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FEMPAR - FUNDAÇÃO ESCOLA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO PARANÁ RAPHAEL RICARDO TISSI A AÇÃO CIVIL PÚBLICA COMO INSTRUMENTO DE TUTELA E EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS CURITIBA 2010

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FEMPAR - FUNDAÇÃO ESCOLA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO PARANÁ

RAPHAEL RICARDO TISSI

A AÇÃO CIVIL PÚBLICA COMO INSTRUMENTO DE TUTELA E EFETIVAÇÃO

DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS

CURITIBA

2010

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RAPHAEL RICARDO TISSI

A AÇÃO CIVIL PÚBLICA COMO INSTRUMENTO DE TUTELA E EFETIVAÇÃO

DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS

Monografia apresentada como requisito parcial para a obtenção do grau de

Especialista em Ministério Público - Estado Democrático de Direito, na área de

concentração em Direito Constitucional e Direito Processual Civil, Fundação Escola

do Ministério Público do Paraná - FEMPAR, Faculdades Integradas do Brasil -

UniBrasil.

Orientador: Prof. Dr. Clayton de Albuquerque Maranhão

CURITIBA

2010

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TERMO DE APROVAÇÃO

RAPHAEL RICARDO TISSI

A AÇÃO CIVIL PÚBLICA COMO INSTRUMENTO DE TUTELA E EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS

Monografia aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de Especialista

no curso de Pós-Graduação em Ministério Público - Estado Democrático de Direito,

Fundação Escola do Ministério Público do Paraná - FEMPAR, Faculdades

Integradas do Brasil - UniBrasil, examinada pelo Professor Orientador Dr. Clayton de

Albuquerque Maranhão.

________________________

Prof. Dr. Clayton de Albuquerque Maranhão

Orientador

Curitiba, 22 de abril de 2010

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À memória dos Doutores Lino Bortolini e Delivar Tadeu de Mattos, que a honra de ter convivido traduz-se em estima e admiração.

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AGRADECIMENTOS

A meus pais, por tudo que me propiciaram ao longo da vida, com muito sacrifício, e

pelo apoio incondicional, em todos os momentos.

Aos Prezados Doutores Analice Castor de Mattos e Rodrigo Castor de Mattos, com

elevada estima e consideração, pela constante contribuição em minha formação

profissional.

Ao Ilustre orientador, Prof. Dr. Clayton Maranhão, pela atenção ao longo da presente

pesquisa.

Aos amigos, que contribuíram, ainda que de maneira indireta, para a execução deste

trabalho.

A Marilda Antoniacomi, funcionária da Universidade Federal do Paraná, pela

gentileza em emprestar livros para análise dos temas desenvolvidos.

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“Deus dá a todos uma estrela. Uns fazem da estrela um Sol. Outros nem conseguem vê-la.” Helena Kolody

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SUMÁRIO

1. Introdução...............................................................................................................09

2. Direitos Fundamentais............................................................................................11

2.1 Breve histórico e contexto das gerações ou dimensões......................................11

2.2 Conceito...............................................................................................................18

2.3 Classificação........................................................................................................19

2.4 Principais características......................................................................................21

2.4.1 Universalidade...................................................................................................21

2.4.2 Inalienabilidade/indisponibilidade......................................................................21

2.4.3 Aplicabilidade imediata......................................................................................22

2.4.4 Vinculação dos Poderes Públicos.....................................................................23

2.5 Os direitos sociais................................................................................................25

2.5.1 Educação...........................................................................................................25

2.5.2 Saúde................................................................................................................26

2.5.3 Moradia..............................................................................................................28

2.5.4 Alimentação (recente EC).................................................................................29

2.6 Políticas Públicas.................................................................................................30

2.6.1 Aspectos conceituais.........................................................................................30

2.6.2 Problemática......................................................................................................31

2.6.3 Controle judicial das políticas públicas e a interpretação do mínimo existencial

e da reserva do possível............................................................................................37

3. A Ação Civil Pública...............................................................................................50

3.1 Tutela dos direitos metaindividuais......................................................................54

3.1.1 Direitos difusos..................................................................................................55

3.1.2 Direitos coletivos stricto sensu..........................................................................57

3.1.3 Direitos individuais homogêneos.......................................................................58

3.2 Legitimidade ativa.................................................................................................60

3.2.1 O Ministério Público...........................................................................................64

3.2.1.1 Possibilidade de o Ministério Público ajuizar ação civil pública visando a

tutela de direitos individuais homogêneos..................................................................65

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3.2.1.2 Repartição de atribuições e litisconsórcio entre o Ministério Público Federal e

Ministério Público dos Estados e do Distrito Federal.................................................68

3.2.1.3 Impossibilidade de celebração de transação e inviabilidade de desistência da

ação............................................................................................................................71

3.2.1.4 Ministério público como custos legis e substituição processual.....................73

3.3 Legitimidade passiva............................................................................................74

3.4 Competência........................................................................................................76

3.5 Tutelas de urgência..............................................................................................78

3.6 Sentença e Coisa julgada.....................................................................................80

3.7 Breves considerações sobre o anteprojeto da nova lei de ação civil pública......88

4. Conclusão...............................................................................................................89

5. Referências bibliográficas......................................................................................94

ANEXO I – JURISPRUDÊNCIA.................................................................................97

ANEXO II - LEI 7.347/1985......................................................................................115

ANEXO III - LEI 8.078/1990.....................................................................................120

ANEXO IV - PROJETO DE LEI 5.139/2009.............................................................128

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RESUMO

Análise dos direitos fundamentais sociais, contemplados pela Constituição Federal

de 1988, os quais são dependentes de políticas públicas adequadas com vistas a

garantir sua efetividade, voltadas à consecução e implementação das diretrizes

constitucionais e legais, com o objetivo de assegurar as mínimas condições

materiais de existência digna a todos, como garantia de igualdade e umbilicalmente

ligada ao princípio da dignidade da pessoa humana. Verificada a omissão total ou

parcial do Estado, abre-se a possibilidade de atuação do Poder Judiciário no

controle de previsão e execução de políticas públicas. Com a implementação de um

Estado Democrático de Direito pela Constituição promulgada em 1988, a atuação do

Ministério Público assume relevo ímpar, em decorrência de suas atribuições

constitucionais, com destaque para a ação civil pública. O reconhecimento de

direitos transindividuais implica na necessidade de uma visão moderna do processo

civil clássico, com a readaptação do processo para se obter uma adequada tutela

coletiva. Vislumbra-se na legislação brasileira um sistema integrado, com vistas à

defesa dos interesses supra-individuais. O regime de outorga da legitimação ativa na

ação civil pública é o da representatividade adequada, de maneira concorrente e

disjuntiva. Abordam-se questões controvertidas sobre a legitimidade ativa, Ministério

Público como custos legis, competência, coisa julgada e efeitos da sentença. Faz-se

breve referência ao anteprojeto nº 5.139/2009, de nova lei de ação civil pública.

Palavras-chave: Monografia; Direitos Fundamentais Sociais; Tutela e Efetividade;

Ação Civil Pública; Ministério Público.

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1. Introdução

Dentro da perspectiva histórica dos direitos fundamentais sociais, vislumbra-

se que a Constituição da República, promulgada em 1988, com bases nos princípios

da dignidade da pessoa humana e da igualdade, acolheu a garantia do mínimo

social, em busca de um grau mínimo de efetividade das prestações positivas

consistentes em prestações materiais às pessoas, notadamente aos mais carentes.

Nesse contexto, verifica-se que, primado no princípio constitucional da

igualdade, o Estado tem o dever de proporcionar aos indivíduos as condições

materiais mínimas de existência humana digna, como imprescindíveis ao exercício

da cidadania, ou seja, ao indivíduo deve ser garantido prestações positivas por parte

do Poder Público, de maneira que sejam efetivados os direitos fundamentais sociais

previstos na Carta Magna.

Com o advento da Constituição Federal de 1988, promulgada após

conturbado período ditatorial, o Ministério Público, instituição permanente e

essencial à função jurisdicional do Estado, teve o seu âmbito de atuação

consideravelmente ampliado, com novos contornos institucionais, cabendo-lhe a

defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais

indisponíveis.

Como bem observa Hugo Nigro MAZZILLI:

Longe de se limitar ao papel a ele tradicionalmente reservado na persecução criminal, e ao contrário de sustentar interesses individuais ou dos governantes, o Ministério Público está hoje consagrado, pela ordem constitucional, com liberdade, autonomia e independência funcional da instituição e de seus órgãos, à defesa dos interesses sociais e indisponíveis, à defesa da ordem jurídica e do próprio regime democrático. Assim colocado na Constituição da República, com as garantias que conquistou para defender os interesses sociais, o Ministério Público passou a poder e a dever ser um órgão de proteção das liberdades públicas constitucionais, da defesa de direitos indisponíveis, da garantia do próprio contraditório. Essa é sua destinação institucional, à qual deve subordinar-se a legislação infraconstitucional.1

Dentro dessa perspectiva, a Constituição Federal prevê, como função

institucional do Ministério Público, a propositura do inquérito civil e da ação civil

1 MAZZILLI, Hugo Nigro. Regime Jurídico do Ministério Público. 2ª ed. São Paulo:

Saraiva, 1995, p. 70.

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pública para proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros

interesses difusos e coletivos.

Assim, a Ação Civil pública revela-se como mecanismo de extrema

importância para garantia e preservação dos direitos fundamentais do cidadão, tais

como direitos individuais, direitos coletivos, direitos sociais, direitos à nacionalidade

e direitos políticos, seguindo-se a classificação empregada pelo professor José

Afonso da SILVA.2

Vislumbra-se, nesse cenário, a importância da Ação Civil Pública na atuação

do agente ministerial, de forma a dar efetividade aos direitos e garantias

constitucionais dos cidadãos, em contribuição à consolidação do Estado

Democrático de Direito.

A abordagem do tema justifica-se, além da necessidade de implementação

efetiva dos direitos fundamentais sociais, a paulatina evolução da sociedade, na qual

se verificam as chamadas “sociedades de massa”, em que surgem os direitos de

natureza transindividual, que se enquadram nos direitos fundamentais de terceira

geração, dignos de proteção jurídica de maneira molecular, pelo manejo do

processo coletivo.

Fixados esses pontos, evidencia-se a importância da atuação efetiva do

Ministério Público, que, por meio da Ação Civil Pública, possibilita a tutela daqueles,

os quais, cada vez mais, assumem maior relevo nas discussões.

Assim, espera-se que a presente pesquisa possa contribuir, ainda que de

maneira singela, ao estudo da Ação Civil Pública como um dos mais importantes

instrumentos de exercício das funções institucionais do Ministério Público na tutela e

efetivação dos direitos fundamentais sociais.

2 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 14ª ed. São Paulo:

Malheiros, 1997, p. 181.

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2. Direitos Fundamentais

2.1 Breve histórico e contexto das gerações ou dimensões

Em caráter inicial ao desenvolvimento do estudo dos direitos fundamentais

do homem, revela-se indispensável, ainda que de forma sucinta, face à proposta da

pesquisa aqui desenvolvida, de sua abordagem histórica3, compreendendo-se os

antecedentes das declarações de direitos, as declarações de direitos propriamente

ditas, em sentido moderno, e a declaração de direitos nas constituições

contemporâneas.

Desde a sociedade primitiva, o homem busca libertar-se da opressão do

meio natural, através de descobertas e invenções, observando-se que não havia

subordinação nem opressão social ou política e o poder era interno à sociedade.4

Na sequencia do desenvolvimento humano, surge o Estado, como aparato

necessário ao sistema de dominação marcado pela apropriação privada, no qual os

titulares da propriedade impunham seu domínio e subordinavam os demais que se

relacionavam com a coisa apropriada, dando origem à escravidão sistemática.5

Antes mesmo das declarações em sentido moderno, alguns antecedentes

inclinavam-se ao reconhecimento de direitos com vistas à proteção das liberdades

individuais, em que pese serem titulares somente a classe dominante, detentora do

poder. Neste contexto, verifica-se o Interdicto de Homine Libero Exhibendo,

antecedente do habeas corpus e, já no período da Idade Média, documentos que

constituem o embrião das modernas declarações de direitos do homem.

Como bem nos esclarece José Afonso da SILVA:

Foi, no entanto, no bojo da Idade Média que surgiram os antecedentes mais diretos das declarações de direitos. Para tanto contribuiu a teoria do direito natural que condicionou o aparecimento do princípio das leis fundamentais do Reino limitadoras do poder do monarca, assim como o conjunto de princípios que se chamou humanismo. Aí floresceram os pactos, os forais e as cartas de franquias, outorgantes de proteção de direitos reflexamente individuais, embora diretamente grupais, estamentais, dentre os quais mencionam-se, por primeiro, os espanhóis: de León e Castela de 1118, pelo qual o Rei Afonso IX jurara sustentar a justiça e a paz do reino, articulando-se, em preceitos

3 Sobre o tema, verificar: COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos

direitos humanos, 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008. 4 SILVA, José Afonso da. Curso ... 5SILVA, José Afonso da. Curso ..., p. 150.

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concretos, as garantias dos mais importantes direitos das pessoas, como a segurança, o domicílio, a propriedade, a atuação em juízo etc.; de Aragão, que continha reconhecimento de direitos, limitados aos nobres, porém (1265); o de Viscaia (1526), reconhecendo privilégios, franquias e liberdades existentes ou que por tal acordo foram reconhecidos. O mais famoso desses documentos é a Magna Carta inglesa (1215-1225), a que faremos referência mais devagar em seguida. Agora, além do Mayflower Compact de 1620, por si só um documento de garantia de governo limitado, cumpre recordar também as várias Cartas de direitos e liberdades das Colônias Inglesas na América: Charter of New England, 1620; Charter of Massachussets Bay, 1629; Charter of Maryland, 1632; Charter of Connecticut, 1662; Charter of Rhode Island, 1663; Charter of Carolina, 1663; Charter of Geórgia, 1732; e ainda: Massachussetts Body of Liberties, 1641; New York Charter of Liberties, 1683; Pennsylvania Charter of Privileges, 1701.

Observa-se, assim, tanto no panorama norte-americano como no europeu,

em período compreendido na segunda metade do século XVIII, a conscientização

voltada à afirmação dos direitos do cidadão face ao arbítrio estatal. Nesse contexto,

eclodem a Declaração de Direitos da Virgínia (1776) e a Declaração dos Direitos do

Homem e do Cidadão (1789), esta última proclamada no impulso inicial da

Revolução Francesa.

Num primeiro momento, surge a questão das liberdades humanas em face

do Poder Estatal, as quais são classificadas como direitos fundamentais de primeira

geração, ou, conforme terminologia utilizada por alguns autores, de primeira

dimensão6.

Nesse cenário, marcado pelo desenvolvimento industrial, aparece o

crescimento demográfico, e, com ele, novas reivindicações dos cidadãos, não de

abstenção do Estado, mas de prestações materiais por parte deste. Dessa forma,

surgem os direitos sociais como direitos fundamentais de segunda geração, cuja

primeira Constituição a prevê-los foi promulgada no México em 1917. No entanto,

muitos têm como símbolo dos direitos sociais a Constituição Alemã de 1919,

conhecida como Constituição de Weimar. Acerca dos direitos sociais, Gilmar

Ferreira MENDES tece as seguintes considerações:

Os chamados direitos a prestações materiais recebem o rótulo de direitos a prestação em sentido estrito. Resultam da concepção social do Estado. São tidos como os direitos sociais por excelência. Estão concebidos com o propósito de atenuar desigualdades de fato na sociedade, visando ensejar que a libertação das necessidades aproveite ao gozo da liberdade efetiva por um maior número de indivíduos. O seu objeto consiste numa utilidade concreta (bem ou serviço).

6 Neste sentido, DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria geral dos direitos

fundamentais. São Paulo; Revista dos Tribunais, 2007 e TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional, 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

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Podem ser extraídos exemplos de direitos a prestação material dos direitos sociais enumerados no art. 6º da Constituição – o direito à educação, à saúde, ao trabalho, ao lazer, à segurança, à previdência social, à proteção á maternidade, à infância e o direito dos desamparados à assistência.7

Também sobre os direitos sociais, vale ressaltar os esclarecimentos de José

Afonso da SILVA:

Assim, podemos dizer que os direitos sociais, como dimensão dos direitos fundamentais do homem, são prestações positivas proporcionadas pelo Estado direta ou indiretamente, enunciadas em normas constitucionais, que possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de situações sociais desiguais. São, portanto, direitos que se ligam ao direito de igualdade. Valem como pressupostos do gozo dos direitos individuais na medida em que criam condições materiais mais propícias ao auferimento da igualdade real, o que, por sua vez, proporciona condição mais compatível com o exercício efetivo da liberdade.8

Em momento posterior de conscientização, aflora a terceira geração de

direitos fundamentais, em decorrência de sua expansão, correspondentes aos

direitos de solidariedade, também chamados de direitos difusos. Estes tem como

característica peculiar a titularidade difusa ou coletiva, ou seja, em que os

protagonistas de tais direitos não são analisados sob o prisma individual, mas sob o

ângulo da metaindividualidade, isto é, a titularidade se define por grupo de pessoas

indeterminadas e ligadas por circunstância de fato (interesses ou direitos difusos),

ou por grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas por uma relação jurídica base

(interesses ou direitos coletivos), ambas de natureza indivisível (art. 81, do Código

de Defesa do Consumidor).

Nesse aspecto, bem observa Manoel Gonçalves FERREIRA FILHO:

O último tipo, que somente veio a ser consagrado pela terceira geração, é dos direitos de solidariedade (quando “verdadeiros”). São eles direitos “difusos” que correspondem a interesses metaindividuais, ou seja, relativos a todo um grupo de pessoas. Tais direitos, como assinala Ada Pellegrini Grinover, correspondem a “interesses comuns de uma coletividade de pessoas que não repousam necessariamente sobre uma relação base, sobre um vínculo jurídico bem definido que as congregue”. Nota peculiar desses direitos está em que seu objeto é comum a todo o grupo, de modo que a satisfação do direito de um indivíduo importa na satisfação do direito de todos e a violação do direito de um só é violação do direito de todos.9

7 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo

Gonet. Curso de Direito Constitucional, 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 259. 8 SILVA, José Afonso. Op. Cit., p. 277. 9 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Princípios Fundamentais do Direito

Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 92/93.

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No mesmo sentido, a doutrina de André Ramos TAVARES:

São direitos de terceira dimensão aqueles que se caracterizam pela sua titularidade coletiva ou difusa, como o direito do consumidor e o direito ambiental. Também costumam ser denominados como direitos da solidariedade ou fraternidade. Contudo, há que sublinhar desde logo a dificuldade que enfrentam esses direitos, em nível de proteção jurídica. É que, como sintetiza Dyrceu Aguiar Dias Cintra Jr., “O processo de tradição normativo-positivista, instrumentaliza a despolitização dos conflitos a serviço da manutenção das relações sociais estabelecidas (...) não se presta à abordagem do conflito coletivo, eminentemente político, reivindicatório de mudanças sociais”. Os interesses difusos demandam uma participação intensa do cidadão. E essa participação “é um fenômeno do maior interesse na experiência jurídico-política contemporânea”, nas palavras de Colaço Antunes. Segundo o autor, a participação não é apenas o produto de uma livre opção política, mas o fruto, ou um dos frutos, do capitalismo avançado, e de novos valores, considerados pós-burgueses, tais Omo o interesse pelo meio ambiente, qualidade de vida etc.10

Da análise das três gerações de direitos fundamentais acima descritas,

mencionadas e reconhecidas pela doutrina de maneira geral, verifica-se que o

desenvolvimento destas se deu de maneira paulatina, em observância ao contexto

histórico da respectiva época em que foram concebidas, face às indissociáveis

particularidades sociais, culturais e políticas.

Nessa linha, pode-se afirmar que tais gerações de direitos não são

estanques, ou seja, nada impede que, diante de novas realidades e avanços

político-sociais, sejam desenvolvidos avanços de compreensão que levem ao

reconhecimento de eventuais outras gerações, decorrentes de reivindicações

integradas pela ordem jurídica.

Não obstante, Gilmar Ferreira MENDES tece importantes considerações

acerca das chamadas gerações de direitos fundamentais, esclarecendo o caráter

cumulativo das mesmas no tempo:

Essa distinção entre gerações dos direitos fundamentais e estabelecida apenas com o propósito de situar os diferentes momentos em que esses grupos de direitos surgem como reivindicações acolhidas pela ordem jurídica. Deve-se ter presente, entretanto, que falar em sucessão de gerações não significa dizer que os direitos surgidos num momento tenham sido suplantados por aqueles surgidos em instante seguinte. Os direitos de cada geração persistem válidos juntamente com os direitos da nova geração, ainda que o significado de cada um sofra o influzo das concepções jurídicas e sociais prevalentes nos novos momentos. Assim, um antigo direito pode ter o seu sentido adaptado às novidades constitucionais. Entende-se, pois, que tantos direitos a liberdade não guardem, hoje, o mesmo conteúdo que apresentavam antes de surgirem os direitos de segunda geração,

10 TAVARES, André Ramos. Op. cit., p. 471/472.

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com as suas reivindicações de justiça social, e antes que fossem acolhidos os direitos de terceira geração, como o da proteção ao meio ambiente. Basta que se pense em como evoluiu a compreensão do direito à propriedade, desde a Revolução Francesa até a incorporação às preocupações constitucionais de temas sociais e de proteção do meio ambiente. Os novos direitos não podem ser desprezados quando se trata de definir aqueles direitos tradicionais. (...) A visão dos direitos fundamentais em termos de gerações indica o caráter cumulativo da evolução desses direitos no tempo. Não se deve deixar de situar todos os direitos num contexto de unidade e indivisibilidade. Cada direito de cada geração interage com os das outras e, nesse processo, dá-se à compreensão.11

Postas essas premissas, a doutrina já cogita a quarta dimensão de direitos

fundamentais, na qual se compreendem o direito à democracia, à informação e ao

pluralismo, partindo-se da idéia de globalização política.12

A delimitação do alcance dos direitos de quarta geração, face à recente

admissão, tendo como precursor o Professor Paulo BONAVIDES, não se revela

simples e apresenta-se de maneira extremamente abstrata, vez que caracteriza

como tendência e não se vislumbra a efetiva concretização dos mesmos.

Ao analisar o tema, André Ramos TAVARES aborda a perspectiva de uma

tutela de direitos diferenciada, levando-se em consideração aspectos singulares de

determinados grupos:

No particular, parece mais acertado, para manter a estrita coerência com o critério de identificação das demais dimensões (e a própria idéia de dimensão), falar, na quarta dimensão, de uma diferenciação de tutela quanto a certos grupos sociais, como, por exemplo, as crianças e os adolescentes, a família, os idosos, os afro-descendentes etc. Enquanto os direitos de participação democrática poder-se-iam reconduzir aos clássicos direitos políticos, presentes desde os direitos de primeira dimensão, estes direitos não deixam de ser direitos já existentes, mas que sofrem não um alargamento (extensão) de conteúdo), senão uma diferenciação qualitativa quando aplicados a certos grupos.

Na mesma linha, Gilmar Ferreira MENDES, ao analisar as tendências na

evolução dos direitos humanos, pondera que:

Os direitos fundamentais que, antes, buscavam proteger reivindicações comuns a todos os homens, passaram a, igualmente, proteger seres humanos que se singularizam pela influência de certas situações específicas em que apanhados. Alguns indivíduos, por conta de certas peculiaridades, tornam-se merecedores de atenção especial, exigida pelo princípio do respeito à dignidade humana. Daí a consagração de direitos especiais aos

11 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo

Gonet. Op. cit., p. 234. 12BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional, 18ª ed. São Paulo: Malheiros,

2006, p. 571.

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enfermos, ao deficientes, às crianças, aos idosos... O homem não é mais visto em abstrato, mas na concretude das suas diversas maneiras de ser e de estar na sociedade. Essa tendência à especificação acarreta a multiplicação dos direitos. A especificação leva à necessidade de serem explicitados novos direitos, adequados às particularidades dos seres humanos na vida social. Incrementa-se o quantitativo dos bens tidos como merecedores de proteção.

No ordenamento jurídico brasileiro, as políticas de tratamento diferenciado

de alguns dos grupos citados acima encontram previsão em lei positivada, como, por

exemplo, o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990), que consagra

a doutrina da proteção integral, o Estatuto do Idoso (10.741/2003), além da política

de cotas para inclusão de afro-descendentes nas universidades públicas13.

Em que pese tais avanços democráticos, coloca-se a problemática, no

mundo empírico, de falta de efetivação da tutela diferenciada a tais grupos de

pessoas, o que demanda, além de maiores estudos e discussões acerca de tais

direitos como direitos fundamentais de quarta dimensão, a formulação e

implementação de políticas públicas para concretização deste tipo diferenciado de

tutela.

Não obstante a problemática da efetivação dos direitos fundamentais da

pessoa humana, que é constante, desde as primeiras declarações de direitos

modernas, há uma nítida tendência da chamada constitucionalização dos direitos

humanos, face às discussões sobre o valor positivos das declarações internacionais,

e até mesmo sobre o caráter jurídico das mesmas14. Além disso, “as ordens internas

possuem mecanismos de implementação mais céleres e eficazes do que a ordem

internacional”15, como registra Gilmar Ferreira MENDES.

Com efeito, a inserção expressa dos direitos fundamentais nas Constituições

do pós-guerra é uma tendência em diversos países, principalmente no continente

13 A propósito do tema, cumpre registrar a realização de recentes audiências públicas no

Supremo Tribunal Federal, para discussão do tema com a sociedade civil, iniciativa louvável daquela Corte por possibilitar a oitiva dos mais variados pontos de vista de diversos segmentos, o que possibilita o enriquecimento do debate, de maneira democrática. Maiores informações no site http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=processoAudienciaPublicaAcaoAfirmativa, acessado em 08.04.2010.

14TAVARES, André Ramos. Op. cit., p. 521/522. 15MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo

Gonet. Op. cit., p. 245.

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europeu, como necessidade de afirmação dos direitos fundamentais face às

barbáries cometidas durante a Segunda Guerra Mundial.16

No Brasil, com a promulgação da Constituição de 1988, após o conturbado

período de ditadura militar, ficou instituído o Estado Democrático de Direito, tendo

como fundamento central a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), e como

objetivos, previstos no art. 3º, “construir uma sociedade livre, justa e solidária (inciso

I), garantir o desenvolvimento nacional” (inciso II), “erradicar a pobreza e a

marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais” (inciso III) e

“promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e

quaisquer outras formas de discriminação” (inciso IV).

Nessa linha, a Carta da República prevê expressamente direitos e garantias

fundamentais, como resultado de significativo do avanço decorrente desse processo

de democratização no Brasil. Sobre esse contexto, as ponderações de Flávia

PIOVESAN:

Preliminarmente, cabe considerar que a Carta de 1988, como marco jurídico de transição ao regime democrático, alargou significativamente o campo dos direitos e garantias fundamentais, colocando-se entre as Constituições mais avançadas do mundo no que diz respeito à matéria. Desde o seu preâmbulo, a Carta de 1988 projeta a construção de um Estado Democrático de Direito, “destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça, como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos (...)”. Se, no entender de José Joaquim Gomes Canotilho, a juridicidade, a constitucionalidade e os direitos fundamentais são as três dimensões fundamentais do princípio do Estado de Direito, perceber-se-á que o Texto consagra amplamente essas dimensões, ao afirmar que, em seus primeiros artigos (arts. 1º e 3º), princípios que consagram os fundamentos e os objetivos do Estado Democrático de Direito brasileiro. Dentre os fundamentos que alicerçam o Estado Democrático de Direito brasileiro destacam-se a cidadania e a dignidade da pessoa humana (art. 1º, incisos II e III). Vê-se aqui o encontro do princípio do Estado Democrático de Direito e dos direitos fundamentais, fazendo-se claro que os direitos fundamentais são um elemento básico para a realização do princípio democrático, tendo em vista que exercem uma função democratizadora.17

A constitucionalização dos direitos fundamentais evidencia-se, ainda, com a

recente novidade implementada pela Emenda nº 45/2004, a qual acrescentou o § 3º

ao art. 5º da Carta da República, dispondo que “os tratados e convenções

internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do

16 PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional, 7ª ed.

São Paulo: Saraiva, 2006, p. 29. 17 Ibidem, p. 25/27.

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18

Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos

membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.”

2.2 Conceito

As dificuldades em delimitar um conceito aos direitos fundamentais são

muitas, tendo em vista a diversidade de direitos e sucessivas ampliações dos

mesmos, em decorrência da evolução da sociedade, dificuldade esta acentuada

ainda mais pelas inúmeras expressões utilizadas para designá-los.18

No tocante à terminologia, a doutrina distingue direitos humanos de direitos

fundamentais levando-se em consideração que aqueles se referem à documentos

internacionais, enquanto estes estão inscritos em diplomas normativos de cada

Estado.19 André Ramos TAVARES, citando Celso Albuquerque MELLO, anota que:

Muitas têm sido as expressões utilizadas para denominar uma mesma realidade, no caso, a referente aos direitos fundamentais do Homem. Sobre esse aspecto, Celso Albuquerque Mello indica ao menos uma das razões da confusão: “Na verdade, a imprecisão terminológica não é uma característica do Direito Internacional dos Direitos do Homem, mas do Direito Internacional Geral que para obter uma aceitação necessita de uma imprecisão ou ambigüidade (sic). Esta é, muitas vezes, desejada, como ocorre nos direitos do homem”. Não se deve olvidar, ainda, que os direitos humanos possuam forte carga emotiva, o que favorece enormemente a ambiguidade e contradições na própria determinação do conteúdo que se aloja em cada um desses designativos. Assim é que são indistintamente empregadas as seguintes expressões: direitos naturais, direitos humanos, direitos do homem, direitos individuais, direitos públicos subjetivos,liberdades fundamentais, liberdades pública e direitos fundamentais do homem. (...) Entretanto, é preciso advertir desde logo que muitas dessas expressões apresentam significados não coincidentes, e por isso está a merecer uma abordagem mais técnica a questão da designação desse conjunto de direitos mundialmente conhecidos.20

Tendo em vista tais dificuldades em atribuir conceito aos direitos

fundamentais, José Afonso da SILVA tem preferência pela expressão “direitos

fundamentais do homem”, pois entende que:

[...] além de referir-se a princípios que resumem a concepção do mundo e informam a ideologia política de cada ordenamento jurídico, é reservada para designar, no nível do direito positivo, aquelas prerrogativas e instituições que ele concretiza em garantias de uma

18SILVA, José Afonso da. Curso ..., p. 174. 19 Neste sentido: SILVA, José Afonso, Op. cit., p. 174; MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO,

Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Op. cit., p. 244; TAVARES, André Ramos. Op. Cit.; COMPARATO, Fábio Konder. Op. cit.

20 TAVARES, André Ramos. Op. cit., p. 460-461.

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convivência digna, livre e igual de todas as pessoas. No qualificativo fundamentais acha-se a indicação de que se trata de situações jurídicas sem as quais a pessoa humana não se realiza, não convive e, às vezes, nem mesmo sobrevive; fundamentais do homem no sentido de que a todos, por igual, devem ser, não apenas formalmente reconhecidos, mas concreta e materialmente efetivados. Do homem, não como o macho da espécie, mas no sentido da pessoa humana. Direitos fundamentais do homem significa direitos fundamentais da pessoa humana ou direitos humanos fundamentais. É com esse conteúdo que a expressão direitos fundamentais encabeça o Título II da Constituição, que se completa, como direitos fundamentais da pessoa humana, expressamente no art. 17.

2.3 Classificação

A tentativa de classificação dos direitos fundamentais, visando sua melhor

compreensão e alcance, se dá em decorrência das várias funções que estes

desempenham no meio social, como corolários do Estado Democrático de Direito,

em que se irradiam reflexos múltiplos.

Da análise dos direitos fundamentais, observa-se, em sua evolução

histórica, que estes se desenvolveram a partir das relações do indivíduo face ao

Estado. Nesse cenário, destaca-se, num primeiro momento, a preocupação na

preservação das liberdades individuais. Na sequencia, a necessidade de prestações

positivas por parte do Estado, com vistas a efetivação dos direitos sociais e, em

momento posterior, o reconhecimento dos direitos difusos, correspondentes à

interesses metaindividuais, relativos a um grupo de pessoas.

A partir disso, dentre as várias tentativas de classificação dos direitos

fundamentais, ganha especial relevo a teoria dos quatro status de Jellinek,

elaborada no final do século XIX, utilizada largamente pela doutrina até os dias de

hoje, vez que mantém atualidade.

O primeiro traço dessa classificação observa a situação de subordinação do

sujeito aos Poderes Públicos (status subjectionis), ou seja, aquele tem deveres para

com o Estado face à mandamentos e proibições, o que caracteriza o status

passivo.21

Sob outro prisma, levando-se em consideração a esfera de liberdade do

indivíduo, partindo-se da premissa de que os homens são livres, vislumbra-se o

dever de abstenção do Estado (status negativo), ou seja, este pode ser obrigado a

21 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo

Gonet. Op. cit., p. 255.

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abster-se de atuar, restringindo-se suas possibilidades de interferência face ao

sujeito, gerando, assim, a imposição de deixar de fazer.

Como bem sintetiza Dimitri DIMOULIS:

A essência do direito está na proibição imediata de interferência imposta ao Estado. Trata-se de um direito negativo, pois gera a obrigação negativa endereçada ao Estado de deixar de fazer algo. Trata-se de uma obrigação de abster-se da intervenção na esfera de liberdade garantida pela Constituição (imperativo de omissão - Unterlassungsgebot). O termo que melhor qualifica essa categoria de direitos é o termo “pretensão de resistência à intervenção estatal” e de forma abreviada, “direito de resistência”. Com isso, traduz-se a designação desses direitos feita na doutrina constitucional alemã pelo termo Abwehrrechte.22

Aqui se situam os direitos fundamentais de primeira geração, reconhecidos

pelas primeiras declarações de direitos no final do Século XVIII, período em que se

preocupava em preservar as liberdades humanas em face do arbítrio estatal.

Ao contrário dos direitos de abstenção do Estado, reconhece-se ao indivíduo

o direito a prestações positivas por parte do Poderes Públicos (status positivus ou

status civitatis), de maneira a satisfazer as necessidades da pessoa como meio de

inclusão social, minimizando as desigualdades. Tais prestações podem ser jurídicas,

em que se reconhece o dever do Estado em “criar normas jurídicas que tutelam

interesses individuais”23, ou seja, “o objeto do direito será a normação pelo Estado

do bem jurídico protegido como direito fundamental”24, ou podem ser materiais,

traduzidos numa utilidade concreta pelo indivíduo, como bens e serviços,

implementados visando a igualdade social, observado, sempre, a dignidade da

pessoa humana como pilar dos direitos fundamentais e fundamento da República

Federativa do Brasil, que se constitui em Estado Democrático de Direito (art. 1º,

caput e inc. III, da Constituição Federal).

Aqui se situam os chamados direitos sociais, que merecerão especial

atenção no presente estudo, principalmente face à atual conjuntura em que estamos

inseridos, que revela grande parte da população à margem de prestações materiais

22 DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Op. cit., p. 65. 23 Ibidem, p. 67. 24MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo

Gonet. Op. cit., p. 258.

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básicas por parte do Estado, como as enunciadas no art. 6º, da Carta da República,

em especial educação, saúde, trabalho, moradia, segurança e previdência social.25

Por fim, o quarto status cogitado por Jellinek é denominado ativo, ou de

participação, situados ao lado dos direitos de defesa e direitos de prestação. Aqui se

inserem os direitos políticos, reconhecendo-se aos indivíduos a possibilidade de

participação na esfera de funcionamento do Estado, pelo sufrágio universal, com a

possibilidade de escolha dos representantes políticos ou de ser eleito para o

mandato popular, bem como “de participar diretamente na formação da vontade

política (referendo, participação em partidos políticos)”26.

2.4 Principais características

2.4.1 Universalidade

O primeiro traço característico dos direitos fundamentais é denominado de

universalidade, que traduz a idéia de que todas as pessoas, indistintamente, detém

sua titularidade.27 A condição de ser humano é suficiente à titularidade dos direitos

fundamentais, ou seja, são inerentes à toda pessoa humana, independentemente de

raça, sexo, religião, nacionalidade etc.

2.4.2 Inalienabilidade/indisponibilidade

Outra característica inerente aos direitos fundamentais é a inalienabilidade e

indisponibilidade, ou seja, a impossibilidade de o titular praticar atos que impliquem

em disposição dos mesmos, seja jurídica ou material.

Conforme observa MENDES, “a inalienabilidade traz uma conseqüência

importante – a de deixar claro que a preterição de um direito fundamental não estará

sempre justificada pelo mero fato de o titular do direito nela consentir.”28

25 Tais aspectos estão melhor desenvolvidos no decorrer no presente trabalho. 26DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Op. cit., p. 68. 27MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo

Gonet. Op. cit., p. 240. 28 Ibidem, p. 242.

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22

Nas palavras de José Afonso da SILVA, os direitos fundamentais “são

direitos intransferíveis, inegociáveis, porque não são de conteúdo econômico-

patrimonial. Se a ordem constitucional os confere a todos, deles não se pode

desfazer, porque são indisponíveis.”29

2.4.3 Aplicabilidade imediata

Aspecto de elevada importância diz respeito à aplicabilidade dos direitos

essenciais ou fundamentais postos na Constituição, caracterizada pela preocupação

de garantir a máxima efetividade das disposições constitucionais decorrente de sua

força normativa, independentemente de atuação do legislador para atribuir-lhes

eficácia.

Nas lúcidas palavras de Gilmar Ferreira MENDES:

Verifica-se marcado zelo nos sistemas jurídicos democráticos em evitar que as posições afirmadas como essenciais da pessoa quedem como letra morta ou que só ganhem eficácia a partir da atuação do legislador. Essa preocupação liga-se à necessidade de superar, em definitivo, a concepção do Estado de Direito formal, em que os direitos fundamentais somente ganham expressão quando regulados por lei, como o que se expõem ao esvaziamento de conteúdo pela atuação ou inação do legislador.30

Dessa forma, vislumbra-se que a Constituição brasileira seguiu a tendência

de prever expressamente o princípio da aplicabilidade imediata no § 1º do art. 5º, o

qual dispõe que “as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm

aplicação imediata.”

Significa dizer, em outras palavras, que as normas definidoras de direitos

fundamentais não são de caráter meramente programáticos, ou seja, meramente

definidoras de objetivos dependentes da posterior atuação do legislador, mas sim

incidem e regulam diretamente as relações jurídicas.31

Entretanto, reconhece-se que a existência de algumas normas relativas à

direitos fundamentais que não são auto-aplicáveis, estando condicionada à

29SILVA, José Afonso da. Curso ..., p. 179. 30 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo

Gonet. Op. cit.,, p. 251. 31 Idem, p. 251.

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complementação pelo legislador. Luís Roberto BARROSO, com muita acuidade,

observa que:

Ainda quando se afigure pouco lógica a existência de uma regra afirmando que as normas constitucionais são aplicáveis, parece bem a sua inclusão no Texto, diante de uma prática que reiteradamente nega tal evidência. Por certo, a competência para aplicá-las, se descumpridas por seus destinatários, há de ser do Poder Judiciário. E mais: a ausência de lei integradora, quando não inviabilize integralmente a aplicação do preceito constitucional, não é empecilho à sua concretização pelo juiz, mesmo à luz do direito positivo vigente, consoante se extrai do art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil: “Art. 4º. Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito.”32

2.4.4 Vinculação dos Poderes Públicos

Um dos aspectos característicos que assumem maior relevância no tocante

aos direitos fundamentais é a vinculação dos Poderes Públicos, tendo em vista que

constituem parâmetros de organização e de limitação dos poderes constituídos, de

envergadura constitucional, sendo que, como pondera MENDES, “os atos dos

poderes constituídos devem conformidade aos direitos fundamentais e se expõem à

invalidade se os desprezarem.”33

Dentro da vinculação do Poder Legislativo, destaca-se que os direitos

fundamentais integram as chamadas cláusulas pétreas, submetendo o poder de

reforma da Constituição, pelo qual ficam vedadas emendas tendentes a abolir

direitos e garantias individuais.

Ademais, o legislador, na delicada atividade ao restringir determinados

direitos fundamentais, deve observar o núcleo essencial, que se traduz no conteúdo

mínimo do direito, insuscetível de ser violado.34

Nessa linha, a teoria absoluta relativa ao núcleo essencial entende que este

seria intangível, mesmo em hipóteses abstratas, ou seja, independentemente de

32 BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas:

limites e possibilidade da Constituição brasileira, 9ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 139/140.

33MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Op. cit., p. 245.

34 BARROS, Suzana de Toledo. O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais, 3ª ed. Brasília: Brasília Juridi, 2003, p. 102.

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24

situações concretas. Assim, admitir-se-ia um espaço insuscetível de regulação pelo

legislador, como “limite do limite”.35

Já a teoria relativa no âmbito de proteção do núcleo essencial dos direitos

fundamentais pontifica que a definição e os contornos do mesmo somente seria

viável caso a caso, diante de circunstâncias concretas, com base no princípio da

proporcionalidade.

Acerca do tema, Suzana de Toledo BARROS entende que:

O debate dos teóricos é de grande relevância, porque tem como pano de fundo o reforço à idéia de fundamentabilidade de alguns direitos. Contudo, uma teoria não elimina a outra; antes, a conciliação entre as teorias nominadas de absolutas e relativas sinaliza avanço na interpretação dos direitos fundamentais. Para não se permitir o relativismo constante do conteúdo desses direitos – o que poderia gerar uma ineliminável distorção de fins contrária à idéia de proteção – é necessário julgar as razões das restrições a partir de um dado previamente fixo (conteúdo essencial), embora se deve valorizar uma solução que, prestigiando a concordância prática entre os vários bens concorrentes, possa definir limites mais elásticos aos direitos (mais além ou mais aquém daquilo que teoricamente se poderia prever como limite absoluto), dada a situação apresentada.36

Já no tocante ao Poder Executivo, este, igualmente, está vinculado aos

direitos fundamentais, sendo nulos os atos ofensivos a esses direitos. A

Administração, que compreende as pessoas jurídicas de direitos privado que

disponham de serviços públicos, deve, portanto, aplicar as leis de acordo com os

direitos fundamentais.37

Por fim, conclui-se estar também o Poder Judiciário submetido aos direitos

fundamentais, mormente pela sua incumbência de controle dos atos dos demais

Poderes, seja aplicando tais direitos com a máxima efetividade e observada a força

normativa da Constituição, seja abstendo-se de aplicar dispositivos conflitantes com

este sistema de direitos, ressaltando-se, ainda, a indispensável observância das

garantias processuais fundamentais das partes ou litigantes no processo

propriamente dito.

35MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo

Gonet. Op. cit., p. 316/317. 36 BARROS, Suzana de Toledo. Op. cit., p. 104. 37MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo

Gonet. Op. cit., p. 247.

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25

2.5 Os direitos sociais

Da análise do breve retrospecto histórico dos direitos fundamentais,

verificou-se que os direitos sociais surgiram no contexto pós revolução industrial,

período marcado pelo desemprego em massa em decorrência da substituição do

homem pela máquina, o que gerou, consequentemente, situação de miséria para

alguns setores da sociedade. Surgem reivindicações para prestações positivas pelo

Estado, para possibilitar o mínimo de condições materiais para o exercício de seus

direitos e como meio de diminuir as desigualdades sociais.

José Afonso da SILVA, ao conceituar os direitos sociais, considera que:

Assim, podemos dizer que os direitos sociais, como dimensão dos direitos fundamentais do homem, são prestações positivas proporcionadas pelo Estado direita ou indiretamente, enunciadas em normas constitucionais, que possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de situações sociais desiguais. São, portanto, direitos que se ligam ao direito de igualdade. Valem como pressupostos do gozo dos direitos individuais na medida em que criam condições materiais mais propícias ao auferimento da igualdade real, o que, por sua vez, proporciona condição mais compatível com o exercício efetivo da liberdade.38

Dessa forma, com o advento do Estado Social, reconhecem-se os direitos

fundamentais sociais, como dever do Estado em proporcionar prestações materiais

aos indivíduos e meio de implementar a igualdade material, que encontra

fundamento no princípio da dignidade da pessoa humana, como já abordado acima.

Dentre os direitos fundamentais sociais previstos na Carta da República,

passa-se à sucinta análise dos que assumem maior relevância com o objeto do

presente estudo, cuja implementação é frequentemente pleiteados judicialmente por

meio da ação civil pública, observado, sempre, o destaque da atuação do Ministério

Público, por conta de suas atribuições e garantias constitucionais.

2.5.1 Educação

O direito fundamental à educação está previsto no art. 6º da Carta da

República, bem como em seu art. 205, que dispõe: “a educação, direito de todos e

dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da

38SILVA, José Afonso da. Curso ..., p. 277.

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sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o

exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.”

