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LAUX. João de Mesquita; KRIEGER, Jorge Roberto. A Ação Penal no Crime de Furto no Anteprojeto de Novo Código Penal (PL 236/2012).. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 5, n.1, p. 413-435, 1º Trimestre de 2014. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044. 413 A AÇÃO PENAL NO CRIME DE FURTO NO ANTEPROJETO DE NOVO CÓDIGO PENAL (PL 236/2012) João de Mesquita Laux 1 Jorge Roberto Krieger 2 SUMÁRIO Introdução; 1-Da Ação Penal Pública; 1.1 Da Ação Penal Pública Condicionada à Representação do Ofendido; 2-Considerações a Respeito dos Delitos Patrimoniais; 3- O Crime De Furto no Código Penal Atual e no Anteprojeto de Código Penal; Considerações finais; Referência das fontes citadas. RESUMO A PL 236/2012 que tramita no Congresso Nacional, dispõe sobre o Anteprojeto de Código Penal, projeto este, motivado por se encontrar o atual código defasado em relação à realidade social brasileira do século XXI. Dentro das diversas mudanças que o Novo Código Penal pode trazer se aprovado pelo Congresso, esta a alteração da ação penal no crime de furto, que deixaria de ser pública incondicionada, e passaria a ser condicionada a representação do ofendido. O presente estudo tem como intuito investigar quais seriam as motivações do legislador nesta alteração e as consequências desta mudança. Além disto, o que pensa a doutrina a respeito da supervalorização da proteção do patrimônio privado e da superproteção que a ele é tutelado na esfera penal, quando comparado a outros bens jurídicos, como a vida, por exemplo. Assim, este artigo se propõe a fazer uma breve investigação doutrinaria sobre o delito de furto, sua tutela penal e a alteração que propõe o Anteprojeto de Código Penal. Palavras-chave: Furto. Ação Penal. Representação. Anteprojeto de Código Penal. 1 Acadêmico do 9° período do Curso de Direito da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI. 2 Advogado Criminalista. Possui graduação em Letras pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC - 1990) e graduação em Direito pela Fundação Universidade Regional de Blumenau (FURB – 1997). É especialista em direito processual pela FURB e mestre em Direito pela UFSC (2002). Tem experiência profissional e docente em direito penal e processual penal. É professor da Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI).

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LAUX. João de Mesquita; KRIEGER, Jorge Roberto. A Ação Penal no Crime de Furto no Anteprojeto de Novo Código Penal (PL 236/2012).. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 5, n.1, p. 413-435, 1º Trimestre de 2014. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044.

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A AÇÃO PENAL NO CRIME DE FURTO NO ANTEPROJETO DE NOVO CÓDIGO PENAL (PL 236/2012)

João de Mesquita Laux1

Jorge Roberto Krieger2

SUMÁRIO

Introdução; 1-Da Ação Penal Pública; 1.1 Da Ação Penal Pública Condicionada à Representação do Ofendido; 2-Considerações a Respeito dos Delitos Patrimoniais; 3- O Crime De Furto no Código Penal Atual e no Anteprojeto de Código Penal; Considerações finais; Referência das fontes citadas.

RESUMO

A PL 236/2012 que tramita no Congresso Nacional, dispõe sobre o Anteprojeto de Código Penal, projeto este, motivado por se encontrar o atual código defasado em relação à realidade social brasileira do século XXI. Dentro das diversas mudanças que o Novo Código Penal pode trazer se aprovado pelo Congresso, esta a alteração da ação penal no crime de furto, que deixaria de ser pública incondicionada, e passaria a ser condicionada a representação do ofendido. O presente estudo tem como intuito investigar quais seriam as motivações do legislador nesta alteração e as consequências desta mudança. Além disto, o que pensa a doutrina a respeito da supervalorização da proteção do patrimônio privado e da superproteção que a ele é tutelado na esfera penal, quando comparado a outros bens jurídicos, como a vida, por exemplo. Assim, este artigo se propõe a fazer uma breve investigação doutrinaria sobre o delito de furto, sua tutela penal e a alteração que propõe o Anteprojeto de Código Penal.

Palavras-chave: Furto. Ação Penal. Representação. Anteprojeto de Código Penal.

1 Acadêmico do 9° período do Curso de Direito da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI. 2 Advogado Criminalista. Possui graduação em Letras pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC -

1990) e graduação em Direito pela Fundação Universidade Regional de Blumenau (FURB – 1997). É especialista em direito processual pela FURB e mestre em Direito pela UFSC (2002). Tem experiência profissional e docente em direito penal e processual penal. É professor da Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI).

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LAUX. João de Mesquita; KRIEGER, Jorge Roberto. A Ação Penal no Crime de Furto no Anteprojeto de Novo Código Penal (PL 236/2012).. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 5, n.1, p. 413-435, 1º Trimestre de 2014. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044.

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INTRODUÇÃO

Tramita no Congresso Nacional a PL 236/2012 de iniciativa do Senador

Pedro Taques (PDT - MT) que discute o Anteprojeto de Novo Código Penal, do qual

o Presidente do Senado Federal, José Sarney, instituiu Comissão Especial de

Juristas3 que teve com objetivo sua formulação e aprimoramento.

A Comissão teve apenas sete meses para discutir e elaborar o Anteprojeto,

já que este foi o tempo regimental estipulado, e ao fim do prazo entregou o projeto

que viria a se tornar Projeto de Lei.

Dentre as diversas mudanças propostas e alterações que o Novo Código

pode futuramente trazer, destaca-se a do crime de furto, que na sua forma simples,

e em alguns casos de aumento de pena, passará a ter ação penal condicionada a

representação do ofendido, além de outros institutos que vem a beneficiar o réu.

