A ADMINISTRAÇÃO AS RABECAS BRASILEIRAS NA...

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ANNA CAROLINA PORTO | A ADMINISTRAÇÃO E O MARKETING DE MODA ANO Jorge Linemburg Junior Florianópolis 2015 Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC Centro de Artes - CEART Programa de Pós-Graduação em Música - Mestrado - PPGMUS As Rabecas Brasileiras na Obra de Mário de Andrade: Uma Abordagem Prática 2015 DISSERTAÇÃO DE MESTRADO AS RABECAS BRASILEIRAS NA OBRA DE MÁRIO DE ANDRADE: UMA ABORDAGEM PRÁTICA Jorge Linemburg Junior

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA - UDESCCENTRO DE CIÊNCIAS DA ADMINISTRAÇÃO E SÓCIO-ECONOMICAS - ESAGPROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO

ANNA CAROLINA PORTO

FLORIANÓPOLIS 2012

ANO 2012

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

A ADMINISTRAÇÃOE O MARKETING DE MODA

Jorge Linemburg Junior

Florianópolis 2015

Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESCCentro de Artes - CEARTPrograma de Pós-Graduação em Música - Mestrado - PPGMUS

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DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

AS RABECAS BRASILEIRAS NA OBRA DE MÁRIO DE ANDRADE: UMA ABORDAGEM PRÁTICA

2015

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As Rabecas Brasileiras na Obra de Mário de Andrade: Uma Abordagem Prática

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA – UDESC

CENTRO DE ARTES – CEART

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MÚSICA – MESTRADO (PPGMUS)

JORGE LINEMBURG JUNIOR

AS RABECAS BRASILEIRAS NA OBRA DE MÁRIO DE ANDRADE: UMA ABORDAGEM PRÁTICA

FLORIANÓPOLIS

2015

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JORGE LINEMBURG JUNIOR

AS RABECAS BRASILEIRAS NA OBRA DE MÁRIO DE ANDRADE: UMA ABORDAGEM PRÁTICA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Música PPGMUS/Mestrado como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Música. Área de concentração: Musicologia-Etnomusicologia. Orientador: Prof. Dr. Luiz Henrique Fiaminghi.

FLORIANÓPOLIS

2015

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Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Central da UDESC

L754r

Linemburg Junior, Jorge

As rabecas brasileiras na obra de Mário de Andrade: uma abordagem prática / Jorge Linemburg Junior. – 2015.

119 p. il.; 21 cm

Orientador: Luiz Henrique Fiaminghi Bibliografia: p. 97-104 Dissertação (Mestrado) - Universidade do Estado de

Santa Catarina, Centro de Artes, Programa de Pós-Graduação em Música, Florianópolis,2015.

1. Instrumentos de corda. 2. Instrumentos com arco. 3.

Mário de Andrade. I. Fiaminghi, Luiz Henrique. II. Universidade do Estado de Santa Catarina. Programa de Pós-Graduação em Música. III. Título.

CDD: 787.07 – 20.ed.

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Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Central da UDESC

L754r

Linemburg Junior, Jorge

As rabecas brasileiras na obra de Mário de Andrade: uma abordagem prática / Jorge Linemburg Junior. – 2015.

119 p. il.; 21 cm

Orientador: Luiz Henrique Fiaminghi Bibliografia: p. 97-104 Dissertação (Mestrado) - Universidade do Estado de

Santa Catarina, Centro de Artes, Programa de Pós-Graduação em Música, Florianópolis,2015.

1. Instrumentos de corda. 2. Instrumentos com arco. 3.

Mário de Andrade. I. Fiaminghi, Luiz Henrique. II. Universidade do Estado de Santa Catarina. Programa de Pós-Graduação em Música. III. Título.

CDD: 787.07 – 20.ed.

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RESUMO

LINEMBURG-JR, Jorge. As rabecas brasileiras na obra de Mário de Andrade: uma abordagem

prática. Dissertação de mestrado – Universidade do Estado de Santa Catarina, Centro de Artes,

Programa de Pós-Graduação em Música. Florianópolis, 2015.

O presente trabalho é resultado de uma pesquisa de manuscritos realizada no Arquivo Mário de

Andrade (IEB-USP) e em trabalhos publicados do autor, para detectar o repertório de rabecas em

sua obra. Parte das músicas foi tocada na rabeca, para análise de acordo com a abordagem de

―aprender a performar‖ (―learn to perform‖), como discutida pelo etnomusicólogo John Baily. A

dissertação apresenta três capítulos: o primeiro discute a pesquisa em etnomusicologia sobre

instrumentos musicais; o segundo aborda as rabecas brasileiras; o último traz o levantamento do

repertório de rabecas e uma proposta de como se abordar esse repertório de maneira prática.

Palavras-chave: Rabecas brasileiras. Mário de Andrade. Aprender a performar. Instrumentos musicais

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ABSTRACT

LINEMBURG-JR., Jorge. The Brazilian fiddles in the work of Mário de Andrade: a practical

approach. Dissertation. (Mestrado em Música – Área: Musicologia e Etnomusicologia) –

Universidade do Estado de Santa Catarina. Programa de Pós Graduação em Música, Florianópolis,

2015.

This dissertation represents the result of a research of manuscripts held at the Mário de Andrade‘s

Archive, IEB-USP, São Paulo, and with the published works of this author, aiming to detect the

repertoire of the Brazilian fiddles in his work. Part of the pieces was played in Brazilian fiddles, for

analysis through the approach of ‗learning to perform‘, as presented by John Baily. The dissertation

presents the content in three chapters: the first discusses the ethnomusicological research with

musical instruments; the second is about the Brazilian fiddles; the last one brings the repertoire of

these instruments found inside the Mário de Andrade‘s work and a proposal of how to approach it

in a practical way.

Keywords: Brazilian Fiddles. Mário de Andrade. Learn to perform. Musical Instruments

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ABSTRACT

LINEMBURG-JR., Jorge. The Brazilian fiddles in the work of Mário de Andrade: a practical

approach. Dissertation. (Mestrado em Música – Área: Musicologia e Etnomusicologia) –

Universidade do Estado de Santa Catarina. Programa de Pós Graduação em Música, Florianópolis,

2015.

This dissertation represents the result of a research of manuscripts held at the Mário de Andrade‘s

Archive, IEB-USP, São Paulo, and with the published works of this author, aiming to detect the

repertoire of the Brazilian fiddles in his work. Part of the pieces was played in Brazilian fiddles, for

analysis through the approach of ‗learning to perform‘, as presented by John Baily. The dissertation

presents the content in three chapters: the first discusses the ethnomusicological research with

musical instruments; the second is about the Brazilian fiddles; the last one brings the repertoire of

these instruments found inside the Mário de Andrade‘s work and a proposal of how to approach it

in a practical way.

Keywords: Brazilian Fiddles. Mário de Andrade. Learn to perform. Musical Instruments

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AGRADECIMENTOS

À Sônia, minha mãe, pelo apoio incondicional.

Às amigas e amigos, pelas conversas e momentos de distanciamento do trabalho.

Ao amigo Rodrigo Brasil, pela revisão do texto e interesse no trabalho.

À querida Camila Argenta, pela confecção da capa e auxílio com a formatação.

Ao professor Dr. Luiz Henrique Fiaminghi, pelo apoio e orientação.

Aos professores Dr. Alberto T. Ikeda e Dr. Marcos T. Holler, que participaram da

qualificação e da banca examinadora.

Ao PPGMUS-UDESC, pela estrutura e suporte para realização deste trabalho.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 13

1 SOBRE INSTRUMENTOS MUSICAIS .................................................................. 15

1.1 A PESQUISA COM INSTRUMENTOS MUSICAIS .................................................. 15

1.2 UMA SÍNTESE DE ABORDAGENS FENOMENOLÓGICAS NO ESTUDO DOS INSTRUMENTOS MUSICAIS: JOHN BAILY E REGULA BURCKHARDT QURESHI .................................................................................................................................. 23

2 AS RABECAS NO BRASIL: RABECAS BRASILEIRAS .................................... 37

2.1 SOBRE AS ORIGENS ...................................................................................................... 38

2.2 DOS DISCURSOS SOBRE RABECAS NO BRASIL ................................................ 46

2.3 REFLEXOS DA MODERNIDADE................................................................................ 53

3 AS RABECAS EM MÁRIO DE ANDRADE .......................................................... 56

3.1 NACIONALISMO, AS VIAGENS ETNOGRÁFICAS E O REGISTRO DA MÚSICA POPULAR BRASILEIRA .................................................................................... 56

3.2 A MÚSICA DE RABECA EM MÁRIO DE ANDRADE ........................................... 59

3.3 APRENDER A PERFORMAR ........................................................................................ 81

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 89

REFERÊNCIAS ............................................................................................................ 91

ANEXOS ........................................................................................................................ 98

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INTRODUÇÃO

As rabecas são instrumentos musicais de cordas friccionadas associados a diversas práticas

performativas de tradição oral da cultura popular brasileira, como, por exemplo, o bumba meu boi,

as folias de reis e as cantorias nordestinas (NÓBREGA, 2000, p. 25; GRAMANI, 2002). Sua

distribuição é bastante ampla, concentrando-se, particularmente, na zona litorânea, de Norte a Sul

do país. Desde a década de 1990, as rabecas tornaram-se alvo de interesse por parte de

pesquisadores (OLIVEIRA, 1994; MURPHY, 1997; NÓBREGA, 2000; GRAMANI, 2002;

FIAMMINGHI, 2008) e instrumentistas de música popular urbana, comprometidos com a difusão

da cultura popular, como são exemplos Siba, do conjunto Mestre Ambrósio, e, mais atualmente,

Cláudio da Rabeca.

O violinista e compositor José Eduardo Gramani foi um dos grandes responsáveis pela

inclusão da rabeca enquanto objeto de interesse musicológico, como atesta sua pesquisa publicada

postumamente em formato de livro, Rabeca: o som inesperado (2002). Duas características são

salientadas nesta obra: a ausência de padrões para estes instrumentos (na construção, na forma e na

técnica utilizada para se tocá-los) e a presença de uma ―identidade própria‖, independente do

violino. Esta última é de particular interesse, considerando-se o trato que foi dado às rabecas ao

longo do século XX por pesquisadores ainda imersos ou influenciados pela abordagem folclorista,

como Mário de Andrade (1989, p. 423-424), Luís da Câmara Cascudo (2012, p. 601-602) e Oneyda

Alvarenga (1982, p. 356-357), que descrevem a rabeca como uma espécie de violino tosco, vivendo

à sombra deste último.

A partir da década de 1990, os instrumentos musicais passaram a ser tratados por uma

abordagem mais holística (KARTOMI, 2001; DAWE, 2001; BATES, 2012), sob a luz do que o

etnomusicólogo Joseph Todd Titton chamou de o paradigma próprio da etnomusicologia (TITTON,

2008, p. 28-29). Esta visão, que agrega elementos teórico-práticos de outras ciências, como a

sociologia e a antropologia, tem permitido o surgimento de estudos menos preocupados com o

artefato produtor de som em si e busca elucidar as diversas maneiras por meio das quais os

instrumentos se relacionam com outros aspectos em seu contexto: sua detenção de simbologia

cultural, interação com o intérprete, transformação em commodity etc. (ver, por exemplo,

QURESHI, 1997).

Uma série de estudos tem demonstrado diferentes maneiras de se abordar os instrumentos

musicais para além de sua descrição física, como na organologia tradicional, dominante na maior

parte do século passado (para uma descrição mais detalhada, ver KARTOMI, 1990; 2001;

JOHNSON, 1995; DAWE, 2001; BATES, 2012). Como resultado, um novo arcabouço teórico-

prático amplo tem emergido, com diversas propostas teóricas, metodológicas e analíticas estando à

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disposição, atualmente. Neste contexto, este trabalho representa uma aproximação de questões

relacionadas às rabecas brasileiras.

O presente estudo teve como objetivo principal detectar o repertório de rabecas na obra de

Mário de Andrade e examiná-lo à luz da perspectiva proposta por John Baily, de ―aprender a

performar‖ (―learn to perform‖) (BAILY, 2001) como forma de análise de um repertório musical

através da prática no instrumento.

O primeiro capítulo apresenta um histórico e discussão do paradigma atual de pesquisa

com instrumentos musicais no âmbito da etnomusicologia, expondo alguns conceitos, como o de

―conhecimento encarnado‖ (―embodied knowledge‖, QURESHI, 1997), e métodos, como o a

―aprender a performar‖ (―learn to perform‖, BAILY, 2001). O segundo traz um levantamento

crítico do conhecimento sobre as rabecas no Brasil, quais regiões e manifestações populares

estão/estiveram presentes. Trata ainda de questões controversas relacionadas à sua origem e como o

violino tem se inserido em contextos tradicionais, substituindo-a, fato este, estudado à luz da

discussão sobre modernidade, do sociólogo Anthony Giddens (1991).

O terceiro e último capítulo apresenta o repertório de rabeca dentro da obra de Mário de

Andrade, publicado e inédito, propondo uma abordagem prática através do instrumento, com base

nas ideias de John Baily (2001).

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disposição, atualmente. Neste contexto, este trabalho representa uma aproximação de questões

relacionadas às rabecas brasileiras.

O presente estudo teve como objetivo principal detectar o repertório de rabecas na obra de

Mário de Andrade e examiná-lo à luz da perspectiva proposta por John Baily, de ―aprender a

performar‖ (―learn to perform‖) (BAILY, 2001) como forma de análise de um repertório musical

através da prática no instrumento.

O primeiro capítulo apresenta um histórico e discussão do paradigma atual de pesquisa

com instrumentos musicais no âmbito da etnomusicologia, expondo alguns conceitos, como o de

―conhecimento encarnado‖ (―embodied knowledge‖, QURESHI, 1997), e métodos, como o a

―aprender a performar‖ (―learn to perform‖, BAILY, 2001). O segundo traz um levantamento

crítico do conhecimento sobre as rabecas no Brasil, quais regiões e manifestações populares

estão/estiveram presentes. Trata ainda de questões controversas relacionadas à sua origem e como o

violino tem se inserido em contextos tradicionais, substituindo-a, fato este, estudado à luz da

discussão sobre modernidade, do sociólogo Anthony Giddens (1991).

O terceiro e último capítulo apresenta o repertório de rabeca dentro da obra de Mário de

Andrade, publicado e inédito, propondo uma abordagem prática através do instrumento, com base

nas ideias de John Baily (2001).

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1 SOBRE INSTRUMENTOS MUSICAIS

No presente capítulo, é apresentado um breve histórico da pesquisa com instrumentos

musicais no Ocidente e como a abordagem científica destes artefatos os têm definido, especialmente

a partir da década de 1990, incorporando elementos sociais e culturais, além daqueles que integram

sua constituição física. Esta maneira de abordá-los tem se tornado uma tendência marcante em

estudos etnomusicológicos nessas duas últimas décadas (ver KARTOMI, 2001), expandindo os

caminhos para se pensar e conceber os instrumentos.

Ao longo do século XX, o pensamento positivista e progressista, dominante na

musicologia, teve sua crítica formulada apenas no último quarto do século (KERMAN, 1987).

―Contaminadas‖ por este Zeitgeist, as apresentações das rabecas na literatura tratam-nas

superficialmente, mantendo-as à sombra do violino. O interesse pelas rabecas cresceu enormemente

a partir da década de 1990, e alguns trabalhos mais recentes procuraram chamar a atenção para esta

questão (FIAMINGHI, 2008; FIAMINGHI 2009). Entretanto, estes instrumentos ainda carecem de

uma abordagem mais ampla, que permita concebê-los pelo que são e não de acordo com o que não

são: violinos mal-acabados.

Com o intuito de lançar alguma luz nessa direção, algumas abordagens inseridas nesse

novo paradigma da pesquisa com instrumentos musicais em etnomusicologia são discutidas, e este

conjunto de ideias é empregado como referencial teórico e método de pesquisa neste trabalho

(BAILY, 1985; 2001; BATES, 2012; QURESHI 1997; 2000).

1.1 A PESQUISA COM INSTRUMENTOS MUSICAIS

1.1.1 Breve histórico

Durante a Idade Média, a Europa se diferenciava de outras regiões do globo pela rica

produção de tratados de música, cujas informações provinham, em boa parte, de fontes dos mundos

grego e/ou árabe. Entretanto, os instrumentos musicais e suas classificações foram abordados

somente numa pequena parcela destes trabalhos, os quais lidavam, majoritariamente, com aspectos

teóricos da música (KARTOMI, 1990, p. 135). Além disto, nesta época, era comum que os

instrumentos musicais fossem associados ao paganismo pelos padres nas igrejas (KARTOMI, 1990,

p. 136), e, uma vez que a produção de conhecimento esteve monopolizada pelos católicos, tal

escassez de informações sobre os instrumentos se torna compreensível.

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Quando abordados, os instrumentos vinham, normalmente, apresentados em classificações,

entre as quais a mais amplamente difundida e persistente na Europa Medieval foi a divisão em três

categorias. Remontando à Grécia Antiga, esta concepção se encontra pela primeira vez nos escritos

de Porfírio, que dividiu os instrumentos segundo a seguinte hierarquia: sopros, cordas, e percussão.

O pensador romano Boécio reviu essa ordem, invertendo a sequência dos dois primeiros grupos, o

que foi seguido, posteriormente, por muitos autores desde o século IX até o XVIII (KARTOMI,

1990, p. 136). Apesar de sua prevalência, o esquema de Boécio foi apontado como incoerente, no

sentido de que utilizava critérios diferentes para agrupar os instrumentos em determinado domínio:

presença de corda (cordas) ou natureza do corpo vibrante (sopros e percussão) (KARTOMI, 1990,

p. 137).

Embora o estudo e a classificação dos instrumentos musicais tenham suas raízes registradas

desde a Grécia antiga, as pesquisas com aplicação de metodologia científica foram iniciadas, na

Europa, somente no final do século XIX, com o termo organologia, usado para designar a ciência

dos instrumentos musicais, sendo proposto ainda mais recentemente, em 1941, por Nicolas

Bessaraboff (LIBIN, 2014; KARTOMI, 2001, p. 284).

Com as expedições marítimas e a chegada dos europeus ao Novo Mundo, muitos viajantes

retornaram às suas respectivas terras de origem munidos de grande variedade de instrumentos de

outros povos. Estes espécimes eram, eventualmente, expostos nos museus que estavam sendo

construídos pela Europa, os quais, no século XIX, já possuíam coleções de instrumentos musicais

exóticos estabelecidas na Alemanha, Bélgica, Suécia, Holanda, Tchecoslováquia, Estados Unidos e

em outros locais (KARTOMI, 1990, p. 162).

Diante da diversidade crescente de instrumentos de outros povos que vinham se

acumulando nessas coleções, a necessidade de organizá-las era imprescindível. O primeiro esquema

de classificação com objetivo de inclusão universal dos instrumentos musicais foi proposto pelo

belga Victor-Charles Mahillon (1841-1924), em 1893. Mahillon era construtor de instrumentos de

sopro, pesquisador da área de acústica e curador da coleção de instrumentos do Musée Instrumental

du Conservatoire Royale de Musique, em Bruxelas (KARTOMI, 1990, p. 163). O esquema de

Mahillon agrupava os instrumentos em quatro classes – autofones, membranofones, aerofones e

cordofones – de acordo com um único critério: a natureza do corpo vibrante responsável pela

produção sonora (KARTOMI, 1990, p. 163). Esta característica lhe conferia caráter lógico e uma

vantagem primordial sobre a de Boécio, que empregava critérios distintos para a separação dos

instrumentos.

Embora sua influência persista até os dias de hoje, através do esquema de Hornbostel e

Sachs, a classificação de Mahillon diferencia-se das mais modernas, especialmente pelo fato de que

o museólogo belga considerava os instrumentos como objetos morfológicos, acústicos e

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Quando abordados, os instrumentos vinham, normalmente, apresentados em classificações,

entre as quais a mais amplamente difundida e persistente na Europa Medieval foi a divisão em três

categorias. Remontando à Grécia Antiga, esta concepção se encontra pela primeira vez nos escritos

de Porfírio, que dividiu os instrumentos segundo a seguinte hierarquia: sopros, cordas, e percussão.

O pensador romano Boécio reviu essa ordem, invertendo a sequência dos dois primeiros grupos, o

que foi seguido, posteriormente, por muitos autores desde o século IX até o XVIII (KARTOMI,

1990, p. 136). Apesar de sua prevalência, o esquema de Boécio foi apontado como incoerente, no

sentido de que utilizava critérios diferentes para agrupar os instrumentos em determinado domínio:

presença de corda (cordas) ou natureza do corpo vibrante (sopros e percussão) (KARTOMI, 1990,

p. 137).

Embora o estudo e a classificação dos instrumentos musicais tenham suas raízes registradas

desde a Grécia antiga, as pesquisas com aplicação de metodologia científica foram iniciadas, na

Europa, somente no final do século XIX, com o termo organologia, usado para designar a ciência

dos instrumentos musicais, sendo proposto ainda mais recentemente, em 1941, por Nicolas

Bessaraboff (LIBIN, 2014; KARTOMI, 2001, p. 284).

Com as expedições marítimas e a chegada dos europeus ao Novo Mundo, muitos viajantes

retornaram às suas respectivas terras de origem munidos de grande variedade de instrumentos de

outros povos. Estes espécimes eram, eventualmente, expostos nos museus que estavam sendo

construídos pela Europa, os quais, no século XIX, já possuíam coleções de instrumentos musicais

exóticos estabelecidas na Alemanha, Bélgica, Suécia, Holanda, Tchecoslováquia, Estados Unidos e

em outros locais (KARTOMI, 1990, p. 162).

Diante da diversidade crescente de instrumentos de outros povos que vinham se

acumulando nessas coleções, a necessidade de organizá-las era imprescindível. O primeiro esquema

de classificação com objetivo de inclusão universal dos instrumentos musicais foi proposto pelo

belga Victor-Charles Mahillon (1841-1924), em 1893. Mahillon era construtor de instrumentos de

sopro, pesquisador da área de acústica e curador da coleção de instrumentos do Musée Instrumental

du Conservatoire Royale de Musique, em Bruxelas (KARTOMI, 1990, p. 163). O esquema de

Mahillon agrupava os instrumentos em quatro classes – autofones, membranofones, aerofones e

cordofones – de acordo com um único critério: a natureza do corpo vibrante responsável pela

produção sonora (KARTOMI, 1990, p. 163). Esta característica lhe conferia caráter lógico e uma

vantagem primordial sobre a de Boécio, que empregava critérios distintos para a separação dos

instrumentos.

Embora sua influência persista até os dias de hoje, através do esquema de Hornbostel e

Sachs, a classificação de Mahillon diferencia-se das mais modernas, especialmente pelo fato de que

o museólogo belga considerava os instrumentos como objetos morfológicos, acústicos e

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musicalmente funcionais, que ocorriam em formas variadas, não dando atenção a aspectos culturais,

como, por exemplo, as técnicas de performance (KARTOMI, 1990, p. 163-164).

No final do século XIX e início do XX, a pesquisa com instrumentos musicais continuou a

florecer. Entretanto, apenas dois novos esquemas de classificação foram publicados por esta época,

o de Galpin (1900) e o de Hornbostel e Sachs (1914). O primeiro manteve as quatro classes do

esquema de Mahillon, renomeando-as e incluindo oito subcategorias – diferente das três do belga –,

dando grande peso à presença/ausência de teclado, critério utilizado já no segundo passo de sua

classificação (KARTOMI, 1990, p. 165-166). Galpin também incluiu apenas instrumentos

ocidentais e, como Mahillon, não empregou informações etnológicas (KARTOMI, 1990, p. 167).

A grande quantidade de informação a respeito dos instrumentos que vinha sendo produzida

na virada do século XIX para o XX, de modo tanto sistemático quanto histórico, necessitava ser

organizada. Os reponsáveis pela tarefa de sintetizar o conhecimento da época foram Curt Sachs e

Erich von Hornbostel, apoiando-se nas realizações de Mahillon. Sachs, diferentemente de seus

antecessores, acrescentou muitas informações etnológicas e linguísticas sobre os instrumentos em

diversas de suas publicações (KARTOMI, 1990, p. 167).

Hornbostel e Sachs reelaboraram o esquema de Mahillon e tinham duas intenções

principais: fornecer um arcabouço teórico com propósitos comparativos entre as diferentes culturas

e auxiliar na sistematização das coleções dos museus. Por trás desse esquema, encontrava-se uma

clara racionalização (KARTOMI, 1990, p. 168). Nas palavras de Margaret Kartomi:

O conceito que Hornbostel e Sachs tinham de intrumento era bastante amplo, incluindo não apenas os fatores ergológicos, acústicos, morfológicos, estilístico-musicais, linguísticos e outros aspectos do instrumento, como também os parâmetros histórico e social relacionados a eles1 (KARTOMI, 1990, p. 169).

Entretanto, para a classificação dos instrumentos em si, eles adotaram um conceito estático

desses objetos, uma vez que a finalidade prática era contribuir com a sistematização museológica, a

despeito das mudanças históricas (KARTOMI, 1990, p. 169). Mantiveram a divisão em quatro

categorias, proposta por Mahillon, renomeando apenas os autofones em idiofones. Em 1940, uma

quinta classe foi incluída no esquema por Sachs, a dos eletrofones (KARTOMI, 1990, p. 172).

Kartomi, num artigo publicado uma década após seu livro On Concepts and

Classifications..., apresentou um esboço da pesquisa com instrumentos musicais nos cem anos

anteriores (KARTOMI, 2001). A autora sintetizou os principais acontecimentos nas concepções de

estudo dos instrumentos musicais. Ela afirmou que as primeiras três décadas do séc. XX foram

1Hornbostel and Sachs‘s total concept of instruments was a broad one, including not only the instrument‘s ergological, acoustic, morphological, musical-stylistic, linguistic, and other aspects but also its historical and social parameters‖ (Kartomi, 1990, p. 169).

Page 20: A ADMINISTRAÇÃO AS RABECAS BRASILEIRAS NA …sistemabu.udesc.br/pergamumweb/vinculos/00006a/00006a45.pdfO violinista e compositor José Eduardo Gramani foi um dos grandes responsáveis

18

marcadas pelo esquema de Sachs-Hornbosel (1914), com o número de publicações sobre

instrumentos aumentando significantemente nas décadas de 1930 e 1960, alcançando um pico de

produtividade e interesse nas duas décadas seguintes. Ressaltou que, apesar do declínio na década

de 1990, dois livros importantes surgiram nesse período: o de sua autoria (KARTOMI, 1990) e

Issues in Organology, editado por Sue Carole De Vale; esse com capítulos de diversos autores

(KARTOMI, 2001, p. 283-284).

As críticas ao esquema Sachs-Hornbostel foram inúmeras, ao longo do século XX, embora

sua influência seja perceptível ainda hoje. Pesquisadores de instrumentos musicais, como Dräger,

Hood e Ramey, percebendo o quanto esquemas de classificação desconsideravam o conceito de

instrumento em sua maior amplitude, propuseram sistemas alternativos, nos quais a delineação e

inspeção detalhada das diversas características dos instrumentos foram incluídas (KARTOMI, 1990,

p. 197). O próprio Sachs, como outros pesquisadores do início do mesmo século – Izikowitz e

Norlind, por exemplo – já havia se pronunciado a respeito da importância de conceber os

instrumentos musicais de acordo com suas várias facetas (KARTOMI, 1990, p. 197). Esta forma de

ver os instrumentos tem-se concretizado como tendência nas pesquisas realizadas nas últimas

décadas (KARTOMI, 1990; 2001; DE SUE apud KARTOMI, 2001).

Uma concepção moderna da organologia, mais expandida, é apresentada por Kevin Dawe,

aproximando-se muito da perspectiva etnomusicológica recente de pesquisa com instrumentos

musicais:

A organologia corresponde tanto ao estudo da cultura e da sociedade quanto à ciência das medidas e manufaturas; ela pode contribuir para o conhecimento do significado de medidas assim como revelar aspectos da própria ciência que contribui para a cultura de museus. Ela estuda as vidas dos instrumentistas e fabricantes de instrumentos e, mais recentemente, o organologista-como-pesquisador-de-campo, do mesmo modo que utiliza réguas de cálculo e câmaras anecóicas. […] Igual a outras disciplinas, a organologia está passando por mudanças, assimilando, absorvendo, desenvolvendo-se, alimentando-se, envolvendo-se na intersecção com um grande número de abordagens, ideias, técnicas e métodos provenientes de outros campos de investigação2 (DAWE, 2001, p. 220).

Todo o aparato teórico e metodológico proveniente dos campos da antropologia, etnografia,

dos estudos de cultura material e culturais, da sociologia, história sociocultural e dos meios de

comunicação midiáticos está contribuindo para fornecer uma visão mais holística e sintética dos

intrumentos musicais (DAWE, 2001, p. 220-221).

2Organology is as much about the study of culture and society as it is about the science of measurement and manufacture; it can enhance our knowledge of the meaning of measurement as much as reveal things about the science that informs museum culture. It studies the lives of performers and instrument makers, and more recently the organologist-as-fieldworker, as much as it makes use of slide rules and anechoic chambers. [...] Like all disciplines, organology is changing, assimilating, absorbing, growing, feeding, drawing in and intersecting with a range of approaches, ideas, techniques and methods from other fields of enquiry (DAWE, 2001, p. 220).

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18

marcadas pelo esquema de Sachs-Hornbosel (1914), com o número de publicações sobre

instrumentos aumentando significantemente nas décadas de 1930 e 1960, alcançando um pico de

produtividade e interesse nas duas décadas seguintes. Ressaltou que, apesar do declínio na década

de 1990, dois livros importantes surgiram nesse período: o de sua autoria (KARTOMI, 1990) e

Issues in Organology, editado por Sue Carole De Vale; esse com capítulos de diversos autores

(KARTOMI, 2001, p. 283-284).

As críticas ao esquema Sachs-Hornbostel foram inúmeras, ao longo do século XX, embora

sua influência seja perceptível ainda hoje. Pesquisadores de instrumentos musicais, como Dräger,

Hood e Ramey, percebendo o quanto esquemas de classificação desconsideravam o conceito de

instrumento em sua maior amplitude, propuseram sistemas alternativos, nos quais a delineação e

inspeção detalhada das diversas características dos instrumentos foram incluídas (KARTOMI, 1990,

p. 197). O próprio Sachs, como outros pesquisadores do início do mesmo século – Izikowitz e

Norlind, por exemplo – já havia se pronunciado a respeito da importância de conceber os

instrumentos musicais de acordo com suas várias facetas (KARTOMI, 1990, p. 197). Esta forma de

ver os instrumentos tem-se concretizado como tendência nas pesquisas realizadas nas últimas

décadas (KARTOMI, 1990; 2001; DE SUE apud KARTOMI, 2001).

Uma concepção moderna da organologia, mais expandida, é apresentada por Kevin Dawe,

aproximando-se muito da perspectiva etnomusicológica recente de pesquisa com instrumentos

musicais:

A organologia corresponde tanto ao estudo da cultura e da sociedade quanto à ciência das medidas e manufaturas; ela pode contribuir para o conhecimento do significado de medidas assim como revelar aspectos da própria ciência que contribui para a cultura de museus. Ela estuda as vidas dos instrumentistas e fabricantes de instrumentos e, mais recentemente, o organologista-como-pesquisador-de-campo, do mesmo modo que utiliza réguas de cálculo e câmaras anecóicas. […] Igual a outras disciplinas, a organologia está passando por mudanças, assimilando, absorvendo, desenvolvendo-se, alimentando-se, envolvendo-se na intersecção com um grande número de abordagens, ideias, técnicas e métodos provenientes de outros campos de investigação2 (DAWE, 2001, p. 220).

Todo o aparato teórico e metodológico proveniente dos campos da antropologia, etnografia,

dos estudos de cultura material e culturais, da sociologia, história sociocultural e dos meios de

comunicação midiáticos está contribuindo para fornecer uma visão mais holística e sintética dos

intrumentos musicais (DAWE, 2001, p. 220-221).

2Organology is as much about the study of culture and society as it is about the science of measurement and manufacture; it can enhance our knowledge of the meaning of measurement as much as reveal things about the science that informs museum culture. It studies the lives of performers and instrument makers, and more recently the organologist-as-fieldworker, as much as it makes use of slide rules and anechoic chambers. [...] Like all disciplines, organology is changing, assimilating, absorbing, growing, feeding, drawing in and intersecting with a range of approaches, ideas, techniques and methods from other fields of enquiry (DAWE, 2001, p. 220).

19

Esta nova forma de abordagem, mais holística, encontra-se em ascenção dentro e fora da

etnomusicologia, com um número crescente de pesquisas objetivando revelar de que modo os

artefatos produtores de som são instrumentais em ―reter memória cultural, atuar como encarnações

de significados, construtores de identidade, ícones de etnicidade e sensores de lugar3‖ (DAWE,

2001, p. 221).

Dawe fala da utilização das ideias de Appadurai e Clifford, entre outros, para desafiar a

visão ortodoxa e amplamente limitda da organologia. Com base no primeiro autor, ele expressa que: objetos materiais possuem vida e potencial sociais, onde uma ‗coisa‘ tal qual um instrumento musical pode ter uma ‗carreira‘ (uma trajetória e uma história) que implica que ele tenha normalmente papéis mutáveis na forma de um commodity4 (DAWE, 2001, p. 222).

1.1.2 Os instrumentos musicais na cultura

O etnomusicólogo Jeff Todd Titton argumenta que, ao longo de sua história, a

etnomusicologia operou de acordo com quatro paradigmas distintos. Os dois primeiros, a

musicologia comparada e o folclore musical, nesta ordem, enfatizaram a transcrição musical com

finalidades comparativas entre diferentes povos (TITTON, 2008, p. 29). Isto se refletiu nas

pesquisas com instrumentos musicais, uma vez que os trabalhos da primeira metade do século XX,

de modo geral, caracterizaram-se pela realização de comparações entre culturas e exposição de ―leis

maiores‖ (―highest laws‖), procurando crirar teorias universalistas e gerais sobre a música e seus

instrumentos (KARTOMI, 2001, p. 284-285).

Pela década de 1950, os estudos com instrumentos musicais não estavam na agenda dos

etnomusicólogos e tiveram uma diminuição em sua produtividade. A organologia sistemática

europeia estava concentrada nos aspectos físicos dos instrumentos (KARTOMI, 2001, p. 286). Foi

nessa época, porém, que se fundou a Sociedade de Etnomusicologia (―Society of

Ethnomusicology‖), nos EUA, evento associado ao terceiro paradigma – o da própria

etnomusicologia –, amplamente influenciado pela antropologia americana, enfatizando o trabalho

de campo e a imersão cultural. Os etnomusicólogos passaram a produzir estudos monográficos

detalhados de culturas musicais, de generalizações comparativas, com o ponto de vista dos nativos

(―native point of view‖) se tornando um fator importante (TITTON, 2008, p. 29).

Alan Merriam, em seu The Anthropology of Music (1964), foi muito influente na mudança

de percepção empregada nos estudos de etnomusicologia como um todo, incluindo-se aí,

3retaining cultural memory, act as embodiments of meaning, constructors of identity, icons of ethnicity and as sensors of place‖ (DAWE, 2001, p. 221). 4material objects have social potential and a social life, where a ‗thing‘ such as a musical instrument can have a ―career‖ (a trajectory and a history) which often involves it having mutating roles as a commodity‖ (DAWE, 2001, p. 222).

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20

naturalmente, os com instrumentos musicais, que também passaram a ter uma abordagem

contextual, mais abrangente, assim como na alteração de seu significado social e cultural

(KARTOMI, 2001, p. 287). Durante as décadas de 1970 e 1980, os etnomusicólogos, inspirados

pelas ideias de Merriam, empenharam-se numa abordagem mais holística, dialogando com teorias

de outras áreas em seus estudos com instrumentos musicais (KARTOMI, 2001, p. 287). Os

trabalhos do próprio antropólogo (MERRIAM, 1969) com o tambor dos Bala, em Basongye,

Congo; de John Baily (1976) com o dutar, em Herati, Afeganistão; e de Paul Berliner (1978) com a

mbira do povo Shona, Zimbábue, são citados como referência desta perspectiva (NETTL, 2005).

Nessa mesma época, alguns sistemas de classificação foram desenvolvidos por organologistas

inclinados à perspectiva sistemática. Entretanto, nenhum deles substituiu o de Hornbostel-Sachs,

ainda amplamente empregado no mundo todo, seja nos museus, ou no âmbito acadêmico

(KARTOMI, 1990, p. 287).

Atualmente, está claro que nenhum esquema de classificação dos instrumentos musicais

pode ser considerado uma panaceia, com a tendência de coletar informações sobre os conceitos e

classificações dos nativos a respeito dos instrumentos musicais se tornando conditio sine qua non, o

que era praticamente inexistente até a década de 1990 nesses estudos (KARTOMI, 2001, p. 290-

291). Kartomi diferencia as classificações ―naturais‖ ou ―emergentes da cultura‖ – que surgem no

interior de uma cultura e normalmente são transmitidas oralmente – das classificações ―impostas

pelo observador‖, normalmente transmitidas de forma escrita:

Esquemas emergentes de dentro da cultura tendem a refletir ideias socioculturais amplas da cultura que as produziu [...] Algumas classificações incorporam as ideias ou sistemas de crença mais profundos da cultura5 (KARTOMI, 2001, p. 298).

Já no caso do segundo modo de classificação, a autora esclarece:

Sistemas impostos pelo observador, pelo outro lado, baseiam-se, geralmente, em objetivos individuais do pesquisador, sejam eles científicos, museológicos, ou quaisquer outros. Por exemplo, eles podem limitar-se a aspectos morfológicos ou acústicos6 (KARTOMI, 2001, p. 298).

