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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ- UFPI PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS- CCHL PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA DO BRASIL JOÃO COSTA GOUVEIA NETO AO SOM DE PIANOS, FLAUTAS E RABECAS... ESTUDO DAS VIVÊNCIAS MUSICAIS DAS ELITES NA SÃO LUÍS DA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XIX. TERESINA-PI 2010

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ- UFPI

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS- CCHL

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA DO BRASIL

JOÃO COSTA GOUVEIA NETO

AO SOM DE PIANOS, FLAUTAS E RABECAS...

ESTUDO DAS VIVÊNCIAS MUSICAIS DAS ELITES NA SÃO LUÍS DA

SEGUNDA METADE DO SÉCULO XIX.

TERESINA-PI

2010

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JOÃO COSTA GOUVEIA NETO

AO SOM DE PIANOS, FLAUTAS E RABECAS... ESTUDO DAS VIVÊNCIAS MUSICAIS DAS ELITES NA SÃO LUÍS DA

SEGUNDA METADE DO SÉCULO XIX.

Dissertação apresentada à Coordenação do

Programa de Pós-Graduação em História do

Brasil, do Centro de Ciências Humanas e Letras

da Universidade Federal do Piauí, para a

obtenção do grau de Mestre em História do

Brasil.

Orientador: Prof. Dr. Edwar de Alencar Castelo

Branco.

TERESINA-PI

2010

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FICHA CATALOGRÁFICA

Serviço de Processamento Técnico da Universidade Federal do Piauí

Biblioteca Comunitária Jornalista Carlos Castello Branco

G719a GOUVEIA NETO, João Costa.

Ao som de pianos, flautas e rabecas... Estudo das vivências

musicais das elites na São Luís da segunda metade do século

XIX. João Costa Gouveia Neto._ Teresina: 2010.

168fls.

Dissertação (Mestrado em História do Brasil) Universidade

Federal do Piauí, 2010.

Orientador: Prof.° Dr.° Edwar de Alencar Castelo Branco.

1. Música – Maranhão. 2. Modernidade. 3. Teatro –

Vivências musicais. I. Título.

CDD: 780.9

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JOÃO COSTA GOUVEIA NETO

AO SOM DE PIANOS, FLAUTAS E RABECAS...

ESTUDO DAS VIVÊNCIAS MUSICAIS DAS ELITES NA SÃO LUÍS DA

SEGUNDA METADE DO SÉCULO XIX.

Dissertação apresentada à Coordenação do

Programa de Pós- Graduação em História do

Brasil, do Centro de Ciências Humanas e Letras da

Universidade Federal do Piauí, para a obtenção do

grau de Mestre em História do Brasil.

Este exemplar corresponde à redação

final da dissertação avaliada pela banca

examinadora em ___ junho de 2010.

BANCA EXAMINADORA

__________________________________________________

Prof. Dr. Edwar de Alencar Castelo Branco (Orientador)

Universidade Federal do Piauí

__________________________________________________

Prof. Dr. Flávio Weinstein Teixeira (Examinador)

Universidade Federal de Pernambuco

__________________________________________________

Prof. Dr. João Berchmans de Carvalho Sobrinho (Examinador)

Universidade Federal do Piauí

__________________________________________________

Prof. Dr. Pedro Vilarinho Castelo Branco (Suplente)

Universidade Federal do Piauí

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Ao meu pai José Ribamar Fernandes Gouveia que me

ensinou a ser um homem decente e de caráter.

À minha mãe Liniete Costa Gouveia que me incentivou a

voar mais alto, e a ser forte e corajoso.

À minha irmã Amanda Costa Gouveia, pela admiração,

pelo incentivo e pelo amor incondicional dispensados a

mim.

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AGRADECIMENTOS

Desde o nascimento o ser humano precisa de outro igual a ele para ajudá-lo nessa

primeira empreitada para conquistar a vida. A partir do momento que isso se tornou inteligível

descobri que essa necessidade é inerente à condição humana e que, enquanto vivermos essa

necessidade nos acompanhará. Chegando a Teresina, a cada dia, essa certeza foi se tornando

mais e mais verdadeira. A SAUDADE de casa, dos amigos aumentava essa constatação.

Longe de casa constatei que a minha força vinha do Senhor Jesus, que me escolheu desde o

ventre de minha mãe Liniete Gouveia para ser levita em sua casa. Essa era a única certeza que

tinha em Teresina. Às vezes sentia as mesmas dúvidas que o povo hebreu passara ao

atravessar o deserto por quarenta anos. No entanto, em seguida Deus mostrava-me que não

estava só. Ele iria e estaria comigo onde quer que eu ande. Isso foi se cumprindo durante as

três vezes que fui à Teresina ainda no tempo da seleção para ingressar no mestrado. E Deus

sempre providenciava tudo.