Nos dispositivos subsequentes, estão previstas normas e diretrizes gerais

para a educação, inclusive com a previsão mínima de aplicação mínima das receitas

provenientes de impostos, voltadas à implementação deste direito (art. 212), e os

objetivos a serem seguidos pelo plano nacional de educação (art. 214), quais sejam,

“a erradicação do analfabetismo” (inciso I), a “universabilização do atendimento

escolar” (inciso II), a “melhoria da qualidade do ensino” (inciso III), a “formação para

o trabalho” (inciso IV) e a “promoção humanística, científica e tecnológica do País”

(inciso V).

Dentre a legislação infraconstitucional, destacam-se a Lei 8.069/1990

(Estatuto da Criança e do Adolescente), Lei 9.394/1996 (Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional); Lei 10.172/2001 (Lei do Plano Nacional da Educação) e Lei

11.494/2007 (Lei do Fundeb).

Entretanto, em que pese a legislação regular de maneira satisfatória o direito

à educação, a realidade social nos permite afirmar que sua implementação não se

dá como deveria.

Com efeito, a efetivação desse direito fundamental depende de prestações

materiais mínimas por parte do Estado, como já visto, o que somente pode ser

alcançado de maneira satisfatória por meio de políticas públicas adequadas e

verdadeiramente comprometidas com tão nobre finalidade, bem como ao

cumprimento das já previstas no orçamento público, de maneira que os recursos não

sejam desviados e aplicados em questões estranhas, sob pena de frustração das

disposições constitucionais.

Verificada a omissão total ou parcial dos Poderes Públicos nesses aspectos,

está o agente ministerial legitimado a propor ação civil pública visando a proteção e

efetivação do direito fundamental social à educação.

2.5.2 Saúde

O aspecto da saúde pública assume especial relevância dentro do contexto

atual da sociedade na qual estamos inseridos, uma vez que o direito fundamental à

saúde é inerente à própria condição de existência do ser humano.

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Assim, a Constituição Federal contempla o direito à saúde no rol dos direitos

sociais previstos no art. 6º, e, dentro do Capítulo II, do Título VIII, estabelece, em

seu art. 196, que “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante

políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros

agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção,

proteção e recuperação.”

A Carta da República, nos dispositivos subsequentes, trata da matéria,

traçando linhas gerais em que se reconhece que cabe ao Poder Público

regulamentar, fiscalizar e controlar os serviços de saúde (art. 197), além de fixar

suas diretrizes gerais (art. 198), inclusive estabelecendo a aplicação de recursos

mínimos de maneira vinculada em tais serviços públicos de saúde.

Dentre a legislação infraconstitucional aplicável, destacam-se: Lei

8.080/1990 (Lei Orgânica da Saúde), Lei 8.142/1990, Lei 8.078/1990 (Código de

Defesa do Consumidor), Lei 11.107/2005, Lei 9.790/1999 e Lei Complementar

Estadual nº 82/1998.

Com efeito, a implementação do direito à saúde depende de políticas

públicas, visando a inclusão em orçamento público de verbas suficientes à garantia

de efetivação deste direito fundamental, de maneira satisfatória e com alcance à

todas as pessoas, especialmente aos mais carentes, que não dispõem de recursos

financeiros suficientes para obter, perante a rede particular, o atendimento médico

completo a que faz jus.

Dessa forma, o Estado deve privilegiar, no orçamento público, os recursos

para implementação de políticas públicas visando a garantia e efetividade dos

direitos fundamentais sociais.

Caracterizada a omissão total ou parcial do Poder Público em formular

Políticas Públicas ou implementar as já existentes, tal omissão figura-se

inconstitucional, passível de controle pelo Poder Judiciário, por meio de diversos

instrumentos processuais, dentre os quais se destaca a ação civil pública, tendo o

Ministério Público como principal legitimado ativo.

Nesse ponto, cabe salientar o crescente ajuizamento de demandas com tal

desiderato, tema que ocupa posição de destaque nas discussões doutrinárias e

jurisprudenciais, o que levou, inclusive, o Conselho Nacional de Justiça a editar a

Recomendação nº 31, a qual “recomenda aos Tribunais a adoção de medidas

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visando a melhor subsidiar os magistrados e demais operadores do direito, para

assegurar maior eficiência na solução das demandas judiciais envolvendo a

assistência à saúde”.39

Por fim, o direito à saúde, como direito individual indisponível, justifica a

legitimidade do Ministério Público para pleitear sua proteção, seja na via

extrajudicial, seja na via judicial.

2.5.3 Moradia

O direito à moradia, no plano internacional, já encontrava previsão expressa

na Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU, de 1948, em cujo art. XXV

dispunha que:

todos têm direito ao repouso e ao lazer, bem como a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos, e serviços sociais indispensáveis, o direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice, ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle.

Com efeito, o direito à moradia é reconhecido dentro da ordem jurídica

internacional por diversas declarações e convenções, sendo incorporada

expressamente no rol dos direitos sociais previstos no art. 6º da Constituição Federal

pela Emenda nº 26, do ano de 2000.

Apesar de o direito à moradia ter recente status constitucional, de maneira

expressa, da interpretação do princípio da dignidade da pessoa humana era possível

se extrair tal direito, uma vez que não se concebe a concretização desse princípio

sem as condições mínimas de habitação.

Nesse sentido, afirma Ingo Wolfgang SARLET:

Além disso, sempre haveria como reconhecer um direito fundamental à moradia como decorrência do princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III, da Constituição Federal), já que este reclama, na sua dimensão positiva, a satisfação das necessidades existenciais básicas para uma vida com dignidade, podendo servir até mesmo como fundamento direto e autônomo para o reconhecimento de direitos fundamentais não expressamente positivados, mas inequivocamente destinados à proteção da dignidade e do assim chamado mínimo existencial. Neste contexto, vale sempre lembrar exemplo

39 Disponível em:

http://www.cnj.jus.br/images/stories/docs_cnj/recomendacoes/reccnj_31.pdf. Acesso em 22.04.2010.

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garimpado do direito comparado, designadamente da jurisprudência francesa, de onde extraímos importante aresto do Conselho Constitucional (Decisão nº 94-359, de 19.01.95), reconhecendo que a possibilidade de toda pessoa dispor de um alojamento decente constitui um valor de matriz constitucional, diretamente fundado na dignidade da pessoa humana, isto mesmo sem que houvesse previsão expressa na ordem constitucional. Por outro lado, por força do art. 5º, parágrafo 2º, da nossa Constituição, tendo em conta ser o Brasil signatário dos principais tratados internacionais em matéria de direitos humanos, notadamente (e isto por si só já bastaria) do Pacto Internacional dos Direitos Sociais, Econômicos e Culturais de 1966, já formalmente incorporado ao direito interno, e partindo-se da premissa largamente difundida pela melhor doutrina (embora repudiada pelo nosso Supremo Tribunal Federal, que, a despeito de já avançando na matéria, reconhece apenas uma hierarquia supralegal dos tratados de direitos humanos) da hierarquia constitucional destes tratados, poder-se-á sustentar que o direito à moradia já era até mesmo expressamente consagrado na nossa ordem interna, pelo menos na condição de materialmente fundamental. De qualquer modo, com a recente inclusão no rol dos direitos fundamentais sociais, a possível controvérsia quanto ao reconhecimento inequívoco no plano constitucional de um direito à moradia resta superada. Se o direito à moradia, pelos motivos já apontados, não chega a ser propriamente um “novo direito” na nossa ordem jurídico-constitucional, por certo a sua expressa positivação, ainda mais no mesmo plano dos demais direitos sociais básicos nominados no art. 6, da CF, lhe imprime uma especial significação, além de colocar novas dimensões e perspectivas no que diz com a sua eficácia e efetividade, pressupondo-se, à evidência, uma concepção de Constituição que, mesmo reconhecendo – com Luís Roberto Barroso – que o direito (e também o direito constitucional) não deve normatizar o inalcançável12 – nem por isso deixa de assegurar a aplicabilidade imediata das normas definidoras de direitos e garantias fundamentais.40

Importante observar, ainda, que o direito fundamental à moradia merece

tutela e efetivação seja sob o aspecto positivo, em que o Estado é incumbido de

propiciar aos indivíduos estruturas hábeis à efetivação de tais direitos, mediante

adequadas políticas públicas, seja sob o prisma negativo, que implica no direito de

defesa do direito à moradia, exercitável contra o Estado e particulares.41

2.5.4 Alimentação

O direito fundamental à alimentação foi incluído no rol dos direitos sociais

previstos art. 6º da Carta da República por meio da promulgação, em 11 de fevereiro

de 2010, da Proposta de Emenda Constitucional 47/2003, em clara tendência de

“constitucionalização” dos direitos humanos.

Em que pese esta recente conquista, antes mesmo da previsão expressa do

direito à alimentação como direito fundamental social, já era possível extrair tal

40 SARLET, Ingo Wolfgang. O direito fundamental à moradia aos vinte anos da

Constituição Federal de 1988: notas a respeito da evolução em matéria jurisprudencial, com destaque para a atuação do Supremo Tribunal Federal. Disponível em: http://www.opet.com.br/revista/direito/primeira_edicao/artigo_Ingo_Wolfgang_Sarlet_o_direito.pdf. Acesso em: 22.04.2010 41 Ibidem.

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constatação a partir de uma interpretação sistemática e teleológica da Carta da

República, notadamente a partir do princípio da dignidade da pessoa humana (art.

1º, III), da erradicação da pobreza como objetivo fundamental da República (art. 3º,

III), da alimentação como condição elementar e indissociável ao direito à vida (art.

5º, caput), bem como do salário mínimo como direito dos trabalhadores, que deve

atender as necessidades vitais básicas de alimentação (art. 7º, IV) e, por fim, da

proteção integral à criança e ao adolescente, tendo a alimentação destes como

prioridade e dever da família, da sociedade e do Estado em assegurá-los (art.

227).42

Dessa forma, o reconhecimento expresso do direito à alimentação como

direito fundamental revela-se positivo e fomenta a implementação de políticas

públicas com vistas a garantir o mínimo necessário ao individuo, bem como o uso e

aperfeiçoamento de técnicas de produção sustentáveis.

2.6 Políticas Públicas

2.6.1 Aspectos conceituais

A abordagem do tema designado como Políticas Públicas revela-se

indispensável, na medida em que não há como proceder ao estudo dos direitos

fundamentais, em especial, dos direitos sociais, considerando-se que tais questões

estão umbilicalmente ligadas, uma vez que, como veremos, são o principal

instrumento para a sua efetivação pelos Poderes Públicos.

Com efeito, estabelecer um conceito preciso de políticas públicas “não é

tarefa fácil”, como pondera Américo Bedê FREIRE JÚNIOR, o qual expressa que, de

um modo geral, “a expressão pretende significar um conjunto ou uma medida

42 LOPES, Ana Maria D’Ávila; CHEHAB, Isabelle Maria Campos Vasconcelos. A

implementação do direito fundamental à alimentação adequada no estado democrático de direito brasileiro. Disponível em http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/index.php/buscalegis/article/viewFile/32426/31642. Acesso em 11.03.2010.

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isolada praticada pelo Estado com o desiderato de dar efetividade aos direitos

fundamentais ou ao Estado Democrático de Direito.”43

Nessa perspectiva, Eduardo CAMBI e Leonardo Augusto GONÇALVES

entendem que:

As políticas públicas podem ser conceituadas com instrumentos de execução de programas políticos, baseados na intervenção estatal na sociedade, tendo como finalidade garantir igualdade de oportunidades aos indivíduos e por objetivo assegurar as condições materiais de uma existência digna a todos. Por um outro enfoque, de natureza complementar, as políticas públicas podem ser compreendidas como as margens de decisão política voltadas a viabilizar as demandas sociais.44

Semelhante a lição de Rodolfo de Camargo MANCUSO, o qual integra ao

conceito a possibilidade de sujeição das políticas públicas ao controle jurisdicional:

No atual estágio de prospecção doutrinária e jurisprudencial sobre o tema, pensamos que a política pública pode ser considerada como a conduta comissiva ou omissiva da Administração Pública, em sentido largo, voltada à consecução de programa ou meta previstos em norma constitucional ou legal, sujeitando-se ao controle jurisdicional amplo e exauriente, especialmente no tocante à eficiência dos meios empregados e à avaliação dos resultados alcançados.45

Isto posto, pode-se afirmar que tais aspectos conceituais traduzem a idéia

de políticas públicas como comportamento Estatal, omissivo ou comissivo, voltado à

consecução e implementação das diretrizes constitucionais e legais, com o objetivo

de conferir-lhes efetividade e assegurar as mínimas condições materiais de

existência digna a todos, como garantia de igualdade, o que se submete ao controle

jurisdicional.

2.6.2 Problemática

As questões relativas às políticas públicas são de extrema relevância no

cenário atual, visto que, não obstante os direitos fundamentais, com vínculo

indissociável com a dignidade da pessoa humana, estarem expressamente previstos

43 FREIRE JÚNIOR, Américo Bedê. O controle judicial de políticas públicas. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2005, p. 47. 44 CAMBI, Eduardo; GONÇALVES, Leonardo Augusto. Ministério Público Social. Revista

de processo, São Paulo, n. 177, p. 209-231, Nov/2009. 45 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. A ação civil pública como instrumento de controle

judicial das chamadas políticas públicas. In: MILARÉ, Edis (Coord.). Ação Civil Pública: lei 7.347/1985 - 15 anos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 753-798.

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na Carta da República, a realidade nos apresenta um sem número de pessoas que,

lamentavelmente, estão esquecidas pelo Estado, em situação de penúria, perdendo

sua dignidade e sem perspectiva de vida ou de mudança de sua triste realidade.

A Constituição de 1988, chamada de cidadã, já em seu preâmbulo manifesta

a perspectiva de uma República fundada em um Estado Democrático de Direito,

“destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a

segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores

supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na

harmonia social, tendo como fundamentos” (art. 1º), dentre outros, a “cidadania

“(inciso II) e “a dignidade da pessoa humana” (inciso III), e como “objetivos” (art. 3º)

“construir uma sociedade livre, justa e solidária” (inciso I), “erradicar a pobreza e a

marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais” (inciso II), e

“promover o bem de todos” (inciso IV).

Passados mais de vinte anos de sua promulgação, após conturbado período

ditatorial, marcado pela supressão dos direitos fundamentais, notadamente da

liberdade de ir e vir e de expressão, vislumbram-se grandes avanços na

consolidação de uma democracia, principalmente no âmbito das liberdades públicas

(direitos fundamentais de primeira dimensão), que exigem a abstenção de

interferência do Estado na esfera de liberdades individuais do indivíduo.

Nessa linha, Luís Roberto BARROSO aponta alguns avanços:

Em inúmeras áreas, a Constituição de 1988 consolidou ou ajudou a promover avanços dignos de nota. No plano dos direitos fundamentais, a despeito da subsistência de deficiências graves em múltiplas áreas, é possível contabilizar realizações. A centralidade da dignidade da pessoa humana se impôs em setores diversos. Para que não se caia em um mundo de fantasia, faça-se o registro indispensável de que uma idéia leva um tempo razoável entre o momento em que conquista corações e mentes até se tornar uma realidade concreta. Ainda assim, no âmbito dos direitos individuais, as liberdades públicas, com as de expressão, reunião, associação e direitos como o devido processo legal e a presunção de inocência incorporam-se com naturalidade à paisagem política e jurídica do país. É certo que não ainda para todos.46

Não obstante, a Carta Magna trouxe a promessa de inclusão social dos mais

pobres, com esteio central na dignidade da pessoa humana e no princípio da

igualdade, acolhendo, dessa forma, a garantia do mínimo social, em busca de um

46BARROSO, Luís Roberto. Op. cit., p. 335.

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grau mínimo de efetividade das prestações positivas consistentes em prestações

materiais às pessoas, notadamente aos mais carentes.47

Clémerson Merlin CLÉVE, em artigo intitulado “Constituição da Esperança”,

considera que:

Nesse campo, há ainda muito por fazer. Mas não se pode negar a bondade do quadro normativo e institucional. A Constituição é aliada nessa tarefa, e não inimiga. Duas décadas depois da promulgação da Constituição, entretanto, nos deparamos ainda com uma enorme distância entre a normatividade e a realidade constitucionais, entre as promessas do Constituinte e a dureza da vida cotidiana. A tarefa a cumprir nos próximos anos envolve superação progressiva da distância entre a idealidade e a concretude, a promessa e a realização, a norma e a experiência vital. Daí a necessidade de políticas públicas, da ação legislativa do Congresso, da atuação do Executivo como amigo da Constituição e das demandas de grande parcela da população que, com a bandeira da Constituição, e não vociferando contra ela, pretende superar sua triste condição, ainda contaminada pela precariedade, pela dependência e pela insuficiência. É nesse contexto que muitas vezes se compreende (mas não se justifica) a impaciência do Judiciário com a omissão desidiosa do Executivo ou do Legislativo. Falta muito a fazer. Duas décadas são um tempo considerável quando se fala de nossa história constitucional. Mas, cuida-se de um tempo ainda curto para as acomodações que só o tempo será capaz de proporcionar.48

Diante desse quadro, surge a problemática das Políticas Públicas, nas quais,

muitas vezes, o Estado deixa de realizar uma política orçamentária planejada e

voltada prioritariamente à efetivação dos direitos fundamentais. Em muitos casos,

ainda, verifica-se a total omissão estatal na elaboração de tais políticas, mormente

na área de saúde e educação como direitos fundamentais sociais, que assumem

especial relevo nessas hipóteses.

Em artigo de autoria dos ilustres Promotores de Justiça, integrantes do

Ministério Público do Paraná, Eduardo CAMBI e Leonardo Augusto GONÇALVES,

estes situam o cenário da seguinte maneira:

Perplexidade, indignação e esperança são as palavras que explicitam os motivos determinantes deste artigo. O abismo existente entre os mais ricos e os mais pobres, presente na realidade brasileira, gera perplexidades. O combate ao comodismo e à indiferença é capaz de semear a esperança de que o Direito é um valioso instrumento de emancipação e de transformação sociais, servindo ao resgate da dignidade daqueles que a perderam. A temática pertinente à concretização dos direitos fundamentais, vista como tábua de salvação da esperança, é tratada neste trabalho pelo viés dos direitos sociais, sendo as

47MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo

Gonet. Op. cit., p. 263. 48 CLÉVE, Clémerson Merlin. A Constitução da Esperança. in Cadernos Jurídicos da OAB

Paraná, p. 02.

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políticas públicas compreendidas como formulações indispensáveis à concretização de tais direitos.49

Nesse contexto, surge a especial atuação do Ministério Público, previsto na

Seção I, do Capítulo IV, do Título IV da Constituição Federal, como “instituição

permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da

ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais

indisponíveis” (art. 127). Dentre as funções desta Instituição previstas na Carta

Magna (art. 129), no mais relevante ao presente estudo, destacam-se a de “zelar

pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos

direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua

garantia” (inciso II) e “promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a

proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses

difusos e coletivos” (inciso III). Pode-se afirmar, sem hesitar, que não há como se

conceber a existência de um Estado Democrático de Direito sem a existência de um

Ministério Público atuante, independente, focado na concretização dos direitos e

garantias fundamentais da pessoa humana, mormente se consideradas suas

garantias institucionais.

Sobre a importância e relevância do papel do Ministério Público nas

questões pertinentes às políticas públicas, observam CAMBI e GONÇALVES:

O caput do art. 127 da CF/1988 define o Ministério Público como instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses individuais indisponíveis. Tal definição dá ao Ministério público especial relevância no rol das instituições que estruturam o Estado Democrático de Direito. Coloca-o como base de sustentação de um de seus fundamentos, qual seja, a cidadania (art. 1º, II, da CF/1988). Ao lhe atribuir a missão institucional correspondente à defesa dos interesses sociais indisponíveis, o legislador constituinte, representando a soberania da vontade popular, posicionou o Ministério Público como guardião dos direitos fundamentais sociais. O Ministério Público, desta forma, deve marcar sua atuação na busca da implementação dos direitos consagrados no art. 6º da CF/1988. Para tanto, seus representantes deverão atuar como fonte de mobilização dos diversos atores sociais e de fomento das políticas públicas.50

Partindo-se dessas premissas, vislumbra-se que o Ministério Público, para

desempenho de suas funções constitucionais e legais, dispõe de instrumentos

49 CAMBI, Eduardo; GONÇALVES, Leonardo Augusto. Op. cit., p. 211. 50 Ibidem, p. 220.

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jurídicos que visam justamente fomentar e efetivar as políticas públicas para

implementação dos direitos fundamentais, em especial, os direitos sociais.

Primeiramente, insta destacar que as políticas públicas dependem de

previsão orçamentária, de modo que se revela indispensável o planejamento

estratégico visando a disponibilização de recursos públicos. Assim, assumem

especial relevância o Plano Plurianual, a Lei de Diretrizes Orçamentárias e a Lei

Orçamentária Anual, ressaltando-se que o planejamento é obrigatório para o setor

público, nos termos do art. 174 da Carta da República.51

Nesse ponto, a Lei 10.257/2001 (Estatuto da Cidade) implementou, como

condição obrigatória de aprovação pela Câmara Municipal, do plano plurianual, da

Lei de Diretrizes Orçamentárias e do orçamento anual, a realização de debates,

audiências e consultas públicas sobre as propostas, consagrando a participação

popular na gestão democrática da cidade (consoante previsão dos arts. 4º, III, f e 44,

da Lei 10.257/2001).52

A participação do Ministério Público nesses debates com a sociedade e o

Poder Público se revela muito importante, principalmente face às suas atribuições

constitucionais, dentre as quais se destaca “a defesa da ordem jurídica, do regime

democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis” (art. 127, CF/1988).

Ainda no âmbito extrajudicial, mostra-se como importante ferramenta a

colocada à disposição do Ministério Público o compromisso de ajustamento de

conduta, previsto no art. 5º, § 6º, da Lei 7.347/1985, com o objetivo de que os

interessados, no caso dos direitos sociais, os Poderes Públicos, ajustem duas ações

em conformidade com a Constituição e com as leis.

Como bem observam CAMBI e GONÇALVES, o termo de ajustamento de

conduta revela-se numa melhor alternativa do que a judicialização das políticas

públicas:

Dentro do inquérito civil, um dos instrumentos que pode ser utilizado pelo Ministério Público é o compromisso de ajustamento de conduta. Previsto no art. 5º, § 6º, da Lei 7.347/1985, o compromisso de ajustamento de conduta tem como objetivo obter, dos órgãos públicos ou privados, a adequação de suas atuações em conformidade com as normas jurídicas. Melhor que a judicialização das políticas públicas, marcada muitas vezes por longas discussões judiciais, compromisso de ajuste permite pactuar condições temporais e orçamentárias para a efetiva implantação de determinada política. Porém, ao formular os

51 IbidemI, p. 214. 52 Ibidem, p. 215.

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termos do ajuste, não se pode renunciar direitos nem, tampouco, aceitar condutas ilegais, que desrespeitem os interesses e direitos difusos, coletivo e individuais homogêneos. A solução consensual sempre deve estar dentro da legalidade e da moralidade. Podem ser negociados, apenas, os prazos e as condições para que a Administração ou o ente privado, ou ambos, que têm a obrigação de cumprir a política pública em questão, adéquem-se às exigências constitucionais e legais. [...] Os compromissos de ajustamento de condutas têm a vantagem de serem títulos executivos extrajudiciais (art. 5º, § 6º, da Lei 7.347/1985), evitando o processo de conhecimento e agilizando a prestação jurisdicional. Deve, contudo, o agente ministerial primar pela boa redação dos termos, cuidando em bem estipular as obrigações, os prazos e as sanções, que, preferencialmente, devem recair sobre a pessoa física do responsável, não do ente público ou particular. E, tão importante quanto redigir adequadamente tais termos, é fiscalizar o seu cumprimento e, não havendo justificativas plausíveis para a inércia do obrigado, executá-los.53

Outra alternativa extrajudicial a ser utilizada pelo Ministério Público, visando

a implementação de políticas públicas ou o aperfeiçoamento das já existentes, de

maneira amistosa, é a recomendação, prevista no art. 6º, XX, da LC 75/1993 e art.

80, da Lei 8.625/1993.

Nessa linha, Luíza Cristina Fonseca FRISCHEISEN destaca a importância

da atuação do Ministério Público, principalmente no âmbito extrajudicial:

Relativamente à implantação das políticas públicas deve o Ministério Público atuar junto à administração quer seja através das ações civis públicas que visam a obrigação de fazer, quer seja através da atuação extrajudicial pelos inquéritos civil públicos e outros procedimentos administrativos de monitoramento, recomendações e compromissos de ajuste. A preferência pela atuação extrajudicial deve-se ao fato da impossibilidade de uma sentença judicial contemplar as inúmeras vertentes relativas à implantação de políticas públicas.54

Dentro desse contexto, o Ministério Público do Paraná, por meio do projeto

Ministério Público Social55, lançado em outubro de 2009, tem mostrado

desempenhado importante papel junto às comunidades mais carentes do Estado,

que apresentam baixos Índices de Desenvolvimento Humano (IDH), com a

realização de audiências públicas junto à comunidade local, com a participação das

53 IbidemI, p. 225/226. 54 FRISCHEISEN, Luíza Cristina Fonseca. Atuação do Ministério Público na implantação de

políticas públicas estabelecidas na Constituição Federal, Jornal da AJUFESP (Associação dos Juízes Federais de São Paulo e Mato Grosso do Sul), set. 1998, p. 11, apud MANCUSO, Rodolfo de Camargo. A ação..., p. 763/764.

55 Informações obtidas junto ao site do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça das Comunidades, do Ministério Público do Paraná, disponível em http://www.comunidades.caop.mp.pr.gov.br, acessado em 07.04.2010.

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autoridades locais, ocasião em que são colhidas as necessidades da população

local sobre as necessidades de políticas públicas para os respectivos municípios.

Nessa linha, as ponderações do procurador-geral de Justiça do Ministério

Público do Estado do Paraná, Olympio de Sá Sotto Maior Neto, no discurso de

posse em solenidade realizada em 07 de abril de 2010, na qual foi reconduzido ao

cargo para a gestão 2010-2012, em notícia veiculada no site da Instituição:

Enfatizou, ainda, a primazia que deve ter a atuação institucional como parte promovente, nas causas de interesse coletivo e difuso, com o uso do inquérito civil público e da ação civil pública para a realização dos direitos humanos. Ressaltou, nesta linha, alguns projetos estratégicos da Instituição, como a consolidação do Projeto Ministério Público Social, que visa a efetiva intervenção do MP-PR nas áreas com menores índices de desenvolvimento humano do Estado, notadamente nas regiões do Vale do Ribeira, Centro-Sul e Norte Pioneiro, que englobam 127 municípios com baixa capacidade de gestão e de oferta de bens e serviços à população; a criação e consolidação de sistema de monitoramento da Política de Assistência Social no Estado; a certificação pelo MP-PR da existência nos municípios de rede de proteção aos direitos das crianças e dos adolescentes; o trabalho para a ampliação de vagas na educação infantil e para o incremento do atendimento à saúde mental de adolescentes, especialmente de dependentes de álcool e drogas.56

2.6.3 Controle judicial das políticas públicas e a interpretação do

mínimo existencial e da reserva do possível

Diante da problemática apresentada, que revela a recorrente dificuldade de

efetivação dos direitos fundamentais por meio de políticas públicas, vislumbra-se a

polêmica questão sobre a possibilidade de atuação do Poder Judiciário no controle

de previsão e execução de tais políticas.

A análise do tema gira em torno de diversas perspectivas, como o dogma da

separação dos Poderes, a legitimidade democrática dos juízes, na medida em que

não são eleitos pelo povo57, a exclusão dos atos chamados “discricionários” do

âmbito do controle judicial, o postulado da “reserva do possível” sobre a

disponibilidade financeira da administração face ao chamado “mínimo existencial”,

correspondente à “condições mínimas de existência humana digna”58, que implica

em prestações positivas por parte do Estado.

56 Disponível em: http://www.mp.pr.gov.br/modules/noticias/article.php?storyid=740. Acesso

em: 08.04.2010. 57 MARANHÃO, Clayton. O controle jurisdicional de políticas públicas. No prelo. 58 GRINOVER, Ada Pelegrini. O controle de políticas públicas pelo Poder Judiciário.

Revista de processo, São Paulo, n. 164, p. 9-28, Out/2008.

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A atualidade do tema se mostra face às inúmeras demandas no território

nacional, movidas em face da União, Estados e Municípios, estes demandados

separada ou conjuntamente, em que se pleiteia, individual ou coletivamente, a

efetivação dos direitos fundamentais, principalmente dos direitos sociais, que exigem

prestações positivas por parte do Estado e, para tanto, implicam em custos altos a

serem suportados pelos cofres públicos.

Um dos pontos sobre a polêmica da judiciabilidade das políticas públicas se

refere à “separação dos Poderes”, positivada no art. 2º da Constituição da

República. Tal questão assume peculiar relevância no debate, tendo em vista que

está inserida no rol das cláusulas pétreas (art. 60, § 4º, III, da CF/1988).

Com efeito, cumpre observar que a teoria da “separação de Poderes” foi

concebida em momento histórico do liberalismo, marcado pelos direitos

fundamentais de primeira geração, que impunham ao Estado o dever de abstenção,

visando a proteção da liberdade individual do cidadão.

Entretanto, com o advento do Estado Social e, nos dias atuais, do Estado

Democrático de Direito, deve-se interpretar o princípio da separação dos Poderes

com temperamentos e ajustes face às diferentes realidades constitucionais59, em

que o dogma de tal princípio não deve ser admitido como impedimento do controle

das políticas públicas pelo Poder Judiciário, uma vez que, nas soluções jurídico-

constitucionais, imprescindível a observância dos princípios da força normativa da

constituição e da máxima efetividade, os quais estão umbilicalmente interligados e

estabelecem que a interpretação da Constituição merece ser realizada de sorte a

primar pela garantia de sua maior eficácia, principalmente no tocante à realização

dos direitos fundamentais.

Como bem nos elucida Gilmar Ferreira MENDES:

Estreitamente vinculado ao princípio da força normativa da Constituição, em relação ao qual configura um subprincípio, o cânone hermenêutico-constitucional da máxima efetividade orienta os aplicadores da Lei Maior para que interpretem as suas normas em ordem a otimizar-lhes a eficácia, sem alterar o seu conteúdo. De igual modo, veicula um apelo aos realizados da Constituição para que em toda situação de hermenêutica, sobretudo em sede de direitos fundamentais, procurem densificar os seus preceitos, sabidamente aberto e predispostos a interpretações extensivas. Tendo em vista, por outro lado, que, nos casos concretos, a otimização de qualquer dos direitos fundamentais, em favor de determinado titular, poderá implicar a simultânea

59MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo

Gonet. Op. cit., p. 156.

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compreensão, ou mesmo o sacrifício, de iguais direitos de outrem, direitos que constitucionalmente também exigem otimização - o que, tudo somado, contrariaria a um só tempo tanto o princípio da unidade da Constituição quanto o da harmonização -, em face disso, impõe-se a máxima efetividade com essas e outras regras de interpretação, assim como impõe-se conciliar, quando em estado de conflito, quaisquer bens ou valores protegidos pela Constituição.60

Ademais, se revela inapropriado a expressão “separação de Poderes”,

porquanto o Poder estatal é uno, sendo que sua divisão se opera no plano das

“funções” de sua expressão e devem guardam harmonia entre si, de maneira a

buscar atingir os objetivos da República Federativa do Brasil, fixados no art. 3º da

Carta Magna.

A respeito, afirma Oswaldo CANELA JUNIOR:

Para o Estado social atingir esses objetivos, faz-se necessária a realização de metas, ou programas, que implicam o estabelecimento de funções específicas aos Poderes Públicos, para a consecução dos objetivos predeterminados pelas Constituições e pelas leis. Desse modo, formulado o comando constitucional ou legal, impõe-se ao Estado promover todas as ações necessárias para a implementação dos objetivos fundamentais. E o poder do Estado, embora uno, é exercido segundo especialização de atividades: a estrutura normativa da Constituição dispõe sobre suas três formas de expressão: a atividade legislativa, executiva e judiciária. [...] E assim a teoria da separação dos poderes (art. 2.º da CF/88) muda de feição, passando a ser interpretada da seguinte maneira: o Estado é uno e uno é seu poder. Exerce ele seu poder por meio de formas de expressão (ou Poderes).61

Nesse panorama constitucional, o qual se revela complexo, é verdade, não

se pode admitir como correta a tese de que o controle jurisdicional das políticas

públicas implicaria em violação do princípio da separação de Poderes, pois tal

entrave traria graves conseqüências ao Estado Democrático de Direito contemplado

pela Carta da República, vez que a realidade mostra que o Executivo e o Legislativo

“se mostram incapazes de garantir um cumprimento racional dos respectivos

preceitos constitucionais”, como afirma Américo Bedê FREIRE JÚNIOR62.

Oportuno transcrever parte da decisão monocrática do Min. Celso de Mello,

do Supremo Tribunal Federal, proferido na ADPF 45-9, que assim se pronunciou:

60 Ibidem, p. 118/119. 61 CANELA JUNIOR, Oswaldo. A efetivação dos direitos fundamentais através do processo

coletivo: um novo modelo de jurisdição (orientador Kazuo Watanabe), no prelo, p. 17-19, apud GRINOVER, Ada Pelegrini. O controle de políticas públicas pelo Poder Judiciário. Revista de processo, São Paulo, n. 164, p. 9-28, Out/2008.

62 FREIRE JÚNIOR, Amércio Bedê. Op. Cit., p. 41.

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É certo que não se inclui, ordinariamente, no âmbito das funções institucionais do Poder Judiciário e nas desta Suprema Corte, em especial – a atribuição de formular e de implementar políticas públicas (José Carlos Vieira de Andrade, Os direitos fundamentais na Constituição portuguesa de 1976, p. 207, item 5, Coimbra: Almedina, 1987), pois, nesse domínio, o encargo reside, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo. Tal Incumbência, no entanto, embora em bases excepcionais, poderá atribuir-se ao Poder Judiciário, se e quando os órgãos estatais competentes, por descumprirem os encargos político-jurídicos que sobre eles incidem, vierem a comprometer, com tal comportamento, a eficácia e a integridade de direitos individuais e/ou coletivos impregnados de estatura constitucional, ainda que derivados de cláusulas revestidas de conteúdo programático. Cabe assinalar, presente esse contexto – consoante já proclamou esta Suprema Corte – que o caráter programático das regras inscritas no texto da Carta Política ‘não pode converter-se em promessa constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o comprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determinada a própria lei do Estado.

Acerca da realidade brasileira e da constante mora do Poder Público,

observa, com muita sensibilidade, o ilustre professor Clayton MARANHÃO, promotor

de justiça do Ministério Público do Estado do Paraná:

É fato que no Brasil o projeto de modernidade tem sido adiado. Liberdade, igualdade e fraternidade são princípios ainda não garantidos, tampouco implementados, de modo universal, para o povo brasileiro, bastando, para tanto, uma rápida leitura das estatísticas educacionais oficiais, notadamente os 14 milhões de analfabetos com 15 anos ou mais de idade, número esse alimentado, ano após ano, por outras 14 milhões de crianças fora da escola na faixa etária de 4 a 6 anos. Em pleno século XXI, não obstante o avanço da doutrina, colhe-se da jurisprudência brasileira que ainda são defendidas teses jurídicas conservadoras concernentes à possibilidade ou não de o Poder Judiciário sindicar o mérito do ato administrativo, ou de o Poder Judiciário poder legislar positivamente no caso concreto, diante da omissão inconstitucional do legislador, face ao dogma da divisão dos Poderes, e, de conseqüência, da legitimidade democrática do juiz na tomada de uma decisão política, à medida que não fora eleito pelo povo, diferentemente do legislador e do administrador. Esse fenômeno tem sido em parte explicado pelo fato de que os direitos civis e políticos, chamados de primeira dimensão, já estarem efetivados, ao contrário dos direitos sociais, de segunda dimensão, cuja pendência em matéria de saúde e educação é pública e notória pela mora secular do Poder Público brasileiro, envolto em escândalos diuturnos de corrupção.63

Ao lado do dogma da separação dos Poderes, outro ponto emerge como

objeção ao controle jurisdicional das Políticas Públicas, qual seja, a questão da

legitimação democrática dos juízes, os quais não são eleitos pelo povo e,

63 MARANHÃO, Clayton Albuquerque. Op. Cit., p. 1.

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argumenta-se, não teriam legitimidade popular para determinar o conteúdo dos

direitos fundamentais.64

Nesse ponto, deve-se ter em mente que somente quando respeitados os

direitos fundamentais, ou seja, com a efetivação e observância dos mesmos pelo

Poder Público, é que se pode reconhecer a existência de um Estado Democrático de

Direito. Do contrário, a Carta da República seria apenas formal, o que constituiria

negação aos princípios e objetivos nela contemplados (arts. 1º e 3º).

Nas sempre lúcidas palavras de José Afonso da SILVA:

A Constituição estrutura um regime democrático consubstanciado nos objetivos de igualização por via dos direitos sociais e da universalização de prestações sociais (seguridade, saúde, previdência e assistência sociais, educação e cultura). A democratização dessas prestações, ou seja, a estrutura de modos democráticos (universalização e participação popular), constitui fundamento do Estado Democrático de Direito. [...] A democracia é o regime de garantia geral para a realização dos direitos fundamentais do homem, em todas as suas dimensões. Assim, a democracia - governo do povo, pelo povo e para o povo - aponta para a realização dos direitos políticos, que apontam para a realização dos direitos econômicos e sociais, que garantem a realização dos direitos individuais, de que a liberdade é a expressão mais importante. Os direitos econômicos e sociais são de natureza igualitária, sem os quais os outros não se efetivam realmente. É nesse sentido que também se pode dizer que os direitos humanos fundamentais são valores da democracia. Vale dizer: ela deve existir para realizá-los, com o que estará concretizando a justiça social.65

Em interessante análise do tema, Américo Bedê FREIRE JÚNIOR parte da

relação de vinculação do juiz com a lei, em que entende que a concepção positivista,

na qual a legitimação da decisão judicial é a lei, não permitiria ao juiz ir para além da

lei, o que não pode prevalecer na atualidade. Assim, destaca que:

[...] devemos lembrar que a Constituição confere ao Supremo a sua guarda e que, no Brasil, qualquer juiz, pelo controle difuso de constitucionalidade, deve, independentemente de alegação da parte, fazer prevalecer a Constituição. Ocorre que essa Constituição é recheada de princípios e conceitos jurídicos indeterminados, que precisam do juiz para materializar as normas constitucionais. Logo, é impossível continuarmos com o dogma do positivismo e da completude da legislação.

64 BARBOZA, Estefânia Maria de Queiroz. Jurisdição Constitucional, Direitos Fundamentais

e Democracia. In: CLÈVE, Clèmerson Merlin; SARLET, Ingo Wolfgang; PAGLIARINI, Alexandre Coutinho (Coords.). Direitos Humanos e Democracia. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 277-293.

65 SILVA, José Afonso da. Democracia e direitos fundamentais. In: CLÈVE, Clèmerson

Merlin; SARLET, Ingo Wolfgang; PAGLIARINI, Alexandre Coutinho (Coords.). Direitos Humanos e Democracia. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 369-370.

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Claro que existe legitimidade do juiz para atuar além da lei, mas tal situação depende de uma fundamentação adequada. Nesse diapasão, Aury Lopes Jr. afirma com propriedade que “a legitimidade democrática do juiz deriva do caráter democrático da Constituição, e não da vontade da maioria. O juiz tem uma nova posição dentro do Estado de Direito e a legitimidade de sua atuação não é política, mas constitucional, e seu fundamento é unicamente a intangibilidade dos direitos fundamentais. É uma legitimidade democrática, fundada na garantia dos direitos fundamentais e baseada na democracia substancial.66

Dessa forma, a legitimidade do juiz no controle de políticas públicas não

deve ser analisada sob o enfoque de não ter sido escolhido pelo povo por meio do

voto popular, mas sob o prisma do poder-dever de garantir a eficácia e observância

das normas e princípios constitucionais pelo Poder Público, mormente no tocante

aos direitos fundamentais. Assim, caracterizado o inadimplemento do Poder Público,

cabe ao Poder Judiciário assegurar a máxima efetividade dos direitos fundamentais,

notadamente dos direitos sociais. Registre-se, ainda, que a própria Carta Magna

outorga ao Judiciário a autoridade de intérprete da Constituição e das normas

jurídicas.67

Nessa linha, leciona Luís Roberto BARROSO:

Modernamente, já não cabe negar o caráter jurídico e, pois, a exigibilidade e acionabilidade dos direitos fundamentais, na sua múltipla tipologia. É puramente ideológica, e não científica, a resistência que ainda hoje se opõe à efetivação, por via coercitiva, dos chamados direitos sociais. Também os direitos políticos e individuais enfrentaram, como se assinalou, a reação conservadora, até sua final consolidação. A afirmação dos direitos fundamentais como um todo, na sua exeqüibilidade plena, vem sendo positivada nas Cartas Políticas mais recentes, como se vê do art. 2º da Constituição portuguesa e do Preâmbulo da Constituição brasileira, que proclama ser o país um Estado democrático, “destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais”.68

Na sequência, pontifica este jurista que:

No tocante à legitimidade desta atuação criativa do Poder Judiciário, inexiste qualquer razão para infirmá-la. Já deixamos consignado que em uma democracia é não apenas possível, como desejável, que parcela do poder público seja exercida por cidadãos escolhidos com base em critérios de capacitação técnica e idoneidade pessoal, preservados das disputas e paixões políticas. A falta de emanação popular do poder exercido pelos magistrados é menos grave do que o seu envolvimento em campanhas eletivas, sujeitas a animosidades e compromissos incompatíveis com o mister a ser desempenhado. De mais a mais, a própria idéia da soberania do órgão legislativo ordinário está superada desde 1803, quando a Suprema corte norte-americana, apreciando o célebre caso Marbury

66FREIRE JÚNIOR, Amércio Bedê. Op. Cit., p. 57/58. 67BARROSO, Luís Roberto. Op. cit., p. 164. 68 Ibidem, p. 102.

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versus Madison, formulou a teoria da judicial review, pela qual se reconheceu competência ao Judiciário para invalidar os atos legislativos contrastantes com a Constituição.69

Outro aspecto polêmico que gravita sobre o controle judicial de políticas

públicas, refere-se à exclusão dos atos chamados “discricionários” do âmbito de

análise do Poder Judiciário.

Com efeito, as políticas públicas se enquadram dentro da discricionariedade

da Administração, a qual deve ter como vetor o interesse público primário, em que

esta margem de liberdade conferida ao agente público decorre da impossibilidade de

o legislador em prever todas as situações concretas na norma. Dessa forma, é

conferido à administração certa margem de liberdade de comportamento, devendo

pautar sua decisão em critérios de conveniência e oportunidade, sempre voltado a

satisfazer os objetivos consagrados no sistema legal.70

Todavia, tal possibilidade de realização de escolhas pelo Poder Público não

significa que sua conduta não deva observar as finalidades previstas pela ordem

jurídica, ou seja, na avaliação da conveniência e oportunidade, dentre as diversas

situações possíveis, há um poder-dever de pautar as políticas públicas buscando a

obtenção da solução mais adequada, atendo-se à força normativa da Constituição e

a máxima efetividade de suas normas.

Em se tratando de direitos fundamentais, com destaque aos direitos sociais,

que, conforme já dito, exigem uma postura positiva por parte do Estado, o controle

judicial das políticas públicas assume ainda maior relevância face à realidade social

nos dias atuais.

Nessa linha, ponderam CAMBI e GONÇALVES:

Observa-se, porém, que a existência de uma possibilidade de opção discricionária não torna imune a atividade administrativa ao controle jurisdicional. Afinal, tal atribuição ao administrador público não significa um cheque em branco, para que se legitimem opções desarrazoadas, personalíssimas, preconceituosas e, especialmente ofensivas aos vetores axiológicos do ordenamento jurídico. Assim sendo, ao se concluir que a discricionariedade, no Estado Democrático de Direito, só existe dentro da lei, com o escopo de satisfazer os fins nela contidos, pode-se acrescentar que, diante de norma constitucional consagradora de direitos fundamentais sociais (v.g., como a que reconhece o direito público subjetivo à educação básica ou à saúde), é dever dos governantes adotar todas as medidas concretas razoáveis, a fim de satisfazer tais desideratos normativos. Não há, pois, com efeito, margem de liberdade para que o

69 Ibidem, p. 163/164. 70BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo, 12ª ed. São

Paulo: Malheiros, 2000, p. 368/370.