Diante desta possível alteração, surgem diversos questionamentos: qual foi

a motivação do legislador em alterar a ação penal deste delito especifico

(art.155,§3º, III); o porquê da redução da pena do atual 1 (um) a 4 (quatro) anos e

multa, para prisão de 6 (seis) meses a 3 (três) anos (art. 155, caput); a possibilidade

de extinção de punibilidade se o dano for reparado até o proferimento da sentença

(art. 155, §3º, II); a aplicação apenas de pena de multa se o agente for primário e a

res furtiva de pequeno valor (art. 155, §3º, I).

Em comparação a outros delitos no Anteprojeto de Código, o delito de furto

foi um dos que teve grande influencia do chamado Direito Penal Mínimo, que

defende que o Direito Penal deve ter uma adequação razoável entre a conduta e o

bem jurídico protegido de modo que o Estado intervenha apenas quando a lesão ao

bem jurídico assim recomendar, evitando excessos na aplicação da norma penal.

Analisando o Anteprojeto de código, o fato de a ação penal deixar de ser pública

incondicionada para passar a ser pública condicionada talvez seja a maior alteração

trazida dentro dos crimes de furto, demonstrando uma maior valoração e importância

da opinião da vitima em relação ao dano que lhe foi causado, além de trazer

garantias ao acusado, mostrando uma maior maturidade do legislador quanto a 3 A Comissão foi formada por 15 juristas, presidida pelo Ministro do Superior Tribunal de Justiça Gilson Langaro

Dipp.

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eficácia e necessidade da repressão penal em todas as condutas consideradas

delitivas.

Dados do InfoPen4 (Sistema Integrado de Informações

Penitenciárias/Ministério da Justiça), mostram que, do universo carcerário

brasileiro(549 mil presos em dezembro de 2012), 14% dos que atualmente cumprem

pena privativa de liberdade é em razão do delito de furto. Desta forma, o fato de

condicionar a ação penal no delito de furto à representação da vitima, torna este

novo instituto uma medida despenalizadora que terá reflexos quase que imediatos

na crise penitenciária que o Brasil passa atualmente, sem considerar ainda a

questão de economia financeira ao Estado.

O Projeto de Lei 236/2012 traz ao mundo jurídico de volta uma discussão

sobre dois momentos que vive o Direito penal hoje; um voltado ao expansionismo

penal e a cada vez maior criminalização de condutas, principalmente influenciado

pela imprensa de massa, e interesses eleitorais; e por outra vertente o garantismo

penal e a ideia de um Direito Penal Mínimo, em que o Direito deve ser menos

Repressivo e mais Inclusivo, consciente que a atual abordagem tem apenas tentado

minorar os efeitos, sem se preocupar com as causas.

1. DA AÇÃO PENAL PÚBLICA

Para que poça exercitar o jus puniendi, que é exclusivo e obrigação do

Estado, este deve usar de ferramentas para alcança-lo e restabelecer a ordem

jurídica violada. Desse modo veio a existir o processo, uma forma de substituir a

vingança privada, a autotutela e autocomposição aplicada pelos particulares em

seus litígios, trazendo o monopólio da força ao Estado e garantias aos litigantes.

4 BRASIL. INFOPEN – MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. Disponível em: http://www.infopen.gov.br Acessado em: 15

de mai. de 2013

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Desse modo, conforme PRADO5, ”em matéria penal, compete ao Estado-

Administração, e excepcionalmente ao particular, invocar a tutela jurisdicional, o que

devera ser feito através do direito de ação.” O mesmo autor, conceitua ação da

seguinte forma:

A ação, tanto no campo penal como no civil, pode ser conceituada como o direito público, subjetivo, determinado, autônomo, especifico e abstrato de invocar o Estado-Juiz a aplicação do direito objetivo a um caso concreto, vale dizer, a prestação jurisdicional.

O direito de ação esta previsto no artigo 5º, XXXV6 da Constituição Federal

que prevê, in verbis:

XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário, lesão ou ameaça a direito;

Ao iniciar a discussão em relação à ação penal, deve-se primeiramente

visualizar que ela não é um instituto único, e sim que foi fracionada em outras

espécies para melhor atender ao jus persequendi. A classificação da ação penal é

usualmente feita a partir da analise da legitimação ativa. Assim, tem-se a ação penal

publica; subdividida em condicionada e incondicionada; e a privada; também

subdividida em privada propriamente dita e subsidiaria da pública.

Diante da possível alteração de Código Penal em face do Projeto de Lei

236/2012, este trabalho dará especial atenção à ação penal publica condicionada,

que foi a grande mudança trazida ao crime de furto simples, objeto do presente

estudo.

Em relação à ação penal pública incondicionada, é importante conceitua-la,

para posteriormente diferi-la da ação penal pública condicionada à representação do

ofendido.

O titular da ação penal pública condicionada é o Ministério Público, e esta é

denominada de incondicionada, pois o parquet, não esta vinculado à manifestação

de vontade da vítima ou de terceiros, sendo assim existindo as condições da ação e

5 PRADO, Luis Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro, vol. 1: Parte Geral. 10.ed. São Paulo Editora RT,

2010. P.686 6 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm> Acesso em: 15 de mai. de 2013.

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justa causa para o oferecimento da denuncia, a atuação ministerial é autônoma e

obrigatória e prescinde de qualquer condição. Esta é a regra do atual ordenamento

jurídico brasileiro, no tocante a ação penal, previsto no artigo 129, I, da Constituição

Federal7 e no artigo 257, I do Código de Processo Penal8, que dispõem que:

Art.129. São funções institucionais do Ministério Público:

I – promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei;

Art. 257 do Código de Processo Penal: Ao Ministério Público cabe:

I - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma estabelecida

neste Código;

Assim, na sistemática brasileira, a regra é que os delitos sejam objetos de

ações penais de iniciativa pública e incondicionada, cuja a titularidade cabe ao

Ministério Público, sendo as exceções (iniciativa privada ou pública condicionada)

são expressamente previstas em lei.