Na última etapa da seleção, um dos professores que me arguia sobre o projeto, perguntou-me

como faria para manter-me em Teresina. Sem titubear respondi que há situações sem

explicação plausível e que Eu confiava numa providência Divina. Assim, este trabalho é fruto

da capacitação que o Deus de Isaque, de Esaú, de Jacó, dos meus avós e de minha mãe

Liniete meu deu ao longo da vida, pois “Pelo que, nem o que planta é alguma coisa, nem o

que rega, mas Deus, que dá o crescimento” (1º Coríntios 3:7). A Deus, toda Honra, toda

Glória e todo Louvor!

Nessa caminhada tão árdua que é cursar uma pós-graduação stricto sensu, Deus foi

providenciando tudo que eu precisei para poder escrever estes agradecimentos. Assim, quem

primeiro meu acolheu em Teresina foi Aurea Aires e sua família. Aurea é prima de minha avó

materna Adalzina Aires (Zizi) (In memorian) e foi em sua casa que me hospedei para fazer a

seleção do mestrado. Meu muito obrigado a Aurea, seu esposo Geraldo, e seus filhos Uelida e

Geraldo Filho.

Já em Teresina para iniciar as atividades do mestrado conheci algumas pessoas merecedoras

que seus nomes fiquem registrados pela singularidade e pela ajuda nesse processo de

adaptação e na concretização deste sonho em forma de palavras.

A primeira delas foi Rená, funcionário da Pousada Universitária, onde morei enquanto estive

em Teresina. Rená foi companheiro de conversas durante o café da madrugada. Ele acendia a

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chama do fogão porque não conseguia fazê-lo com o isqueiro. E ríamos na cozinha pelas

madrugadas escaldantes de Teresina. Obrigado Rená pelo cuidado e pela amizade.

Passados alguns dias Túlio Brasil se juntaria a mim e a Rená no café da madrugada. Assim

como Eu, Túlio vinha do Maranhão estudar em Teresina, na UFPI. Com a convivência, que

nessas circunstâncias é muito intensa, nos tornamos amigos. Obrigado Túlio pela companhia e

pela generosidade.

Algum tempo depois, também por uma providência divina e proporcionada pela Pousada

Universitária, conheci a professora doutora Julia Simone Ferreira, para nós somente Julia.

Ela foi um anjo enviado por Deus a Teresina para ajudar-me a vencer as angústias e tristezas

que dilaceravam meu coração a ponto de pensar que não resistiria à separação da família e dos

amigos. Através da experiência adquirida nos anos em que morou fora do Brasil, Julia

ajudou-me a conviver com a saudade de Mamãe, Papai e Amanda. Tornamo-nos amigos.

Julia não se juntou a nós no café da madrugada, porque dormia cedo. Às 21h quando

estávamos conversando na sala da pousada Julia começava a cochilar. Ríamos... Até que ela

ia dormir exibindo sua camisola cor de rosa, por isso acordava antes de mim. Às 6h da manhã

estava Julia rindo na cozinha com Rená. Geralmente eles me acordavam com as risadas e

conversas feitas audivelmente. Mas dormia um pouco mais. Lá pelas 8h da manhã descia para

tomar o café, agora da manhã. Batia no quarto de Julia e seguíamos juntos para nossa

primeira conversa matinal. Julia passou três meses em Teresina, mais que suficientes para

conquistarmos a confiança um do outro. Sem a companhia e amizade de Julia provavelmente

estes agradecimentos também não seriam escritos. Obrigado Julia!

Na pousada também conheci e convivi com Bárbara Nery. Que figura sui generis! Como

ríamos juntos! Bárbara também fazia parte das conversas na madrugada agitada da Pousada

Universitária. Sua alegria, verdade nos sentimentos e sua história corajosa de vida me deram

força mesmo sem ela saber. Agora torno público e notório. Obrigado Bárbara.