Nesse contexto de pesquisa interdisciplinar dos instrumentos musicais, encontra-se, no célebre

compêndio de etnomusicologia The study of ethnomusicology: thirty-one issues and concepts, de

Bruno Nettl, uma declaração que inicia o capítulo no qual o autor discute o estudo desses artefatos

da seguinte maneira: ―O estudo dos instrumentos a partir de diversas perspectivas é essencial na

5Culture-emerging schemes tend to reflect the broad socio-cultural ideas of the culture that produced them [...] Some classifications embody a culture's profoundest ideas or belief systems (KARTOMI, 2001, p. 298). 6Observer-imposed systems, on the other hand, are often based on the goals of the individual investigator, whether scientific, museological, or other. For example, they may be limited to morphological or acoustic aspects (KARTOMI, 2001, p. 298).

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naturalmente, os com instrumentos musicais, que também passaram a ter uma abordagem

contextual, mais abrangente, assim como na alteração de seu significado social e cultural

(KARTOMI, 2001, p. 287). Durante as décadas de 1970 e 1980, os etnomusicólogos, inspirados

pelas ideias de Merriam, empenharam-se numa abordagem mais holística, dialogando com teorias

de outras áreas em seus estudos com instrumentos musicais (KARTOMI, 2001, p. 287). Os

trabalhos do próprio antropólogo (MERRIAM, 1969) com o tambor dos Bala, em Basongye,

Congo; de John Baily (1976) com o dutar, em Herati, Afeganistão; e de Paul Berliner (1978) com a

mbira do povo Shona, Zimbábue, são citados como referência desta perspectiva (NETTL, 2005).

Nessa mesma época, alguns sistemas de classificação foram desenvolvidos por organologistas

inclinados à perspectiva sistemática. Entretanto, nenhum deles substituiu o de Hornbostel-Sachs,

ainda amplamente empregado no mundo todo, seja nos museus, ou no âmbito acadêmico

(KARTOMI, 1990, p. 287).

Atualmente, está claro que nenhum esquema de classificação dos instrumentos musicais

pode ser considerado uma panaceia, com a tendência de coletar informações sobre os conceitos e

classificações dos nativos a respeito dos instrumentos musicais se tornando conditio sine qua non, o

que era praticamente inexistente até a década de 1990 nesses estudos (KARTOMI, 2001, p. 290-

291). Kartomi diferencia as classificações ―naturais‖ ou ―emergentes da cultura‖ – que surgem no

interior de uma cultura e normalmente são transmitidas oralmente – das classificações ―impostas

pelo observador‖, normalmente transmitidas de forma escrita:

Esquemas emergentes de dentro da cultura tendem a refletir ideias socioculturais amplas da cultura que as produziu [...] Algumas classificações incorporam as ideias ou sistemas de crença mais profundos da cultura5 (KARTOMI, 2001, p. 298).

Já no caso do segundo modo de classificação, a autora esclarece:

Sistemas impostos pelo observador, pelo outro lado, baseiam-se, geralmente, em objetivos individuais do pesquisador, sejam eles científicos, museológicos, ou quaisquer outros. Por exemplo, eles podem limitar-se a aspectos morfológicos ou acústicos6 (KARTOMI, 2001, p. 298).

Nesse contexto de pesquisa interdisciplinar dos instrumentos musicais, encontra-se, no célebre

compêndio de etnomusicologia The study of ethnomusicology: thirty-one issues and concepts, de

Bruno Nettl, uma declaração que inicia o capítulo no qual o autor discute o estudo desses artefatos

da seguinte maneira: ―O estudo dos instrumentos a partir de diversas perspectivas é essencial na

5Culture-emerging schemes tend to reflect the broad socio-cultural ideas of the culture that produced them [...] Some classifications embody a culture's profoundest ideas or belief systems (KARTOMI, 2001, p. 298). 6Observer-imposed systems, on the other hand, are often based on the goals of the individual investigator, whether scientific, museological, or other. For example, they may be limited to morphological or acoustic aspects (KARTOMI, 2001, p. 298).

21

etnomusicologia7‖ (NETTL, 2005, p. 376). Além destas várias formas de abordagens serem

imprescindíveis, a etnomusicologia pode, realmente, realizar uma aproximação mais holística que

outras disciplinas, uma vez que combina em seu arcabouço teórico-prático aspectos da organologia,

musicologia e antropologia (JOHNSON, 1995, p. 258). A importância de se pesquisar os artefatos

utilizados pelos diferentes povos para a produção de som culturalmente organizado é consensual

entre os etnomusicólogos.

Entretanto, sua abordagem como um assunto particular foi tema de discussão que se

arrastou por décadas entre acadêmicos da área (NETTL, 2005, p. 376), refletindo concepções

diversas dentro dessa ciência. Entre diversos estudos

etnomusicológicos publicados no formato de livro8, alguns pesquisadores trataram os instrumentos

musicais como um tema separado, em capítulos individuais dedicados à organologia, enquanto que

outros realizaram sua abordagem de modo tal, que esse tópico aparece absorvido aos de sociedade e

música (NETTL, 2005, p. 376-377). O etnomusicólogo Kevin Dawe, que inclui em sua trajetória

como pesquisador trabalhos ora com uma, ora com outra destas aproximações9, reconhece tanto a

importância de estudos com instrumentos musicais do ponto de vista contextual quanto com

abordagens centradas em aspectos particulares aos instrumentos:

Eu acredito que o estudo dos instrumentos musicais se trate tanto do estudo sobre etnomusicologia, antropologia e cultura, do mesmo modo que estudos sobre física, ciência da madeira e de sistemática biológica10 (DAWE, 2003, p. 275).

Segundo Dawe, estudos que tomam como base os instrumentos musicais se justificam

dentro do escopo da etnomusicologia, ao se considerar que esses artefatos são tão representativos de

povos e lugares como qualquer outro fenômeno musical (DAWE, 2003, p. 274) e correspondem,

simultaneamente, a constructos sociais, metafóricos e físicos, além de meros objetos materiais

(DAWE, 2003, p. 276).

Nettl acredita existir uma questão fundamental envolvendo os instrumentos musicais – ―se

um objeto é um instrumento e assim considerado por sua sociedade, e, desse modo, apropriado ao

estudo etnomusicológico11‖ – que levou à realização de inventários dos instrumentos de várias

culturas (NETTL, 2005, p. 379). O autor cita, como exemplo, três estudos clássicos desta natureza:

7The study of instruments from various perspectives is essential in ethnomusicology (NETTL, 2005, p. 376). 8Nettl cita os trabalhos de Hood (1971), Kunst (1959), Myers (1992), Nettl (1964) e Sachs (1962) como exemplos de abordagens organológicas dos instrumentos; e Blacking (1973), Bose (1953), Czekanowska (1971) e Merriam (1964) como exemplos de estudos que não tratam os instrumentos separadamente. 9Currículo disponível no sítio: http://music.leeds.ac.uk/people/kevin-dawe/. Acessado em 06.05.2014. 10I argue that the study of musical instruments is as much about the study of ethnomusicology, anthropology, and cultural studies as it is about the study of physics, wood science, and biological systematics (DAWE, 2003, p. 275). 11whether an object is an instrument and considered so by its society, and thus appropriate to ethnomusicological study (NETTL, 2005, p. 379).

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Izikowitz (1935), Ortiz (1952-1955) e uma série de volumes coordenada por Stockmann e Elschek,

produzidos durante as décadas de 1970 e 1980, para diferentes nações europeias12 (NETTL, 2005, p.

379-380). A esses estudos, pode-se somar outros que também representam referências importantes

para a etnomusicologia, mas que constituem etnografias de um instrumento particular (MERRIAM,

1969; BAILY, 1976; BERLINER, 1978; QURESHI, 1997).

Como ressalta Johnson, diversas são as áreas de conhecimento que investigam os

instrumentos musicais. Além da organologia e etnomusicologia, o autor cita várias outras, como,

por exemplo, musicologia, antropologia, arqueologia e história da arte. De acordo com sua

exposição, em todas elas os instrumentos vêm sendo abordados dentro do novo paradigma, como

objetos significantes de cultura material musical e não apenas como produtores de som. Esses

pesquisadores têm procurado significados culturais, simbolismos, aspectos mitológicos e

iconológicos (ver JOHNSON, 1995, p. 257).

No campo etnomusicológico, o autor discute que os instrumentos podem ser abordados por

quatro maneiras, dentre várias: forma, contexto, ambiente de performance e as relações

instrumento-performer-objeto sonoro (JOHNSON, 1995, p. 258). Na primeira abordagem, o autor

fala que a ―etnomusicologia deve buscar produzir uma organologia que seja uma antropologia dos

objetos produtores de som, do mesmo modo que ela objetiva produzir uma antropologia da

música13‖ (JOHNSON, 1995, p. 258). É imprescindível verificar se determinado objeto é pensado e

utilizado como instrumento musical pela cultura, a questão fundamental de Nettl (2005), exposta

acima. Johnson afirma que os instrumentos musicais são abordados, normalmente, de maneira

superficial e restrita ao objeto primário, sem levar em consideração sua relação com o

instrumentista e o ambiente contextual, o que permitiria emergir o ―verdadeiro instrumento

musical‖ (JOHNSON, 1995, p. 258). Em sua opinião,

Um instrumento musical, ou equivalente, para utilizar uma definição generalizada do termo, só pode ser compreendido em seu todo a partir do momento em que sua forma seja compreendida em relação direta com seu funcionamento e significado14 (JOHNSON, 1995, p. 261).

Em relação à segunda abordagem, Johnson critica os trabalhos de etnomusicologia, que,

normalmente, têm empregado metodologias nas quais os instrumentos são separados de seus

contextos, assim como dos instrumentistas. Esta remoção do instrumento de seu ambiente de 12IZIKOWITZ, Karl Gustav. Musical and other sound instruments of the South American indians. Goteborg: Kungl. Vetenskaps-och Vitterhets-Samhülles Handlingar, 1935; ORTIZ, Fernando. Los instrumentos de la musica afro-cubana. Havana: Dirección de Cultura del Ministerio de Educación, 1952-1953; os volumes coordenados por Doris Stockmann e Oskar Elschek apresentam autores variados, responsáveis por nações europeias particulares. 13Ethnomusicology must aim to produce an organology which is an anthropology of sound-producing objects, in the same way that it aims to produce an anthropology of music (JOHNSON, 1995, p. 258). 14A musical instrument or equivalent, to use a general definition of the term, can only be understood fully once its form is known in direct relation to its function and meaning (JOHNSON, 1995, p. 261).

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22

Izikowitz (1935), Ortiz (1952-1955) e uma série de volumes coordenada por Stockmann e Elschek,

produzidos durante as décadas de 1970 e 1980, para diferentes nações europeias12 (NETTL, 2005, p.

379-380). A esses estudos, pode-se somar outros que também representam referências importantes

para a etnomusicologia, mas que constituem etnografias de um instrumento particular (MERRIAM,

1969; BAILY, 1976; BERLINER, 1978; QURESHI, 1997).

Como ressalta Johnson, diversas são as áreas de conhecimento que investigam os

instrumentos musicais. Além da organologia e etnomusicologia, o autor cita várias outras, como,

por exemplo, musicologia, antropologia, arqueologia e história da arte. De acordo com sua

exposição, em todas elas os instrumentos vêm sendo abordados dentro do novo paradigma, como

objetos significantes de cultura material musical e não apenas como produtores de som. Esses

pesquisadores têm procurado significados culturais, simbolismos, aspectos mitológicos e

iconológicos (ver JOHNSON, 1995, p. 257).

No campo etnomusicológico, o autor discute que os instrumentos podem ser abordados por

quatro maneiras, dentre várias: forma, contexto, ambiente de performance e as relações

instrumento-performer-objeto sonoro (JOHNSON, 1995, p. 258). Na primeira abordagem, o autor

fala que a ―etnomusicologia deve buscar produzir uma organologia que seja uma antropologia dos

objetos produtores de som, do mesmo modo que ela objetiva produzir uma antropologia da

música13‖ (JOHNSON, 1995, p. 258). É imprescindível verificar se determinado objeto é pensado e

utilizado como instrumento musical pela cultura, a questão fundamental de Nettl (2005), exposta

acima. Johnson afirma que os instrumentos musicais são abordados, normalmente, de maneira

superficial e restrita ao objeto primário, sem levar em consideração sua relação com o

instrumentista e o ambiente contextual, o que permitiria emergir o ―verdadeiro instrumento

musical‖ (JOHNSON, 1995, p. 258). Em sua opinião,

Um instrumento musical, ou equivalente, para utilizar uma definição generalizada do termo, só pode ser compreendido em seu todo a partir do momento em que sua forma seja compreendida em relação direta com seu funcionamento e significado14 (JOHNSON, 1995, p. 261).

Em relação à segunda abordagem, Johnson critica os trabalhos de etnomusicologia, que,

normalmente, têm empregado metodologias nas quais os instrumentos são separados de seus

contextos, assim como dos instrumentistas. Esta remoção do instrumento de seu ambiente de 12IZIKOWITZ, Karl Gustav. Musical and other sound instruments of the South American indians. Goteborg: Kungl. Vetenskaps-och Vitterhets-Samhülles Handlingar, 1935; ORTIZ, Fernando. Los instrumentos de la musica afro-cubana. Havana: Dirección de Cultura del Ministerio de Educación, 1952-1953; os volumes coordenados por Doris Stockmann e Oskar Elschek apresentam autores variados, responsáveis por nações europeias particulares. 13Ethnomusicology must aim to produce an organology which is an anthropology of sound-producing objects, in the same way that it aims to produce an anthropology of music (JOHNSON, 1995, p. 258). 14A musical instrument or equivalent, to use a general definition of the term, can only be understood fully once its form is known in direct relation to its function and meaning (JOHNSON, 1995, p. 261).

23

atuação acaba gerando uma visão defeituosa e incompleta de sua forma, função e significado

(JOHNSON, 1995, p. 261). Assim, o autor enfatiza que ―o contexto de performance (ou de

execução musical) faz parte do ambiente funcional do instrumento musical e deveria ser

considerado em sua totalidade durante o discurso etnomusicológico15‖ (JOHNSON, 1995, p. 262).

A importância de os estudos com instrumentos serem realizados em seus ambientes de

performance encontra-se no fato de que o

contexto é o ambiente funcional no qual um instrumento significa seu sentido primário no fazer musical. Todos os outros conceitos e contextos referentes ao instrumento deveriam ser vistos comparativamente em relação direta ao seu contexto primário16 (JOHNSON, 1996, p. 263; grifo nosso).

Quanto ao último aspecto, Johnson trata a relação entre instrumento, performance e música

como um modelo tripartite, o qual deveria ser considerado o ponto de partida para qualquer

etnomusicologia de instrumentos musicais. Segundo o autor, nesta abordagem, ―a função dos

instrumentos produtores de som está relacionada diretamente ao comportamento e a conceitos que

contribuem para eventos nos quais os instrumentos musicais são o principal foco de atenção17‖

(JOHNSON, 1995, p. 264). O autor conclui afirmando que o principal objeto de estudo dever ser a

relação entre os três elementos: instrumento, performer e a música em seu ambiente funcional

(JOHNSON, 1995, p. 266).

1.2 UMA SÍNTESE DE ABORDAGENS FENOMENOLÓGICAS NO ESTUDO DOS

INSTRUMENTOS MUSICAIS: JOHN BAILY E REGULA BURCKHARDT QURESHI

As diretrizes discutidas por Johnson (1995) a respeito da pesquisa etnomusicológica com

instrumentos musicais são bastante coerentes e inspiram modelos

de pesquisa abrangentes, não limitados aos objetos materiais. Entretanto, muitos trabalhos têm sido

realizados enfatizando apenas um ou alguns dos aspectos levantados por este autor.

Titton afirma que, do ponto de vista epistemológico, duas questões fundamentais emergem

e devem ser respondidas no escopo da etnomusicologia: o que se pode saber a respeito da música e

como se pode saber? (TITTON, 2008, p. 25; grifo nosso). Durante sua fase inicial, na qual a

15the performance (or playing) context is part of the musical instrument's functional environment and should be considered in its entirety during ethnomusicological discourse (JOHNSON, 1995, p. 262). 16context is the true functional environment in which a musical instrument signifies its primary meaning in music-making. All other concepts and contexts concerning the instrument should be seen comparatively in direct relation to this primary context (JOHNSON, 1996, p. 263). 17the function of sound-producing instruments is related directly to the behaviour, and concepts that contribute to the events in which musical instruments are the main focus of attention‖ (JOHNSON, 1995, p. 264).

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24

etnomusicologia operou segundo os paradigmas da musicologia comparada e do folclore musical, a

transcrição foi a prática vigente nas investigações, como procedimento para acessar esses

questionamentos (TITTON, 2008, p. 25). Entrando no paradigma etnomusicológico, propriamente,

a disciplina fundamenta-se nos trabalhos de campo. Isto não se dá somente pela observação e pelo

registro, mas, também, através da experimentação e compreensão da música. Desse modo,

reformula-se o questionamento da seguinte maneira: o que é que se deve fazer e saber da música

enquanto experiência vivenciada? (TITTON, 2008, p. 25).

Segundo Titton, a filosofia europeia continental, desde o século XIX, distingue duas

formas de conhecimento: a explicação e a compreensão/entendimento. A etnomusicologia, de

acordo com o autor, favoreceu as teorias do primeiro tipo (TITTON, 2008, p. 27). Para ele, a

abordagem etnomusicológica, independentemente da escolha por um ou por outro modo, vai

depender da concepção do que a música é e, em sua visão, ―música é um fenômeno cultural

socialmente construído18‖ (TITTON, 2008, p. 30).

Titton adota uma postura apoiada em respostas reflexivas e fenomenológicas para

responder às questões ―o que se pode saber e como se pode saber a respeito da música‖, onde a

fenomenologia ―[...] insiste que os fenômenos sejam investigados na maneira como eles se

apresentam à consciência19‖ (STEWART; MICKUNAS apud TITTON, 2008, p. 31). O autor segue,

informando que a consciência sempre é consciência de alguma coisa, nesse caso, da música

(TITTON, 2008, p. 31). No âmbito fenomenológico, o etnomusicólogo diz fundamentar seu

conhecimento musical na prática musical, não na prática científica ou na linguística, ou ainda na

análise introspectiva (TITTON, 2008, p. 32).

Titton sugere como a abordagem fenomenológica e a experiência musical vivida in loco

podem informar a respeito da música:

Uma fenomenologia epistemológica para a etnomusicologia surge de nossas experiências musicais e no campo, conhecendo as pessoas que fazem música. Se acreditarmos que o conhecimento é proveniente da experiência e o produto intersubjetivo de nossas interações sociais, então aquilo que podemos saber surge de nossas relações com os outros […]20 (TITTON, 2008, p. 33).

A investigação com base na fenomenologia, através da performance, é uma forma de

compreender experiências musicais, mais do que sons musicais, conceitos e comportamentos

18music is a socially constructed, cultural phenomenon (TITTON, 2008, p. 30). 19[...] insists that phenomena be investigated as they present themselves to consciousness (STEWART; MICKUNAS apud TITTON, 2008, p. 31). 20A phenomenological epistemology for ethnomusicology arises from our experiences of music and fieldwork, from knowing people making music. If we believe that knowledge is experiential and the intersubjective product of our social interactions, then what we can know arises out of our relations with others [...] (TITTON, 2008, p. 33).

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24

etnomusicologia operou segundo os paradigmas da musicologia comparada e do folclore musical, a

transcrição foi a prática vigente nas investigações, como procedimento para acessar esses

questionamentos (TITTON, 2008, p. 25). Entrando no paradigma etnomusicológico, propriamente,

a disciplina fundamenta-se nos trabalhos de campo. Isto não se dá somente pela observação e pelo

registro, mas, também, através da experimentação e compreensão da música. Desse modo,

reformula-se o questionamento da seguinte maneira: o que é que se deve fazer e saber da música

enquanto experiência vivenciada? (TITTON, 2008, p. 25).

Segundo Titton, a filosofia europeia continental, desde o século XIX, distingue duas

formas de conhecimento: a explicação e a compreensão/entendimento. A etnomusicologia, de

acordo com o autor, favoreceu as teorias do primeiro tipo (TITTON, 2008, p. 27). Para ele, a

abordagem etnomusicológica, independentemente da escolha por um ou por outro modo, vai

depender da concepção do que a música é e, em sua visão, ―música é um fenômeno cultural

socialmente construído18‖ (TITTON, 2008, p. 30).

Titton adota uma postura apoiada em respostas reflexivas e fenomenológicas para

responder às questões ―o que se pode saber e como se pode saber a respeito da música‖, onde a

fenomenologia ―[...] insiste que os fenômenos sejam investigados na maneira como eles se

apresentam à consciência19‖ (STEWART; MICKUNAS apud TITTON, 2008, p. 31). O autor segue,

informando que a consciência sempre é consciência de alguma coisa, nesse caso, da música

(TITTON, 2008, p. 31). No âmbito fenomenológico, o etnomusicólogo diz fundamentar seu

conhecimento musical na prática musical, não na prática científica ou na linguística, ou ainda na

análise introspectiva (TITTON, 2008, p. 32).

Titton sugere como a abordagem fenomenológica e a experiência musical vivida in loco

podem informar a respeito da música:

Uma fenomenologia epistemológica para a etnomusicologia surge de nossas experiências musicais e no campo, conhecendo as pessoas que fazem música. Se acreditarmos que o conhecimento é proveniente da experiência e o produto intersubjetivo de nossas interações sociais, então aquilo que podemos saber surge de nossas relações com os outros […]20 (TITTON, 2008, p. 33).

A investigação com base na fenomenologia, através da performance, é uma forma de

compreender experiências musicais, mais do que sons musicais, conceitos e comportamentos

18music is a socially constructed, cultural phenomenon (TITTON, 2008, p. 30). 19[...] insists that phenomena be investigated as they present themselves to consciousness (STEWART; MICKUNAS apud TITTON, 2008, p. 31). 20A phenomenological epistemology for ethnomusicology arises from our experiences of music and fieldwork, from knowing people making music. If we believe that knowledge is experiential and the intersubjective product of our social interactions, then what we can know arises out of our relations with others [...] (TITTON, 2008, p. 33).

25

(TITTON, 2008, p. 36). Esse tipo de fundamentação é uma realidade em diversos estudos

etnomusicológicos. No tópico seguinte, serão discutidas as abordagens de dois pesquisadores que

partiram do aprendizado de tocar o instrumento pesquisado. Acredita-se que as perspectivas de John

Baily e de Regula Buckhardt Qureshi possam fornecer um plano metodológico eficiente e

abrangente para a investigação de fenômenos associados a um instrumento musical em seu contexto

nativo, indo ao encontro desse paradigma etnomusicológico de pesquisa com instrumentos

musicais.

1.2.1 “Aprender a performar” como metodologia de pesquisa etnomusicológica

A abordagem investigativa pelo aprendizado de como performar a música que se estuda

remonta, em pesquisas de viés etnomusicológico, pelo menos, à década de 1930. O estudo de Jones,

publicado em 1934, tratou dos ritmos africanos (BAILY, 2001, p. 86). Segundo Baily, o autor

afirmou que a complexidade desses ritmos era aparente, bastando aprender a tocar uma das linhas

dentro de um conjunto musical africano para compreendê-la. Acrescentou ainda a inutilidade do

emprego de registro fonográfico para se entender esta música (BAILY, 2001, p. 86-87).

Três décadas mais tarde, o professor e etnomusicólogo Mantle Hood tratou a questão em

um breve e influente artigo, intitulado The Challenge of “Bi-Musicality”, publicado no periódico

Ethnomusicology (HOOD, 1960). Nele, o pesquisador discutiu a

relevância da obtenção de fluência na linguagem musical sob investigação, quando de origem

distinta daquela do pesquisador. É de grande valor para o indivíduo treinado, ou proveniente de

determinado universo musical, interessado em obter um entendimento mais amplo desta música

exótica, empenhar-se em aprender a cantar ou a tocar algum instrumento da cultura em questão. Por

exemplo, membros de uma cultura musical ocidental desejando aprender música oriental e vice-

versa (HOOD, 1960, p. 55).

Em seu artigo, Hood concentrou-se nas práticas musicais orientais, como exemplo de

desenvolvimento desta outra musicalidade, tratando dos gamelões balinês e javanês, assim como da

música de corte japonesa, o gagaku. Segundo Baily (2001, p. 86), esses exemplos foram retirados

dos gêneros que estavam disponíveis para estudo prático no Intituto de Etnomusicologia da UCLA,

onde Hood lecionava. Em tais culturas musicais, a fluência na arte da improvisação é, segundo esse

autor, a maior aquisição. Entretanto, Hood afirma que, além da proficiência nas técnicas musicais,

as invenções no momento de improvisar seguem regras tradicionais, as quais são passíveis de

aprendizado consciente, mas que no entanto, só serão dominadas quando a tradição como um todo

for assimilada. Nas palavras do autor:

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26

Isto significa um entendimento de e uma instrospecção não apenas sobre a música e artes relacionadas, mas também a respeito de linguagem, religião, costumes, história – em outras palavras, toda a identidade da sociedade da qual a música é somente uma, embora importante, parte21 (HOOD, 1960, p. 58).

Nas culturas não-ocidentais, a transmissão de conhecimentos musicais se dá, na maior

parte das vezes, oralmente. Hood argumentou que para se familiarizar com esse universo musical

―novo‖, o pesquisador deveria desenvolver sua percepção aural, através da habilidade de ouvir

(HOOD, 1960, p. 56). A concepção de afinação occidental deve ser deixada de lado, tentando-se

cantar e tocar repetidamente intervalos melódicos que possam soar desafinados aos ouvidos

ocidentais. Do mesmo modo, o ritmo pode representar uma dificuldade, uma vez que sua

concepção, nas culturas orientais, não se constrói através da divisão lógica em compassos.

The Challenge of “Bi-Musicality” foi uma fonte de inspiração para a pesquisa

etnomusicológica na década de 1960. Baily ressalta que Hood, entretanto, não defendia o

aprendizado da performance como uma técnica a ser aplicada no trabalho de campo, mas apenas

que esse treinamento na musicalidade básica de outra cultura era fundamental para qualquer tipo de

pesquisa acadêmica (BAILY, 2001, p. 85).

Baily apresentou algumas críticas à ―bi-musicalidade‖ nas esferas etimológica e conceitual.

Nesse caso, considerando-se a analogia com o termo ―bilíngue‖ para descrever o sujeito que fala

fluentemente dois idiomas, tendo-os aprendido na infância, provavelmente antes de cinco anos de

idade. Como o termo ―bi-musicalidade‖ foi proposto por Hood para se referir aos desafios que seus

alunos de graduação e pós-graduação – logo, jovens adultos – enfrentaram no aprendizado de outro

―idioma‖ musical, Baily prefere falar em ―aprender a performar‖ (―learn to perform‖), com o intuito

de evitar esses problemas terminológicos (BAILY, 2001, p. 86).

Na época em que Hood propôs o termo ―bi-musicalidade‖, as pesquisas de campo na

etnomusicologia ainda não se encontravam em estado desenvolvido. Embora aprender a performar

pode parecer hoje uma parte crucial da metodologia de pesquisa, como atesta Baily, este autor vai

mais longe: ―O argumento aqui é de que somente no papel de performador é que se pode adquirir

um certo tipo essencial de conhecimento sobre a música22‖ (BAILY, 2001, p. 86; grifo nosso).

John Blacking foi outro pesquisador de música africana que desenvolveu, nas décadas de

1960 e 1970, a perspectiva de aprender a performar como metodologia de campo, em suas

pesquisas etnomusicológicas com os Venda. Baily cita que Blacking desenvolveu diversas

habilidades musicais referentes à música desse povo, como aprender a cantar as canções das 21This means an understanding of and an insight into not only music and the related arts but also language, religion, customs, history – in other words, the whole identity of the society of wich music is only one, but one very important, part‖ (HOOD, 1960, p. 58). 22The argument here is that only as a performer does one acquire a certain essential kind of knowledge about music (BAILY, 2001, p. 86; grifo nosso),

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26

Isto significa um entendimento de e uma instrospecção não apenas sobre a música e artes relacionadas, mas também a respeito de linguagem, religião, costumes, história – em outras palavras, toda a identidade da sociedade da qual a música é somente uma, embora importante, parte21 (HOOD, 1960, p. 58).

Nas culturas não-ocidentais, a transmissão de conhecimentos musicais se dá, na maior

parte das vezes, oralmente. Hood argumentou que para se familiarizar com esse universo musical

―novo‖, o pesquisador deveria desenvolver sua percepção aural, através da habilidade de ouvir

(HOOD, 1960, p. 56). A concepção de afinação occidental deve ser deixada de lado, tentando-se

cantar e tocar repetidamente intervalos melódicos que possam soar desafinados aos ouvidos

ocidentais. Do mesmo modo, o ritmo pode representar uma dificuldade, uma vez que sua

concepção, nas culturas orientais, não se constrói através da divisão lógica em compassos.

The Challenge of “Bi-Musicality” foi uma fonte de inspiração para a pesquisa

etnomusicológica na década de 1960. Baily ressalta que Hood, entretanto, não defendia o

aprendizado da performance como uma técnica a ser aplicada no trabalho de campo, mas apenas

que esse treinamento na musicalidade básica de outra cultura era fundamental para qualquer tipo de

pesquisa acadêmica (BAILY, 2001, p. 85).

Baily apresentou algumas críticas à ―bi-musicalidade‖ nas esferas etimológica e conceitual.

Nesse caso, considerando-se a analogia com o termo ―bilíngue‖ para descrever o sujeito que fala

fluentemente dois idiomas, tendo-os aprendido na infância, provavelmente antes de cinco anos de

idade. Como o termo ―bi-musicalidade‖ foi proposto por Hood para se referir aos desafios que seus

alunos de graduação e pós-graduação – logo, jovens adultos – enfrentaram no aprendizado de outro

―idioma‖ musical, Baily prefere falar em ―aprender a performar‖ (―learn to perform‖), com o intuito

de evitar esses problemas terminológicos (BAILY, 2001, p. 86).

Na época em que Hood propôs o termo ―bi-musicalidade‖, as pesquisas de campo na

etnomusicologia ainda não se encontravam em estado desenvolvido. Embora aprender a performar

pode parecer hoje uma parte crucial da metodologia de pesquisa, como atesta Baily, este autor vai

mais longe: ―O argumento aqui é de que somente no papel de performador é que se pode adquirir

um certo tipo essencial de conhecimento sobre a música22‖ (BAILY, 2001, p. 86; grifo nosso).

John Blacking foi outro pesquisador de música africana que desenvolveu, nas décadas de

1960 e 1970, a perspectiva de aprender a performar como metodologia de campo, em suas

pesquisas etnomusicológicas com os Venda. Baily cita que Blacking desenvolveu diversas

habilidades musicais referentes à música desse povo, como aprender a cantar as canções das 21This means an understanding of and an insight into not only music and the related arts but also language, religion, customs, history – in other words, the whole identity of the society of wich music is only one, but one very important, part‖ (HOOD, 1960, p. 58). 22The argument here is that only as a performer does one acquire a certain essential kind of knowledge about music (BAILY, 2001, p. 86; grifo nosso),

27

crianças, tocar tambor nas sessões de transe e a dançar a coreografia da tshikona, a dança nacional

dos Venda (BAILY, 2001, p. 87-88).

Com o interesse de se aprofundar na questão da ―bi-musicalidade‖ e da música persa, John

Baily foi ao Afeganistão, onde estudou dois instrumentos tradicionais: o dutar e o rubab (espécies

de alaúdes), em meados da década de 1970, por aproximadamente dois anos (BAILY, 2001, p. 88-

89). Em relação ao primeiro instrumento, Baily chegou a estudar três modelos diferentes: com

quatorze, três e duas cordas. Esse último já se encontrava em desuso desde a década de 1950.

Segundo o autor, ―a familiaridade com os três modelos de dutar forneceu insights importantes a

respeito do modo como as técnicas de execução mudaram com as sucessivas transformações

morfológicas do instrumento23‖ (BAILY, 2001, p. 90).

A partir de sua experiência no Afeganistão, Baily tem escrevido uma série de trabalhos

onde discute e defende a aprendizagem de performar como sendo um bom método de campo (1985;

2001; 2006, entre outros). De acordo com o autor: ―é o melhor jeito de ‗fazer música‘ como parte do

processo de coleta e análise de dados na pesquisa em etnomusicologia24‖, pois possibilita uma

compreensão da música ―de dentro‖ da cultura, o que é impossível a um pesquisador

ouvinte/observador, simplesmente (BAILY, 2001, p. 93-94).

Aprender a performar também é uma forma de se compreender como se dá o aprendizado

musical dentro de uma sociedade. Baily teve diversos professores de dutar; dois, entretanto, foram

os principais. Um deles foi autodidata, enquanto que o outro teve um mestre e aprendeu através de

notação musical. O primeiro foi estudar teoria apenas mais tarde e Baily diz que sua forma de

empregar esse conhecimento se dá através de um modelo representacional. Já o segundo aprendeu

através da teoria, de modo que a utiliza em seu fazer musical, aplicando esse conhecimento dentro

de um modelo operacional (BAILY, 2001, p. 94). Tais formas de aprendizado se refletem nos

processos cognitivo-musicais de cada um no momento de tocar.

Aprender a performar pode munir o pesquisador com uma série de vantagens sociais,

como, por exemplo, fornecer-lhe um papel e status compreensível dentro daquela comunidade,

deixando claro o motivo pelo qual se está lá, assim como o que se está fazendo. Após estabelecer

laços de amizade, Baily começou a ser convidado a uma série de comemorações de ritos de

passagem, onde havia música (BAILY, 2001, p. 95). A observação participativa também se torna

facilitada, uma vez que situações são geradas pela condição do pesquisador como aprendiz (BAILY,

2001, p. 96).

23Familiarity with the three kinds of dutâr provided important insights into how performance techniques had changed with the successive morphological transformations of the instrument (BAILY, 2001, p. 90). 24it is the best way of ‗musicing music‘ as part of the process of data collection and analysis in ethnomusicological research (BAILY, 2001, p. 93-94).

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28

De acordo com Bates, ―Baily foi um dos primeiros etnomusicólogos a conduzir um estudo

extenso da cinética de tocar em relação à morfologia do instrumento25‖ (BATES, 2012, p. 369).

Questões de cognição da performance, assim como a relação entre estruturas musicais geradas a

partir da interação entre padrões de movimento humano com os instrumentos, também foram

abordadas pelo autor na metodologia da aprendizagem de performar (BAILY, 1985). De acordo com

ele, ―a atividade do fazer musical envolve movimentos padronizados em relação à superfície ativa

do instrumento musical26‖, independentemente da natureza de seu corpo vibrante (BAILY, 1985, p.

237). E continua:

O movimento humano representa o processo através do qual os padrões musicais são produzidos: a música é o produto sônico da ação. Encarar os fatos desta maneira abre duas linhas possíveis de investigação. Primeiro, existe a necessidade de estudar a maneira como os padrões musicais podem ser representados cognitivamente pelo performador na forma de padrões de movimento em vez de padrões sonoros. Segundo, considerando que o aparato motor e seus mecanismos de controle (incluindo aqueles de controle consciente), que em conjunto constituem o sistema sensório-motor, possuem modos instrínsecos específicos de operação, nós precisamos considerar em que medida a criação musical de certas estruturas musicais é moldada por fatores sensório-motores27 (BAILY, 1985, p. 237).

Foi na música africana que os etnomusicólogos tiveram os primeiros insights a respeito da

relação dos movimentos humanos sobre os padrões sonoros (BAILY, 1985, p. 238-239). Herich von

Hornbostel, num trabalho sobre música africana, a partir de fonogramas, teve alguns ―insights

inspirados‖, um dos quais se referia à questão música-movimento: ―[O instrumentista] concebe a

melodia, acima de tudo, como um ato de movimento, considerando sua qualidade auditiva como

algo secundário, embora desejável28‖ (BAILY, 1985, p. 239; grifo nosso).

Blacking tinha grande interesse no que chamou de ―a biologia do fazer musical‖ (―the

biology of music making‖) (BAILY, 2006, p. 107). Escreveu dois artigos, publicados em African

Music, onde analisou e desenvolveu ideias seminais sobre a relação entre estruturas musicais e o

corpo humano, nos quais abordou a flauta Butembo e a kalimba Nsenga (BAILY, 2006, p. 107). Em

ambos estudos, Blacking observou padrões de digitação recorrentes, responsáveis pela estutura

musical, interpretanto-os como de maior relevância para esta estrutura do que uma concepção

25Baily was one of the first ethnomusicologists to conduct a lengthy study of the kinesthetics of playing in relation to the morphology of the instrument (BATES, 2012, p. 369). 26the activity of music making involves patterned movement in relationship to the active surface of a musical instrument (BAILY, 1985, p. 237) 27Human movement is the process through which musical patterns are produced: Music is the sonic product of action. Looking at things in this way opens up two possible lines of inquiry. First, there is a need to study the way that musical patterns may be represented cognitively by the performer as patterns of movement rather than as patterns of sound. Second, since the motor apparatus and its control mechanisms (including those of conscious control), which together constitute the sensorimotor system, have certain intrinsic modes of operation, we need to consider the extent to which the creation of musical structures is shaped by sensorimotor factors (BAILY, 1985, p. 237). 28[The player] realizes melody above all as an act of motility, regarding its audible quality rather as a side-issue, although a desirable one (BAILY, 1985, p. 239; grifo nosso).

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28

De acordo com Bates, ―Baily foi um dos primeiros etnomusicólogos a conduzir um estudo

extenso da cinética de tocar em relação à morfologia do instrumento25‖ (BATES, 2012, p. 369).