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administrador possa, arbitrariamente, escolher se vai efetivar os direitos fundamentais sociais.71

Assim, constatado que a atividade discricionária não se sujeita aos ditames

e objetivos previstos no ordenamento jurídico para a observância e efetivação dos

direitos fundamentais, estar-se-á incidindo em ilegalidade, passível de

reconhecimento pelo próprio Poder Público ou pelo Poder Judiciário. Nas lúcidas

palavras do mestre Hely Lopes de MEIRELLES, “erro é considerar-se o ato

discricionário imune à apreciação judicial, pois só a Justiça poderá dizer da

legalidade da invocada discricionariedade e dos limites de opção do agente

administrativo.”72

Vale lembrar que a doutrina reconhece que a Lei da Ação Popular abriu ao

Poder Judiciário a possibilidade de análise do mérito do ato administrativo, ao

menos nas hipóteses dos arts. 4º, II, c, e V, b, da Lei 4.717/65, bem como a

novidade legislativa trazida com a Carta de 1988, qual seja, a previsão expressa de

cabimento de Ação Popular visando a anulação de ato lesivo à moralidade

administrativa, o qual “não pode ser feito sem o exame do mérito do ato

guerreado”.73

Em resumo, as funções Legislativa, Executiva e Judiciária do Estado devem

primar pelo princípio da prevalência dos direitos humanos (art. 4º, II, da CF/88), em

observância ao comando constitucional, cabendo ao Poder Judiciário a análise do

ato administrativo nos casos de não serem condizentes com a consecução dos fins

do Estado, assumindo especial relevo, como tantas vezes frisado, os direitos sociais,

pautados no ideal de igualdade consagrado na Carta Magna.

Sobre o tema, Osvaldo CANELA JÚNIOR entende que:

Como toda atividade política (políticas públicas) exercida pelo Legislativo e Pelo Executivo deve compatibilizar-se com a Constituição, cabe ao Poder Judiciário analisar, em qualquer situação e desde que provocado, o que se convencionou chamar de ‘atos de governo’ ou ‘questões políticas’, sob o prisma do atendimento aos fins do Estado (art. 3º, da CF/88). [...] Diante dessa nova ordem, denominada de judicialização da política, contando com o juiz como co-autor das políticas públicas, fica claro que sempre que os demais poderes comprometerem a integridade e a eficácia dos fins do Estado – incluindo as dos direitos

71CAMBI, Eduardo; GONÇALVES, Leonardo Augusto. Op. cit., p. 219. 72 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro, 24ª Ed. São Paulo:

Malheiros, 1998, p. 104. 73 GRINOVER, Ada Pellegrini. Op. cit., p. 10/11.

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fundamentais, individuais ou coletivos – o Poder Judiciários deve atuar na sua função de controle.74

Por fim, passa-se a analisar o importante desafio do Poder Judiciário em

proceder ao controle das políticas públicas, em decorrência da recorrente

incapacidade do Legislativo e do Executivo em formular e executar programas

políticos de forma a propiciar a observância e efetiva implementação dos direitos

fundamentais, em especial dos direitos sociais, dentre os quais se destacam o

direito à saúde e à educação.

Conforme dito alhures, o orçamento público é obrigatório, por força do

disposto no art. 174 da Carta da República, sendo que as Políticas Públicas

dependem, portanto, de previsão orçamentária para sua concretização.

Partindo-se desta premissa, duas situações se apresentam: a ausência total

de políticas públicas, caracterizada pela total omissão inconstitucional do Poder

Público na implementação dos direitos fundamentais, e a existência de políticas

públicas, porém insuficientes ou inadequadas, que reflete a omissão parcial do

Estado.

Nessa linha, os debates centrais na doutrina e principalmente na

jurisprudência se circunscrevem aos postulados “mínimo existencial” versus “reserva

do possível”.

Com efeito, a Constituição Federal de 1988 funda-se em um “Estado

Democrático de Direito”, que tem como “fundamentos” (art. 1º), entre outros, “a

cidadania” (inciso II) e “a dignidade da pessoa humana” (inciso III), e como “objetivos

fundamentais” (art. 3º), que assumem especial contorno nesta pesquisa, “construir

uma sociedade livre, justa e solidária” (inciso I) e “erradicar a pobreza e a

marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais” (inciso III).

Nessa ordem de idéias, verifica-se que, primado no princípio constitucional

da igualdade, o Estado tem o dever de proporcionar aos indivíduos as condições

materiais mínimas de existência humana digna, como imprescindíveis ao exercício

da cidadania, ou seja, ao indivíduo deve ser garantido prestações positivas por parte

do Poder Público, de maneira que sejam efetivados os direitos fundamentais sociais

previstos na Carta da República.

74 CANELA JÚNIOR, Osvaldo. Op. cit., p. 12/13.

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Nisso reside a idéia da consagrada expressão de “mínimo existencial”,

amplamente utilizada pela doutrina e jurisprudência. Ricardo Lobo TORRES traça os

aspectos conceituais do mínimo existencial da seguinte forma:

Os mínimos sociais, expressão escolhida pela Lei nº 8.742/93, ou mínimo social (social minimum), da preferência de John Rawls, entre outros, ou mínimo existencial, de larga tradição no direito brasileiro e no alemão (Existenzminimum), ou de direitos constitucionais mínimos, como dizem a doutrina e a jurisprudência americanas, integram também o conceito de direitos fundamentais. Há um direito às condições mínimas de existência humana digna que não pode ser objeto de intervenção do Estado na via dos tributos (= imunidade) e que ainda exige prestações estatais positivas. O direito é mínimo do ponto de vista objetivo (universal) ou subjetivo (parcial). É objetivamente mínimo por coincidir com o conteúdo essencial dos direitos fundamentais e por ser garantido a todos os homens, independentemente de suas condições de riqueza; isso acontece, por exemplo, com os direitos de eficácia negativa e com direitos positivos como o ensino fundamental, os serviços de pronto-socorro, as campanhas de vacinação pública, etc. Subjetivamente, em seu status positivus libertatis, é mínimo por tocar parcialmente a quem esteja abaixo da linha de pobreza. Não é qualquer direito mínimo que se transforma em mínimo existencial. Exige-se que seja um direito a situações existenciais dignas. Sem o mínimo necessário à existência cessa a possibilidade de sobrevivência do homem e desaparecem as condições iniciais da liberdade. A dignidade humana e as condições materiais da existência não podem retroceder aquém de um mínimo, do qual nem os prisioneiros, os doentes mentais e os indigentes podem ser privados. O mínimo existencial não tem dicção constitucional própria. Deve-se procurá-lo na idéia de liberdade, nos princípios constitucionais da dignidade humana, da igualdade, do devido processo legal e da livre iniciativa, na Declaração dos Direitos Humanos e nas imunidades e privilégios do cidadão.75

Entretanto, como já dito, a implementação de uma política pública é

dependente da disponibilidade financeira do Estado, chamada de “reserva do

possível”.

Esta expressão, segundo Ricardo Lobo TORRES, foi “cunhada” pelo

Tribunal Constitucional da Alemanha (Bundesverfassungsgericht), “no julgado em

que se discutia sobre a possibilidade de o Judiciário criar vagas na Faculdade de

Medicina para estudantes habilitados no vestibular, mas não classificados.”76

Segundo este jurista, que parte de um rigor terminológico para distinguir os

direitos fundamentais sociais e direitos sociais, a reserva do possível seria aplicável

a estes últimos, e “equivale a “reserva democrática”, no sentido de que as

75 TORRES, Ricardo Lobo. O direito ao mínimo existencial. Rio de Janeiro: Renovar,

2009, p. 35/36. 76 Ibidem, p. 103.

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prestações sociais se legitimam pelo princípio democrático da maioria e pela sua

concessão discricionária pelo legislador”.77

Dessa forma, entende que teria se operado, no Brasil, uma

“desinterpretação” da reserva do possível, pois teria perdido seu sentido originário

face a extrapolação de sua aplicação dos direitos sociais para os direitos

fundamentais:

A desinterpretação, operada no Brasil pela doutrina e pela jurisprudência, do conceito de reserva do possível, serviu para alargar desmesuradamente a judicialização da política orçamentária até o campo dos direitos sociais, ao confundi-los com os fundamentais, que passaram a ser sujeitos àquela cláusula. No Brasil, portanto, passou a ser reserva fática, ou seja, possibilidade de adjudicação de direitos prestacionais se houver disponibilidade financeira, que pode compreender a existência de dinheiro sonante na caixa do Tesouro, ainda que destinado a outras dotações orçamentárias!78

Fixado tal posicionamento e levando-se em conta que, na presente

pesquisa, partiu-se da premissa de que os direitos sociais estão compreendidos no

conceito e abrangência dos direitos fundamentais, não se pretende adentrar na

complexa tarefa de discussão em torno da precisão terminológica posta pelo aludido

autor.

Com efeito, a reserva do possível, numa visão fática, corresponde a

limitação dos recursos disponíveis face ao limite de possibilidades materiais a serem

por eles atendidas. Já no aspecto jurídico, corresponde à “necessidade de prévia

dotação orçamentária como limite ao cumprimento imediato de decisão judicial

relativa à políticas públicas.”79

Entretanto, deve-se considerar que o mínimo existencial, de envergadura

pautada em princípios constitucionais inerentes ao núcleo dos direitos fundamentais

sociais, deve sempre ser observado e implementado pelo Poder Público, com

previsão em dotação orçamentária, bem como a elaboração e efetivação das

políticas públicas destinadas à sua satisfação.

Do contrário, havendo a omissão do Estado nesse sentido, tal omissão será

manifestamente inconstitucional, justificando o controle pelo Poder Judiciário, o qual

poderá determinar tanto a inclusão no orçamento da verba imprescindível ao

77 Ibidem, p. 105. 78 Ibidem, p. 110. 79FREIRE JÚNIOR, Amércio Bedê. Op. Cit., p. 73/74.

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adimplemento da obrigação, como a posterior aplicação da respectiva verba na

implementação da política pública específica, para garantir que não seja empregada

em outros fins.

Não obstante, em casos de especial urgência, deve prevalecer o direito às

condições mínimas necessárias à existência condigna, observadas as

peculiaridades do caso concreto e a aplicação do princípio da proporcionalidade.

Como bem sintetiza Américo Bedê FREIRE JÚNIOR:

Por outro lado, quando for necessário o cumprimento imediato da decisão, como, por exemplo, a concessão de remédio ou cirurgia, haverá uma colisão de regra constitucional do orçamento com o princípio ou outra regra que serviu de suporte para o magistrado determinar a implementação da política. Nesses casos, haverá a prevalência da decisão, pois a ponderação necessária para o encontro do núcleo essencial de direitos à regra da prévia dotação orçamentária não é absoluta. Ademais, quando há vontade política do Executivo e Legislativo, cotidianamente, vê-se a abertura de créditos extraordinários ou suplementares, do que se conclui que a reserva do possível jurídico somente é óbice para aquele que não quer se submeter à decisão judicial (Constituição). A reserva do possível não pode ser, então, subjetiva de quem não concorda com a decisão e não pretende cumpri-la, utilizando retórica e argumentos construídos para uma realidade completamente diferente da brasileira.80

Postas estas questões, verificada a omissão total ou parcial do Estado em

viabilizar a efetivação de políticas públicas e as divergências envolvendo, de um

lado, o mínimo existencial e, de outro, a reserva do possível, o controle jurisdicional

deve-se pautar no princípio da proporcionalidade, analisando-se as peculiaridades

do caso.

Acerca do princípio da proporcionalidade, observa Suzana de Toledo

BARROS:

Já restou dito que o problema dos direitos fundamentais hoje está calcado na problemática de sua efetividade. A garantia de sua eficácia jurídica e material não se resolveu com a simples positivação do seu conteúdo em uma carta constitucional, haja vista a Constituição de Weimar, que foi solapada pelo nazismo. Foi de fato necessária uma reinterpretação do valor da Constituição como garantia dos direitos fundamentais. Nessa virada que se operou dentro da ciência do direito constitucional, a pauta de bens e valores inscrita na Constituição foi tida como uma pauta mínima e, ao mesmo tempo, vinculante para todos, até mesmo para o Estado, deixando de ser considerada mera carta de intenções ou mero programa de governo. [...] O princípio da proporcionalidade, como uma das várias idéias jurídicas fundantes da Constituição, tem assento justamente aí, nesse contexto normativo no qual estão

80Ibidem, p. 76.

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introduzidos os direitos fundamentais e os mecanismos de respectiva proteção. Sua aparição se dá a título de garantia especial, traduzida na exigência de que toda intervenção estatal nessa esfera se dê por necessidade, de forma adequada e na justa medida, objetivando a máxima eficácia e otimização dos vários direitos fundamentais concorrentes (HESSE).81

Com efeito, a análise passa pela análise da omissão total ou parcial do

Poder Público no tocante à implementação de políticas públicas, bem como da

necessária prioridade de previsões orçamentárias destinadas a realização dos

direitos fundamentais sociais, considerando-se as condições materiais mínimas de

existência digna do indivíduo.

Nessa linha, o Ministro Celso de Mello observou, com muita sensibilidade,

por ocasião do julgamento da ADPF 45/DF, que o mínimo existencial pode “conviver

produtivamente” com a reserva do possível:

A meta central das Constituições modernas, e da Carta de 1988 em particular, pode ser resumida, como já exposto, na promoção do bem-estar do homem, cujo ponto de partida está em assegurar as condições de sua própria dignidade, que inclui, além da proteção dos direitos individuais, condições mínimas de existência. Ao apurar os elementos fundamentais dessa dignidade (o mínimo existencial), estar-se-ão estabelecendo exatamente os alvos prioritários dos gastos públicos. Apenas depois de atingi-lo é que se poderá discutir, relativamente aos recursos remanescentes, em que outros projetos se deverá investir. O mínimo existencial, como se vê, associado ao estabelecimento de prioridades orçamentárias, é capaz de conviver produtivamente com a reserva do possível.

Sobre este polêmico e relevante tema, notadamente em matéria de saúde, o

Supremo Tribunal Federal, face aos recorrentes pedidos de suspensão de liminares

formulados pelo Poder Público junto a esta Corte, principalmente perante a

presidência, convocou Audiência Pública82 com a sociedade civil, realizada nos dias

27, 28 e 29 de abril e 4, 6 e 7 de maio de 2009, visando a realização de debates

acerca do tema, envolvendo o depoimento de representantes de vários segmentos.

Após, o Pretório Excelso se pronunciou em 17 de março de 2010, ao

analisar o Agravo regimental em pedido de Suspensão de tutela Antecipada nº 175,

interposto pela União, em que, na hipótese, a paciente por sofrer de grave

enfermidade, denominada Doença de Niemann-Pick Tipo C, que causa sofrimentos

81 BARROS, Suzana de Toledo. O princípio da proporcionalidade e o controle de

constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais, 3ª ed. Brasília: Brasília Jurídica, 2003, p. 94/95.

82 Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=processoAudienciaPublicaSaude. Acessado em: 08.04.2010.

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neuropsiquiátricos, obteve nas instâncias originárias antecipação de tutela para

custear o tratamento, a ser arcado pelo Município de Fortaleza, Estado do Ceará e

União, de maneira solidária, no valor mensal orçado em R$ 52.000,00 (cinquenta e

dois mil reais), consistente no fornecimento de medicamento denominado Zavesca

(Miglustat).

Nesse caso, constatou-se “a essencialidade do medicamento para o

aumento de sobrevida e de qualidade de vida da paciente, na impossibilidade de a

paciente custear o tratamento e na existência de registro do referido fármaco na

ANVISA.”

No brilhante voto condutor, o Ministro Gilmar Mendes analisa, de maneira

pormenorizada, o artigo 196 da Carta Magna, reconhecendo o “direito público

subjetivo a políticas públicas que promovam, protejam e recuperem a saúde.”

Restou consignado na decisão supra que:

[...] um dos primeiros entendimentos que sobressaiu nos debates ocorridos na Audiência Pública-Saúde: no Brasil, o problema talvez não seja de judicialização ou, em termos mais simples, de interferência do Poder Judiciário na criação e implementação de políticas públicas em matéria de saúde, pois o que ocorre, na quase totalidade dos casos, é apenas a determinação judicial do efetivo cumprimento de políticas públicas já existentes.

O julgamento assume grande relevância no contexto atual porquanto

estabelece solidifica critérios acerca da interferência do Poder Judiciário na esfera

de atuação dos outros Poderes, no tocante ao direito fundamental social à saúde

como “direito público subjetivo a políticas que promovam, pretejam e recuperem a

saúde.”

3. A Ação Civil Pública

Em sequência ao presente estudo, passa-se à análise e reflexão sobre os

aspectos processuais do aparato procedimental coletivo, em especial da ação civil

pública, como instrumento de tutela e efetivação dos direitos fundamentais, com

especial atenção aos diretos sociais, pelo qual a atuação do Ministério Público

assume relevo ímpar, em decorrência de suas atribuições constitucionais previstas

nos arts. 127 e 129 da Carta da República.

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Fixadas essas balizas, o tema reveste-se de notável importância face à atual

conjuntura social, decorrente da paulatina evolução da sociedade, em que se

verificam as chamadas “sociedades de massa”, contexto no qual surgem os direitos

de natureza transindividual, que se enquadram nos direitos fundamentais de terceira

geração, dignos de proteção jurídica.

Dentro da perspectiva do Estado Pós-Social, marcado pela proliferação de

direitos como conseqüência indissociável das mutações sociais, Pedro LENZA

observa que:

A profunda transformação estrutural da sociedade e do Estado, inevitavelmente, atinge a ciência jurídica. O direito, entendido aqui em sua significação mais extensa possível, adequa-se à metamorfose social e não o contrário. A transformação antecipa-se. O direito busca acompanhá-la e jurisdicioná-la, moldando-se à nova realidade. Assim, não foi a transformação do Estado (de Polícia, para de Direito, e nesta última fase, de Liberal para Pós-Social) que estimulou a transformação da sociedade e da forma de prestação jurisdicional. Na realidade, foi a mudança nas relações sociais que, fatalmente, trouxe consigo reflexos tanto na forma de Estado, como na maneira de se prestar a atividade jurisdicional.83

Dessa forma, em conseqüência da natural evolução da sociedade, cujo

período marcante se dá com a Revolução industrial, iniciada na Inglaterra, surgem

os grandes centros urbanos e, com eles, enorme concentração de pessoas, sem

estruturas mínimas de água, esgotos sanitários, quadro de miséria que acarretam

doenças e epidemias.

Nesse cenário, de “sociedades de massa”, eclodem grupos de pessoas, com

especial destaque aos movimentos sindicais dos operários, como “corpos

intermediários” entre o Estado e o indivíduo, em que se evidenciam direitos que

transcendem os interesses da esfera individual.84

Dentro dessa linha evolutiva, os antecedentes históricos apontam que o

processo coletivo foi originalmente concebido dentro do sistema da common law na

Inglaterra, que admitia que representantes de grupos de indivíduos demandassem

defendendo interesses dos representados, ou demandados em decorrência de tais

83 LENZA, Pedro. Teoria geral da ação civil pública. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2003, p. 25. 84 Ibidem, p. 32/39.

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interesses. Vislumbra-se, assim, o embrião da class action, amplamente difundida

nos Estados Unidos da América. 85

Em que pese o ilustre jurista Sérgio Cruz ARENHART não concordar que o

surgimento dos direitos coletivos se deu com a evolução da sociedade, este admite

que “é certo que o tratamento desses interesses de forma coletiva e sua tutela

também de maneira molecular somente vêm a surgir com o desenvolvimento social,

embora se possa encontrar suas origens em tempo remoto.”86

No âmbito do Brasil, o Código de Processo Civil de 1973 foi concebido

visando a regulação das relações jurídicas que envolvem direitos subjetivos

individuais, em que o próprio lesado promovia a demanda, pleiteando direito próprio

(art. 6º, CPC).

Assim, não era previsto no Estatuto Processual a possibilidade de demandas

para tutela coletiva de direitos, salvo o regime do litisconsórcio ativo, o qual se

sujeita à limitações para não comprometer a defesa do réu e a rápida solução dos

litígios (art. 46, parágrafo único, do CPC).87

Outro traço marcante do processo civil codificado nessas bases é de que o

processo destinava-se a aplicação das regras jurídicas à situações concretas de

conflitos de interesse, ocorridos ou na iminência de ocorrer, não prevendo

instrumentos para regular conflitos no plano abstrato.88

Nesse contexto de direitos transindividuais, surge a necessidade de uma

visão moderna do processo civil clássico, com o aprimoramento das técnicas para

proporcionar a efetividade do processo como meio de realização do direito material,

sem, no entanto, descartar toda a construção no âmbito processual até então

construída. Trata-se de readaptação do processo para se obter uma adequada tutela

coletiva. Como assinala Ricardo de Barros LEONEL:

É imperativo ao processualista aplicar com maior eficácia os produtos de todo o trabalho colhido ao longo da história, tomando consciência amis clara da função instrumental do processo e da necessidade de fazê-lo desempenhar de maneira efeitva o papel que lhe cabe.

85 ZAVASCKI, Teori Albino. Processo coletivo: tutela de direitos coletivos e tutela

coletiva de direitos, 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 23. 86 ARENHART, Sérgio Cruz. Perfis da tutela inibitória coletiva. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2003, p. 141. 87 ZAVASCKI, Teori Albino. Op. cit., p. 13. 88 Ibidem, p. 14.

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53

Esta visão deve igualmente animar o processualista ao debruçar-se sobre o processo coletivo e sobre os fenômenos a ele correlatos. O pensamento de que se trataria de um “processo” absolutamente novo, e de que seria necessário desconsiderar tudo aquilo que já se produziu na ciência, seria rematado equívoco. Ao contrário, todos os conhecimentos hauridos devem ser aproveitados, ajustados às exigências decorrentes das peculiaridades deste processo, que nada mais é do que concepção voltada ao efetivo atendimento das novas necessidades, peculiarizadas pelas características próprias dos conflitos de massa. Daí a previsão de novas formas de tutela, ou de técnicas processuais que se ajustem às especificidades das relações de natureza coletiva, vale dizer, ao direito material, i. é, modernizar para melhor tutelar. Pode-se afirmar que essa necessária revisão de métodos e instrumnetos não chega ao ponto de fundar-se uma nova ciência, mas simplesmente adaptá-la às necessidades identificadas no plano do direito substancial.89

Com efeito, houveram sucessivos avanços na legislação brasileira, em que

se vislumbra um sistema integrado, com vistas à defesa dos interesses supra-

individuais, tais como a Lei nº 4.717/65 (Lei de Ação Popular), Lei nº 7.853/89 (Lei

de Proteção das Pessoas Portadoras de Deficiência), Lei nº 7.913/89 (Lei de

Proteção dos Investidores no Mercado de Valores Mobiliários), Lei 8.069/89

(Estatuto da Criança e do Adolescente), Lei nº 8.429/92 (Lei de Improbidade

Administrativa), Lei nº 8.884/94 (Lei de Defesa da Ordem Econômica e da Livre

Concorrência, Lei nº 8.625/93 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público), bem

como a Lei nº 7.347/85, a qual “disciplina a ação civil pública de responsabilidade

por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor

artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico”, em integração com a Lei nº

8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), como destaca Odoné SERRANO

JÚNIOR:

Essa integração decorre do artigo 21 da Lei 7.347/85 e do artigo 90 da Lei 8.070/90. Diz o artigo 21 da Lei 7.347/85 que: “Aplicam-se à defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais, no que for cabível, os dispositivos do Título III da Lei que institui o Código de Defesa do Consumidor”. Por seu turno, o artigo 90 da Lei 8.078/90, prevê: “Aplicam-se às ações previstas neste título as normas do Código de Processo Civil e da Lei 7.347, de 24 de julho de 1985, inclusive no que diz respeito ao inquérito civil, naquilo que não contrariar suas disposições”.90

Feitas essas ponderações, verificam-se inúmeras dificuldades de aplicação

dos dispositivos que tratam do processo coletivo, principalmente porque, ao

89 LEONEL, Ricardo de Barros. Manual do Processo Coletivo. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2002. 90 SERRANO JÚNIOR, Odoné. Processo Coletivo: Tutela coletiva de direitos

individuais homogêneos e tutela de direitos difusos e coletivos. Curitiba: Mimeo (Escola do Ministério Público do Estado do Paraná), 2009, p. 44.

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contrário do que ocorrera nos países em que se originou a tutela coletiva, no Brasil

os mecanismos com tais desideratos se deram por iniciativa do legislador, e não

pela prática forense.91

Entretanto, reconhece-se que a legislação brasileira estrutura-se em

dispositivos aptos à efetivação da tutela coletiva, por meio de diversos mecanismos

inovadores. Postos em evidência direitos difusos, coletivos ou individuais

homogêneos, há possibilidade de implementação destes em Juízo.92

Nas palavras de Sérgio Cruz ARENHART:

De toda sorte, o direito brasileiro comporta grande auxílio para a organização da sociedade civil em benefício da tutela dos interesses metaindividuais – realizada, para os fins que aqui interessam, em torno do Judiciário, por meio dos mecanismos de tutela jurisdicional dos interesses coletivos – por meio de diversas leis que disciplinam e facilitam o acesso à Justiça em relação a esses direitos. São dispositivos realmente inovadores e de vanguarda, que, todavia, ao têm sido adequadamente aplicados na prática, pelos mais diversos motivos. Efetivamente, embora seja bastante completo esse sistema de tutela, o receio demonstrado pela jurisprudência e algumas regras, incorporadas tardiamente ao sistema, inviabilizam, muitas vezes, a adequada proteção desses interesses, ainda que seja boa a perspectiva futura.93

Nesse cenário, se evidencia a importância da atuação efetiva do Ministério

Público, que, por meio da Ação Civil Pública, possibilita a tutela e implementação

dos direitos fundamentais, notadamente, repita-se, dos direitos sociais, inclusive

como meio de implementação de políticas públicas com tal finalidade, conforme

abordado no item 2.6 deste trabalho.

3.1 Tutela dos direitos metaindividuais

Estabelecidas as premissas em que se evidenciaram os chamados direitos

ou interesses supra ou metaindividuais, indagou-se na doutrina onde estes estariam

inseridos face aos aspectos diferenciais traçados pela tradicional dicotomia entre

interesse público e interesse privado.

Chegou-se à conclusão de que os direitos ou interesses metaindividuais

consistiriam uma terceira categoria de interesses, situada entre os interesses

91ARENHART, Sérgio Cruz. Op. cit., p. 151. 92LEONEL, Ricardo de Barros. Op. cit., p. 432. 93ARENHART, Sérgio Cruz. Op. cit., p. 151.

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privados e os públicos, aproximando-se mais destes últimos, que refletem os

interesses de toda a comunidade94, semelhante à idéia de interesse público primário.

Dentro da concepção de direitos ou interesses meta ou supra individuais,

cujas diferenciações terminológicas não assumem especial relevância, o legislador

brasileiro, diante das imprecisões conceituais que dificultavam sua correta

compreensão e aplicação, conceituou-os em três espécies, indicadas no art. 81,

parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.087/90).

Estabeleceu-se, portanto, os direitos difusos, coletivos stricto sensu e

individuais homogêneos, com traços distintivos que serão tratados nos tópicos que

seguem.

3.1.1 Direitos difusos

Cumpre consignar que não se revela tarefa fácil conceituar ou mesmo

compreender as balizas postas pelo legislador, com vistas a sistematizar os direitos

transindividuais em categorias ou espécies, de modo a otimizar-lhes a aplicação por

meio dos instrumentos processuais adequados à efetivação e tutela dos mesmos.

Com efeito, dispõe o art. 81, parágrafo único, inciso I, do Código de Defesa

do Consumidor que “interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos

deste Código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares

pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato.”

Assim, sob o aspecto subjetivo, os interesses ou direitos difusos, como

espécie de direitos transindividuais, caracterizam-se por terem vários titulares, que

são absolutamente indetermináveis, ou seja, não se revela possível individualizar o

titular dos direitos. Observado sob o aspecto objetivo, caracteriza-se pela

indivisibilidade, cujo significado traduz que não podem ser satisfeitos nem lesados

senão de maneira que afete todos os possíveis titulares.

Em outras palavras, são direitos que não comportam apropriação individual

exclusiva, não pertencem a somente um titular, e a satisfação ou lesão de um só

acarreta a satisfação ou lesão de todos, ou seja, envolve toda a coletividade, pois é

94LEONEL, Ricardo de Barros. Op. cit., p. 93/95.

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indivisível entre os sujeitos que compõem essa comunidade. Não se revela viável,

portanto, a possibilidade de delimitação da titularidade dos direitos ou interesses.

Com vistas a otimizar o entendimento de tais conceitos, Pedro LENZA cita

vários exemplos, baseados em vários doutrinadores, que podem ser lembrados

como direitos difusos:

a) o direitos de todos não serem expostos à propaganda enganosa e abusiva veiculada pela televisão, rádio, jornais, revistas, painéis publicitários; b) a pretensão a um meio ambiente hígido, sadio e preservado para as presentes e futuras gerações; c) o dano decorrente da contaminação de um curso de água; d) o direito de respirar um ar puro, livre da poluição que tanto assola as grandes metrópoles; e) o dano difuso gerado pela falsificação de produtos farmacêuticos por laboratórios químicos inescrupulosos; f) a destruição, pela famigerada indústria edilícia, do patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico; g) a defesa do erário público; h) o direito à proteção dos mananciais hídricos; i) o dano causado pela rotulagem irregular de alimentos ou medicamentos; j) o dano nefasto e incalculável de cláusulas abusivas inseridas em contratos padrões de massa; k) produtos com vícios de qualidade ou quantidade ou defeitos colocados no mercado de consumo; l) a construção de um shopping center em determinado bairro residencial, trazendo dificuldades para o trânsito local; m) a instalação de uma casa noturna em um bairro residencial, perturbando o sossego de pessoas indeterminadas; n) a queima de cana-de-açúcar (produzindo não só o impacto ambiental, como a perturbação à saúde das pessoas, ocasionando problemas respiratórios e sujeira em cidades, cmo, no Estado de São Paulo, a de Ribeirão Preto); o) a integração pacífica dos diversos componentes raciais e sociais (...)

Considerando-se a temática do presente trabalho, importante salientar que

os direitos fundamentais sociais previstos na Constituição da República,

especialmente o direito à saúde pública e à educação, previstos nos arts. 6º, 196 e

205, caracterizam-se como direitos difusos, vez que evidente a sua indivisibilidade,

bem como a indeterminabilidade dos titulares, que estão ligados por circunstância de

fato, que pode ser entendida como a simples condição de ser humano.

Em consequência desse entendimento, pode-se afirmar, ainda, que a

coletividade tem o direito público subjetivo de implementação de políticas públicas

para efetivação de tais direitos fundamentais sociais, situação que se enquadra

também como direito difuso.

Daí a especial importância da ação civil pública como meio de tutela e

efetivação dos direitos fundamentais, observada a eficácia erga omnes da sentença

de procedência, ou seja, a irradiação de efeitos para toda a coletividade, cujo tema

será apreciado em tópico específico abaixo.

Em vista do exposto, Ricardo de Barros LEONEL traduz de maneira sintética

e didática o âmbito conceitual e de alcance dos direitos difusos:

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Neste particular, insuperável, ainda hoje, a definição segundo a qual os interesses difusos são aqueles metaindividuais, que, não tendo atingido o grau de agregação e organização necessário à sua afetação institucional junto a certas entidades ou órgãos representativos do interesses já socialmente definidos, restam em estado fluido, dispersos pela sociedade civil como um todo, podendo certas vezes concernir a certas coletividades de conteúdo numérico indefinido. Suas características essenciais são a indeterminação dos sujeitos, a indivisibilidade do objeto, a intensa litigiosidade interna (confronto entre interesses de massa contrapondo entre si grupos antagônicos, contrariamente ao conflito tradicional entre indivíduo e autoridade, refletindo verdadeiras escolhas políticas), e, finalmente a tendência à mutação no tempo e no espaço.95

3.1.2 Direitos coletivos stricto sensu

No tocante aos direitos coletivos stricto sensu, o legislador assim o conceitua

no art. 81, parágrafo único, inciso II, do CDC: “interesses ou direitos coletivos, assim

entendidos, para efeitos deste Código, os transindividuais de natureza indivisível, de

que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a

parte contrária por uma relação jurídica base.”

Assim, da mesma forma que os direitos difusos, os direitos coletivos stricto

sensu têm como característica a indivisibilidade, mas com a indeterminação relativa

dos titulares, os quais se revelam identificáveis, em que pese não serem facilmente

determináveis. Justamente neste ponto reside a diferença marcante entre os direitos

difusos e os coletivos stricto sensu.

Sobre esses traços distintivos, Sérgio Cruz ARENHART tece as seguintes

considerações:

A diferença essencial entre os direitos difusos e os direitos coletivos (stricto sensu) está possibilidade de delimitação da coletividade a quem pertence o interesse. Os interesses difusos pertencem, naturalmente, a pessoas indeterminadas, disseminadas na sociedade, e que, por metas circunstâncias fáticas, estão ligadas ao bem jurídico objeto de proteção. Já os interesses coletivos (stricto sensu) têm como titular um grupo, categoria ou classe de pessoas; tais pessoas ligam-se entre si ou com o agente da lesão ao direito por uma relação jurídica base. Ao contrário do que ocorre com os direitos difusos, portanto, os direitos coletivos permitem que se identifique, em um conjunto de pessoas, um núcleo determinado de sujeitos, concebidos como categoria jurídica, como seu titular. Pouco importa se esse grupo é ou não organizado; o relevante, mesmo, é a existência de um agrupamento identificável, como titular do interesse (v. g., os consumidores, os aposentados, os contribuintes), não sendo necessário que todos estejam inseridos em uma associação, sindicato ou outro órgão representativo. Este órgão será efetivamente legitimado a propor a ação, mas os efeitos da tutela abrangerão a todos os que pertençam ao grupo, independentemente de estarem o não vinculados ao organismo.96

95 Ibidem, p. 105. 96ARENHART, Sérgio Cruz. Op. cit., p. 156.

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Outro ponto distintivo entre direitos difusos e coletivos decorre do fato de

que nestes os indivíduos estão ligados entre si por uma relação jurídica de direito

material comum a todos, ao passo de que naqueles os titulares são ligados por

simples circunstâncias fáticas.

Com peculiar clareza didática, Ricardo de Barros LEONEL assim sintetiza as

características dos interesses coletivos:

Deste modo, as notas identificadoras dos interesses coletivos são: mínimo de organização, a fim de que tenham a coesão e a identificação necessárias; a afetação destes interesses a grupos determinados ou determináveis, que são os seus portadores (ente esponenziali); vínculo jurídico básico, comum a todos os integrantes do grupo, que lhes confere uma situação jurídica diferenciada. São exemplos de tais grupos os sindicatos, as associações, a família, os partidos políticos etc.97

3.1.3 Direitos individuais homogêneos

Os direitos individuais homogêneos são definidos pelo art. 81, parágrafo

único, inciso III, do CDC da seguinte forma: “interesses ou direitos individuais

homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.”

Em que pese o legislador tratar de tal categoria de direitos como espécie do

gênero transindividuais, assim não o são, uma vez que refletem interesses ou

direitos de pessoas determinadas, passíveis de cômoda divisão, em que eventual

satisfação ou lesão pode ser verificada por determinado indivíduo sem afetar os

demais.

Com efeito, já no título da obra do Ministro Teoria Albino Zavascki sobre o

tema, “Processo coletivo: tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos” já é

possível deduzir a diferença entre direitos coletivos lato sensu, como

transindividuais, e de direitos individuais tutelados coletivamente.

Nesse particular, pontifica este jurista, com muita ênfase:

Uma das principais causas, senão a principal, dos equívocos nesse novo domínio processual foi a de confundir direito coletivo com a defesa coletiva de direitos, que trouxe a conseqüência, a toda evidência distorcida, de se imaginar possível conferir aos direito subjetivos individuais, quando tutelados coletivamente, o mesmo tratamento que se dá aos dieritos de natureza transindividual. A origem contemporânea e comum dos mecanismos de

97LEONEL, Ricardo de Barros. Op. cit., p. 107.

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tutela de um e outro desses direitos, acima referida, explica, talvez, a confusão que ainda persiste em larga escala, inclusive da lei e na jurisprudência. Com efeito, a partir do advento do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, que introduziu mecanismo especial para a defesa coletiva dos chamados direitos individuais homogêneos, passou-se, não raro, a considerar tal categoria de direitos, para todos os efeitos, como espécie dos direitos coletivos e difusos, lançando-os todos em vala comum, como se lhes fossem comuns e idênticos os instrumentos processuais e as fontes normativas de legitimação para a sua defesa em juízo. [...] Também a afirmação segundo a qual os direitos individuais homogêneos assumem, às vezes, a “roupagem” de direito coletivo e, como tal, podem ser classificados como “acidentalmente coletivos”, ou, ainda, como “subespécie dos interesses coletivos”, deve ser entendida com reservas. É classificação decorrente não de um enfoque material do direito, mas sim de um ponto de vista estritamente processual. O “coletivo”, consequentemente, diz respeito apenas à “roupagem”, ao acidental, ou seja, ao modo como aqueles direitos podem ser tutelados. No entanto, é imprescindível ter presente que o direito material – qualquer direito material – existe antes e independentemente do processo. Na essência e por natureza, os direitos individuais homogêneos, embora tuteláveis coletivamente, não deixam de ser o que realmente são: genuínos direitos subjetivos individuais. Essa realidade deve ser levada em consideração quando se busca definir e compreender os modelos processuais destinados à sua adequada e mais efetiva defesa.98

Assim, têm como características serem determinados ou determináveis seus

titulares, serem individuais, em sua essência, a divisibilidade do objeto tutelado e a

mesma origem99, por nascerem de um mesmo fato jurídico.

A propósito do tema, bem observa o ilustre professor e promotor de justiça

do Ministério Público do Paraná, Odoné SERRANO JÚNIOR:

Alguns direitos individuais, por terem a mesma origem, por nascerem de um mesmo fato jurídico, apresentam um núcleo de homogeneidade, isto é, um conjunto de questões comuns, que possibilita serem eles tratados coletivamente em sede de tutela jurisdicional. Para tanto, tais direitos individuais são vistos e considerados como que agrupados, como um conjunto de direitos, sendo tratados não como átomos, mas como molécula. Apesar de homogêneos, estes direitos não deixam de ser individuais, isto é, não deixam de fazer parte dos patrimônios individuais de cada um dos seus respectivos titulares. Como são direitos materiais individuais, agrupados apenas para fins de propiciar tutela coletiva, os direitos individuais homogêneos podem ser satisfeitos ou lesados em forma diferenciada e individualizada, satisfazendo ou lesando um ou alguns sem afetar os demais.100

Verifica-se, portanto, que a disciplina dessa categoria de direitos em meio ao

dispositivo que regulamenta os direitos metaindividuais se justifica por critérios de

política legislativa, visando conferir aos direitos individuais homogêneos maior

efetividade e alcance, evitando-se conflitos de julgados em situações com alta

similitude, o que certamente implicaria em desprestígio da atividade jurisdicional,

98ZAVASCKI, Teori Albino. Op. cit., p. 32-47. 99LEONEL, Ricardo de Barros. Op. cit., p. 108. 100 SERRANO JÚNIOR, Odoné. Op. cit., p. 04/05.

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bem como prevenindo a proliferação de demandas sobre o mesmo tema, com

mesmo pedido e causar de pedir, o que aliviaria a sobrecarga de demandas perante

o Poder Judiciário.101

Assim, são considerados, sob o enfoque processual, como direitos

acidentalmente coletivos, uma vez que é prevista a possibilidade de tratamento e

proteção jurídica por meio do processo coletivo.

3.2 Legitimidade ativa

Como visto acima, os direitos difusos e coletivos, como pertencentes à

categoria denominada meta ou transindividuais, são revestidos de características

que lhe são peculiares, principalmente em face da indivisibilidade, comum a ambos,

e da titularidade pertencente à sociedade como um todo, no caso do primeiro, e de

grupo, categoria ou classe de pessoas, no caso do segundo.

Dessa forma, restaria inviável exigir-se que, por exemplo, em caso de lesão

ou ameaça de lesão a direitos difusos ou coletivos, todos os titulares

comparecessem em juízo, visando obter a tutela jurisdicional adequada à solução de

eventuais casos concretos, com base na aplicação do art. 6º, do Código de

Processo Civil, o qual veda a possibilidade de pleitear, em próprio nome, direito

alheio, considerando-se, ainda, os limites subjetivos da coisa julgada material, que

somente atingiria a esfera jurídica dos atores processuais (art. 472, do CPC),

ressalvada as hipóteses de legitimação extraordinária, conferido, em caráter

excepcional, a quem não é titular do direito e promove a defesa, em nome próprio,

de direito alheio, somente em casos de expressa autorização legal.

Como bem observa Ricardo de Barros LEONEL:

A definição da legitimação ativa para as demandas coletivas é questão que envolve dificuldades legislativas, em virtude da complexidade teórica e prática da matéria. Esta dificuldade decorre de que, quando se trata de defesa em juízo dos interesses supra-individuais, normalmente aquele que se pretende legitimado não é diretamente titular daqueles, ou, ainda que o seja, não exerce essa posição de preeminência em caráter de exclusividade. Basta recordar que no nosso sistema o direito de ação é ordinariamente conferido a quem é titular da situação protegida, na legitimação ordinária, e excepcionalmente conferido a quem não é titular dos direitos ou interesses e promove sua defesa em nome próprio e no interesse alheio, na legitimação extraordinária ou substituição processual. Somente é

101LEONEL, Ricardo de Barros. Op. cit., p. 108/110.

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possível agir em juízo, na defesa de interesse que não é do próprio demandante, quando há expressa autorização legal nesse sentido.102

Em outras palavras, tais dispositivos, que partem de uma concepção de

tutela individual de direitos, como regra geral, somente autorizam o titular do direito

material a postular em juízo pretensão com vistas a obter provimento jurisdicional

para acertar a relação jurídica, ficando os efeitos da sentença de mérito limitados às

partes integrantes do processo.

Entretanto, diante dos novos traços característicos inerentes aos direitos

coletivos lato sensu, o regime de outorga da legitimação ativa mereceu adaptações,

com vistas a viabilizar o exercício do direito de ação, com base em técnicas

processuais objetivando tal desiderato.

Assim, observadas as demandas por meio das quais se buscam a tutela

jurisdicional relativas à direitos coletivos lato sensu, em especial a ação civil pública,

foco da presente pesquisa, o art. 5º, da Lei 7.347/1985 enumera, taxativamente, o

rol de legitimados ativos da seguinte forma, in verbis:

Art. 5º Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautela: I - O Ministério Público; II - A Defensoria Pública; III - A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; IV - a autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista; V - a associação que, concomitantemente: a) esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil; b) inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.

Em complemento ao rol acima, o art. 82, do CDC acrescenta, ainda, em

decorrência da integração legislativa, órgãos ou entidades ainda que sem

personalidade jurídica, que são legitimados ativos para propositura de ações cujo

objeto seja a tutela dos referidos direitos.

Contemplou-se, dessa maneira, em se tratando de direitos metaindividuais,

a possibilidade de órgãos públicos e outras instituições de ajuizar demandas perante

o Poder Judiciário, na qualidade de representante adequado da coletividade, ou da

categoria ou classe de pessoas, conforme o caso. Dentro desse contexto, o regime

de outorga da legitimação ativa para postular a tutela jurisdicional é o da

102 Ibidem, p. 154.

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representatividade adequada, em que se reconhece a legitimação autônoma para a

condução do processo103, que não se confunde com legitimação ordinária ou

extraordinária, ponto de grande polêmica na doutrina104.

Nesse aspecto, LEONEL pondera que:

Há necessidade de abandonar as concepções tradicionais da legitimação como premissas absolutas. A dualidade de conceitos - legitimação ordinária e extraordinária - não serve de forma adequada à identificação da legitimação em matéria de interesses supra-individuais. O princípio da identificação do interesse ainda aqui é válido, bem como seu liame com aquele que o postula em juízo, mas de forma peculiar, fugindo do raciocínio inflexível ligado à concepção individualista. Deve-se observar que, quem demanda em defesa de interesses difusos ou coletivos, postula ao mesmo tempo tanto aquilo que é próprio como alheio e indivisível; não se pode, assim, afirmar que atue como legitimado ordinário, pois não o é integralmente ao pretender a defesa do que é de titularidade alheia; não se pode, do mesmo modo, asseverar que postule como legitimado extraordinário, pois, embora atue em nome próprio na defesa de interesse alheio, também atua para a tutela de interesse próprio. Foge esta modalidade de legitimação às regras, princípios e concepções clássicas.105

Vislumbra-se, portanto, uma pluralidade de legitimados para a propositura de

ação civil pública, de maneira concorrente e disjuntiva, porquanto a legitimação é

conferida a vários entes, e qualquer um deles pode atuar em juízo sem contar,

necessariamente, com a participação de outro legitimado. Assim, eventual

litisconsórcio a ser formado é facultativo.106

Outro aspecto relevante no que concerne à legitimação ativa para a

propositura da ação civil pública refere-se à ao interesse de agir como condição

implícita de legitimação, fundado na pertinência temática exigível a todos os

legitimados ativos, com exceção do Ministério Público, cuja atuação é ampla e

incondicionada, face às suas atribuições institucionais.107

Exige-se, portanto, que a pretensão deduzida em juízo pelo ente

demandante guarde indissociável relação com suas atribuições, competências, ou

fins colimados, direta ou indiretamente, ou seja, deve se situar dentro de suas

finalidades institucionais, de seus limites de atuação, de forma a se estabelecer um

liame entre estes e o caso concreto.108

103 Ibidem, p. 159. 104 LENZA, Pedro. Op. cit., p. 170/187. 105LEONEL, Ricardo de Barros. Op. cit., p. 159. 106 Ibidem, p. 162. 107ZAVASCKI, Teori Albino. Op. cit., p. 62. 108LEONEL, Ricardo de Barros. Op. cit., p. 167.