Em Teresina tive a oportunidade de conhecer pessoas extremamente marcantes e impossíveis

de serem esquecidas. Além de Julia, Túlio, Rená, Bárbara, tive o prazer de conhecer e

conviver um pouco com a professora doutora Maria Angélica Freire de Carvalho, que apesar

de ser aqui apresentada com toda essa pompa merecida, geralmente dispensava essa

apresentação e era simplesmente Angélica. É difícil descrever aqui o quão importante e

singular foi a presença de Angélica em minha vida em Teresina. Nossa amizade aconteceu

naturalmente. A saudade descrita com tamanha verdade por Clarice Lispector, reapresentada

constantemente a mim por Angélica, pelo fato de dividirmos a saudade de casa, nos

aproximou. Além da saudade descobrimos que podíamos dialogar sobre vários assuntos das

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nossas áreas de estudo através de autores e livros lidos, e que ao longo das conversas íamos

descobrindo. Angélica é uma das mulheres de maior caráter e consciente da importância do

ser humano, independente do lugar social que a pessoa ocupe na sociedade, com quem já

convivi. Com Angélica aprendi que cultura, conhecimento acadêmico, diplomas não valem

mais do que as pessoas. Que o importante nas relações humanas é o quanto você se doa sem

reservas para o outro e não espera nada em troca. Na convivência com Angélica aprendia

diariamente o poder e a importância que as palavras desempenham nas relações que

cultivamos na família, nas amizades, na universidade, no trabalho etc. Obrigado Angélica pela

oportunidade de sentir...

Estes agradecimentos também não seriam completos se os nomes de Seu Assunção, d. Naide,

Levi, Priscila e Sara ficassem de fora. Essa família foi uma grande benção dada por Deus a

mim em Teresina. Ainda lembro-me da primeira vez que os vi e mesmo depois da

convivência me impressiono com a alegria e o afeto que me receberam. Logo no primeiro dia

que fui à Igreja Presbiteriana Independente de Teresina onde os conheci, sentia a direção de

Deus em tudo. Dia feliz aquele! Logo naquele primeiro encontro seu Assunção convidou-me

para ficar em sua casa. Disso jamais esquecerei. No final de semana seguinte fui almoçar com

eles e parecia que nos conhecíamos há muitos anos! Conversamos sem reservas sobre nossas

experiências de vida e na vida da igreja. Seu Assunção, d. Naide, Levi, Priscila e Sara me

passaram tanta confiança que pude ser eu mesmo: cheio de defeitos, intransigências, mas eles

sempre tiveram um olhar amoroso e acolhedor para comigo. As palavras não são suficientes

para expressar a gratidão que sinto por vocês. Muito Obrigado.

Parti para Teresina com objetivo de aperfeiçoar meus conhecimentos acadêmicos e sem muita

pretensão de fazer grandes amizades. No entanto, Deus já providenciara tudo, inclusive os

outros alunos(as) com quem estudaria durante as cadeiras que cursaria no mestrado. Falo da

quinta turma do Mestrado em História da UFPI, da qual fiz parte e hoje relembro com

alegria e saudade. Lembro-me do nosso primeiro contato. Na ocasião todos queriam se

posicionar teoricamente e falar das pesquisas já adiantadas ou concluídas. Alguns já se

conheciam e se entreolhavam enquanto os de fora se apresentavam. Naquele dia analisávamo-

nos mutuamente, ouvíamos com atenção todas as palavras ditas como se aquele primeiro

contato fosse orientar o resto de nossa caminhada. Enganamo-nos. Passado aquele primeiro

momento colocamos de lado os teóricos ou tipos de fontes de nos separavam intelectualmente

e nos “entregamos” para novas experiências que futuras amizades nos proporcionariam.

Como éramos diferentes e ao mesmo tempo tão parecidos! Diferentes no jeito de falar, de

caminhar, de vestir, nos credos religiosos e ao mesmo tempo com o mesmo sonho de cursar

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um mestrado. Como nossas memórias não seguem uma ordem linear lembro-me agora do

seminário de Sônia Maria Carvalho, “batizada” por mim carinhosamente de Lady Sônia. Na

ocasião ela contou emocionada as palavras de um tio parabenizando-a por ter alcançado um

lugar que ninguém da família chegara. A emoção daquele momento reaflora... Emocionamo-

nos juntamente com Lady Sônia porque o sentimento era comum. Tratarei então de Lady

Sônia. Desde o primeiro dia que a vi percebi o porte e a elegância, como diriam os homens

do século XIX, visíveis até na sua maneira de sentar, de andar e principalmente de tratar com

as pessoas. Essa impressão tornou-se realidade na convivência com Sônia durante as aulas do

mestrado. Delicada, educada, atenciosa, meiga, todavia sem moralismos demasiados. Falar

em Sônia é lembrar também dos bolos de caixa! Do bolo de chocolate, esse não era de caixa,

que Sônia levou para mim em uma de nossas aulas. Do edredom que levei na viagem para

Recife. Da confraternização que nossa turma fez em sua casa. São pequenas coisas, no

entanto, extremamente significativas e que demonstraram a mulher adorável que é Lady

Sônia. Obrigado Sônia, pelo carinho e pela atenção.