Questões de cognição da performance, assim como a relação entre estruturas musicais geradas a

partir da interação entre padrões de movimento humano com os instrumentos, também foram

abordadas pelo autor na metodologia da aprendizagem de performar (BAILY, 1985). De acordo com

ele, ―a atividade do fazer musical envolve movimentos padronizados em relação à superfície ativa

do instrumento musical26‖, independentemente da natureza de seu corpo vibrante (BAILY, 1985, p.

237). E continua:

O movimento humano representa o processo através do qual os padrões musicais são produzidos: a música é o produto sônico da ação. Encarar os fatos desta maneira abre duas linhas possíveis de investigação. Primeiro, existe a necessidade de estudar a maneira como os padrões musicais podem ser representados cognitivamente pelo performador na forma de padrões de movimento em vez de padrões sonoros. Segundo, considerando que o aparato motor e seus mecanismos de controle (incluindo aqueles de controle consciente), que em conjunto constituem o sistema sensório-motor, possuem modos instrínsecos específicos de operação, nós precisamos considerar em que medida a criação musical de certas estruturas musicais é moldada por fatores sensório-motores27 (BAILY, 1985, p. 237).

Foi na música africana que os etnomusicólogos tiveram os primeiros insights a respeito da

relação dos movimentos humanos sobre os padrões sonoros (BAILY, 1985, p. 238-239). Herich von

Hornbostel, num trabalho sobre música africana, a partir de fonogramas, teve alguns ―insights

inspirados‖, um dos quais se referia à questão música-movimento: ―[O instrumentista] concebe a

melodia, acima de tudo, como um ato de movimento, considerando sua qualidade auditiva como

algo secundário, embora desejável28‖ (BAILY, 1985, p. 239; grifo nosso).

Blacking tinha grande interesse no que chamou de ―a biologia do fazer musical‖ (―the

biology of music making‖) (BAILY, 2006, p. 107). Escreveu dois artigos, publicados em African

Music, onde analisou e desenvolveu ideias seminais sobre a relação entre estruturas musicais e o

corpo humano, nos quais abordou a flauta Butembo e a kalimba Nsenga (BAILY, 2006, p. 107). Em

ambos estudos, Blacking observou padrões de digitação recorrentes, responsáveis pela estutura

musical, interpretanto-os como de maior relevância para esta estrutura do que uma concepção

25Baily was one of the first ethnomusicologists to conduct a lengthy study of the kinesthetics of playing in relation to the morphology of the instrument (BATES, 2012, p. 369). 26the activity of music making involves patterned movement in relationship to the active surface of a musical instrument (BAILY, 1985, p. 237) 27Human movement is the process through which musical patterns are produced: Music is the sonic product of action. Looking at things in this way opens up two possible lines of inquiry. First, there is a need to study the way that musical patterns may be represented cognitively by the performer as patterns of movement rather than as patterns of sound. Second, since the motor apparatus and its control mechanisms (including those of conscious control), which together constitute the sensorimotor system, have certain intrinsic modes of operation, we need to consider the extent to which the creation of musical structures is shaped by sensorimotor factors (BAILY, 1985, p. 237). 28[The player] realizes melody above all as an act of motility, regarding its audible quality rather as a side-issue, although a desirable one (BAILY, 1985, p. 239; grifo nosso).

29

meramente musical (BAILY, 2006, p. 107). Segundo Baily, Blacking estava interessado em

demonstrar como as estruturas musicais são moldadas pela interação entre a forma de um

instrumento musical e o corpo humano (estrutura física, sistemas de controle psicológico e

capacidades psicológicas de processamento de informações) (BAILY, 2006, p. 108).

O estudo de Blacking sobre as flautas Butembo, de 1955, corresponde a uma das primeiras

análises da importância do movimento humano para o resultado sonoro-musical. Ao estudar oito

peças tocadas na flauta Butembo, do Congo, o autor encontrou que:

a música é construída através de padrões repetidos de digitação que, em conjunto a graus variados de sopro no instrumento para obter harmônicos superiores, parece gerar as sequências melódicas das peças, e ele sugeriu que a forma da música era influenciada pelas propriedades espaciais do instrumento29 (BAILY, 1985, p. 239; grifo nosso).

Ou seja, uma música que é passível de análise a partir dos padrões mocionais que se repetem para

gerá-la, de acordo com as características da forma do instrumento. Baily apresenta quatro pontos

interessantes no que diz respeito à relação existente entre padrões mocionais e padrões acústicos: i)

a abordagem mocional pode esclarecer e apontar alguns padrões; ii) quando um grande repertório é

estudado, uma espécie de unifordade pode emergir no nível dos movimentos; iii) pode-se perceber

que a forma do instrumento determina características musicais; e iv) durante a performance musical,

o intérprete pode operar cognitivamente via representação mocional mais que através da auditiva

(BAILY, 1985, p. 242). As dificuldades técnicas que podem emergir nesta empreitada são

reveladoras da ―‗ergonomia‘ da música‖, ―demonstrando como ela se encaixa ao sistema sensório-

motor humano e à morfologia do instrumento30‖ (BAILY, 2001, p. 94). Isto já foi observado pelo

autor nos estudos do repertório tradicional tocado nos dois instrumentos afegãos, onde as músicas

devem ser adaptadas às respectivas formas desses instrumentos (BAILY, 1985).

Baily também ressalta que Blacking estendeu esse pensamento mocional para a música

ocidental e concluiu que se até nela esta abordagem tem sentido, pode ser aplicada a qualquer tipo

de música (BAILY, 1985, p. 242). Entretanto, Baily diz que sua investigação da interface

humano/instrumento musical foi bastante diferente daquela de Blacking, porque envolveu uma

espécie de ―luta‖ corpo a corpo com os instrumentos em sua análise, uma abordagem de dentro: ―eu

estava me utilizando como um objeto de investigação31‖; enquanto que Blacking realizou uma

análise de fora, por não ter aprendido a tocar os instrumentos (BAILY, 2006, p. 117).

29the music was constructed from repeated patterns of fingering which, coupled with varying degrees of overblowing on the instrument to obtain upper partials, seemed to generate the melodic sequences of the tunes, and he suggested that the shape of the music was influenced by the spatial properties of the instrument (BAILY, 1985, p. 239; grifo nosso). 30showing how it fits the human sensori-motor system and the instrument's morphology (BAILY, 2001, p. 94). 31I was using myself as an object of investigation (BAILY, 2006, p. 117).

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30

A questão central examinada por Baily (1985) diz respeito à interação entre três fatores: ―a

morfologia do instrumento, os padrões mocionais utilizados para tocá-lo e as características

estruturais da música produzida32‖ (BAILY, 1985, p. 243). O autor também sugere o modo pelo qual

se pode estudar a relação entre estes três fatores:

A metodologia para um estudo desta natureza requer que se isole um repertório de peças que possa, de algum modo, ser considerado o repertório tradicional do instrumento musical sob investigação; um com o qual ele é comumente associado33 (BAILY, 1985, p. 244).

Comparando os repertórios tradicionais para o dutar e o rubab, Baily verificou, por

exemplo, que, quanto ao ―âmbito‖, as melodias tocadas no primeiro não costumam ultrapassar uma

sétima menor, ficando normalmente dentro de uma quinta. Esse instrumento tem duas cordas, com a

melodia sendo tocada sobre apenas uma delas, disposição linear (―linear array‖). Já no caso do

segundo, há três cordas melódicas, o que o autor denominou disposição em camadas (―tiered

array‖), com o ―âmbito‖ das melodias permanecendo na maior parte do tempo dentro de uma

oitava, mas com alguns momentos chegando até o quinto grau da segunda oitava (BAILY, 1985, p.

246). Quanto à organização rítmica no rubab, o autor observou a diferença de intensidade em

palhetadas para baixo, que soam mais fortes, enquanto que para cima, mais suaves. Há padrões de

palhetadas que não alternam simplesmente para cima e para baixo, mas que retomam o movimento

para baixo, caracterizando acentuações dentro do tempo (BAILY, 1985, p. 250-251).

Baily investigou como as diferenças encontradas nas músicas tocadas nos dois

instrumentos podem ser resultantes dos diferentes arranjos das cordas, linear ou em camadas.

Também, se durante a performance, alguns tipos de padrões mocionais tendem a ser estimulados ou

inibidos por esses diferentes arranjos. A transposição de repertórios tradicionais em um instrumento

para o outro demonstrou o quanto a forma de cada um desses instrumentos influencia no resultado

sonoro (BAILY, 1985, p. 251).

O autor leva adiante a discussão sobre a hierarquização de modos cognitivos musicais: o

auditivo (onde os compositores ocidentais são os grandes mestres: imaginam um som e o passam à

partitura) e o motor. Sloboda fala da importância de se considerar os dois, mas parece dar maior

importância ao primeiro, enquanto que Baily acredita que os dois estejam no mesmo nível

hierárquico (apud BAILY, 1985, p. 256-257).

32the morphology of the instrument, the movement patterns used in playing it, and the structural characteristics of the music produced (BAILY, 1985, p. 243). 33The methodology for this kind of study requires one to isolate a repertory of tunes that can, in some sense, be regarded as the traditional repertory of the musical instrument under investigation; one with which it is habitually associated (BAILY, 1985, p. 244).

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30

A questão central examinada por Baily (1985) diz respeito à interação entre três fatores: ―a

morfologia do instrumento, os padrões mocionais utilizados para tocá-lo e as características

estruturais da música produzida32‖ (BAILY, 1985, p. 243). O autor também sugere o modo pelo qual

se pode estudar a relação entre estes três fatores:

A metodologia para um estudo desta natureza requer que se isole um repertório de peças que possa, de algum modo, ser considerado o repertório tradicional do instrumento musical sob investigação; um com o qual ele é comumente associado33 (BAILY, 1985, p. 244).

Comparando os repertórios tradicionais para o dutar e o rubab, Baily verificou, por

exemplo, que, quanto ao ―âmbito‖, as melodias tocadas no primeiro não costumam ultrapassar uma

sétima menor, ficando normalmente dentro de uma quinta. Esse instrumento tem duas cordas, com a

melodia sendo tocada sobre apenas uma delas, disposição linear (―linear array‖). Já no caso do

segundo, há três cordas melódicas, o que o autor denominou disposição em camadas (―tiered

array‖), com o ―âmbito‖ das melodias permanecendo na maior parte do tempo dentro de uma

oitava, mas com alguns momentos chegando até o quinto grau da segunda oitava (BAILY, 1985, p.

246). Quanto à organização rítmica no rubab, o autor observou a diferença de intensidade em

palhetadas para baixo, que soam mais fortes, enquanto que para cima, mais suaves. Há padrões de

palhetadas que não alternam simplesmente para cima e para baixo, mas que retomam o movimento

para baixo, caracterizando acentuações dentro do tempo (BAILY, 1985, p. 250-251).

Baily investigou como as diferenças encontradas nas músicas tocadas nos dois

instrumentos podem ser resultantes dos diferentes arranjos das cordas, linear ou em camadas.

Também, se durante a performance, alguns tipos de padrões mocionais tendem a ser estimulados ou

inibidos por esses diferentes arranjos. A transposição de repertórios tradicionais em um instrumento

para o outro demonstrou o quanto a forma de cada um desses instrumentos influencia no resultado

sonoro (BAILY, 1985, p. 251).

O autor leva adiante a discussão sobre a hierarquização de modos cognitivos musicais: o

auditivo (onde os compositores ocidentais são os grandes mestres: imaginam um som e o passam à

partitura) e o motor. Sloboda fala da importância de se considerar os dois, mas parece dar maior

importância ao primeiro, enquanto que Baily acredita que os dois estejam no mesmo nível

hierárquico (apud BAILY, 1985, p. 256-257).

32the morphology of the instrument, the movement patterns used in playing it, and the structural characteristics of the music produced (BAILY, 1985, p. 243). 33The methodology for this kind of study requires one to isolate a repertory of tunes that can, in some sense, be regarded as the traditional repertory of the musical instrument under investigation; one with which it is habitually associated (BAILY, 1985, p. 244).

31

As interações na interface humano/instrumento musical são analisadas em três tópicos por

Baily: i) a percepção da disposição espacial da escala: onde ele propõe que os tocadores geram uma

série de alvos espaciais (―pontos de chegada‖) e respondem a eles; esses alvos são notas

determinadas; no rubab, com seu arranjo em camadas, seria mais fácil de se guiar que o dutar

(BAILY, 2006, p. 117); ii) como a mão esquerda e seus dedos se movem em relação à escala: no

rubab, para se fazer uma escala de uma oitava, utiliza-se, como no violino, apenas movimentos de

dedos, fica-se na primeira posição, enquanto que a execução da mesma escala no dutar envolve

movimentos de mão e de pulso, mudanças de posição, e é guiada amplamente pela visão. Isso

influencia na velocidade das músicas tocadas em cada um dos instrumentos, uma vez que os

movimentos de dedo são mais rápidos de se realizar que os com as mãos (BAILY, 2006, p. 119). A

música do dutar é estruturada em tetracordes e não pela oitava, como no rubab, utilizando-se mais

de movimentos em sequência quebrada, tipo zig-zag, do que em sequência contínua com escalas

que vão do grave ao agudo ou vice-versa (BAILY, 2006, p. 119-120). Os dedos operam em cada

posição fixa como ―padrões de clusteres‖ (BAILY, 2006, p. 120); e iii) de que maneira a mão direita

ativa as cordas melódicas para vibrar: no rubab há grande diferença entre os ataques para baixo e

para cima da mão direita, que segura o plectro. A batida para baixo é mais percussiva e forte

(BAILY, 2006, p. 120-121).

1.2.2 De memórias encarnadas e sobre o modo pelo qual a música significa

A pesquisa de Regula Burckhardt Qureshi é citada como referência de estudo etnográfico

por diversos etnomusicólogos (NETTL, 2005; MURPHY, 2008; SEEGER, 2008). Boa parte das

reflexões da autora provem de seus estudos com o sarangi indiano. Ela afirma que seu

envolvimento se deu tanto com a constituição musical quanto com a constituição social desse

instrumento. Segundo Bates, ―o trabalho de Qureshi foi o primeiro a conectar estudos

antropológicos do corpo com a encarnação no domínio dos instrumentos musicais e de sonoridades

instrumentais34‖ (BATES, 2012, p. 368).

A autora estabeleceu uma série de valores e significados, nos mais diversos contextos,

relacionados ao sarangi. Em suas palavras:

[…] somente quando minha percepção de contexto e referência ao sarangi começou a expandir para além da agenda formal Ocidental de ‗aprendizado de instrumento‘ e ‗aprendizado de música‘ (ou dominar distinções fonéticas/fonêmicas e regras geradoras) foi que eu me tornei capaz de direcionar o foco na direção dos significados complexos e

34Qureshi‘s work was the first to connect anthropological studies of the body and embodiment to the domain of musical instruments and instrumental soundings (BATES, 2012, p. 368).

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32

intensamente afetivos que estavam sendo compartilhados em conversas muito amplas sobre o lugar musical, físico e metafórico do sarangi35 (QURESHI, 1997, p. 5-6).

Em uma de suas publicações (QURESHI, 1997), de fato, a autora não traz maiores

informações sobre as questões técnicas de como tocar o instrumento, ou envolvidas em sua

experiência de aprendizado. Por outro lado, demonstra como uma série de ambivalências e

contradições está incorporada na figura desse instrumento, através do conhecimento cultural

permeado tanto pela fisicalidade quanto pela afetividade, ou pelo ―conhecimento encarnado‖

(―embodied knowledge‖) (QURESHI, 1997, p. 2).

Qureshi apresentou sua perspectiva sobre a maneira como um instrumento musical pode

ser apropriado para a realização de um estudo sobre música em um determinado contexto:

Um instrumento musical oferece um tipo especial de memória material, em sua dupla capacidade de corpo físico e de sua identidade acústica encarnada. Como um produto cultural e também como uma ferramenta para articular significado cultural por meio de sons repetidos, um instrumento se torna um lugar privilegiado para reter a memória cultural36 (QURESHI, 1997, p. 4).

Alguns apontamentos apresentados por Qureshi (1997) foram desenvolvidos três anos mais

tarde (QURESHI, 2000). Bastante interessante é sua busca por revelar como a música feita com o

sarangi significa em contextos diversos das sociedades indiana e paquistanesa, assim como esse

instrumento encarna uma série de significados, tornando-se um ícone de afeto intenso e de locais

privilegiados de contextos de performance. A partir de sua experiência como aprendiz no

instrumento, a autora travou contato com questões relacionadas tanto ao instrumento como ao seu

som:

O meu estudo de longa data da ―música artística‖ Hindustani (ou do Norte da Índia) […] através de seu único instrumento de arco, o sarangi, me imbricou gradualmente numa rede de significados que emana dos sons que eu aprendi a tocar e do instrumento que os produz. Uma sensação expandida de experiência, contexto e referência a ambos, os sons e os instrumentos, me fez confrontar questões de significado musical, encarnação e memória, mas também de política – a política do controle interpretativo sobre o significado e seus lugares afetivos, tanto sonoros quanto visuais37 (QURESHI, 2000, p. 805).

35[...] it was only when my sense of context, and reference for the sarangi began to expand beyond the Western formalist agenda of ‗learning the instrument‘ and ‗learning the music‘ (or mastering phonetic/phonemic distinctions and generative rules) that I was able to direct my focus toward the complex and intensely affective meanings which were being shared in wide-ranging conversations around the musical, physical, and metaphorical site of the sarangi (QURESHI, 1997, p. 5-6). 36 A musical instrument offers a special kind of materials memory, in its dual capacity of a physical body and its embodied acoustic identity. As a cultural product and also a tool to articulate cultural meaning through repeated sound, an instrument becomes a privileged site for retaining cultural memory (QURESHI, 1997, p. 4). 37 My long-term study of Hindustani (or North Indian) ‗art music‘ [...] through its only bowed instrument, the sarangi, gradually enmeshed me in a web of meanings emanating from the sounds I learned to make and from the instrument that makes them. An expanding sense of experience, context, and reference for both the sounds and the instruments inevitably confronted me with issues of musical meaning, embodiment, and memory, but also of politics — the politics of interpretive control over meaning and its affective sites, both sonic and visual (QURESHI, 2000, p. 805).

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32

intensamente afetivos que estavam sendo compartilhados em conversas muito amplas sobre o lugar musical, físico e metafórico do sarangi35 (QURESHI, 1997, p. 5-6).

Em uma de suas publicações (QURESHI, 1997), de fato, a autora não traz maiores

informações sobre as questões técnicas de como tocar o instrumento, ou envolvidas em sua

experiência de aprendizado. Por outro lado, demonstra como uma série de ambivalências e

contradições está incorporada na figura desse instrumento, através do conhecimento cultural

permeado tanto pela fisicalidade quanto pela afetividade, ou pelo ―conhecimento encarnado‖

(―embodied knowledge‖) (QURESHI, 1997, p. 2).

Qureshi apresentou sua perspectiva sobre a maneira como um instrumento musical pode

ser apropriado para a realização de um estudo sobre música em um determinado contexto:

Um instrumento musical oferece um tipo especial de memória material, em sua dupla capacidade de corpo físico e de sua identidade acústica encarnada. Como um produto cultural e também como uma ferramenta para articular significado cultural por meio de sons repetidos, um instrumento se torna um lugar privilegiado para reter a memória cultural36 (QURESHI, 1997, p. 4).

Alguns apontamentos apresentados por Qureshi (1997) foram desenvolvidos três anos mais

tarde (QURESHI, 2000). Bastante interessante é sua busca por revelar como a música feita com o

sarangi significa em contextos diversos das sociedades indiana e paquistanesa, assim como esse

instrumento encarna uma série de significados, tornando-se um ícone de afeto intenso e de locais

privilegiados de contextos de performance. A partir de sua experiência como aprendiz no

instrumento, a autora travou contato com questões relacionadas tanto ao instrumento como ao seu

som:

O meu estudo de longa data da ―música artística‖ Hindustani (ou do Norte da Índia) […] através de seu único instrumento de arco, o sarangi, me imbricou gradualmente numa rede de significados que emana dos sons que eu aprendi a tocar e do instrumento que os produz. Uma sensação expandida de experiência, contexto e referência a ambos, os sons e os instrumentos, me fez confrontar questões de significado musical, encarnação e memória, mas também de política – a política do controle interpretativo sobre o significado e seus lugares afetivos, tanto sonoros quanto visuais37 (QURESHI, 2000, p. 805).

35[...] it was only when my sense of context, and reference for the sarangi began to expand beyond the Western formalist agenda of ‗learning the instrument‘ and ‗learning the music‘ (or mastering phonetic/phonemic distinctions and generative rules) that I was able to direct my focus toward the complex and intensely affective meanings which were being shared in wide-ranging conversations around the musical, physical, and metaphorical site of the sarangi (QURESHI, 1997, p. 5-6). 36 A musical instrument offers a special kind of materials memory, in its dual capacity of a physical body and its embodied acoustic identity. As a cultural product and also a tool to articulate cultural meaning through repeated sound, an instrument becomes a privileged site for retaining cultural memory (QURESHI, 1997, p. 4). 37 My long-term study of Hindustani (or North Indian) ‗art music‘ [...] through its only bowed instrument, the sarangi, gradually enmeshed me in a web of meanings emanating from the sounds I learned to make and from the instrument that makes them. An expanding sense of experience, context, and reference for both the sounds and the instruments inevitably confronted me with issues of musical meaning, embodiment, and memory, but also of politics — the politics of interpretive control over meaning and its affective sites, both sonic and visual (QURESHI, 2000, p. 805).

33

A autora afirma que a etnomusicologia, em seu desenvolvimento como ciência autônoma,

priorizou a preocupação com as estruturas musicais e os procedimentos de performance. Qureshi

cita alguns trabalhos das décadas de 1980-90 que considera inovadores por terem chamado a

atenção para o significado social, emocional e sensorial do som culturalmente padronizado

(QURESHI, 2000, p. 807).

A análise de Qureshi fala da existência de três abordagens distintas nos estudos com

instrumentos na cultura. No âmbito antropológico, diz que as pesquisas reforçam o papel que os

instrumentos assumem como articuladores de uma dinâmica social e cita estudos que abordam

aspectos de poder, gênero e da vida social e afetiva. Os etnomusicólogos, por sua vez, parecem se

concentrar numa abordagem que privilegie a subjetividade musical do indivíduo. A terceira

perspectiva é a sociológica, na qual os instrumentos servem de repositório para subjetividades

compartilhadas no círculo da elite burguesa (QURESHI, 2000, p. 807-808).

Qureshi afirma que ―os instrumentos significam‖:

Eles possuem significado através do conhecimento cultural permeado com fisicalidade e afeto: conhecimento encarnado […] O som musical deve evocar imediatamente uma experiência situada ou o que Martin Stokes chama de a construção do lugar; ele o faz ‗por meio da organização de memórias coletivas e experiências presentes do lugar, com uma intensidade, um poder e uma simplicidade não igualadas por nenhuma outra atividade social‘38 (QURESHI, 2000, p. 810; grifo nosso).

Além do sentimento, a sensação física do som estabelece conexões com o outro, que sente,

num instante, onde o som cria pontes de respostas a ele próprio que são compartilhadas, e que ao

mesmo tempo são íntimas e profundas, como são amplas e universais (QURESHI, 2000, p. 810).

A autora salienta que o significado musical necessita ser situado na história, assim como

socialmente. Entretanto, algumas de suas atribuições podem ser experimentadas pela participação

pessoal. Mas tal experiência não se limita ao fenômeno sonoro – fazendo a música ou escutando-a –

, ela envolve também as relações produzidas pelo compartilhamento oral, através de conversas em

ambientes específicos sobre e dentro da experiência (QURESHI, 2000, p. 812).

Segundo a autora, o sarangi se apresentou como um depósito de memórias, com passados

relembrados, na medida em que histórias se mostraram codificadas em seu som e sua imagem,

tornando-as icônicas (QURESHI, 2000, p. 813). Após expandir sua abordagem do instrumento, a

etnomusicóloga diz que seu trabalho se tornou uma etnografia ―multi-situada‖ (―multi-sited‖), com

38 They have meaning through cultural knowledge permeated with physicality and affect: embodied knowledge [...] Musical sound most immediately evokes a situated experience or what Martin Stokes calls the construction of place; it does so ‗by organizing collective memories, and present experiences of place, with an intensity, power and simplicity unmatched by any other social activity‘ (QURESHI, 2000, p. 810; grifo nosso).

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34

tantas facetas quanto em sua imaginação, descrevendo-a como ―uma prática etnográfica que

abrange de modo amplo desde o lugar musical e a transcendência sonora e situa-se entre os dramas

sociais em grande escala e as subjetividades privadas39‖ (QURESHI, 2000, p. 815).

Eliot Bates realiza uma abordagem dos instrumentos musicais em seu artigo The Social

Life of Musical Instruments (BATES, 2012), na qual o autor, dentro desse paradigma

etnomusicológico, busca expandir o estudo com os instrumentos musicais a domínios bastante

amplos. Ele esclarece que suas reflexões, entretanto, ao se referir à ―vida social dos objetos‖

(―social life of objects‖) ou ―vida política dos objetos‖ (―political life of objects‖), distancia-se das

concepções do sociólogo Stephen Riggins, que sugere uma abordagem utilitária/semiótica, e do

antropólogo Arjun Appadurai ―sobre a circulação de commodities na vida social40‖, onde ―o que cria

a ligação entre troca e valor é a política41‖. Bates afirma que, em ambas as perspectivas, o objeto

material não é o objeto de estudo e que ―existe uma diferença entre instrumentos musicais sendo

incidentais, ou constitutivos da vida social42‖ (BATES, 2012, p. 371-372; grifo nosso).

O autor utiliza conceitos e ideias provenientes do campo dos Estudos de Ciência e

Tecnologia, em especial, a ―Teoria agente-rede‖ (―Actor-Network Theory - ANT)‖, que define:

um agente nem como um sujeito nem como um objeto, mas como uma fonte de ação, ‗algo que atua ou cuja atividade é garantida por outros. Isto implica que não é necessária motivação especial de agentes humanos, nem de humanos em geral‘. Redes são simplesmente agrupamentos ad-hoc de objetos heterogênenos e a relacionalidade é que examina como se dá a coesão entre estes grupos ad-hoc. Ao conduzir uma etnografia de agente-rede, o desafio metodológico chave está em elencar quais objetos são significantes (e por isto parte de uma rede-ator ou assembleia material) e como eles se relacionam43 (BATES, 2012, p. 372).

Por esta perspectiva, os objetos compõem redes sociais do mesmo modo que os seres

humanos e podem apresentar a mesma importância, no papel de agentes. O que se torna essencial é

identificar quais objetos são significativos dentro desta rede e a maneira pela qual se relacionam

com outros objetos. Como exposto por Qureshi, os instrumentos musicais são significativos, e

buscar entendê-los nesta rede de interações com outros agentes é uma abordagem que abre portas

39an ethnographic practice ranging widely between musical place and sonic transcendence and between large-scale social dramas and private subjectivities (QURESHI, 2000, p. 815). 40on the circulation of commodities in social life (BATES, 2012, p. 371-372). 41what creates the link between exchange and value is politics (BATES, 2012, p. 371-372). 42There is a difference between musical instruments being incidental to, or constitutive of, social interaction‖ (BATES, 2012, p. 371-372; grifo nosso). 43an actor as neither a subject nor object, but as a source of action, ‗something that acts or to which activity is granted by others. It implies no special motivation of human individual actors, nor of humans in general‘. Networks are simply ad-hoc groupings of heterogeneous objects, and relationality examines how these ad-hoc groups cohere. In conducting an ethnography of actor-networks, the key methodological challenge is in figuring out which objects are significant (and therefore part of an actor-network or material assemblage) and how they relate (BATES, 2012, p. 372).

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tantas facetas quanto em sua imaginação, descrevendo-a como ―uma prática etnográfica que

abrange de modo amplo desde o lugar musical e a transcendência sonora e situa-se entre os dramas

sociais em grande escala e as subjetividades privadas39‖ (QURESHI, 2000, p. 815).

Eliot Bates realiza uma abordagem dos instrumentos musicais em seu artigo The Social

Life of Musical Instruments (BATES, 2012), na qual o autor, dentro desse paradigma

etnomusicológico, busca expandir o estudo com os instrumentos musicais a domínios bastante

amplos. Ele esclarece que suas reflexões, entretanto, ao se referir à ―vida social dos objetos‖

(―social life of objects‖) ou ―vida política dos objetos‖ (―political life of objects‖), distancia-se das

concepções do sociólogo Stephen Riggins, que sugere uma abordagem utilitária/semiótica, e do

antropólogo Arjun Appadurai ―sobre a circulação de commodities na vida social40‖, onde ―o que cria

a ligação entre troca e valor é a política41‖. Bates afirma que, em ambas as perspectivas, o objeto

material não é o objeto de estudo e que ―existe uma diferença entre instrumentos musicais sendo

incidentais, ou constitutivos da vida social42‖ (BATES, 2012, p. 371-372; grifo nosso).

O autor utiliza conceitos e ideias provenientes do campo dos Estudos de Ciência e

Tecnologia, em especial, a ―Teoria agente-rede‖ (―Actor-Network Theory - ANT)‖, que define:

um agente nem como um sujeito nem como um objeto, mas como uma fonte de ação, ‗algo que atua ou cuja atividade é garantida por outros. Isto implica que não é necessária motivação especial de agentes humanos, nem de humanos em geral‘. Redes são simplesmente agrupamentos ad-hoc de objetos heterogênenos e a relacionalidade é que examina como se dá a coesão entre estes grupos ad-hoc. Ao conduzir uma etnografia de agente-rede, o desafio metodológico chave está em elencar quais objetos são significantes (e por isto parte de uma rede-ator ou assembleia material) e como eles se relacionam43 (BATES, 2012, p. 372).

Por esta perspectiva, os objetos compõem redes sociais do mesmo modo que os seres

humanos e podem apresentar a mesma importância, no papel de agentes. O que se torna essencial é

identificar quais objetos são significativos dentro desta rede e a maneira pela qual se relacionam

com outros objetos. Como exposto por Qureshi, os instrumentos musicais são significativos, e

buscar entendê-los nesta rede de interações com outros agentes é uma abordagem que abre portas

39an ethnographic practice ranging widely between musical place and sonic transcendence and between large-scale social dramas and private subjectivities (QURESHI, 2000, p. 815). 40on the circulation of commodities in social life (BATES, 2012, p. 371-372). 41what creates the link between exchange and value is politics (BATES, 2012, p. 371-372). 42There is a difference between musical instruments being incidental to, or constitutive of, social interaction‖ (BATES, 2012, p. 371-372; grifo nosso). 43an actor as neither a subject nor object, but as a source of action, ‗something that acts or to which activity is granted by others. It implies no special motivation of human individual actors, nor of humans in general‘. Networks are simply ad-hoc groupings of heterogeneous objects, and relationality examines how these ad-hoc groups cohere. In conducting an ethnography of actor-networks, the key methodological challenge is in figuring out which objects are significant (and therefore part of an actor-network or material assemblage) and how they relate (BATES, 2012, p. 372).

35

para a compreensão dos instrumentos musicais em seus contextos, não como material passivo, mas

atuante.

Esse posicionamento em mesmo nível de humanos e objetos inanimados é melhor

compreendido dentro da perspectiva de ―poder-das-coisas‖ (―thing-power‖), da pesquisadora Jane

Bennett:

Resumidamente, qualquer objeto material, dentro de qualquer assembleia, tem a mesma capacidade de ação. A cientista política Jane Bennett escreveu de maneira mais aprofundada a respeito desta atuação material, a qual ela denomina poder-das-coisas, ‗a habilidade intrigante de coisas inanimadas se tornarem animadas, de agir, de produzir efeitos dramática e sutilmente‘ […]. Bennett afirma que nós devemos ‗reajustar o status dos agentes humanos: não negando os poderes impressionantes da humanidade, mas apresentando estes poderes como evidência de nossa própria constituição como materialidade vital. Em outras palavras, o poder humano é em si um tipo de poder-das-coisas44 (BENNETT apud BATES, 2012, p. 373).

Como exposto neste capítulo, a pesquisa etnomusicológica com instrumentos musicais tem

dialogado com diversas outras áreas de conhecimento, através da aplicação de abordagens teóricas e

metodológicas desses campos. Buscar compreender esses artefatos produtores de som culturalmente

organizado em seus domínios mais amplos tem se mostrado a tendência vigente do campo. Os

estudos tomados como exemplo da realização deste paradigma, apresentados acima, atuarão como

referência para a reflexão sobre as rabecas nesta dissertação.

44In short, any material object, within any assemblage, has the same capacity for action. Political scientist Jane Bennett has written most extensively about this material agency, which she terms thing-power, ‗the curious ability of inanimate things to animate, to act, to produce effects dramatic and subtle‘ [...]. Bennett argues that we must ‗readjust the status of human actants: not by denying humanity‘s awesome, awful powers, but by presenting these powers as evidence of our own constitution as vital materiality. In other words, human power is itself a kind of thing-power‘ (BENNETT apud BATES, 2012, p. 373).

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2 AS RABECAS NO BRASIL: RABECAS BRASILEIRAS

As rabecas são instrumentos musicais que apresentam registro de sua ocorrência em

diversas manifestações populares existentes no território brasileiro. Na atualidade, elas são

encontradas de Norte a Sul, amplamente distribuídas e concentradas nos estados da federação

localizados na faixa litorânea e em alguns poucos no interior do país (ver Anexo 1).

Daniella da Cunha Gramani cita em sua dissertação de mestrado (GRAMANI, 2009)

aqueles que parecem representar os primeiros estudos que abordaram as rabecas no Brasil, ainda

sob uma óptica folclorista (LANE, 1952 apud GRAMANI, 2009; HASSE, 1977 apud GRAMANI,

2009). A partir da década de 1990, entretanto, esses instrumentos passaram a ser objeto de estudo de

várias pesquisas, como dão testemunho os importantes trabalhos de Oliveira (1994 apud

GRAMANI, 2009) e Murphy (1997).

Na década seguinte, as rabecas continuaram sendo alvo de investigações que resultaram em

artigos, livros, dissertações, teses e CD‘s. Alguns desses estudos concentraram-se no emprego das

rabecas em áreas geográficas determinadas: região Nordeste (LIMA, 2001), a cidade de Bragança,

no Pará (MORAES; ALIVERTI; SILVA, 2006) e os estados de Pernambuco (OLIVEIRA, 1994

apud GRAMANI, 2009; MURPHY 1997), Ceará (CARVALHO, 2006) e Santa Catarina

(LINEMBURG; FIAMINGHI, 2013a). Outros se ocuparam da ocorrência e do uso do instrumento

no contexto de manifestações populares particulares, como o cavalo-marinho de Bayeux, na Paraíba

(NÓBREGA, 2000), e nas cantorias do Divino Espírito Santo em Santa Catarina (LINEMBURG;

FIAMINGHI, 2013b).

A música de rabeca também tem sido foco de estudos, assim como o emprego do

instrumento em práticas interpretativas contemporâneas (LIMA, 2004; FIAMINGHI, 2008;

FIAMINGHI, 2009; FIAMINGHI; PIEDADE, 2009; LINEMBURG; FIAMINGHI, 2012), com a

pesquisa sobre o ensino de rabeca tendo interessado, ainda, a alguns investigadores (ALIVERTI;

MORAES; SILVA, 2007; GRAMANI, 2009; MARTINS; LIMA, 2010).

Outra questão à qual os estudos têm devotado grande importância diz respeito à identidade

do instrumento, buscando dissociar a rabeca da imagem dominante do violino (GRAMANI, 2002;

ROMANELLI, 2005; FIAMINGHI, 2008; FIAMINGHI, 2009; FIAMINGHI; PIEDADE, 2009;

SANTOS, 2011; BERGMANN FILHO, 2013).

É importante ressaltar o papel de algumas pesquisas não focadas nas rabecas, mas que

trazem informações importantes a respeito do instrumento e de seu uso (SETTI, 1985; EDWARD,

1988; MURPHY, 2008; PIMENTEL et al., 2006; MARCHI, 2006).

Na música popular urbana, a rabeca atingiu visibilidade nacional e internacional, em

meados da década de 1990, integrando o instrumental do grupo Mestre Ambrósio, de Pernambuco.

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Nas mãos do multiinstrumentista e compositor Sérgio Roberto Veloso de Oliveira, mais conhecido

como Siba, a rabeca foi empregada num contexto diferenciado, incomum para o instrumento, como,

por exemplo, ao lado da guitarra elétrica, amplificada e em grandes palcos. O produto da fusão de

elementos tradicionais (ritmos e instrumentos) a outros da cena pop foi descrita pelos integrantes da

banda como ―música urbana de sentimento rural‖, inserido num movimento artístico maior, o

manguebeat (MURPHY, 1997, p. 166). Outros artistas que têm realizado fusões de grande

proeminência no cenário musical nacional e internacional, com a rabeca assumindo papel

protagonista, podem ser citados, como Nelson da Rabeca, Cláudio Rabeca, Renata Rosa, Beto Brito

e Maciel Salustiano.

As rabecas também vêm se tornando produto do trabalho de construtores alocados em

centros urbanos, não inseridos, desse modo, num contexto tradicional específico de confecção

desses instrumentos, como se pode observar em sítios na rede de alguns ateliês

(http://pifano.blogspot.com.br/ e http://www.barroecordas.com.br/). Também foi criada uma página

na qual é possível verificar um mapeamento da distribuição das rabecas (e do rawé guarani), com

disponibilização de textos, vídeos, gravações de áudio e uma lista de referências bibliográficas:

http://rabeca.org/.