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Nesse sentido, o magistério de Teori Albino ZAVASCKI:

Não é assim tão ampla e incondicionada a legitimação da Defensoria Pública e das pessoas de direito público referidas na Lei de Ação Civil Pública (União, Estados, Municípios). É que a legitimação ativa deve ser associada, necessariamente, ao interesse de agir. “Para propor ou contestar ação”, diz o art. 3.º do CPC, “é necessário ter interesse e legitimidade”. No caso do Ministério Público, o interesse na defesa de direitos difusos e coletivos se configura pela só circunstância de que ela representa o cumprimento de suas próprias funções institucionais. É diferente, entretanto, com os demais legitimados, cujas funções primordiais são outras e para as quais a atuação em defesa de diretos transindividuais constitui atividade acessória e eventual. Embora sem alusão expressa no texto normativo, há, em relação a eles, uma condição de legitimação implícita: não é qualquer ação civil pública que pode ser promovida por tais entes, mas apenas as que visem tutelar direitos transindividuais que, de alguma forma, estejam relacionados com interesses da demandante. Seja em razão de suas atividades, ou das suas competências, ou de seu patrimônio, ou de seus serviços, seja por qualquer outra razão, é indispensável que se possa identificar uma relação de pertinência entre o pedido formulado pela entidade autora da ação civil pública e seus próprios interesses e objetivos como instituição. [...] Essa mesma relação de interesse jurídico deve estar presente quando a demanda for promovida pelos demais legitimados do art. 5.º da Lei 7.347/85: autarquias, empresas públicas, fundações, sociedades de economia mista e associações.109

Em se tratando de direitos individuais homogêneos, considerados como

acidentalmente coletivos, verifica-se que o tratamento processual coletivo, como

opção de política legislativa, a eles se aplica, com as mesmas disposições

referentes aos direitos coletivos lato sensu, no tocante aos legitimados ativos e ao

regime de outorga da representatividade adequada (arts. 21, da Lei 7.347/85 e 90,

do CDC), de modo a obter o provimento jurisdicional com vistas a acertar o núcleo

de homogeneidade, com base na técnica da repartição da atividade cognitiva.

Assim, não obstante essa categoria de direitos ser individual, com a

possibilidade de cada titular, de maneira individualizada, atuar em juízo, visando

tutelar seu direito de forma atomizada, revela-se vantajoso a tutela coletiva desses

direitos, adstrita à margem de homogeneidade, comum à todos, evitando-se a

multiplicação de demandas com o mesmo objeto e decisões judiciais conflitantes

sobre um mesmo tema. Além disso, podem haver casos em que a lesão

individualizada apresenta-se tão ínfima que sequer viabilizaria a propositura de ação

singular, face aos custos do processo.110

109ZAVASCKI, Teori Albino. Op. cit., p. 63. 110LEONEL, Ricardo de Barros. Op. cit., p. 109.

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3.2.1 O Ministério Público

O Ministério Público, face às peculiares garantias e prerrogativas

constitucionais de seus membros, bem como de suas abrangentes atribuições,

ampliadas significativamente pela Carta da República de 1988, se situa numa

posição de total independência dentro da estrutura estatal, aspectos pelos quais a

Instituição assume papel de notável destaque na defesa dos interesses coletivos lato

sensu e individuais homogêneos, o que se dá por meio de seu principal instrumento

processual, qual seja, a ação civil pública, regulada pela Lei nº 7.347/1985, em

integração caracterizadora de um verdadeiro “microssistema” integrado com o

Código de Defesa do Consumidor, além de outras leis de especial alcance, como

dito alhures.

Nesse sentido, as irretocáveis considerações de Rodolfo de Camargo

MANCUSO:

Conquanto tenha o constituinte sinalizado para uma legitimação ativa aberta e participativa (propriamente cooperativa) na defesa dos interesses metaindividuais, acenando para vários co-legitimados (cidadão-eleitor, associações, órgãos públicos, entes políticos, Ministério Público - CF, art. 5º, XXI e LXXIII; art. 129, III, IX; art. 225), fato é que a práxis judiciária, contudo, veio revelando que tal afluênica não se realiza com a proporcionalidade ou o equilíbrio esperados. Os entes públicos, como é curial, estão comumente presos a injunções de toda a sorte, pressões, compromissos partidários, o que muita vez lhes retira ou de algum modo compromete o empenho e a isenção desejáveis, para não falar, como já antes lembrado, das situações em que a lesão ao valor ou interesse metaindividual tem em sua etiologia - por ação ou omissão - os próprios agentes públicos. As associações ambientalistas, de defesa dos consumidores - justiça se lhes faça quanto à pertinácia e à seriedade de seus propósitos - lutam com dificuldades de ordem material e pessoal, e necessitariam receber maior apoio dos Poderes constituídos, para poderem enfrentar, em melhores condições, os grandes conflitos existentes nessas áreas, envolvendo interesses poderosos. Enfim, o cidadão, em seu isolamento, muita vez ocorre sentir-se fragilizado ante a perspectiva de dar início a uma relação processual que contrapõe interesses de grande vulto, como sói ocorrer nas ações populares fundadas na defesa da moralidade administrativo. Nesse contexto, caberia um destaque a certos órgãos ou agências paragovernamentais (v. g., os PROCONs), que se têm notabilizado no ajuizamento de ações coletivas, mormente em matéria de interesses individuais homogêneos (CDC, art. 81, III, e 82, III). Com isso, a preponderância das iniciativas judiciais no campo dos interesses metaindividuais, inclusive os relativos ao controle das políticas públicas, foi apontando, claramente, para o Ministério Público, e isso se deve a um conjunto de circunstâncias: a indisponibilidade material da atuação do Parquet (v. g., CF, art. 129, V c/c o art. 232), temperada, em certos casos, com uma (relativa) disponibilidade na conduta processual (v.g., ações fundadas em atos de improbidade administrativa - Lei 8.429/92, art. 17, § 1º, c/c a Lei 7.347/85, art. 5º, § 6º); a incumbência genérica para a “defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis” (CF, art. 127); a função institucional de “zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias à sua garantia” (art. 129, II); a autonomia funcional, administrativa e financeira

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(Lei Complementar federal 75/93, art. 22); a existência de cláusulas de extensão, tanto na Constituição Federal (art. 129, III e IX) como na Lei 7.347/85 (art. 1º, IV), e na lei orgânica nacional do MP (75/93, art. 6º, VII, d), estendendo a atuação ministerial para outras funções compatíveis, concernentes a outros interesses metaindividuais ligados a valores e segmentos sociais porventura ainda não tipificados o normativizados, mas (por isso mesmo) carecedores de proteção.111

Isso se evidencia claramente quando se trata de violação aos direitos

fundamentais dos indivíduos, em especial, dos direitos sociais, que exigem uma

prestação positiva por parte do Estado e este se queda inerte, pela total ou parcial

ausência de políticas públicas para implementação de tais direitos.

Diante dessas situações, o Ministério Público, em seus mais variados

segmentos, têm ajuizado inúmeras ações civis públicas com o objetivo de garantir a

tutela dos direitos fundamentais, exigindo das pessoas políticas a efetivação de

prestações materiais mínimas aos cidadãos, que encontra fundamento no princípio

da dignidade da pessoa humana.

Nessas circunstâncias, e não raro, situam-se no pólo passivo das demandas

coletivas as pessoas jurídicas de direito público interno, quais sejam, a União, os

Estados, o Distrito Federal e os Municípios, que são também co-legitimadas à

propositura de ação civil pública.

3.2.1.1 Possibilidade de o Ministério Público ajuizar ação civil pública

visando a tutela de direitos individuais homogêneos

Dentro das funções institucionais do Ministério Público, a Constituição

Federal de 1988 prevê a promoção da ação civil pública, “para a proteção do

patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e

coletivos”.

Na mesma esteira, dentre o rol exemplificativo das hipóteses de cabimento

da ação civil pública, contido no art. 1º, da Lei 7.347/1985, consta, no inciso IV, a

previsão de “qualquer outro interesse difuso ou coletivo”, tratando-se, portanto, de

direitos metaindividuais.

Com o advento da Lei 8.078/1990, que instituiu o Código de Defesa do

Consumidor, previu-se, no art. 81, parágrafo único, inciso III deste Diploma, os

111 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação Civil Pública: lei 7.347/1985 - 15 anos, p. 792/793.

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direitos individuais homogêneos, passível de exercício, em Juízo, de maneira

individual ou coletiva.

Consagrou-se, portanto, por razões político-legislativas, como já dito nesta

pesquisa, a viabilidade da tutela coletiva dos direitos individuais homogêneos, com

base na técnica da repartição da atividade cognitiva, em que, nas ações coletivas,

são acertados os núcleos de homogeneidade comuns aos indivíduos, possibilitando-

se as posteriores liquidações e execuções, com a resolução das margens de

heterogeneidade, ou seja, das peculiaridades individualmente consideradas.

Assim, pelo fato desses direitos individuais serem passíveis de serem

tutelados coletivamente, muitos entenderam, em virtude da redação do dispositivo

supra, que se inseriam na abrangência dos direitos transindividuais, quando, na

realidade, são “acidentalmente coletivos”, o que se vislumbra sob a perspectiva

processual, e não do direito material.

Por conta disso, surgiram indagações sobre a legitimidade do Ministério

Público para propor ações coletivas em se tratando de direitos individuais

homogêneos, assim sintetizadas por Rodolfo de Camargo MANCUSO:

As restrições gizadas na doutrina e jurisprudência acerca da legitimidade do MP quando o interesse é individual homogêneo, podem ser assim sintetizadas: a) que a CF, na parte reservada ao MP, fala em interesses difusos e coletivos, não se referindo, ao menos nomeadamente, a “individuais homogêneos”; b) que o texto constitucional, quando legitima o MP à defesa de interesses individuais, acrescenta o qualificativo “indisponíveis”; c) que a isolada circunstância do número porventura expressivo de sujeitos abrangidos num dado interesse “individual homogêneo” não seria motivo suficiente para imprimir a nota da “relevância social” à espécie, de onde pudesse exsurgir a legitimação do parquet.112

Com efeito, a tendência da doutrina e da jurisprudência é de admitir a

legitimidade ativa do Ministério Público para pleitear, por meio de ação civil pública,

a tutela de direitos individuais homogêneos, quando presentes o interesse social da

questão, por conta das atribuições e competências definidas pela Constituição

Federal.113

112 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Sobre a legitimação do Ministério Pùblico em matéria

de interesses individuais homogêneos. In MILARÉ, Edis (Coord.). Ação civil pública: Lei 7.347/85: reminiscências e reflexões após dez anos de aplicação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p. 438-450.

113 Neste sentido: ZAVASCKI, Teori Albino. Op. cit., p. 162; LEONEL, Ricardo de Barros. Op. cit., p. 190; APPIO, Eduardo. A ação civil pública no estado democrático de direito. Curitiba: Juruá, 2007, p. 197; ALMEIDA, João Batista de. Aspectos controvertidos da ação civil pública, 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 124.

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Cumpre ressaltar que, embora a Carta Magna não mencione expressamente

interesses individuais homogêneos dentro das hipóteses de cabimento de ação civil

pública, aliado ao fato de que a Lei 7.347/1985 não previu, da mesma forma, o

cabimento desta demanda para proteção de tais direitos, parece evidente que a

interpretação da Constituição e das leis que versam sobre a matéria deve ser

sistemática e teleológica, observado que a Lei acima e o Código de Defesa do

Consumidor formam um microssistema integrado, por conta dos arts. 21 e 90,

respectivamente, além de que o art. 83 deste último Diploma prevê expressamente

que “para a defesa dos direitos e interesses protegidos por este Código são

admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e

efetiva tutela.”

Nesse sentido, ARENHART, com muita precisão, pontifica que:

Poderia alguém objetar à completude do sistema legal de proteção dos interesses metaindividuais (ou individuais de massa), apontando como lacuna do sistema, porque a Lei de Ação Civil Pública restringe sua utilização apenas aos direitos difusos e coletivos, excluindo os individuais homogêneos. A crítica, entretanto, não tem fundamento. Muito embora o art. 1.º, IV, da Lei da Ação Civil Pública fale apenas em direitos difusos e coletivos, é viável a tutela coletiva de direitos individuais homogêneos que não digam respeito às hipóteses expressamente previstas na Lei 7.347/85. Realmente, de início, a Lei de Ação Civil Pública foi concebida para regular apenas as ações de responsabilidade civil, de obrigação de fazer e não fazer e as ações cautelares. Hoje, porém, em vista do art. 83 do CDC – que consagra o direito à adequada tutela jurisdicional –, são cabíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar a adequada e efetiva tutela dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos. Aliás, nem sequer seria razoável excluir do campo de incidência da ação civil pública (ou de qualquer outra ação coletiva) os direitos individuais de massa; a tutela coletiva dos direitos individuais homogêneos , além de eliminar o custo das inúmeras ações individuais e de tornar mais racional o trabalho do Poder Judiciário, supera os problemas de ordem cultural e psicológica que impedem o acesso à Justiça e neutraliza as vantagens dos litigantes habituais e dos litigantes mais fortes (como as grandes empresas). De outro lado, a limitação da utilização da Lei 7.347/85 apenas aos direitos coletivos e difusos esbarra na hermenêutica sistêmica do próprio dispositivo acima invocado. É que a lei prevê sua utilização para qualquer ação de “responsabilidade por danos morais e patrimoniais” causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico e paisagístico. Ora, esses danos (especialmente se pensados sob a ótica da proteção do consumidor) têm nítido caráter individual homogêneo, razão suficiente para concluir que a lei foi concebida, também, para a proteção desses interesses. Coroando, ademais, esse entendimento, é de ser invocada a regra do art. 21 da mesma lei, a dispor que, para a tutela dos direitos e interesses (e, em vista disso, quer significar qualquer direito ou interesse), difusos, coletivos e individuais, são também aplicáveis as regras do Código de Defesa do Consumidor, em nítida alusão a que a Lei de Ação Civil Pública não se limita a tratar de interesses metaindividuais, mas também rege a proteção de interesses individuais de massa.

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Dessa forma, caracterizado o interesse público, marcado pela relevância

social dos direitos individuais homogêneos, deve o Ministério Público ajuizar ação

civil pública caso haja ameaça ou lesão a tais direitos, considerando-se sua

dimensão, abrangência e importância para a sociedade.

3.2.1.2 Repartição de atribuições e litisconsórcio entre o Ministério

Público Federal e Ministério Público dos Estados e do Distrito Federal

O Ministério Público, como instituição permanente e essencial à função

jurisdicional do Estado (art. 127, CF), tem como princípios institucionais a “unidade,

a indivisibilidade e a independência funcional” (art. 127, § 1º, CF).

Diante das vastas atribuições constitucionais e legais atribuídas à essa

Instituição, a Constituição Federal prevê, em seu art. 128, a distribuição de

atribuições de seus integrantes, dentro de uma estrutura orgânica, mas que

constituem uma só Instituição, por conta dos princípios da unidade e

indivisibilidade.114

Como bem observa Ricardo de Barros LEONEL:

O princípio constitucional da unidade do Ministério Público tem o significado de que a instituição, em verdade, e uma só em todo o território nacional, não obstante a própria Constituição, o legislador ordinário e o próprio administrador formulem, em diversos graus, a divisão de serviços para correto desempenho das respectivas funções. Isto vale para afirmar, na prática, que, onde houver um órgão qualquer do Ministério Público oficiante, a própria instituição é que estará presente.115

Assim, no âmbito da Justiça comum, ou seja, não especializada, atuam o

Ministério Público Federal, em causas de competência da Justiça Federal, e o

Ministérios Públicos dos Estados e do Distrito Federal, com atuação perante as

Justiças Estaduais e do Distrito Federal, respectivamente.

Surge, dessa forma, dúvidas e questionamentos sobre a delimitação do

âmbito de atuação do Ministério Público, face à repartição de atribuições.

Com efeito, num primeiro momento, revela-se óbvio que a atuação do

Ministério Público perante as chamadas “Justiças especializadas” se dará de acordo

114 SILVA, José Afonso da. Curso ..., p. 556. 115LEONEL, Ricardo de Barros. Op. cit., p. 247.

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com o critério de competência material, em que, por exemplo, o Ministério Público do

Trabalho funcionaria perante a Justiça do Trabalho.

Questão mais complexa se verifica quando da fixação de critérios de

repartição de atribuições da Instituição na esfera da “Justiça comum” ou residual.

Nesse aspecto, vislumbra-se que o critério de definição da competência da Justiça

Federal, delimitados no art. 109, da Constituição Federal, se dá não em razão da

matéria, mas em razão das pessoas integrantes da relação processual.

Como observa Teori Albino ZAVASCKI:

[...] o critério constitucional para repartir a competência cível entre Justiça dos Estados e Justiça Federal é, como se percebe, ratione personae, isto é, leva em consideração as pessoas envolvidas no processo. É irrelevante, para esse efeito (ressalvadas as exceções mencionadas), a natureza da controvérsia sob o ponto de vista do direito material ou do correspondente pedido, postos na demanda. Mais ainda: ao lado desse requisito subjetivo (a qualidade da pessoa jurídica interessada), a Constituição agrega um requisito objetivo: a efetiva presença dessa pessoa na relação processual, que deverá, necessariamente, nela ser figurante na condição de autor, ou de réu, ou como assistente ou como opoente.116

Feitas estas considerações, as dificuldades se tornam ainda maiores face à

peculiar característica da indivisibilidade dos direitos difusos e coletivos, como

ocorre, em exemplo clássico trazido pela doutrina, de dano ao meio ambiente, em

que há indeterminação dos titulares.

Nos parece que a solução mais adequada é apresentada com base nos

postulados da simetria, o qual prevê que cada órgão do Ministério Público cabe

atuar na Justiça que, segundo a Carta da República, lhe é correspondente.117

Assim, perante a Justiça comum, basta que o Ministério Público Federal

integre a relação processual para que seja atraída a competência da Justiça

Federal, uma vez que, embora não ter personalidade jurídica própria, lhe é conferida

a “personalidade processual federal”.118

Por fim, cumpre registrar que o art. 5º, § 5º, da Lei 7.347/1985 prevê

expressamente a possibilidade de litisconsórcio facultativo entre Ministérios Públicos

da União, do Distrito Federal e dos Estados, na defesa dos direitos e interesses

116ZAVASCKI, Teori Albino. Op. cit., p. 130. 117ALMEIDA, João Batista de. Op. cit., p. 128. 118ZAVASCKI, Teori Albino. Op. cit., p. 132.

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metaindividuais, o que se aplica também às hipóteses de direitos individuais

homogêneos.

Parte da doutrina entende pela inocuidade do litisconsórcio entre Ministério

Público da União e dos Estados, face à referida simetria com a Justiça perante a

qual exercem suas atribuições.119 Nesse aspecto, as ponderações de João Batista

de ALMEIDA:

Entendemos ser mais profícuo o “trabalho cooperativo” entre os vários ramos e segmentos do Ministério Público, de tal sorte que, se um deles tomar conhecimento de fato a ser apurado e não tiver atuação perante a Justiça competente para o processo judicial, deverá remeter todas as informações de que dispõe - inclusive documentos, perícias e inquérito civil - para que o outro Ministério Público aprofunde as investigações, se necessário, e promova as medidas judiciais cabíveis. Esse procedimento evitará conflitos entre Ministérios Públicos, além de prejuízo e insegurança à sociedade, como antevisto por Voltaire de Lima Moraes. E respeitará as áreas de atribuição de cada ramo ou segmento do Parquet.120

Em sentido contrário, Ricardo de Barros LEONEL admite a atuação conjunta

entre Ministérios Públicos, tendo em vista as peculiares características dos direitos

metaindividuais, sendo que não se trata especificamente de “litisconsórcio”, mas de

um fenômeno próprio, de atuação conjunta. Confira-se as palavras deste jurista:

Entretanto, as características abrangentes dos interesses supra-individuais não se amoldam a prévias definições relativas à divisão de competências ou de atribuições do Ministério Público. O dano ambiental atinge, por vezes, área territorial e interesses de dois ou mais Estados, ou de um Estado e da União. Se o dano atinge dois ou mais Estados, é verdade que basta a ação proposta pelo Parquet de um dos entes federativos para que a instituição Ministério Público esteja presente na demanda. Mas, em virtude da peculiaridade e da abrangência dos danos metaindividuais, o legislador estabeleceu exceção ao sistema, permitindo que o Ministério Público de outro Estado lesado ou da União atuem em “litisconsórcio”, com o que, inicialmente, aforou a demanda coletiva. [...] É verdade que, partindo da concepção tradicional sobre o elemento subjetivo da identificação das demandas - igualdade de condição jurídica da parte ativa -, torna-se difícil identificar, na atuação conjunta de Ministérios Públicos, propriamente um “litisconsórcio”, pois atuando uma ou outra instituição, o “Ministério Público” estará presente. Entretanto, não se pode, pelo equivocado “rótulo”, negar o próprio fenômeno. Pouco importa o nome que se dê à presença no pólo ativo da demanda de dois Ministérios Públicos estaduais, ou de um estadual com o Ministério Público da União. O fenômeno que se identifica é a atuação conjunta entre Ministérios Públicos, que não tem necessidade de buscar, na sistemática tradicional, razão de justificação. [...]

119 Neste sentido, ALMEIDA, João Batista de. Op. cit., p. 132/136; ZAVASCKI, Teori Albino.

Op. cit., p. 128. 120ALMEIDA, João Batista de. Op. cit., p. 135.

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A defesa dos interesses supra-individuais deve considerar suas peculiaridades, o que inviabiliza a oposição de óbices que bem se amoldam à tutela de situações individuais. Deve-se adaptar as concepções às necessidades específicas da tutela supra-individual, com pensamento progressista e desvinculado da interpretação restritiva da legislação processual tradicional, pois esta se funda em razões diversas e pode conduzir a conclusões equivocadas.121

De uma forma ou de outra, deve-se ter em mente que essas divergências de

posicionamento acerca da atuação conjunta dos Ministérios Públicos no pólo ativo

da demanda envolvendo direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos não

pode servir de óbice à tutela e efetivação de tais direitos. Em outras palavras, deve-

se primar pela proteção e efetivação do direito material, sendo o processo

instrumental que não tem um fim em si mesmo, mas que tem por escopo viabilizar o

bem da vida por meio do adequado provimento jurisdicional.

3.2.1.3 Impossibilidade de celebração de transação e inviabilidade de

desistência da ação

Outro ponto peculiar inerente à atuação do Ministério Público, por meio da

ação civil pública, refere-se à impossibilidade de celebração de transação, face às

características da indivisibilidade dos direitos difusos e coletivos, em que a

titularidade pertence à sociedade como um todo, no caso do primeiro, e de grupo,

categoria ou classe de pessoas, no caso do segundo, conforme já exposto nos itens

3.1.1 e 3.1.2 supra.

Assim, a atuação do Parquet como autor da ação civil pública se daria pelo

regime de outorga da legitimação ativa, que se dá pela representatividade

adequada, consistente na legitimidade para condução do processo. Nessa condição,

verifica-se que o Ministério Público atua em substituição processual aos titulares do

direito material e, por conta disso, não lhe é autorizado a prática de atos de

disposição de direito que não lhe pertence.

Nesse raciocínio, a doutrina de ZAVASCKI:

Apropriado afirmar-se, por conseguinte, que os atos qe importarem, direta ou indiretamente, disposição do objeto material da controvérsia, como a transação e o reconhecimento do pedido, não estão abrangidos entre as faculdades próprias à substituição processual. É que a transação, como escreveu Pontes de Miranda, “é negócio

121LEONEL, Ricardo de Barros. Op. cit., p. 247/249.

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jurídico bilateral, em que duas ou mais pessoas acordam sobre determinada ou determinadas relações jurídicas, seu conteúdo, extensão, validade ou eficácia. Esta a razão que o levou a concluir que “a transação judicial tem conteúdo de direito material e só é processual o efeito de pôr termo ao processo”, que “a transação, negócio jurídico de direito material, tem de existir, ser válida e ser eficaz segundo os princípios de direito material que a rege”, e que “a feitura de transação, pendente a lide, homologada pelo juiz (...), não a processualiza: a homologação é para reconhecer-lhe eficácia quanto à relação jurídica processual, que é entre os figurantes da transação e o juiz, e só por decisão dele se pode desfazer, cessando, então, para o Estado, o dever da prestação jurisdicional prometida. [...] Ora, “a legitimação para agir, conferida ao Ministério Público nos casos de ação civil, atende sempre ao interesse público. Este interesse é indisponível, dado que o direito substancial derivado do interesse público é indisponível. Isso vale ainda que se trate de direito meramente patrimonial, pois, legitimado o Ministério Pùblico para vir a juízo agir na defesa desse interesse, ele se transforma de privado em público. Logo, o Ministério Público não poderá praticar atos que importem disposição do direito material como, v.g., a renúncia ao direito, a confissão, a transação e o reconhecimento jurídico do pedido, no casos de estar no pólo passivo, como parte, na relação jurídica processual.122

Reconhece-se, entretanto, a viabilidade de firmar com os interessados

compromisso de ajustamento de sua conduta, nas ações que tenham por objeto

obrigações de fazer ou não fazer, de maneira que sejam atendidas as exigências

legais, mediante cominações, o que não significa abrir mão do direito material objeto

de tal compromisso.123

Como bem nos elucida LEONEL:

Não se trata de transação na acepção precisa do vocábulo. Como modalidade de composição de litígios, a transação só se caracteriza caso sejam feitas concessões substanciais por parte de ambos os transigentes quanto ao objeto material do litígio. No compromisso de ajustamento não há concessão alguma por parte do ente público legitimado, mas sim submissão do responsável pela lesão aos interesses supra-individuais. Deste modo, o compromisso de ajustamento, como forma de conciliação, amolda-se melhor à espécie denominada “submissão”, não à transação, como usualmente é tratada, pela impossibilidade de renúncia total ou parcial dos legitimados quanto ao direito material.124

Na prática, o compromisso de ajustamento de conduta revela-se de grande

importância e aptidão para conferir efetividade ao direito material em questão, seja

durante o procedimento do inquérito civil, seja no curso da ação civil pública, motivo

pelo qual sua utilização tem sido incentivada como meio alternativo ao processo

judicial, marcado por longas discussões, que se arrastam por anos perante o Poder

Judiciário.

122 ZAVASCKI, Teori Albino. Op. cit., p. 139/140. 123 Ibidem, p. 141. 124LEONEL, Ricardo de Barros. Op. cit., p. 323.

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No tocante à desistência da ação pelo Parquet, esta revela-se inviável, uma

vez que a atuação da Instituição na ação civil pública é regida pelo princípio da

indisponibilidade e da obrigatoriedade, ou seja, presentes situação jurídica com os

pressupostos para o ajuizamento, deve o órgão do Ministério Público propor a ação

e velar pelo seu prosseguimento, face à natureza do direito material objeto da

demanda.125

Entretanto, a melhor doutrina126 admite a desistência da ação em hipóteses

excepcionais, como vícios formais que fatalmente levarão o processo à extinção

sem julgamento do mérito, nos casos de demanda mal fundamentada. Em outras

palavras, o princípio da obrigatoriedade pode ser mitigado diante das peculiaridades

do caso concreto, de maneira excepcional, desde que fundamentadas as razões da

desistência, sujeito à fiscalização do magistrado, face à natureza e relevância dos

interesses supra-individuais, sendo que, em caso de abandono infundado, deverá o

magistrado remeter o feito ao Conselho Superior do Ministério Público, para que seja

realizado o exame do caso, referendando a desistência e arquivamento da demanda

ou designando outro membro para oficiar no feito, em semelhança ao que ocorre em

casos de promoção de arquivamento de inquérito civil.127

3.2.1.4 Ministério público como custos legis e substituição processual

A Lei 7.347/1985 dispõe, em seu art. 5º, § 1º, que “o Ministério Público, se

não intervier no processo como parte, atuará obrigatoriamente como fiscal da lei”,

disposição repetida no art. 92, do Código de Defesa do Consumidor.

A intervenção do Parquet na ação civil pública como custos legis justifica-se

ante ao interesse público que marca os direitos metaindividuais, em que a Instituição

deve zelar pela legalidade e pela proteção de tais direitos, preservada, seja como

autor ou como fiscal da lei, a autonomia funcional e independência do órgão que

oficiar no processo. A falta de intimação e intervenção do Ministério Público em tais

125 ZAVASCKI, Teori Albino. Op. cit., p. 142. 126 Neste sentido: LEONEL, Ricardo de Barros. Op. cit., p. 348-353; ZAVASCKI, Teori

Albino. Op. cit., p. 141-143; MAZZILLI, p. 103-106. 127LEONEL, Ricardo de Barros. Op. cit., p. 350-352.

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hipóteses acarreta a nulidade do feito, independentemente de ocorrência de

prejuízo.128

Prevê também a Lei 7.347/1985, no § 3º do mesmo dispositivo, que “em

caso de desistência infundada ou abandono da ação por associação legitimada, o

Ministério Público ou outro legitimado assumirá a titularidade ativa.”

Pelas mesmas razões de interesse público que marcam o objeto da ação

civil pública, tal previsão legal tem por objetivo a proteção dos interesses

metaindividuais

Entretanto, aplica-se também aqui o que foi dito a respeito do princípio da

obrigatoriedade tratado no item 3.2.1.3 acima, ou seja, cabe ao órgão do Ministério

Público avaliar as peculiaridades do caso concreto e decidir pela viabilidade ou não

em assumir a titularidade ativa do feito, identificando os fundamentos para tanto.

Sobre o tema, observa LEONEL:

A avaliação a ser feita pelo órgão do Ministério Público é a mesma que faria, hipoteticamente, se estivesse diante da decisão de propor ou não a ação. Há um poder-dever de agir, pois a atuação do Parquet, em razão do interesse público, está fundada no princípio da obrigatoriedade e não da disponibilidade. Todavia, não significa dever a instituição propor toda e qualquer ação, tampouco assumir a titularidade de ações que foram mal propostas, sem fundamento ou temerárias. Na prática, o exame deve ser feito caso a caso: identificando fundamentos que justificariam a propositura da ação, deve o órgão ministerial assumir a titularidade ativa. Se não identificá-los, não haverá razão para a continuidade do feito. Não seria razoável exigir do próprio fiscal da lei postura processual diversa.129

Se aplicam também a essa hipótese a possibilidade de controle judicial

sobre o prosseguimento ou não da ação, devendo o Conselho Superior do Ministério

Público proceder o exame final da questão.

3.3 Legitimidade passiva

O aspecto da legitimidade passiva em ações com o objetivo de conferir

tutela a direitos coletivos ou tutela coletiva a direitos individuais homogêneos, em

especial a ação civil pública, não tem sido alvo de especial atenção por parte da

doutrina, porquanto, via de regra, deverá integrar o pólo passivo da demanda

128ALMEIDA, João Batista de. Op. cit., p. 138. 129 LEONEL, Ricardo de Barros. Op. cit., p. 200.

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coletiva o causador da lesão ou de ameaça de lesão ao bem jurídico tutelado por

essa via processual130, o que será avaliado in statu assertionis, ou seja, em face das

alegações do autor, de maneira hipotética.

Nas palavras de LEONEL:

Como é intuitivo, deve figurar como demandado na ação todo aquele, pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, ou ente despersonalizado mas dotado de capacidade processual, que tenha ocasionado ou concorrido para a lesão ao interesse supra-individual tutelado, e que em função disso deva ser responsabilizado. [...] Tratando-se de responsabilidade pela prática de atos ilícitos, de natureza solidária, pela indivisibilidade da obrigação decorrente da própria incindibilidade do bem jurídico lesado (os interesses são essencialmente ou acidentalmente coletivos e como tal materialmente - os primeiros - e processualmente - os últimos - indivisíveis), a reparação do dano pode ser exigida indistintamente de um, de alguns, ou de todos os co-legitimados a figurar no pólo passivo da ação. A escolha pode recair, por parte do demandante, naquele que ostente melhores condições econômicas de arcar com o ressarcimento, ou sobre aqueles que foram identificados, se vários os responsáveis pela lesão e nem todos conhecidos. Nada obsta, entretanto, a utilização pelo demandado do chamamento ao processo, a fim de trazer à ação de conhecimento os demais responsáveis em caráter solidário.131

Feitas estas observações, verifica-se, inclusive, que os próprios entes

legitimados para a propositura da ação civil pública podem figurar como requeridos

neste tipo de demanda, o que não é raro, diga-se de passagem, à exceção do

Ministério Público, visto que é órgão estatal desprovido de personalidade jurídica.132

Entretanto, cumpre registrar, sem maiores aprofundamentos neste complexo

tema, face à proposta do presente trabalho, as divergências doutrinárias que

envolvem a aplicação do instituto da defendant class action norte americana no

direitos brasileiro.

As controvérsias resumem-se no estudo da legitimidade passiva nas

demandas coletivas sob a perspectiva da possibilidade da coletividade, classe,

grupo ou categoria, enquanto titulares dos direitos e interesses coletivos lato sensu e

individuais homogêneos, serem atingidas em decorrência de demanda ajuizada

contra a classe.133

130ALMEIDA, João Batista de. Op. cit., p. 150. 131LEONEL, Ricardo de Barros. Op. cit., p. 201/203. 132 LENZA, Pedro. Op. cit., p. 198. 133LEONEL, Ricardo de Barros. Op. cit., p. 205/207; LENZA, Pedro. Op. cit., p. 200/205.

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3.4 Competência

Dentro das relações jurídicas travadas dentro da sociedade, constatado a

lide decorrente de uma pretensão resistida ou a ameaça ou lesão a direito, surge o

interesse processual em promover o ajuizamento de demanda, visando a obtenção

de provimento jurisdicional apto a tutelá-lo, observada a garantia constitucional da

inafastabilidade da jurisdição, prevista no art. 5º, XXXV, da Carta da República,

assegurada a ampla defesa e o contraditório como corolários do devido processo

legal, nos termos do art. 5º, LIV e LV do Texto Constitucional.

Posta esta assertiva, surge, num primeiro momento, a necessidade de

definição do juízo competente, conforme o caso, o que depende de vários fatores,

como a competência originária dos Tribunais, das Justiças especializadas, da

Justiça Federal comum e, superados tais critérios, chega-se ao foro.

Em se tratando de direitos difusos e coletivos, dispõe o art. 2º, da Lei

7.347/1985 de que é competente o “foro do local onde ocorrer o dano, cujo juízo terá

competência funcional para processar e julgar a causa.”

Assim, o dispositivo contempla competência funcional, ou seja, absoluta,

para processamento e julgamento das demandas coletivas, diferentemente do

sistema do Código de Processo Civil, o qual, nas hipóteses de natureza

condenatória ou reparatória, adota-se o critério territorial, do lugar do dano, sendo de

caráter relativo, somente declinável se oportunamente suscitada a incompetência

territorial por meio processual apropriado.134

Nessa linha, bem observa Ricardo de barros LEONEL:

Os critérios adotados para sua fixação - local onde deva ocorrer ou onde ocorreu o dano, local onde foi cometida a cão ou omissão na hipótese de interesses da infância e da juventude - são compilador pelo legislador não em razão do interesse privado e disponível das partes na demanda, mas sim em função do interesse público na maior facilidade na produção da prova, e na maior probabilidade de apuração da verdade real. Sendo o interesse público determinante na fixação da competência territorial,forçoso reconhecer seu caráter funcional, absoluto, improrrogável e inderrogável. Ademais, o próprio legislador foi expresso ao imprimir o caráter absoluto à hipótese, excluindo de forma peremptória a possibilidade de modificação ou convalescimento, se ajuizada demanda coletiva em foro incompetente.135

134LEONEL, Ricardo de Barros. Op. cit., p. 215. 135 Ibidem, p. 217.

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Entretanto, configurada situação em que mais de um juízo seja competente,

o critério utilizado para solução do impasse será o da prevenção, definida pelo

primeiro ajuizamento. Tal hipótese é facilmente perceptível quando, por exemplo, um

dano ambiental abranja dois municípios, situação em que os dois juízos seriam

igualmente competentes para conhecimento da matéria.

Nesse sentido, elucidas-nos João Batista de ALMEIDA:

A LACP não esgotou todos os aspectos processuais: tratou dos mais relevantes e diferenciadores, como do foro competente da legitimação, do objeto, dos recursos, mas deixou de cuidar, por exemplo, da questão da competência concorrente. Preferiu mandar aplicar à LACP subsidiariamente o Código de Processo Civil, naquilo em que não contrarie suas disposições (art. 19). Assim, na hipótese de ocorrer dano em mais de uma comarca, resolve-se pela prevenção, ou seja, qualquer delas tem competência para processar e julgar a ação civil pública, inclusive medidas cautelares, mas o juiz que dela tomou conhecimento em primeiro lugar passa a ser o único competente. É o que se chama de “jurisdição preventa”.136

Noutras situações, quando de tratarem de demandas que envolvam direitos

individuais homogêneos, o art. 93, do Código de Defesa do Consumidor prevê a

competência da seguinte forma, in verbis:

Art. 93. Ressalvada a competência da Justiça Federal, é competente para a causa a justiça local: I - no foro do lugar onde ocorreu ou onde deva ocorrer o dano, quando de âmbito local; II - no foro da Capital do Estado ou no do Distrito Federal, para os danos de âmbito nacional ou regional, aplicando-se as regras do Código de Processo Civil aos casos de competência concorrente.

Dessa forma, o CDC inova ao estabelecer diferentes competências,

adotando-se o critério do âmbito do dano, estabelecendo diferentes regras de

competência nas hipóteses conforme se trate de abrangência local, regional ou

nacional.

Em que pese o CDC não estabelecer expressamente que a competência

para processamento e julgamento de demanda envolvendo direitos individuais

homogêneos seja funcional e absoluta, não significa reconhecer a relatividade da

mesma, visto que as mesmas razões para a fixação da competência absoluta do

foro da Ação Civil Pública estão presentes nas hipóteses do art. 93, face a

integração dos dois diplomas legais.

136ALMEIDA, João Batista de. Op. cit., p. 111.

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Por fim, importante salientar que, segundo o entendimento do ilustre

professor Odoné SERRANO JÚNIOR, as regras do art. 93, do CDC não se aplicam

às demandas envolvendo direitos difusos e coletivos, prevalecendo, nesses casos, a

regra do art. 2º, da Lei 7.347/1985. Assim, aduz que:

A regra do artigo 93 da Lei 8.078/90 não se aplica às demandas sobre direitos difusos e coletivos, eis que rege as demandas de tutela coletiva a direitos individuais homogêneos. Portanto, ela não revogou o caput do artigo 2º da Lei 7.347/85 em face do princípio da especialidade. Pode haver competências concorrentes entre órgãos jurisdicionais de vários foros, no caso de danos regionais ou nacionais. Nestes casos, quando há competências concorrentes, elas são também disjuntivas. Isto significa que, com a prevenção, todos os demais juízes, que antes eram, deixam de ser competentes para a causa. As outras demandas idênticas não preventas deverão ser extintas por litispendência.137

3.5 Tutelas de urgência

A sistemática do direito processual civil brasileiro, com o objetivo de garantir

a adequada proteção ao direito material objeto de demanda judicial, dispõe de

mecanismos voltados à garantir a tutela efetiva do bem jurídico, para assegurar a

efetividade do futuro provimento jurisdicional ou, ainda, antecipando os efeitos deste

à situação presente, desde que cumpridos os requisitos legais, conforme o caso.

Isso decorre do direito fundamental à decisão urgente, como pontifica Luiz

Guilherme MARINONI:

[...] o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva, quando se dirige contra o juiz, não exige apenas a efetividade da proteção dos direitos fundamentais, mas sim, que a tutela jurisdicional seja prestada de maneira efetiva para todos os direitos. Tal direito fundamental, por isso mesmo, não requer apenas técnicas e procedimentos adequados à tutela dos direitos fundamentais, mas sim, técnicas processuais idôneas à efetiva tutela de quaisquer direitos. De modo que a resposta do juiz não é apenas uma forma de dar proteção aos direitos fundamentais, mas sim, uma maneira de conferir tutela efetiva a toda e qualquer situação de direito substancial, inclusive aos direitos fundamentais que não requerem proteção, mas somente prestações fáticas do Estado (prestações em sentido estrito ou prestações sociais).

138

Em se tratando de direitos transindividuais ou individuais homogêneos,

podem surgir situações de lesão ou ameaça a direito, o que reclama tutela de

urgência, como a obrigação de não fazer, bem como a necessidade de uma

137SERRANO JÚNIOR, Odoné. Op. cit., p. 51. 138 MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2004, p. 187.

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prestação positiva por parte do réu, consistente numa obrigação de fazer, ou, ainda,

a obrigação de dar, entre outras variantes, tudo a depender do caso concreto.

Dessa forma, a Lei 7.347/1985 prevê, em seu art. 4º, a possibilidade de

ajuizamento de “ação cautelar, para os fins desta lei, objetivando, inclusive, evitar o

dano ao meio ambiente, ao consumidor à ordem urbanística ou aos bens e direitos

de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.”

Previu-se, dessa forma, o cabimento do processo cautelar, disciplinado no

Livro III do Código de Processo Civil, o qual, de caráter instrumental ao processo

principal (demanda coletiva), servirá de meio voltado à garantia da efetividade a ser

proferida no processo principal.139 Presentes os requisitos do fumus boni iuris e do

periculum in mora, ou seja, o grau mínimo de plausibilidade do direito e a situação

de risco de dano irreparável ou de difícil reparação, cabível concessão da tutela

cautelar.

Merece destaque o poder geral de cautela do magistrado, previsto no art.

798, do CPC, o qual autoriza a concessão de provimento cautelar diante de qualquer

situação de a justifique, independentemente de estarem tipificadas.

Assim, a viabilidade de ajuizamento de ação cautelar autônoma dependerá

das peculiaridades do caso concreto, principalmente se o autor não dispor de todos

os dados e provas necessárias ao ajuizamento da ação principal.

Nesse aspecto, Ricardo de Barros LEONEL esclarece que:

A opção pelo uso ou não da via procedimental autônoma está a depender da situação concreta. Se o autor já dispõe de documentos, provas e dados necessários inclusive para a demanda de conhecimento, não há razão para exigir-se que primeiramente formule ação cautelar autônoma, para posteriormente ingressar com a principal. Razoável que ajuíze a demanda principal e nesta formule o pedido “cautelar”, seja ele conservativo (segurança) ou satisfativo (antecipação dos efeitos da tutela final). Entretanto, se o autor não dispõe de todos os dados necessários, mas já se ressente da necessidade de garantir a futura satisfação de seu direito (urgência), nada obsta que ingresse com a demanda cautelar conservativa (segurança) ou de satisfação (antecipação), fazendo-o em procedimento autônomo, para ajuizar a ação principal após ter amealhado informes mais completos que permitam a sua propositura.140

Já o art. 12 da Lei 7.347/1985 dispõe que “poderá o juiz conceder mandado

liminar, com ou sem justificação prévia, em decisão sujeita à agravo.” Contempla-se,

139 FERRAZ, Sérgio. Provimentos antecipatórios na ação civil pública. In MILARÉ, Edis

(Coord.). Ação civil pública: Lei 7.347/85: reminiscências e reflexões após dez anos de aplicação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p.451-459.

140LEONEL, Ricardo de Barros. Op. cit., p. 297.

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dessa maneira, a concessão de provimento jurisdicional inaudita altera pars, no bojo

da própria ação civil pública.

Por fim, revela-se cabível, ainda, a antecipação dos efeitos da tutela,

prevista no art. 273, do Código de Processo Civil, por força da subsidiariedade deste

Diploma legal, conforme prevê o art. 19, da Lei 7.347/1985.

A tutela antecipada prevista no artigo 273, caput e inciso I do Código de

Processo Civil, possibilita que o juiz conceda à parte provimento liminar que

assegure e proteja o bem jurídico da prestação de direito material objeto da ação,

desde que demonstrados os requisitos da prova inequívoca, que convença sobre a

verossimilhança da alegação e que haja fundado receio de dano irreparável ou de

difícil reparação.

Vislumbra-se, portanto, que a legislação contempla mecanismos para

assegurar a efetiva proteção dos direitos objeto de ação civil pública, destacando-se

a possibilidade de implementação dos direitos fundamentais sociais em casos de

urgência, mediante provimentos judiciais acautelatórios, liminares ou pela

antecipação dos efeitos da tutela almejada.

3.6 Sentença e Coisa julgada

Diante das características peculiares dos direitos difusos, coletivos e

individuais homogêneos, verificam-se algumas particularidades no tocante à

sentença e respectivos regimes de formação da coisa julgada material.

Com efeito, verifica-se que a ação civil pública comporta a tutela dos mais

variados direitos, o que enseja a obtenção de provimentos jurisdicionais que sejam

adequados à proteção e efetivação das pretensões deduzidas no caso concreto.