1.1 Da Ação Penal Pública Condicionada à Representação do Ofendido

A ação penal pública condicionada à representação do ofendido difere

primordialmente da incondicionada, pois na primeira, é necessária a manifestação

de vontade do ofendido no sentido de autorizar o Ministério Público a oferecer a

denúncia, sendo inclusive necessária a manifestação do ofendido para a instauração

do inquérito policial. Desta forma, enquanto não ocorrer à manifestação de vontade

do ofendido em ver processado acusado, esse tem plena disponibilidade da ação

penal, assumindo a representação uma causa de procedibilidade, sem a qual é

impossível iniciar o processo crime.

7 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm> Acesso em: 15 de mai. de 2013.

8 BRASIL. DECRETO-LEI Nº 3.689, DE 3 DE OUTUBRO DE 1941 - Código de Processo Penal. Disponível em:<HTTP://http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689compilado.htm> Acesso em:15 de mai. de 2013.

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O instituto da representação não é exclusividade do direito brasileiro, sendo

encontrado em diversos diplomas legais estrangeiros, como por exemplo, na

Alemanha (“Antrag”, § 158 do diploma processual penal alemão), Argentina

(“Instancia Privada”`, previsto no artigo 71 do Código Penal Argentino e artigo 5º e 6º

do Código Processual Penal), no México e Espanha o instituto é chamado de

“querela”, na Itália como “querela”, e a “queixa” do direito português, previsto no

artigo 113 do Código Penal e artigo 49 do Código de Processo Penal.9 Em todos os

diplomas estrangeiros, a sua funcionalidade é muito próxima da realidade brasileira,

qual seja, oportunizar ao ofendido a sua declaração de vontade de ver o acusado

ser processado criminalmente em delitos que atingem tanto a sua intimidade privada

quanto as ordem social.

A importância da representação do ofendido como causa de procedibilidade

vem de que, em certos casos, o crime afeta tão profundamente a esfera intima do

individuo que a lei, a despeito de sua gravidade, respeita a vontade do ofendido,

evitando assim a intimidade ferida pelo crime se torne ainda maior. É o chamado

strepitus judicii. Explica TOURINHO FILHO10·:

O ofendido pode ter razões em não levar o fato ao conhecimento da justiça, preferindo não divulgar sua própria desgraça. O perigo do escândalo é mais temível que a própria impunidade do criminoso. O Estado, então, respeita a vontade do ofendido, deixando a propositura da ação penal ao seu critério, condicionando, desse modo, o seu poder repressivo: se o ofendido manifestar a vontade de punir o seu ofensor, estará satisfeita a condição, o órgão do Ministério Público iniciará a ação penal. Em uma palavra: nesses casos, o ofendido julga sobre a conveniência e oportunidade de provocar a instauração do processo.

Existem crimes que afetam tanto o interesse público quanto o particular, este

último mais diretamente, sendo assim, o Estado preferiu deixar a critério do

ofendido, pois se torna muito tênue separação do interesse público em punir o

infrator penal e o perigo de causar uma lesão ainda maior a intimidade e sossego do

ofendido, que para este, às vezes, é preferível a impunidade do culpado ao

9 Todas as Legislações disponíveis no site http://perso.unifr.ch/derechopenal/documentos/legislacion, acessado

em 17/05/2013. 10

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal, vol. 1. Ed.31. São Paulo. Saraiva, 2009. p.350

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escândalo que o processo pode causar. Ainda a respeito da razão da representação,

ensina BOSCHI11:

Por vezes, o crime trazido à realização, a par de lesar interesses sociais, fere também interesses individuais, de tal forma que, em dados casos, a persecução penal em tais delitos vulneraria mais sua própria vítima do que a punição do seu ofensor. O strepicus judicii ou strepicus fori, isto é, a repercussão do fato face ao caráter publicístico da ação e processo penais, poderá ser mais prejudicial à vitima do crime que a persecução penal de seu autor. Como enfatizou o saudoso Nelson Hungria: em certos casos, a ofensa é como imundice de gato: quanto mais revolvida, mais fétida.

TOURINHO FILHO12, ainda cita outros argumentos em favor da

representação do ofendido na ação penal de alguns crimes, como; “a dificuldade de

ser colhida a prova sem o concurso da vítima e a conveniência política de evitar a

exasperação e enrijecimento da hostilidade entre os particulares”.

Atualmente são processados mediante representação os crimes de: perigo

de contágio venéreo; injúria, calúnia e difamação; ameaça; violação de

correspondência; divulgação de segredo; violação de segredo profissional; furto de

coisa comum; receptação em prejuízo de cônjuge, irmão, tio ou sobrinho; violação

de direito autoral; além da lesão corporal leve e culposa, previsto no artigo 88 da Lei

9099/95.

Quanto a forma e outros critérios referentes à representação, estes não são

critérios fundamentais para a validade do ato, podendo ela ser feita diretamente ao

juiz, Ministério Público ou na polícia, sendo facultativa, estando vinculada a critérios

de conveniência e oportunidade do ofendido, devendo, caso queira representar, ser

um ato de livre manifestação de vontade, podendo ser prestada oralmente ou por

escrito.

Ainda a respeito da representação, explica DE LIMA:13

Ao longo dos anos, a jurisprudência tem proclamado, reiteradamente, que não há necessidade de maiores formalidades no tocante à

11

BOSCHI, José Antonio Paganella. Ação Penal. Rio de Janeiro. Editora Aide, 1993. p.89 12

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal, vol. 1. Ed.31. São Paulo. Saraiva, 2009. p.351

13 DE LIMA, Renato Brasileiro. Manual de Processo Penal, vol. I. Ed.1. São Paulo. Editora Impetus, 2012. p.300

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representação. Prescinde-se, portanto, que haja uma peça escrita com nomem júris de representação nos autos do inquérito policial ou do processo criminal. Basta que haja manifestação da vontade da vítima ou de seu representante legal, evidenciando a intenção de que o autor do fato delituoso seja processado criminalmente. Não por outro motivo, já se considerou como representação um mero boletim de ocorrência ou declarações prestadas na polícia.