Alguns eventos importantes vêm sendo realizados, com o intuito de projetar as rabecas e

colocá-las em contato com um público maior. Nesses encontros, ocorre a concentração de mestres

rabequeiros, com apresentações musicais, oficinas e exposições. No Piauí, o Festival da rabeca de

Bom Jesus teve, em 2014, sua oitava edição (http://180graus.com/bom-jesus/vii-festival-de-rabeca-

de-bom-jesuspi). Já o Ceará das rabecas aconteceu em edições anuais entre 2011 e 2013

(http://cearadasrabecas.com.br/historico/).

As pesquisas relatadas acima, do mesmo modo que os fenômenos sócio-culturais

relacionados às rabecas, têm levantado uma série de questões, as quais vêm permitindo emergir uma

nova concepção desses instrumentos. Fiaminghi referiu-se a eles como ―rabecas brasileiras‖

(FIAMINGHI, 2008). Outros autores, entretanto, têm levado em consideração particularidades

associadas aos contextos e regiões, propondo denominações mais específicas, como, por exemplo,

―violino caiçara‖ (SETTI, 1985, p. 132-171) e ―violino bragantino‖ (MORAES et al., 2006, p. 85-

106). Neste capítulo, serão discutidos alguns conceitos, com a intenção de se refletir sobre as

relações das rabecas em seus contextos, assim como os significados que esses instrumentos

emanam.

2.1 SOBRE AS ORIGENS

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Nas mãos do multiinstrumentista e compositor Sérgio Roberto Veloso de Oliveira, mais conhecido

como Siba, a rabeca foi empregada num contexto diferenciado, incomum para o instrumento, como,

por exemplo, ao lado da guitarra elétrica, amplificada e em grandes palcos. O produto da fusão de

elementos tradicionais (ritmos e instrumentos) a outros da cena pop foi descrita pelos integrantes da

banda como ―música urbana de sentimento rural‖, inserido num movimento artístico maior, o

manguebeat (MURPHY, 1997, p. 166). Outros artistas que têm realizado fusões de grande

proeminência no cenário musical nacional e internacional, com a rabeca assumindo papel

protagonista, podem ser citados, como Nelson da Rabeca, Cláudio Rabeca, Renata Rosa, Beto Brito

e Maciel Salustiano.

As rabecas também vêm se tornando produto do trabalho de construtores alocados em

centros urbanos, não inseridos, desse modo, num contexto tradicional específico de confecção

desses instrumentos, como se pode observar em sítios na rede de alguns ateliês

(http://pifano.blogspot.com.br/ e http://www.barroecordas.com.br/). Também foi criada uma página

na qual é possível verificar um mapeamento da distribuição das rabecas (e do rawé guarani), com

disponibilização de textos, vídeos, gravações de áudio e uma lista de referências bibliográficas:

http://rabeca.org/.

Alguns eventos importantes vêm sendo realizados, com o intuito de projetar as rabecas e

colocá-las em contato com um público maior. Nesses encontros, ocorre a concentração de mestres

rabequeiros, com apresentações musicais, oficinas e exposições. No Piauí, o Festival da rabeca de

Bom Jesus teve, em 2014, sua oitava edição (http://180graus.com/bom-jesus/vii-festival-de-rabeca-

de-bom-jesuspi). Já o Ceará das rabecas aconteceu em edições anuais entre 2011 e 2013

(http://cearadasrabecas.com.br/historico/).

As pesquisas relatadas acima, do mesmo modo que os fenômenos sócio-culturais

relacionados às rabecas, têm levantado uma série de questões, as quais vêm permitindo emergir uma

nova concepção desses instrumentos. Fiaminghi referiu-se a eles como ―rabecas brasileiras‖

(FIAMINGHI, 2008). Outros autores, entretanto, têm levado em consideração particularidades

associadas aos contextos e regiões, propondo denominações mais específicas, como, por exemplo,

―violino caiçara‖ (SETTI, 1985, p. 132-171) e ―violino bragantino‖ (MORAES et al., 2006, p. 85-

106). Neste capítulo, serão discutidos alguns conceitos, com a intenção de se refletir sobre as

relações das rabecas em seus contextos, assim como os significados que esses instrumentos

emanam.

2.1 SOBRE AS ORIGENS

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Alguns autores se pronunciaram a respeito da origem das rabecas no Brasil e, com base em

suas afirmações, duas hipóteses são encontradas na literatura. Luís Soler, por exemplo, afirma que a

presença e o uso da rabeca em terras brasileiras correspondem a uma prática contínua e estão

associados às primeiras fases da colonização do país (SOLER, 1995, p. 111). Esta opinião é

compartilhada por outros pesquisadores (NÓBREGA, 2000, p. 15; CASCUDO, 2005, p. 193).

Por outro lado, a pesquisadora Kilza Setti fala que as rabecas empregadas entre os músicos

caiçaras do litoral de São Paulo poderiam estar passando por um processo de ―urbanização‖,

assumindo, ao mesmo tempo, a hipótese inversa de que o ―violino de trato erudito‖ possa ter sido

incorporado, numa ―espécie de eventual e anterior ‗ruralização‘‖ (SETTI, 1985, p. 132). A

interpretação das rabecas encontradas em manifestações culturais de populações caiçaras, no estado

do Paraná, que teriam se originado em solo brasileiro, como uma tentativa de artesãos dissociados

de uma tradição de construção de instrumentos calcada nos conhecimentos da luteria europeia de

imitar o violino, é defendida também por Romanelli (2005) e desenvolvida por Bergmann Filho

(2013).

Ambas as hipóteses guardam uma relação de origem com Portugal. Há ainda o comentário

do historiador Eduardo Fonseca Junior sobre a presença da rabeca em Pernambuco ser uma herança

da época em que os holandeses ocuparam esta região

(http://www.brasileirosnaholanda.com/entrevista/eduardofonseca.htm).

Soler afirma que, já no século XVII, a rabeca não estava mais em uso na Península Ibérica,

tendo sido substituída pelo violino (SOLER, 1995, p. 111). A rabeca a que o autor se refere é o

instrumento comumente denominado de rabeca medieval, com o corpo em forma de pera, esculpida

em uma única peça de madeira e possuídora de três cordas. Em Portugal, Ernesto Veiga de Oliveira,

na obra Instrumentos musicais populares portugueses, expressa que a utilização das rabecas

corresponde a uma prática relativamente recente e não tradicional. De tal modo, o emprego desse

instrumento nos grupos populares seria fruto de uma reintrodução, sem ligação com a existência

medieval e renascentista da rabeca em terras lusitanas: A rabeca, ou seja, entre nós, o violino comum, aparece com bastante frequência nos agrupamentos populares. Ela não pode, contudo, considerar-se, de um modo geral, uma espécie regional, e nenhumas características locais mostra, a não ser, por vezes, o rusticismo do seu fabrico. A sua inclusão nesses grupos, se nem sempre é verdadeiramente recente, tem, porém, um aspecto pouco tradicional, e não parece processar-se de modo essencial. Ela mostra-se com frequência nas rusgas ao lado dos outros cordofones de mais velha tradição, nas tunas, em grupos mais ou menos improvisados, etc.; e nesses casos, participa do carácter inteiramente profano desses conjuntos (OLIVEIRA, 1982, p. 224; grifo nosso).

O autor passa, na sequência, a tratar da rabeca chuleira, que segundo ele

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é um violino popular de braço curto e escala muito aguda, que aparece numa área centrada em Amarante, que vai até o Douro, Guimarães, Lousada e Santo Tirso, ligada a uma forma musical (e coreográfica) peculiar a essa área – a chula (OLIVEIRA, 1982, p. 224).

José Alberto Sardinha concorda com Oliveira nesse aspecto (ver SARDINHA, 2000, p. 401).

Bergmann Filho desenvolve a questão das rabecas como produto da ruralização do violino,

em terras brasileiras, dizendo que, além das características semelhantes dos dois instrumentos,

aspectos etimológicos e ornamentais também os aproximam (BERGMANN FILHO, 2013, p. 697).

O autor aborda o tema de maneira bastante interessante ao se debruçar sobre outros exemplos de

ameríndios, em especial, do território mexicano, em que instrumentos semelhantes a rabecas foram

descritos como adaptações populares de violinos europeus, encontrando-se, atualmente,

indissociáveis das respectivas culturas (SELCH e PEKNIK, 1996 apud BERGMANN FILHO,

2013; NEUSTADT, 2007 apud BERGMANN FILHO, 2013). Desse modo, o processo de

ruralização do violino, para citar Setti, parece comum, tendo ocorrido, provavelmente, em Portugal

e no México e, possivelmente, no Brasil.

Para lançar alguma luz sobre a questão, o modo como o vocábulo ―rabeca‖ foi empregado

historicamente pode servir de auxílio. A relação entre os termos ―rabeca‖ e ―violino‖ é bastante

antiga e intrincada. Num estudo que tenta mostrar o esforço eclesiástico, na Sé de Coimbra, para a

contratação permanente de instrumentistas, Paulo Estudante traz o registro, datado de 1604, de um

rabeca (leia-se, tocador de rabeca), Miguel Ramos (ESTUDANTE, 2014, p. 317). Entretanto, como

a citação a seguir demonstra, está claro que ―rabeca‖ é tomado como sinônimo de ―violino‖:

O instrumentarium da sé de Coimbra não será muito diferente das suas congéneres para o mesmo período. [...] O início do século XVIII parece trazer consigo a definitiva adoção dos instrumentos de cordas da família do violino. No entanto, no caso deste último instrumento, talvez valha a pena notar o que parece ser uma presença regular na catedral, pelo menos desde 1641, graças ao Pe. António Carvalho, rabeca na see‖ (ESTUDANTE, 2014, p. 323; grifo do autor).

Estudante sugere que a rabeca (=violino) era utilizada comumente nas igrejas, desde

meados do século XVII. Desta época, é datado também o livro Lira de Arco, ou arte de tanger

rabeca (1639), de autoria de Dom Agostinho da Cruz (MAZZA, 1944-45), que, segundo Braga

corresponde ao ―mais antigo método de violino na história da música‖ (s/d, p. 107).

A consulta a dicionários antigos de Língua Portuguesa demonstra que o termo ―violino‖

está ausente em diversos exemplares publicados no século XVIII (BLUTEAU, 1720; 1789;

MARQUES, 1758) e no início do século XIX (SILVA, 1813; PINTO, 1832). Das obras consultadas

nesta pesquisa, o verbete ―violino‖ aparece a partir de Faria (1859), como sinônimo de rabeca; o

mesmo se dá para obras posteriores (AULETE, 1881; BASTOS, 1912; FIGUEIREDO, 1913;

COELHO, 1928). A definição do vocábulo ―rabeca‖ por Carvalho e de Deus (1885) é interessante:

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é um violino popular de braço curto e escala muito aguda, que aparece numa área centrada em Amarante, que vai até o Douro, Guimarães, Lousada e Santo Tirso, ligada a uma forma musical (e coreográfica) peculiar a essa área – a chula (OLIVEIRA, 1982, p. 224).

José Alberto Sardinha concorda com Oliveira nesse aspecto (ver SARDINHA, 2000, p. 401).

Bergmann Filho desenvolve a questão das rabecas como produto da ruralização do violino,

em terras brasileiras, dizendo que, além das características semelhantes dos dois instrumentos,

aspectos etimológicos e ornamentais também os aproximam (BERGMANN FILHO, 2013, p. 697).

O autor aborda o tema de maneira bastante interessante ao se debruçar sobre outros exemplos de

ameríndios, em especial, do território mexicano, em que instrumentos semelhantes a rabecas foram

descritos como adaptações populares de violinos europeus, encontrando-se, atualmente,

indissociáveis das respectivas culturas (SELCH e PEKNIK, 1996 apud BERGMANN FILHO,

2013; NEUSTADT, 2007 apud BERGMANN FILHO, 2013). Desse modo, o processo de

ruralização do violino, para citar Setti, parece comum, tendo ocorrido, provavelmente, em Portugal

e no México e, possivelmente, no Brasil.

Para lançar alguma luz sobre a questão, o modo como o vocábulo ―rabeca‖ foi empregado

historicamente pode servir de auxílio. A relação entre os termos ―rabeca‖ e ―violino‖ é bastante

antiga e intrincada. Num estudo que tenta mostrar o esforço eclesiástico, na Sé de Coimbra, para a

contratação permanente de instrumentistas, Paulo Estudante traz o registro, datado de 1604, de um

rabeca (leia-se, tocador de rabeca), Miguel Ramos (ESTUDANTE, 2014, p. 317). Entretanto, como

a citação a seguir demonstra, está claro que ―rabeca‖ é tomado como sinônimo de ―violino‖:

O instrumentarium da sé de Coimbra não será muito diferente das suas congéneres para o mesmo período. [...] O início do século XVIII parece trazer consigo a definitiva adoção dos instrumentos de cordas da família do violino. No entanto, no caso deste último instrumento, talvez valha a pena notar o que parece ser uma presença regular na catedral, pelo menos desde 1641, graças ao Pe. António Carvalho, rabeca na see‖ (ESTUDANTE, 2014, p. 323; grifo do autor).

Estudante sugere que a rabeca (=violino) era utilizada comumente nas igrejas, desde

meados do século XVII. Desta época, é datado também o livro Lira de Arco, ou arte de tanger

rabeca (1639), de autoria de Dom Agostinho da Cruz (MAZZA, 1944-45), que, segundo Braga

corresponde ao ―mais antigo método de violino na história da música‖ (s/d, p. 107).

A consulta a dicionários antigos de Língua Portuguesa demonstra que o termo ―violino‖

está ausente em diversos exemplares publicados no século XVIII (BLUTEAU, 1720; 1789;

MARQUES, 1758) e no início do século XIX (SILVA, 1813; PINTO, 1832). Das obras consultadas

nesta pesquisa, o verbete ―violino‖ aparece a partir de Faria (1859), como sinônimo de rabeca; o

mesmo se dá para obras posteriores (AULETE, 1881; BASTOS, 1912; FIGUEIREDO, 1913;

COELHO, 1928). A definição do vocábulo ―rabeca‖ por Carvalho e de Deus (1885) é interessante:

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―Rabeca (rrâběkâ) s. f. violino, instrumento em forma de viola que se toca com arco‖ (grifo nosso).

Os autores começam a descrição do verbete com a palavra ―violino‖, que no mesmo dicionário é

descrito como sinônimo do primeiro: ―Violino (viulīnu) s. m. o mesmo que rabeca‖. Essa busca

permite inferir que o vocábulo ―violino‖ tenha começado a ser empregado em meados do século

XIX, como sinônimo de ―rabeca‖, permanecendo subordinado ao segundo, pelo menos, até o início

do século XX.

Outro fato interessante a respeito da relação dos dois termos é que, em Portugal, no

Conservatório de Lisboa, desde sua fundação em 1835, as classes de violino eram designadas por

―aulas de rabeca‖, o que só mudou a partir de 1901, quando passaram a ser chamadas ―aulas de

violino‖ (BORBA et al. apud SETTI, 1985, p. 136). No Brasil, a designação de rabeca é encontrada

em obras de José Maurício e de outros compositores contemporâneos seus, do início do século XIX

(NÓBREGA, 2000, p. 16).

Esta relação de sinonímia foi reforçada em uma pesquisa realizada pelo já citado Juarez

Bergmann Filho, exposta no seguinte trecho: Violinistas mundialmente famosos e ícones da cultura deste instrumento eram chamados de rabequistas. Em carta endereçada à Condessa do Barral, o imperador brasileiro Dom Pedro II detalha suas idas a concertos e recitais de música citando os rabequistas Dengremont, ou Rabequista Paganini etc. [...]. De fato há várias referências na [sic] literatura lusitana ao ‗rei dos rabequistas, Paganini‘, especialmente àquelas publicadas no século XIX, auge da fama do instrumentista (BERGMANN FILHO, 2013, p. 704; grifo nosso).

A referência ao grande virtuose do violino, tratado como o ―rei dos rabequistas‖, é mais

uma evidência de que ―rabeca‖ foi o termo utilizado, no Brasil e em Portugal, para se referir, até

recentemente, ao instrumento que hoje se chama, com maior frequência, ―violino‖. A esta

concepção da utilização das duas palavras na Língua Portuguesa, tinha chegado também Bergmann

Filho:

O fato é que a palavra violino praticamente inexistia na cultura portuguesa até meados do século XX, sendo este instrumento musical conhecido em todas as camadas sociais como Rabeca (BERGMANN FILHO, 2013, p. 705).

A descrição do verbete ―rabeca‖ encontrada no dicionário do clérigo Dom Raphael Bluteau

atesta a origem da palavra na língua árabe, nos termos ―rebab‖ ou ―rebaba‖, mas cita outras

opiniões, que a derivam do hebraico e da língua celta:

Rabeca, ou Rebeca: Pequeno instrumento musico de cordas. Diriva se do Arabico Rebab ou Rebaba, que no Lexicon Copticon, segundo os Interpretes, he Lyra. Outros o derivão do Hebraico Rebiac, que significa o instrumento, a q os Latinos chamão de Sistrum; outros finalmente o derivão de Rebet, que na lingua Celtica val o mesmo, que Rebeca. Consta a Rabeca de quatro cordas, & tange-se com arco. Os seus sons agudos saõ muyto alegres, & despertão o espirito. O seu concerto he de quinta em quinta. Não temos em Latim palavra

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propria latina: será preciso usar das commuas como v.g. Fides, ium. pl. Fem. ou Fidis [...] (BLUTEAU, 1720).

A origem no idioma árabe é praticamente unânime nos dicionários consultados nesta

pesquisa e que trazem informações etimológicas a respeito do termo ―rabeca‖ (de rabêb: AULETE,

1881; de rabala: FARIA, 1859; de rabed: BASTOS, 1912; de rabáb: COELHO, 1928; de rabab,

com imala (a=e) rabeb: NASCENTES, 1955). Tal relação é reforçada ainda pelo estudo de José P.

da Silva sobre a Contribuição árabe na formação do português (1996), no qual o autor utilizou

cinco linguistas como base referencial, sendo que todos concordam com a origem do termo no

árabe, através do francês ―rebec‖. Esta visão é compartilhada também por Farias (1859; do Fr. ant.

rabec). Num dicionário bilíngue francês-árabe é possível encontrar a tradução do substantivo

―rebec‖ como ―rbab‖; do verbo ―jouer de rebec‖, ―rbaybi‖; e do adjetivo ―qui joue du rebec‖,

―mrebbeb‖ (MERCIER, 1859). Christopher Page (1986, p. 126), falando sobre a descrição da

rubeba, instrumento de duas cordas afinadas por intervalo de 5ª justa, de nome árabe, e sua difusão

pela França, como explicado no tratado musical de Jerome de Moravia, atesta a presença desse

instrumento no país, desde o século XIII.

A tradução de ―rebec‖ para o espanhol se dá como ―rabel‖ (BLANC, 1860), termo comum

nos dicionários de Língua Portuguesa, associado a ―rabeca‖, assim como seus sinônimos, ―arrabil‖

e ―rabil‖ (BLUTEAU, 1720, 1789; MARQUES, 1758; SILVA, 1813; PINTO, 1832; FARIA, 1859;

BASTOS, 1912; FIGUEIREDO, 1913; NASCENTES, 1955). Uma associação terminológica

interessante se dá numa passagem de Sardinha, citando um tratado seiscentista: ―Nos princípios do

século XVII, Pedro Cerone, no seu Tractado de música Theorica y practica, inclui, nos

instrumentos de corda, entre a vihuela, o laud, a tyorba e o psalterio, a rebequina o rabe‖

(SARDINHA, 2000, p. 404; grifos do autor). Note-se que os dois últimos termos, ―rebequina‖ e

―rabel‖, são expressos como sinônimos por Cerone. ―Rebequina‖ poderia ser traduzido, do espanhol

para o português, como ―rebequinha‖, ou ―rabequinha‖, como atesta Vieira (1899; ver abaixo).

Além de sua relação etimológica com os termos árabes, o rabel, ou arrabil, foi apontado

por vários autores como um instrumento de origem árabe, existente na Península Ibérica:

Arrabil (a-rra-bil), s. m. (ant.) instrumento pastoril usado pelos arabes. [Era uma rabeca de uma ou duas cordas.] (AULETE, 1881); Arrabil (ârrâbil) s. m. rebeca mourisca (CARVALHO; DE DEUS, 1885); Arrabil [a-rra-bil], s. m. (ant.) especie de rabeca de uma ou duas cordas, usada pelos arabes BASTOS, 1912); arrabil m. Antigo instrumento músico de uma ou duas cordas, entre os Árabes e, depois, de três, na Idade-Média (FIGUEIREDO, 1913).

Em seu Dicionário musical, Ernesto Vieira apresenta a seguinte descrição do verbete:

―Rabeca ou Rebeca, s. f. Nome vulgar do violino. V. Rabel e Violino‖ (VIEIRA, 1899).

Reafirmando o entendimento do vocábulo ―rabeca‖ como o sinônimo de ―violino‖ empregado pelo

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propria latina: será preciso usar das commuas como v.g. Fides, ium. pl. Fem. ou Fidis [...] (BLUTEAU, 1720).

A origem no idioma árabe é praticamente unânime nos dicionários consultados nesta

pesquisa e que trazem informações etimológicas a respeito do termo ―rabeca‖ (de rabêb: AULETE,

1881; de rabala: FARIA, 1859; de rabed: BASTOS, 1912; de rabáb: COELHO, 1928; de rabab,

com imala (a=e) rabeb: NASCENTES, 1955). Tal relação é reforçada ainda pelo estudo de José P.

da Silva sobre a Contribuição árabe na formação do português (1996), no qual o autor utilizou

cinco linguistas como base referencial, sendo que todos concordam com a origem do termo no

árabe, através do francês ―rebec‖. Esta visão é compartilhada também por Farias (1859; do Fr. ant.

rabec). Num dicionário bilíngue francês-árabe é possível encontrar a tradução do substantivo

―rebec‖ como ―rbab‖; do verbo ―jouer de rebec‖, ―rbaybi‖; e do adjetivo ―qui joue du rebec‖,

―mrebbeb‖ (MERCIER, 1859). Christopher Page (1986, p. 126), falando sobre a descrição da

rubeba, instrumento de duas cordas afinadas por intervalo de 5ª justa, de nome árabe, e sua difusão

pela França, como explicado no tratado musical de Jerome de Moravia, atesta a presença desse

instrumento no país, desde o século XIII.

A tradução de ―rebec‖ para o espanhol se dá como ―rabel‖ (BLANC, 1860), termo comum

nos dicionários de Língua Portuguesa, associado a ―rabeca‖, assim como seus sinônimos, ―arrabil‖

e ―rabil‖ (BLUTEAU, 1720, 1789; MARQUES, 1758; SILVA, 1813; PINTO, 1832; FARIA, 1859;

BASTOS, 1912; FIGUEIREDO, 1913; NASCENTES, 1955). Uma associação terminológica

interessante se dá numa passagem de Sardinha, citando um tratado seiscentista: ―Nos princípios do

século XVII, Pedro Cerone, no seu Tractado de música Theorica y practica, inclui, nos

instrumentos de corda, entre a vihuela, o laud, a tyorba e o psalterio, a rebequina o rabe‖

(SARDINHA, 2000, p. 404; grifos do autor). Note-se que os dois últimos termos, ―rebequina‖ e

―rabel‖, são expressos como sinônimos por Cerone. ―Rebequina‖ poderia ser traduzido, do espanhol

para o português, como ―rebequinha‖, ou ―rabequinha‖, como atesta Vieira (1899; ver abaixo).

Além de sua relação etimológica com os termos árabes, o rabel, ou arrabil, foi apontado

por vários autores como um instrumento de origem árabe, existente na Península Ibérica:

Arrabil (a-rra-bil), s. m. (ant.) instrumento pastoril usado pelos arabes. [Era uma rabeca de uma ou duas cordas.] (AULETE, 1881); Arrabil (ârrâbil) s. m. rebeca mourisca (CARVALHO; DE DEUS, 1885); Arrabil [a-rra-bil], s. m. (ant.) especie de rabeca de uma ou duas cordas, usada pelos arabes BASTOS, 1912); arrabil m. Antigo instrumento músico de uma ou duas cordas, entre os Árabes e, depois, de três, na Idade-Média (FIGUEIREDO, 1913).

Em seu Dicionário musical, Ernesto Vieira apresenta a seguinte descrição do verbete:

―Rabeca ou Rebeca, s. f. Nome vulgar do violino. V. Rabel e Violino‖ (VIEIRA, 1899).

Reafirmando o entendimento do vocábulo ―rabeca‖ como o sinônimo de ―violino‖ empregado pelo

43

povo, traz, ainda, como nas definições do mesmo termo, presentes nos dicionários de Língua

portuguesa, a relação com o Rabel. Na definição desse instrumento, o autor registra uma série de

sinônimos, além dos citados, estabelecendo-os como designações existentes em Portugal para o

instrumento de origem árabe e de nome com grafia semelhante, o ―rabab‖: Rabel, Rabil, Rabeca, Rebel, Rebequin, Rebequinha, Arrabel, Arrabil, Ayabeba, s. m. e f. Com todos estes nomes designavam os nossos antepassados o rebab dos arabes, introduzido na Europa e usado principalmente pelos jograes moiriscos e musicos ambulantes. Apezar de modificado e relativamente aperfeiçoado, conservou-se um instrumento grosseiro, armado unicamente de duas ou tres cordas. Havia-os de duas especies diferentes: o rabel propriamente dito, que se tocava collocando-o a prumo sobre o joelho; tinha duas cordas afinadas em quintas, dó2 – sol2; a sua escala era limitada a extensão de uma nona, dó2 – ré3, porque não se sabia tocar em mais de uma posição, nem a fórma do instrumento o permittia em consequencia de ter um braço muito curto. A outra especie de rabel era menor, sendo por isso denominado rebequim ou rebequinha; tinha tres cordas, afinadas como as do violino moderno, sol2 – ré3 – lá 3. Por causa de sua pequenez começou a ser collocada em posição inversa á do rebab, isto é, com a caixa harmonica voltada para cima e apoiada no hombro esquerdo á maneira tambem do violino. Ao rabel moirisco na sua forma tosca e primitiva, chamava o nosso povo arrabil. A família das violas de arco, manejada e apefeiçoada pelos menestreis, fez desaparecer completamente o rabel, ficando apenas um dos seus nomes – rabeca – aplicado pelo vulgo ao violino (VIEIRA, 1899; grifo nosso).

Nessa passagem de Vieira, fica claro como o termo ―rabeca‖, um dos nomes utilizados também para

o rabel, foi empregado para se referir ao violino, o intrumento de arco que se encontrava em plena

ascenção.

Luís Soler também traçou paralelos quanto à existência de dois instrumentos distintos

chamados pelo termo rabel, como descrito por Vieira acima, e sua relação com a rabeca. O primeiro

afirma que rabeca é um instrumento do ―período renascentista peninsular [da Península Ibérica], de

longa gestação medieval‖ (SOLER, 1995, p. 106). Soler também falou sobre a improbabilidade de

se traçar ―genealogias precisas‖ para os instrumentos medievais, devido à enorme gama de

denominações e exemplares. De acordo com ele, ―pode-se, no máximo, tentar estabelecer linhas

aproximadas a ilustrar etimologias e origens‖ (SOLER, 1995, p. 106).

Segundo Soler, antes de os árabes introduzirem o rabab, via Pérsia, os instrumentos de

corda friccionada por arco eram desconhecidos na Europa. Sua influência foi tamanha, que a família

europeia das violas também passou a utilizar o arco para emissão sonora: violas de gamba e violas

de braccia (SOLER, 1995, p. 106-105).

Os primeiros rabab’s apresentavam um formato piriforme do corpo, cuja parte superior era

coberta por um couro na parte anterior, que, mais tarde, passou a portar uma peça de madeira.

Possuíam duas cordas, afinadas por intervalo de 5as, e eram tocados no chão apoiado sobre um

espigão (SOLER, 1995, p. 108). Essa forma corresponde, provavelmente, à primeira descrita por

Vieira. Entretanto, de acordo com esse autor, o apoio se dava sobre os joelhos.

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44

Soler fala de uma variante desse rabab, utilizada pelos rapsodos de tribos árabes berberes,

na parte ocidental da África do Norte, com apenas uma corda e chamado ar’abebah (SOLER, 1995,

p. 109). Segundo esse autor, coexistiram na Península Ibérica, durante o domínio dos árabes

berberes da região de al‘Andaluz, as duas formas: o rabab oriental propriamente dito (tocado

apoiado sobre o chão) e o rabé (―preferentemente tocado acima do peito‖), denominado ainda de

―rabel‖ e ―rebec‖. O autor afirma que esta segunda forma era muito difundida e prestigiada através

da região sul da Europa Ocidental, nas Penínsulas Ibérica e Italiana, assim como na França.

Entretanto, esse instrumento que circulou pela Europa estava já constituído de três cordas, ao invés

de uma, afinadas por 5as (SOLER, 1995, p. 109); esta seria a segunda forma descrita por Vieira

(1899).

Em meio à grande profusão de instrumentos musicais existentes na Europa medieval e

renascentista, características de uns foram cooptadas por outros. Soler fala que ambas as espécies de

rabel influenciaram as violas europeias, as quais adotaram o arco e vieram, posteriormente, a ter

características suas também fundidas àquelas, como a perda do fundo piriforme e a adoção do

sistema de ilhargas. Porém, esse híbrido manteve o tampo bojudo, as aberturas em f‘s e a afinação

das cordas por 5as (SOLER, 1995, p. 109-110). Tal ―aviolamento‖ do rabé também originou a

mudança de nome para ―rabeca‖. De acordo com o autor, continuou a ser mencionado um tal de rebec que, por ter menor tamanho e o seu som ser mais agudo e estridente, dominava nos alvoroçados ambientes populares ao ar livre, nas ruas e praças do sul da Europa. Com o tempo este rebec, cujas ilhargas, mais baixas que as da viola, admitiam que o instrumento pudesse ser encaixado sob o queixo melhorando assim a sustentação e a técnica da mão esquerda, acaba se impondo ao tipo das braccias – violas de ilhargas muito altas, menos manejáveis e de som mais apagado (SOLER, 1995, p. 110).

Segundo o autor, é desse instrumento rebec-rabeca que surge a atual família dos violinos,

que tornou obsoleta a utilização daqueles e outros instrumentos de arco, os quais iriam continuar

presentes apenas em ambientes rurais montanheses, mas isolados: ―alguma zona rústica de Portugal

(rabeca chuleira), do planalto espanhol (o rabel dos pastores castelhanos) e em alguns pontos da

cordilheira italiana (a rubeca), etc.‖ (SOLER, 1993, p. 111). A rabeca chuleira, no entanto, parece

uma invenção mais recente, como descrito acima por Oliveira (1982).

Boyden (1990) aponta a lira da braccio, a viola bastarda e a rabeca medieval como

ancestrais diretos do violino. Realmente, em Portugal, o violino parece ter sido designado por

nomes relacionados a esses seus genitores: ora lira de arco, ora rabeca. Isto se reforça pelo título do

tratado, já citado, de Dom Agostinho da Cruz: Lira de Arco, ou arte de tanger rabeca. No entanto,

―rabeca‖ parece ter prevalecido.

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Soler fala de uma variante desse rabab, utilizada pelos rapsodos de tribos árabes berberes,

na parte ocidental da África do Norte, com apenas uma corda e chamado ar’abebah (SOLER, 1995,

p. 109). Segundo esse autor, coexistiram na Península Ibérica, durante o domínio dos árabes

berberes da região de al‘Andaluz, as duas formas: o rabab oriental propriamente dito (tocado

apoiado sobre o chão) e o rabé (―preferentemente tocado acima do peito‖), denominado ainda de

―rabel‖ e ―rebec‖. O autor afirma que esta segunda forma era muito difundida e prestigiada através

da região sul da Europa Ocidental, nas Penínsulas Ibérica e Italiana, assim como na França.

Entretanto, esse instrumento que circulou pela Europa estava já constituído de três cordas, ao invés

de uma, afinadas por 5as (SOLER, 1995, p. 109); esta seria a segunda forma descrita por Vieira

(1899).

Em meio à grande profusão de instrumentos musicais existentes na Europa medieval e

renascentista, características de uns foram cooptadas por outros. Soler fala que ambas as espécies de

rabel influenciaram as violas europeias, as quais adotaram o arco e vieram, posteriormente, a ter

características suas também fundidas àquelas, como a perda do fundo piriforme e a adoção do

sistema de ilhargas. Porém, esse híbrido manteve o tampo bojudo, as aberturas em f‘s e a afinação

das cordas por 5as (SOLER, 1995, p. 109-110). Tal ―aviolamento‖ do rabé também originou a

mudança de nome para ―rabeca‖. De acordo com o autor, continuou a ser mencionado um tal de rebec que, por ter menor tamanho e o seu som ser mais agudo e estridente, dominava nos alvoroçados ambientes populares ao ar livre, nas ruas e praças do sul da Europa. Com o tempo este rebec, cujas ilhargas, mais baixas que as da viola, admitiam que o instrumento pudesse ser encaixado sob o queixo melhorando assim a sustentação e a técnica da mão esquerda, acaba se impondo ao tipo das braccias – violas de ilhargas muito altas, menos manejáveis e de som mais apagado (SOLER, 1995, p. 110).

Segundo o autor, é desse instrumento rebec-rabeca que surge a atual família dos violinos,

que tornou obsoleta a utilização daqueles e outros instrumentos de arco, os quais iriam continuar

presentes apenas em ambientes rurais montanheses, mas isolados: ―alguma zona rústica de Portugal

(rabeca chuleira), do planalto espanhol (o rabel dos pastores castelhanos) e em alguns pontos da

cordilheira italiana (a rubeca), etc.‖ (SOLER, 1993, p. 111). A rabeca chuleira, no entanto, parece

uma invenção mais recente, como descrito acima por Oliveira (1982).

Boyden (1990) aponta a lira da braccio, a viola bastarda e a rabeca medieval como

ancestrais diretos do violino. Realmente, em Portugal, o violino parece ter sido designado por

nomes relacionados a esses seus genitores: ora lira de arco, ora rabeca. Isto se reforça pelo título do

tratado, já citado, de Dom Agostinho da Cruz: Lira de Arco, ou arte de tanger rabeca. No entanto,

―rabeca‖ parece ter prevalecido.

45

Voltando aos dicionários, o rabel é, normalmente, descrito como um antecessor, ou mesmo,

como uma espécie de rabeca. Nesse aspecto, duas definições chamam a atenção: ―Arrabil, a-rra-bil,

s. m. Instrumento musico de cordas e arco, uma das formas antigas da rebeca‖ (COELHO, 1928;

grifo nosso); e ―ARRABIL –Do ár. arrabab, violino de uma ou duas cordas‖ (NASCIMENTO,

1955; grifo nosso). No primeiro caso, o instrumento é apontado como ancestral da rabeca, enquanto

que no segundo, o que é interessante é a utilização do vocábulo ―violino‖, em vez de rabeca.

Uma das definições apresentadas por Bluteau relaciona e distingue os dois instrumentos

quanto ao acabamento e número de cordas: ―Rabel, s. m. huma rabeca rustica de 3 cordas, dá som

mui agudo, rabil, ou arrabil‖ (BLUTEAU, 1789; grifo nosso). De modo semelhante, Vieira reforça a

ideia que ele se conservou um ―instrumento grosseiro‖ (ver grifo na citação acima). Fica claro que

durante algum tempo coexistiram na Península Ibérica dois instrumentos tocados com arco: um

instrumento rústico (o rabel) e um ―mais bem acabado‖ (a rabeca). No Brasil, esta concepção, de

acordo com a qual se diferenciam dois instrumentos com base no acabamento, foi amplamente

empregada por pesquisadores ao longo do século XX, e se perpetua no discurso de músicos e

construtores de rabecas em diversas partes do país. De tal modo que esta relação rabel-rabeca,

existente no final do século XVIII em Portugal, coexiste ao longo do século XX e XXI, no Brasil,

mas aqui representada pela associação rabeca-violino.

Mais do que um mero jogo de palavras, ou uma forma pretensamente objetiva de descrição

da qualidade de confecção desses dois instrumentos, uma associação de tal natureza reflete uma

relação entre uma figura dominante (violino) e outra dominada (rabeca), que estimula a reflexão e a

tentativa de elucidação de suas raízes, que serão abordadas a seguir.

Como reflexo do amplo intercâmbio cultural que se dá normalmente entre as diferentes

classes sociais, entretanto, é possível que ambas as possibilidades tenham se desenrolado pelas

terras brasileiras, sendo necessário, inclusive, verificar a possibilidade de que ambas tenham

acontecido num mesmo local em épocas diferentes. Devido à ampla difusão da rabeca pelo

território brasileiro, é possível que, em determinadas regiões, o surgimento do instrumento tenha se

dado como uma introdução de classes altas, enquanto que, em outras, o emprego do instrumento

tenha se dado por uma manutenção de uma tradição de vários séculos. As rabecas esculpidas numa

única peça (de cocho) podem representar um indício da continuidade, entre as camadas populares,

de uma técnica tradicional/continuada de construção desses instrumentos. Por outro lado, pode ter

surgido independentemente de uma tradição, como demonstra o exemplo do construtor e tocador

Nelson da Rabeca, de Marechal Deodoro-AL. Seu Nelson diz que, após ter visto um violino na

televisão, procurou reproduzir o instrumento. Entretanto, encontrou por si mesmo os meios de

realizá-lo e acabou, com base na imagem do instrumento europeu, criando um instrumento

esculpido, o que poderia ser chamado de uma rabeca de cocho. Desse modo, há indícios que

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apontam para duas possíveis origens da rabeca, sendo possível que vários intercâmbios e

hibridizações durante a gestação desses instrumentos no seio das tradições particulares tenham

operado.