Em outras palavras, ocorrendo a situação de ameaça ou lesão a direitos

difusos, coletivos ou individuais homogêneos, o legitimado ativo deverá formular

pedido apto à satisfação do direito material da coletividade, seja de maneira

inibitória, ressarcitória, reintegratória etc. Admite-se, portanto, nas ações civis

públicas, todos os tipos de sentença, com base na classificação quinária das

mesmas, quais sejam, declaratórias, constitutivas, condenatórias, mandamentais e

executivas lato sensu.

Sobre o tema, Sérgio Cruz ARENHART admite que:

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81

A ação civil pública é fundamentalmente regida pelo conjunto formado pela Lei 7.347/85 e pelo Código de Defesa do Consumidor. Deveras, não se trata de uma única ação, mas sim de um conjunto aberto de ações, de que se pode lançar mão sempre que estas se apresentem adequadas para a tutela desses direitos coletivos. Nesse sentido, claramente estabelece o art. 83 do CDC, que, “para a defesa dos direitos e interesses protegidos por este Código são admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela”. Portanto, não se pode dizer, de maneira adequada, que exista uma ação civil pública; existe, isto sim, uma categoria de ações, todas elas recebendo o rótulo de “ação civil pública”, mas que se mostram tão distintas entre si quanto as peculiaridades de cada direitos coletivo carente de tutela. As ações civis públicas, pois, podem veicular quaisquer espécies de pretensões imagináveis, sejam elas inibitórias, reintegratórias, ressarcitórias ou de adimplemento. Admitem, ainda, sob outro prisma, pretensões declaratórias, condenatórias, constitutivas, mandamentais e executivas. O art. 84 do CDC - origem imediata da previsão genérica do art. 461 do CPC e evolução da previsão antes existente na Lei da Ação Civil Pública, nos seu art. 11 -, aliás, prevê inclusive a tutela específica das obrigações de fazer e não fazer, concebendo uma ação sincrética, que reúne, desde logo, cognição e execução em uma única relação processual.141

Assim, em que pese o art. 3º da Lei 7.347/1985 prever que “a ação civil

poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de

fazer ou não fazer”, tal assertiva merece ser interpretada não pelo simples método

gramatical, mas frente aos princípios da efetividade e instrumentalidade do

processo, o que implica no prestígio aos métodos sistemático e teleológico.

Ademais, por conta da integração das Leis 7.347/85 e 8.078/90, constituindo

um microssistema de processo coletivo, não se pode desprezar a regra contida no

art. 83 deste último diploma, o qual enuncia que “para a defesa dos direitos e

interesses protegidos por este Código são admissíveis todas as espécies de ações

capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela.”

Como ensina Teori Albino ZAVASCKI:

Em se tratando de norma processual, como é o caso, deve-se ter presente que o processo é instrumento de “programação do debate judicial”, é meio para servir a um fim: a tutela do direito material, Como todo instrumento, o processo está necessariamente submetido ao princípio da adequação: suas regras e ritos deve adequar-se, simultaneamente, aos sujeitos, ao objeto e ao fim, ensinou o Professor Galeno Lacerda. A visão teleológica do processo, assim demarcada, é elemento essencial e decisivo para a intepretação do alance das regras que o compõem. Se o processo é instrumento, há de se entender que suas formas devem ser interpretadas de acordo com a findalidade para a qual foram criadas. Ora, a ação civik pública destina-se a tutelar direitos e interesses difusos e coletivos. Há de se entender, consequentemente, que é instrumento com aptidão suficiente para operacionalizar, no plano jurisdiconal, a proteção ao direito material da melhor forma e na

141ARENHART, Sérgio Cruz. Op. cit., p. 159/160.

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maior extensão possível. Somente assim será adequado e útil. Se não puder servir ao direito material, a ação civil pública será ferramente desprezível.142

Tais considerações ganham ainda maior expressão quando o objeto da ação

civil pública corresponder à direitos fundamentais previstos na Carta da República,

em que a tutela e efetivação destes decorrem de sua aplicabilidade imediata, como

conseqüência do princípios da máxima efetividade e da força normativa da

Constituição.

Nessa seara, vislumbra-se, nas hipóteses de ação civil pública cujo objeto

envolve a pretensão de implementação de políticas públicas ou de implementação

das já existentes, para efetivação dos direitos fundamentais sociais, uma pretensão

de obtenção de provimento jurisdicional que reconheça e imponha uma de obrigação

de fazer aos Poderes Públicos, ou mesmo de obrigação de dar, nos casos em que

se pleiteie a entrega de um bem, como, por exemplo, remédios imprescindíveis ao

tratamento médico do indivíduo.

Outro aspecto de igual importância concerne ao regime de formação da

coisa julgada material, em se tratando se demanda que vincule proteção aos direitos

coletivos lato sensu e aos direitos individuais homogêneos, observadas, como já

referido por diversas vezes, suas particularidades.

Com efeito, segundo a previsão do art. 467, do Código de Processo Civil,

“denomina-se coisa julgada material a eficácia, que torna imutável e indiscutível a

sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário.” Assim, operado o

trânsito em julgado da sentença, está tem força de lei entre as partes, nos limites da

lide e das questões decididas, a teor do art. 468 do mesmo codex.

Acerca das funções da coisa julgada material, elucida-nos Odoné

SERRANO JÚNIOR:

Duas são as funções da res iudicata material: 1) definir vinculativamente a situação jurídica objeto do julgamento (= função positiva, imperatividade ou autoridade de coisa julgada) e 2) impedir que se restabeleça, em outro processo, a mesma controvérsia (função negativa ou de exceção de coisa julgada). Pela função negativa, a coisa julgada exaure a demanda exercida e exclui a possibilidade de sua repropositura. Pela função positiva, a coisa julgada impõe às partes obediência ao julgado como norma indiscutível de disciplina das relações extrajudiciais entre elas e obriga a autoridade judiciária a ajustar-se a ela, nos pronunciamentos que a pressuponham e que a ela devem ser coordenados.143

142 ZAVASCKI, Teori Albino. Op. cit., p. 59. 143SERRANO JÚNIOR, Odoné. Op. cit., p. 57.

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Na sistemática contemplada no Código de Processo Civil, tanto as

sentenças de mérito de procedência do pedido, como as de improcedência, são

acobertadas pelo manto da coisa julgada material, não importando se a

improcedência se deu pela ausência de provas, baseada na regra distributiva do

ônus da prova prevista no art. 333 deste Estatuto, salvo em situações excepcionais,

exemplificadas por SERRANO JÚNIOR, como “no inventário (art. 1.000, parágrafo

único, do CPC), no mandado de segurança individual (artigo 15 da Lei 1.533/51 e

Súmula 304 do STF) e na desapropriação (artigo 34, caput, e parágrafo único, do

Decreto-lei 3.365/41).”

Em se tratando de direitos difusos e coletivos, a improcedência da demanda,

por falta de provas, não implica em formação de coisa julgada material,

expressamente previsto no art. 16, da Lei 7.347/85, entendimento decorrente da

idéia de que essa deficiência de provas, admitida eventual deficiência de

participação no processo, não pode prejudicar a coletividade.144

Nesse sentido, observa ARENHART:

Em ambos os casos (coisa julgada em ação de direitos coletivos e difusos), a coisa julgada é dita secundum eventum litis, porque se opera apenas em face das circunstâncias da causa. Assim, apenas a sentença que houver julgado essa demanda, de maneira plenária (com base em todas as provas atinentes ao conflito), é que terá a condição de operar a coisa julgada material. Quando o legislador afirma que não há coisa julgada material quando a prova é insuficiente, há ruptura com o princípio (que é uma ficção necessária) de que a plenitude do contraditório é bastante para fazer surgir cognição exauriente. Há, em outras palavras, expressa aceitação das hipóteses de que a participação do legitimado (do art. 82) no processo pode não ser capaz de fazer surgir cognição exauriente, e de que essa deficiente participação não pode prejudicar a comunidade ou a coletividade. É correto afirmar, portanto, que - nas ações que tutelam direitos transindividuais - pode haver sentença de improcedência com carga declaratória insuficiente para a produção de coisa julgada material. Nas ações coletivas que tutelam direitos individuais, assim, a sentença de improcedência de cognição exauriente e a sua conseqüência, que é a formação de coisa julgada material, ocorrem, mais precisamente, secundum eventum probationis, ou seja, conforme o sucesso da prova.145

Dessa forma, não se operando a coisa julgada material na demanda coletiva

julgada improcedente por insuficiência de provas, há tão somente a formação de

coisa julgada formal, sendo admissível, portanto, a nova propositura da mesma

144ARENHART, Sérgio Cruz. Op. cit., p. 411. 145 Idem, p. 411/412.

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demanda, desde que fundada em prova nova (art. 16, da Lei 7.347/85 e art. 103, I e

II, do CDC).

Assim, somente em casos de procedência do pedido, verificar-se-á a

formação da coisa julgada material, com eficácia erga omnes, em se tratando de

direitos difusos, e ultra partes, limitadamente ao grupo, categoria ou classe, quando

se tratar da hipótese de direitos coletivos, conforme regra disposta no art. 103, I e II,

do CDC.

Situação diversa ocorre em relação às demandas de tutela coletiva de

direitos individuais homogêneos. Estes, como já salientado, não pertencem à

categoria chamada trans ou metaindividuais, ou coletivos lato sensu, também

designados de essencialmente coletivos, mas, ao contrário, são direitos individuais

que recebem o tratamento de tutela coletiva face à sua característica de

homogeneidade, como direitos idênticos inerentes à vários sujeitos. Por isso são

chamados, sob o prisma processual, de acidentalmente coletivos.

Dessa forma, a teor do art. 103, III, do CDC, somente em caso de

procedência da ação ter-se-á o efeito erga omnes, para beneficiar todos os titulares

dos direitos individuais, bem como seus sucessores.

Importante destacar que a improcedência da ação para a tutela de direitos

individuais homogêneos também implicará na formação da coisa julgada material.

No entanto, não produzirá efeito erga omnes, alcançando somente os titulares que

hajam integrado a relação processual na condição de litisconsortes.146

Cumpre analisar, ainda, o chamado transporte in utilibus da sentença

favorável prolatada em ação que vise a tutela de direitos coletivos lato sensu,

previsto no art. 103, § 3º, do CDC, às ações individuais que tenham como objeto o

mesmo fato, como medida de economia processual e celeridade, em que se

homenageia, ainda, a segurança jurídica, de modo a serem evitadas decisões

conflitantes sobre um mesmo fato, já decidido no âmbito da demanda coletiva.

Neste particular, pondera ARENHART:

A disciplina da coisa julgada ante as ações coletivas ainda traz outra inovação (sempre ditada no intuito de facilitar a situação as vítimas individuais da lesão): o transporte da coisa julgada, in utilibus, para as ações individuais que versem sobre o tema. Conforme prescreve o art. 104 do CDC, “as ações coletivas, previstas nos incisos I e II do parágrafo

146 Ibidem, p. 413.

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único do art. 81, não induzem litispendência para as ações individuais, mas os efeitos da coisa julgada erga omnes ou ultra partes a que aludem os incisos II e III do artigo anterior não beneficiarão os autores das ações individuais, se não for requerida sua suspensão no prazo de 30 (trinta) dias, a contar da ciência nos autos do ajuizamento da ação coletiva”. Há, evidentemente, na redação do dispositivo, nítido equívoco nas remissões feitas aos incisos do parágrafo único do art. 81 e aos incisos do art. 103. Não obstante grande parcela da doutrina entenda que a remissão correta estaria contemplando apenas os incisos II e III do parágrafo único do art. 81 (e, por conseqüência, os incisos II e III do art. 103), parece ser mais adequado compreender que a remissão abrange os três incisos do art. 103, valendo, portanto, os efeitos ali descritos, para todas as espécies de ações coletivas.147

Dessa forma, o autor da demanda individual, para se beneficiar da sentença

proferida em ação coletiva, deve, ciente do ajuizamento desta, requerer a suspensão

daquela, no prazo de trinta dias. Na hipótese de não estar ciente da ação coletiva

em trâmite de maneira concomitante com a ação individual, será beneficiado com a

sentença coletiva, devendo a demanda individual ser extinta sem julgamento do

mérito.

Ademais, caso o autor da ação individual, ciente da propositura da demanda

coletiva que busque a tutela de direitos individuais homogêneos, deve, de igual

maneira, requerer a suspensão daquela. Caso assim não faça, em caso de eventual

sentença de improcedência na ação individual, não será possível ao autor ser

beneficiado pela sentença de procedência da ação coletiva.148

Por fim, alvo de grandes discussões na doutrina e na jurisprudência, o art.

16, da Lei 7.347/1985 estabelece que “a sentença civil fará coisa julgada erga

omnes, no limites da competência territorial do órgão prolator.”

Com efeito, a doutrina tem criticado severamente tal dispositivo, com a

redação determinada pela Medida Provisória 1.570/1997, transformada na Lei

9.494/1997, uma vez que contempla hipótese absurda e ilógica, face aos postulados

teóricos básicos da coisa julgada material.

Como já dito acima, a coisa julgada consiste, em singelas palavras, na

imutabilidade e indiscutibilidade do que foi julgado, excluindo-se, portanto, a

possibilidade de rediscussão do julgado e impondo obediência do que foi decidido, o

que é inerente ao princípio da segurança jurídica.

Assim, não há o mínimo sentido em restringir tais qualidades da coisa

julgada material à limites territoriais do órgão prolator da decisão, uma vez que estes

147 Idem, p. 413/414. 148 Idem, p. 414.

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atributos são imperiosos perante toda a jurisdição do território nacional, que é una.

Do contrário, admitir-se-ia a rediscussão do que foi decidido perante órgão

jurisdicional diverso do que julgou pela primeira vez a causa, fulminando-se a

segurança jurídica e gerando situação esdrúxula, pois estar-se-ia chancelando a

possibilidade de decisões conflitantes sobre o mesmo caso, bem como negar-se-ia a

formação da coisa julgada.

Sobre o tema, ARENHART, com peculiar precisão, tece as seguintes

considerações:

A regra vem sendo, sem maior reflexão, aplicada pelos tribunais, conquanto já se esboce significativa alteração no pensamento jurisprudencial a seu respeito. A quem examinar adequadamente a regra, detendo um mínimo de conhecimento a respeito da teoria da coisa julgada, concluirá com tranqüilidade que a previsão é, em essência, absurda, seja por ser ilógica, seja por ser incompatível com a regência da coisa julgada. Como já se viu inúmeras vezes, a coisa julgada representa a qualidade de indiscutibilidade de que se reveste o efetio declaratório da sentença de mérito. Não se trata de um efeito da sentença, mas de uma qualidade que se agrega a certo efeito. Ora, pensar que uma qualidade de um efeito só existe em determinada porção do território, seria o mesmo que dizer que uma fruta só é vermelha em certo lugar do país; ou a fruta é vermelha, ou não é, da mesma forma que só se pode pensar em uma sentença imutável perante a jurisdição nacional, e nunca em dace de parcela desta jurisdição. Se um juiz puder decidir novamente a causa já decidida, em qualquer lugar do Brasil (da jurisdição brasileira), etnão é porque não existe, sobre a decisão anterior, coisa julgada. O pensamento da regra chega a ser infantil, não se podendo dar-lhe nenhuma função ou utilidade.149

Na verdade, a restrição pretendida pelo aludido dispositivo diz respeito não à

coisa julgada, mas aos efeitos da sentença, o que é distinto, portanto.

Ademais, em se tratando de direitos difusos e coletivos, condicionar

territorialmente os efeitos da sentença implica em contrariar a própria característica

da indivisibilidade, pois o proveito o lesão a um indivíduo, a todos beneficia ou

prejudica, respectivamente.150

Nesse sentido, Odoné SERRANO JÚNIOR bem sintetiza a problemática:

Em suma, a indivisibilidade do direito material e da jurisdição brasileira inviabiliza e invalida qualquer tentativa legislativa de fragmentar a proteção dos direitos difusos ou coletivos por meio da limitação da eficácia da sentença. Enfim, a nova redação do artigo 16 da Lei 7.347/85 não pode ser interpretada no sentido de fragmentar a coisa julgada, nem no sentido de fragmentar a eficácia da sentença proferida em demanda de tutela a direitos difusos ou coletivos stricto sensu aos limites territoriais utilizados como um dos critérios de fixação da competência porque tal interpretação seria incoerente, mormente levando-se em conta que:

149 Ibidem, p. 416. 150LEONEL, Ricardo de Barros. Op. cit., p. 258/259.

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1) a jurisdição exercida por qualquer órgãos jurisdicional brasileiro (estadual ou federal) tem amplitude nacional porque manifestação da soberania da República Federativa do Brasil; 2) as regras de competência não limitam a jurisdição, apenas disciplinam a distribuição de trabalho entre os diversos órgãos julgadores espalhados por todo o território nacional, definindo quem será incumbido de processar e julgar determinada causa; 3) a coisa julgada é autoridade que torna o acertamento do conflito de interesse deduzido em juízo imutável não sujeito a novo julgamento por qualquer outro órgão jurisdicional do Brasil; 4) a amplitude da eficácia do comando sentencial guarda simetria com a amplitude do direito material que foi objeto da tutela jurisdicional, não sendo possível fragmentar direitos indivisíveis por natureza. Portanto, é forçoso concluir que a nova redação do artigo 16 da Lei 7.347/85 não produziu qualquer alteração na disciplina da coisa julgada, nem limitou a amplitude da eficácia da sentença proferida em demanda para tutela de direitos difusos ou coletivos stricto sensu.151

Outra situação que implicaria em inúmeros problemas, como colocado pelo

citado jurista Sérgio Cruz ARENHART, se daria nos casos de interposição de

recursos ao Supremo Tribunal Federal e ao Superior Tribunal de Justiça, os quais

têm competência nacional. Indaga-se: como ficaria a situação do dispositivo em

comento face ao efeito substitutivo dos recursos, que implicaria na substituição da

decisão recorrida pela prolatada por estas Cortes? Ter-se-ia, então, a abrangência

nacional?152

Evidente, portanto, seja qual o ângulo abordado pelas críticas às restrições

estabelecidas pelo art. 16, da Lei 7.347/1985, que tal dispositivo é manifestamente

inconstitucional.

Por fim, cumpre salientar que dispositivo supra não se aplica às demandas

coletivas que envolvam a tutela de direitos individuais homogêneos, as quais estão

sujeitas a regramento específico, conforme previsão dos arts. 93 e 103 do Código de

Defesa do Consumidor153.

Entretanto, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça ora reconheceu

a que os efeitos da sentença, em se tratando de demanda que trata de direitos

individuais homogêneos, produzem-se erga omnes, para além dos limites da

competência territorial do órgão julgador154, ora em sentido diverso, reconhecendo a

aplicação do art. 16, da Lei 7.347/1985.155

151SERRANO JÚNIOR, Odoné. Op. cit., p. 65/66. 152ARENHART, Sérgio Cruz. Op. cit., p. 415/416. 153SERRANO JÚNIOR, Odoné. Op. cit., p. 66. 154 Neste sentido: STJ - 3ª T. - RESp 399357/SP - Rel. Min. Nancy Andrighi - DJe

20.04.2009. 155 Neste sentido: STJ - Corte Especial - AgRg no EREsp 253589/SP - Rel. Min. Luiz Fux -

DJe 01.07.2008.

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3.7 Breves considerações sobre o anteprojeto da nova lei de ação civil

pública

Da análise da presente pesquisa, evidenciou-se a paulatina evolução da

sociedade, com o reconhecimento de novos direitos através dos tempos, face às

peculiares circunstâncias vividas em cada época, fato que se vislumbra nas

chamadas “gerações” ou “dimensões” de direitos fundamentais.

Assim, verifica-se que o atual contexto social no qual estamos inseridos tem

por característica marcante do que se convencionou denominar de “sociedade de

massa”, o que demanda uma tutela jurisdicional diferenciada para garantir a

adequada tutela e efetividade dos direitos fundamentais sociais, por mecanismos

processuais aptos a concretizar tal desiderato.

Em se tratando de processo coletivo, em que pese o Código de Processo

Civil não ser capaz de regular a relação jurídica processual em sintonia com as

particularidades com os direitos transindividuais e individuais homogêneos, a

legislação contempla um microssistema processual de tutela de tais direitos,

chamado por alguns de Sistema Único Coletivo, marcado, principalmente, pela

interação da Lei 7.347/1985 e do Código de Defesa do Consumidor.

Não obstante, verifica-se a necessidade de aperfeiçoamento da legislação,

de forma a eliminar algumas contradições ainda existentes, bem como alguns

problemas de interpretação que ainda persistem, como, por exemplo, os aspectos

sobre a legitimidade ativa e dos efeitos da sentença proferida em processo coletivo.

Nessa perspectiva, surge o Projeto de Lei 5.139/2009, apresentado pelo

Presidente da República, o qual propõe uma nova Lei de Ação Civil Pública, visando

o aperfeiçoamento do sistema processual com vistas a propiciar o adequado

tratamento processual aos interesses coletivos.

Sobre este projeto de lei, Luiz Manoel GOMES JÚNIOR e Rogério

FAVRETO, relator e presidente, respectivamente, da Comissão Especial instituída

pela Portaria 2.481/2008, do Ministério da Justiça, que tem por objetivo “apresentar

uma proposta de readequação e modernização da tutela coletiva”, abordam as

principais inovações propostas, consistentes em: a) estruturação do sistema único

coletivo; b) ampliação dos direitos coletivos tuteláveis pela ação civil pública; c)

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adequação e estruturação do rol de legitimados; d) modificação das regras de

competência; e) coisa julgada coletiva; f) readequação do ônus da prova; g)

aperfeiçoamento do sistema de execução das tutelas coletivas; h) nova disciplina

para a destinação dos valores originários das ações coletivas e i) cadastros

nacionais de inquéritos civil, compromissos de ajustamento de conduta e ações civis

públicas.156

Diante de tais inovações, estes juristas concluem que:

O que se verifica é que através do Projeto da nova Lei da Ação Civil Pública haverá uma completa alteração do sistema processual, com futuros reflexos inclusive no direito processual civil individual, com a adoção de novos paradigmas para o Brasil do século XXI. A proposta veiculada no Projeto de Lei é generosa para com a sociedade brasileira, com soluções inovadoras e que poderá sofrer algumas resistências. Claro que sempre poderá haver o risco de involuções – efeito colateral decorrente do próprio debate democrático –, mas o certo é que não podemos deixar de tentar evoluir ou aperfeiçoar apenas com receio do novo, da alteração da situação atual. Não se pode olvidar que o atual sistema único coletivo mostra-se insuficiente para as atuais demandas coletivas do Brasil. Apensar dos benefícios inegáveis na defesa dos direitos coletivos que foram obtidos nestes vários anos, desde a Lei da Ação Popular (1965) até a atual Lei da Ação Civil Pública (1985) e o Código do Consumidor (1990), é hora de avançar e esta é a proposta básica do PL 5.139/2009 em tramitação na Câmara dos Deputados.157

4. Conclusão

Ao longo da presente pesquisa, podemos sistematizar as seguintes

conclusões:

1. O reconhecimento dos direitos fundamentais, em suas distintas

dimensões, se deu de maneira paulatina, em observância ao contexto histórico da

respectiva época em que foram concebidos, face às indissociáveis particularidades

sociais, culturais e políticas.

2. Tais gerações de direitos não são estanques, ou seja, nada impede que,

diante de novas realidades e avanços político-sociais, sejam desenvolvidos avanços

de compreensão que levem ao reconhecimento de eventuais outras gerações,

decorrentes de reivindicações integradas pela ordem jurídica.

156 GOMES JÚNIOR, Luiz Manoel; FAVRETO, Rogério. Anotações sobre o projeto da nova

lei de ação civil pública: principais inovações. Revista de processo, São Paulo, n. 176, p. 174-194, Out/2009.

157 Ibidem, p. 191-192.

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3. Os direitos fundamentais sociais são dependentes de políticas públicas

adequadas com vistas a garantir sua efetividade, voltadas à consecução e

implementação das diretrizes constitucionais e legais, com o objetivo de assegurar

as mínimas condições materiais de existência digna a todos, como garantia de

igualdade e umbilicalmente ligada ao princípio da dignidade da pessoa humana.

4. O entendimento sobre a possibilidade de atuação do Poder Judiciário no

controle de previsão e execução de políticas públicas vem sendo solidificado pela

doutrina e jurisprudência, com a análise do tema em torno de diversas perspectivas,

como o dogma da separação dos Poderes, a legitimidade democrática dos juízes, na

medida em que não são eleitos pelo povo, a exclusão dos atos chamados

“discricionários” do âmbito do controle judicial, o postulado da “reserva do possível”

sobre a disponibilidade financeira da administração face ao chamado “mínimo

existencial”, correspondente à “condições mínimas de existência humana digna”,

que implica em prestações positivas por parte do Estado.

5. Dentro do novo contexto político-social da República brasileira, com a

implementação de um Estado Democrático de Direito pela Constituição promulgada

em 1988, a atuação do Ministério Público assume relevo ímpar, em decorrência de

suas atribuições constitucionais previstas nos arts. 127 e 129 da Carta da República,

em que dentre o aparato processual colocado à sua disposição, a ação civil pública

desponta como principal instrumento de tutela e efetivação dos direitos

fundamentais sociais.

6. Com o reconhecimento de direitos transindividuais, surge a necessidade

de uma visão moderna do processo civil clássico, com o aprimoramento das técnicas

para proporcionar a efetividade do processo como meio de realização do direito

material, sem, no entanto, descartar toda a construção no âmbito processual até

então construída, o que implica numa readaptação do processo para se obter uma

adequada tutela coletiva.

7. Vislumbra-se, na legislação brasileira, um sistema integrado, com vistas à

defesa dos interesses supra-individuais, tais como a Lei nº 4.717/65 (Lei de Ação

Popular), Lei nº 7.853/89 (Lei de Proteção das Pessoas Portadoras de Deficiência),

Lei nº 7.913/89 (Lei de Proteção dos Investidores no Mercado de Valores

Mobiliários), Lei 8.069/89 (Estatuto da Criança e do Adolescente), Lei nº 8.429/92

(Lei de Improbidade Administrativa), Lei nº 8.884/94 (Lei de Defesa da Ordem

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Econômica e da Livre Concorrência, Lei nº 8.625/93 (Lei Orgânica Nacional do

Ministério Público), bem como a Lei nº 7.347/85, a qual “disciplina a ação civil

pública de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor,

a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico”, em

integração com a Lei nº 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor).

8. Em se tratando de direitos metaindividuais, como essencialmente

coletivos, e de direitos individuais homogêneos, como acidentalmente coletivos,

verifica-se a possibilidade de órgãos públicos e outras instituições de ajuizar

demandas perante o Poder Judiciário, na qualidade de representante adequado da

coletividade, ou da categoria ou classe de pessoas, conforme o caso. Dentro desse

contexto, o regime de outorga da legitimação ativa para postular a tutela jurisdicional

é o da representatividade adequada, de maneira concorrente e disjuntiva, porquanto

a legitimação é conferida a vários entes, e qualquer um deles pode atuar em juízo

sem contar, necessariamente, com a participação de outro legitimado. Assim,

eventual litisconsórcio a ser formado é facultativo.

9. A tendência da doutrina e da jurisprudência é de admitir a legitimidade

ativa do Ministério Público para pleitear, por meio de ação civil pública, a tutela de

direitos individuais homogêneos, quando presentes o interesse social da questão,

por conta de suas atribuições e competências definidas pela Constituição Federal.

10. A impossibilidade de celebração de transação pelo Ministério Público,

em sede de ação civil pública, face às características da indivisibilidade dos direitos

difusos e coletivos, em que a titularidade pertence à sociedade como um todo, no

caso do primeiro, e de grupo, categoria ou classe de pessoas, no caso do segundo,

bem como em decorrência do regime de outorga da legitimação ativa, que se dá

pela representatividade adequada, consistente na legitimidade para condução do

processo. Nessa condição, verifica-se que o Ministério Público atua em substituição

processual aos titulares do direito material e, por conta disso, não lhe é autorizado a

prática de atos de disposição de direito que não lhe pertence.

11. A desistência da ação pelo Parquet revela-se inviável, uma vez que a

atuação da Instituição na ação civil pública é regida pelo princípio da

indisponibilidade e da obrigatoriedade, ou seja, presentes situação jurídica com os

pressupostos para o ajuizamento, deve o órgão do Ministério Público propor a ação

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e velar pelo seu prosseguimento, face à natureza do direito material objeto da

demanda, admitida a desistência da ação apenas em hipóteses excepcionais.

12. A intervenção do Ministério Público na ação civil pública como custos

legis, quando não figurar no pólo ativo da demanda, justifica-se ante ao interesse

público que marca os direitos metaindividuais, em que a Instituição deve zelar pela

legalidade e pela proteção de tais direitos, preservada, seja como autor ou como

fiscal da lei, a autonomia funcional e independência do órgão que oficiar no

processo. A falta de intimação e intervenção do Ministério Público em tais hipóteses

acarreta a nulidade do feito, independentemente de ocorrência de prejuízo.

13. Deverá integrar o pólo passivo da demanda coletiva o causador da lesão

ou de ameaça de lesão ao bem jurídico tutelado por essa via processual, o que será

avaliado in statu assertionis, ou seja, em face das alegações do autor, de maneira

hipotética.

14. Em se tratando de direitos difusos e coletivos, será competente o “foro

do local onde ocorrer o dano, cujo juízo terá competência funcional para processar e

julgar a causa”, e, configurada situação em que mais de um juízo seja competente, o

critério utilizado para solução do impasse será o da prevenção, definida pelo

primeiro ajuizamento.

15. Em demandas que envolvam direitos individuais homogêneos, a

competência será do “foro do lugar onde ocorreu ou onde deva ocorrer o dano,

quando de âmbito local, ou no foro da Capital do Estado ou no do Distrito Federal,

para os danos de âmbito nacional ou regional, aplicando-se as regras do Código de

Processo Civil aos casos de competência concorrente.”

16. A legislação contempla mecanismos para assegurar a efetiva proteção

dos direitos objeto de ação civil pública, destacando-se a possibilidade de

implementação dos direitos fundamentais sociais em casos de urgência, mediante

provimentos judiciais acautelatórios, liminares ou pela antecipação dos efeitos da

tutela almejada.

17. Admite-se, nas ações civis públicas, todos os tipos de sentença, com

base na classificação quinária das mesmas, quais sejam, declaratórias,

constitutivas, condenatórias, mandamentais e executivas lato sensu.

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18. Nos casos demandas envolvendo direitos difusos e coletivos, a

improcedência desta, por falta de provas, não implica em formação de coisa julgada

material.

19. Somente em casos de procedência do pedido, verificar-se-á a formação

da coisa julgada material, com eficácia erga omnes, em se tratando de direitos

difusos, e ultra partes, limitadamente ao grupo, categoria ou classe, quando se tratar

da hipótese de direitos coletivos.

20. Em relação às demandas de tutela coletiva de direitos individuais

homogêneos, somente em caso de procedência da ação ter-se-á o efeito erga

omnes, para beneficiar todos os titulares dos direitos individuais, bem como seus

sucessores. No caso de a improcedência da ação, também implicará na formação

da coisa julgada material. No entanto, não produzirá efeito erga omnes, alcançando

somente os titulares que hajam integrado a relação processual na condição de

litisconsortes.

21. O transporte in utilibus da sentença favorável prolatada em ação que

vise a tutela de direitos coletivos lato sensu e de direitos individuais homogêneos às

ações individuais que tenham como objeto o mesmo fato, constitui medida de

economia processual e celeridade, em que se homenageia, a segurança jurídica, de

modo a serem evitadas decisões conflitantes sobre um mesmo fato, já decidido no

âmbito da demanda coletiva.

22. Não há o mínimo sentido em restringir as qualidades da coisa julgada

material à limites territoriais do órgão prolator da decisão, uma vez que estes

atributos são imperiosos perante toda a jurisdição do território nacional, que é una.

23. A inconstitucionalidade do art. 16, da Lei 7.347/1985 evidencia-se dos

diversos ângulos abordados pelas críticas às restrições nele estabelecidas, que vão

na contramão na tendência processual de tutela de direitos coletivos e de tutela

coletiva de direitos.

24. A necessidade de aperfeiçoamento da legislação, de forma a eliminar

algumas contradições ainda existentes, bem como alguns problemas de

interpretação que ainda persistem, contexto em que o Projeto de Lei 5.139/2009,

que propõe uma nova Lei de Ação Civil Pública, visa o aperfeiçoamento do sistema

processual com vistas a propiciar o adequado tratamento processual aos interesses

coletivos.

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MILARÉ, Edis (coord). Ação Civil Pública: Lei 7.347/85: reminiscências e reflexões após dez anos de aplicação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional, 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2006. SARLET, Ingo Wolfgang. O direito fundamental à moradia aos vinte anos da Constituição Federal de 1988: notas a respeito da evolução em matéria jurisprudencial, com destaque para a atuação do Supremo Tribunal Federal. Disponível em: http://www.opet.com.br/revista/direito/primeira_edicao/artigo_Ingo_Wolfgang_Sarlet_o_direito.pdf. Acesso em: 22.04.2010. SERRANO JÚNIOR, Odoné. Processo Coletivo: Tutela coletiva de direitos individuais homogêneos e tutela de direitos difusos e coletivos. Curitiba: Mimeo (Escola do Ministério Público do Estado do Paraná), 2009. SEVERINO, Antônio Joaquim. Metodologia do Trabalho Científico. 22ª ed. São Paulo: Cortez, 2002. SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 14ª ed. São Paulo: Malheiros, 1997. ________. Democracia e direitos fundamentais. In: CLÈVE, Clèmerson Merlin; SARLET, Ingo Wolfgang; PAGLIARINI, Alexandre Coutinho (Coords.). Direitos Humanos e Democracia. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 369-370. TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009. TORRES, Ricardo Lobo. O direito ao mínimo existencial. Rio de Janeiro: Renovar, 2009. ZAVASCKI, Teori Albino. Processo coletivo: tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos, 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.

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ANEXO I - JURISPRUDÊNCIA

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Supremo Tribunal Federal AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CARÊNCIA DE PROFESSORES. UNIDADES DE ENSINO PÚBLICO. OMISSÃO DA ADMINISTRAÇÃO. EDUCAÇÃO. DIREITO FUNDAMENTAL INDISPONÍVEL. DEVER DO ESTADO. ARTS. 205, 208, IV E 211, PARÁGRAFO 2º, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. 1. A educação é um direito fundamental e indisponível dos indivíduos. É dever do Estado propiciar meios que viabilizem o seu exercício. Dever a ele imposto pelo preceito veiculado pelo artigo 205 da Constituição do Brasil. A omissão da Administração importa afronta à Constituição. 2. O Supremo fixou entendimento no sentido de que "[a] educação infantil, por qualificar-se como direito fundamental de toda criança, não se expõe, em seu processo de concretização, a avaliações meramente discricionárias da Administração Pública, nem se subordina a razões de puro pragmatismo governamental[...]. Embora resida, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo, a prerrogativa de formular e executar políticas públicas, revela-se possível, no entanto, ao Poder Judiciário determinar, ainda que em bases excepcionais, especialmente nas hipóteses de políticas públicas definidas pela própria Constituição, sejam essas implementadas pelos órgãos estatais inadimplentes, cuja omissão - por importar em descumprimento dos encargos políticos-jurídicos que sobre eles incidem em caráter mandatório - mostra-se apta a comprometer a eficácia e a integridade de direitos sociais impregnados de estatura constitucional". Precedentes. Agravo regimental a que se nega provimento. (STF - 2ª T. - RE 594018/RJ - Rel. Min. Eros Grau - DJe 07.08.2009) ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ANÁLISE DE NORMAS INFRACONSTITUCIONAIS. OFENSA REFLEXA. POLÍTICAS PÚBLICAS. ATUAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO PARA PROTEÇÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS. POSSIBILIDADE. AGRAVO IMPROVIDO. I - A apreciação dos temas constitucionais, no caso, depende do prévio exame de normas infraconstitucionais. A afronta à Constituição, se ocorrente, seria indireta. Incabível, portanto, o recurso extraordinário. II - Admite-se a possibilidade de atuação do Poder Judiciário para proteger direito fundamental não observado pela administração pública. Precedentes. III - Agravo regimental improvido. (STF - 1ª T - AI 664053 AgR/RO - Rel. Min. Ricardo Lewandowski - DJe 27.03.2009) PACIENTE COM HIV/AIDS - PESSOA DESTITUÍDA DE RECURSOS FINANCEIROS - DIREITO À VIDA E À SAÚDE - FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS - DEVER CONSTITUCIONAL DO PODER PÚBLICO (CF, ARTS. 5º, CAPUT, E 196) - PRECEDENTES (STF) - RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. O DIREITO À SAÚDE REPRESENTA CONSEQÜÊNCIA CONSTITUCIONAL INDISSOCIÁVEL DO DIREITO À VIDA. - O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República (art. 196). Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular - e implementar - políticas sociais e econômicas idôneas que visem a garantir, aos cidadãos, inclusive àqueles portadores do vírus HIV, o acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica e médico-hospitalar. - O direito à saúde - além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas - representa conseqüência constitucional indissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional. A INTERPRETAÇÃO DA NORMA PROGRAMÁTICA NÃO PODE TRANSFORMÁ- LA EM PROMESSA CONSTITUCIONAL INCONSEQÜENTE. - O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política - que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro - não pode converter-se em promessa constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado. DISTRIBUIÇÃO GRATUITA DE MEDICAMENTOS A PESSOAS CARENTES. - O reconhecimento judicial da validade jurídica de programas de distribuição gratuita de medicamentos a pessoas

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carentes, inclusive àquelas portadoras do vírus HIV/AIDS, dá efetividade a preceitos fundamentais da Constituição da República (arts. 5º, caput, e 196) e representa, na concreção do seu alcance, um gesto reverente e solidário de apreço à vida e à saúde das pessoas, especialmente daquelas que nada têm e nada possuem, a não ser a consciência de sua própria humanidade e de sua essencial dignidade. Precedentes do STF. (STF - 2ª T. - RE 271286 AgR/RS - Rel. Min. Celso de Mello - DJ 24.11.2000) RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA PROMOVER AÇÃO CIVIL PÚBLICA EM DEFESA DOS INTERESSES DIFUSOS, COLETIVOS E HOMOGÊNEOS. MENSALIDADES ESCOLARES: CAPACIDADE POSTULATÓRIA DO PARQUET PARA DISCUTI-LAS EM JUÍZO. 1. A Constituição Federal confere relevo ao Ministério Público como instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (CF, art. 127). 2. Por isso mesmo detém o Ministério Público capacidade postulatória, não só para a abertura do inquérito civil, da ação penal pública e da ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente, mas também de outros interesses difusos e coletivos (CF, art. 129, I e III). 3. Interesses difusos são aqueles que abrangem número indeterminado de pessoas unidas pelas mesmas circunstâncias de fato e coletivos aqueles pertencentes a grupos, categorias ou classes de pessoas determináveis, ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base. 3.1. A indeterminidade é a característica fundamental dos interesses difusos e a determinidade a daqueles interesses que envolvem os coletivos. 4. Direitos ou interesses homogêneos são os que têm a mesma origem comum (art. 81, III, da Lei n 8.078, de 11 de setembro de 1990), constituindo-se em subespécie de direitos coletivos. 4.1. Quer se afirme interesses coletivos ou particularmente interesses homogêneos, stricto sensu, ambos estão cingidos a uma mesma base jurídica, sendo coletivos, explicitamente dizendo, porque são relativos a grupos, categorias ou classes de pessoas, que conquanto digam respeito às pessoas isoladamente, não se classificam como direitos individuais para o fim de ser vedada a sua defesa em ação civil pública, porque su a concepção finalística destina-se à proteção desses grupos, categorias ou classe de pessoas. 5. As chamadas mensalidades escolares, quando abusivas ou ilegais, podem ser impugnadas por via de ação civil pública, a requerimento do Órgão do Ministério Público, pois ainda que sejam interesses homogêneos de origem comum, são subespécies de interesses coletivos, tutelados pelo Estado por esse meio processual como dispõe o artigo 129, inciso III, da Constituição Federal. 5.1. Cuidando-se de tema ligado à educação, amparada constitucionalmente como dever do Estado e obrigação de todos (CF, art. 205), está o Ministério Público investido da capacidade postulatória, patente a legitimidade ad causam, quando o bem que se busca resguardar se insere na órbita dos interesses coletivos, em segmento de extrema delicadeza e de conteúdo social tal que, acima de tudo, recomenda-se o abrigo estatal. Recurso extraordinário conhecido e provido para, afastada a alegada ilegitimidade do Ministério Público, com vistas à defesa dos interesses de uma coletividade, determinar a remessa dos autos ao Tribunal de origem, para prosseguir no julgamento da ação. (STF - Tribunal Pleno - RE 163231/SP - Rel. Min. Mauricio Corrêa - DJ 29.06.2001, p. 55)

Superior Tribunal de Justiça

ADMINISTRATIVO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – CONTROLE JUDICIAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS – POSSIBILIDADE EM CASOS EXCEPCIONAIS – DIREITO À SAÚDE – FORNECIMENTO DE EQUIPAMENTOS A HOSPITAL UNIVERSITÁRIO – MANIFESTA NECESSIDADE – OBRIGAÇÃO DO ESTADO – AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES – NÃO-OPONIBILIDADE DA RESERVA DO POSSÍVEL AO MÍNIMO EXISTENCIAL. 1. Não comporta conhecimento a discussão a respeito da legitimidade do Ministério Público para figurar no pólo ativo da presente ação civil pública, em vista de que o Tribunal de origem decidiu a questão unicamente sob o prisma constitucional. 2. Não há como conhecer de recurso especial fundado em dissídio jurisprudencial ante a não-realização do devido cotejo analítico. 3. A partir da consolidação constitucional dos direitos sociais, a função estatal foi profundamente modificada, deixando de ser eminentemente legisladora em pró das liberdades públicas, para se tornar mais ativa com a missão de transformar a realidade social. Em decorrência, não só a administração pública recebeu a incumbência de criar e implementar políticas

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públicas necessárias à satisfação dos fins constitucionalmente delineados, como também, o Poder Judiciário teve sua margem de atuação ampliada, como forma de fiscalizar e velar pelo fiel cumprimento dos objetivos constitucionais. 4. Seria uma distorção pensar que o princípio da separação dos poderes, originalmente concebido com o escopo de garantia dos direitos fundamentais, pudesse ser utilizado justamente como óbice à realização dos direitos sociais, igualmente fundamentais. Com efeito, a correta interpretação do referido princípio, em matéria de políticas públicas, deve ser a de utilizá-lo apenas para limitar a atuação do judiciário quando a administração pública atua dentro dos limites concedidos pela lei. Em casos excepcionais, quando a administração extrapola os limites da competência que lhe fora atribuída e age sem razão, ou fugindo da finalidade a qual estava vinculada, autorizado se encontra o Poder Judiciário a corrigir tal distorção restaurando a ordem jurídica violada. 5. O indivíduo não pode exigir do estado prestações supérfluas, pois isto escaparia do limite do razoável, não sendo exigível que a sociedade arque com esse ônus. Eis a correta compreensão do princípio da reserva do possível, tal como foi formulado pela jurisprudência germânica. Por outro lado, qualquer pleito que vise a fomentar uma existência minimamente decente não pode ser encarado como sem motivos, pois garantir a dignidade humana é um dos objetivos principais do Estado Democrático de Direito. Por este motivo, o princípio da reserva do possível não pode ser oposto ao princípio do mínimo existencial. 6. Assegurar um mínimo de dignidade humana por meio de serviços públicos essenciais, dentre os quais a educação e a saúde, é escopo da República Federativa do Brasil que não pode ser condicionado à conveniência política do administrador público. A omissão injustificada da administração em efetivar as políticas públicas constitucionalmente definidas e essenciais para a promoção da dignidade humana não deve ser assistida passivamente pelo Poder Judiciário. Recurso especial parcialmente conhecido e improvido. (STJ - 2ª T. - REsp 1041197/MS - Rel. Min. Humberto Martins - DJe 16.09.2009) ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. FORNECIMENTO DE REMÉDIO. DOENÇA GRAVE. ACÓRDÃO FUNDADO EM PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS. IMPOSSIBILIDADE DE EXAME DO APELO ESPECIAL. VIOLAÇÃO DO ART. 535, II, DO CPC. NÃO-OCORRÊNCIA. 1. Cuida-se de ação civil pública movida pelo Ministério Público do Estado de São Paulo e pelo Ministério Público Federal em face do INSS objetivando garantir à criança J. L, acometida da moléstia denominada "puberdade precoce verdadeira", tratamento mediante fornecimento do medicamento NEODECAPEPTYL. O TRF da 3ª Região, por unanimidade, manteve a sentença de Primeiro Grau, por entender que: a) o INSS é parte legítima para figurar no feito tendo em vista que as fontes de financiamento da seguridade social são comuns tanto à saúde quanto à assistência e previdência social, a teor do que disciplinam os arts. 194 e 195, da CF de 1988; b) o fornecimento do medicamento pleiteado é medida que se impõe em face dos princípios constitucionais da solidariedade, da dignidade humana, de proteção à saúde e à criança. Em sede de recurso especial, o INSS aponta negativa de vigência dos artigos 267, VI, 535 II, do CPC, 11, da Lei n. 8.689/93 e a Lei n. 8.088/90. Interpostos recursos extraordinário e especial, sendo o último admitido pelo TRF da 3ª Região. Sem agravo de instrumento contra a decisão que inadmitiu o apelo extraordinário, conforme certidão de fl. 233. Parecer do Ministério Público Federal (fls. 288/293) opinando pelo não-conhecimento do recurso ao argumento de que: a) as Súmulas n. 282 e 284 do STF incidem à espécie; b) o acórdão não pode ser revisto na via especial porque decidido à luz da interpretação da norma constitucional; c) não prospera a alegada nulidade do acórdão, por afronta ao artigo 535, II, do CPC. 2. Não há violação do art. 535, II, do CPC, quando o julgador apresenta fundamento jurídico sobre a matéria apontada como omissa, muito embora sem adotar a tese de direito ventilada pela parte. No caso, a questão vertente à legitimidade do INSS para figurar no pólo passivo da lide foi decidida pelo Tribunal de origem com suporte nos artigos 194 e 195 da CF de 1988. 3. O TRF da 3ª Região apreciou a demanda a partir da interpretação da norma constitucional. Desse modo, é inviável a revisão do aresto, na via do recurso especial, sob pena de usurpar a competência atribuída pela Carta Magna ao colendo STF. 4. Nesse sentido, destaco do julgado impugnado (fls. 158/159): No caso concreto, é possível que a criança tenha direito a receber tutela jurisdicional favorável a seu interesse, com fundamento em princípios contidos na Lei Maior, ainda que nenhuma regra infraconstitucional vigente apresente