Assim sendo, não é necessário nenhum rigorismo formal para que seja

aceita a representação do ofendido em ver processado o acusado, a sua simples

manifestação de vontade, mesmo que oral, diante da autoridade policial, para

instaurar o inquérito, ou judicial, para o processo crime, já são consideradas

suficientemente válidas.

Após a representação do ofendido, a ação penal passa a ser de titularidade

do Ministério Público, atuando da mesma forma como se trata de uma ação penal

pública incondicionada, sendo regida pelos mesmos princípios, a citar, da

oficialidade, da obrigatoriedade, da indisponibilidade, da indivisibilidade e da

intranscedência.

2. CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DOS DELITOS PATRIMONIAIS.

A proteção Estatal da propriedade privada tem gerado diversas discussões,

tanto no âmbito jurídico, quanto social e econômico. MELNIK14 conceitua

propriedade da seguinte forma:

Propriedade é um conceito amplo, não significa somente terras e edifícios que poderiam estar em um determinado espaço – como o uso comum do termo sugere. É qualquer coisa que as pessoas possam usar, controlar ou dispor que legalmente as pertença. Propriedade sempre representa posse de algo especifico, como uma casa, um negócio, uma poupança, um relógio ou uma patente, que são protegidas pela lei

Assim, a propriedade e seu conceito, esta vinculada a ideia de bens, de

caráter natural ou cultural, que são valorados, por determinada cultura, como

14 MELNIK, Stefan. Liberdade e Propriedade. São Paulo. Instituto Friedrich Naumann. 2009. p.8

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relevantes, e que devem ser protegidos juridicamente com a finalidade que todos os

indivíduos possam deles usufruir. No estudo em tela, o interesse esta focado nos

bens móveis, já que apenas estes podem constituir a res no delito de furto.

Em nossa Constituição, o direito a propriedade esta previsto no caput do

artigo 5º, como um direito fundamental inviolável, in verbis:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

Além do caput do citado artigo, também esta ele fundamentado em no inciso XXII:

XXII - é garantido o direito de propriedade.

O legislador ao incluir o patrimônio como bem jurídico fundamental para

existência, manutenção e desenvolvimento do Estado e do cidadão, entendeu que

lhe devia dar cobertura penal, considerando relevante a conduta que viesse a lesar

este direito e que devia o ofensor estar sujeito a sanções de ordem penal.

Deve-se atentar que, por mais que o direito inviolável a propriedade esteja

elencado no caput do artigo 5º da Constituição este, diante de uma visão através do

principio da dignidade da pessoa humana, um dos fundamentos do Estado

Democrático de Direito Brasileiro (Artigo 1º, inciso III), não pode nem deve ser

equiparado no mesmo patamar valorativo com o direito a vida, a liberdade ou a

igualdade, também previstos no caput do artigo 5º da Constituição.

A este respeito, diferenciou de forma clara FRANCO15:

A diferença entre direitos fundamentais e direitos patrimoniais reside no fato de que aqueles são direitos indisponíveis, inalienáveis, invioláveis, intransgredíveis, personalíssimos e estes são disponíveis, por sua natureza, negociáveis e alienáveis. Estes se acumulam; aqueles permanecem invariáveis. Os direitos patrimoniais, que se objetivam num bem patrimonial, são adquiríveis, trocáveis, vendíveis. As liberdades, ao contrario, não se trocam nem se acumulam.

15 FRANCO, Alberto Silva. Breves Anotações Sobre os Crimes Patrimoniais. In Estudos Criminais em

Homenagem a Evandro Lins e Silva, Organizador: Sérgio Salomão Shecaira. São Paulo. Editora Método. 2001. P.60.

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Essa diferenciação axiológica, não é o que atualmente se encontra no

Código Penal, onde existe um tratamento flagrantemente desproporcional dado aos

crimes patrimoniais em relação aos delitos contra a vida ou integridade do indivíduo.

Para exemplificar, tomemos por base as penas mínimas cominadas a alguns delitos,

pois é com o mínimo legal que podemos dimensionar a gravidade do fato criminoso.

Ao crime de furto simples é cominado 1 ano de reclusão, pena igual ao crime de

lesão corporal grave, de que resulte perigo de vida ou debilidade de membro ou

função, ou seja o legislador optou por considerar que a lesão causada a vitima, sem

ter sofrido violência, que se viu privada de algum bem material seu é igualmente

grave a de uma pessoa que sofre agressões dolosas e que tem um sentido ou um

membro ou fincão debilitado.

As penas de um crime de roubo, sem emprego de arma de fogo é igual a de

lesão corporal seguida de morte, que é de 4 anos. Assim, se o agente utilizar de

violência ou grave ameaça para subtrair bem da vitima, terá a mesma pena se

utilizar de violência para agredir a vitima e esta vier a morrer em face dessas lesões.

Para finalizar os exemplos, que são fartos em nosso código, FRANCO16

descreve uma especial situação:

A falta de um equilibrado balanceamento, na determinação legal da pena, possibilitou punições desproporcionais, incoerentes, absurdas. Assim, a morte, no homicídio qualificado, será punível , no mínimo, com doze anos de reclusão; no latrocínio, no mínimo, com vinte anos de reclusão e, na extorsão mediante sequestro, no mínimo, com vinte e quatro anos de reclusão. Bastou que a agressão à vida tivesse conotação de ordem patrimonial para que o mesmo fato(morte) provocasse consequências penais tão disformes.

Dessa forma, é de fácil percepção que o legislador penal hipervalorizou a

conduta delituosa que visasse à subtração de patrimônio alheio, cominando penas

altíssimas se comparada às demais lesões penais previstas no mesmo código. A

realidade do legislador dos anos 40 não mais condiz com a atual, à absurda

valoração dada ao patrimônio, principalmente em face de pressão da crescente

16 FRANCO, Alberto Silva. Breves Anotações Sobre os Crimes Patrimoniais. In Estudos Criminais em

Homenagem a Evandro Lins e Silva, Organizador: Sérgio Salomão Shecaira. São Paulo. Editora Método. 2001. P.60.