2.2 DOS DISCURSOS SOBRE RABECAS NO BRASIL

Apesar de todo o interesse que a rabeca tem recebido nestas duas últimas décadas, tanto por

parte de pesquisadores quanto de instrumentistas profissionais de música popular e de concerto,

construtores de instrumentos e entusiastas em geral, a resposta à pergunta, a princípio, simples – ―o

que é uma rabeca?‖ – envolve uma série de questões – etimológicas, organológicas e socioculturais

– que não a tornam passível de revelação tão pronta e facilmente. O problema se intensifica quando

personagens de dentro das culturas nas quais esses instrumentos são utilizados em contextos

tradicionais são consultados a respeito.

2.2.1 Os primeiros discursos: uma visão folclorista

Como apontado por Titton, a etnomusicologia apresentou, em seu desenvolvimento como

ciência, uma fase amplamente ancorada em estudos de cunho folclorista (TITTON, 2008, p. 29). No

Brasil, esse caráter se estendeu até o final do século XX, com resquícios marcantes no início do

século XXI (BEHAGUE, 1989; BASTOS, 2004). Dentro de tal perspectiva, as rabecas foram

amplamente descritas à sombra do violino.

A necessidade, e mesmo a possibilidade, de se delimitar conceitualmente o que é uma

rabeca constitui um fenômeno decorrente, em parte, do aumento de interesse pelo instrumento por

parte de acadêmicos, assim como de um processo de atualização de conceitos e de diálogo com o

novo paradigma, ao qual a etnomusicologia vem passando no Brasil. Uma visão muito difundida

entre os pesquisadores, anterior à década de 1990, é definir a rabeca comparando-a ao violino,

estabelecendo uma relação hierárquica entre os dois. A consulta à bibliografia de autores que se

debruçaram mais extensamente sobre a cultura popular brasileira e que, em algum momento,

pronunciaram-se em relação à rabeca, no início ou em meados do século passado, demonstra que o

termo era utilizado para se referir ao instrumento que hoje se chama de violino – corroborando as

informações discutidas acima para o uso do vocábulo em Portugal – ou algum tipo de instrumento

parecido ao violino. No Dicionário musical brasileiro, Mário de Andrade define o vocábulo assim:

Rabeca (s. f.) - Rabeca é como chamam ao violino os homens do povo no Brasil. Nas classes cultas é voz que já não se escuta mais. Desde a vulgarização do instrumento [violino], pelo segundo quarto do séc. XIX, o chamaram de rabeca entre nós [...] (ANDRADE, 1989, p. 423; grifo nosso).

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apontam para duas possíveis origens da rabeca, sendo possível que vários intercâmbios e

hibridizações durante a gestação desses instrumentos no seio das tradições particulares tenham

operado.

2.2 DOS DISCURSOS SOBRE RABECAS NO BRASIL

Apesar de todo o interesse que a rabeca tem recebido nestas duas últimas décadas, tanto por

parte de pesquisadores quanto de instrumentistas profissionais de música popular e de concerto,

construtores de instrumentos e entusiastas em geral, a resposta à pergunta, a princípio, simples – ―o

que é uma rabeca?‖ – envolve uma série de questões – etimológicas, organológicas e socioculturais

– que não a tornam passível de revelação tão pronta e facilmente. O problema se intensifica quando

personagens de dentro das culturas nas quais esses instrumentos são utilizados em contextos

tradicionais são consultados a respeito.

2.2.1 Os primeiros discursos: uma visão folclorista

Como apontado por Titton, a etnomusicologia apresentou, em seu desenvolvimento como

ciência, uma fase amplamente ancorada em estudos de cunho folclorista (TITTON, 2008, p. 29). No

Brasil, esse caráter se estendeu até o final do século XX, com resquícios marcantes no início do

século XXI (BEHAGUE, 1989; BASTOS, 2004). Dentro de tal perspectiva, as rabecas foram

amplamente descritas à sombra do violino.

A necessidade, e mesmo a possibilidade, de se delimitar conceitualmente o que é uma

rabeca constitui um fenômeno decorrente, em parte, do aumento de interesse pelo instrumento por

parte de acadêmicos, assim como de um processo de atualização de conceitos e de diálogo com o

novo paradigma, ao qual a etnomusicologia vem passando no Brasil. Uma visão muito difundida

entre os pesquisadores, anterior à década de 1990, é definir a rabeca comparando-a ao violino,

estabelecendo uma relação hierárquica entre os dois. A consulta à bibliografia de autores que se

debruçaram mais extensamente sobre a cultura popular brasileira e que, em algum momento,

pronunciaram-se em relação à rabeca, no início ou em meados do século passado, demonstra que o

termo era utilizado para se referir ao instrumento que hoje se chama de violino – corroborando as

informações discutidas acima para o uso do vocábulo em Portugal – ou algum tipo de instrumento

parecido ao violino. No Dicionário musical brasileiro, Mário de Andrade define o vocábulo assim:

Rabeca (s. f.) - Rabeca é como chamam ao violino os homens do povo no Brasil. Nas classes cultas é voz que já não se escuta mais. Desde a vulgarização do instrumento [violino], pelo segundo quarto do séc. XIX, o chamaram de rabeca entre nós [...] (ANDRADE, 1989, p. 423; grifo nosso).

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O autor simplesmente trata o termo como sinônimo de ―violino‖, vocábulo esse que recebe

definição mais precisa, com a descrição de suas partes, número de cordas, estrutura, afinação, etc. e

no qual o autor reitera: ―No segundo quarto do séc. XIX o violino, chamado até hoje pelo povo de

rebeca, já estava vulgarizado nas camadas proletárias‖ (ANDRADE, 1989, p. 563; grifo nosso).

Fica claro que, para Mário de Andrade, não existiam dois instrumentos distintos: os vocábulos

―violino‖ e ―rabeca‖ foram entendidos por esse autor como sinônimos, o primeiro utilizado pelas

―classes cultas‖, e o segundo, pelos ―homens do povo‖. Nessa maneira de conceber o instrumento,

encontra-se, ainda, a definição de Oneyda Alvarenga:

Rabeca ou Rebeca (s. f.) - Palavra antiquada, sinônimo de violino, que entretanto o povo ainda emprega com relativa frequência. As rabecas usadas na nossa música folclórica são de fatura popular. O executante toca a Rabeca encostando-a parte no braço esquerdo pouco levantado e parte no peito (ALVARENGA, 1982, p. 356-357; grifo nosso).

Nesta descrição de rabeca, porém, a autora procura chamar a atenção para dois pontos peculiares às

rabecas no Brasil: sua fabricação artesanal por homens do povo e a particularidade no uso do

instrumento pelos tocadores, a forma que o empunham no momento de tocá-lo. O folclorista

potiguar Luiz da Câmara Cascudo também salienta esta característica:

Tocam-na [a rabeca], apoiando-a na altura do coração ou no ombro esquerdo, sempre a voluta para baixo [...] Nenhum tocador de rabeca é capaz de executar qualquer trecho pondo o instrumento na posição usual do violino [entre o queixo e o ombro esquerdo] (CASCUDO, 2012, p. 601; grifos nossos).

Entretanto, apesar de relacionar a rabeca ao violino, Cascudo diferencia-os, ainda, no que diz

respeito às qualidades timbrísticas:

Rabeca. É uma espécie de violino, de timbre mais baixo, com quatro cordas de tripa, afinadas por quintas, sol-ré-lá-mi, e friccionadas com um arco de crina, untado no breu. Tem uma sonoridade roufenha, melancólica e quase inferior. Nos agudos é estridente (CASCUDO, 2012, p. 601; grifos nossos).

O folclorista emprega um juízo de valor, comparando os dois instrumentos, afirmando que a rabeca

teria, entre outras coisas, que a diferenciam do violino, ―[...] uma sonoridade [...] quase inferior‖.

Esse tratamento da rabeca como uma variante do violino, que se distingue desse por seu

acabamento mais tosco, encontra-se expressa nas descrições da rabeca por outros estudiosos.

Daniella Gramani apresenta dois trechos do trabalho do maestro Aldo A. Hasse sobre a rabeca no

fandango paranaense, que ratificam a visão que concebe o violino como instrumento superior: ―a

rabeca é pobre em sonoridade: seu som áspero tende a imitar o violino‖ (HASSE, 1977 apud

GRAMANI, 2009, p. 55-56; grifo nosso). E, ainda, sobre a construção dos dois instrumentos:

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Requere-se muita habilidade de um fabricante de violino, por conseguinte, um artesão que faz uma rabeca por informação de seus antepassados (pois ele pouco pratica sua execução, e poucos instrumentos faz, só nas horas de folga) jamais vai conseguir bons resultados (HASSE, 1977 apud GRAMANI, 2009, p. 56).

O folclorista Alceu Maynard Araújo definiu o instrumento de modo semelhante: ―A rabeca

é um cordofônio de cordas vibradas por fricção, um violino rústico de 4 cordas [...]‖ (ARAÚJO, s/d,

p. 429; grifo nosso). Além dos estudiosos, esta visão foi difundida também no âmbito dos

construtores: ―Na história da lutieria coloca-se como perfeitamente definida a sucessão rabeca-

violino, resultante de aperfeiçoamentos técnicos‖ (SETTI, 1985, p. 132; grifo nosso). Esta

concepção positivista, progressista e teleológica dentro da música ocidental já teve sua crítica

formulada durante a década de 1980 por Joseph Kerman (ver KERMAN, 1987).

Com base nas descrições de rabeca expostas nesta seção, verifica-se que o termo foi

interpretado por alguns diversos pesquisadores como uma forma popular para se referir ao violino,

ou para designar um instrumento semelhante a esse, mas inferior quanto ao seu acabamento: um

violino rústico. Desse ponto de vista, não é possível a emersão de uma concepção do que são as

rabecas, de maneira dissociada dos violinos.

2.2.2 Rabeca não é um violino: os anos 2000

A partir dos anos 2000, o reconhecimento das peculiaridades inerentes às rabecas,

característica marcante nos trabalhos que se moldaram a partir de uma visão prática, da práxis com

o instrumento (ver GRAMANI, 2002; FIAMINGHI, 2008), permitiu o rompimento de uma relação

que as colocou à sombra da imagem dominante dos violinos, especialmente aqueles realizados

pelos violinistas José Eduardo Gramani e Luiz Henrique Fiaminghi, que empregaram o instrumento

em suas práticas musicais.

Gramani foi o principal responsável por chamar a atenção às particularidades desses

instrumentos e concebê-los como portadores de uma voz própria, ao em vez de uma distorção dos

padrões estabelecidos para os violinos. Para ele, ―A rabeca é um instrumento. Não é uma imitação

de instrumento. Não é um violino mal acabado. Não! A rabeca é outro instrumento‖ (GRAMANI,

2002, p. 4).

Gramani apontou a falta de padronização das rabecas como a peculiaridade essencial desses

instrumentos e viu nesta característica a inspiração para seu trabalho composicional. Através da

prática instrumental com as rabecas, Gramani foi desvendando o que era característico a cada

instrumento, o que pode ser compreendido de modo mais amplo: ―Cada rabequeiro, uma rabeca.

Cada rabeca, uma música. Cada música, uma interpretação‖ (FIAMINGHI, 2008, p. 51).

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Requere-se muita habilidade de um fabricante de violino, por conseguinte, um artesão que faz uma rabeca por informação de seus antepassados (pois ele pouco pratica sua execução, e poucos instrumentos faz, só nas horas de folga) jamais vai conseguir bons resultados (HASSE, 1977 apud GRAMANI, 2009, p. 56).

O folclorista Alceu Maynard Araújo definiu o instrumento de modo semelhante: ―A rabeca

é um cordofônio de cordas vibradas por fricção, um violino rústico de 4 cordas [...]‖ (ARAÚJO, s/d,

p. 429; grifo nosso). Além dos estudiosos, esta visão foi difundida também no âmbito dos

construtores: ―Na história da lutieria coloca-se como perfeitamente definida a sucessão rabeca-

violino, resultante de aperfeiçoamentos técnicos‖ (SETTI, 1985, p. 132; grifo nosso). Esta

concepção positivista, progressista e teleológica dentro da música ocidental já teve sua crítica

formulada durante a década de 1980 por Joseph Kerman (ver KERMAN, 1987).

Com base nas descrições de rabeca expostas nesta seção, verifica-se que o termo foi

interpretado por alguns diversos pesquisadores como uma forma popular para se referir ao violino,

ou para designar um instrumento semelhante a esse, mas inferior quanto ao seu acabamento: um

violino rústico. Desse ponto de vista, não é possível a emersão de uma concepção do que são as

rabecas, de maneira dissociada dos violinos.

2.2.2 Rabeca não é um violino: os anos 2000

A partir dos anos 2000, o reconhecimento das peculiaridades inerentes às rabecas,

característica marcante nos trabalhos que se moldaram a partir de uma visão prática, da práxis com

o instrumento (ver GRAMANI, 2002; FIAMINGHI, 2008), permitiu o rompimento de uma relação

que as colocou à sombra da imagem dominante dos violinos, especialmente aqueles realizados

pelos violinistas José Eduardo Gramani e Luiz Henrique Fiaminghi, que empregaram o instrumento

em suas práticas musicais.

Gramani foi o principal responsável por chamar a atenção às particularidades desses

instrumentos e concebê-los como portadores de uma voz própria, ao em vez de uma distorção dos

padrões estabelecidos para os violinos. Para ele, ―A rabeca é um instrumento. Não é uma imitação

de instrumento. Não é um violino mal acabado. Não! A rabeca é outro instrumento‖ (GRAMANI,

2002, p. 4).

Gramani apontou a falta de padronização das rabecas como a peculiaridade essencial desses

instrumentos e viu nesta característica a inspiração para seu trabalho composicional. Através da

prática instrumental com as rabecas, Gramani foi desvendando o que era característico a cada

instrumento, o que pode ser compreendido de modo mais amplo: ―Cada rabequeiro, uma rabeca.

Cada rabeca, uma música. Cada música, uma interpretação‖ (FIAMINGHI, 2008, p. 51).

49

Tal abordagem, partindo da prática instrumental, foi desenvolvida pelo pesquisador e

também violinista Luiz Henrique Fiaminghi em sua tese de doutorado (FIAMINGHI, 2008). Nesse

trabalho, o autor chama a atenção para o papel do intérprete, apoiando-se na fenomenologia da

percepção de Merlau-Ponty, como elemento essencial no desvelamento das vozes presentes e

peculiares às rabecas. A escolha das rabecas por esses dois violinistas de formação demonstra o

reconhecimento de particularidades só encontradas nesses instrumentos, que não podem ser

experimentadas através do violino, pautando-se no fazer musical a partir das rabecas.

Fiaminghi expressou-se quanto à importância de se partir dos instrumentos para revelar

fenômenos musicais e sonoros da seguinte maneira: os instrumentos, do ponto de vista da fenomenologia da interpretação, revelaram-se portadores de particularidades determinantes, como por exemplo suas qualidades timbrísticas e sua maior ou menor capacidade de articulação, deslocando o centro de equilíbrio da arquitetura sonora como um todo (FIAMINGHI, 2008, p. 24-25)

Essa visão encontra-se imersa numa postura que a musicologia moderna vem tomando, a

partir da década de 1960, em não creditar exclusividade ao texto musical, de modo que a prática

musical com base nos instrumentos e não na tentativa de reprodução fiel dos textos musicais vem

sugerindo possibilidades de criação nas reinterpretações por parte do intérprete musical. Sobre esse

papel que a fenomenologia tem desempenhado na musicologia, Fiaminghi escreve que: Nos rastros da fenomenologia desenvolvida por Husserl e, mais tarde, por Heidegger, Sartre, Merleau-Ponty, Lyotard, entre outros, a musicologia moderna trata de desvincular-se do papel da análise do legado musical escrito, incorporando às suas ferramentas processos mais complexos, que ultrapassam os métodos de análise desenvolvidos a partir do séc. XIX e que davam predominância ao texto musical escrito, em detrimento das entrelinhas contidas nesse texto (FIAMINGHI, 2008, p. 133).

A inserção das rabecas nesse contexto, no qual a musicologia abriu as portas a outros

aspectos dependentes da atuação do intérprete, logo, não contidos na partitura, permite que emerja

uma concepção desses instrumentos pautada em seu emprego e não simplesmente em sua descrição

organológica, que, via de regra, a compara ao violino. Desse modo, o viés da fenomenologia torna

possível o surgimento de uma visão prática, não exclusivamente intelectualizada, em que o

intérprete no seu fazer musical é quem reconhece e se utiliza das características musicais e sonoras

desses instrumentos, como o exposto: [...] seguiremos em uma exposição que visa situar o papel do intérprete contemporâneo dentro dos parâmetros apontados pela fenomenologia. A consciência deste novo papel desvelou-se mais claramente para este intérprete, a partir do momento em que a musicologia e a etnomusicologia se aproximaram da antropologia [...], abrindo novos campos para compreensão dos fenômenos musicais, a exemplo do apontado por Peter Burke em relação a ‗entender a feitiçaria por dentro‘. A retomada de interesse pela rabeca, que constatamos atualmente, pode ser considerada um resultado prático destas mudanças (FIAMINGHI, 2008, p. 134).

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50

2.2.3 A perspectiva êmica

―O estudo da tradição do violino entre os caiçaras de Ubatuba conduz, de início, ao

problema da ambiguidade do nome: violino ou rabeca?‖ (SETTI, 1985, p. 135). Essa questão,

abordada sob perspectivas distintas nos dois tópicos anteriores, permanece e será tratada a seguir, a

partir das concepções dos próprios rabequeiros.

Entre os rabequeiros de comunidades nas quais a rabeca é utilizada em manifestações

tradicionais, são encontradas visões nebulosas a respeito da distinção entre a rabeca e o violino.

Para abordar essa questão, Kilza Setti recorreu a depoimentos de três músicos caiçaras ubatubanos.

O rabequista Juvenal diz que "Antigamente era rabeca; hoje eles qué que seja violino 'traveiz'. Mas

é a mesma coisa" (SETTI, 1985, p. 135; grifo nosso). Um outro rabequista-artesão, que não tem o

nome citado pela autora, afirma:

Qué dizê que o nome antigo era rabeca, né?, o povo do nosso local tudo chama rabeca, mas sempre por outros lado assim, sempre o povo 'de fora' sempre chama violino. É a mesma coisa. [...] A rabeca é a mesma coisa que o violino (SETTI, 1985, p. 136; grifo nosso).

O terceiro, Tiago, ao se referir à melhor maneira de guardar o instrumento, refere-se a este,

no mesmo depoimento, por "violino" e "ela" (rabeca) (p. 136). O que distinguiria os dois

instrumentos, para os dois primeiros, seria o acabamento: a rabeca, feita por eles, artesãos, é mais

rústica, enquanto que o violino, feito nas fábricas, é mais bem acabado. Desses depoimentos,

percebe-se que ambos os termos podem ser empregados, no contexto das comunidades caiçaras

paulistas, para se referir ao mesmo instrumento. Ao mesmo tempo em que afirmam ser o mesmo

instrumento, reconhecem a diferença no acabamento.

Moraes et al. (2006) realizaram um questionário entre músicos e artesãos da marujada, na

cidade de Bragança-PA. As autoras dedicam um capítulo de seu livro ao tema, cujo título é Rabeca

ou Violino?, e apresentam dados semelhantes aos de Setti:

Os depoimentos dos músicos e artesãos entrevistados deixam entrever algumas distinções entre rabeca e violino no aspecto da temporalidade – aquela seria antiga, este, moderno – associando intrinsecamente este conceito à qualidade do acabamento: enquanto a rabeca é rústica, o violino é sofisticado. Uma segunda associação refere-se à oposição entre o que seria o produto rural, de fabricação doméstica, a rabeca, e o de origem urbana, industrializada, o violino (MORAES et al., 2006, p. 77; grifo no original).

Por outro lado, e do mesmo modo que os caiçaras, os paraenses consultados no estudo

também não utilizam os termos rabeca e violino para se referir a instrumentos distintos: ―[...]

evidências presentes na própria fala dos entrevistados apontam para o caráter indistinto dos termos

rabeca e violino[...]‖ (MORAES et al., 2006, p. 77).

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2.2.3 A perspectiva êmica

―O estudo da tradição do violino entre os caiçaras de Ubatuba conduz, de início, ao

problema da ambiguidade do nome: violino ou rabeca?‖ (SETTI, 1985, p. 135). Essa questão,

abordada sob perspectivas distintas nos dois tópicos anteriores, permanece e será tratada a seguir, a

partir das concepções dos próprios rabequeiros.

Entre os rabequeiros de comunidades nas quais a rabeca é utilizada em manifestações

tradicionais, são encontradas visões nebulosas a respeito da distinção entre a rabeca e o violino.

Para abordar essa questão, Kilza Setti recorreu a depoimentos de três músicos caiçaras ubatubanos.

O rabequista Juvenal diz que "Antigamente era rabeca; hoje eles qué que seja violino 'traveiz'. Mas

é a mesma coisa" (SETTI, 1985, p. 135; grifo nosso). Um outro rabequista-artesão, que não tem o

nome citado pela autora, afirma:

Qué dizê que o nome antigo era rabeca, né?, o povo do nosso local tudo chama rabeca, mas sempre por outros lado assim, sempre o povo 'de fora' sempre chama violino. É a mesma coisa. [...] A rabeca é a mesma coisa que o violino (SETTI, 1985, p. 136; grifo nosso).

O terceiro, Tiago, ao se referir à melhor maneira de guardar o instrumento, refere-se a este,

no mesmo depoimento, por "violino" e "ela" (rabeca) (p. 136). O que distinguiria os dois

instrumentos, para os dois primeiros, seria o acabamento: a rabeca, feita por eles, artesãos, é mais

rústica, enquanto que o violino, feito nas fábricas, é mais bem acabado. Desses depoimentos,

percebe-se que ambos os termos podem ser empregados, no contexto das comunidades caiçaras

paulistas, para se referir ao mesmo instrumento. Ao mesmo tempo em que afirmam ser o mesmo

instrumento, reconhecem a diferença no acabamento.

Moraes et al. (2006) realizaram um questionário entre músicos e artesãos da marujada, na

cidade de Bragança-PA. As autoras dedicam um capítulo de seu livro ao tema, cujo título é Rabeca

ou Violino?, e apresentam dados semelhantes aos de Setti:

Os depoimentos dos músicos e artesãos entrevistados deixam entrever algumas distinções entre rabeca e violino no aspecto da temporalidade – aquela seria antiga, este, moderno – associando intrinsecamente este conceito à qualidade do acabamento: enquanto a rabeca é rústica, o violino é sofisticado. Uma segunda associação refere-se à oposição entre o que seria o produto rural, de fabricação doméstica, a rabeca, e o de origem urbana, industrializada, o violino (MORAES et al., 2006, p. 77; grifo no original).

Por outro lado, e do mesmo modo que os caiçaras, os paraenses consultados no estudo

também não utilizam os termos rabeca e violino para se referir a instrumentos distintos: ―[...]

evidências presentes na própria fala dos entrevistados apontam para o caráter indistinto dos termos

rabeca e violino[...]‖ (MORAES et al., 2006, p. 77).

51

Os dois depoimentos a seguir reforçam a semelhança entre os pontos de vista dos paraenses

aos dos caiçaras. Seu Juquinha, músico de Tracuateua e Quatipuru, se pronuncia assim:

[...] muito tempo depois que passou a chamar violino. Mas é a mesma rabeca. Faz tempo, porque até quando a gente vai comprar lá fora, a gente não chama rabeca, tá escrito violino. Porque vai mudando, as épocas vão mudando tudo, né? Eu agora já tô acostumado a chamar violino porque agora é violino mesmo. [...] Quem quer chamar rabeca, pode chamar. Isso é antigo já. É violino e tá escrito mesmo (apud MORAES et al., 2006, p. 81).

E é interessante o depoimento de Seu Ari, fabricante em Bragança:

[...] a diferença da rabeca pro violino tá no acabamento. É a mesma estrutura, é a mesma corda, do mesmo tamanho. Tudo é igual. [...] Olhe, é o mesmo instrumento. Eu faço a rabeca, porque o meu ainda não posso dizer que seja uma obra perfeita (apud MORAES et al., 2006, p. 81).

As autoras se expressam quanto às consequências de a rabeca ser considerada um violino

mal-acabado pelos próprios tocadores e artesãos:

Essas concepções convergem para a evidência de que, entre os bragantinos, o violino tem maior importância do que a rabeca por seu aprimoramento, tornando-se o objeto de desejo dos músicos e a forma ideal de instrumento a ser alcançada pelos artesãos. Um reflexo do fenômeno da indústria cultural sobre os valores de uma sociedade marcada pela tradição (MORAES et al., 2006, p. 77).

Essa compreensão do violino ser um instrumento mais bem acabado, associada à escassez

de artesãos que fabricam rabecas e à facilidade de se encontrar violinos de fabricação industrial, em

muitos casos provenientes da China, tem possibilitado que esse instrumento esteja cada vez mais

presente em contextos onde a rabeca costuma ser utilizada de modo tradicional. Esse fenômeno

pode ser observado no livro de Gilmar Carvalho, Rabecas do Ceará (CARVALHO, 2006), onde boa

parte do rabequeiros entrevistados pelo pesquisador está utilizando violinos de fábrica. Casos

semelhantes foram descritos para o estado de Santa Catarina (LINEMBURG; FIAMINGHI, 2013b).

No Rio Grande do Norte, a substituição está ocorrendo por preferência dos próprios

rabequeiros, em muitos casos:

Referente à popularização do violino entre os rabequeiros, Zé da Rabeca, ex-professor de rabeca do projeto Conexão Felipe Camarão, Natal/ RN dá o seguinte depoimento: ‗Está havendo agora uma substituição da rabeca pelo violino, alguns mestres amigos meus preferem hoje tocar com o violino que com uma rabeca: como mestre Oliveira, mestre Cícero e mestre Geraldo. Todos a estão substituindo, pois é mais fácil comprar um violino que uma rabeca, são poucos os construtores de rabecas, já que o som do violino é mais limpo, eles estão indo na influência e continua [...]. Este movimento de substituição é aqui no Rio Grande do Norte onde eu conheço os mestres daqui‘ (SANTOS, 2011, p. 31).

Santos relata fenômeno parecido, verificado, ainda, no estado da Paraíba:

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52

O mestre Hermínio, de Bayeux PB, justifica sua preferência pelo violino dizendo o seguinte: ‗A tonalidade da Rabeca é rouca, o violino é um instrumento mais prá frente, tem mais qualidade que a rabeca e a tonalidade é diferente, a rabeca tem o som mais grosso e o violino tem o som mais fino. A escala de rabeca é diferente da escala de violino. Eu prefiro tocar o violino, toquei rabeca desde criança e agora comprei um violino. Agora prefiro o violino, o som é mais bonito a escala é mais fácil. Toco no Boi de Reis do mestre Zequinha aqui de Bayeux (SANTOS, 2011, p. 32).

Outra constatação interessante realizada por Santos é que a substituição das rabecas pelo

violino tem se dado entre rabequeiros mais antigos, nascidos em meados do século XX. Segundo o

autor, esses instrumentistas ―parecem liberados do compromisso de preservação da tradição oral‖,

um compromisso intimamente relacionado às práticas dos novos rabequeiros e de projetos

governamentais (SANTOS, 2011, p. 42-43).

A cultura popular tem representado um objeto de prestígio por parte de pesquisadores,

artistas e da indústria fonográfica nas últimas décadas. Dentro desse contexto, tanto a música quanto

os instrumentos tradicionais vêm ocupando posição de destaque na mídia, em editais

governamentais de cultura e educação e incorporação nos discursos de identidade e manutenção

cultural. No caso das rabecas, entretanto, como exposto por Roderick Santos, ―A distinção entre os

instrumentos [violino e rabeca] perece assumir uma maior importância entre as novas gerações de

rabequeiros e para estudos organológicos‖ (SANTOS, 2011, p. 46). Entre os rabequeiros inseridos

nas tradições, essa separação não está clara nem incorporada habitualmente nos discursos dos

foliões, brincantes, músicos e artesãos.

Porém, entre os músicos urbanos, o discurso é diferente, e alguns parecem expressar de

modo claro a diferença entre os dois. Siba, ex-vocalista e rabequeiro na banda Mestre Ambrósio,

pronunciou-se da seguinte maneira: ―Um tocador de violino passa anos aprendendo a limpar os

timbres, mas o rabequeiro não limpa, está mais preocupado com a pancada do braço, o ritmo, os

sons rasgados‖ (RAIZ, s/d). Das palavras de Siba, pode-se perceber que as diferenças são de caráter

sonoro-musical, ―ritmo‖, ―sons rasgados‖. Em entrevista cedida ao autor, o rabequeiro Cláudio da

Rabeca, nome artístico de Cláudio Sérgio Ribeiro Correia, explicou sua opinião sobre semelhanças

e diferenças entre rabecas e violinos. Para Cláudio, a principal semelhança está na presença do arco,

enquanto que as características que distinguem o primeiro do segundo se referem, segundo ele, ao

―timbre‖ e à ―técnica de tocar‖, assim como à falta de padrão das rabecas:

As diferenças são principalmente quanto ao timbre e técnicas de tocar, pelo fato da rabeca brasileira ter ausência de padrão, as madeiras, arcos, formas de construção, cordas e afinação, tudo isso influencia a timbres diferentes, mas em geral elas possuem um som rouco, mais áspero, menos aveludado do que o violino, também geralmente não possuem o equilíbrio de frequências que o violino costuma ter, como graves, médios e agudos, soando em equilíbrio. As Rabecas geralmente tem muito médio e agudo, poucas e geralmente na

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O mestre Hermínio, de Bayeux PB, justifica sua preferência pelo violino dizendo o seguinte: ‗A tonalidade da Rabeca é rouca, o violino é um instrumento mais prá frente, tem mais qualidade que a rabeca e a tonalidade é diferente, a rabeca tem o som mais grosso e o violino tem o som mais fino. A escala de rabeca é diferente da escala de violino. Eu prefiro tocar o violino, toquei rabeca desde criança e agora comprei um violino. Agora prefiro o violino, o som é mais bonito a escala é mais fácil. Toco no Boi de Reis do mestre Zequinha aqui de Bayeux (SANTOS, 2011, p. 32).

Outra constatação interessante realizada por Santos é que a substituição das rabecas pelo

violino tem se dado entre rabequeiros mais antigos, nascidos em meados do século XX. Segundo o

autor, esses instrumentistas ―parecem liberados do compromisso de preservação da tradição oral‖,

um compromisso intimamente relacionado às práticas dos novos rabequeiros e de projetos

governamentais (SANTOS, 2011, p. 42-43).

A cultura popular tem representado um objeto de prestígio por parte de pesquisadores,

artistas e da indústria fonográfica nas últimas décadas. Dentro desse contexto, tanto a música quanto

os instrumentos tradicionais vêm ocupando posição de destaque na mídia, em editais

governamentais de cultura e educação e incorporação nos discursos de identidade e manutenção

cultural. No caso das rabecas, entretanto, como exposto por Roderick Santos, ―A distinção entre os

instrumentos [violino e rabeca] perece assumir uma maior importância entre as novas gerações de

rabequeiros e para estudos organológicos‖ (SANTOS, 2011, p. 46). Entre os rabequeiros inseridos

nas tradições, essa separação não está clara nem incorporada habitualmente nos discursos dos

foliões, brincantes, músicos e artesãos.

Porém, entre os músicos urbanos, o discurso é diferente, e alguns parecem expressar de

modo claro a diferença entre os dois. Siba, ex-vocalista e rabequeiro na banda Mestre Ambrósio,

pronunciou-se da seguinte maneira: ―Um tocador de violino passa anos aprendendo a limpar os

timbres, mas o rabequeiro não limpa, está mais preocupado com a pancada do braço, o ritmo, os

sons rasgados‖ (RAIZ, s/d). Das palavras de Siba, pode-se perceber que as diferenças são de caráter

sonoro-musical, ―ritmo‖, ―sons rasgados‖. Em entrevista cedida ao autor, o rabequeiro Cláudio da

Rabeca, nome artístico de Cláudio Sérgio Ribeiro Correia, explicou sua opinião sobre semelhanças

e diferenças entre rabecas e violinos. Para Cláudio, a principal semelhança está na presença do arco,

enquanto que as características que distinguem o primeiro do segundo se referem, segundo ele, ao

―timbre‖ e à ―técnica de tocar‖, assim como à falta de padrão das rabecas:

As diferenças são principalmente quanto ao timbre e técnicas de tocar, pelo fato da rabeca brasileira ter ausência de padrão, as madeiras, arcos, formas de construção, cordas e afinação, tudo isso influencia a timbres diferentes, mas em geral elas possuem um som rouco, mais áspero, menos aveludado do que o violino, também geralmente não possuem o equilíbrio de frequências que o violino costuma ter, como graves, médios e agudos, soando em equilíbrio. As Rabecas geralmente tem muito médio e agudo, poucas e geralmente na

53

minha opinião as melhores, são as que possuem um bom grave, pois médio e agudo todas possuem‖ (CORREIA, 2014).

Cláudio demonstra, ainda, que sua escolha pela rabeca se deu por uma questão de

identidade:

[...] primeiramente me apaixonei pela Rabeca ouvindo o Mestre Ambrósio, o timbre da rabeca de Siba me soava incrivelmente bonita e me reconectava com minhas raízes, daí comecei a conhecer um pouco melhor a rabeca. [...] ela me remete com mais verdade para minha ancestralidade, fui criado com o pé na terra, gosto de coisas simples, acho que a Rabeca combina com simplicidade e força ancestral, sem deixar ser menor ou simplória‖ (CORREIA, 2014).

2.3 REFLEXOS DA MODERNIDADE

Uma fato que tem chamado a atenção é a substituição crescente das rabecas por violinos

em diversos estados brasileiros, como Ceará, Paraíba, Rio Grande do Norte e Santa Catarina

(CARVALHO, 2006; SANTOS, 2011; LINEMBURG; FIAMINGHI, 2013a). A partir dos

depoimentos de rabequeiros e fabricantes, esse fenômeno tem-se dado ora pela escolha dos próprios

instrumentistas (SANTOS, 2011, p. 31-32), ora pela dificuldade de se encontrar rabecas no mercado

(SANTOS, 2011, p. 31). No primeiro caso, embora não se possa deixar de considerar a escolha

consciente que os músicos fazem pelo violino, os discursos deles deixam transparecer a

possibilidade de que esta escolha envolve valores introduzidos em sua cultura, segundo os quais o

violino é inegavelmente um instrumento melhor que a rabeca. Ao optar pelo primeiro, o rabequeiro

estará fazendo a ―escolha pelo melhor‖ e ―agindo da maneira apropriada‖, garantindo sua maior

adequação a esses valores. Já o caso da escassez de rabecas à disposição no mercado pode ser

reflexo tanto desta preferência pelo violino, diminuindo a procura por aquelas, quanto da forma

como esses instrumentos têm sido favorecidos pela lógica capitalista de produção em série da

indústria moderna.

De acordo com o sociólogo Anthony Giddens, a ―modernidade‖ corresponde a um ―[...]

estilo, costume de vida ou organização social que emergiram na Europa a partir do século XVII e

que ulteriormente se tornaram mais ou menos mundiais em sua influência‖ (GIDDENS, 1991, p.

11; grifo nosso). Tomando o violino como exemplo desta influência, constata-se que ela se

disseminou para muito além da Europa, ambiente em que surgiu esse instrumento. Sua utilização

em determinados contextos, substituindo instrumentos de arco tradicionais, pode ser verificada, por

exemplo, na música indiana, ocupando o lugar do sarangi.

Giddens apresenta o conceito de ―desencaixe‖ para se compreender os eventos de mudança

social na modernidade, entendido como o ―‗deslocamento‘ das relações sociais de contextos locais

de interação e sua reestruturação através de extensões indefinidas de tempo-espaço‖ (GIDDENS,

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1991, p. 31). Focando-se na produção em série de violinos na China, esse deslocamento se torna

evidente, uma vez que esses instrumentos serão vendidos em todo o mundo (deslocamento de

espaço), não apenas na China, para consumidores potenciais, não definidos previamente, num

momento incerto, no futuro (deslocamento de tempo). Através desta perspectiva, pode-se analisar a

inserção crescente de violinos de fábrica nos contextos tradicionais, produtos manufaturados em

série na Ásia substituindo as rabecas de produção local, no Brasil. As relações em âmbito restrito, a

produção de rabecas para uso em manifestações tradicionais regionais, demonstram-se afetadas pela

facilidade de se comprar os violinos estrangeiros, oferecidos amplamente no mercado.

O capitalismo e a produção industrial podem ser compreendidos dentro da perspectiva de

desencaixe. Esse deslocamento das relações locais, onde bens produzidos em determinada

localidade podem ser fabricados constantemente, tem sua difusão e venda garantidas por um

sistema de relações comerciais em larga escala de tempo-espaço. O desencaixe possibilita a

dissociação entre o tempo e o espaço, intimamente ligados nos contextos tradicionais. De acordo

com Giddens, sua separação completa

se deu no final do século XVIII, com a invenção do relógio mecânico e um de seus principais aspectos é a padronização em escala mundial dos calendários. Todos seguem atualmente o mesmo sistema de datação [...] (GIDDENS, 1991, p. 27-28).