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solução para o caso. Para a solução desse tipo de caso, denominado por R. Dworkin como “hard case”(caso difícil), não se deve utilizar argumentos de natureza política, mas apenas argumentos de princípio. O pedido de fornecimento do medicamento à menor(direito a prestações estatais stricto sensu – direitos sociais fundamentais), traduz–se, in casu, no conflito de princípios: de um lado, os da dignidade humana, de proteção ao menor, do direito à saúde, da assistência social e da solidariedade e, de outro, os princípios democrático e da separação dos Poderes. A concretização das normas constitucionais implica um processo que vai do texto da norma(do seu enunciado)para uma norma concreta – norma jurídica – que, por sua vez, será um resultado intermediário em direção à norma decisão(resultado final da concretização). (J.J Gomes Canotilho e F. Müller). Pelo modelo síntese de ponderação de princípios (Alexy), o extremo benefício que a determinação judicial para fornecimento do medicamento proporciona à menor faz com que os princípios constitucionais da solidariedade, da dignidade humana, de proteção à saúde e a criança prevaleçam em face dos princípios democrático e da separação de poderes, minimamente atingidos no caso concreto. 5. Recurso especial conhecido em parte e não-provido. Ausência de violação do art. 535, II, do CPC. (STJ - 1ª T - REsp 948944/SP - Rel. Min. José Delgado - DJe 21.05.2008) PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MENOR SAÚDE. DIREITO INDIVIDUAL INDISPONÍVEL. ART. 227 DA CF/88. LEGITIMATIO AD CAUSAM DO PARQUET. ART. 127 DA CF/88. ARTS. 7.º, 200, e 201 DO DA LEI N.º 8.069/90. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS PELO ESTADO. DESCUMPRIMENTO DA DECISÃO JUDICIAL DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. BLOQUEIO DE VERBAS PÚBLICAS. MEDIDA EXECUTIVA. POSSIBILIDADE, IN CASU. PEQUENO VALOR. ART. 461, § 5.º, DO CPC. ROL EXEMPLIFICATIVO DE MEDIDAS. PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL À SAÚDE, À VIDA E À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. PRIMAZIA SOBRE PRINCÍPIOS DE DIREITO FINANCEIRO E ADMINISTRATIVO. NOVEL ENTENDIMENTO DA E. PRIMEIRA TURMA. 1. O Ministério Público está legitimado a defender os interesses transindividuais, quais sejam os difusos, os coletivos e os individuais homogêneos. 2. É que a Carta de 1988, ao evidenciar a importância da cidadania no controle dos atos da Administração, com a eleição dos valores imateriais do art. 37, da CF/1988 como tuteláveis judicialmente, coadjuvados por uma série de instrumentos processuais de defesa dos interesses transindividuais, criou um microssistema de tutela de interesses difusos referentes à probidade da administração pública, nele encartando-se a Ação Cautelar Inominada, Ação Popular, a Ação Civil Pública e o Mandado de Segurança Coletivo, como instrumentos concorrentes na defesa desses direitos eclipsados por cláusulas pétreas. 3. Deveras, é mister concluir que a nova ordem constitucional erigiu um autêntico 'concurso de ações' entre os instrumentos de tutela dos interesses transindividuais e, a fortiori, legitimou o Ministério Público para o manejo dos mesmos. 4. Legitimatio ad causam do Ministério Público à luz da dicção final do disposto no art. 127 da CF/1988, que o habilita a demandar em prol de interesses indisponíveis. 5. Sob esse enfoque a Carta Federal outorgou ao Ministério Público a incumbência de promover a defesa dos interesses individuais indisponíveis, podendo, para tanto, exercer outras atribuições previstas em lei, desde que compatível com sua finalidade institucional (CF/1988, arts. 127 e 129). 6. In casu, trata-se de Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul, objetivando o fornecimento de medicamento para o menor Rafael Vailatti Favero, portador de cardiopatia congênita. 7. O direito à saúde, insculpido na Constituição Federal é direito indisponível, em função do bem comum, maior a proteger, derivado da própria força impositiva dos preceitos de ordem pública que regulam a matéria. 8. Outrossim, o art. 6.º do CPC configura a legalidade da legitimação extraordinária cognominada por Chiovenda como "substituição processual". 9. Impõe-se, ressaltar que a jurisprudência hodierna do E. STJ admite ação individual acerca de direito indisponível capitaneada pelo MP (Precedentes: REsp 688052 / RS, DJ 17.08.2006; REsp 822712 / RS, DJ 17.04.2006; REsp 819010 / SP, DJ 02.05.2006). 10. O art. 461, §5.º do CPC, faz pressupor que o legislador, ao possibilitar ao juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas assecuratórias como a "imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial", não o fez de forma taxativa, mas sim exemplificativa, pelo que, in casu, o seqüestro ou bloqueio da verba necessária à aquisição de

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medicamento objeto da tutela deferida, providência excepcional adotada em face da urgência e imprescindibilidade da prestação dos mesmos, revela-se medida legítima, válida e razoável. 11. Recurso especial que encerra questão referente à possibilidade de o julgador determinar, em ação que tenha por objeto o fornecimento de medicamento necessário a menor portador de cardiopatia congênita, medidas executivas assecuratórias ao cumprimento de decisão judicial antecipatória dos efeitos da tutela proferida em desfavor de ente estatal, que resultem no bloqueio ou seqüestro de verbas deste depositadas em conta corrente. 12. Deveras, é lícito ao julgador, à vista das circunstâncias do caso concreto, aferir o modo mais adequado para tornar efetiva a tutela, tendo em vista o fim da norma e a impossibilidade de previsão legal de todas as hipóteses fáticas. Máxime diante de situação fática, na qual a desídia do ente estatal, frente ao comando judicial emitido, pode resultar em grave lesão à saúde ou mesmo por em risco a vida do demandante. 13. Os direitos fundamentais à vida e à saúde são direitos subjetivos inalienáveis, constitucionalmente consagrados, cujo primado, em um Estado Democrático de Direito como o nosso, que reserva especial proteção à dignidade da pessoa humana, há de superar quaisquer espécies de restrições legais. Não obstante o fundamento constitucional, in casu, merece destaque a Lei Estadual n.º 9.908/93, do Estado do Rio Grande do Sul, que assim dispõe em seu art. 1.º: "Art. 1.º. O Estado deve fornecer, de forma gratuita, medicamentos excepcionais para pessoas que não puderem prover as despesas com os referidos medicamentos, sem privarem-se dos recurso indispensáveis ao próprio sustento e de sua família. Parágrafo único. Consideram-se medicamentos excepcionais aqueles que devem ser usados com freqüência e de forma permanente, sendo indispensáveis à vida do paciente." 14. A Constituição não é ornamental, não se resume a um museu de princípios, não é meramente um ideário; reclama efetividade real de suas normas. Destarte, na aplicação das normas constitucionais, a exegese deve partir dos princípios fundamentais, para os princípios setoriais. E, sob esse ângulo, merece destaque o princípio fundante da República que destina especial proteção a dignidade da pessoa humana. 15. Outrossim, a tutela jurisdicional para ser efetiva deve dar ao lesado resultado prático equivalente ao que obteria se a prestação fosse cumprida voluntariamente. O meio de coerção tem validade quando capaz de subjugar a recalcitrância do devedor. O Poder Judiciário não deve compactuar com o proceder do Estado, que condenado pela urgência da situação a entregar medicamentos imprescindíveis proteção da saúde e da vida de cidadão necessitado, revela-se indiferente à tutela judicial deferida e aos valores fundamentais por ele eclipsados. 16. In casu, a decisão ora hostilizada importa concessão do bloqueio de verba pública diante da recusa do ora recorrente em fornecer o medicamento necessário ao desenvolvimentode portador de cardiopatia congênita. 17. Por fim, sob o ângulo analógico, as quantias de pequeno valor podem ser pagas independentemente de precatório e a fortiori serem, também, entregues, por ato de império do Poder Judiciário. 18. Recurso especial desprovido. (STJ - 1ª T - REsp 869843/RS - Rel. Min. Luiz Fux - DJ 15.10.2007, p. 243) PROCESSUAL CIVIL E CONSTITUCIONAL. AUSÊNCIA DE OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU FALTA DE MOTIVAÇÃO NO ACÓRDÃO A QUO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. TRATAMENTO DE SAÚDE, PELO ESTADO, A MENOR HIPOSSUFICIENTE. OBRIGATORIEDADE. AFASTAMENTO DAS DELIMITAÇÕES. PROTEÇÃO A DIREITOS FUNDAMENTAIS. DIREITO À VIDA E À SAÚDE. DEVER CONSTITUCIONAL. ARTS. 5º, CAPUT, 6º, 196 E 227 DA CF/1988. PRECEDENTES DESTA CORTE SUPERIOR E DO COLENDO STF. 1. Recurso especial contra acórdão que entendeu ser o Ministério Público parte legítima para figurar no pólo ativo de ações civis públicas que busquem a proteção do direito individual, difuso ou coletivo da criança e do adolescente à vida e à saúde. 2. Decisão a quo clara e nítida, sem omissões, obscuridades, contradições ou ausência de motivação. O não-acatamento das teses do recurso não implica cerceamento de defesa. Ao juiz cabe apreciar a questão de acordo com o que entender atinente à lide. Não está obrigado a julgá-la conforme o pleiteado pelas partes, mas sim com seu livre convencimento (CPC, art. 131), usando fatos, provas, jurisprudência, aspectos atinentes ao tema e legislação que entender aplicáveis ao caso. Não obstante a oposição de embargos declaratórios, não são eles mero expediente para forçar

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o ingresso na instância especial, se não há vício para suprir. Não há ofensa ao art. 535, II, do CPC quando a matéria é abordada no aresto a quo. 3. Os arts. 196 e 227 da CF/88 inibem a omissão do ente público (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) em garantir o efetivo tratamento médico a pessoa necessitada, inclusive com o fornecimento, se necessário, de medicamentos de forma gratuita para o tratamento, cuja medida, no caso dos autos, impõe-se de modo imediato, em face da urgência e conseqüências que possam acarretar a não-realização. 4. Constitui função institucional e nobre do Ministério Público buscar a entrega da prestação jurisdicional para obrigar o Estado a fornecer medicamento essencial à saúde de pessoa carente, especialmente quando sofre de doença grave que se não for tratada poderá causar, prematuramente, a sua morte. 5. O Estado, ao negar a proteção perseguida nas circunstâncias dos autos, omitindo-se em garantir o direito fundamental à saúde, humilha a cidadania, descumpre o seu dever constitucional e ostenta prática violenta de atentado à dignidade humana e à vida. É totalitário e insensível. 6. Pela peculiaridade do caso e em face da sua urgência, hão de se afastar as delimitações na efetivação da medida sócio-protetiva pleiteada, não padecendo de ilegalidade a decisão que ordena a Administração Pública a dar continuidade a tratamento médico. 7. Legitimidade ativa do Ministério Público para propor ação civil pública em defesa de direito indisponível, como é o direito à saúde, em benefício de pessoa pobre. 8. Precedentes desta Corte Superior e do colendo STF. 9. Recurso especial não-provido. (STJ - 1ª T - REsp 948579/RS - Rel. Min. José Delgado - DJ 13.09.2007, p. 178) PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA PROPOSTA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS CONCRETAS. DIREITO À SAÚDE (ARTS. 6º E 196 DA CF/88). EFICÁCIA IMEDIATA. MÍNIMO EXISTENCIAL. RESERVA DO POSSÍVEL. ACÓRDÃO RECORRIDO QUE DECIDIU A CONTROVÉRSIA À LUZ DE INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA DO COLENDO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. VIOLAÇÃO DO ART. 535, I e II, DO CPC. NÃO CONFIGURADA. 1. Fundando-se o Acórdão recorrido em interpretação de matéria eminentemente constitucional, descabe a esta Corte examinar a questão, porquanto reverter o julgado significaria usurpar competência que, por expressa determinação da Carta Maior, pertence ao Colendo STF, e a competência traçada para este Eg. STJ restringe-se unicamente à uniformização da legislação infraconstitucional. Precedentes jurisprudenciais do STJ: RESP 804595/SC, DJ de 14.12.2006 e Ag 794505/SP, DJ de 01.02.2007 2. A questão debatida nos autos - implementação do Modelo de Assistência à Saúde do Índio e à instalação material dos serviços de saúde à população indígena situada em área no Rio Grande do Sul - foi solucionada pelo Tribunal a quo à luz de preceitos constitucionais, conforme se infere do voto condutor do acórdão recorrido, verbis: "(...)O direito fundamental à saúde, embora encontrando amparo nas posições jurídico-constitucionais que tratam do direito à vida, à dignidade da pessoa humana e à proteção da integridade física (corporal e psicológica), recebeu no texto constitucional prescrição autônoma nos arts. 6º e 196, in verbis: Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Mesmo que situado, como comando expresso, fora do catálogo do art. 5º da CF/88, importante destacar que o direito à saúde ostenta o rótulo de direito fundamental, seja pela disposição do art. 5º, § 2º, da CF/88, seja pelo seu conteúdo material, que o insere no sistema axiológico fundamental - valores básicos - de todo o ordenamento jurídico. INGO WOLFGANG SARLET, ao debruçar-se sobre os direitos fundamentais prestacionais, bem posiciona o tema: Preliminarmente, em que pese o fato de que os direitos a saúde, assistência social e previdência - para além de sua previsão no art. 6º da CF - se encontram positivados nos arts. 196 e ss. da nossa Lei Fundamental, integrando de tal sorte, também o título da ordem social, e não apenas o catálogo dos direitos fundamentais, entendemos não ser sustentável a tese de que os dispositivos não integrantes do catálogo carecem necessariamente de fundamentalidade. Com efeito, já se viu, oportunamente, que por força do disposto no art. 5º, § 2º, da CF, diversas posições jurídicas previstas em outras partes da Constituição, por equiparadas em conteúdo e importância aos direitos fundamentais (inclusive sociais), adquirem também a condição de direitos fundamentais no sentido

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formal e material, ressaltando, todavia, que nem todas as normas de ordem social compartilham a fundamentalidade material (e, neste caso, também a formal), inerente aos direitos fundamentais. Além disso, percebe-se, desde já, que as normas relativas aos direitos sociais do art. 6º da CF exercem a função precípua de explicitar o conteúdos daqueles. No caso dos diretos à saúde, previdência e assistência social, tal condição deflui inequivocamente do disposto no art. 6º da CF: 'São direito sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. Além disso, poderia referir-se mais uma vez a íntima vinculação entre os direitos a saúde, previdência e assistência social e os direitos à vida e o princípio da dignidade da pessoa humana, renunciando, neste particular, a outras considerações a respeito deste aspecto. (in A eficácia dos direitos fundamentais, 3ª ed., Livraria do Advogado, 2003, Porto Alegre, p. 301/302). Os direitos fundamentais, consoante a moderna diretriz da interpretação constitucional, são dotados de eficácia imediata. A Lei Maior, no que diz com os direitos fundamentais, deixa de ser mero repositório de promessas, carta de intenções ou recomendações; houve a conferência de direitos subjetivos ao cidadão e à coletividade, que se vêem amparados juridicamente a obter a sua efetividade, a realização em concreto da prescrição constitucional. O princípio da aplicabilidade imediata e da plena eficácia dos direitos fundamentais está encartado no § 1º, do art. 5º, da CF/88: As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata. Muito se polemizou, e ainda se debate, sem que se tenha ocorrida a pacificação de posições acerca do significado e alcance exato da indigitada norma constitucional. Porém, crescente e significativa é a moderna idéia de que os direitos fundamentais, inclusive aqueles prestacionais, têm eficácia tout court, cabendo, apenas, delimitar-se em que extensão. Superou-se, assim, entendimento que os enquadrava como regras de conteúdo programático a serem concretizadas mediante intervenção legislativa ordinária. Desapegou-se, assim, da negativa de obrigação estatal a ser cumprida com espeque nos direitos fundamentais, o que tinha como conseqüência a impossibilidade de categorizá-los como direitos subjetivos, até mesmo quando em pauta a omissão do Estado no fornecimento do mínimo existencial. Consoante os novos rumos interpretativos, a par de dar-se eficácia imediata aos direitos fundamentais, atribuiu-se ao intérprete a missão de desvendar o grau dessa aplicabilidade, porquanto mesmo que se pretenda dar máxima elasticidade à premissa, nem sempre se estará infenso à uma interpositio legislatoris, o que não ocorre, vale afirmar, na porção do direito que trata do mínimo existencial.(...) Merece lembrança, ainda, que a atuação estatal na concretização da sua missão constitucional deve orientar-se pelo Princípio da Máxima Efetividade da Constituição, de sorte que "a uma norma constitucional deve ser atribuído o sentido que maior eficácia lhe dê. É um princípio operativo em relação a todos e quaisquer normas constitucionais, e embora a sua origem esteja ligada à tese da actualidade das normas pragmáticas (Thoma), é hoje sobretudo invocado no âmbito dos direitos fundamentais (no caso de dúvidas deve preferir-se a interpretação que reconheça maior eficácia aos direitos fundamentais)." (JOSÉ JOAQUIM GOMES CANOTILHO, in Direito Constitucional, 5ª edição, Coimbra, Portugal, Livraria Almedina, p. 1208). Incumbe ao administrador, pois, empreender esforços para máxima consecução da promessa constitucional, em especial aos direitos e garantias fundamentais. Desgarra deste compromisso a conduta que se escuda na idéia de que o preceito constitucional constitui lex imperfecta, reclamando complementação ordinária, porquanto olvida-se que, ao menos, emana da norma eficácia que propende ao reconhecimento do direito subjetivo ao mínimo existencial; casos há, inclusive, que a disciplina constitucional foi além na delineação dos elementos normativos, alcançando, então, patamar de eficácia superior que o mínimo conciliável com a fundamentalidade do direito. A escassez de recursos públicos, em oposição à gama de responsabilidades estatais a serem atendidas, tem servido de justificativa à ausência de concretização do dever-ser normativo, fomentando a edificação do conceito da "reserva do possível". Porém, tal escudo não imuniza o administrador de adimplir promessas que tais, vinculadas aos direitos fundamentais prestacionais, quanto mais considerando a notória destinação de preciosos recursos públicos para áreas que, embora também inseridas na zona de ação pública, são menos prioritárias e de relevância muito inferior aos valores básicos da sociedade, representados pelos direitos fundamentais. O Ministro CELSO DE MELLO discorreu de modo lúcido e adequado acerca do conflito entre deficiência orçamentária e concretização dos direitos fundamentais: "Não deixo de conferir, no entanto, assentadas tais premissas, significativo relevo ao tema pertinente à 'reserva do possível' (STEPHEN HOLMES/CASS R. SUNSTEIN, 'The Cost of Rights', 1999, Norton, New York), notadamente em sede de efetivação e implementação (sempre onerosas) dos direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais), cujo adimplemento, pelo Poder Público, impõe e exige, deste, prestações estatais positivas

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concretizadoras de tais prerrogativas individuais e/ou coletivas. É que a realização dos direitos econômicos, sociais e culturais - além de caracterizar-se pela gradualidade de seu processo de concretização - depende, em grande medida, de um inescapável vínculo financeiro subordinado às possibilidades orçamentárias do Estado, de tal modo que, comprovada, objetivamente, a incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal, desta não se poderá razoavelmente exigir, considerada a limitação material referida, a imediata efetivação do comando fundado no texto da Carta Política. Não se mostrará lícito, no entanto, ao Poder Público, em tal hipótese - mediante indevida manipulação de sua atividade financeira e/ou político-administrativa - criar obstáculo artificial que revele o ilegítimo, arbitrário e censurável propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar o estabelecimento e a preservação, em favor da pessoa e dos cidadãos, de condições materiais mínimas de existência. Cumpre advertir, desse modo, que a cláusula da 'reserva do possível' - ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível - não pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade. (...) 3. Inexiste ofensa ao art. 535, I e II, CPC, quando o Tribunal de origem pronuncia-se de forma clara e suficiente sobre a questão posta nos autos, cujo decisum revela-se devidamente fundamentado. Ademais, o magistrado não está obrigado a rebater, um a um, os argumentos trazidos pela parte, desde que os fundamentos utilizados tenham sido suficientes para embasar a decisão. Precedente desta Corte: RESP 658.859/RS, publicado no DJ de 09.05.2005. 4. In casu, o Tribunal de origem pronunciou-se de forma clara e suficiente sobre a questão posta nos embargos de declaração - nulidade do processo decorrente da ausência de intimação da Advocacia Geral da União, para oferecer impugnação aos embargos infringentes, consoante disposto nos arts. 35 e 36 da LC 73/93 e art. 6º da Lei 9.028/95, consoante se infere do voto-condutor exarado às fls. 537/542. 5. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, desprovido. (STJ - 1ª T. - REsp 811608/RS - Rel. Min. Luiz Fux - DJ 04.06.2007, p. 314) PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. CONSTITUCIONAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMATIO AD CAUSAM DO PARQUET. ART. 127 DA CF/88. ESTATUTO DO IDOSO. DIREITO À SAÚDE. 1. Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul, com pedido de tutela antecipada, objetivando que o Estado do Rio Grande do Sul fornecesse medicamento a pessoa idosa, sob pena de multa diária. 2. Recurso especial interposto contra acórdão que decidiu pela ilegitimidade ativa do Ministério Público para pleitear, via ação civil pública, em favor de menor, o fornecimento de medicamento. 3. Deveras, o Ministério Público está legitimado a defender os interesses transindividuais, quais sejam os difusos, os coletivos e os individuais homogêneos. 4. É que a Carta de 1988, ao evidenciar a importância da cidadania no controle dos atos da administração, com a eleição dos valores imateriais do art. 37, da CF como tuteláveis judicialmente, coadjuvados por uma série de instrumentos processuais de defesa dos interesses transindividuais, criou um microsistema de tutela de interesses difusos referentes à probidade da administração pública, nele encartando-se a Ação Popular, a Ação Civil Pública e o Mandado de Segurança Coletivo, como instrumentos concorrentes na defesa desses direitos eclipsados por cláusulas pétreas. 5. Deveras, é mister concluir que a nova ordem constitucional erigiu um autêntico 'concurso de ações' entre os instrumentos de tutela dos interesses transindividuais e, a fortiori, legitimou o Ministério Público para o manejo dos mesmos. 6. Legitimatio ad causam do Ministério Público à luz da dicção final do disposto no art. 127 da CF, que o habilita a demandar em prol de interesses indisponíveis. 7. Sob esse enfoque, se destaca a Constituição Federal no art. 230:"A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida." Conseqüentemente a Carta Federal outorgou ao Ministério Público a incumbência de promover a defesa dos interesses individuais indisponíveis, podendo, para tanto, exercer outras atribuições previstas em lei, desde que compatível com sua finalidade institucional (CF, arts. 127 e 129).

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8. O direito à saúde, insculpido na Constituição Federal e no Estatuto do Idoso, é direito indisponível, em função do bem comum, maior a proteger, derivado da própria força impositiva dos preceitos de ordem pública que regulam a matéria. 9. Outrossim, o art. 74, inc. III, da Lei 10.741/2003 revela a autorização legal a que se refere o art. 6.º do CPC, configurando a legalidade da legitimação extraordinária cognominada por Chiovenda como "substituição processual". 10. Impõe-se, ressaltar que a jurisprudência hodierna do E. STJ admite ação individual capitaneada pelo MP (Precedentes: REsp 688052 / RS, Ministro HUMBERTO MARTINS, DJ 17.08.2006; REsp 822712 / RS, Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, DJ 17.04.2006; REsp 819010 / SP, Ministro JOSÉ DELGADO, DJ 02.05.2006). 11. O direito à saúde assegurado ao idoso é consagrado em norma constitucional reproduzida no arts. 2º, 3º e 15, § 2º, do Estatuto do Idoso (Lei 10.741/2003), senão vejamos: Art. 2o O idoso goza de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhe, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, para preservação de sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade. Art. 3o É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária. (...) Art. 15. É assegurada a atenção integral à saúde do idoso, por intermédio do Sistema Único de Saúde – SUS, garantindo-lhe o acesso universal e igualitário, em conjunto articulado e contínuo das ações e serviços, para a prevenção, promoção, proteção e recuperação da saúde, incluindo a atenção especial às doenças que afetam preferencialmente os idosos. § 1o (...) § 2o Incumbe ao Poder Público fornecer aos idosos, gratuitamente, medicamentos, especialmente os de uso continuado, assim como próteses, órteses e outros recursos relativos ao tratamento, habilitação ou reabilitação. 12. Recurso especial provido para reconhecer a legitimidade ativa do Ministério Público Estadual. (STJ - 1ª T. - REsp 851174/RS - Rel. Min. Luiz Fux - DJ 20.11.2006, p. 290) ADMINISTRATIVO. CONSTITUCIONAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMATIO AD CAUSAM DO PARQUET. ART. 127 DA CF/88. ARTS. 7.º, 200, e 201 DO DA LEI N.º 8.069/90. DIREITO À CRECHE EXTENSIVO AOS MENORES DE ZERO A SEIS ANOS. NORMA CONSTITUCIONAL REPRODUZIDA NO ART. 54 DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. NORMA DEFINIDORA DE DIREITOS NÃO PROGRAMÁTICA. EXIGIBILIDADE EM JUÍZO. INTERESSE TRANSINDIVIDUAL ATINENTE ÀS CRIANÇAS SITUADAS NESSA FAIXA ETÁRIA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CABIMENTO E PROCEDÊNCIA. 1. O Ministério Público está legitimado a defender os interesses transindividuais, quais sejam os difusos, os coletivos e os individuais homogêneos. 2. É que a Carta de 1988, ao evidenciar a importância da cidadania no controle dos atos da administração, com a eleição dos valores imateriais do art. 37, da CF como tuteláveis judicialmente, coadjuvados por uma série de instrumentos processuais de defesa dos interesses transindividuais, criou um microsistema de tutela de interesses difusos referentes à probidade da administração pública, nele encartando-se a Ação Popular, a Ação Civil Pública e o Mandado de Segurança Coletivo, como instrumentos concorrentes na defesa desses direitos eclipsados por cláusulas pétreas. 3. Deveras, é mister concluir que a nova ordem constitucional erigiu um autêntico 'concurso de ações' entre os instrumentos de tutela dos interesses transindividuais e, a fortiori, legitimou o Ministério Público para o manejo dos mesmos. 4. Legitimatio ad causam do Ministério Público à luz da dicção final do disposto no art. 127 da CF, que o habilita a demandar em prol de interesses indisponíveis. 5. Sob esse enfoque, assento o meu posicionamento na confinação ideológica e analógica com o que se concluiu no RE n.º 248.889/SP para externar que a Constituição Federal dispõe no art. 227 que: "É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão." Conseqüentemente a Carta Federal outorgou ao Ministério Público a incumbência de promover a defesa dos interesses individuais indisponíveis, podendo, para tanto, exercer outras atribuições previstas em lei, desde que compatível com sua finalidade institucional (CF, arts. 127 e 129).

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6. O direito à educação, insculpido na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente, é direito indisponível, em função do bem comum, maior a proteger, derivado da própria força impositiva dos preceitos de ordem pública que regulam a matéria. 7. Outrossim, a Lei n.º 8.069/90 no art. 7.º, 200 e 201, consubstanciam a autorização legal a que se refere o art. 6.º do CPC, configurando a legalidade da legitimação extraordinária cognominada por Chiovenda como "substituição processual". 8. Impõe-se, contudo, ressalvar que a jurisprudência predominante do E. STJ entende incabível a ação individual capitaneada pelo MP (Precedentes: REsp n.º 706.652/SP, Segunda Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ de 18/04/2005; REsp n.º 664.139/RS, Segunda Turma, Rel. Min. Castro Meira, DJ de 20/06/2005; e REsp n.º 240.033/CE, Primeira Turma, Rel. Min. José Delgado, DJ de 18/09/2000). 9. O direito constitucional à creche extensivo aos menores de zero a seis anos é consagrado em norma constitucional reproduzida no art. 54 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n.º 8.069/90): "Art. 54. É dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente: I - ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria; II - progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao ensino médio; III - atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência preferencialmente na rede regular de ensino; IV - atendimento em creche e pré-escola às crianças de (zero) a 6 (seis) anos de idade." 10. Releva notar que uma Constituição Federal é fruto da vontade política nacional, erigida mediante consulta das expectativas e das possibilidades do que se vai consagrar, por isso que cogentes e eficazes suas promessas, sob pena de restarem vãs e frias enquanto letras mortas no papel. Ressoa inconcebível que direitos consagrados em normas menores como Circulares, Portarias, Medidas Provisórias, Leis Ordinárias tenham eficácia imediata e os direitos consagrados constitucionalmente, inspirados nos mais altos valores éticos e morais da nação sejam relegados a segundo plano. Prometendo o Estado o direito à creche, cumpre adimpli-lo, porquanto a vontade política e constitucional, para utilizarmos a expressão de Konrad Hesse, foi no sentido da erradicação da miséria intelectual que assola o país. O direito à creche é consagrado em regra com normatividade mais do que suficiente, porquanto se define pelo dever, indicando o sujeito passivo, in casu, o Estado. 11. Consagrado por um lado o dever do Estado, revela-se, pelo outro ângulo, o direito subjetivo da criança. Consectariamente, em função do princípio da inafastabilidade da jurisdição consagrado constitucionalmente, a todo direito corresponde uma ação que o assegura, sendo certo que todas as crianças nas condições estipuladas pela lei encartam-se na esfera desse direito e podem exigi-lo em juízo. A homogeneidade e transindividualidade do direito em foco enseja a propositura da ação civil pública. 12. A determinação judicial desse dever pelo Estado, não encerra suposta ingerência do judiciário na esfera da administração. Deveras, não há discricionariedade do administrador frente aos direitos consagrados, quiçá constitucionalmente. Nesse campo a atividade é vinculada sem admissão de qualquer exegese que vise afastar a garantia pétrea. 13. Um país cujo preâmbulo constitucional promete a disseminação das desigualdades e a proteção à dignidade humana, alçadas ao mesmo patamar da defesa da Federação e da República, não pode relegar o direito à educação das crianças a um plano diverso daquele que o coloca, como uma das mais belas e justas garantias constitucionais. 14. Afastada a tese descabida da discricionariedade, a única dúvida que se poderia suscitar resvalaria na natureza da norma ora sob enfoque, se programática ou definidora de direitos. Muito embora a matéria seja, somente nesse particular, constitucional, porém sem importância revela-se essa categorização, tendo em vista a explicitude do ECA, inequívoca se revela a normatividade suficiente à promessa constitucional, a ensejar a acionabilidade do direito consagrado no preceito educacional. 15. As meras diretrizes traçadas pelas políticas públicas não são ainda direitos senão promessas de lege ferenda, encartando-se na esfera insindicável pelo Poder Judiciário, qual a da oportunidade de sua implementação. 16. Diversa é a hipótese segundo a qual a Constituição Federal consagra um direito e a norma infraconstitucional o explicita, impondo-se ao judiciário torná-lo realidade, ainda que para isso, resulte obrigação de fazer, com repercussão na esfera orçamentária. 17. Ressoa evidente que toda imposição jurisdicional à Fazenda Pública implica em dispêndio e atuar, sem que isso infrinja a harmonia dos poderes, porquanto no regime democrático e no estado de direito o Estado soberano submete-se à própria justiça que instituiu. Afastada, assim, a ingerência entre os poderes, o judiciário, alegado o malferimento da lei, nada mais fez do que cumpri-la ao determinar a realização prática da promessa constitucional.

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18. O direito do menor à freqüência em creche, insta o Estado a desincumbir-se do mesmo através da sua rede própria. Deveras, colocar um menor na fila de espera e atender a outros, é o mesmo que tentar legalizar a mais violenta afronta ao princípio da isonomia, pilar não só da sociedade democrática anunciada pela Carta Magna, mercê de ferir de morte a cláusula de defesa da dignidade humana. 19. O Estado não tem o dever de inserir a criança numa escola particular, porquanto as relações privadas subsumem-se a burocracias sequer previstas na Constituição. O que o Estado soberano promete por si ou por seus delegatários é cumprir o dever de educação mediante o oferecimento de creche para crianças de zero a seis anos. Visando ao cumprimento de seus desígnios, o Estado tem domínio iminente sobre bens, podendo valer-se da propriedade privada, etc. O que não ressoa lícito é repassar o seu encargo para o particular, quer incluindo o menor numa 'fila de espera', quer sugerindo uma medida que tangencia a legalidade, porquanto a inserção numa creche particular somente poderia ser realizada sob o pálio da licitação ou delegação legalizada, acaso a entidade fosse uma longa manu do Estado ou anuísse, voluntariamente, fazer-lhe as vezes. Precedente jurisprudencial do STJ: RESP 575.280/SP, desta relatoria p/ acórdão, publicado no DJ de 25.10.2004. 20. O Supremo Tribunal Federal, no exame de hipótese análoga, nos autos do RE 436.996-6/SP, Relator Ministro Celso de Mello, publicado no DJ de 07.11.2005, decidiu verbis: "CRIANÇA DE ATÉ SEIS ANOS DE IDADE. ATENDIMENTO EM CRECHE E EM PRÉ-ESCOLA. EDUCAÇÃO INFANTIL. DIREITO ASSEGURADO PELO PRÓPRIO TEXTO CONSTITUCIONAL (CF, ART. 208, IV). COMPREENSÃO GLOBAL DO DIREITO CONSTITUCIONAL À EDUCAÇÃO. DEVER JURÍDICO CUJA EXECUÇÃO SE IMPÕE AO PODER PÚBLICO, NOTADAMENTE AO MUNICÍPIO(CF, ART. 211, § 2º). RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO E PROVIDO. - A educação infantil representa prerrogativa constitucional indisponível, que, deferida às crianças, a estas assegura, para efeito de seu desenvolvimento integral, e como primeira etapa do processo de educação básica, o atendimento em creche e o acesso à pré-escola (CF, art. 208, IV). - Essa prerrogativa jurídica, em conseqüência, impõe, ao Estado, por efeito da alta significação social de que se reveste a educação infantil, a obrigação constitucional de criar condições objetivas que possibilitem, de maneira concreta, em favor das "crianças de zero a seis anos de idade" (CF, art. 208, IV), o efetivo acesso e atendimento em creches e unidades de pré-escola, sob pena de configurar-se inaceitável omissão governamental, apta a frustrar, injustamente, por inércia, o integral adimplemento, pelo Poder Público, de prestação estatal que lhe impôs o próprio texto da Constituição Federal. - A educação infantil, por qualificar-se como direito fundamental de toda criança, não se expõe, em seu processo de concretização, a avaliações meramente discricionárias da Administração Pública, nem se subordina a razões de puro pragmatismo governamental. - Os Municípios - que atuarão, prioritariamente, no ensino fundamental e na educação infantil (CF, art. 211, § 2º) - não poderão demitir-se do mandato constitucional, juridicamente vinculante, que lhes foi outorgado pelo art. 208, IV, da Lei Fundamental da República, e que representa fator de limitação da discricionariedade político--administrativa dos entes municipais, cujas opções, tratando-se do atendimento das crianças em creche (CF, art. 208, IV), não podem ser exercidas de modo a comprometer, com apoio em juízo de simples conveniência ou de mera oportunidade, a eficácia desse direito básico de índole social. - Embora inquestionável que resida, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo, a prerrogativa de formular e executar políticas públicas, revela-se possível, no entanto, ao Poder Judiciário, ainda que em bases excepcionais, determinar, especialmente nas hipóteses de políticas públicas definidas pela própria Constituição, sejam estas implementadas, sempre que os órgãos estatais competentes, por descumprirem os encargos político-jurídicos que sobre eles incidem em caráter mandatório, vierem a comprometer, com a sua omissão, a eficácia e a integridade de direitos sociais e culturais impregnados de estatura constitucional. A questão pertinente à "reserva do possível". Doutrina. 21. Recurso especial provido. (STJ - 1ª T. - REsp 718203/SP - Rel. Min. Luiz Fux - DJ 13.02.2006, p. 694) PROCESSUAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. OBRIGAÇÃO DE FAZER. INSTALAÇÃO DE PROGRAMA SÓCIO-EDUCATIVO DESTINADO À ADOLESCENTE EM REGIME DE SEMI-LIBERDADE NO MUNICÍPIO DE RIBEIRÃO PRETO. DIREITO SUBJETIVO À ABSOLUTA PRIORIDADE NA EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS À VIDA, À EDUCAÇÃO, À DIGNIDADE, AO RESPEITO, À LIBERDADE E À CONVIVÊNCIA FAMILIAR E COMUNITÁRIA, ENTRE OUTROS. INTERESSE

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TRANSINDIVIDUAL. CARÊNCIA DA AÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. 1. Controvérsia gravitante em torno da possibilidade jurídica do pedido formulado em ação civil pública de preceito cominatório de obrigação de fazer, que objetiva a criação e instalação, no município de Ribeirão Preto, de programa sócio-educativo destinado a adolescentes em regime de semi-liberdade previsto no artigo 90, VI, do Estatuto da Criança e do Adolescente. 2. Alegação de que o prazo exíguo para o cumprimento da obrigação de fazer caracteriza a impossibilidade jurídica do pedido, em virtude da sujeição dos entes públicos às Leis de Licitações e de Responsabilidade Fiscal, no que aludem à necessidade de previsão orçamentária para a criação, expansão ou aperfeiçoamento de ação governamental que acarrete aumento de despesa. 3. A possibilidade jurídica do pedido, uma das condições da ação, cuja ausência enseja a extinção do processo sem julgamento do mérito, abrange não apenas a previsão legal da pretensão do autor, mas, antes, que a mesma não se encontre "vetada" pela ordem jurídica. 4. Causa de pedir consubstanciada na inobservância, pela FEBEM/SP, da política básica de atendimento dos direitos da criança e do adolescente estabelecida pelo ECA, frustrando a concretização dos direitos fundamentais garantidos pelo artigo 227, caput, da Constituição Federal de 1988, verbis: "É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão." 5. O pleito ministerial não se encontra vedado pelo ordenamento jurídico, constituindo tentativa de assegurar o efetivo respeito ao direito subjetivo do adolescente no município de Ribeirão Preto. 6. Consagrado por um lado o dever do Estado, revela-se, pelo outro ângulo, o direito subjetivo do adolescente. Consectariamente, em função do princípio da inafastabilidade da jurisdição consagrado constitucionalmente, a todo direito corresponde uma ação que o assegura, sendo certo que todos os adolescentes, nas condições estipuladas pela lei, encartam-se na esfera desse direito e podem exigi-lo em juízo. A homogeneidade e transindividualidade do direito em foco enseja a propositura da ação civil pública. 7. Ademais, o magistrado não fica adstrito ao prazo, para o cumprimento da obrigação de fazer, indicado pelo Ministério Público, sendo-lhe defeso, contudo, a prolação de sentença que incorra em um dos vícios de julgamento elencados no artigo 460, do CPC. 8. Recurso especial desprovido. (STJ - 1ª T. - REsp 630765/SP - Rel. Min. Luiz Fux - DJ 12.09.2005, p. 214) PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. OFENSA AO ART. 535 DO CPC. INOCORRÊNCIA. DESAPROPRIAÇÃO DE VASTA ÁREA REALIZADA POR CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO. ACORDO FIRMADO ENTRE A CONCESSIONÁRIA E A POPULAÇÃO LOCAL A FIM DE GARANTIR REASSENTAMENTO E SUBSISTÊNCIA. PACTO POSTERIORMENTE ALTERADO POR PARTE SUPOSTAMENTE ILEGÍTIMA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA QUE VISA DESCONSTITUIR A ALTERAÇÃO DO ACORDO ORIGINAL. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO. DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS INDISPONÍVEIS (MORADIA, SUBSISTÊNCIA E VIDA DIGNA), DE ALTA RELEVÂNCIA SOCIAL. 1. Inicialmente, é de se destacar que os órgãos julgadores não estão obrigados a examinar, mesmo com fins de prequestionamento, todas as teses levantadas pelo jurisdicionado durante um processo judicial, bastando que as decisões proferidas estejam devida e coerentemente fundamentadas, em obediência ao que determina o art. 93, inc. IX, da Lei Maior. Isso não caracteriza ofensa ao art. 535 do CPC. 2. No mais, trata-se de ação civil pública ajuizada contra a Companhia Hidroelétrica do São Franscisco - Chesf em razão do descumprimento de um acordo firmado entre esta empresa e os trabalhadores residentes em área desapropriada (pela companhia). Por conta do decreto expropriatório, toda a população que ali morava ficou privada de suas casas e terras (usadas para a própria subsistência) e, para suprir esta carência, veio o acordo, no qual estava previsto um cronograma de reassentamento, bem assim como o pagamento de 2,5 salários-mínimos mensais, estes chamados de Verba de Manutenção Temporária - VMT. 3. Ocorre que o acordo original foi alterado por meio de intervenção de um pólo sindical, que realizou reuniões com a diretoria da Chesf e o VMT passou a equivaler a 10% (dez por cento) do valor dos produtos de uma cesta básica, somados à taxa mínima de energia elétrica - montante total bem inferior ao inicialmente pactuado. A ação civil pública visa a anulação deste acordo.