Pessoa tão importante quanto Lady Sônia, é a querida Eliane Morais. Alô Eliane! Escrever

sobre Eliane é lembrar antes de tudo de emoção. Emoções que em algumas situações difíceis

enfrentadas nesta caminhada afloraram à superfície. Eliane também é sinônimo de

competência e dedicação aos estudos da memória histórica. Lembrar de Eliane significa falar

de companheirismo, cuidado, atenção dispensados a mim enquanto estive em Teresina. Não

sei direito em qual momento nos aproximamos. O certo é que os laços de amizade surgiram

nas conversas sobre os autores e livros estudados durante as aulas do mestrado, no tempo que

aguardavamos, em pé, na fila do Restaurante Universitário da UFPI, nos dias de feijoada e

nos desabafos sobre as angústias da dissertação. Esses laços tornaram-se fortes porque foram

fincados em terreno semeado com verdade. Eliane foi, provavelmente, a primeira pessoa que

me olhou com mais cuidado e descobriu, por trás daquela fortaleza que demonstrava, um

menino valente e saudoso de casa. Sempre dava um desconto quando me exasperava

demasiadamente com alguma coisa, enquanto os outros me recriminavam às escondidas.

Todavia, quando era necessário chamava-me à parte e dizia no que exagerara. Nem sempre

concordava! Risos... As amizades têm dessas coisas. Obrigado Eliane!

Tenho a impresão que o único nome que constará nos agradecimentos de todos os

componentes da quinta turma do mestrado em História da UFPI será o de Iara Conceição

Guerra de Miranda Moura. Guerreira, assim Iara pode ser qualificada, devido a sua história

pessoal de luta e de superação. Mas uma guerreira que não aprecia o sofrimento alheio,

mesmo de quem a machuca. De todos os aprovados na seleção Iara era, certamente, a mais

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empolgada com as novas expectativas que o mestrado nos apresentava. Iara foi a

representante da nossa turma no colegiado e quem nos deixava a par das decisões ali tomadas.

Além disso, foi minha procuradora e, por isso, escutou várias reclamações de D. Eliete,

secretária da Pós-Graduação, por minha causa. Resolveu para mim e por mim tudo que foi

necessário para que conseguisse fazer as matrículas, tirar carteira de estudante e participar dos

eventos. Por mais que disserte, aqui, sobre Iara estas linhas não serão suficientes para

demonstrar a imensa gratidão e o carinho que tenho por ela. Escrever sobre Iara é lembrar

incontestavelmente de alegria! Não lembro de Iara triste ou chateada por mais de dois

minutos. Uma das grandes características de Iara é a pressa para ser feliz. Além da mulher

bela é uma pesquisadora competente e desprovida de egoísmo. Ao realizar sua pesquisa não

deixava de pensar nos colegas, pois quando encontrava alguma notícia que ajudaria alguém

da nossa turma, não titubeava e fotografava. Eu, provavelmente, sou seu maior devedor.

Devedor da consideração e do carinho imensuráveis. Iara estará presente nas minhas

memórias afetivas durante o tempo de vida que Deus me conceder. Obrigado Iara.

A quinta turma do mestrado em História da UFPI não era composta somente por mulheres.

Além de mim, Reginaldo compunha a ala masculina. Reginaldo era o mais reservado de nós.

Essa discrição às vezes soturna dava a impressão de estar continuamente nos avaliando. O

mais inusitado foi descobrir a imensurabilidade do conhecimento e entendimento que

Reginaldo tinha sobre as teorias da história e suas vertentes nas demais ciências humanas e

sociais. Demorava a falar, todavia, quando instigado nos presenteava com belas explanações

sobre os teóricos mais complicados de entender, no entanto, as ideias desses estudiosos fluiam

com tanta facilidade pelos lábios de Reginaldo, nos deixando entusiasmados, impressionados

e, principalmente, temerosos sobre o que e como abordaríamos as temáticas propostas durante

as aulas. Depois das explanações de Reginaldo tudo o que falávamos parecia tão primário e

irrelevante! Após esses momentos Ele se transportava para um plano diferente do nosso e, ao

contrário de nós, que parávamos para ouví-lo, Ele parecia não dar importância aos nossos

comentários. Com o tempo percebi que a introspecção era uma das características de sua

personalidade e que não era por se considerar superior que agia dessa forma. Quando estava

disponível, situação em que não se encontrava com facilidade, brincava com Reginaldo

dizendo que ele era extremamente teórico e que seu projeto não tinha raízes. Ele ria

desconfiado. As oportunidades de conversa foram escassas, todavia, muito ricas. Essas

conversas geralmente aconteciam durante os intervalos das aulas do mestrado quando

sentávamos para lanchar, e Eu, geralmente falava, falava, falava e Reginaldo ouvia, ouvia,

ouvia... Não contribuimos intelectualmente para a melhoria do trabalho um do outro, pois a