Alguns autores afirmam que o fim do século XX tem experimentado uma transição de um

sistema baseado na manufatura de bens de consumo para outro, baseado na informação, o que tem

sido chamado, dentre outros termos, de pós-modernidade, caracterizada

por uma evaporação da grand narrative – o ‗enredo‘ dominante por meio do qual somos inseridos na história como seres tendo um passado definitivo e um futuro predizível. A perspectiva pós-moderna vê uma pluralidade de reivindicações heterogêneas de conhecimento, na qual a ciência não tem um lugar privilegiado (GIDDENS, 1991, p. 12; grifo nosso).

No contexto atual, todos passam a ter voz e as figuras dominantes, com base num saber

predominantemente científico, particularmente, são confrontadas com aqueles que estiveram à sua

sombra. A reapreciação das rabecas por parte de acadêmicos e instrumentistas situa-se claramente

nessa discussão, indo de encontro à perspectiva influenciada pelo evolucionismo social, de acordo

com a qual o violino poderia ser interpretado como o resultado predizível, teleologicamente

determinado, de aprimoramentos a partir daquela, como se detecta no discurso da luteria, citado

anteriormente. Para Giddens, dissociar-se desta visão evolucionista representa romper com a

concepção de história que ―pode ser contada em termos de um ‗enredo‘ que impõe uma imagem

ordenada sobre uma mixórdia de acontecimentos humanos‖ (GIDDENS, 1991, p. 15). Porém, esse

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1991, p. 31). Focando-se na produção em série de violinos na China, esse deslocamento se torna

evidente, uma vez que esses instrumentos serão vendidos em todo o mundo (deslocamento de

espaço), não apenas na China, para consumidores potenciais, não definidos previamente, num

momento incerto, no futuro (deslocamento de tempo). Através desta perspectiva, pode-se analisar a

inserção crescente de violinos de fábrica nos contextos tradicionais, produtos manufaturados em

série na Ásia substituindo as rabecas de produção local, no Brasil. As relações em âmbito restrito, a

produção de rabecas para uso em manifestações tradicionais regionais, demonstram-se afetadas pela

facilidade de se comprar os violinos estrangeiros, oferecidos amplamente no mercado.

O capitalismo e a produção industrial podem ser compreendidos dentro da perspectiva de

desencaixe. Esse deslocamento das relações locais, onde bens produzidos em determinada

localidade podem ser fabricados constantemente, tem sua difusão e venda garantidas por um

sistema de relações comerciais em larga escala de tempo-espaço. O desencaixe possibilita a

dissociação entre o tempo e o espaço, intimamente ligados nos contextos tradicionais. De acordo

com Giddens, sua separação completa

se deu no final do século XVIII, com a invenção do relógio mecânico e um de seus principais aspectos é a padronização em escala mundial dos calendários. Todos seguem atualmente o mesmo sistema de datação [...] (GIDDENS, 1991, p. 27-28).

Alguns autores afirmam que o fim do século XX tem experimentado uma transição de um

sistema baseado na manufatura de bens de consumo para outro, baseado na informação, o que tem

sido chamado, dentre outros termos, de pós-modernidade, caracterizada

por uma evaporação da grand narrative – o ‗enredo‘ dominante por meio do qual somos inseridos na história como seres tendo um passado definitivo e um futuro predizível. A perspectiva pós-moderna vê uma pluralidade de reivindicações heterogêneas de conhecimento, na qual a ciência não tem um lugar privilegiado (GIDDENS, 1991, p. 12; grifo nosso).

No contexto atual, todos passam a ter voz e as figuras dominantes, com base num saber

predominantemente científico, particularmente, são confrontadas com aqueles que estiveram à sua

sombra. A reapreciação das rabecas por parte de acadêmicos e instrumentistas situa-se claramente

nessa discussão, indo de encontro à perspectiva influenciada pelo evolucionismo social, de acordo

com a qual o violino poderia ser interpretado como o resultado predizível, teleologicamente

determinado, de aprimoramentos a partir daquela, como se detecta no discurso da luteria, citado

anteriormente. Para Giddens, dissociar-se desta visão evolucionista representa romper com a

concepção de história que ―pode ser contada em termos de um ‗enredo‘ que impõe uma imagem

ordenada sobre uma mixórdia de acontecimentos humanos‖ (GIDDENS, 1991, p. 15). Porém, esse

55

discurso encontra-se intensamente incorporado no seio das tradições, como atesta a fala de Seu Ari,

de Bragança-PA, quando deixa claro seu objetivo de ―aprimorar suas rabecas até poderem ser

chamadas de violinos‖ (MORAES et al., 2006, p. 81).

Desse modo, uma relação dialética se estabelece nos cenários brasileiros onde as rabecas

fazem parte das culturas locais, a partir de um input constante de violinos vindos de fora e de uma

valorização do tradicional por parte de pesquisadores e instrumentistas que veem nas rabecas

qualidades peculiares, ausentes nos violinos. Ambos os instrumentos coexistem, realizando as

mesmas funções, atuando diretamente na reinvenção dessas culturas tradicionais.

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3 AS RABECAS EM MÁRIO DE ANDRADE

3.1 NACIONALISMO, AS VIAGENS ETNOGRÁFICAS E O REGISTRO DA MÚSICA

POPULAR BRASILEIRA

Mário de Andrade representa, certamente, uma das figuras centrais na idealização do

movimento modernista-nacionalista das artes no Brasil. Por volta do ano 1921, na qualidade de

docente do Conservatório Dramático de São Paulo, o sentimento de valorização da cultura nacional

já se encontrava manifesto por meio de registros meticulosos de algumas manifestações populares,

em São Paulo e adjacências, pelo professor (LOPEZ, 1976, p. 15).

Em 1924, Mário teve a oportunidade de realizar, junto a outros artistas modernistas, como

Tarsila do Amaral e Oswald de Andrade, uma excursão pelo interior do estado de Minas Gerais, que

mais tarde foi denominada ―viagem de descoberta do Brasil‖ (LOPEZ, 1976, p. 16). Desse contato

direto com uma ―parcela do povo brasileiro‖, um projeto nacional de base estética foi convertendo-

se e tomando forma de ―projeto ideológico‖ (LOPEZ, 1976, p. 16).

Ainda no decorrer da década de 1920, Mário se lançou em duas grandes explorações, de

caráter etnográfico, de territórios distantes e desconhecidos por ele, que duraram cerca de três meses

cada uma. Na primeira delas, entre maio e agosto de 1927, o escritor conheceu grande parte da

Amazônia (Pará e Amazonas), transpondo as fronteiras nacionais até o Peru e a Bolívia. Em sua

segunda viagem, iniciada em dezembro de 1928 e concluída em fevereiro de 1929, o escritor se

aproximou e conviveu com a cultura da região Nordeste. Visitou os estados de Pernambuco,

Alagoas, Rio Grande do Norte e Paraíba (LOPEZ, 1976, p. 20). Telê Porto Ancona Lopez foi a

responsável pela organização e publicação de O Turista aprendiz (1976), livro que reúne os relatos

resultantes dessas duas viagens: diários, notas de pesquisa e crônicas produzidas durante a segunda

viagem no papel de correspondente do recém-criado Diário Nacional (LOPEZ, 1976, p. 20). Na

Introdução, a pesquisadora expressa que o viajante trabalhou ―arduamente, sobretudo na Paraíba e

Rio Grande do Norte, recolhendo documentos musicais de intérpretes convocados por seus amigos,

ou assistindo a ensaios e representações de danças dramáticas‖ (LOPEZ, 1976, p. 20).

De fato, para Mário, a música era de extrema importância para o empreendimento do

projeto nacional, como expresso em Ensaio sobre a música brasileira: ―A música popular brasileira

é a mais completa, mais totalmente nacional, mais forte criação da nossa raça até agora‖

(ANDRADE, 1972, p. 7). O papel concebido para essa música, entretanto, estava condicionado a

servir como fonte nutridora de elementos para a criação de uma música artística nacional:

Pelo que se sabe de Mário de Andrade na época de sua maior atividade como pesquisador de folclore, seu interesse residia então, antes de mais nada, em obter documentos musicais

Page 59: A ADMINISTRAÇÃO AS RABECAS BRASILEIRAS NA …sistemabu.udesc.br/pergamumweb/vinculos/00006a/00006a45.pdfO violinista e compositor José Eduardo Gramani foi um dos grandes responsáveis

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3 AS RABECAS EM MÁRIO DE ANDRADE

3.1 NACIONALISMO, AS VIAGENS ETNOGRÁFICAS E O REGISTRO DA MÚSICA

POPULAR BRASILEIRA

Mário de Andrade representa, certamente, uma das figuras centrais na idealização do

movimento modernista-nacionalista das artes no Brasil. Por volta do ano 1921, na qualidade de

docente do Conservatório Dramático de São Paulo, o sentimento de valorização da cultura nacional

já se encontrava manifesto por meio de registros meticulosos de algumas manifestações populares,

em São Paulo e adjacências, pelo professor (LOPEZ, 1976, p. 15).

Em 1924, Mário teve a oportunidade de realizar, junto a outros artistas modernistas, como

Tarsila do Amaral e Oswald de Andrade, uma excursão pelo interior do estado de Minas Gerais, que

mais tarde foi denominada ―viagem de descoberta do Brasil‖ (LOPEZ, 1976, p. 16). Desse contato

direto com uma ―parcela do povo brasileiro‖, um projeto nacional de base estética foi convertendo-

se e tomando forma de ―projeto ideológico‖ (LOPEZ, 1976, p. 16).

Ainda no decorrer da década de 1920, Mário se lançou em duas grandes explorações, de

caráter etnográfico, de territórios distantes e desconhecidos por ele, que duraram cerca de três meses

cada uma. Na primeira delas, entre maio e agosto de 1927, o escritor conheceu grande parte da

Amazônia (Pará e Amazonas), transpondo as fronteiras nacionais até o Peru e a Bolívia. Em sua

segunda viagem, iniciada em dezembro de 1928 e concluída em fevereiro de 1929, o escritor se

aproximou e conviveu com a cultura da região Nordeste. Visitou os estados de Pernambuco,

Alagoas, Rio Grande do Norte e Paraíba (LOPEZ, 1976, p. 20). Telê Porto Ancona Lopez foi a

responsável pela organização e publicação de O Turista aprendiz (1976), livro que reúne os relatos

resultantes dessas duas viagens: diários, notas de pesquisa e crônicas produzidas durante a segunda

viagem no papel de correspondente do recém-criado Diário Nacional (LOPEZ, 1976, p. 20). Na

Introdução, a pesquisadora expressa que o viajante trabalhou ―arduamente, sobretudo na Paraíba e

Rio Grande do Norte, recolhendo documentos musicais de intérpretes convocados por seus amigos,

ou assistindo a ensaios e representações de danças dramáticas‖ (LOPEZ, 1976, p. 20).

De fato, para Mário, a música era de extrema importância para o empreendimento do

projeto nacional, como expresso em Ensaio sobre a música brasileira: ―A música popular brasileira

é a mais completa, mais totalmente nacional, mais forte criação da nossa raça até agora‖

(ANDRADE, 1972, p. 7). O papel concebido para essa música, entretanto, estava condicionado a

servir como fonte nutridora de elementos para a criação de uma música artística nacional:

Pelo que se sabe de Mário de Andrade na época de sua maior atividade como pesquisador de folclore, seu interesse residia então, antes de mais nada, em obter documentos musicais

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populares que ajudassem os compositores brasileiros a fixarem as bases nacionais da nossa música artística. Suas pesquisas começaram como um trabalho fundamentalmente de músico que não pretendia considerar-se folclorista (ALVARENGA, 1984, p. 16; grifo nosso).

A intenção de Mário em suas viagens etnográficas era tornar acessível essa fonte aos

compositores. Seu empenho foi tamanho que, em apenas três meses de permanência na região

Nordeste, os documentos produzidos pelo pesquisador beiram o ―milhar e meio‖ (ALVARENGA,

1984, p. 17). E, nas palavras de Oneyda Alvarenga,

o fruto das pesquisas de Mário de Andrade constitui até hoje o maior e melhor acervo de música folclórica brasileira registrado por um pesquisador sozinho e por grafia musical direta (ALVARENGA, 1984, p. 18).

O material referente às manifestações populares resultante da segunda viagem iria compor

uma obra imensa sobre a música popular do Nordeste, cujo título, Na Pancada do Ganzá, chegou a

ser mencionado por Mário algumas vezes. ―Raríssimos são os documentos folclóricos

positivamente identificáveis como resultante da primeira excursão brasileira de Mário de Andrade

[...]‖ (ALVARENGA, 1984, p. 10). Infelizmente, o pesquisador acabou abandonando o projeto.

Dois importantes eventos são citados por Oneyda:

Em 5 de junho de 1935 Mário de Andrade assumiu o cargo de Diretor do Departamento de Cultura da Prefeitura de São Paulo, acabado de criar, e no termo de posse enterrou de uma vez o 'Na Pancada do Ganzá' e quase tudo o mais que projetara fazer de literatura e estudos sobre arte (ALVARENGA, 1984, p. 12).

O segundo diz respeito à sua mudança para o Rio de Janeiro, onde permaneceu entre os

anos de 1938-1941, período em que se queixava de estar longe de seus livros e documentos, o que

tornou impossível a continuação de seus estudos técnicos (ALVARENGA, 1984, p. 12). Esses

manuscritos foram herdados pela aluna, assistente e amiga próxima, Oneyda Alvarenga, que após

trabalho meticuloso publicou-os em quatro obras: I - Danças dramáticas do Brasil (1959), II - Os

Cocos (1984), III - As melodias do Boi e outras peças (1987) e IV - Música de feitiçaria no Brasil

(1963), como ela própria esclarece no início de Os Cocos, na seção ―Explicações‖.

Entretanto, mesmo antes de sua viagem ao Nordeste, Mário expressara a insuficiência de

se registrar a música popular brasileira em transcrições no formato de partituras. Em sua coluna no

Diário Nacional encontra-se um registro da consciência do pesquisador a respeito da grande

importância do emprego do gravador sonoro: ―Nossa música popular é um tesouro prodigioso,

condenado à morte. A fonografia se impõe como remédio de salvação‖ (ANDRADE apud TONI,

2008, p. 25). Embora o fonógrafo já estivesse sendo bastante utilizado em pesquisas etnográficas

musicais em diversas partes do globo e, inclusive, no território brasileiro, como evidenciam as

Page 60: A ADMINISTRAÇÃO AS RABECAS BRASILEIRAS NA …sistemabu.udesc.br/pergamumweb/vinculos/00006a/00006a45.pdfO violinista e compositor José Eduardo Gramani foi um dos grandes responsáveis

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excursões de Koch Grunberg (1907) e Roquete Pinto (1912), na época em que Mário realizou sua

viagem ao Nordeste, esse tipo de tecnologia não parecia ainda ser amplamente difundida e

acessível.

Ao retornar, em 1929, Mário, trabalhando até cerca de 1935 com o material da viagem, vai

se tornando cada vez mais convicto da importância de se registrar as manifestações populares em

gravações, fotografias e filmagens (TONI, 2008, p. 26). No mesmo texto publicado no Diário

Nacional, ele justifica a necessidade do fonógrafo com base na impossibilidade do registro gráfico

em partitura captar uma série de informações sonoras presentes naquela música (TONI, 2008, p.

25). À frente do Departamento de Cultura da cidade de São Paulo, o pesquisador criou a Discoteca

Pública, a qual veio a adquirir um gravador Presto Recorder, equipamento de ponta para a época e

que possibilitou a realização de gravações em campo (TONI, 2008, p. 27).

Em 1938, uma equipe liderada pelo arquiteto Luís Saia e composta pelo músico Martin

Braunwieser, pelo técnico de som Benedicto Pacheco e o auxiliar geral e assistente de gravação

Antônio Ladeira partiu de Santos rumo ao Nordeste e Norte do país para ―gravar, filmar e fotografar

as manifestações musicais com as quais 'topassem pelo caminho'‖ (TONI, 2008, p. 29). Os

pesquisadores realizaram registros em diversos estados nordestinos, especialmente, em Pernambuco

e na Paraíba. Entretanto, não o fizeram em Alagoas e Rio Grande do Norte, estados onde Mário

havia estado anteriormente há uma década.

É interessante o fato de a Missão não ter passado pelo Rio Grande do Norte, onde Mário,

responsável pela concepção desta expedição, passou boa parte de sua viagem e trabalhou mais

arduamente no registro de material musical, uma vez que o contato com a figura do embolador

Chico Antônio e o espetáculo do bumba meu boi de Fontes na localidade de Bom Jardim marcaram

profundamente o pesquisador, como expressou em seu diário: ―De-noite o ‗Boi‘ de Fontes veio

dançar no engenho. A mais perfeita dança dramática que já vi na viagem. Artistas deliciosos de

espontaneidade e espírito‖ (ANDRADE, 1976, p. 356). E a importância dada à música potiguar era

tamanha que:

parece ter havido um momento, talvez ainda em meio às pesquisas, em que a intenção de Mário foi dedicar um livro à música folclórica do Rio Grande do Norte, exclusivamente. […] achei quatro desenhos parecendo rabiscados por Mário, dos quais dois, francamente capas de livros, registram: ―Mário de Andrade / Populário Musical Potiguar / 1929‖; ―Populário Musical Potiguar / Mário‖. O segundo foi cancelado; e em ambos se vê um ganzá‖ (ALVARENGA, 1984, p. 9).

Duas hipóteses são levantadas para o não registro da música popular potiguar pela Missão:

a primeira é que, como a viagem ocorreu entre os meses de fevereiro e julho de 1938, coincidiram

com as montagens de carnaval e o ciclo joanino, mas não com o natalino, ao qual boa parte das

manifestações observadas por Mário em terras potiguares está associada. A pesquisadora Flávia C.

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excursões de Koch Grunberg (1907) e Roquete Pinto (1912), na época em que Mário realizou sua

viagem ao Nordeste, esse tipo de tecnologia não parecia ainda ser amplamente difundida e

acessível.

Ao retornar, em 1929, Mário, trabalhando até cerca de 1935 com o material da viagem, vai

se tornando cada vez mais convicto da importância de se registrar as manifestações populares em

gravações, fotografias e filmagens (TONI, 2008, p. 26). No mesmo texto publicado no Diário

Nacional, ele justifica a necessidade do fonógrafo com base na impossibilidade do registro gráfico

em partitura captar uma série de informações sonoras presentes naquela música (TONI, 2008, p.

25). À frente do Departamento de Cultura da cidade de São Paulo, o pesquisador criou a Discoteca

Pública, a qual veio a adquirir um gravador Presto Recorder, equipamento de ponta para a época e

que possibilitou a realização de gravações em campo (TONI, 2008, p. 27).

Em 1938, uma equipe liderada pelo arquiteto Luís Saia e composta pelo músico Martin

Braunwieser, pelo técnico de som Benedicto Pacheco e o auxiliar geral e assistente de gravação

Antônio Ladeira partiu de Santos rumo ao Nordeste e Norte do país para ―gravar, filmar e fotografar

as manifestações musicais com as quais 'topassem pelo caminho'‖ (TONI, 2008, p. 29). Os

pesquisadores realizaram registros em diversos estados nordestinos, especialmente, em Pernambuco

e na Paraíba. Entretanto, não o fizeram em Alagoas e Rio Grande do Norte, estados onde Mário

havia estado anteriormente há uma década.

É interessante o fato de a Missão não ter passado pelo Rio Grande do Norte, onde Mário,

responsável pela concepção desta expedição, passou boa parte de sua viagem e trabalhou mais

arduamente no registro de material musical, uma vez que o contato com a figura do embolador

Chico Antônio e o espetáculo do bumba meu boi de Fontes na localidade de Bom Jardim marcaram

profundamente o pesquisador, como expressou em seu diário: ―De-noite o ‗Boi‘ de Fontes veio

dançar no engenho. A mais perfeita dança dramática que já vi na viagem. Artistas deliciosos de

espontaneidade e espírito‖ (ANDRADE, 1976, p. 356). E a importância dada à música potiguar era

tamanha que:

parece ter havido um momento, talvez ainda em meio às pesquisas, em que a intenção de Mário foi dedicar um livro à música folclórica do Rio Grande do Norte, exclusivamente. […] achei quatro desenhos parecendo rabiscados por Mário, dos quais dois, francamente capas de livros, registram: ―Mário de Andrade / Populário Musical Potiguar / 1929‖; ―Populário Musical Potiguar / Mário‖. O segundo foi cancelado; e em ambos se vê um ganzá‖ (ALVARENGA, 1984, p. 9).

Duas hipóteses são levantadas para o não registro da música popular potiguar pela Missão:

a primeira é que, como a viagem ocorreu entre os meses de fevereiro e julho de 1938, coincidiram

com as montagens de carnaval e o ciclo joanino, mas não com o natalino, ao qual boa parte das

manifestações observadas por Mário em terras potiguares está associada. A pesquisadora Flávia C.

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Toni explica que isto, de fato, se deu em relação a outro estado nordestino: ―[...] nem passaram pela

Bahia, onde o calendário musical se concentrava principalmente no início de dezembro‖ (TONI,

2008, p. 30). A outra possibilidade é que, como expressado por Mário em algumas de suas

correspondências enviadas a Câmara Cascudo, o primeiro deixa claro seu desejo de retornar

pessoalmente ao Rio Grande do Norte, comentando mesmo sobre a possibilidade de comprar um

terreno em terras potiguares (ANDRADE, 2000, p. 89-91).

3.2 A MÚSICA DE RABECA EM MÁRIO DE ANDRADE

Como já exposto anteriormente, o material resultante da viagem etnográfica ao Nordeste

corresponde a uma das maiores empreitadas realizadas por um pesquisador para reunir material

referente à música popular brasileira. Devido ao fato de a rabeca ser encontrada em diversas das

manifestações populares registradas por Mário, empreendeu-se uma busca com o objetivo de

detectar o conteúdo referente a esse instrumento inserido na obra do autor. Para isto, foram

realizadas consultas de manuscritos alocados no Arquivo Mário de Andrade do Instituto de Estudos

Brasileiros da Universidade de São Paulo, IEB-USP, em dois momentos: entre 07 e 08 de novembro

de 2011 e no período de 05 a 07 de fevereiro de 2014.

Pôde-se observar que a maior parte do material relacionado ao repertório das rabecas e

manifestações em que esse instrumento é utilizado, presente no Arquivo Mário de Andrade,

encontra-se publicada e é resultado da viagem etnográfica à região Nordeste (ANDRADE, 1959;

1976; 1984; 1987). No terceiro tomo de Danças dramáticas do Brasil (ANDRADE, 1959),

encontra-se uma série de 29 melodias (toadas e danças) fornecidas pelo rabequeiro Vilemão da

Trindade, integrante do bumba meu boi assistido e registrado pelo autor, em Bom Jardim-RN. Nesta

obra, também se encontra publicada a descrição de Vilemão, na ―Psicologia dos Cantadores‖

(ANDRADE, 1959, p. 10-11).

Em as Melodias do boi e outras peças (ANDRADE, 1987), foi detectada outra série de treze

melodias fornecidas também por Vilemão (p. 36), incluindo Romances (p. 150-152), Toadas (p.

171-174) e Desafios (p. 187-190). N‘Os cocos (ANDRADE, 1984), encontra-se apenas uma

melodia relacionada à rabeca, também informada pelo mesmo rabequeiro: O sol lá vem (p. 65). Já

em O Turista aprendiz, encontra-se citações sobre a rabeca e o rabequeiro Vilemão da Trindade nas

páginas 354-356 (ANDRADE, 1976).

Além desse material coletado por Mário, também foram encontradas outras melodias

atribuídas à rabeca, registradas por outro pesquisador. O musicólogo José Mozart de Araújo obteve

sete toadas de cego, em Itapipoca-CE. Essas toadas enviadas a Mário, junto a uma carta, são datadas

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de 28.11.1934 e ainda não foram publicadas. A seguir, o repertório de rabeca detectado na obra de

Mário de Andrade é apresentado e discutido, subdividido em gêneros.

3.2.1 Bumba meu boi de Fontes em Bom Jardim-RN

―Bumba meu boi‖ é o nome dado à dança dramática, realizada no Nordeste, cuja trama gira

em torno da morte e ressurreição da figura principal, o boi (ANDRADE, 1989, p. 62). Nessa região,

o boi está associado ao ciclo de comemorações natalinas1 (nota: Araújo comenta que em algumas

regiões há dois bois: o do solstício de verão e o de inverno). No Ceará: o boi-de-reis é natalino e o

boi-de-São-João é junino. No Piauí, dá-se o mesmo (ARAÚJO, 1964, p. 406), o que caracteriza

como um tipo de Reisado (ALVARENGA, 1982, p. 41); enquanto que no Norte, o boi bumbá, como

é chamado no Norte, Pará e Amazonas, é exibido nas comemorações relacionadas a São João

(CASCUDO, 2012; p. 117).

Cascudo acredita que o folguedo seja genuína e exclusivamente brasileiro, com origem na

região Nordeste, de onde migrou para os outros cantos do país: Norte, Centro-Oeste e Sul

(CASCUDO, 2012, p. 136-137). Segundo Oneyda Alvarenga (1982, p. 41), ―um dos valores da

dança dramática do Bumba meu boi é ser fundamentalmente nacional nas suas características, nos

tipos e costumes que põe em cena, nos seus textos e nas suas músicas‖. Alceu Maynard Araújo

acredita, entretanto, que não se pode afirmar que o bumba meu boi seja genuinamente brasileiro

(ARAÚJO, 1964, p. 401).

A figura de um boi feito de armação de madeira coberta de pano, que dança e pula,

presente nos bois brasileiros, parece ter relação com as Tourinhas portuguesas, do Minho

(CASCUDO, 1984, p. 425). No Brasil, o folguedo se formou pela ―aglutinação incessante de outros

bailados de menor densidade na apreciação coletiva‖ ao redor dele (CASCUDO, 2012, p. 138). Ao

boi, juntaram-se os ―motivos comuns ao trabalho pastoril e figuras normais dos povoados e vilas

próximas, […] as visões da literatura oral [...] e os entes naturais‖ (CASCUDO, 2012, p. 138). As

personagens do folguedo podem ser classificadas em humanas, animais e fantásticas

(ALVARENGA, 1982, p. 43). O bumba meu boi representa uma reunião de ―reinados [reisados],

ranchos, bailes e danças autônomas‖ (CASCUDO, 2012, p. 138; ver também CASCUDO, 1984, p.

431). Cabe ressaltar que esse folguedo não se caracteriza pela homogeneidade, passando por

modificações e se refazendo a cada ano. Segundo Cascudo, ―é o único folguedo brasileiro em que a

renovação temática dramatiza a curiosidade popular, atualizando-a‖ (CASCUDO, 2012, p. 138).

Somente as figuras classificadas como humanas é que entoam os cantos, com a

instrumentação variando bastante, podendo estar composta por combinações diversas, entre violão,

viola, cavaquinho, tambor, pandeiro, ganzá, maracá, zabumba, sanfona, flautim, clarineta e rabeca.

Page 63: A ADMINISTRAÇÃO AS RABECAS BRASILEIRAS NA …sistemabu.udesc.br/pergamumweb/vinculos/00006a/00006a45.pdfO violinista e compositor José Eduardo Gramani foi um dos grandes responsáveis

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de 28.11.1934 e ainda não foram publicadas. A seguir, o repertório de rabeca detectado na obra de

Mário de Andrade é apresentado e discutido, subdividido em gêneros.

3.2.1 Bumba meu boi de Fontes em Bom Jardim-RN

―Bumba meu boi‖ é o nome dado à dança dramática, realizada no Nordeste, cuja trama gira

em torno da morte e ressurreição da figura principal, o boi (ANDRADE, 1989, p. 62). Nessa região,

o boi está associado ao ciclo de comemorações natalinas1 (nota: Araújo comenta que em algumas

regiões há dois bois: o do solstício de verão e o de inverno). No Ceará: o boi-de-reis é natalino e o

boi-de-São-João é junino. No Piauí, dá-se o mesmo (ARAÚJO, 1964, p. 406), o que caracteriza

como um tipo de Reisado (ALVARENGA, 1982, p. 41); enquanto que no Norte, o boi bumbá, como

é chamado no Norte, Pará e Amazonas, é exibido nas comemorações relacionadas a São João

(CASCUDO, 2012; p. 117).

Cascudo acredita que o folguedo seja genuína e exclusivamente brasileiro, com origem na

região Nordeste, de onde migrou para os outros cantos do país: Norte, Centro-Oeste e Sul

(CASCUDO, 2012, p. 136-137). Segundo Oneyda Alvarenga (1982, p. 41), ―um dos valores da

dança dramática do Bumba meu boi é ser fundamentalmente nacional nas suas características, nos

tipos e costumes que põe em cena, nos seus textos e nas suas músicas‖. Alceu Maynard Araújo

acredita, entretanto, que não se pode afirmar que o bumba meu boi seja genuinamente brasileiro

(ARAÚJO, 1964, p. 401).

A figura de um boi feito de armação de madeira coberta de pano, que dança e pula,

presente nos bois brasileiros, parece ter relação com as Tourinhas portuguesas, do Minho

(CASCUDO, 1984, p. 425). No Brasil, o folguedo se formou pela ―aglutinação incessante de outros

bailados de menor densidade na apreciação coletiva‖ ao redor dele (CASCUDO, 2012, p. 138). Ao

boi, juntaram-se os ―motivos comuns ao trabalho pastoril e figuras normais dos povoados e vilas

próximas, […] as visões da literatura oral [...] e os entes naturais‖ (CASCUDO, 2012, p. 138). As

personagens do folguedo podem ser classificadas em humanas, animais e fantásticas

(ALVARENGA, 1982, p. 43). O bumba meu boi representa uma reunião de ―reinados [reisados],

ranchos, bailes e danças autônomas‖ (CASCUDO, 2012, p. 138; ver também CASCUDO, 1984, p.

431). Cabe ressaltar que esse folguedo não se caracteriza pela homogeneidade, passando por

modificações e se refazendo a cada ano. Segundo Cascudo, ―é o único folguedo brasileiro em que a

renovação temática dramatiza a curiosidade popular, atualizando-a‖ (CASCUDO, 2012, p. 138).

Somente as figuras classificadas como humanas é que entoam os cantos, com a

instrumentação variando bastante, podendo estar composta por combinações diversas, entre violão,

viola, cavaquinho, tambor, pandeiro, ganzá, maracá, zabumba, sanfona, flautim, clarineta e rabeca.

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Maynard Araújo afirma que, nas regiões Norte e Nordeste, os membranofônios são fundamentais e

ele fala da presença da rabeca somente em Pernambuco (ARAÚJO, 1964, p. 407). Na música, há

também, além dos instrumentos, coro de cantadeiras, ou cantor(a) solista, a quem os instrumentistas

respondem (ALVARENGA, 1982, p. 44).

Mário de Andrade se interessou profundamente pelo bailado do boi, tendo reunido uma

série de documentos sobre a dança e diversas melodias do folguedo, publicadas postumamente no

3o tomo de Danças Dramáticas Brasileiras (ANDRADE, 1959) e n'As melodias do boi

(ANDRADE, 1987), como explica Flávia C. Toni (1989, p. 62). Em sua viagem etnográfica ao

Nordeste, Mário teve a oportunidade de prestigiar cinco representações da dança dramática: dois

ensaios do boi calemba, no bairro do Alecrim, e uma apresentação do boi de São Gonçalo, na Praia

da Redinha, todos em Natal-RN. Ainda nas terras potiguares, no Engenho Bom Jardim, presenciou

uma apresentação do Boi de Fontes (ANDRADE, 1976, p. 354-356). O último boi acompanhado

pelo pesquisador foi no Engenho Batateiras-PE.

A apresentação em Bom Jardim, no dia 09 de janeiro de 1929, impressionou muito Mário,

como já citado anteriormente (ANDRADE, 1976, p. 356). Essa riqueza é contraposta ao boi visto

em Pernambuco ao qual o pesquisador se referiu nas mesmas Notas de viagem, no dia 16 de

fevereiro: ―[...] Boi, salvo danças, péssimo‖ (ANDRADE, 1976, p. 367).

A rabeca é citada nos dois bois acompanhados pelo autor na cidade de Natal. Entretanto,

somente uma melodia foi registrada – O Gigante do boi de São Gonçalo (ANDRADE, 1959, p.

110-111) – e não há esclarecimento se a transcrição corresponde apenas ao canto. Entretanto, uma

outra versão desta toada foi colhida em Bom Jardim e, segundo a descrição de Vilemão, pode-se

inferir que a rabeca toca a melodia em uníssono com o cantador (ver a descrição feita por Mário de

Andrade, mais abaixo nesta página e na seguinte). O bumba meu boi assistido pelo pesquisador em

Bom Jardim, por outro lado, além de marcá-lo profundamente, teve um grande número de músicas

transcritas. E o repertório de bumba meu boi colhido por Mário a partir do rabequeiro Vilemão da

Trindade, em Bom Jardim, é riquíssimo (ANDRADE, 1959).

Os grupos potiguares de boi, atualmente, são denominados boi calemba (CASCUDO,

1984, p. 421; GURGEL, 2008, p. 104) ou boi de reis

(www.http://pontodoboivivo.blogspot.com.br/). As rabecas permanecem elementos imprescindíveis

nos bois do Rio Grande do Norte, ao lado do pandeiro e de algum instrumento de corda ou da

sanfona (GURGEL, 2008, p. 104). Deífilo Gurgel (2008, p. 104), folclorista potiguar, cita os grupos

Manoel Marinheiro, em Natal, de Antônio da Ladeira, Santa Cruz, e de Pedro Guajiru, de São

Gonçalo, entre outros, como os de maior evidência no estado, hoje.

Page 64: A ADMINISTRAÇÃO AS RABECAS BRASILEIRAS NA …sistemabu.udesc.br/pergamumweb/vinculos/00006a/00006a45.pdfO violinista e compositor José Eduardo Gramani foi um dos grandes responsáveis

62

Várias das melodias publicadas no tomo 3 de Danças Dramáticas Brasileiras e nas

Melodias do boi foram escutadas pelo pesquisador a partir do rabequeiro Vilemão Trindade. Na

―Psicologia dos Cantadores‖, encontra-se a seguinte descrição do instrumentista:

Mulato escuro. Homem feito. Rabequista e cordeonista de profissão. Tocador de bailaricos, tocador de 'Boi', ignorante de música teórica, intuição excelente, reproduzindo imediatamente no instrumento dele o que a gente cantava ou executava no piano. Ouvido excelente. Temperamento barroco, enfeitador das melodias na rabeca. Alguma incerteza de execução que se tornava freqüentemente fantasista. Coisa proveniente da própria musicalidade improvisatória do rabequista e não de insuficiência. E por humildade e tímido, só depois de certo trabalho se acamaradou mais comigo. Assim mesmo não dizia nunca que estava errado. Se limitava a tocar de novo o documento pra que eu mesmo descobrisse os meus enganos. Muito paciente. As peças dele foram tomadas com bastante dificuldade. Vilemão as variava em extremo nos enfeites e era de ritmo bastante divagativo embora bem batido nas danças. Quero dizer que nas peças coreográficas acentuava bem metronomicamente os tempos fortes. Nas outras peças, pelo fato mesmo de estar sempre acompanhando cantores, duplicando no instrumento o canto alheio, não tinha ritmo próprio, acostumado a servilmente seguir os outros. Isso lhe dava na execução solista dessas melodias aquela hesitação de expectativa do acompanhador à primeira vista. Mas com as reservas relativas a tudo isso, anotei com o máximo de fidelidade possível as melodias que Vilemão tocava, em repetições numerosíssimas (ANDRADE, 1959, p. 11).

A consulta aos manuscritos no IEB-USP corroborou a posição de Oneyda Alvarenga a

respeito das melodias que foram fornecidas por Vilemão. Destas, 27 estão no manuscrito de Mário

de Andrade, que no alto traz a indicação de Vilemão da Trindade e João Sardinha como

informantes. Duas outras não apresentam a indicação precisa do informante, mas possivelmente

foram colhidas de Vilemão, segundo a autora (ANDRADE, 1959, p. 14). Essa conclusão da autora,

embora não explicada no texto de Danças Dramáticas Brasileiras, deve-se, possivelmente, ao fato

de que estas duas melodias encontram-se entre duas melodias certamente fornecidas por Vilemão: O

Côco do Piauí e a versão definitiva d'O Gigante.

Essas 29 melodias podem ser classificadas em toadas (cantadas) e danças. Como a rabeca é

o instrumento responsável por entoar os baianos, o rabequeiro, provavelmente, foi o informante de

24 melodias, que correspondem aos baianos. Uma delas, já citada anteriormente, está intitulada O

Côco do Piauí, com seu Baiano (ANDRADE, 1959, p. 45), correspondendo a um exemplo de toada

com dança, fornecido por Vilemão. Das cinco melodias restantes, uma corresponde à Valsa do Boi

(ANDRADE, 1959, p. 103), instrumental, com as outras quatro representando as toadas, das quais

apenas o Lamento do Mateus foi certamente fornecida por João Sardinha (ANDRADE, 1959, p 11).

Quem, entre Vilemão e João Sardinha, foi exatamente o informante das outras quatro permanece

uma questão incógnita.