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4. No caso em análise, observa-se que o objetivo da ação civil pública é o resguardo de direitos individuais homogêneos com relevante cunho social - e, portanto, indisponíveis -, tais como os direitos de moradia, de garantia de própria subsistência e de vida digna (arts. 1º, inc. III, 3º, inc. III, 5º, caput, 6º e 7º, inc. VII, todos da Constituição da República vigente). 5. Ainda que os beneficiários desta ação sejam um número determinado de indivíduos, isso não afasta a relevância social dos interesses em jogo, o que é bastante para que, embora em sede de tutela de direitos individuais homogêneos, autorize-se o manejo de ação civil pública pelo Ministério Público. É essa a inteligência possível do art. 1º da Lei n. 7.347/85, à luz do art. 129, inc. III, da Constituição da República de 1988. 6. Precedentes da Corte Especial. 7. Recursos especiais providos, devendo os autos voltarem à origem para julgamento das demais questões pendentes. (STJ - 2ª T. - REsp 1120253/PE - Rel. Min. Mauro Campbell Marques - DJe 28.10.2009) DIREITO PROCESSUAL COLETIVO. ACESSO À JUSTIÇA. APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR (CDC) AOS SEGUROS E ÀS ATIVIDADES EQUIPARADAS. EFETIVO ACESSO À JUSTIÇA COMO GARANTIA DE VIABILIZAÇÃO DOS OUTROS DIREITOS FUNDAMENTAIS. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO. SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL. SOCIEDADES DE CAPITALIZAÇÃO. CAPTAÇÃO DE POUPANÇA POPULAR. "TELE SENA". PREQUESTIONAMENTO IMPLÍCITO. ARTS. 3°, § 1°, 6°, VII e VII, 81, E 82 DO CDC. INTERESSES E DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS DISPONÍVEIS. DISTINÇÃO ENTRE RELEVÂNCIA SOCIAL OBJETIVA E RELEVÂNCIA SOCIAL SUBJETIVA. ART. 3º, §§ 1° e 2°, DO DECRETO-LEI 261/67. 1. Hipótese em que o prequestionamento explícito do art. 81 do CDC (conceituação legal de interesses e direitos difusos, coletivos stricto sensu e individuais homogêneos) leva, necessariamente, ao prequestionamento implícito do art. 82 do mesmo texto legal (legitimação concorrente do Ministério Público, associações e órgãos públicos). O manejo do art. 81 do CDC, pelo Tribunal a quo, só ocorreu para fulminar, por defeito de legitimidade, a própria propositura da Ação Civil Pública pelo Parquet, prevista no art. 82, único assento legal dessa matéria em todo o CDC. 2. Afastando-se do exagerado formalismo e atento às finalidades de sua missão, o STJ admite prequestionamento implícito, configurado quando o Tribunal de origem trata de matéria ou tese jurídica controvertida, de tal modo que lhe seria impossível fazê-lo sem transitar, direta ou indiretamente, pelo dispositivo legal tido por violado, mesmo aquele não mencionado de forma expressa no acórdão. 3. A divergência jurisprudencial deve ser comprovada, cabendo a quem recorre demonstrar as circunstâncias que identificam ou assemelham os casos confrontados, com indicação da similitude fática e jurídica entre eles. Indispensável a transcrição de trechos do relatório e do voto dos acórdãos recorrido e paradigma realizando-se o cotejo analítico entre ambos, com o intuito de bem se caracterizar a interpretação legal divergente. O desrespeito a esses requisitos legais e regimentais (art. 541, parágrafo único, do CPC, e art. 255, do RI/STJ) impede o conhecimento do Recurso Especial, com base na alínea "c", do art. 105, III, da Constituição Federal. 4. Referentemente à cláusula constitucional pétrea que dispõe que é dever do Estado proteger o sujeito vulnerável na relação jurídica de consumo, o Código de Defesa do Consumidor – CDC estabeleceu, entre seus direitos básicos, o "acesso aos órgãos judiciários e administrativos com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos" e à "facilitação da defesa" desses mesmos direitos (art. 6º, VII e VIII). 5. O acesso à Justiça não é garantia retórica, pois de sua eficácia concreta depende a realização de todos os outros direitos fundamentais. Na acepção que lhe confere o Estado Social, a expressão vai além do acesso aos tribunais, para incluir o acesso ao próprio Direito, ou seja, a uma ordem jurídica justa (= inimiga dos desequilíbrios e avessa à presunção de igualdade), conhecida (= social e individualmente reconhecida) e implementável (= efetiva). 6. Se a regra do Ancien Régime era a jurisdição prestada individualmente, a conta-gotas, na sociedade pós-industrial, até por razões pragmáticas de eficiência e de sobrevivência do aparelho judicial, tem-se no acesso coletivo a única possibilidade de resposta à massificação dos conflitos, que se organizam em torno de direitos e interesses difusos, coletivos stricto sensu e individuais homogêneos (art. 81, do CDC). 7. Além de beneficiar as vítimas, que vêem suas demandas serem resolvidas de maneira uniforme e com suporte institucional, a legitimação ad causam do Ministério Público e das ONGs para a propositura de Ação Civil Pública prestigia e favorece o próprio Judiciário, que, por essa via, sem

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deixar de cumprir sua elevada missão constitucional, evita o dreno de centenas, milhares e até milhões de litígios individuais. 8. O CDC aplica-se aos contratos de seguro (art. 3º, § 2º), bem como aos planos de capitalização, atividade financeira a eles equiparada para fins de controle e fiscalização (art. 3º, §§ 1° e 2, do Decreto-Lei 261, de 28 de fevereiro de 1967). 9. O seguro, como outros contratos de consumo, pode ensejar conflitos de natureza difusa (p. ex., um anúncio enganoso ou abusivo), coletiva stricto sensu e individual homogênea. 10. A legitimação do Ministério Público para a propositura de Ação Civil Pública, em defesa de interesses e direitos difusos e coletivos stricto sensu, é automática ou ipso facto e, diversamente, depende da presença de relevância social no campo de interesses e direitos individuais homogêneos, amiúde de caráter divisível. 11. A indivisibilidade e a indisponibilidade dos interesses coletivos não são requisitos para a legitimidade do Ministério Público. 12. A relevância social pode ser objetiva (decorrente da própria natureza dos valores e bens em questão, como a dignidade da pessoa humana, o meio ambiente ecologicamente equilibrado, a saúde, a educação) ou subjetiva (aflorada pela qualidade especial dos sujeitos – um grupo de idosos ou de crianças, p. ex. – ou pela repercussão massificada da demanda). 13. Há relevância social na tutela dos interesses e direitos dos consumidores de Sociedades de Capitalização, grandes captadoras de poupança popular mediante remuneração, cuja higidez financeira importa à economia nacional, tendo por isso mesmo o Estado o dever de controlar "todas as operações" e de fazê-lo "no interesse dos portadores de títulos de capitalização" (arts. 1º e 2º, do Decreto-Lei 261/67). 14. Artifícios engenhosos criados pela empresa de capitalização – como a ausência de cadastro atualizado de endereços dos subscritores, o que a impossibilitaria de notificá-los da premiação por sorteio da Tele Sena e, conseqüentemente, de entregar-lhes o que lhes é de direito – prejudicam não apenas as vítimas diretas da desconformidade de consumo, mas a própria higidez difusa do sistema de capitalização como um todo. 15. Recurso Especial parcialmente conhecido e, nessa parte, provido para reconhecer a legitimidade do Ministério Público para a defesa judicial dos interesses dos consumidores de plano de capitalização. (STJ - 2ª T. - REsp 347752/SP - Rel. Min. Herman Benjamin - DJe 04.11.2009) PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE. DISSÍDIO NOTÓRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CADERNETA DE POUPANÇA. RELAÇÃO DE CONSUMO. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. CORREÇÃO MONETÁRIA. JANEIRO/89. COISA JULGADA. LIMITES. DISSENSO JURISPRUDENCIAL SUPERADO. SÚMULA 168/STJ. 1. A sentença na ação civil pública faz coisa julgada erga omnes nos limites da competência territorial do órgão prolator, nos termos do art. 16 da Lei n. 7.347/85, com a novel redação dada pela Lei 9.494/97. Precedentes do STJ: EREsp 293407/SP, CORTE ESPECIAL, DJ 01.08.2006; REsp 838.978/MG, PRIMEIRA TURMA, DJ 14.12.2006 e REsp 422.671/RS, PRIMEIRA TURMA, DJ 30.11.2006. 2. In casu, embora a notoriedade do dissídio enseje o conhecimento dos embargos de divergência, a consonância entre o entendimento externado no acórdão embargado e a hodierna jurisprudência do STJ, notadamente da Corte Especial, conduz à inarredável incidência da Súmula 168, do Superior Tribunal de Justiça, verbis: "Não cabem embargos de divergência, quando a jurisprudência do Tribunal se firmou no mesmo sentido do acórdão embargado." 3. Agravo regimental desprovido, mantida a inadmissibilidade dos embargos de divergência, com supedâneo na Súmula 168/STJ. (STJ - Corte Especial - AgRg no REsp 253589/SP - Rel. Min. Luiz Fux - DJe 01.07.2008) EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. EFICÁCIA. LIMITES. JURISDIÇÃO DO ÓRGÃO PROLATOR. 1 - Consoante entendimento consignado nesta Corte, a sentença proferida em ação civil pública fará coisa julgada erga omnes nos limites da competência do órgão prolator da decisão, nos termos do art. 16 da Lei n. 7.347/85, alterado pela Lei n. 9.494/97. Precedentes. 2 - Embargos de divergência acolhidos. (STJ - Segunda Seção - EREsp 399357/SP - Rel. Min. Fernando Gonçalves - DJe 14.12.2009)

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PROCESSO CIVIL E DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO COLETIVA AJUIZADA POR ASSOCIAÇÃO CIVIL EM DEFESA DE DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. EXPURGOS INFLACIONÁRIOS DEVIDOS EM CADERNETA DE POUPANÇA EM JANEIRO DE 1989. DISTINÇÃO ENTRE EFICÁCIA DA SENTENÇA E COISA JULGADA. EFICÁCIA NACIONAL DA DECISÃO. - A Lei da Ação Civil Pública, originariamente, foi criada para regular a defesa em juízo de direitos difusos e coletivos. A figura dos direitos individuais homogêneos surgiu a partir do Código de Defesa do Consumidor, como uma terceira categoria equiparada aos primeiros, porém ontologicamente diversa. - Distinguem-se os conceitos de eficácia e de coisa julgada. A coisa julgada é meramente a imutabilidade dos efeitos da sentença. O art. 16 da LAP, ao impor limitação territorial à coisa julgada, não alcança os efeitos que propriamente emanam da sentença. - Os efeitos da sentença produzem-se "erga omnes", para além dos limites da competência territorial do órgão julgador. Recurso Especial improvido. (STJ - 3ª T. - REsp 399357/SP - Rel. Min. Nancy Andrighi - Dje 20.04.2009)

Tribunal de Justiça do Paraná

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. FORNECIMENTO GRATUITO DO MEDICAMENTO "CIPROTERONA" À PESSOA IDOSA CARENTE, PORTADORA DE "CÂNCER DE PRÓSTATA". PRELIMINARES. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA E ILEGITIMIDADE PASSIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. AFASTAMENTO. MÉRITO. EXISTÊNCIA DE LAUDO MÉDICO A COMPROVAR A NECESSIDADE DE UTILIZAÇÃO DO FÁRMACO. IRRELEVÂNCIA NO FATO DE O MEDICAMENTO NÃO SE ENCONTRAR CLASSIFICADO PELO MINISTÉRIO DA SAÚDE COMO "EXCEPCIONAL". VIDA E SAÚDE. DIREITOS FUNDAMENTAIS DOS CIDADÃOS E DEVER DO ESTADO. PREVISÃO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL NOS ARTS. 6º E 196. DESCUMPRIMENTO POR PARTE DO ESTADO QUE PERMITE A CHAMADA "JUDICIABILIDADE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS". PRECEDENTES DESTA CORTE E DO STJ. DEMAIS ARGUMENTOS INSUBSISTENTES. Conforme já afirmou o Superior Tribunal de Justiça, "O direito à vida e à saúde são direitos individuais indisponíveis, motivo pelo qual o Ministério Público é parte legítima para ajuizar ação civil pública visando o fornecimento de medicamentos de uso contínuo para pessoas idosas." (2.ª Turma, REsp. n.º 927.818/RS, Rel. Min. Conv. Carlos Fernando Mathias, j. em 01.04.2008). (i) REEXAME NECESSÁRIO NÃO CONHECIDO ART. 475 § 2° DO CPC VALOR DA CAUSA INFERIOR A 60 SALÁRIOS MÍNIMOS. (ii) AGRAVO RETIDO ALEGADA NECESSIDADE DE CHAMAMENTO DA UNIÃO AO PROCESSO NÃO ACOLHIMENTO A RESPONSABILIDADE DE PRESTAR A SAÚDE É SOLIDÁRIA ENTRE OS ENTES FEDERATIVOS, PODENDO A AÇÃO SER DIRIGIDA CONTRA QUALQUER DELES JUSTIÇA ESTADUAL COMPETENTE - AGRAVO DESPROVIDO. (iii) APELAÇÃO CÍVEL DO ESTADO DO PARANÁ CONHECIDA E DESPROVIDA. (TJPR - 5ª C.Cível - AC 0620410-4 - Arapongas - Rel.: Juiz Subst. 2º G. Rogério Ribas - Unânime - J. 02.03.2010) APELAÇÃO CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIREITO À SAÚDE. FORNECIMENTO GRATUITO DO MEDICAMENTO SILDENAFIL PARA ALIVIAR OS SINTOMAS DA HIPERTENSÃO PULMONAR PRIMÁRIA DA QUAL A ADOLESCENTE PADECE. PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA. AFASTAMENTO. INTERVENÇÃO DA UNIÃO NA LIDE COMO LITISCONSORTE PASSIVO NECESSÁRIO. DESNECESSIDADE. SOLIDARIEDADE DOS ENTES FEDERATIVOS. POSSIBILIDADE DA DEMANDA SER INTENTADA APENAS EM FACE DE UM DELES. MÉRITO. DEVER DO ESTADO EM GARANTIR O DIREITO À SAÚDE. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 196 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. OBSERVÂNCIA DE POLÍTICAS PÚBLICAS QUE NÃO CONSTITUI ÓBICE AO FORNECIMENTO DO FÁRMACO. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO INTEGRAL. REEXAME NECESSÁRIO NÃO RECEPCIONADO. EXEGESE DO ARTIGO 475, §2º. DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. RECURSO DE APELAÇÃO DESPROVIDO. É dever do Estado em todos os seus níveis de Administração velar pelo atendimento ao direito à saúde daqueles que, sem condições financeiras, necessitam do fornecimento de medicamentos que permitam assegurar seu direito fundamental à sobrevida digna. (TJPR - 4ª C. Cível - AC 0574427-8 - Rel. Des. Abraham Lincoln Calixto - Unânime - J. 21.07.2009)

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APELAÇÃO CÍVEL E REEXAME NECESSÁRIO. MINISTÉRIO PÚBLICO QUE COMO SUBSTITUTO PROCESSUAL PUGNA EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA PELA CONCESSÃO DO MEDICAMENTO HERCEPTIN (TRASTUZUMAB) NECESSÁRIO AO TRATAMENTO DE PORTADORA DE NEOPLASIA MALIGNA DA MAMA, TIPO CARCINOMA DUCTAL, ESTÁGIO IIIA (CÂNCER DE MAMA). O MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL POSSUI LEGITIMIDADE ATIVA PARA ATUAR COMO SUBSTITUTO PROCESSUAL NA DEFESA DE DIREITO INDISPONÍVEL INDIVIDUAL, COMO É A SAÚDE. PRECEDENTES DESTA CORTE E DO STJ. A EXISTÊNCIA DE CENTROS DE ALTA COMPLEXIDADE EM ONCOLOGIA NÃO EXIME A RESPONSABILIDADE DO ESTADO EM FORNECER O FÁRMACO PRETENDIDO COM A PRESENTE DEMANDA, EIS QUE SUA RESPONSABILIDADE É SOLIDÁRIA. PRECEDENTES DESTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA E DO STJ. NÃO HÁ QUE SE FALAR EM OFENSA AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES OU CUMPRIMENTO ÀS DIRETRIZES E POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE. A CONSTITUIÇÃO FEDERAL INSTITUI A SAÚDE COMO DIREITO FUNDAMENTAL INDISPONÍVEL QUE DEVE SER ATENDIDO EM DETRIMENTO DE QUALQUER NORMATIVA INFRACONSTITUCIONAL. PREVALÊNCIA DO DIREITO À VIDA. MANUTENÇÃO DA MULTA FIXADA PELO JUÍZO A QUO EM RAZÃO DA GRAVE CRONICIDADE DA DOENÇA QUE ACOMETE A SUBSTITUÍDA. NÃO HÁ QUE SE FALAR EM CONDENAÇÃO EM HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS FIXADOS EM FAVOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO NO EXERCÍCIO DE SUA FUNÇÃO INSTITUCIONAL. SENTENÇA REFORMADA NESTE ASPECTO. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. MANTENDO-SE A SENTENÇA EM GRAU DE REEXAME NECESSÁRIO. Questões burocráticas ou orçamento-contábeis fundadas no fato de existir CACONs para tratamento específico de oncologia não exime o Estado e, tampouco outros entes federados do dever de amparo à saúde. (TJPR - 4ª C.Cível - AC 0517233-0 - Foz do Iguaçu - Rel.: Desª Maria Aparecida Blanco de Lima - Unânime - J. 16.06.2009) APELAÇÃO CÍVEL. Ação civil pública. Fornecimento gratuito de medicamento a pessoa portadora de doença grave e carente de recursos econômicos. Ministério Público possui legitimidade para atuar na defesa dos direitos individuais indisponíveis. Responsabilidade solidária entre a união, os estados, o distrito federal e os municípios pela prestação do serviço único de saúde. Desnecessidade de chamamento da união no feito. Prescrição dos fármacos por médico. Descumprimento do apelante de direito fundamental do cidadão que permite a chamada "Judiciabilidade das Políticas Públicas". Preliminares rejeitadas. Precedentes jurisprudenciais. Honorários sucumbenciais. Destinação ao fundo do Ministério Público. Previsão em lei estadual. Fixação adequada quanto ao valor. Manutenção. RECURSO DESPROVIDO. SENTENÇA MANTIDA EM SEDE DE REEXAME NECESSÁRIO, CONHECIDO DE OFÍCIO. (TJPR - 4ª C.Cível - AC 0457316-4 - Astorga - Rel.: Juiz Subst. 2º G. Rogério Ribas - Unânime - J. 05.05.2008) AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. TRANSPORTE ESCOLAR. LIMINAR CONCEDIDA SEM A OITIVA DO ENTE PÚBLICO. POSSIBILIDADE. HIPÓTESE EXCEPCIONAL. MANIFESTO PERIGO DE DANO DE IMPOSSÍVEL OU DE DIFÍCIL REPARAÇÃO. DIREITO À EDUCAÇÃO - "[...] a jurisprudência do STJ tem mitigado, em hipóteses excepcionais, a regra que exige a oitiva prévia da pessoa jurídica de direito público nos casos em que presentes os requisitos legais para a concessão de medida liminar em ação civil pública (art. 2º da Lei 8.437/92). Precedentes do STJ." (REsp 1018614/PR, Segunda Turma, Relatora Ministra ELIANA CALMON, DJe 06/08/2008). TRANSPORTE PÚBLICO ESCOLAR REALIZADO DE FORMA INSATISFATÓRIA. DESATENDIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL QUE GARANTE O ACESSO À EDUCAÇÃO EM SUA PLENITUDE. INADMISSIBILIDADE. PRESENÇA DOS REQUISITOS AUTORIZADORES DE SUA CONCESSÃO (FUMUS BONI IURIS E PERICULUM IN MORA). AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE OU QUALQUER ABUSIVIDADE, JUSTIFICADORES DA REFORMA DA DECISÃO. - Demonstrada a relevância da tutela pretendida, na medida em que o Município ora agravado não está cumprindo preceito fundamental que garante o acesso à educação em sua plenitude, considerado como um dos cânones constitucionais na defesa das futuras gerações, bem como a probabilidade de ocorrência de dano, em virtude da forma como vem sendo prestado o transporte público escolar aos alunos da rede pública municipal, impõe-se a manutenção da liminar deferida pelo magistrado singular. RECURSO DESPROVIDO. (TJPR - 4ª C.Cível - AI 0483135-2 - Jacarezinho - Rel.: Des. Abraham Lincoln Calixto - Unânime - J. 05.05.2009)

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CONSTITUCIONAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. OBRIGAÇÃO DE FAZER. ABERTURA DE TURMAS DO 3º ANO DO ENSINO MÉDIO, NO PERÍODO DIURNO. PRELIMINARES. ILEGITIMIDADE ATIVA. AUSENTE, NAS RAZÕES DO RECURSO, QUALQUER ARGUMENTAÇÃO SOBRE A QUESTÃO. NÃO CONHECIMENTO. INTERESSE DE AGIR. PRESENÇA. DESNECESSIDADE DE EXAUSTÃO DA VIA ADMINISTRATIVA. PRINCÍPIO DA INAFASTABILIDADE DO PODER JUDICIÁRIO (ART. 5º, XXXV, DA CF). VIA PROCESSUAL ADEQUADA. DEFESA DO DIREITO À EDUCAÇÃO, DE NATUREZA DIFUSA. ART. 1º, IV, DA LEI N. 7347/85. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO. NÃO CABIMENTO. HIPÓTESE EM QUE SE DISCUTE DIREITO FUNDAMENTAL, DE APLICABILIDADE IMEDIATA (ART. 5º, §1º, DA CF). INTERESSE DE AGIR QUE CONTINUA HÍGIDO QUANTO Á NECESSIDADE FUTURA DE OFERTA DE NOVAS VAGAS. SENTENÇA ULTRA PETITA. OCORRÊNCIA. RESTRIÇÃO DA CONDENAÇÃO AOS LIMITES DO PEDIDO INICIAL (3º ANO DO ENSINO MÉDIO NO PERÍODO DIURNO). DIREITO À EDUCAÇÃO. ART. 205, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PRERROGATIVA DEFERIDA A TODOS. DEVER DO ESTADO. INTERPRETAÇÃO CORRETA DO ART. 208, II, DA CF. UNIVERSALIZAÇÃO PROGRESSIVA DO ENSINO MÉDIO GRATUITO. TURMA ABERTA NO ANO DE 2002. OFENSA À NORMA CONSTITUCIONAL CASO AUSENTE A OFERTA NOS ANOS SUBSEQUENTES. OFERTA DE ENSINO NO PERÍODO DIURNO. OBRIGATORIEDADE. OMISSÃO DO ESTADO DO PARANÁ EM CUMPRIR DEVER DE PRESTAÇÃO IMPOSTO PELA CARTA MAGNA. ILEGALIDADE. POSSIBILIDADE DE ANÁLISE PELO PODER JUDICIÁRIO. NÃO OFENSA AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. DIREITO FUNDAMENTAL (ART. 6º, CAPUT, DA CF). LIMITE À MARGEM DE DISCRICIONARIEDADE DO ADMINISTRADOR PÚBLICO. PRINCÍPIO DA RESERVA DO POSSÍVEL. AUSÊNCIA DE PROVA DA INSUFICIÊNCIA DE RECURSOS FINANCEIROS. INAPLICABILIDADE. DEMANDA. PROCURA PELO 3º ANO DO ENSINO MÉDIO NO PERÍODO DIURNO, AINDA QUE POR UM ALUNO APENAS. RESOLUÇÃO N. 864/2001 DA SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO. NORMA EDITADA COM O OBJETIVO DE OTIMIZAR O ENSINO PÚBLICO ESTADUAL. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO PARA OBSTAR A OFERTA DE ENSINO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. CABIMENTO. VALOR DESTINADO AO FUNDO ESPECIAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO, CRIADO COM A FINALIDADE DE ABSORVER TAIS VERBAS (ART. 3º, XV, DA LEI ESTADUAL N. 12.241/98). FONTE E FINALIDADE DIVERSAS DO ORÇAMENTO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. CONFUSÃO ENTRE CREDOR E DEVEDOR. INOCORRÊNCIA. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NA PARTE CONHECIDA, PARCIALMENTE PROVIDO, MANTIDA A SENTENÇA QUANTO AOS DEMAIS PONTOS, INCLUSIVE EM REEXAME NECESSÁRIO. (TJPR - 4ª C.Cível - ACR 0468521-2 - Paraíso do Norte - Rel.: Juíza Subst. 2º G. Josély Dittrich Ribas - Unânime - J. 25.11.2008)

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ANEXO II - LEI 7.347/1985

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Presidência da República Casa Civil

Subchefia para Assuntos Jurídicos

LEI No 7.347, DE 24 DE JULHO DE 1985.

Disciplina a ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio-ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico (VETADO) e dá outras providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados: (Redação dada pela Lei nº 8.884, de 11.6.1994)

l - ao meio-ambiente;

ll - ao consumidor;

III – à ordem urbanística; (Incluído pela Lei nº 10.257, de 10.7.2001) (Vide Medida provisória nº 2.180-35, de 2001)

IV – a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico; (Renumerado do Inciso III, pela Lei nº 10.257, de 10.7.2001)

V - por infração da ordem econômica e da economia popular; (Redação dada pela Medida provisória nº 2.180-35, de 2001)

VI - à ordem urbanística. (Redação dada pela Medida provisória nº 2.180-35, de 2001)

Parágrafo único. Não será cabível ação civil pública para veicular pretensões que envolvam tributos, contribuições previdenciárias, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS ou outros fundos de natureza institucional cujos beneficiários podem ser individualmente determinados. (Incluído pela Medida provisória nº 2.180-35, de 2001)

Art. 2º As ações previstas nesta Lei serão propostas no foro do local onde ocorrer o dano, cujo juízo terá competência funcional para processar e julgar a causa.

Parágrafo único A propositura da ação prevenirá a jurisdição do juízo para todas as ações posteriormente intentadas que possuam a mesma causa de pedir ou o mesmo objeto. (Incluído pela Medida provisória nº 2.180-35, de 2001)

Art. 3º A ação civil poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer.

Art. 4o Poderá ser ajuizada ação cautelar para os fins desta Lei, objetivando, inclusive, evitar o dano ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem urbanística ou aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico (VETADO). (Redação dada pela Lei nº 10.257, de 10.7.2001)

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Art. 5o Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar: (Redação dada pela Lei nº 11.448, de 2007).

I - o Ministério Público; (Redação dada pela Lei nº 11.448, de 2007).

II - a Defensoria Pública; (Redação dada pela Lei nº 11.448, de 2007).

III - a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; (Incluído pela Lei nº 11.448, de 2007).

IV - a autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista; (Incluído pela Lei nº 11.448, de 2007).

V - a associação que, concomitantemente: (Incluído pela Lei nº 11.448, de 2007).

a) esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil; (Incluído pela Lei nº 11.448, de 2007).

b) inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico. (Incluído pela Lei nº 11.448, de 2007).

§ 1º O Ministério Público, se não intervier no processo como parte, atuará obrigatoriamente como fiscal da lei.

§ 2º Fica facultado ao Poder Público e a outras associações legitimadas nos termos deste artigo habilitar-se como litisconsortes de qualquer das partes.

§ 3º Em caso de desistência infundada ou abandono da ação por associação legitimada, o Ministério Público ou outro legitimado assumirá a titularidade ativa. (Redação dada pela Lei nº 8.078, de 1990)

§ 4.° O requisito da pré-constituição poderá ser dispensado pelo juiz, quando haja manifesto interesse social evidenciado pela dimensão ou característica do dano, ou pela relevância do bem jurídico a ser protegido. (Incluído pela Lei nª 8.078, de 11.9.1990)

§ 5.° Admitir-se-á o litisconsórcio facultativo entre os Ministérios Públicos da União, do Distrito Federal e dos Estados na defesa dos interesses e direitos de que cuida esta lei. (Incluído pela Lei nª 8.078, de 11.9.1990) (Vide Mensagem de veto) (Vide REsp 222582 /MG - STJ)

§ 6° Os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial. (Incluído pela Lei nª 8.078, de 11.9.1990) (Vide Mensagem de veto) (Vide REsp 222582 /MG - STJ)

Art. 6º Qualquer pessoa poderá e o servidor público deverá provocar a iniciativa do Ministério Público, ministrando-lhe informações sobre fatos que constituam objeto da ação civil e indicando-lhe os elementos de convicção.

Art. 7º Se, no exercício de suas funções, os juízes e tribunais tiverem conhecimento de fatos que possam ensejar a propositura da ação civil, remeterão peças ao Ministério Público para as providências cabíveis.

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Art. 8º Para instruir a inicial, o interessado poderá requerer às autoridades competentes as certidões e informações que julgar necessárias, a serem fornecidas no prazo de 15 (quinze) dias.

§ 1º O Ministério Público poderá instaurar, sob sua presidência, inquérito civil, ou requisitar, de qualquer organismo público ou particular, certidões, informações, exames ou perícias, no prazo que assinalar, o qual não poderá ser inferior a 10 (dez) dias úteis.

§ 2º Somente nos casos em que a lei impuser sigilo, poderá ser negada certidão ou informação, hipótese em que a ação poderá ser proposta desacompanhada daqueles documentos, cabendo ao juiz requisitá-los.

Art. 9º Se o órgão do Ministério Público, esgotadas todas as diligências, se convencer da inexistência de fundamento para a propositura da ação civil, promoverá o arquivamento dos autos do inquérito civil ou das peças informativas, fazendo-o fundamentadamente.

§ 1º Os autos do inquérito civil ou das peças de informação arquivadas serão remetidos, sob pena de se incorrer em falta grave, no prazo de 3 (três) dias, ao Conselho Superior do Ministério Público.

§ 2º Até que, em sessão do Conselho Superior do Ministério Público, seja homologada ou rejeitada a promoção de arquivamento, poderão as associações legitimadas apresentar razões escritas ou documentos, que serão juntados aos autos do inquérito ou anexados às peças de informação.

§ 3º A promoção de arquivamento será submetida a exame e deliberação do Conselho Superior do Ministério Público, conforme dispuser o seu Regimento.

§ 4º Deixando o Conselho Superior de homologar a promoção de arquivamento, designará, desde logo, outro órgão do Ministério Público para o ajuizamento da ação.

Art. 10. Constitui crime, punido com pena de reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos, mais multa de 10 (dez) a 1.000 (mil) Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional - ORTN, a recusa, o retardamento ou a omissão de dados técnicos indispensáveis à propositura da ação civil, quando requisitados pelo Ministério Público.

Art. 11. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz determinará o cumprimento da prestação da atividade devida ou a cessação da atividade nociva, sob pena de execução específica, ou de cominação de multa diária, se esta for suficiente ou compatível, independentemente de requerimento do autor.

Art. 12. Poderá o juiz conceder mandado liminar, com ou sem justificação prévia, em decisão sujeita a agravo.

§ 1º A requerimento de pessoa jurídica de direito público interessada, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia pública, poderá o Presidente do Tribunal a que competir o conhecimento do respectivo recurso suspender a execução da liminar, em decisão fundamentada, da qual caberá agravo para uma das turmas julgadoras, no prazo de 5 (cinco) dias a partir da publicação do ato.

§ 2º A multa cominada liminarmente só será exigível do réu após o trânsito em julgado da decisão favorável ao autor, mas será devida desde o dia em que se houver configurado o descumprimento.

Art. 13. Havendo condenação em dinheiro, a indenização pelo dano causado reverterá a um fundo gerido por um Conselho Federal ou por Conselhos Estaduais de que participarão

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necessariamente o Ministério Público e representantes da comunidade, sendo seus recursos destinados à reconstituição dos bens lesados.

Parágrafo único. Enquanto o fundo não for regulamentado, o dinheiro ficará depositado em estabelecimento oficial de crédito, em conta com correção monetária.

Art. 14. O juiz poderá conferir efeito suspensivo aos recursos, para evitar dano irreparável à parte.

Art. 15. Decorridos sessenta dias do trânsito em julgado da sentença condenatória, sem que a associação autora lhe promova a execução, deverá fazê-lo o Ministério Público, facultada igual iniciativa aos demais legitimados. (Redação dada pela Lei nº 8.078, de 1990)

Art. 16. A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova. (Redação dada pela Lei nº 9.494, de 10.9.1997)

Art. 17. Em caso de litigância de má-fé, a associação autora e os diretores responsáveis pela propositura da ação serão solidariamente condenados em honorários advocatícios e ao décuplo das custas, sem prejuízo da responsabilidade por perdas e danos. (Renumerado do Parágrafo Único com nova redação pela Lei nº 8.078, de 1990)

Art. 18. Nas ações de que trata esta lei, não haverá adiantamento de custas, emolumentos, honorários periciais e quaisquer outras despesas, nem condenação da associação autora, salvo comprovada má-fé, em honorários de advogado, custas e despesas processuais. (Redação dada pela Lei nº 8.078, de 1990)

Art. 19. Aplica-se à ação civil pública, prevista nesta Lei, o Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973, naquilo em que não contrarie suas disposições.

Art. 20. O fundo de que trata o art. 13 desta Lei será regulamentado pelo Poder Executivo no prazo de 90 (noventa) dias.

Art. 21. Aplicam-se à defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais, no que for cabível, os dispositivos do Título III da lei que instituiu o Código de Defesa do Consumidor. (Incluído Lei nº 8.078, de 1990)

Art. 22. Esta lei entra em vigor na data de sua publicação. (Renumerado do art. 21, pela Lei nº 8.078, de 1990)

Art. 23. Revogam-se as disposições em contrário. (Renumerado do art. 22, pela Lei nº 8.078, de 1990)

Brasília, em 24 de julho de 1985; 164º da Independência e 97º da República.

JOSÉ SARNEY Fernando Lyra

Este texto não substitui o publicado no D.O.U. de 25.7.1985

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ANEXO III - LEI 8.078/1990

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Presidência da República Casa Civil

Subchefia para Assuntos Jurídicos

LEI Nº 8.078, DE 11 DE SETEMBRO DE 1990.

Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte lei:

TÍTULO III Da Defesa do Consumidor em Juízo

CAPÍTULO I Disposições Gerais

Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.

Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:

I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;

II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;

III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.

Art. 82. Para os fins do art. 81, parágrafo único, são legitimados concorrentemente: (Redação dada pela Lei nº 9.008, de 21.3.1995)

I - o Ministério Público,

II - a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal;

III - as entidades e órgãos da Administração Pública, direta ou indireta, ainda que sem personalidade jurídica, especificamente destinados à defesa dos interesses e direitos protegidos por este código;

IV - as associações legalmente constituídas há pelo menos um ano e que incluam entre seus fins institucionais a defesa dos interesses e direitos protegidos por este código, dispensada a autorização assemblear.

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§ 1° O requisito da pré-constituição pode ser dispensado pelo juiz, nas ações previstas nos arts. 91 e seguintes, quando haja manifesto interesse social evidenciado pela dimensão ou característica do dano, ou pela relevância do bem jurídico a ser protegido.

§ 2° (Vetado).

§ 3° (Vetado).

Art. 83. Para a defesa dos direitos e interesses protegidos por este código são admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela.

Parágrafo único. (Vetado).

Art. 84. Na ação que tenha por objeto o cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.

§ 1° A conversão da obrigação em perdas e danos somente será admissível se por elas optar o autor ou se impossível a tutela específica ou a obtenção do resultado prático correspondente.

§ 2° A indenização por perdas e danos se fará sem prejuízo da multa (art. 287, do Código de Processo Civil).

§ 3° Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou após justificação prévia, citado o réu.

§ 4° O juiz poderá, na hipótese do § 3° ou na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando prazo razoável para o cumprimento do preceito.

§ 5° Para a tutela específica ou para a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz determinar as medidas necessárias, tais como busca e apreensão, remoção de coisas e pessoas, desfazimento de obra, impedimento de atividade nociva, além de requisição de força policial.

Art. 85. (Vetado).

Art. 86. (Vetado).

Art. 87. Nas ações coletivas de que trata este código não haverá adiantamento de custas, emolumentos, honorários periciais e quaisquer outras despesas, nem condenação da associação autora, salvo comprovada má-fé, em honorários de advogados, custas e despesas processuais.

Parágrafo único. Em caso de litigância de má-fé, a associação autora e os diretores responsáveis pela propositura da ação serão solidariamente condenados em honorários advocatícios e ao décuplo das custas, sem prejuízo da responsabilidade por perdas e danos.

Art. 88. Na hipótese do art. 13, parágrafo único deste código, a ação de regresso poderá ser ajuizada em processo autônomo, facultada a possibilidade de prosseguir-se nos mesmos autos, vedada a denunciação da lide.

Art. 89. (Vetado)

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Art. 90. Aplicam-se às ações previstas neste título as normas do Código de Processo Civil e da Lei n° 7.347, de 24 de julho de 1985, inclusive no que respeita ao inquérito civil, naquilo que não contrariar suas disposições.

CAPÍTULO II Das Ações Coletivas Para a Defesa de Interesses Individuais Homogêneos

Art. 91. Os legitimados de que trata o art. 82 poderão propor, em nome próprio e no interesse das vítimas ou seus sucessores, ação civil coletiva de responsabilidade pelos danos individualmente sofridos, de acordo com o disposto nos artigos seguintes. (Redação dada pela Lei nº 9.008, de 21.3.1995)

Art. 92. O Ministério Público, se não ajuizar a ação, atuará sempre como fiscal da lei.

Parágrafo único. (Vetado).

Art. 93. Ressalvada a competência da Justiça Federal, é competente para a causa a justiça local:

I - no foro do lugar onde ocorreu ou deva ocorrer o dano, quando de âmbito local;

II - no foro da Capital do Estado ou no do Distrito Federal, para os danos de âmbito nacional ou regional, aplicando-se as regras do Código de Processo Civil aos casos de competência concorrente.

Art. 94. Proposta a ação, será publicado edital no órgão oficial, a fim de que os interessados possam intervir no processo como litisconsortes, sem prejuízo de ampla divulgação pelos meios de comunicação social por parte dos órgãos de defesa do consumidor.

Art. 95. Em caso de procedência do pedido, a condenação será genérica, fixando a responsabilidade do réu pelos danos causados.

Art. 96. (Vetado).

Art. 97. A liquidação e a execução de sentença poderão ser promovidas pela vítima e seus sucessores, assim como pelos legitimados de que trata o art. 82.

Parágrafo único. (Vetado).

Art. 98. A execução poderá ser coletiva, sendo promovida pelos legitimados de que trata o art. 82, abrangendo as vítimas cujas indenizações já tiveram sido fixadas em sentença de liquidação, sem prejuízo do ajuizamento de outras execuções. (Redação dada pela Lei nº 9.008, de 21.3.1995)

§ 1° A execução coletiva far-se-á com base em certidão das sentenças de liquidação, da qual deverá constar a ocorrência ou não do trânsito em julgado.

§ 2° É competente para a execução o juízo:

I - da liquidação da sentença ou da ação condenatória, no caso de execução individual;

II - da ação condenatória, quando coletiva a execução.

Art. 99. Em caso de concurso de créditos decorrentes de condenação prevista na Lei n.° 7.347, de 24 de julho de 1985 e de indenizações pelos prejuízos individuais resultantes do mesmo evento danoso, estas terão preferência no pagamento.

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Parágrafo único. Para efeito do disposto neste artigo, a destinação da importância recolhida ao fundo criado pela Lei n°7.347 de 24 de julho de 1985, ficará sustada enquanto pendentes de decisão de segundo grau as ações de indenização pelos danos individuais, salvo na hipótese de o patrimônio do devedor ser manifestamente suficiente para responder pela integralidade das dívidas.

Art. 100. Decorrido o prazo de um ano sem habilitação de interessados em número compatível com a gravidade do dano, poderão os legitimados do art. 82 promover a liquidação e execução da indenização devida.

Parágrafo único. O produto da indenização devida reverterá para o fundo criado pela Lei n.° 7.347, de 24 de julho de 1985.

CAPÍTULO III Das Ações de Responsabilidade do Fornecedor de Produtos e Serviços

Art. 101. Na ação de responsabilidade civil do fornecedor de produtos e serviços, sem prejuízo do disposto nos Capítulos I e II deste título, serão observadas as seguintes normas:

I - a ação pode ser proposta no domicílio do autor;

II - o réu que houver contratado seguro de responsabilidade poderá chamar ao processo o segurador, vedada a integração do contraditório pelo Instituto de Resseguros do Brasil. Nesta hipótese, a sentença que julgar procedente o pedido condenará o réu nos termos do art. 80 do Código de Processo Civil. Se o réu houver sido declarado falido, o síndico será intimado a informar a existência de seguro de responsabilidade, facultando-se, em caso afirmativo, o ajuizamento de ação de indenização diretamente contra o segurador, vedada a denunciação da lide ao Instituto de Resseguros do Brasil e dispensado o litisconsórcio obrigatório com este.

Art. 102. Os legitimados a agir na forma deste código poderão propor ação visando compelir o Poder Público competente a proibir, em todo o território nacional, a produção, divulgação distribuição ou venda, ou a determinar a alteração na composição, estrutura, fórmula ou acondicionamento de produto, cujo uso ou consumo regular se revele nocivo ou perigoso à saúde pública e à incolumidade pessoal.

§ 1° (Vetado).

§ 2° (Vetado)

CAPÍTULO IV Da Coisa Julgada

Art. 103. Nas ações coletivas de que trata este código, a sentença fará coisa julgada:

I - erga omnes, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação, com idêntico fundamento valendo-se de nova prova, na hipótese do inciso I do parágrafo único do art. 81;

II - ultra partes, mas limitadamente ao grupo, categoria ou classe, salvo improcedência por insuficiência de provas, nos termos do inciso anterior, quando se tratar da hipótese prevista no inciso II do parágrafo único do art. 81;

III - erga omnes, apenas no caso de procedência do pedido, para beneficiar todas as vítimas e seus sucessores, na hipótese do inciso III do parágrafo único do art. 81.

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§ 1° Os efeitos da coisa julgada previstos nos incisos I e II não prejudicarão interesses e direitos individuais dos integrantes da coletividade, do grupo, categoria ou classe.

§ 2° Na hipótese prevista no inciso III, em caso de improcedência do pedido, os interessados que não tiverem intervindo no processo como litisconsortes poderão propor ação de indenização a título individual.

§ 3° Os efeitos da coisa julgada de que cuida o art. 16, combinado com o art. 13 da Lei n° 7.347, de 24 de julho de 1985, não prejudicarão as ações de indenização por danos pessoalmente sofridos, propostas individualmente ou na forma prevista neste código, mas, se procedente o pedido, beneficiarão as vítimas e seus sucessores, que poderão proceder à liquidação e à execução, nos termos dos arts. 96 a 99.

§ 4º Aplica-se o disposto no parágrafo anterior à sentença penal condenatória.

Art. 104. As ações coletivas, previstas nos incisos I e II e do parágrafo único do art. 81, não induzem litispendência para as ações individuais, mas os efeitos da coisa julgada erga omnes ou ultra partes a que aludem os incisos II e III do artigo anterior não beneficiarão os autores das ações individuais, se não for requerida sua suspensão no prazo de trinta dias, a contar da ciência nos autos do ajuizamento da ação coletiva.

TÍTULO IV Do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor

Art. 105. Integram o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (SNDC), os órgãos federais, estaduais, do Distrito Federal e municipais e as entidades privadas de defesa do consumidor.

Art. 106. O Departamento Nacional de Defesa do Consumidor, da Secretaria Nacional de Direito Econômico (MJ), ou órgão federal que venha substituí-lo, é organismo de coordenação da política do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, cabendo-lhe:

I - planejar, elaborar, propor, coordenar e executar a política nacional de proteção ao consumidor;

II - receber, analisar, avaliar e encaminhar consultas, denúncias ou sugestões apresentadas por entidades representativas ou pessoas jurídicas de direito público ou privado;

III - prestar aos consumidores orientação permanente sobre seus direitos e garantias;

IV - informar, conscientizar e motivar o consumidor através dos diferentes meios de comunicação;

V - solicitar à polícia judiciária a instauração de inquérito policial para a apreciação de delito contra os consumidores, nos termos da legislação vigente;

VI - representar ao Ministério Público competente para fins de adoção de medidas processuais no âmbito de suas atribuições;

VII - levar ao conhecimento dos órgãos competentes as infrações de ordem administrativa que violarem os interesses difusos, coletivos, ou individuais dos consumidores;

VIII - solicitar o concurso de órgãos e entidades da União, Estados, do Distrito Federal e Municípios, bem como auxiliar a fiscalização de preços, abastecimento, quantidade e segurança de bens e serviços;

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IX - incentivar, inclusive com recursos financeiros e outros programas especiais, a formação de entidades de defesa do consumidor pela população e pelos órgãos públicos estaduais e municipais;

X - (Vetado).

XI - (Vetado).

XII - (Vetado)

XIII - desenvolver outras atividades compatíveis com suas finalidades.

Parágrafo único. Para a consecução de seus objetivos, o Departamento Nacional de Defesa do Consumidor poderá solicitar o concurso de órgãos e entidades de notória especialização técnico-científica.

TÍTULO V Da Convenção Coletiva de Consumo

Art. 107. As entidades civis de consumidores e as associações de fornecedores ou sindicatos de categoria econômica podem regular, por convenção escrita, relações de consumo que tenham por objeto estabelecer condições relativas ao preço, à qualidade, à quantidade, à garantia e características de produtos e serviços, bem como à reclamação e composição do conflito de consumo.

§ 1° A convenção tornar-se-á obrigatória a partir do registro do instrumento no cartório de títulos e documentos.

§ 2° A convenção somente obrigará os filiados às entidades signatárias.

§ 3° Não se exime de cumprir a convenção o fornecedor que se desligar da entidade em data posterior ao registro do instrumento.

Art. 108. (Vetado).

TÍTULO VI Disposições Finais

Art. 109. (Vetado).

Art. 110. Acrescente-se o seguinte inciso IV ao art. 1° da Lei n° 7.347, de 24 de julho de 1985:

"IV - a qualquer outro interesse difuso ou coletivo".

Art. 111. O inciso II do art. 5° da Lei n° 7.347, de 24 de julho de 1985, passa a ter a seguinte redação:

"II - inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao meio ambiente, ao consumidor, ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, ou a qualquer outro interesse difuso ou coletivo".

Art. 112. O § 3° do art. 5° da Lei n° 7.347, de 24 de julho de 1985, passa a ter a seguinte redação:

"§ 3° Em caso de desistência infundada ou abandono da ação por associação legitimada, o Ministério Público ou outro legitimado assumirá a titularidade ativa".

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Art. 113. Acrescente-se os seguintes §§ 4°, 5° e 6° ao art. 5º. da Lei n.° 7.347, de 24 de julho de 1985:

"§ 4.° O requisito da pré-constituição poderá ser dispensado pelo juiz, quando haja manifesto interesse social evidenciado pela dimensão ou característica do dano, ou pela relevância do bem jurídico a ser protegido.

