso de Agronomia da Universidade Federal de

Santa Catarina. Florianópolis, 2008.

DAL FORNO, A. J. Aplicação e Análise das Ferramentas Benchmarking Enxuto e Mapeamento do Fluxo de

Valor: Estudo de Caso em três empresas catarinenses. Dissertação (Mestrado em Engenharia de Produção) –

Programa de Pós Graduação em Engenharia de Produção, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis,

2008.

DIÁRIO CATARINENSE. Empresas de SC adotam sistema Toyota. Florianópolis: 25 de novembro de 2007.

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OHNO, T. O Sistema Toyota de Produção: além da produção em larga escala. Tradução de Cristina

Schumacher. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.

REVISTA MADEIRA. N.109, ano 18. Editora Lettech. Dezembro de 2007.

ROTHER, M.; SHOOK, J. Aprendendo a enxergar: mapeando o fluxo de valor para agregar valor e eliminar

o desperdício. São Paulo: Lean Institute, 2003.

SHINGO, S. O Sistema Toyota de Produção: do ponto de vista da engenharia de produção. 2. ed. Porto Alegre:

Bookman, 1996.

TELLIS, W. Introduction to case study. The Qualitative Report, v. 3, n. 2, July 1997. Disponível em:

<http://www.nova.edu./ssss/QR/QR3-2/tellis1.html>. Acesso em: 18 dez. 2007.

YIN, R. K. Estudo de caso: planejamento e métodos. Porto Alegre: Bookman, 2001.

WOMACK, J. P.; JONES, D. T. A mentalidade enxuta nas empresas: elimine o desperdício e crie riqueza. 6.

ed. Rio de Janeiro: Campus, 2004.

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ANEXO A – Mapeamento do Estado Atual da empresa

ANEXO B – Mapeamento do Estado Futuro da empresa

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