Além dos baianos fornecidos por Vilemão, há outros quatro exemplos desta dança, todos

sucedendo algum canto. Três deles foram fornecidos por Antônio Bento de Araújo de Lima:

Cantigas de Engenho no 2 (ANDRADE, 1959, p. 60), Moreira Cesar e seu Baiano no 1

(ANDRADE, 1959, p. 60) e a Primeira Despedida (ANDRADE, 1959, p. 106). O quarto

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62

Várias das melodias publicadas no tomo 3 de Danças Dramáticas Brasileiras e nas

Melodias do boi foram escutadas pelo pesquisador a partir do rabequeiro Vilemão Trindade. Na

―Psicologia dos Cantadores‖, encontra-se a seguinte descrição do instrumentista:

Mulato escuro. Homem feito. Rabequista e cordeonista de profissão. Tocador de bailaricos, tocador de 'Boi', ignorante de música teórica, intuição excelente, reproduzindo imediatamente no instrumento dele o que a gente cantava ou executava no piano. Ouvido excelente. Temperamento barroco, enfeitador das melodias na rabeca. Alguma incerteza de execução que se tornava freqüentemente fantasista. Coisa proveniente da própria musicalidade improvisatória do rabequista e não de insuficiência. E por humildade e tímido, só depois de certo trabalho se acamaradou mais comigo. Assim mesmo não dizia nunca que estava errado. Se limitava a tocar de novo o documento pra que eu mesmo descobrisse os meus enganos. Muito paciente. As peças dele foram tomadas com bastante dificuldade. Vilemão as variava em extremo nos enfeites e era de ritmo bastante divagativo embora bem batido nas danças. Quero dizer que nas peças coreográficas acentuava bem metronomicamente os tempos fortes. Nas outras peças, pelo fato mesmo de estar sempre acompanhando cantores, duplicando no instrumento o canto alheio, não tinha ritmo próprio, acostumado a servilmente seguir os outros. Isso lhe dava na execução solista dessas melodias aquela hesitação de expectativa do acompanhador à primeira vista. Mas com as reservas relativas a tudo isso, anotei com o máximo de fidelidade possível as melodias que Vilemão tocava, em repetições numerosíssimas (ANDRADE, 1959, p. 11).

A consulta aos manuscritos no IEB-USP corroborou a posição de Oneyda Alvarenga a

respeito das melodias que foram fornecidas por Vilemão. Destas, 27 estão no manuscrito de Mário

de Andrade, que no alto traz a indicação de Vilemão da Trindade e João Sardinha como

informantes. Duas outras não apresentam a indicação precisa do informante, mas possivelmente

foram colhidas de Vilemão, segundo a autora (ANDRADE, 1959, p. 14). Essa conclusão da autora,

embora não explicada no texto de Danças Dramáticas Brasileiras, deve-se, possivelmente, ao fato

de que estas duas melodias encontram-se entre duas melodias certamente fornecidas por Vilemão: O

Côco do Piauí e a versão definitiva d'O Gigante.

Essas 29 melodias podem ser classificadas em toadas (cantadas) e danças. Como a rabeca é

o instrumento responsável por entoar os baianos, o rabequeiro, provavelmente, foi o informante de

24 melodias, que correspondem aos baianos. Uma delas, já citada anteriormente, está intitulada O

Côco do Piauí, com seu Baiano (ANDRADE, 1959, p. 45), correspondendo a um exemplo de toada

com dança, fornecido por Vilemão. Das cinco melodias restantes, uma corresponde à Valsa do Boi

(ANDRADE, 1959, p. 103), instrumental, com as outras quatro representando as toadas, das quais

apenas o Lamento do Mateus foi certamente fornecida por João Sardinha (ANDRADE, 1959, p 11).

Quem, entre Vilemão e João Sardinha, foi exatamente o informante das outras quatro permanece

uma questão incógnita.

Além dos baianos fornecidos por Vilemão, há outros quatro exemplos desta dança, todos

sucedendo algum canto. Três deles foram fornecidos por Antônio Bento de Araújo de Lima:

Cantigas de Engenho no 2 (ANDRADE, 1959, p. 60), Moreira Cesar e seu Baiano no 1

(ANDRADE, 1959, p. 60) e a Primeira Despedida (ANDRADE, 1959, p. 106). O quarto

63

corresponde a uma variação de Moreira Cesar e seu Baiano, a no 2 (ANDRADE, 1959, p. 62),

informada pelos figurantes do Boi de Fontes.

3.2.1.1 Baianos

Em seu ensaio Variações sobre o baião, o compositor César Guerra-Peixe afirma que

―'Baião' e 'baiano' são vocábulos que se aplicam indiferentemente a diversas manifestações

populares de música e dança‖ (2007, p. 120; grifo nosso). Acrescenta o autor que é o bumba meu

boi a manifestação onde ele é ouvido com maior frequência (GUERRA-PEIXE, 2007, p. 120). De

fato, vários pesquisadores concordam que os dois termos designam a mesma coisa (ALVARENGA,

1982, p. 177; ANDRADE, 1989, p. 35; CASCUDO, 2012, p. 88)45.

Em relação a seu uso como dança, Mário de Andrade informa no vocábulo ―baiano‖ em

seu Dicionário Musical Brasileiro:

Na minha viagem em 1928 pude notar que o povo em geral, no Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco, quando falava em 'baiano' se referia a uma dança não cantada. É o que está bem exemplificado pelos baianos que intercalam os números de canto, do bumba-meu-boi do norte-riograndense [...] (ANDRADE, 1989, p. 35).

E continua: ―Como coreografia o baiano consiste em dança individual, ginástica,

caracterizada pelos movimentos a passos rapidíssimos das pernas e dos pés‖ (ANDRADE, 1989, p.

35). A estas características, pode-se acrescentar, ainda, o caráter improvisatório dos movimentos

(CASCUDO, 2012, p. 87). Cascudo diz que no Rio Grande do Norte ―Era o baile do Birico e do

Mateus […] no bumba meu boi, sempre aplaudidos [...]‖ (CASCUDO, 2012, p. 87).

No que diz respeito aos aspectos musicais, Oneyda Alvarenga afirma que os baianos são melodias sincopadas, parentes do refrão dos Lundus, das Chulas e de outras que revelam no seu corte rítmico que se destinam a danças cheias de movimentos de ancas. Caracteriza-o também a freqüência dos refrãos instrumentais em curtos arpejos (ALVARENGA, 1982, p. 179).

A questão de como se classificar as escalas utilizadas nas melodias modais da música

brasileira foi assunto de que se ocuparam diversos pesquisadores. Existe um grande número de

hipóteses a respeito das influências externas. Há autores, como Baptista Siqueira e Guerra-Peixe,

que argumentam inclusive uma origem autóctone das melodias modais brasileiras, preferindo

45Na cantoria, o baião designa uma introdução ao desafio e o trecho instrumental entre os versos de dois cantadores: o caráter de interlúdio. E, nesse caso, pode ainda ser denominado rojão, ou rojão de viola (ALVARENGA, 1982, p. 180; GUERRA-PEIXE, 2007, p. 122; CASCUDO, 2012, p. 88). ―Se um dos cantadores faz uso da rabeca – o violino rústico –, o baião é feito neste instrumento; mudando, porém, a forma melódica‖ (GUERRA-PEIXE, 2007, p. 122). O baião difundido em todo o Brasil pelo sanfoneiro Luís Gonzaga, entretanto, representa uma modificação dos baiões/baianos nordestinos, com influências dos sambas e conga cubanas (CASCUDO, 2012, p. 88), sendo caracterizado pelo canto.

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64

utilizar uma terminologia diversa, em vez da gregoriana (PAZ, 2002, p. 28). As escalas maiores

com sétimo grau abaixado (mixolídio) e a hexacordal (sem sensível) estão presentes em todos os

estudos verificados por Ermelinda A. Paz (2000, p. 33). Citando José Siqueira, a autora diz que os

modos mais empregados no Nordeste são os maiores mixolídio, lídio e uma mistura desses dois; e

os menores frígio, dórico e uma mistura desses dois (PAZ, 2000, p. 33).

Segundo Cascudo (2012, p. 88), Guerra Peixe registrou melodias de baianos construídas

nos modos jônio, mixolídio, lídio, em combinações desses dois últimos e mesmo dos três. No modo

menor são menos comuns e, nesse caso, normalmente em eólio e, raramente, em dórico. Essas

afirmações estão, aproximadamente, de acordo com os baianos do bumba meu boi do Rio Grande

Norte em questão, onde 22 dos baianos encontram-se no modo maior e os dois restantes em menor,

mas dórico. Dos maiores, treze podem ser classificados dentro do modo jônio, cinco no mixolídio e

um no lídio. Há quatro deles, entretanto, cuja melodia não apresenta o sétimo grau, caracterizando a

escala hexacordal: Baianos 8 e 9 (ANDRADE, 1959, p. 43), 1o Baiano do Mateus (ANDRADE,

1959, p. 83) e o Baiano do Urubu (ANDRADE, 1959, p. 102).

O 2o Baiano do Mateus apresenta o 4o grau aumentado como bordadura inferior do 5o grau

(fig. 1), o que poderia configurar um modo mesclado, resultante da mistura de jônio e lídio.

Enquanto que o Baiano da Burrinha (fig. 2) possui a sétima móvel, oscilando em 7a menor e

sensível como bordadura inferior. Nesse caso, ocorre a mistura entre jônio e mixolídio. Somente os

Baianos da Caboclinha e o Baiano da Despedida (fig. 3) estão em modo menor, dórico.

Guerra-Peixe, ao se debruçar sobre os diferentes empregos dos vocábulos ―baião‖ e

―baiano‖, em diversas manifestações de música e/ou dança – orquestras populares do Maranhão,

bandas de pífano nordestinas e cabocolinhos de Recife, por exemplo – apontou que todas se

caracterizam, musicalmente, pela ―alegria, variação e vivacidade‖ (GUERRA-PEIXE, 2007, p.

122). E, além dessas, também possui o sentido de ―interlúdio‖, ―já que se intercala às falas do

Bumba-meu-boi, às manobras dos Cabocolinhos e se entremeia à poesia dos cantadores‖

(GUERRA-PEIXE, 2007; p. 123).

Figura 1: 2o Baiano do Mateus, com a ocorrência da 4a justa e da 4a aumentada (Fá#) como bordadura inferior.

Reproduzido a partir de Andrade (1982, p. 86).

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utilizar uma terminologia diversa, em vez da gregoriana (PAZ, 2002, p. 28). As escalas maiores

com sétimo grau abaixado (mixolídio) e a hexacordal (sem sensível) estão presentes em todos os

estudos verificados por Ermelinda A. Paz (2000, p. 33). Citando José Siqueira, a autora diz que os

modos mais empregados no Nordeste são os maiores mixolídio, lídio e uma mistura desses dois; e

os menores frígio, dórico e uma mistura desses dois (PAZ, 2000, p. 33).

Segundo Cascudo (2012, p. 88), Guerra Peixe registrou melodias de baianos construídas

nos modos jônio, mixolídio, lídio, em combinações desses dois últimos e mesmo dos três. No modo

menor são menos comuns e, nesse caso, normalmente em eólio e, raramente, em dórico. Essas

afirmações estão, aproximadamente, de acordo com os baianos do bumba meu boi do Rio Grande

Norte em questão, onde 22 dos baianos encontram-se no modo maior e os dois restantes em menor,

mas dórico. Dos maiores, treze podem ser classificados dentro do modo jônio, cinco no mixolídio e

um no lídio. Há quatro deles, entretanto, cuja melodia não apresenta o sétimo grau, caracterizando a

escala hexacordal: Baianos 8 e 9 (ANDRADE, 1959, p. 43), 1o Baiano do Mateus (ANDRADE,

1959, p. 83) e o Baiano do Urubu (ANDRADE, 1959, p. 102).

O 2o Baiano do Mateus apresenta o 4o grau aumentado como bordadura inferior do 5o grau

(fig. 1), o que poderia configurar um modo mesclado, resultante da mistura de jônio e lídio.

Enquanto que o Baiano da Burrinha (fig. 2) possui a sétima móvel, oscilando em 7a menor e

sensível como bordadura inferior. Nesse caso, ocorre a mistura entre jônio e mixolídio. Somente os

Baianos da Caboclinha e o Baiano da Despedida (fig. 3) estão em modo menor, dórico.

Guerra-Peixe, ao se debruçar sobre os diferentes empregos dos vocábulos ―baião‖ e

―baiano‖, em diversas manifestações de música e/ou dança – orquestras populares do Maranhão,

bandas de pífano nordestinas e cabocolinhos de Recife, por exemplo – apontou que todas se

caracterizam, musicalmente, pela ―alegria, variação e vivacidade‖ (GUERRA-PEIXE, 2007, p.

122). E, além dessas, também possui o sentido de ―interlúdio‖, ―já que se intercala às falas do

Bumba-meu-boi, às manobras dos Cabocolinhos e se entremeia à poesia dos cantadores‖

(GUERRA-PEIXE, 2007; p. 123).

Figura 1: 2o Baiano do Mateus, com a ocorrência da 4a justa e da 4a aumentada (Fá#) como bordadura inferior.

Reproduzido a partir de Andrade (1982, p. 86).

65

Figura 2: Baiano da Burrinha, com a ocorrência da 7a menor e da sensível (Ré natural) como bordadura inferior.

Reproduzido a partir de Andrade (1982, p. 68).

Figura 3: Baianos em modo menor (dórico): Baiano da Caboclinha e Baiano de Despedida. Reproduzidos a partir de

Andrade (1982, p. 80 e 112, respectivamente).

Figura 4: Coco do Piauí, com seu Baiano, exemplo de canção/toada seguida de baiano. Reproduzido a partir de Andrade

(1982, p. 47).

Os baianos são tocados como interlúdios no bumba meu boi. Das melodias informadas por

Vilemão, apenas O Côco do Piauí, com seu Baiano (fig. 4) apresenta a transcrição de um canto

sucedido por baiano. Entretanto, ele informou melodias cantadas e seus baianos correspondentes,

registrados em separado, mas apresentados em sequência nas Danças Dramáticas Brasileiras

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66

(ANDRADE, 1959), nos casos do 1o Côro de Abertura e Baianos de Abertura (fig. 5) e de uma

versão d'O Gigante, a no2 (ANDRADE, 1950, p. 67), e os Baianos do Gigante (ANDRADE, 1950,

p. 69-70). O restante dos baianos registrados por Mário a partir de Vilemão não estão associados a

nenhum canto ou figura, ou o canto, quando relacionado, foi obtido de outro informante (ver anexo

III).

Figura 5: Coro de Abertura com seus dois baianos. Reproduzidos e modificados a partir de Andrade (1982, p. 39, 42 e

43, respectivamente).

3.2.1.2 Toadas do bumba meu boi

Entre as toadas do bumba meu boi do Rio Grande do Norte, encontram-se três melodias

que podem ter sido fornecidas por Vilemão: o ―Coro de abertura‖ (fig. 5), uma versão de ―O

Gigante‖ (fig. 6) e ―Manuel da Lapa‖ (fig. 7).

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66

(ANDRADE, 1959), nos casos do 1o Côro de Abertura e Baianos de Abertura (fig. 5) e de uma

versão d'O Gigante, a no2 (ANDRADE, 1950, p. 67), e os Baianos do Gigante (ANDRADE, 1950,

p. 69-70). O restante dos baianos registrados por Mário a partir de Vilemão não estão associados a

nenhum canto ou figura, ou o canto, quando relacionado, foi obtido de outro informante (ver anexo

III).

Figura 5: Coro de Abertura com seus dois baianos. Reproduzidos e modificados a partir de Andrade (1982, p. 39, 42 e

43, respectivamente).

3.2.1.2 Toadas do bumba meu boi

Entre as toadas do bumba meu boi do Rio Grande do Norte, encontram-se três melodias

que podem ter sido fornecidas por Vilemão: o ―Coro de abertura‖ (fig. 5), uma versão de ―O

Gigante‖ (fig. 6) e ―Manuel da Lapa‖ (fig. 7).

67

Figura 6: Toada do Gigante. Reproduzido a partir de Andrade (1982, p. 69).

Em relação à música: ―Por quase todo o Brasil, o BOI aglutina ‗jornadas‘ e cantigas de

‗reisados‘ e mesmo ‗janeiras‘ e ‗maias‘, proibidas em Lisboa no séc. XV, por D. João 1o‖

(CASCUDO, 1982‘ p. 430). Desse modo, as canções encontradas no folguedo do boi podem ser

provenientes de outras manifestações; no tópico 3.2.2.2, abaixo, é apresentada uma discussão sobre

os significados do termo ―toada‖.

As melodias do Coro de abertura (fig. 5) e do Gigante (fig. 6), ou versões delas, estão

presentes atualmente no boi de Reis de Manoel Marinheiro. Entretanto, no primeiro caso, a letra

cantada corresponde aos versos de ―Nas horas de Deus, amém‖, sendo tocada no meio do

espetáculo e não, como um canto de chegada. Interessante que Cascudo (1984, p. 431) fala que

quando o grupo do boi chega a uma casa pré-determinada para se apresentar, entoa ―Nas horas de

Deus, amém‖. J. Leite de Vasconcelos diz ter ouvido uma quadra muito parecida no Minho (apud

CASCUDO, 1984, p. 431), o que sugere uma origem portuguesa para a letra moderna associada à

melodia.

A versão do Coro de abertura fornecida por Vilemão utiliza a escala menor harmônica para

sua construção, assim como a versão do boi de Manoel Marinheiro. A versão do Gigante fornecida

por Vilemão é muito interessante no que diz respeito à construção melódica: ela apresenta o 3o e o

6o graus móveis, ora maior, ora menor. Desse modo, a melodia transita por diferentes modos:

mixolídio, eólio e dórico (fig. 6). Já a versão de Manoel Marinheiro permanece em mixolídio do

começo ao fim. A Toada do Manuel da Lapa também apresenta o sétimo grau móvel (fig. 7).

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Figura 7: Toada do Manuel da Lapa. Reproduzido a partir de Andrade (1982, p. 81).

3.2.2 Cantadores rabequeiros

Grande parte do repertório de rabeca encontrado na obra de Mário de Andrade está

associada a gêneros comuns entre os cantadores, poetas que perambulam pelos sertões nordestinos,

cantando versos de sua autoria, ou alheios, sempre acompanhados de seu instrumento (MOTA,

2002, p. 3; CASCUDO, 2005, p. 173). Amplamente difundido nesta região, seu repertório compõe-

se de romances, xácaras, toadas descrevendo a natureza, paisagens, entre outros (CASCUDO, 2005,

p. 174).

No Sertão Nordestino, os dois instrumentos clássicos de acompanhamento do cantador são

a viola e a rabeca. A primeira está presente mais comumente (CASCUDO, 2005, p. 195). No

entanto, grandes cantadores, aclamados e reconhecidos dentro do universo da cantoria, escolheram

a rabeca como instrumento de acompanhamento em suas manifestações. Em Portugal, esse

instrumento é documentado como intimamente associado aos cegos pedintes (OLIVEIRA, 1982, p.

224; SARDINHA, 2000, p. 404-405).

Cascudo (2005, p. 132) descreve a importância dada pelo cantador à música e à poesia,

dizendo que, no momento em que está realizando a cantoria, a ―cadência do verso, o ritmo, que é

tudo‖, não a música. Segundo o folclorista potiguar, ―é raro o cantador que tem boa voz. [Ele] canta

acima do tom em que seu instrumento está afinado. Abusa dos agudos‖. E continua: ―O sertanejo

não nota o desafinado. Nota o arritmismo‖ (p. 133).

Outra característica que demonstra o maior apreço pela métrica poética, em detrimento da

musical, pelo cantador é que ―Na ‗cantoria‘ não há acompanhamento musical durante a solfa. Os

instrumentos executam pequeninos trechos, antes e depois, do canto‖ (CASCUDO, 2005, p. 200).

Esses interlúdios instrumentais são chamados de ―rojão‖ ou ―baião‖ (CASCUDO, 2005, p. 202), os

quais correspondem a um trecho que é tocado rápido e ―sempre em ritmo diverso do que foi usado

no canto [...] No desafio, no canto dos romances tradicionais, na cantoria sertaneja, enfim, não há

acompanhamento durante a emissão da voz humana‖ (CASCUDO, 2005, p. 201).

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Figura 7: Toada do Manuel da Lapa. Reproduzido a partir de Andrade (1982, p. 81).

3.2.2 Cantadores rabequeiros

Grande parte do repertório de rabeca encontrado na obra de Mário de Andrade está

associada a gêneros comuns entre os cantadores, poetas que perambulam pelos sertões nordestinos,

cantando versos de sua autoria, ou alheios, sempre acompanhados de seu instrumento (MOTA,

2002, p. 3; CASCUDO, 2005, p. 173). Amplamente difundido nesta região, seu repertório compõe-

se de romances, xácaras, toadas descrevendo a natureza, paisagens, entre outros (CASCUDO, 2005,

p. 174).

No Sertão Nordestino, os dois instrumentos clássicos de acompanhamento do cantador são

a viola e a rabeca. A primeira está presente mais comumente (CASCUDO, 2005, p. 195). No

entanto, grandes cantadores, aclamados e reconhecidos dentro do universo da cantoria, escolheram

a rabeca como instrumento de acompanhamento em suas manifestações. Em Portugal, esse

instrumento é documentado como intimamente associado aos cegos pedintes (OLIVEIRA, 1982, p.

224; SARDINHA, 2000, p. 404-405).

Cascudo (2005, p. 132) descreve a importância dada pelo cantador à música e à poesia,

dizendo que, no momento em que está realizando a cantoria, a ―cadência do verso, o ritmo, que é

tudo‖, não a música. Segundo o folclorista potiguar, ―é raro o cantador que tem boa voz. [Ele] canta

acima do tom em que seu instrumento está afinado. Abusa dos agudos‖. E continua: ―O sertanejo

não nota o desafinado. Nota o arritmismo‖ (p. 133).

Outra característica que demonstra o maior apreço pela métrica poética, em detrimento da

musical, pelo cantador é que ―Na ‗cantoria‘ não há acompanhamento musical durante a solfa. Os

instrumentos executam pequeninos trechos, antes e depois, do canto‖ (CASCUDO, 2005, p. 200).

Esses interlúdios instrumentais são chamados de ―rojão‖ ou ―baião‖ (CASCUDO, 2005, p. 202), os

quais correspondem a um trecho que é tocado rápido e ―sempre em ritmo diverso do que foi usado

no canto [...] No desafio, no canto dos romances tradicionais, na cantoria sertaneja, enfim, não há

acompanhamento durante a emissão da voz humana‖ (CASCUDO, 2005, p. 201).

69

Em relação às melodias utilizadas pelos cantadores, Cascudo atesta que, por vezes,

é uma solfa secular que se mantém quase pura. Noutra, a linha do tema melódico se desfigurou, acrescido de valores novos e amalgamado com trechos truncados de óperas, de missas, de ‗baianos‘ esquecidos, do tempo em que vintém era dinheiro (CASCUDO, 2005, p. 131).

Ele diz que nos romances antigos os cantadores utilizavam sempre o tom menor e as quadras

(CASCUDO, 2005, p. 118), além de ―empregar a mesma solfa para os versos de vários metros. O

trabalho é prolongar a solfa, sem respeito pela sua beleza ou cuidado pela sua expressão‖

(CASCUDO, 2005, p. 133).

3.2.2.1 Cantigas de Cego

No Brasil, de quatro cantadores famosos que se acompanhavam à rabeca e que são citados

na literatura, três são cegos, o que sugere a rabeca como instrumento intimamente associado a

cantadores portadores dessa deficiência. A tipificação do repertório é tão marcante que Zumthor

aponta a existência em Portugal e na Espanha dos romances de ciegos e da arte de ciego,

acrescentando que ―essa especialização dos cegos constituiu um fato etnológico marcante, que se

pode observar, ainda em nossos dias, em todo Terceiro Mundo‖ (ZUMTHOR,1993, p. 58). Poder-

se-ia inferir nesse fato não uma simples coincidência, mas a permanência de uma habilidade

mnemônica inerente aos jograis medievais nos cantadores cegos, que nas trevas dos seus caminhos

confiaram e desenvolveram, sobretudo, a sua memória auditiva e sensitiva. Por outro lado, sabe-se

que a capacidade mnemônica diminuiu proporcionalmente à medida que a aquisição da leitura se

vulgarizou, passando a ser transmitida também pela literatura de cordel. Nesse contexto, o presente

tópico discute a utilização da rabeca pelos cantadores cegos como instrumento acompanhador,

assim como algumas melodias de ―Toadas de cego‖ encontradas no Arquivo Mário de Andrade, do

Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo, IEB-USP, das quais não foi

encontrada, até esse momento, nenhuma publicação.

José Alberto Sardinha salienta o fato de a rabeca encontrar-se intimamente relacionada a

cantores cegos no território luso: ―Numerosas são, aliás, as gravuras do século XIX representando

cegos cantores acompanhados à rabeca‖ (SARDINHA, 2000, p. 404-405). No Brasil, três grandes

cantadores cearenses e cegos tiveram na rabeca a companheira inseparável, nos momentos de cantar

ao público suas poesias: Sinfrônio Pedro Martins, o Cego Sinfrônio, nasceu por volta de 1880, em

Messejana, bairro de Fortaleza, Ceará, ficando cego quando contava apenas um ano de idade

(MOTA, 2002; p. 9; CASCUDO, 2005, p. 351). ―Perito improvisador‖, incluía, em seu repertório,

romances, cantigas e desafios; sua mulher é que lhe lia os manuscritos e folhetos até que ele fosse

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70

capaz de recitá-los (MOTA, 2002, p. 9). Leonardo Mota, em Cantadores..., traz uma série de

exemplos de versos cantados por Sinfrônio, incluindo uma versão da Cantiga do Vilela. Essa

cantiga foi registrada em áudio, no ano de 1943, por Luiz Heitor Correa de Azevedo e Eurico

Nogueira França, a partir de uma performance de cego Sinfrônio, acompanhado por sua rabeca, em

Fortaleza. A gravação faz parte do acervo da Biblioteca do Congresso, Washington DC, junto a

outras músicas (entre elas um Scottish), apresentadas pelo cantador, sob o título de Romance do

Vilela (http://www.loc.gov/search/?q=Sinfronio&all=true&st=list#) e nos Arquivos do Laboratório

de Etnomusicologia da EM/UFRJ (DRACH, 2011). Entretanto, os arquivos de áudio não estão

disponíveis para consulta pela rede.

Os outros dois cegos cantadores, Aderaldo e Oliveira, foram alvos maiores de atenção por

parte de pesquisadores, cineastas e compositores. Cego Aderaldo foi tema de três biografias

publicadas na forma de livro e de alguns artigos de jornais (ver PORTELLA, 2010), tendo ainda

sido homenageado em composições de Luiz Gonzaga e Egberto Gismonti. Já Cego Oliveira teve

uma biografia (LEANDRO, 2002), um disco gravado e o curta-metragem Pedro Oliveira: o cego

que viu o mar, produzido por Rosemberg Cariry.

Aderaldo Ferreira de Araújo, o Cego Aderaldo, nasceu no Crato, Ceará, em 1878. Ficou

cego aos dezoito anos e, a partir dessa época, começou a viver da cantoria (MOTA, 2002, p. 67;

CASCUDO, 2005, p. 353). Detentor de um vasto repertório de quadrinhas líricas, sextilhas e

modinhas brasileiras, ficou amplamente conhecido, dentro e fora do universo da cantoria, pelo

desafio travado com José Pretinho do Tucum, em sextilhas e décimas (CASCUDO, 2005, p. 353).

Cascudo (2005, p. 353-354) expõe o episódio como verídico, enquanto que Cláudio Portella afirma

que o texto é de autoria do amigo de Aderaldo, Firmino Teixeira do Amaral (PORTELLA, 2010, p.

25).

Pedro Pereira da Silva, Pedro Oliveira¸ ou ainda, Cego Oliveira, também é natural do

Crato, Ceará. Cego de nascença, adquiriu sua primeira rabeca em 1929. Seu irmão lia os

―rumances‖ que ele ia guardando na memória; chegou a saber 75 de cor. Além dos romances,

Oliveira cantava cantigas ―de amor, de gracejo, de causos de valentia, de reinos encantados‖ e

incelenças. Também tocou nos mais diversificados ritos de passagem: casamentos, batizados,

aniversários, funerais (OLIVEIRA, 1992). Duas faixas da trilha de Nordeste - Cordel, Repente,

Canção, do filme homônimo, dirigido por Tânia Quaresma, lançado em 1975, são interpretadas por

Oliveira: João de Calais e Nas portas dos cabarés.

Mário de Andrade (1893-1945) também demonstrou interesse especial pelas cantigas de

cego. Em seu Arquivo, no IEB-USP, encontra-se uma caixa com documentos, sob o título ―Toadas

de Cego‖ (MA-MMA-110, Caixa 183). Dentro dela, o fólio MA-MMA-110-02 corresponde a uma

carta do musicólogo José Mozart de Araújo, datada de 28.11.1934, Rio, na qual o remetente explica

Page 73: A ADMINISTRAÇÃO AS RABECAS BRASILEIRAS NA …sistemabu.udesc.br/pergamumweb/vinculos/00006a/00006a45.pdfO violinista e compositor José Eduardo Gramani foi um dos grandes responsáveis

70

capaz de recitá-los (MOTA, 2002, p. 9). Leonardo Mota, em Cantadores..., traz uma série de

exemplos de versos cantados por Sinfrônio, incluindo uma versão da Cantiga do Vilela. Essa

cantiga foi registrada em áudio, no ano de 1943, por Luiz Heitor Correa de Azevedo e Eurico

Nogueira França, a partir de uma performance de cego Sinfrônio, acompanhado por sua rabeca, em

Fortaleza. A gravação faz parte do acervo da Biblioteca do Congresso, Washington DC, junto a

outras músicas (entre elas um Scottish), apresentadas pelo cantador, sob o título de Romance do

Vilela (http://www.loc.gov/search/?q=Sinfronio&all=true&st=list#) e nos Arquivos do Laboratório

de Etnomusicologia da EM/UFRJ (DRACH, 2011). Entretanto, os arquivos de áudio não estão

disponíveis para consulta pela rede.

Os outros dois cegos cantadores, Aderaldo e Oliveira, foram alvos maiores de atenção por

parte de pesquisadores, cineastas e compositores. Cego Aderaldo foi tema de três biografias

publicadas na forma de livro e de alguns artigos de jornais (ver PORTELLA, 2010), tendo ainda

sido homenageado em composições de Luiz Gonzaga e Egberto Gismonti. Já Cego Oliveira teve

uma biografia (LEANDRO, 2002), um disco gravado e o curta-metragem Pedro Oliveira: o cego

que viu o mar, produzido por Rosemberg Cariry.

Aderaldo Ferreira de Araújo, o Cego Aderaldo, nasceu no Crato, Ceará, em 1878. Ficou

cego aos dezoito anos e, a partir dessa época, começou a viver da cantoria (MOTA, 2002, p. 67;

CASCUDO, 2005, p. 353). Detentor de um vasto repertório de quadrinhas líricas, sextilhas e

modinhas brasileiras, ficou amplamente conhecido, dentro e fora do universo da cantoria, pelo

desafio travado com José Pretinho do Tucum, em sextilhas e décimas (CASCUDO, 2005, p. 353).

Cascudo (2005, p. 353-354) expõe o episódio como verídico, enquanto que Cláudio Portella afirma

que o texto é de autoria do amigo de Aderaldo, Firmino Teixeira do Amaral (PORTELLA, 2010, p.

25).

Pedro Pereira da Silva, Pedro Oliveira¸ ou ainda, Cego Oliveira, também é natural do

Crato, Ceará. Cego de nascença, adquiriu sua primeira rabeca em 1929. Seu irmão lia os

―rumances‖ que ele ia guardando na memória; chegou a saber 75 de cor. Além dos romances,

Oliveira cantava cantigas ―de amor, de gracejo, de causos de valentia, de reinos encantados‖ e

incelenças. Também tocou nos mais diversificados ritos de passagem: casamentos, batizados,

aniversários, funerais (OLIVEIRA, 1992). Duas faixas da trilha de Nordeste - Cordel, Repente,

Canção, do filme homônimo, dirigido por Tânia Quaresma, lançado em 1975, são interpretadas por

Oliveira: João de Calais e Nas portas dos cabarés.

Mário de Andrade (1893-1945) também demonstrou interesse especial pelas cantigas de

cego. Em seu Arquivo, no IEB-USP, encontra-se uma caixa com documentos, sob o título ―Toadas

de Cego‖ (MA-MMA-110, Caixa 183). Dentro dela, o fólio MA-MMA-110-02 corresponde a uma

carta do musicólogo José Mozart de Araújo, datada de 28.11.1934, Rio, na qual o remetente explica

71

que envia cantigas de cego que ―foram recolhidas por mim, em Itapipoca, no Ceará. Acho-as

maravilhosas e ouvi-as acompanhadas com viola algumas. Outras com rabeca‖ (ARAÚJO, 1934,

MA-MMA-110-02). Mozart de Araújo não esclarece qual dos dois instrumentos foi utilizado para

acompanhamento em cada uma dessas toadas.

Outro fólio, MA-MMA-110-03, da caixa mencionada acima, apresenta sete melodias

colhidas por Mozart de Araújo. No alto, lê-se: ―Toadas de cego, recolhidas no Ceará, cidade

Itapipoca, durante as novenas de S. Sebastião. Acompanhadas de viola ou rabeca, são por vezes

cantadas a seco, por duas, três e mais vozes em uníssono‖ (ARAÚJO, 1934, MA-MMA-110-03).

Também traz os textos da melodia No 2 e No 3. Ao final da No 7 está escrito o seguinte: ―Esta

última foi utilizada para louvação e a ‗No 6‘ me parece variante da que você publicou no Ensaio‖. A

seguir, são transcritas as melodias No 2 e No 3, com seus respectivos versos em sextilhas (figs. 8 e

9; ver anexo V para as cinco melodias restantes).

Nas Toadas de cego (figs. 8 e 9), vê-se o emprego do modo dórico em Lá (No 2) e

mixolídio em Sol (No 3). Ambas em sextilhas indicam uma ―modelagem recente‖, do final do

século XIX (CASCUDO, 2005, p. 118).

Se eu pudesse trabaiá Eu não pedia a ninguém Só pedia a Deus do céu É um pae que paga bem

Cidadão me dê uma esmola Tenha dó de quem não tem

Ó patrão me dê uma esmola

Se tive não negue não Por São Francisco das Chaga

Mártir São Sebastião Meu patrão me dê uma esmola

Pelo Apósto São João

Deus lhe pague a sua esmola

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72

Deus lhe bote num ando Dos pés de Nossa Senhora Dos pés de Nosso Senhor Acompanhado dos anjo

Circulado de fulo

Figura 8: Transcrição da melodia da Cantiga de Cego No 2, ouvida, transcrita e enviada por Mozart Araújo a Mário de Andrade, presente no Arquivo Mário de Andrade, IEB-USP, fólio MA-MMA-110-03.

O último verso da cantiga recolhida por Mozart de Araújo é um bom exemplo de movença,

apontado por Zumthor acima, e que caracterizariam as culturas orais como a medieval estudada por

esse autor e a contemporânea dos cantadores de feira nordestinos. O verso ―Acompanhado dos anjo,

Circulado de Fulô‖, provavelmente um fechamento comum nessas cantigas, foi relido pelo poeta de

vanguarda paulista Haroldo de Campos (1909-2003) e serviu de mote para ele criar um dos poemas

que compõem o livro Galáxias (1984) e que foi posteriormente musicado por Caetano Veloso e

gravado no LP/CD Circuladô (Phonogram/Philips, 1991). Segundo Haroldo de Campos:

Ele [Caetano] soube restituir-me com extrema sensibilidade – uma característica dele – o clima do meu poema, que é, todo ele, voltado à celebração da inventividade dos cantadores nordestinos no plano da linguagem e do som, na grande tradição oral dos trovadores medievais (CAMPOS, revista CD).

A transcrição abaixo de parte do poema é elucidativa, pois além de demonstrar como Campos

trabalhou a inventividade do cantador, faz menção ao cantador cego ―deus te guie porque eu não

posso guiá” e seu instrumento ―soando como um shamisen e feito apenas com um arame tenso um

cabo e uma lata velha”, como de fato algumas rabecas em seu estado mais simples são construídas:

Circuladô de fulô ao deus ao demodará que deus te guie porque eu não posso guiá e viva quem já me deu circuladô de fulô e ainda quem falta me dá soando como um shamisen e feito apenas com um arame tenso um cabo e uma lata velha num fim de festafeira no pino do sol a pino mas para outros não existia aquela música não podia porque não podia popular aquela música se não canta não é popular se não afina não tintina não tarantina...o povo é o inventalínguas na malícia da mestria no matreiro da maravilha no visgo do improviso tenteando a travessia azeitava o eixo do sol pois não tinha serventia metáfora pura ou quase o povo é o melhor artífice no seu martelo galopado.. (CAMPOS, 1984).

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72

Deus lhe bote num ando Dos pés de Nossa Senhora Dos pés de Nosso Senhor Acompanhado dos anjo

Circulado de fulo

Figura 8: Transcrição da melodia da Cantiga de Cego No 2, ouvida, transcrita e enviada por Mozart Araújo a Mário de Andrade, presente no Arquivo Mário de Andrade, IEB-USP, fólio MA-MMA-110-03.

O último verso da cantiga recolhida por Mozart de Araújo é um bom exemplo de movença,

apontado por Zumthor acima, e que caracterizariam as culturas orais como a medieval estudada por

esse autor e a contemporânea dos cantadores de feira nordestinos. O verso ―Acompanhado dos anjo,

Circulado de Fulô‖, provavelmente um fechamento comum nessas cantigas, foi relido pelo poeta de

vanguarda paulista Haroldo de Campos (1909-2003) e serviu de mote para ele criar um dos poemas

que compõem o livro Galáxias (1984) e que foi posteriormente musicado por Caetano Veloso e

gravado no LP/CD Circuladô (Phonogram/Philips, 1991). Segundo Haroldo de Campos:

Ele [Caetano] soube restituir-me com extrema sensibilidade – uma característica dele – o clima do meu poema, que é, todo ele, voltado à celebração da inventividade dos cantadores nordestinos no plano da linguagem e do som, na grande tradição oral dos trovadores medievais (CAMPOS, revista CD).