§ 5.° Admitir-se-á o litisconsórcio facultativo entre os Ministérios Públicos da União, do Distrito Federal e dos Estados na defesa dos interesses e direitos de que cuida esta lei. (Vide Mensagem de veto) (Vide REsp 222582 /MG - STJ)

§ 6° Os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante combinações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial". (Vide Mensagem de veto) (Vide REsp 222582 /MG - STJ)

Art. 114. O art. 15 da Lei n° 7.347, de 24 de julho de 1985, passa a ter a seguinte redação:

"Art. 15. Decorridos sessenta dias do trânsito em julgado da sentença condenatória, sem que a associação autora lhe promova a execução, deverá fazê-lo o Ministério Público, facultada igual iniciativa aos demais legitimados".

Art. 115. Suprima-se o caput do art. 17 da Lei n° 7.347, de 24 de julho de 1985, passando o parágrafo único a constituir o caput, com a seguinte redação:

“Art. 17. “Art. 17. Em caso de litigância de má-fé, a associação autora e os diretores responsáveis pela propositura da ação serão solidariamente condenados em honorários advocatícios e ao décuplo das custas, sem prejuízo da responsabilidade por perdas e danos”.

Art. 116. Dê-se a seguinte redação ao art. 18 da Lei n° 7.347, de 24 de julho de 1985:

"Art. 18. Nas ações de que trata esta lei, não haverá adiantamento de custas, emolumentos, honorários periciais e quaisquer outras despesas, nem condenação da associação autora, salvo comprovada má-fé, em honorários de advogado, custas e despesas processuais".

Art. 117. Acrescente-se à Lei n° 7.347, de 24 de julho de 1985, o seguinte dispositivo, renumerando-se os seguintes:

"Art. 21. Aplicam-se à defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais, no que for cabível, os dispositivos do Título III da lei que instituiu o Código de Defesa do Consumidor".

Art. 118. Este código entrará em vigor dentro de cento e oitenta dias a contar de sua publicação.

Art. 119. Revogam-se as disposições em contrário.

Brasília, 11 de setembro de 1990; 169° da Independência e 102° da República.

FERNANDO COLLOR Bernardo Cabral Zélia M. Cardoso de Mello Ozires Silva

Este texto não substitui o publicado no D.O.U. de 12.9.1990 - Retificado no DOU de 10.1.2007

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ANEXO IV - PROJETO DE LEI

5.139/2009

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SUBCHEFIA DE ASSUNTOS PARLAMENTARES

PROJETO DE LEI

O CONGRESSO NACIONAL decreta:

CAPÍTULO I DAS DISPOSIÇÕES GERAIS

Art. 1o Regem-se pelas disposições desta Lei as ações civis públicas destinadas à proteção:

I - do meio ambiente, da saúde, da educação, do trabalho, do desporto, da segurança pública, dos transportes coletivos, da assistência jurídica integral e da prestação de serviços públicos;

II - do consumidor, do idoso, da infância e juventude e das pessoas portadoras de deficiência;

III - da ordem social, econômica, urbanística, financeira, da economia popular, da livre concorrência, do patrimônio público e do erário;

IV - dos bens e direitos de valor artístico, cultural, estético, histórico, turístico e paisagístico; e

V - de outros interesses ou direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos.

§ 1o Não será cabível ação civil pública para veicular pretensões que envolvam tributos, concessão, revisão ou reajuste de benefícios previdenciários ou assistenciais, contribuições previdenciárias, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS ou outros fundos de natureza institucional cujos beneficiários podem ser individualmente determinados.

§ 2o Aplicam-se as disposições desta Lei às ações coletivas destinadas à proteção de interesses ou direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos.

Art. 2o A tutela coletiva abrange os interesses ou direitos:

I - difusos, assim entendidos os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas, ligadas por circunstâncias de fato;

II - coletivos em sentido estrito, assim entendidos os transindividuais, de natureza indivisível, de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base; e

III - individuais homogêneos, assim entendidos aqueles decorrentes de origem comum, de fato ou de direito, que recomendem tutela conjunta a ser aferida por critérios como facilitação do

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acesso à Justiça, economia processual, preservação da isonomia processual, segurança jurídica ou dificuldade na formação do litisconsórcio.

§ 1o A tutela dos interesses ou direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos presume-se de relevância social, política, econômica ou jurídica.

§ 2o A análise da constitucionalidade ou inconstitucionalidade de lei ou ato normativo poderá ser arguida incidentalmente, como questão prejudicial, pela via do controle difuso.

CAPÍTULO II DOS PRINCÍPIOS DA TUTELA COLETIVA

Art. 3o O processo civil coletivo rege-se pelos seguintes princípios:

I - amplo acesso à justiça e participação social;

II - duração razoável do processo, com prioridade no seu processamento em todas as instâncias;

III - isonomia, economia processual, flexibilidade procedimental e máxima eficácia;

IV - tutela coletiva adequada, com efetiva precaução, prevenção e reparação dos danos materiais e morais, individuais e coletivos, bem como punição pelo enriquecimento ilícito;

V - motivação específica de todas as decisões judiciais, notadamente quanto aos conceitos indeterminados;

VI - publicidade e divulgação ampla dos atos processuais que interessem à comunidade;

VII - dever de colaboração de todos, inclusive pessoas jurídicas públicas e privadas, na produção das provas, no cumprimento das decisões judiciais e na efetividade da tutela coletiva;

VIII - exigência permanente de boa-fé, lealdade e responsabilidade das partes, dos procuradores e de todos aqueles que de qualquer forma participem do processo; e

IX - preferência da execução coletiva.

CAPÍTULO III DOS PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS E DAS CONDIÇÕES DA AÇÃO COLETIVA

Art. 4o É competente para a causa o foro do local onde ocorreu ou deva ocorrer o dano ou o ilícito, aplicando-se as regras da prevenção e da competência absoluta.

§ 1o Se a extensão do dano atingir a área da capital do Estado, será esta a competente; se também atingir a área do Distrito Federal será este o competente, concorrentemente com os foros das capitais atingidas.

§ 2o A extensão do dano será aferida, em princípio, conforme indicado na petição inicial.

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§ 3o Havendo, no foro competente, juízos especializados em razão da matéria e juízos especializados em ações coletivas, aqueles prevalecerão sobre estes.

Art. 5o A distribuição de uma ação coletiva induzirá litispendência para as demais ações coletivas que tenham o mesmo pedido, causa de pedir e interessados e prevenirá a competência do juízo para todas as demais ações coletivas posteriormente intentadas que possuam a mesma causa de pedir ou o mesmo objeto, ainda que diferentes os legitimados coletivos, quando houver:

I - conexão, pela identidade de pedido ou causa de pedir, ainda que diferentes os legitimados;

II - conexão probatória; ou

III - continência, pela identidade de interessados e causa de pedir, quando o pedido de uma das ações for mais abrangente do que o das demais.

§ 1o Na análise da identidade da causa de pedir e do objeto, será preponderantemente considerado o bem jurídico a ser protegido.

§ 2o Na hipótese de litispendência, conexão ou continência entre ações coletivas que digam respeito ao mesmo bem jurídico, a reunião dos processos poderá ocorrer até o julgamento em primeiro grau.

§ 3o Iniciada a instrução, a reunião dos processos somente poderá ser determinada se não houver prejuízo para a duração razoável do processo.

Art. 6o São legitimados concorrentemente para propor a ação coletiva:

I - o Ministério Público;

II - a Defensoria Pública;

III - a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e respectivas autarquias, fundações públicas, empresas públicas, sociedades de economia mista, bem como seus órgãos despersonalizados que tenham como finalidades institucionais a defesa dos interesses ou direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos;

IV - a Ordem dos Advogados do Brasil, inclusive as suas seções e subseções;

V - as entidades sindicais e de fiscalização do exercício das profissões, restritas à defesa dos interesses ou direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos ligados à categoria;

VI - os partidos políticos com representação no Congresso Nacional, nas Assembléias Legislativas ou nas Câmaras Municipais, conforme o âmbito do objeto da demanda, a ser verificado quando do ajuizamento da ação; e

VII - as associações civis e as fundações de direito privado legalmente constituídas e em funcionamento há pelo menos um ano, para a defesa de interesses ou direitos relacionados com seus fins institucionais, dispensadas a autorização assemblear ou pessoal e a apresentação do rol nominal dos associados ou membros.

§ 1o O juiz poderá dispensar o requisito da pré-constituição de um ano das associações civis e das fundações de direito privado quando haja manifesto interesse social evidenciado pelas características do dano ou pela relevância do bem jurídico a ser protegido.

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§ 2o O Ministério Público, se não intervier no processo como parte, atuará obrigatoriamente como fiscal da ordem jurídica.

§ 3o Admitir-se-á o litisconsórcio facultativo entre os legitimados, inclusive entre os ramos do Ministério Público e da Defensoria Pública.

§ 4o As pessoas jurídicas de direito público, cujos atos sejam objeto de impugnação, poderão abster-se de contestar o pedido, ou atuar ao lado do autor, desde que isso se afigure útil ao interesse público, a juízo do respectivo representante legal ou dirigente.

Art. 7o É vedada a intervenção de terceiros nas ações coletivas, ressalvada a possibilidade de qualquer legitimado coletivo habilitar-se como assistente litisconsorcial em qualquer dos pólos da demanda.

§ 1o A apreciação do pedido de assistência far-se-á em autos apartados, sem suspensão do feito, salvo quando implicar deslocamento de competência, recebendo o interveniente o processo no estado em que se encontre.

§ 2° O juiz rejeitará liminarmente o pedido de habilitação como assistente do membro do grupo, na ação em defesa de interesses ou direitos individuais homogêneos, quando o interessado não demonstrar, de plano, razões de fato ou de direito que assegurem utilidade à tutela coletiva e justifiquem a sua intervenção, podendo o juiz limitar o número de assistentes, quando este comprometer o bom andamento e a duração razoável do processo.

§ 3o As pretensões individuais, na fase de conhecimento do processo coletivo, somente poderão ser discutidas e decididas de modo coletivo, facultando-se o agrupamento em subclasses ou grupos.

Art. 8o Ocorrendo desistência infundada, abandono da ação coletiva ou não interposição do recurso de apelação, no caso de sentença de extinção do processo ou de improcedência do pedido, serão intimados pessoalmente o Ministério Público e, quando for o caso, a Defensoria Pública, sem prejuízo de ampla divulgação pelos meios de comunicação social, podendo qualquer legitimado assumir a titularidade, no prazo de quinze dias.

Art. 9o Não haverá extinção do processo coletivo, por ausência das condições da ação ou pressupostos processuais, sem que seja dada oportunidade de correção do vício em qualquer tempo ou grau de jurisdição ordinária ou extraordinária, inclusive com a substituição do autor coletivo, quando serão intimados pessoalmente o Ministério Público e, quando for o caso, a Defensoria Pública, sem prejuízo de ampla divulgação pelos meios de comunicação social, podendo qualquer legitimado adotar as providências cabíveis, em prazo razoável, a ser fixado pelo juiz.

CAPÍTULO IV DO PROCEDIMENTO

Art. 10. A ação coletiva de conhecimento seguirá o rito ordinário estabelecido na Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil, obedecidas as modificações previstas nesta Lei.

§ 1o Até o momento da prolação da sentença, o juiz poderá adequar as fases e atos processuais às especificidades do conflito, de modo a conferir maior efetividade à tutela do bem jurídico coletivo, garantido o contraditório e a ampla defesa.

§ 2o A inicial deverá ser instruída com comprovante de consulta ao cadastro nacional de processos coletivos, de que trata o caput do art. 53 desta Lei, sobre a inexistência de ação coletiva que verse sobre bem jurídico correspondente.

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§ 3o Incumbe à serventia judicial verificar a informação constante da consulta, certificando nos autos antes da conclusão ao juiz.

Art. 11. Nas ações coletivas, para instruir a inicial o interessado poderá requerer de qualquer pessoa, física ou jurídica, indicando a finalidade, as certidões e informações que julgar necessárias, a serem fornecidas no prazo de quinze dias.

§ 1o Não fornecidas as certidões e informações referidas no caput, poderá a parte propor a ação desacompanhada destas, facultado ao juiz, após apreciar os motivos do não fornecimento, requisitá-las.

§ 2o A recusa, o retardamento ou a omissão, injustificados, de dados técnicos ou informações indispensáveis à propositura da ação coletiva, quando requisitados pelo juiz, implicará o pagamento de multa de dez a cem salários mínimos.

Art. 12. Sendo inestimável o valor dos direitos ou danos coletivos, o valor da causa será indicado pelo autor, segundo critério de razoabilidade, com a fixação em definitivo pelo juiz em saneamento ou na sentença.

Art. 13. Estando em termos a petição inicial, o juiz ordenará a citação do réu e, em se tratando de interesses ou direitos individuais homogêneos, a intimação do Ministério Público e da Defensoria Pública, bem como a comunicação dos interessados, titulares dos respectivos interesses ou direitos objeto da ação coletiva, para que possam exercer, até a publicação da sentença, o seu direito de exclusão em relação ao processo coletivo, sem prejuízo de ampla divulgação pelos meios de comunicação social.

Parágrafo único. A comunicação dos membros do grupo, prevista no caput, poderá ser feita pelo correio, inclusive eletrônico, por oficial de justiça ou por inserção em outro meio de comunicação ou informação, como contracheque, conta, fatura, extrato bancário e outros, sem obrigatoriedade de identificação nominal dos destinatários, que poderão ser caracterizados enquanto titulares dos mencionados interesses ou direitos, fazendo-se referência à ação, às partes, ao pedido e à causa de pedir, observado o critério da modicidade do custo.

Art. 14. O juiz fixará o prazo para a resposta nas ações coletivas, que não poderá ser inferior a quinze ou superior a sessenta dias, atendendo à complexidade da causa ou ao número de litigantes.

Parágrafo único. À Fazenda Pública aplicam-se os prazos previstos na Lei no 5.869, de 1973 – Código de Processo Civil.

Art. 15. A citação válida nas ações coletivas interrompe o prazo de prescrição das pretensões individuais direta ou indiretamente relacionadas com a controvérsia, desde a distribuição até o final do processo coletivo, ainda que haja extinção do processo sem resolução do mérito.

Art. 16. Nas ações coletivas, a requerimento do autor, até o momento da prolação da sentença, o juiz poderá permitir a alteração do pedido ou da causa de pedir, desde que realizada de boa-fé e que não importe em prejuízo para a parte contrária, devendo ser preservado o contraditório, mediante possibilidade de manifestação do réu no prazo mínimo de quinze dias, facultada prova complementar.

Art. 17. Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, o juiz poderá, independentemente de pedido do autor, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida.

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§ 1o Atendidos os requisitos do caput, a tutela poderá ser antecipada sem audiência da parte contrária, em medida liminar ou após justificação prévia.

§ 2o A tutela antecipada também poderá ser concedida após a resposta do réu, durante ou depois da instrução probatória, se o juiz se convencer de que há abuso do direito de defesa, manifesto propósito protelatório ou quando houver parcela incontroversa do pedido.

§ 3o A multa cominada liminarmente será devida desde o dia em que se houver configurado o descumprimento e poderá ser exigida de forma imediata, em autos apartados, por meio de execução definitiva.

Art. 18. Se não houver necessidade de audiência de instrução e julgamento, de acordo com a natureza do pedido e as provas documentais apresentadas pelas partes ou requisitadas pelo juiz, observado o contraditório, simultâneo ou sucessivo, a lide será julgada imediatamente.

Art. 19. Não sendo o caso de julgamento antecipado, encerrada a fase postulatória, o juiz designará audiência preliminar, à qual comparecerão as partes ou seus procuradores, habilitados a transigir.

§ 1o O juiz ouvirá as partes sobre os motivos e fundamentos da demanda e tentará a conciliação, sem prejuízo de outras formas adequadas de solução do conflito, como a mediação, a arbitragem e a avaliação neutra de terceiro, observada a natureza disponível do direito em discussão.

§ 2o A avaliação neutra de terceiro, de confiança das partes, obtida no prazo fixado pelo juiz, é sigilosa, inclusive para este, e não vinculante para as partes, tendo por finalidade exclusiva orientá-las na tentativa de composição amigável do conflito.

§ 3o Quando indisponível o bem jurídico coletivo, as partes poderão transigir sobre o modo de cumprimento da obrigação.

§ 4o Obtida a transação, será ela homologada por sentença, que constituirá título executivo judicial.

Art. 20. Não obtida a conciliação ou quando, por qualquer motivo, não for utilizado outro meio de solução do conflito, o juiz, fundamentadamente:

I - decidirá se o processo tem condições de prosseguir na forma coletiva;

II - poderá separar os pedidos em ações coletivas distintas, voltadas à tutela dos interesses ou direitos difusos e coletivos, de um lado, e dos individuais homogêneos, do outro, desde que a separação represente economia processual ou facilite a condução do processo;

III - fixará os pontos controvertidos, decidirá as questões processuais pendentes e determinará as provas a serem produzidas;

IV - distribuirá a responsabilidade pela produção da prova, levando em conta os conhecimentos técnicos ou informações específicas sobre os fatos detidos pelas partes ou segundo a maior facilidade em sua demonstração;

V - poderá ainda distribuir essa responsabilidade segundo os critérios previamente ajustados pelas partes, desde que esse acordo não torne excessivamente difícil a defesa do direito de uma delas;

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VI - poderá, a todo momento, rever o critério de distribuição da responsabilidade da produção da prova, diante de fatos novos, observado o contraditório e a ampla defesa;

VII - esclarecerá as partes sobre a distribuição do ônus da prova; e

VIII - poderá determinar de ofício a produção de provas, observado o contraditório.

Art. 21. Em sendo necessária a realização de prova pericial requerida pelo legitimado ou determinada de ofício, o juiz nomeará perito.

Parágrafo único. Não havendo servidor do Poder Judiciário apto a desempenhar a função pericial, competirá a este Poder remunerar o trabalho do perito, após a devida requisição judicial.

Art. 22. Em qualquer tempo e grau do procedimento, o juiz ou tribunal poderá submeter a questão objeto da ação coletiva a audiências públicas, ouvindo especialistas no assunto e membros da sociedade, de modo a garantir a mais ampla participação social possível e a adequada cognição judicial.

CAPÍTULO V DAS TÉCNICAS DE TUTELA COLETIVA

Art. 23. Para a defesa dos direitos e interesses protegidos por esta Lei, são admissíveis todas as espécies de ações e provimentos capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela.

Art. 24. Na ação que tenha por objeto a imposição de conduta de fazer, não fazer, ou de entregar coisa, o juiz determinará a prestação ou a abstenção devida, bem como a cessação da atividade nociva, em prazo razoável, sob pena de cominação de multa e de outras medidas indutivas, coercitivas e sub-rogatórias, independentemente de requerimento do autor.

§ 1o A conversão em perdas e danos somente será admissível se inviável a tutela específica ou a obtenção do resultado prático correspondente e, no caso de interesses ou direitos coletivos ou individuais homogêneos, se houver interesse do grupo titular do direito.

§ 2o A indenização por perdas e danos far-se-á sem prejuízo da multa, quando cabível.

Art. 25. Na ação reparatória dos danos provocados ao bem indivisivelmente considerado, sempre que possível e independentemente de pedido do autor, a condenação consistirá na prestação de obrigações específicas, destinadas à reconstituição do bem, mitigação e compensação do dano sofrido.

Parágrafo único. Dependendo das características dos bens jurídicos afetados, da extensão territorial abrangida e de outras circunstâncias, o juiz poderá determinar, em decisão fundamentada e independentemente do pedido do autor, as providências a serem tomadas para a reconstituição dos bens lesados, podendo indicar, entre outras, a realização de atividades tendentes a minimizar a lesão ou a evitar que se repita.

Art. 26. Na ação que tenha por objeto a condenação ao pagamento de quantia em dinheiro, deverá o juiz, sempre que possível, em se tratando de valores a serem individualmente pagos aos prejudicados ou de valores devidos coletivamente, impor a satisfação desta prestação de ofício e independentemente de execução, valendo-se da imposição de multa e de outras medidas indutivas, coercitivas e sub-rogatórias.

Art. 27. Em razão da gravidade do dano coletivo e da relevância do bem jurídico tutelado e havendo fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, ainda que tenha havido o

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depósito das multas e prestação de caução, poderá o juiz determinar a adoção imediata, no todo ou em parte, das providências contidas no compromisso de ajustamento de conduta ou na sentença.

§ 1o Quando a execução envolver parcelas ou prestações individuais, sempre que possível o juiz determinará ao réu que promova dentro do prazo fixado o pagamento do valor da dívida, sob pena de multa e de outras medidas indutivas, coercitivas e sub-rogatórias, independentemente de habilitação judicial dos interessados.

§ 2o Para fiscalizar os atos de liquidação e cumprimento da sentença do processo coletivo, poderá o juiz nomear pessoa qualificada, que terá acesso irrestrito ao banco de dados e à documentação necessária ao desempenho da função.

§ 3o Na sentença condenatória à reparação pelos danos individualmente sofridos, sempre que possível, o juiz fixará o valor da indenização individual devida a cada membro do grupo ou um valor mínimo para a reparação do dano.

§ 4o Quando o valor dos danos individuais sofridos pelos membros do grupo forem uniformes, prevalecentemente uniformes ou puderem ser reduzidos a uma fórmula matemática, a sentença do processo coletivo indicará esses valores, ou a fórmula de cálculo da indenização individual e determinará que o réu promova, no prazo que fixar, o pagamento do valor respectivo a cada um dos membros do grupo.

§ 5o O membro do grupo que divergir quanto ao valor da indenização individual ou à fórmula para seu cálculo, estabelecidos na liquidação da sentença do processo coletivo, poderá propor ação individual de liquidação, no prazo de um ano, contado do trânsito em julgado da sentença proferida no processo coletivo.

§ 6o Se for no interesse do grupo titular do direito, as partes poderão transacionar, após a oitiva do Ministério Público, ressalvada aos membros do grupo, categoria ou classe a faculdade de não concordar com a transação, propondo nesse caso ação individual no prazo de um ano, contado da efetiva comunicação do trânsito em julgado da sentença homologatória, observado o disposto no parágrafo único do art. 13.

Art. 28. O juiz poderá impor multa ao órgão, entidade ou pessoa jurídica de direito público ou privado responsável pelo cumprimento da decisão que impôs a obrigação, observados a necessidade de intimação e o contraditório prévio.

Art. 29. Não sendo possível a prolação de sentença condenatória líquida, a condenação poderá ser genérica, fixando a responsabilidade do demandado pelos danos causados e o dever de indenizar.

Art. 30. O juiz poderá, observado o contraditório, desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento dos interesses tratados nesta Lei, houver abuso de direito, excesso de poder, exercício abusivo do dever, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social, bem como falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica, provocados por má administração.

§ 1o A pedido da parte interessada, o juiz determinará que a efetivação da responsabilidade da pessoa jurídica recaia sobre o acionista controlador, o sócio majoritário, os sócios-gerentes, os administradores societários, as sociedades que a integram, no caso de grupo societário, ou outros responsáveis que exerçam de fato a administração da empresa.

§ 2o A desconsideração da personalidade jurídica poderá ser efetivada em qualquer tempo ou grau de jurisdição, inclusive nas fases de liquidação e execução.

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§ 3o Se o réu houver sido declarado falido, o administrador judicial será intimado a informar a existência de seguro de responsabilidade, facultando-se, em caso afirmativo, o ajuizamento de ação de indenização diretamente contra o segurador, vedada a denunciação da lide ao Instituto de Resseguros do Brasil e dispensado o litisconsórcio obrigatório com este.

CAPÍTULO VI DOS RECURSOS, DA COISA JULGADA COLETIVA E DA RELAÇÃO ENTRE

DEMANDAS COLETIVAS E INDIVIDUAIS

Art. 31. Os recursos interpostos nas ações coletivas serão recebidos no efeito meramente devolutivo, salvo quando sua fundamentação for relevante e da decisão puder resultar lesão grave e de difícil reparação, hipótese em que o juiz, a requerimento do interessado, ponderando os valores em questão, poderá atribuir-lhe o efeito suspensivo.

Art. 32. A sentença no processo coletivo fará coisa julgada erga omnes, independentemente da competência territorial do órgão prolator ou do domicílio dos interessados.

Art. 33. Se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, qualquer legitimado poderá ajuizar outra ação coletiva, com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova.

Art. 34. Os efeitos da coisa julgada coletiva na tutela de direitos individuais homogêneos não prejudicarão os direitos individuais dos integrantes do grupo, categoria ou classe, que poderão propor ações individuais em sua tutela.

§ 1o Não serão admitidas novas demandas individuais relacionadas com interesses ou direitos individuais homogêneos, quando em ação coletiva houver julgamento de improcedência em matéria exclusivamente de direito, sendo extintos os processos individuais anteriormente ajuizados.

§ 2o Quando a matéria decidida em ação coletiva for de fato e de direito, aplica-se à questão de direito o disposto no § 1o e à questão de fato o previsto no caput e no § 6o do art. 37.

§ 3o Os membros do grupo que não tiverem sido devidamente comunicados do ajuizamento da ação coletiva, ou que tenham exercido tempestivamente o direito à exclusão, não serão afetados pelos efeitos da coisa julgada previstos nos §§ 1o e 2o.

§ 4o A alegação de falta de comunicação prevista no § 3o incumbe ao membro do grupo, mas o demandado da ação coletiva terá o ônus de comprovar a comunicação.

Art. 35. No caso de extinção dos processos individuais como efeito da decisão prolatada em ações coletivas, não haverá condenação ao pagamento de novas despesas processuais, custas e honorários, salvo a atuação de má-fé do demandante.

Art. 36. Nas ações coletivas que tenham por objeto interesses ou direitos difusos ou coletivos, as vítimas e seus sucessores poderão proceder à liquidação e ao cumprimento da sentença, quando procedente o pedido.

Parágrafo único. Aplica-se a regra do caput à sentença penal condenatória.

Art. 37. O ajuizamento de ações coletivas não induz litispendência para as ações individuais que tenham objeto correspondente, mas haverá a suspensão destas, até o julgamento da demanda coletiva em primeiro grau de jurisdição.

§ 1o Durante o período de suspensão, poderá o juiz perante o qual foi ajuizada a demanda individual, conceder medidas de urgência.

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§ 2o Cabe ao réu, na ação individual, informar o juízo sobre a existência de demanda coletiva que verse sobre idêntico bem jurídico, sob pena de, não o fazendo, o autor individual beneficiar-se da coisa julgada coletiva mesmo no caso de o pedido da ação individual ser improcedente, desde que a improcedência esteja fundada em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal.

§ 3o A ação individual somente poderá ter prosseguimento, a pedido do autor, se demonstrada a existência de graves prejuízos decorrentes da suspensão, caso em que não se beneficiará do resultado da demanda coletiva.

§ 4o A suspensão do processo individual perdurará até a prolação da sentença da ação coletiva, facultado ao autor, no caso de procedência desta e decorrido o prazo concedido ao réu para cumprimento da sentença, requerer a conversão da ação individual em liquidação provisória ou em cumprimento provisório da sentença do processo coletivo, para apuração ou recebimento do valor ou pretensão a que faz jus.

§ 5o No prazo de noventa dias contado do trânsito em julgado da sentença proferida no processo coletivo, a ação individual suspensa será extinta, salvo se postulada a sua conversão em liquidação ou cumprimento de sentença do processo coletivo.

§ 6o Em caso de julgamento de improcedência do pedido em ação coletiva de tutela de direitos ou interesses individuais homogêneos, por insuficiência de provas, a ação individual será extinta, salvo se for requerido o prosseguimento no prazo de trinta dias contado da intimação do trânsito em julgado da sentença proferida no processo coletivo.

Art. 38. Na hipótese de sentença de improcedência, havendo suficiência de provas produzidas, qualquer legitimado poderá intentar ação revisional, com idêntico fundamento, no prazo de um ano contado do conhecimento geral da descoberta de prova técnica nova, superveniente, que não poderia ser produzida no processo, desde que idônea para mudar seu resultado.

§ 1o A faculdade prevista no caput, nas mesmas condições, fica assegurada ao demandado da ação coletiva com pedido julgado procedente, caso em que a decisão terá efeitos ex nunc.

§ 2o Para a admissibilidade da ação prevista no § 1o, deverá o autor depositar valor a ser arbitrado pelo juiz, que não será inferior a dez por cento do conteúdo econômico da demanda.

Art. 39. A ação rescisória objetivando desconstituir sentença ou acórdão de ação coletiva, cujo pedido tenha sido julgado procedente, deverá ser ajuizada em face do legitimado coletivo que tenha ocupado o pólo ativo originariamente, podendo os demais co-legitimados atuar como assistentes.

Parágrafo único. No caso de ausência de resposta, deverá o Ministério Público, quando legitimado, ocupar o pólo passivo, renovando-se-lhe o prazo para responder.

CAPÍTULO VII DA LIQUIDAÇÃO, EXECUÇÃO E CUMPRIMENTO DE SENTENÇAS DO PROCESSO COLETIVO

Art. 40. É competente para a liquidação e execução coletiva o juízo da ação de conhecimento ou o foro do local onde se encontrem bens sujeitos à expropriação ou do domicílio do executado.

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Parágrafo único. Sempre que possível, a liquidação e a execução serão coletivas, sendo promovidas por qualquer dos legitimados à ação coletiva, pelas vítimas ou por seus sucessores.

Art. 41. É competente para a liquidação e execução individual o foro do processo de conhecimento, do domicílio do autor da liquidação ou da execução, ou do local onde se encontrem bens sujeitos à expropriação, não havendo prevenção do juízo da ação coletiva originária.

§ 1o Quando a competência para a liquidação não for do juízo da fase de conhecimento, o executado será intimado, na pessoa do seu procurador, seguindo a execução o procedimento do art. 475-A e seguintes da Lei no 5.869, de 1973 – Código de Processo Civil.

§ 2o Na hipótese do § 1o, o executado será intimado para a execução após a penhora.

Art. 42. Na liquidação da sentença condenatória à reparação dos danos individualmente sofridos, deverão ser provados, tão só, o dano pessoal, o nexo de causalidade e o montante da indenização.

Art. 43. A liquidação da sentença poderá ser dispensada quando a apuração do dano pessoal, do nexo de causalidade e do montante da indenização depender exclusivamente de prova documental, hipótese em que o pedido de execução por quantia certa será acompanhado dos documentos comprobatórios e da memória do cálculo.

Art. 44. Os valores destinados ao pagamento das indenizações individuais serão depositados, preferencialmente, em instituição bancária oficial, abrindo-se conta remunerada e individualizada para cada beneficiário, regendo-se os respectivos saques pelas normas aplicáveis aos depósitos bancários.

Parágrafo único. Será determinado ao réu, além da ampla divulgação nos meios de comunicação, a comprovação da realização dos depósitos individuais e a notificação aos beneficiários com endereço conhecido.

Art. 45. Em caso de sentença condenatória genérica de danos sofridos por sujeitos indeterminados, decorrido o prazo prescricional das pretensões individuais, poderão os legitimados coletivos, em função da não habilitação de interessados em número compatível com a gravidade do dano ou do locupletamento indevido do réu, promover a liquidação e execução da indenização pelos danos globalmente sofridos pelos membros do grupo, sem prejuízo do correspondente ao enriquecimento ilícito do réu.

Parágrafo único. No caso de concurso de créditos decorrentes de ações em defesa de interesses ou direitos individuais homogêneos, coletivos e difusos, a preferência com relação ao pagamento será decidida pelo juiz, aplicando os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

Art. 46. Havendo condenação em pecúnia, inclusive decorrente de dano moral coletivo, originária de ação relacionada com interesses ou direitos difusos e coletivos, a quantia será depositada em juízo, devendo ser aplicada na recuperação específica dos bens lesados ou em favor da comunidade afetada.

§ 1o O legitimado coletivo, com a fiscalização do Ministério Público, deverá adotar as providências para a utilização do valor depositado judicialmente, inclusive podendo postular a contratação de terceiros ou o auxílio do Poder Público do local onde ocorreu o dano. § 2o Na definição da aplicação da verba referida no caput, serão ouvidos em audiência pública, sempre que possível, os membros da comunidade afetada.

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CAPÍTULO VIII DO COMPROMISSO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA E DO INQUÉRITO CIVIL

Art. 47. Os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante a fixação de deveres e obrigações, com as respectivas multas devidas no caso do descumprimento.

Art. 48. O valor da cominação pecuniária deverá ser suficiente e necessário para coibir o descumprimento da medida pactuada.

Parágrafo único. A cominação poderá ser executada imediatamente, sem prejuízo da execução específica.

Art. 49. O compromisso de ajustamento de conduta terá natureza jurídica de transação, com eficácia de título executivo extrajudicial, sem prejuízo da possibilidade da sua homologação judicial, hipótese em que sua eficácia será de título executivo judicial.

Parágrafo único. Não será admitida transação no compromisso de ajustamento de conduta que verse sobre bem indisponível, salvo quanto ao prazo e ao modo de cumprimento das obrigações assumidas.

Art. 50. A execução coletiva das obrigações fixadas no compromisso de ajustamento de conduta será feita por todos os meios, inclusive mediante intervenção na empresa, quando necessária.

§ 1o Quando o compromisso de ajustamento de conduta contiver obrigações de naturezas diversas, poderá ser ajuizada uma ação coletiva de execução para cada uma das obrigações, sendo as demais apensadas aos autos da primeira execução proposta.

§ 2o Nas hipóteses do § 1o, as execuções coletivas propostas posteriormente poderão ser instruídas com cópias do compromisso de ajustamento de conduta e documentos que o instruem, declaradas autênticas pelo órgão do Ministério Público, da Defensoria Pública ou pelo advogado do exequente coletivo.

§ 3o Qualquer um dos co-legitimados à defesa judicial dos direitos ou interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos poderá propor a ação de execução do compromisso de ajustamento de conduta, mesmo que tomado por outro co-legitimado.

§ 4o Quando o ajustamento abranger interesses ou direitos individuais homogêneos, o indivíduo diretamente interessado poderá solicitar cópia do termo de compromisso de ajustamento de conduta e documentos que o instruem, para a propositura da respectiva ação individual de liquidação ou de execução.

§ 5o Nos casos do § 4o, o indivíduo interessado poderá optar por ajuizar a ação individual de liquidação ou de execução do compromisso de ajustamento de conduta no foro do seu domicílio ou onde se encontrem bens do devedor.

Art. 51. O Ministério Público poderá instaurar, sob sua presidência, inquérito civil, ou requisitar, de qualquer organismo público ou particular, certidões, informações, exames ou perícias, no prazo que assinalar, o qual não poderá ser inferior a dez dias úteis.

§ 1o O inquérito civil deverá contar com mecanismos de controle interno quanto ao processamento e à adequação da sua instauração.

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§ 2o É autorizada a instauração de inquérito civil fundamentado em manifestação anônima, desde que instruída com elementos mínimos de convicção.

Art. 52. Se, depois de esgotadas todas as diligências, o órgão do Ministério Público se convencer da inexistência de fundamento para a propositura da ação coletiva, promoverá o arquivamento dos autos do inquérito civil ou das peças informativas, fazendo-o fundamentadamente, sem prejuízo da atuação dos demais co-legitimados com relação ao mesmo objeto.

§ 1o Os autos do inquérito civil ou das peças de informação arquivados serão remetidos ao órgão revisor competente, conforme dispuser o seu regimento, no prazo de até quinze dias, sob pena de se incorrer em falta grave.

§ 2o Até que o órgão revisor homologue ou rejeite a promoção de arquivamento, poderão os interessados apresentar razões escritas ou documentos, que serão juntados aos autos do inquérito, anexados ao inquérito civil ou às peças de informação.

§ 3o Deixando o órgão revisor de homologar a promoção de arquivamento no inquérito civil ou peças de informação, designará, desde logo, outro órgão do Ministério Público para o ajuizamento da ação ou a adoção de outras providências cabíveis e manifestação fundamentada.

CAPÍTULO IX DO CADASTRO NACIONAL DE PROCESSOS COLETIVOS E DO CADASTRO NACIONAL DE

INQUÉRITOS CIVIS E COMPROMISSOS DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA

Art. 53. O Conselho Nacional de Justiça organizará e manterá o Cadastro Nacional de Processos Coletivos, com a finalidade de permitir que os órgãos do Poder Judiciário e os interessados tenham amplo acesso às informações relevantes relacionadas com a existência e o estado das ações coletivas.

§ 1o Os órgãos judiciários aos quais forem distribuídos processos coletivos remeterão, no prazo de dez dias, cópia da petição inicial, preferencialmente por meio eletrônico, ao Cadastro Nacional de Processos Coletivos.

§ 2o No prazo de noventa dias, contado da publicação desta Lei, o Conselho Nacional de Justiça editará regulamento dispondo sobre o funcionamento do Cadastro Nacional de Processos Coletivos e os meios adequados a viabilizar o acesso aos dados e seu acompanhamento por qualquer interessado através da rede mundial de computadores.

§ 3o O regulamento de que trata o § 2o disciplinará a forma pela qual os juízos comunicarão a existência de processos coletivos e os atos processuais mais relevantes sobre o seu andamento, como a concessão de antecipação de tutela, a sentença, o trânsito em julgado, a interposição de recursos e a execução.

Art. 54. O Conselho Nacional do Ministério Público organizará e manterá o Cadastro Nacional de Inquéritos Civis e de Compromissos de Ajustamento de Conduta, com a finalidade de permitir que os órgãos do Poder Judiciário, os co-legitimados e os interessados tenham amplo acesso às informações relevantes relacionadas com a abertura do inquérito e a existência do compromisso.

§ 1o Os órgãos legitimados que tiverem tomado compromissos de ajustamento de conduta remeterão, no prazo de dez dias, cópia, preferencialmente por meio eletrônico, ao Cadastro Nacional de Inquéritos Civis e de Compromissos de Ajustamento de Conduta.

§ 2o O Conselho Nacional do Ministério Público, no prazo de noventa dias, a contar da publicação desta Lei, editará regulamento dispondo sobre o funcionamento do Cadastro Nacional de

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Inquéritos Civis e Compromissos de Ajustamento de Conduta, incluindo a forma de comunicação e os meios adequados a viabilizar o acesso aos dados e seu acompanhamento por qualquer interessado.

CAPÍTULO X DAS DESPESAS, DOS HONORÁRIOS E DOS DANOS PROCESSUAIS

Art. 55. A sentença do processo coletivo condenará o demandado, se vencido, ao pagamento das custas, emolumentos, honorários periciais e quaisquer outras despesas, bem como dos honorários de advogado, calculados sobre a condenação.

§ 1o Tratando-se de condenação à obrigação específica ou de condenação genérica, os honorários advocatícios serão fixados levando-se em consideração a vantagem obtida para os interessados, a quantidade e qualidade do trabalho desenvolvido pelo advogado e a complexidade da causa.

§ 2o Os legitimados coletivos não adiantarão custas, emolumentos, honorários periciais e quaisquer outras despesas, nem serão condenados em honorários de advogado, custas e demais despesas processuais, salvo comprovada má-fé.

Art. 56. O legitimado coletivo somente responde por danos processuais nas hipóteses em que agir com má-fé processual.

Parágrafo único. O litigante de má-fé e os responsáveis pelos respectivos atos serão solidariamente condenados ao pagamento das despesas processuais, em honorários advocatícios e em até o décuplo das custas, sem prejuízo da responsabilidade por perdas e danos.

CAPÍTULO XI DO PROGRAMA EXTRAJUDICIAL DE PREVENÇÃO OU REPARAÇÃO DE DANOS

Art. 57. O demandado, a qualquer tempo, poderá apresentar em juízo proposta de prevenção ou reparação de danos a interesses ou direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos, consistente em programa extrajudicial.

§ 1o O programa poderá ser proposto no curso de ação coletiva ou ainda que não haja processo em andamento, como forma de resolução consensual de controvérsias.

§ 2o O programa objetivará a prestação pecuniária ou a obrigação de fazer, mediante o estabelecimento de procedimentos a serem utilizados no atendimento e satisfação dos interesses e direitos referidos no caput.

§ 3o Em se tratando de interesses ou direitos individuais homogêneos, o programa estabelecerá sistema de identificação de seus titulares e, na medida do possível, deverá envolver o maior número de partes interessadas e afetadas pela demanda.

§ 4o O procedimento poderá compreender as diversas modalidades de métodos alternativos de resolução de conflitos, para possibilitar a satisfação dos interesses e direitos referidos no caput, garantidos a neutralidade da condução ou supervisão e o sigilo.

Art. 58. A proposta poderá ser apresentada unilateralmente ou em conjunto com o legitimado ativo, no caso de processo em curso, ou com qualquer legitimado à ação coletiva, no caso de inexistir processo em andamento.

Art. 59. Apresentado o programa, as partes terão o prazo de cento e vinte dias para a negociação, prorrogável por igual período, se houver consentimento de ambas.

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Art. 60. O acordo que estabelecer o programa deverá necessariamente ser submetido à homologação judicial, após prévia manifestação do Ministério Público.

Art. 61. A liquidação e execução do programa homologado judicialmente contarão com a supervisão do juiz, que poderá designar auxiliares técnicos, peritos ou observadores para assisti-lo.

CAPÍTULO XII DAS DISPOSIÇÕES FINAIS

Art. 62. Qualquer pessoa poderá provocar a iniciativa do Ministério Público, ou de qualquer outro legitimado, ministrando-lhe informações sobre fatos que constituam objeto da ação coletiva e indicando-lhe os elementos de convicção.

Art. 63. As ações coletivas terão tramitação prioritária sobre as individuais.

Art. 64. A União, os Estados e o Distrito Federal poderão criar juízos e órgãos especializados para o processamento e julgamento de ações coletivas em primeira e segunda instância.

Art. 65. É admissível homologação de sentença estrangeira na tutela dos direitos ou interesses difusos coletivos e individuais homogêneos.

§ 1o A homologação de sentença estrangeira coletiva deverá ser requerida perante o Superior Tribunal de Justiça pelos legitimados arrolados no art. 6o.

§ 2o As vítimas ou seus sucessores também poderão utilizar, individualmente, da sentença estrangeira coletiva no Brasil, requerendo a sua homologação perante o Superior Tribunal de Justiça.

Art. 66. As multas administrativas originárias de violações dos direitos ou interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos reverterão a fundo gerido por conselho federal ou por conselhos estaduais de que participarão necessariamente o Ministério Público e representantes da sociedade civil, sendo seus recursos destinados à reconstituição dos bens lesados e a projetos destinados à prevenção ou reparação dos danos.

Parágrafo único. Sem prejuízo do disposto no art. 46, poderá o juiz, após prévia oitiva das partes interessadas, atendidas as especificidades da demanda e o interesse coletivo envolvido, destinar o produto da condenação em dinheiro originária de ação coletiva para o fundo previsto no caput.

Art. 67. As disposições desta Lei aplicam-se à ação popular e ao mandado de segurança coletivo, no que não forem incompatíveis com as regras próprias que disciplinam e regulam as referidas ações.

Art. 68. Os dispositivos desta Lei aplicam-se no âmbito das relações de trabalho, ressalvadas as peculariedades e os princípios informadores do processo trabalhista.

Art. 69. Aplica-se à ação civil pública e às demais ações coletivas previstas nesta Lei, subsidiariamente, a Lei no 5.869, de 1973 – Código de Processo Civil, naquilo em que não contrarie suas disposições e desde que seja compatível com o sistema de tutela coletiva.

§ 1o À ação civil pública e demais ações coletivas previstas nesta Lei aplica-se ainda o disposto nas Leis no 4.348, de 26 de junho de 1964, 5.021, de 9 de junho de 1966, 8.437, de 30 de junho de 1992, e 9.494, de 10 de setembro de 1997.

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§ 2o A execução por quantia certa das decisões judiciais proferidas contra a Fazenda Pública, na ação civil pública e nas demais ações coletivas de que trata esta Lei, deverá se dar na forma do art. 730 da Lei no 5.869, de 1973 – Código de Processo Civil.

Art. 70. Esta Lei entra em vigor após cento e oitenta dias contados de sua publicação.

Art. 71. Ficam revogados:

I - a Lei no 7.347, de 24 de julho de 1985;

II - os arts. 3o a 7o da Lei no 7.853, de 24 de outubro de 1989;

III - o art. 3o da Lei no 7.913, de 7 de dezembro de 1989;

IV - os arts. 209 a 213 e 215 a 224 da Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990;

V - os arts. 81 a 84, 87, 90 a 95, 97 a 100, 103 e 104 da Lei no 8.078, de 11 de setembro de 1990;

VI - o art. 88 da Lei no 8.884, de 11 de junho de 1994;

VII - o art. 7o da Lei no 9.008, de 21 de março de 1995, na parte em que altera os arts. 82, 91 e 92 da Lei no 8.078, de 11 de setembro de 1990;

VIII - os arts. 2o e 2o-A da Lei no 9.494, de 10 de setembro de 1997;

IX - o art. 54 da Lei no 10.257, de 10 de julho de 2001;

X - os arts. 4o, na parte em que altera o art. 2o-A da Lei no 9.494, de 10 de setembro de 1997, e 6o da Medida Provisória no 2.180-35, de 24 de agosto de 2001;

XI - os arts. 74, inciso I, 80 a 89 e 92, da Lei no 10.741, de 1o de outubro de 2003; e

XII - a Lei no 11.448, de 15 de janeiro de 2007.

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