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burguesia, que visava um controle social em relação as marginalizados, gerou um

efeito nefasto em nossa realidade carcerária, que, segundo dados InfoPen17

(Departamento Penitenciário Nacional/Ministério da Justiça), dentro do universo

carcerário, 47% dos apenados estão privados de sua liberdade em razão de delitos

patrimoniais, sendo que 14% por crimes de furto, ou seja, sem emprego de violência

ou ameaça.

Explica FRANCO18:

É induvidosa a explícita adesão do legislador daquela época à sacralidade e à inviolabilidade da propriedade privada, como fundamento básico do regime capitalista. A estrutura dos crimes patrimoniais, nos idos de 40, atendia em suas valorações, à preservação dos direitos patrimoniais dos grupos dominantes, em relação aos ataques dos que se encontravam nos limites ou fora do sistema social.

Conforme a explicação acima trazida, é fato que o legislador de 40 aderiu à

valores capitalistas quanto a proteção da propriedade privada, já que o Código Penal

foi promulgado na vigência da Constituição Federal de 193719, que trazia

expressamente em seu preâmbulo:

ATENDENDO ao estado de apreensão criado no País pela infiltração comunista, que se torna dia a dia mais extensa e mais profunda, exigindo remédios, de caráter radical e permanente;

Uma legislação já com mais de 70 anos, e que não sofreu as adaptações

necessárias frente às pressões que a atual sociedade vive tende a incitar um

comportamento desviante em massa, frente a uma legislação criminalizadora, onde

a sociedade de valores excessivamente individuais, em que poucos têm acessos

17 BRASIL. INFOPEN – MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. Disponível em: http://www.infopen.gov.br Acessado em: 15

de mai. de 2013

18 FRANCO, Alberto Silva. Breves Anotações Sobre os Crimes Patrimoniais. In Estudos Criminais em Homenagem a Evandro Lins e Silva, Organizador: Sérgio Salomão Shecaira. São Paulo. Editora Método. 2001. P.57.

19 BRASIL. CONSTITUIÇÃO DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL (DE 10 DE NOVEMBRO DE 1937)Disponívelem:<HTTP://http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao37.htm> Acesso em:15 de mai. de 2013

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aos bens materiais, mas ao mesmo tempo em que todos são incitados a participar e

ludibriados que nela podem progredir e ascender socialmente só pode resultar em

violência social. A este respeito, ensina BARATTA20:

[...] a cultura, em determinado momento de desenvolvimento de uma sociedade, propõe ao individuo determinadas metas, as quais constituem motivações fundamentais do seu comportamento (por exemplo, um certo nível de bem estar e de sucesso econômico). Proporciona, também, modelos de comportamento institucionalizados, que resguardam as modalidades e os meios legítimos para alcançar aquelas metas. Por outro lado, todavia, a estrutura econômico-social oferece aos indivíduos, em graus diversos, especialmente com base em sua posição nos diversos estratos sociais, a possibilidade de acesso às modalidades e aos meios legítimos para alcançar as metas. A desproporção que pode existir entre os fins culturalmente reconhecidos como válidos e os meios legítimos, à disposição do individuo para alcança-los, está na origem do comportamento desviante.

O legislador do Código Penal de 1940 optou por supervalorizar as condutas

delituosas contra o patrimônio, pois este representava o interesse das classes

dominantes da época, uma burguesia emergente que queria se ver protegida diante

de uma massa de excluídos social e economicamente, sendo que outros crimes,

muito mais gravosos, como delitos de ordem econômica e política (crimes do

colarinho branco), que causam lesões de ordem econômica e de justiça social

infinitamente maiores que um furto ou uma apropriação, desde aquela época e

atualmente, ainda são de mínima reprovabilidade na esfera penal. Hoje, não se pode

mais aceitar tal injustiça, onde os castigos atingem apenas uma parcela da

sociedade, etiquetando tias indivíduos como criminosos, enquanto outros, que

praticam delitos de maior gravidade, mas que não ferem os interesses de classes

dominantes, já que são por elas praticados e não contra elas, se vem impunes e

inalcançáveis pela norma penal.

3. O CRIME DE FURTO NO CÓDIGO PENAL ATUAL E NO ANTEPROJETO DE

CÓDIGO PENAL.

20 BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal. Rio de Janeiro. Editora Revan, 3ed.

2002. p.76

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Segundo dados do InfoPen21, em relação ao total da população carcerária,

os condenados por crime de furto representam 14% dos indivíduos, o que em

números totais, considerando dados de 2012 em que a população carcerária

brasileira era de 550 mil apenados, ou seja, representam 77mil presos.

Frente à esta realidade, mostra-se necessário a atualização legislativa, com

inovações que venham a minorar a pena privativa de liberdade, que falhou em

cumprir o que se propunha, sendo que a experiência já mostrou que outras medidas

depenalizadoras podem suprir a privação da liberdade, evitando os efeitos nefastos

que esta tem sobre o individuo, ainda mais se considerando o apenado pelo crime

de furto, que se trata de um puro crime contra o patrimônio, sem sequer existir

violência contra a pessoa.

No atual Código Penal22, o delito de furto simples esta previsto no artigo 155,

in verbis:

Art. 155. Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel:

Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa.

A pena do crime de furto é exagerada em relação à lesão que causa,

quando comprado com outros delitos contra a vida ou integridade pessoal, fraudes e

crimes do ‘’colarinho branco’’. Além disso, sua ação penal é pública incondicionada,

ou seja, cabe exclusivamente ao Ministério Público sua titularidade e motivação,

mesmo que o ofendido não tenha interesse e ver o acusado processado, neste tipo

de ação sua opinião quanto ao delito é irrelevante.