A transcrição abaixo de parte do poema é elucidativa, pois além de demonstrar como Campos

trabalhou a inventividade do cantador, faz menção ao cantador cego ―deus te guie porque eu não

posso guiá” e seu instrumento ―soando como um shamisen e feito apenas com um arame tenso um

cabo e uma lata velha”, como de fato algumas rabecas em seu estado mais simples são construídas:

Circuladô de fulô ao deus ao demodará que deus te guie porque eu não posso guiá e viva quem já me deu circuladô de fulô e ainda quem falta me dá soando como um shamisen e feito apenas com um arame tenso um cabo e uma lata velha num fim de festafeira no pino do sol a pino mas para outros não existia aquela música não podia porque não podia popular aquela música se não canta não é popular se não afina não tintina não tarantina...o povo é o inventalínguas na malícia da mestria no matreiro da maravilha no visgo do improviso tenteando a travessia azeitava o eixo do sol pois não tinha serventia metáfora pura ou quase o povo é o melhor artífice no seu martelo galopado.. (CAMPOS, 1984).

73

Deus lhe pague a boa esmola Com prazer e alegria

No reino do céu se veja Com toda sua famía

Conserve a luz dos seus olhos Senhora Santa Luzia

Figura 9: Transcrição da melodia da Cantiga de Cego No 3, ouvida, transcrita e enviada por Mozart Araújo a Mário de

Andrade, presente no Arquivo Mário de Andrade, IEB-USP, fólio MA-MMA-110-03.

Vê-se aqui que a circularidade que Zumthor se refere é também entendida por Campos em

Circuladô de Fulô, no duplo sentido do particípio do verbo ―circular‖, ou seja, retomar do início

traçando uma nova volta, nesse caso da medievalidade à contemporaneidade, e ―ao lado de‖,

―rodeado de flores‖, aqui entendido como afloração dos versos, bem acompanhado pela criação

poética.

O cantador sertanejo, vagando pelo sertão, de um canto a outro, tirando sua sobrevivência

do ofício de recitar versos, acompanhado de seu instrumento inseparável, seja a viola ou a rabeca,

corresponde homologamente aos menestréis e jograis medievais. Os cegos cantadores parecem ter

uma relação, ou até mesmo predileção, pela rabeca, haja vista o grande registro dessa associação

tanto em Portugal como no Brasil. Amalgamando o cantar poético à mendicância, sua arte parece

ter encontrado alicerce nos bordões monotônicos da rabeca, dando ao seu canto uma ancestralidade

incomparável à proporcionada por outros instrumentos, mais calcados na harmonia do que no

modalismo alicerçado nos drone tones (bordões). A cantoria do cego Sinfrônio, registrada no

Dicionário do Folclore Brasileiro, de Câmara Cascudo, exemplifica essa relação, evidenciando a

importância da rabeca nesse contexto, e deixa claro o registro da interação simbiótica

homem/rabeca inerente ao seu cantar poético: Esta é minha rabequinha É meus pés e minhas mãos, Minha foice e meu machado, É meu mio meu feijão,

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74

É minha planta de fumo, Minha safra de algodão! (CASCUDO, 2012; p. 601)

3.2.2.2 Toadas

Seis das melodias fornecidas por Vilemão a Mário de Andrade e publicadas em As

melodias do boi... apresentam em seu título o termo ―toada‖ (ANDRADE, 1987, p. 171-174). Três

delas são apresentadas, simplesmente, como ―Toada‖ (98, 100 e 102); a 99, Toada de Antônio

Daniel; a 101, Toada de Luísa de França; e a 103, Toada de Cantador.

As descrições de ―toada‖ encontradas na literatura são pouco restritivas. Câmara Cascudo

define-a como ―Cantiga, canção, cantilena; solfa, a melodia nos versos para cantar-se‖

(CASCUDO, 2012, p. 688). Mário de Andrade fala ainda, além do sinônimo de cantiga, do ―caráter

no geral melancólico, dolente, arrastado‖ e da ausência de forma fixa (ANDRADE, 1989, p. 518).

Oneyda Alvarenga diz o seguinte: A Toada se espalha mais ou menos por todo o Brasil. Musicalmente, não tem o caráter definido e inconfundível da Moda caipira. Talvez porque, abrangendo várias regiões, a Toada reflita as peculiaridades musicais próprias de cada uma delas. Ou talvez porque, em vez de nome de um tipo especial de canção, a palavra Toada seja empregada mais no seu sentido genérico corrente na língua (o mesmo de Moda) ou como designação de qualquer canto sem destinação imediata. De qualquer modo parece que a Toada não tem características fixas que irmanem todas as suas manifestações. O que se poderá dizer para defini-la é apenas o seguinte: com raras exceções, seus textos são curtos – amorosos, líricos, cômicos – e fogem à forma romanceada, sendo formalmente de estrofe e refrão; musicalmente, as Toadas apresentam características muito variadas (ALVARENGA, 1982, p. 319; grifo nosso).

Apesar da concordância entre os autores sobre a toada se tratar de uma canção, nenhum

dos exemplares desse gênero fornecidos por Vilemão apresenta a poesia, apenas a melodia foi

registrada (fig. 10).

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74

É minha planta de fumo, Minha safra de algodão! (CASCUDO, 2012; p. 601)

3.2.2.2 Toadas

Seis das melodias fornecidas por Vilemão a Mário de Andrade e publicadas em As

melodias do boi... apresentam em seu título o termo ―toada‖ (ANDRADE, 1987, p. 171-174). Três

delas são apresentadas, simplesmente, como ―Toada‖ (98, 100 e 102); a 99, Toada de Antônio

Daniel; a 101, Toada de Luísa de França; e a 103, Toada de Cantador.

As descrições de ―toada‖ encontradas na literatura são pouco restritivas. Câmara Cascudo

define-a como ―Cantiga, canção, cantilena; solfa, a melodia nos versos para cantar-se‖

(CASCUDO, 2012, p. 688). Mário de Andrade fala ainda, além do sinônimo de cantiga, do ―caráter

no geral melancólico, dolente, arrastado‖ e da ausência de forma fixa (ANDRADE, 1989, p. 518).

Oneyda Alvarenga diz o seguinte: A Toada se espalha mais ou menos por todo o Brasil. Musicalmente, não tem o caráter definido e inconfundível da Moda caipira. Talvez porque, abrangendo várias regiões, a Toada reflita as peculiaridades musicais próprias de cada uma delas. Ou talvez porque, em vez de nome de um tipo especial de canção, a palavra Toada seja empregada mais no seu sentido genérico corrente na língua (o mesmo de Moda) ou como designação de qualquer canto sem destinação imediata. De qualquer modo parece que a Toada não tem características fixas que irmanem todas as suas manifestações. O que se poderá dizer para defini-la é apenas o seguinte: com raras exceções, seus textos são curtos – amorosos, líricos, cômicos – e fogem à forma romanceada, sendo formalmente de estrofe e refrão; musicalmente, as Toadas apresentam características muito variadas (ALVARENGA, 1982, p. 319; grifo nosso).

Apesar da concordância entre os autores sobre a toada se tratar de uma canção, nenhum

dos exemplares desse gênero fornecidos por Vilemão apresenta a poesia, apenas a melodia foi

registrada (fig. 10).

75

Figura 10: exemplo de toada. Reproduzido a partir de Andrade (1987, p. 171).

3.2.2.3 Romances

Outro gênero poético-musical comumente apreciado pelos rabequeiros cantadores é o

romance. Três exemplos são encontrados em As melodias do Boi..., anotados por Mário de Andrade

a partir de Vilemão da Trindade: O Romance da Lagoa Encantada, O Romance da Princesa (fig.

11) e o Romance do Bode Branco (ANDRADE, 1987, p. 150-152). Mário de Andrade define esse

gênero da seguinte forma: ―Poesia cantada que narra um acontecimento. Às vezes, raras, descreve

um fenômeno natural, como as narrações de chegada do inverno (Nordeste)‖ (ANDRADE, 1989, p.

444). O romanceiro brasileiro está constituído de versões de procedência ibérica, assim como

exemplos autênticos, originados no Brasil, os quais parecem ter sua origem relativamente recente,

datando do final do séc. XVIII, ou início do XIX (ALVARENGA, 1982, p. 306; ANDRADE, 1989,

p. 444).

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76

Figura 11: Exemplo de romance, com a poesia. Reproduzido e modificado a partir de Andrade (1987, p. 150-151).

Os romances portugueses datam dos séculos XVI e XVII, com poucos tendo sido

registrados ainda na boca do povo, no início do séc. XX. Entre esses, o da Nau Catarineta e o da

Dama Guerreira são exemplos marcantes (ALVARENGA, 1982, p. 306-307). De acordo com

Cascudo,

O séc. XVI foi a época do romance em Portugal e justamente a fase do povoamento do Brasil. Os romances vieram, cantados, e resistiram até, possivelmente, o séc. XVIII, quando foram esquecidos no uso, mas não nas memórias coloniais (CASCUDO, 2012, p. 620)

A primeira coleção de romances publicada no Brasil data de 1873, de autoria de Celso de

Magalhães, no jornal recifense O Trabalho (CASCUDO, 2012, p. 620). Os romances nacionais

narram, principalmente, fatos relacionados a ―animais e bandidos célebres‖ (ALVARENGA, 1982,

p. 309). No primeiro grupo, o ciclo do boi é o mais notável. No segundo, encontram-se os romances

de cangaço, retratando aspectos da vida e das façanhas dos ―bandoleiros nordestinos‖

(ALVARENGA, 1982, p. 309-310).

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76

Figura 11: Exemplo de romance, com a poesia. Reproduzido e modificado a partir de Andrade (1987, p. 150-151).

Os romances portugueses datam dos séculos XVI e XVII, com poucos tendo sido

registrados ainda na boca do povo, no início do séc. XX. Entre esses, o da Nau Catarineta e o da

Dama Guerreira são exemplos marcantes (ALVARENGA, 1982, p. 306-307). De acordo com

Cascudo,

O séc. XVI foi a época do romance em Portugal e justamente a fase do povoamento do Brasil. Os romances vieram, cantados, e resistiram até, possivelmente, o séc. XVIII, quando foram esquecidos no uso, mas não nas memórias coloniais (CASCUDO, 2012, p. 620)

A primeira coleção de romances publicada no Brasil data de 1873, de autoria de Celso de

Magalhães, no jornal recifense O Trabalho (CASCUDO, 2012, p. 620). Os romances nacionais

narram, principalmente, fatos relacionados a ―animais e bandidos célebres‖ (ALVARENGA, 1982,

p. 309). No primeiro grupo, o ciclo do boi é o mais notável. No segundo, encontram-se os romances

de cangaço, retratando aspectos da vida e das façanhas dos ―bandoleiros nordestinos‖

(ALVARENGA, 1982, p. 309-310).

77

Quanto à forma, Mário de Andrade informa que ―o romance raramente emprega a quadra,

apresentando de preferência a sextilha e a décima‖ (ANDRADE, 1989, p. 444). Cascudo diz que

são octossílabos (pela versificação castelhana) e setissílabos, pela de língua portuguesa, com as

rimas assonantes nos versos pares (CASCUDO, 2012, p. 620).

3.2.2.4 Desafios

Os registros mais antigos sobre os desafios poéticos são encontrados entre os pastores

gregos, que lançavam os versos ao seu adversário, o qual, por sua vez, deveria responder dentro da

mesma estrutura poética, com o mesmo número de versos. Essa prática ficou imortalizada nos

escritos de grandes poetas gregos, como Homero e Horácio, por exemplo (CASCUDO, 2005, p.

185-186).

Ausente nas escrituras romanas, o canto alternado ressurge na literatura escrita durante a

Idade Média, na França, Alemanha e Flandres. Dentre os gêneros presentes na literatura, aquele

―que aparece mais próximo ao nosso ‗desafio‘ e que conservou as características do canto amebeu

foi, na Idade Média, o ‗tenson‘‖ (CASCUDO, 2005, p. 187), que chegou à Península Ibérica, tanto

em Portugal quanto Espanha, por meio de seus cultores franceses (CASCUDO, 2005, p. 188). O

termo ―desafio‖ foi herdado de Portugal, onde permaneceu entre os pastores, que cantavam suas

poesias improvisadas ―ao som do arrabil ou de violas primitivas‖ (CASCUDO, 2005, p. 190). A

descrição do vocábulo ―arrabil‖ em dicionários antigos de Língua Portuguesa evidencia a relação

existente entre esse instrumento e as rabecas, já tratada no capítulo 2 (BLUTEAU, 1720;

MARQUES, 1758).

Dentro da cantoria sertaneja, a viola e a rabeca foram os instrumentos eleitos pelos

cantadores (CASCUDO, 2005, p. 195). Entretanto, a primeira parece ser mais comum e pode-se

encontrar referências a esse fato, tais como: ―A viola é verdadeiramente o grande instrumento da

cantoria. Violeiro é sinônimo de cantador‖ (CASCUDO, 2005, p. 195); e ―Só a viola [...] harmoniza

a cadência do verso ao som melódico das suas cordas mágicas. A viola é a alma dos cantadores

nordestinos‖ (COUTINHO FILHO, 1953, p. 25).

Por outro lado, a rabeca encontra-se associada a grandes nomes da poesia cantada

nordestina, como o potiguar Fabião Hermenegildo Ferreira da Rocha (Fabião das Queimadas), além

dos três cegos rabequeiros já citados anteriormente nesse capítulo. Entre as melodias informadas

por Vilemão, publicadas em Melodias do boi..., encontram-se quatro exemplos de desafio

(ANDRADE, 1984, p. 187-190): ―Desafio do Preto Limão‖, ―Desafio de Valentim e da Mulher‖,

Desafio Tradicional‖ e ―Desafio de Inácio da Catingueira‖. Desses, apenas o último apresenta a

letra (fig. 12).

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Figura 12: exemplo de desafio. Reproduzido e modificado a partir de Andrade (1984, p. 189-190).

3.2.2.5 Coco

O coco corresponde a um gênero incomum no repertório dos rabequeiros. Entretanto,

Vilemão forneceu dois exemplos de cocos a Mário de Andrade, o primeiro dos quais está publicado

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Figura 12: exemplo de desafio. Reproduzido e modificado a partir de Andrade (1984, p. 189-190).

3.2.2.5 Coco

O coco corresponde a um gênero incomum no repertório dos rabequeiros. Entretanto,

Vilemão forneceu dois exemplos de cocos a Mário de Andrade, o primeiro dos quais está publicado

79

em Danças Dramáticas..., com o título ―Coco do Piauí, com seu Baiano‖, já comentado

anteriormente (fig. 4). O segundo é o coco ―O Sol lá vem‖ (fig. 13), que integra a coletânea do

gênero (ANDRADE, 1984, p. 65-67). Os pesquisadores Maria I. N. Ayala e Marcos Ayala veem os

cocos como uma ―manifestação cultural popular de dança, música e poesia oral improvisada [...]‖

(AYALA; AYALA, 2000, p. 14). Entretanto, a pesquisadora chama a atenção para o fato de que,

como já havia notado Mário de Andrade, ―coco‖ é um termo vago, que pode fazer referência a

manifestações diversas, sendo empregado como sinônimo de ―toada‖, ou ―moda‖ em alguns casos

(AYALA, 2000, p. 21); por outro lado, também fala de duas formas de coco mais comuns: a dos

coquistas, ou emboladores, duplas de repentistas que se desafiam diante de um público, e os cocos

para dançar (AYALA, 2000, p. 21-22). Em Cascudo, encontra-se ainda as designações ―samba,

pagode, zambê, bambelô‖ para a manifestação (CASCUDO, 2012, p. 213).

Ayala, em seu estudo sobre os cocos na Paraíba, fala que os instrumentos utilizados no

coco são ―todos de percussão‖ (AYALA, 2000, p. 22). Já Alvarenga acrescenta o pife como

instrumento comum, junto à percussão, nas bandas cabaçais (ALVARENGA, 1982, p. 165-166).

Cascudo cita que Pereira da Costa observou violão e viola como instrumentos de acompanhamento,

no Recife (CASCUDO, 2012, p. 214).

Oneyda Alvarenga fala da existência de uma espécie de canção mais lenta e lírica, com

ritmo livre algumas vezes e não destinada a dançar, também designada por ―coco‖ (ALVARENGA,

1982, p. 166). O coco fornecido por Vilemão apresenta a seção do coro, os oito primeiros

compassos, com esta característica. Os compassos restantes, correspondentes ao solo, entretanto,

além da mudança de andamento, apresentam figuras rítmicas menores, caracterizando uma seção

mais ritmada dentro da peça.

Quanto à forma dos cocos:

[...] é em estrofe-refrão. O refrão ou a segue ou se intercala nela. Poeticamente, apenas o refrão é fixo, constituindo o caracterizador do Coco. As estrofes, quase sempre em quadras de sete sílabas, são tradicionais ou improvisadas. [...] Os Cocos obedecem em geral ao compasso 2/4 ou C (ALVARENGA, 1982, p. 169).

Muitas dessas características estão presentes em ―O Sol lá vem‖, como a estrutura estrofe-

refrão (solo-coro), o refrão fixo e o compasso binário. Os versos, no entanto, são de oito pés e nem

sempre setissílabos.

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81

Figura 13: Exemplo de coco, com a letra. Reproduzido a partir de Andrade (1989, p. 65-67).

3.3 APRENDER A PERFORMAR

Neste tópico, serão discutidas algumas questões relacionadas à execução de exemplos,

retirados do repertório de rabeca tratado nas seções anteriores desse capítulo, seguindo a abordagem

proposta por John Baily (2001) – aprender a performar (―learn to perform‖) como método de

pesquisa – já tratada no primeiro capítulo.

Devido à enorme variedade que as rabecas apresentam em diversos aspectos, algumas

questões surgem logo de início: ―Qual a rabeca ideal para se executar esse repertório?‖ e ―Qual a

afinação adequada?‖. Gramani (2002) relata uma série de padrões de afinação (5ª-5ª-5ª; 5ª-5ª-4ª; 5ª-

4ª-5ª; 5ª-4ª-3ªM; 4ª-5ª-5ª; entre outros) e rabecas com três e quatro cordas. Murphy (1997), por sua

vez, em pesquisa de cunho parecido, mas concentrada em rabecas e rabequeiros da Zona da Mata

pernambucana, registrou apenas instrumentos de quatro cordas afinadas em 5as em todos os casos,

como no violino. A partir dessas informações, observa-se que dois padrões ocorrem, certamente, na

região Nordeste do Brasil, para as rabecas com quatro cordas: 5ª-4ª-3ªM e em 5as. É muito provável

que a rabeca de Vilemão tivesse quatro cordas também. Essa afirmativa encontra suporte em duas

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rabecas nordestinas coletadas por Mário de Andrade, em sua segunda viagem etnográfica, cujas

imagens podem ser vistas em Ohtake (1988, p. 122-123), com ambos exemplares apresentado esse

número de cordas. Nóbrega (apud SANTOS, 2011, p. 23) também afirma que as rabecas de quatro

cordas parecem corresponder ao padrão na região Nordeste.

O medievalista Christopher Page, em seu abrangente estudo teórico e prático Voices and

Instruments of the Middle Ages (1986, p. 127-128), ressalta a importância da não padronização das

afinações nos instrumentos de corda friccionada medievais como a viella e a rubeba – esse último,

um ancestral direto da rabeca – a partir das descrições de afinação e seu uso, encontradas no tratado

de Jerome de Moravia, escrito no séc. XIII, em Paris. Page define dois tipos de padrões de afinação:

a primeira, ―heterofônica‖, que mistura intervalos variados (5ª, 4ª e/ou 3ª), favorecendo o emprego

de bordões modais; e a segunda, ―homofônica‖, que utiliza somente os intervalos de 5as, mais

apropriada à realização de linhas melódicas.

No caso das músicas informadas por Vilemão Trindade, sua performance com a rabeca

afinada de acordo com um padrão ―heterofônico‖ mostrou-se bastante eficiente. É necessário,

entretanto, transpor os exemplos para o tom adequado ao padrão adotado na rabeca, ou seja, deve-se

levar em conta que os bordões permanecem em cordas abertas e os dedilhados são, em sua maioria,

executados sem a necessidade de mudança de posição. Os tons experimentados variaram de Dó (Dó

3; Sol 3; Dó 4; Mi 4) a Lá ( La 3 ; Mi 4; La 4; Dó# 5 ). Na figura 14, é possível observar o aumento

do número de cordas soltas a partir dessa transposição. Já na figura 15, a utilização dos bordões

encontra-se ressaltada, assim como acontece com as arcadas.

A afinação ―heterofônica‖, ao favorecer os bordões modais, permite que o rabequeiro toque

praticamente o tempo todo com duas cordas simultaneamente. Essa característica também é descrita

por Page (1986, p. 127-128), em relação às viellas. Ele acrescenta que essa maneira de tocar

incorpora ruídos percussivos aos acompanhamentos de bordão, exatamente como fazem os

rabequeiros, utilizando esse recurso para produzir uma sonoridade mais robusta, forte, cheia e

também como recurso rítmico, características da dança do Baiano. A afinação ―homofônica‖, por

outro lado, vai implicar a utilização de mais de um dedo na maior parte do tempo de execução da

peça, caso se pretenda tocar duas cordas simultaneamente. Esta prática traz, além da dificuldade

mecânica de se utilizar dois dedos ao mesmo tempo, problemas de afinação dos intervalos. A figura

16 ilustra os dedilhados para a afinação homofônica em dó e lá jônio, respectivamente.

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rabecas nordestinas coletadas por Mário de Andrade, em sua segunda viagem etnográfica, cujas

imagens podem ser vistas em Ohtake (1988, p. 122-123), com ambos exemplares apresentado esse

número de cordas. Nóbrega (apud SANTOS, 2011, p. 23) também afirma que as rabecas de quatro

cordas parecem corresponder ao padrão na região Nordeste.

O medievalista Christopher Page, em seu abrangente estudo teórico e prático Voices and

Instruments of the Middle Ages (1986, p. 127-128), ressalta a importância da não padronização das

afinações nos instrumentos de corda friccionada medievais como a viella e a rubeba – esse último,

um ancestral direto da rabeca – a partir das descrições de afinação e seu uso, encontradas no tratado

de Jerome de Moravia, escrito no séc. XIII, em Paris. Page define dois tipos de padrões de afinação:

a primeira, ―heterofônica‖, que mistura intervalos variados (5ª, 4ª e/ou 3ª), favorecendo o emprego

de bordões modais; e a segunda, ―homofônica‖, que utiliza somente os intervalos de 5as, mais

apropriada à realização de linhas melódicas.

No caso das músicas informadas por Vilemão Trindade, sua performance com a rabeca

afinada de acordo com um padrão ―heterofônico‖ mostrou-se bastante eficiente. É necessário,

entretanto, transpor os exemplos para o tom adequado ao padrão adotado na rabeca, ou seja, deve-se

levar em conta que os bordões permanecem em cordas abertas e os dedilhados são, em sua maioria,

executados sem a necessidade de mudança de posição. Os tons experimentados variaram de Dó (Dó

3; Sol 3; Dó 4; Mi 4) a Lá ( La 3 ; Mi 4; La 4; Dó# 5 ). Na figura 14, é possível observar o aumento

do número de cordas soltas a partir dessa transposição. Já na figura 15, a utilização dos bordões

encontra-se ressaltada, assim como acontece com as arcadas.

A afinação ―heterofônica‖, ao favorecer os bordões modais, permite que o rabequeiro toque

praticamente o tempo todo com duas cordas simultaneamente. Essa característica também é descrita

por Page (1986, p. 127-128), em relação às viellas. Ele acrescenta que essa maneira de tocar

incorpora ruídos percussivos aos acompanhamentos de bordão, exatamente como fazem os

rabequeiros, utilizando esse recurso para produzir uma sonoridade mais robusta, forte, cheia e

também como recurso rítmico, características da dança do Baiano. A afinação ―homofônica‖, por

outro lado, vai implicar a utilização de mais de um dedo na maior parte do tempo de execução da

peça, caso se pretenda tocar duas cordas simultaneamente. Esta prática traz, além da dificuldade

mecânica de se utilizar dois dedos ao mesmo tempo, problemas de afinação dos intervalos. A figura

16 ilustra os dedilhados para a afinação homofônica em dó e lá jônio, respectivamente.

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Figura 14: Exemplo de baiano nos dois tipos de afinação: acima, homofônica (em 5as), e abaixo, heterofônica (5ª-4ª-

3ªM). Os números sobre as notas indicam os dedos utilizados: ―0‖ – corda aberta, ―1‖ – indicador, ―2‖ – médio, ―3‖ – anelar e ―4‖ – mínimo. Reproduzido a partir de danças dramáticas... (ANDRADE, 1959, p. 41).

Figura 15: Mesmo Baiano representado na figura 14, ao qual foram acrescentados os bordões e as arcadas

isócronas para baixo.

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Figura 16: Mesmo Baiano da figura 15, com os dedilhados de acordo com a afinação homofônica. A versão acima está

em dó jônio, e a abaixo, em lá jônio.

Uma questão interessante que emerge da prática desse repertório diz respeito às limitações

da notação musical tradicional para representar os ritmos e as acentuações com precisão. O próprio

Mário de Andrade reconhecia essas restrições, embora tenha empregado esse tipo de registro na

falta de um gravador, que julgava mais adequado. Diversos autores já apontaram a insuficiência

dessa forma de notação para a compreensão da música de tradição oral, em especial a africana, com

seus reflexos na notação rítmica da música de matriz africana que se desenvolveu no Brasil

(SANDRONI, 2008, p. 19-37). Carlos Sandroni, em Feitiço decente (2008), assinala que, nesses

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Figura 16: Mesmo Baiano da figura 15, com os dedilhados de acordo com a afinação homofônica. A versão acima está

em dó jônio, e a abaixo, em lá jônio.

Uma questão interessante que emerge da prática desse repertório diz respeito às limitações

da notação musical tradicional para representar os ritmos e as acentuações com precisão. O próprio

Mário de Andrade reconhecia essas restrições, embora tenha empregado esse tipo de registro na

falta de um gravador, que julgava mais adequado. Diversos autores já apontaram a insuficiência

dessa forma de notação para a compreensão da música de tradição oral, em especial a africana, com

seus reflexos na notação rítmica da música de matriz africana que se desenvolveu no Brasil

(SANDRONI, 2008, p. 19-37). Carlos Sandroni, em Feitiço decente (2008), assinala que, nesses

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gêneros musicais, ocorre uma interpolação de agrupamentos rítmicos binários e ternários, os quais,

quando anotados pelo sistema em questão ―[...] aparecem como deslocados, anormais, irregulares

[...]‖ (SANDRONI, 2008, p. 26). O autor expõe a ideia do paradigma do tresillo, um ciclo de oito

pulsações organizadas em três grupos (3+3+2), que formam ritmos assimétricos, encontrados

amplamente na música brasileira (fig. 17). O autor define:

Sua característica fundamental é a marca contramétrica recorrente da quarta pulsação (ou, em notação convencional, na quarta semicolcheia) de um grupo de oito, que assim fica dividido em duas quase-metades desiguais (3+5) (SANDRONI, 2008, p. 30).

Figura 17: Comparação entre as duas formas de notação do mesmo ritmo: (a) sistema de notação tradicional ocidental e

(b) notação de acordo com o paradigma do tresillo. Observar a quarta semicolcheia.

O paradigma do tresillo se mostrou como ponto de partida para a compreensão rítmica dos

baianos do bumba meu boi. Dos 24 baianos analisados, vinte foram anotados por Mário em

compasso binário e puderam ser interpretados à luz desse paradigma. Um fator interessante foi

identificar, em quinze desses exemplares, a presença de dois padrões de tresillo, denominados aqui

de ―tresillo pequeno‖ e ―tresillo grande‖ (fig. 18).

É importante ressaltar que esses padrões foram identificados a partir das anotações do

próprio Andrade, assinaladas no primeiro Baiano de abertura (ANDRADE, 1959, p. 40) por notas

acentuadas (na fig. 18, observar os acentos circulados em vermelho) que completam o ciclo

isócrono do ―tresillo grande‖, deixam em aberto a possibilidade da compreensão desses acentos

como uma série subjacente ao habitual ―tresillo pequeno‖, aqui entendido como linha guia (―time-

line pattern‖) do baiano, o que será discutido mais adiante.

A função rítmica da rabeca no bumba meu boi do Rio Grande do Norte é reforçada,

sobretudo, pela ideia de ―time lines‖. Essas ―linhas-guia‖ (SANDRONI, 2008; p. 25) foram

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identificadas por Nketia46 e correspondem a uma espécie de ostinato, realizado pelas palmas ou

pelos idiofones metálicos (de timbre agudo e penetrante) nas músicas da África Subsaariana.

Considerando que nos instrumentos listados por Andrade no auto do bumba não há a menção de

instrumentos de percussão e o fato de a rabeca ser o instrumento mais agudo do conjunto

instrumental (formado ainda por harmônica e violão ou viola), pode-se presumir a importância

rítmica da rabeca nesse contexto. Além de conduzir a sequência de semicolcheias, como faz

normalmente um pandeiro no coco ou na embolada, com uma sucessão de acentos produzidos pelos

golpes de arco e mudanças de corda, a linha rítmica da rabeca pode ser entendida como uma linha-

guia de referência para os músicos e brincantes do bumba meu boi. A utilização dos bordões

isócronos às articulações de cada um dos três grupos de pulsações do tresillo (fig. 15), junto aos

acentos imprimidos pelo arco, intensifica esse caráter rítmico. A importância da função rítmica da

rabeca pode ser confirmada pela pesquisa de Ana Cristina da Nóbrega (2000) junto ao Cavalo

Marinho de Mestre Gasosa em Bayeux, Paraíba:

Nas ‗danças‘ Artur [rabequeiro] reforça os desenhos rítmicos e melódicos do canto sublinhando-os, e nos interlúdios instrumentais improvisa em torno de idéias melódicas realizadas pelo tema das músicas, utilizando a imitação e variação. O Mestre [Gasosa] costuma dizer que ‗o balanço da mão de Artur no arco faz o balanço do baião pra gente dançar‘ (NÓBREGA, 2000, 105).

Note-se que nesse grupo de Cavalo Marinho (uma variante do bumba meu boi, presente nos estados

da Paraíba e de Pernambuco) estão presentes instrumentos de percussão (pandeiro e triângulo) e,

mesmo assim, a rabeca mantém o status de guia para os brincantes. Nessa pesquisa, pôde-se

constatar a vitalidade rítmica que os exemplos adquiriram quando executados a partir do paradigma

do tresillo, sobretudo a partir do momento em que os bordões de cordas soltas marcam as

acentuações. Os exemplos da fig. 19 ilustram bem a importância do uso rítmico do arco.

46Kwabena Nketia, o primeiro a utilizar o termo time line em 1963, descreve-o como ―um ponto constante de referência

pelo qual a estrutura frasal de uma canção, bem como a organização métrica linear das frases, são guiadas‖ (NKETIA,

1963 apud AGAWU, Kofi, 2006).

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identificadas por Nketia46 e correspondem a uma espécie de ostinato, realizado pelas palmas ou

pelos idiofones metálicos (de timbre agudo e penetrante) nas músicas da África Subsaariana.

Considerando que nos instrumentos listados por Andrade no auto do bumba não há a menção de

instrumentos de percussão e o fato de a rabeca ser o instrumento mais agudo do conjunto

instrumental (formado ainda por harmônica e violão ou viola), pode-se presumir a importância

rítmica da rabeca nesse contexto. Além de conduzir a sequência de semicolcheias, como faz

normalmente um pandeiro no coco ou na embolada, com uma sucessão de acentos produzidos pelos

golpes de arco e mudanças de corda, a linha rítmica da rabeca pode ser entendida como uma linha-

guia de referência para os músicos e brincantes do bumba meu boi. A utilização dos bordões

isócronos às articulações de cada um dos três grupos de pulsações do tresillo (fig. 15), junto aos

acentos imprimidos pelo arco, intensifica esse caráter rítmico. A importância da função rítmica da

rabeca pode ser confirmada pela pesquisa de Ana Cristina da Nóbrega (2000) junto ao Cavalo

Marinho de Mestre Gasosa em Bayeux, Paraíba:

Nas ‗danças‘ Artur [rabequeiro] reforça os desenhos rítmicos e melódicos do canto sublinhando-os, e nos interlúdios instrumentais improvisa em torno de idéias melódicas realizadas pelo tema das músicas, utilizando a imitação e variação. O Mestre [Gasosa] costuma dizer que ‗o balanço da mão de Artur no arco faz o balanço do baião pra gente dançar‘ (NÓBREGA, 2000, 105).

Note-se que nesse grupo de Cavalo Marinho (uma variante do bumba meu boi, presente nos estados

da Paraíba e de Pernambuco) estão presentes instrumentos de percussão (pandeiro e triângulo) e,

mesmo assim, a rabeca mantém o status de guia para os brincantes. Nessa pesquisa, pôde-se

constatar a vitalidade rítmica que os exemplos adquiriram quando executados a partir do paradigma

do tresillo, sobretudo a partir do momento em que os bordões de cordas soltas marcam as

acentuações. Os exemplos da fig. 19 ilustram bem a importância do uso rítmico do arco.

46Kwabena Nketia, o primeiro a utilizar o termo time line em 1963, descreve-o como ―um ponto constante de referência

pelo qual a estrutura frasal de uma canção, bem como a organização métrica linear das frases, são guiadas‖ (NKETIA,

1963 apud AGAWU, Kofi, 2006).

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Figura 18: Reprodução de dois baianos (voz intermediária), a partir de Danças dramáticas... (ANDRADE, 1959, p. 40 e 42), ilustrando os dois padrões de tresillo, pequeno (voz superior) e grande (voz inferior). As ligaduras indicam cada

padrão de tresillo.

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Figura 19: Dois exemplos de baianos (ANDRADE, 1959; p. 69 e 43, respectivamente) ilustrando a utilização rítmica do

arco. Observar a afinação ―heterofônica‖ em Lá.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

As pesquisas etnomusicológicas com instrumentos musicais vêm produzindo estudos

muito interessantes nos últimos 25 anos, em âmbito mundial. O diálogo constante entre a

etnomusicologia e outras ciências humanas, iniciado em meados do século passado, tem se

estabelecido de maneira mais sólida nesse período de tempo e possibilitado o surgimento de

abordagens criativas e inovadoras, resultando numa perspectiva expandida nos trabalhos da área.

Embora no Brasil alguns trabalhos clássicos tenham sido realizados há mais de três

décadas, como A Musicológica Kamayurá (BASTOS, 1978) e Ubatuba nos cantos das praias

(SETTI, 1985), por exemplo, a etnomusicologia encontra-se ainda em vias de consolidação, num

processo de se dissociar da herança folclorista e começar a operar através do novo paradigma

(TRAVASSOS, 2003; BASTOS, 2004; SANDRONI, 2008).

Na tentativa de contribuir para esse quadro, o presente trabalho procurou inserir as rabecas

brasileiras nessa discussão, trazendo elementos da sociologia (capítulo 2) para lançar alguma luz

sobre a situação de domínio que o violino exerce sobre esses instrumentos, expressa tanto na

literatura clássica de estudos de folclore musical como na dos próprios construtores e

instrumentistas inseridos nas culturas tradicionais onde as rabecas são empregadas. Observou-se

que, como consequência da modernidade, os violinos têm apresentado ―passe livre‖ e facilitação

para se impregnar nessas culturas, substituindo facilmente os instrumentos tradicionais. Por outro

lado, os movimentos de valorização e disseminação da cultura popular têm agido como formas de

resistência, com as rabecas funcionando como uma espécie de bandeira.

Quanto à sua origem, as rabecas têm uma história altamente relacionada aos violinos.

Desse modo, ainda não se pode inferir com precisão se sua presença manifestadamente e

caracteristicamente relacionada à cultura nacional é produto de intercâmbios constantes entre

diferentes camadas sociais, se possui uma história passível de ser tratada linearmente desde

Portugal, ou ainda, o que é bastante provável, se ambas as hipóteses tenham se desenrolado pelo

território brasileiro. Entretanto, esses instrumentos têm cada vez mais assumido uma posição de

destaque (seja em grupos de música popular urbana, em festivais, ou nas mãos de construtores

dissociados a processos tradicionais de fabricação), demonstrando serem detentores de uma voz

própria, como argumentado por alguns pesquisadores (GRAMANI, 2002; FIAMINGHI, 2008;

FIAMINGHI; PIEDADE, 2009).

O repertório de rabeca levantado a partir da obra de Mário de Andrade traz à tona uma

série de possibilidades. Serve como ponto de partida a quem possa se interessar pelo repertório de

rabecas brasileiras tradicionais, ou busca material para a pesquisa em composição de música

brasileira de concerto, como o fez, por exemplo, o compositor e violinista César Guerra Peixe. A

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abordagem adotada nessa pesquisa, proposta por John Baily, que prega a aprendizagem do

repertório de modo prático, a partir do instrumento, mostrou-se muito elucidativa no sentido de

revelar aspectos musicais não encerrados na partitura. Representa um método eficiente,

exemplificado tanto por seus estudos (BAILY, 1987; 2001; 2006) quanto por este trabalho, de

análise musical.

Muitos aspectos teóricos discutidos nesssa pesquisa, como os ―significados encarnados‖

(QURESHI, 1997) e a ―teoria agente-rede‖ (BATES, 2012), aparecem como ferramentas

interessantes para o estudo dos instrumentos musicais. Entretanto, sua aplicação se torna possível

mediante a realização conjunta de trabalho etnográfico, impossibilitado nessa pesquisa.

REFERÊNCIAS

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