A título de comparação, vamos listar a pena e a ação penal do delito de

furtos na legislação penal estrangeira. Por exemplo, o Código Penal Alemão23, não

21 BRASIL. INFOPEN – MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. Disponível em: http://www.infopen.gov.br Acessado em: 15

de mai. de 2013

22 BRASIL. DECRETO-LEI Nº 3.689, DE 3 DE OUTUBRO DE 1941 - Código de Processo Penal. Disponível em:<HTTP://http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689compilado.htm> Acesso em:15 de mai. de 2013

23 Legislação disponível no site http://perso.unifr.ch/derechopenal/documentos/legislacion, acessado em 15 de mai. de 2013.

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prevê pena mínima, apenas a máxima de cinco anos e multa, e ação penal

condicionada à representação (o instituto chamado de “antrag” no direito alemão),

quando a coisa for de pequeno valor, sendo permitida a intervenção da autoridade

pública, nestes casos, quando achar de interesse público a persecução penal.

Na Argentina24, a pena do crime de furto é de um mês a dois anos, sendo a

ação publica incondicionada, já que naquele pais, apenas é condicionada a

representação(instancia privada) alguns crimes sexuais, quando estes não

causarem a morte da vítima.

Na Espanha25, apenas será julgado por furto, com pena de seis a dezoitos

meses, quem subtrair coisa com valor superior a 400 Euros, já se o valor for inferior

a este a pena varia de 4 a 12 dias e multa, sendo a ação publica incondicionada. Na

França, a pena de furto é de no máximo três anos e multa, de ação penal pública

incondicionada, sendo condicionada à representação neste país apenas os delitos

de difamação, injúria e adultério. O Código Penal Italiano prevê pena de reclusão de

até três anos e multa sendo a ação condicionada à representação do ofendido

(querela dell`offeso).

O Código Penal Português26, prevê pena de prisão de até três anos ou

multa, sendo a ação condicionada à representação (queixa) e ainda prevendo outro

instituto importante, que prevê que caso o valor do bem subtraído seja diminuto, não

existira furto na forma qualificada, o que causaria um aumento da pena.

Em face da desatualização do atual Código Penal diante da presente

realidade brasileira, e por influência das legislações penais estrangeiras, o

Anteprojeto de Código Penal prevê um grande aprimoramento em relação ao delito

de furto, que, segundo a PL236/12 terá a seguinte redação27:

24

Legislação disponível no site http://perso.unifr.ch/derechopenal/documentos/legislacion, acessado em 15 de mai. de 2013.

25 Legislação disponível no site http://perso.unifr.ch/derechopenal/documentos/legislacion, acessado em 15 de mai. de 2013.

26 Legislação disponível no site http://perso.unifr.ch/derechopenal/documentos/legislacion, acessado em 15 de mai. de 2013.

27 BRASIL. PL 236/2012 SENADO FEDERAL. Disponível em: http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=106404. Acesso em 15 de mai. de 2013.

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Furto Art. 155. Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel: Pena – prisão, de seis meses a três anos. § 1º Equipara-se à coisa móvel o documento de identificação pessoal, a energia elétrica, a água ou gás canalizados, o sinal de televisão a cabo ou de internet ou item assemelhado que tenha valor econômico. Causa de aumento de pena § 2º A pena aumenta-se de um terço até a metade se o crime é cometido: I – com abuso de confiança ou mediante fraude; II – com invasão de domicílio; III – durante o repouso noturno; IV – mediante destreza; ou V – mediante o concurso de duas ou mais pessoas. § 3º No caso do caput e dos parágrafos anteriores: I – se o agente é primário e for de pequeno valor a coisa subtraída, o juiz aplicará somente a pena de multa; II – se houver reparação do dano pelo agente, aceita pela vítima, até a sentença de primeiro grau, a punibilidade será extinta; III – somente se procederá mediante representação.

Num primeiro momento, a primeira mudança a chamar a atenção do leitor é

a considerável redução da pena privativa de liberdade, que passa dos atuais um a

quatro anos de reclusão, para 6 meses a três anos, que passa a ser mais

proporcional com a lesão que o delito de furto causa, condizendo com uma melhor

unicidade do código, já que as penas quanto aos delitos contra a vida não tiverem

significativa mudança quanto às penas.

Uma pena reduzida como a proposta do Anteprojeto, evitaria, em caso de

condenação à pena privativa de liberdade, uma exposição do condenado ao efeitos

devastadores do cárcere sobre a sua personalidade, família, vida profissional, e

ainda por cima, aumentam em muito as chances de reincidência, já que é inegável o

fator criminógeno da prisão sobre os apenados, a este respeito, entende

BITENCOURT28:

Considera-se que a prisão, em vez de frear a delinquência, parece estimula-la, convertendo-se em instrumento que oportuniza toda

28 BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da Pena de Prisão: Causas e alternativas.3ed. São Paulo. Editora Saraiva, 2004. P.157.

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espécie de desumanidade. Não traz nenhum beneficio ao apenado; ao contrario, possibilita toda sorte de vícios e degradações.

O §1º do Anteprojeto, repete o previsto no §3º do atual código, que já previa

como coisa móvel, a energia elétrica, apenas aumentando o rol exemplificativo de

bens moveis passiveis de furto, o que já era entendimento da doutrina e

jurisprudência.

No §2º, lista as causas de aumento de pena, que preveem aumento de um

terço até metade, se o crime é cometido: I – com abuso de confiança ou mediante

fraude; II – com invasão de domicílio; III – durante o repouso noturno; IV – mediante

destreza, ou; V – mediante concurso de duas ou mais pessoas. Ou seja, o legislador

entendeu melhor que algumas das causas que o atual código prevê como figuras

qualificadas, passem agora a figurar nas causas de aumento de pena, estas que

podem sofrer influência de certas medidas que evitam pena para o agente, o que

com as novas qualificadoras não ocorrerá.

Já o §3º traz as maiores mudanças em relação ao atual código, algumas

delas já até eram aplicadas em casos isolados, mas não por previsão legal, mas sim

por entendimento doutrinário ou jurisprudencial, como exemplo em face do princípio

da bagatela e insignificância.

O primeiro inciso do §3º traz que em caso de agente primário e for de

pequeno valor a coisa subtraída o juiz aplicara somente a pena de multa. Esta é,

talvez, uma das mais importantes mudanças previstas no Anteprojeto de Código

Penal, já que positivada na norma legal, o que já era amplamente aceito pela

doutrina, qual seja o principio da insignificância e o do crime de bagatela. Por

principio da insignificância, podemos entender como uma melhor sistematização e

aplicação do que já era conhecido pelo direito romano como ”de minima non curat

praet”, ou seja, o mínimo, as insignificâncias não devem ocupar o pretor (juiz).

A finalidade do Direito Penal consiste na proteção de determinados bens

jurídicos, logo, se um comportamento produz efeitos irrelevantes sobre estes bens

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jurídicos tutelados, devem também se considerados irrelevantes penalmente.

Explica BITENCOURT29:

A tipicidade penal exige uma ofensa de alguma gravidade aos bens jurídicos protegidos, pois nem sempre qualquer ofensa a esses bens ou interesses é suficiente para caracterizar injusto típico. Segundo este princípio, também conhecido por ‘bagatela’, é imperativa uma efetiva proporcionalidade entre a gravidade da conduta que se pretende punir e a drasticidade da intervenção estatal. Amiúde, condutas que se emoldam a determinado tipo penal, sob o ponto de vista formal, não apresentam nenhuma relevância material. Nessas circunstancias, pode-se afastar liminarmente a tipicidade penal porque em verdade o bem jurídico não chegou a ser lesado

Ou seja, segundo o doutrinador, não basta que a ação praticada se

“encaixe” formalmente no tipo penal prescrito, a subsunção da ação com a norma

precisa estar acompanhada de real lesão ao bem jurídico protegido. Seria

desproporcional, reservar ao individuo que furta um pão na padaria, o mesmo

tratamento penal do indivíduo que furto um veículo automotor, por exemplo.

O termo bagatela surge trazendo uma ideia de coisa pouca, ninharia, algo

que se apresenta com muita pouca ou mesmo nenhuma significância, sendo que,

quando aplicado no intuito de adjetivar infração penal, mostra a ínfima lesão em

relação à conduta típica promovida. A este respeito, leciona GOMES:30

Infração bagatelar ou delito de bagatela ou crime insignificante expressa o fato de ninharia, de pouca relevância (ou seja: insignificante). Em outras palavras, é uma conduta ou um ataque ao bem jurídico tão irrelevante que não requer a (ou não necessita da) intervenção penal. Resulta desproporcional a intervenção penal nesse caso. O fato insignificante, destarte, deve ficar reservado para outras áreas do Direito (civil, administrativo, trabalhista etc.). Não se justifica a incidência do Direito Penal (com todas as suas pesadas armas sancionatórias) sobre o fato verdadeiramente insignificante.

29 BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de Direito Penal – Parte Geral. São Paulo: Revista dos Tribunais.

16ed. 2012 p. 51 30 GOMES, Luiz Flávio. Princípio da insignificância e outras excludentes de tipicidade. São Paulo: Editora

Revista dos Tribunais, 2009, v. 1.

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Segundo a definição do citado autor, o principio da insignificância e o crime

de bagatela, estão intimamente ligados com a ideia de subsidiariedade do Direito

Penal e sua intervenção mínima, apenas quando outros ramos do direito não forem

capazes de proteger o bem, ou sua lesão for grave.

Em relação ao principio da insignificância, tem o STF31 o reconhece e aplica

desde que dentro de certas condições:

Para ser utilizado, faz-se necessária a presença de certos requisitos, tais como: (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada (exemplo: o furto de algo de baixo valor). Sua aplicação decorre no sentido de que o direito penal não se deve ocupar de condutas que produzam resultado cujo desvalor - por não importar em lesão significativa a bens jurídicos relevantes - não represente, por isso mesmo, prejuízo importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social.

Salutar é a nova redação do inciso I do §3º do artigo 155 do Anteprojeto,

pois traz ao texto legal o entendimento doutrinário majoritário e também

entendimento de ampla jurisprudência.

Ainda assim, terá a doutrina e a jurisprudência que preencher algumas faltas

da lei, que diferentemente da lei penal espanhola, por exemplo, não prevê valores

para os bens ditos como de pequeno valor, já esta legislação arbitrou um valor exato

de 400 Euros, evitando assim discussões a respeito do que seria bem de pequeno

valor para se enquadrar em delito de bagatela.

O inciso II do §3º, trata de uma nova medida extintiva de punibilidade, qual

seja, a reparação do dano à vítima antes da sentença de 1º grau, que se

assemelhando muito à composição civil prevista na lei 9.099/95 em seu artigo 7232:

Art. 72. Na audiência preliminar, presente o representante do Ministério Público, o autor do fato e a vítima e, se possível, o responsável civil,

31 Disponível em http://www.stf.jus.br/portal/glossario/verVerbete.asp?letra=P&id=491, Acesso em 15 de mai.de

2013. 32 BRASIL. Lei 9.099/95. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9099.htm Acesso em 15 de mai.

de 2013.

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acompanhados por seus advogados, o Juiz esclarecerá sobre a possibilidade da composição dos danos (...)

Pontos importantes da nova redação do inciso II do §3º devem ser

destacados, como a aceitação da vitima, que será fundamental na reparação dos

danos, e a criação de uma nova causa extintiva de punibilidade, junto às já

previstas, prescrição e decadência, por exemplo. Um processo criminal lento, que

causa frustração na vitima e sociedade em geral, e que não pune de forma correta

os infratores não nos parece justo e acertado, ainda mais diante de um crime

cometido sem violência. Esta ideia trazida não é nova, muito menos inédita, sendo

que o grande jurista brasileiro Rui Barbosa, em sua célebre “Oração aos Moços”33 já

havia alertado sobre os contrassensos de uma justiça atrasada.

Mas justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta. Porque a dilação ilegal nas mãos do julgador contraria o direito escrito das partes, e, assim, as lesa no patrimônio, honra e liberdade.

Não há como discordar desta afirmação, “justiça atrasada não é justiça”. A

tardia manifestação do judiciário frustra tanto a vitima, quanto se torna ilegítima a

punição aplicada ao acusado, frente ao grande lapso temporal entre a data do fato

delituoso e a resposta da prestação jurisdicional.

E por fim, o inciso III do §3º do artigo 155 do Anteprojeto de Código Penal,

traz a mais significativa melhora no ordenamento penal pátrio, que prevê que nos

casos dos parágrafos anteriores, a ação penal se procedera apenas mediante

representação. Dentro tudo o que já foi exposto, esta é sem duvida a medida mais

importante que visando uma proporção e unicidade da lei penal, trazendo a norma

positiva para mais próximo do cotidiano e da realidade do crime de furto.

Não poucas vezes, em face do pequeno valor da coisa, de sua pequena

importância, ou mesmo por falta de interesse da vitima, este não tem qualquer

vontade em provocar os órgãos públicos, ou se expor a um processo criminal, em 33 BARBOSA, RUI. Oração aos Moços. p.40 Disponível em:

http://www.casaruibarbosa.gov.br/dados/DOC/artigos/rui_barbosa/FCRB_RuiBarbosa_Oracao_aos_mocos.pdf Acessado em 15 de mai. de 2013.

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algo que pra ele é irrelevante. Atualmente, mesmo que este não tenha interesse no

processo, se o fato vier a conhecimento das autoridades policiais ou judiciais, o fato

será obrigatoriamente processado e julgado, movimentando um cara e dispendioso

sistema judiciário por fatos irrelevantes.

Em primeiro lugar, vemos que o presente instituto vem em respeito ao

“princípio da intervenção mínima do Direito Penal”, que prevê que o Direito Penal

deve ser aplicado quando os outros ramos do Direito se mostrarem insuficientes de

punir a conduta, caso contrário, cairemos num crescimento desmedido do Direito

Penal. Conforme entendimento de PRADO34:

O princípio da intervenção mínima ou da subsidiariedade estabelece que o Direito Penal só deve atuar na defesa dos bens jurídicos imprescindíveis à coexistência pacífica dos homens e que não podem ser eficazmente protegidas de forma menos gravosa. Desse modo, a lei penal só devera intervir quando for absolutamente necessário para a sobrevivência da comunidade, como ultima ratio. E de preferencia, só deverá faze-lo na medida em que for capaz de ter eficácia.

O conceito do doutrinador quanto ao principio da intervenção mínima mostra

o quanto ele é compatível com a nova procedibilidade da ação penal no crime de

furto. O legislador prevê no mesmo artigo, outras formas suficientes para a solução

do conflito, não sendo necessário sempre a existência de um processo penal, sendo

que este ainda depende da representação da vitima para existir, ou seja, o processo

penal se tornou subsidiário e vinculado, tendo sua existência intima dependência

com a vontade do ofendido.

Importante notar que pouco importa o valor da coisa, ou se foi subtraída de

alguma forma que prevê um aumento de pena, a ação continuara sendo

condicionada a representação do ofendido, tendo esse maior discricionariedade

sobre a propositura da ação penal.

34 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro, vol. 1: Parte Geral. 10.ed. São Paulo Editora RT,

2010.

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LAUX. João de Mesquita; KRIEGER, Jorge Roberto. A Ação Penal no Crime de Furto no Anteprojeto de Novo Código Penal (PL 236/2012).. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 5, n.1, p. 413-435, 1º Trimestre de 2014. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Condicionar a ação nos delitos de furto à representação da vítima é respeitar

a opinião do ofendido quanto à disposição do seu patrimônio. Se não houve

violência na prática do delito e não estando o ofendido interessado em reaver seu

patrimônio furtado, nada mais justo que atender a sua vontade de permanecer inerte

quanto ao fato.

Não se pode negar a relevância do instituto, principalmente em relação aos

furtos famélicos, que além de considerados insignificantes, frequentemente possuem

uma repressão estatal superior ao interesse do particular.

O Anteprojeto de Código Penal possui diversas imperfeições, o que não se

pode dizer em relação ao delito de furto, que teve uma feliz alteração. O atual

Código Penal, que data de 1940, já se apresenta defasado diante das mudanças

sociais sofridas pelo País, além é claro da evolução do próprio direito e da

legislação. A proposta de alteração, antes de ser um equívoco, é um aprimoramento

dos institutos de persecução penal.

Não há como negar que nosso sistema judiciário é lento e muitas vezes

ineficaz, mas o que aqui se discute é a real necessidade de se mover um complexo

e dispendioso sistema para penalizar um indivíduo, sendo que nem a própria vitima

do delito estaria interessada neste processo. Além disso, permite que exista

reparação do dano sem que haja pena de privação de liberdade ao acusado, que

além de cara, traz mais malefícios do que benefícios à personalidade do agente,

além de ser relevante fator que gera reincidência.

O crime de furto deixa de ter uma punição exagerada em relação à lesão

efetivamente causada, fazendo com que a supervalorização e superproteção do

bem jurídico patrimônio seja mitigada.

Se a proteção se dá em razão da propriedade privada, justo é que a ação

que possa implicar na punição daquele que provocou a lesão esteja condicionada à

vontade privativa do ofendido.

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LAUX. João de Mesquita; KRIEGER, Jorge Roberto. A Ação Penal no Crime de Furto no Anteprojeto de Novo Código Penal (PL 236/2012).. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 5, n.1, p. 413-435, 1º Trimestre de 2014. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044.

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