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visão que utilizamos para analisar as sociedades e os homens e as mulheres que estudamos, é

completamente diferente, no entanto, em alguns momentos, compartilhamos ideias que me

enriqueceram como ser humano. O ruim disso é a impossibilidade de não poder regressar no

tempo e recuperar as oportunidades perdidas.

A maior lembrança e principal característica da nossa turma eram as risadas. Risadas estas,

geralmente provocadas por alguma ação ou palavra de Iara. Como ríamos! Ríamos das coisas

mais bobas às mais sérias, a ponto de alguns professores reclamarem. Assim, como esquecer

os babados de Iara e o contentamento que ela sentia ao transmití-los; o humor ácido de

Rodrigo; as desconfianças de Ari por ser da UESPI; os atrasos e cochilos de Jarbas durante as

aulas; os comentários desconcertantes de Regianny sobre os seminários dos colegas; o choque

de realidade que quis dar em Cícero; o desagrado de Lêda quando eu tentava conter Regianny

nos seus excessos de verdade; o sorriso irado de Gislane quando a chamava de Gislaine; a

preocupação de Eliane com a maneira como falaria comentando os seminários dos colegas; o

desligamento total de Gustavo sobre aos conflitos que aconteciam em sala e na coordenação;

os diálogos travados entre Reginaldo e Gustavo, ou entre Reginaldo e Rodrigo, ou pior ainda,

entre os três! Nessas ocasiões o restante da turma se calava e, geralmente, não acompanhava a

discussão. Lembrar também da implicância mútua entre mim e Lindalva, principalmente

quando me chamava de esfomeado por geralmente ser eu quem lembrava do horário do

intervalo; das brincadeiras com Mara em relação a proeminência dos nossos orientadores na

universidade; do espanto de Lindalva ao saber que Edwar me orientaria; das minhas

reclamações sobre o calor mesmo com ao ar-condicionado graduado no mais frio possível e

da surpresa que fizeram para mim no dia do meu aniversário. Enfim, de todos os colegas com

suas particularidades, qualidades e defeitos como são os seres humanos. Saudades!

Não posso deixar de agradecer ao professor doutor João Rênor Ferreira de Carvalho, pois se

ele não tivesse aceitado orientar meu trabalho, quando da divisão dos orientandos entre os

professores do Programa, estaria fora da seleção de 2008. Por conta de questões teóricas e de

cunho metodológico, analisados posteriormente, não foi possível que o professor João Rênor

continuasse a orientação do trabalho.

Assim, depois de algumas conversas, aproximação, empatia, simpatia e um requerimento

encaminhado ao Colegiado do Mestrado em História do Brasil da UFPI, tounou-se meu

orientador o professor doutor Edwar de Alencar Castelo Branco, atual vice-reitor da referida

IES. Minha relação com o professor Edwar foi construída durante as aulas do mestrado,

principalmente, penso eu, devido à coragem ao expor minhas ideias. Apesar de professor,

Edwar estava muito próximo de nós por causa da sua jovialidade. Geralmente, nos programas

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de pós-graduação, as pessoas perguntam quem é seu pai ou sua mãe, se referindo ao

orientador que os pós-graduandos recebem. Eu e Reginaldo brincávamos que Edwar estava

mais para um tio responsável, do que para um pai tradicional. Lembro-me da primeira vez

que vi o sorridente professor Edwar, no dia da entrevista da seleção do mestrado. Depois que

tivemos a primeira aula, ainda na incerteza de quem seria meu orientador, desejei que fosse

Ele. Isso não aconteceu de imediato, mas hoje tenho a satisfação de agradecer ao meu

orientador professor Edwar por ter aceitado me orientar e pela forma democrática como

fomos resolvendo nossas dissonâncias para que esta dissertação soasse bem. Os colegas

diziam que o professor Edwar me obrigaria a ler Foucault e aplicá-lo ao meu objeto de

estudo. Ao contrário, utilizei nesta dissertação os teóricos indicados no projeto e que

satisfizeram as exigências da escrita. Nada me foi imposto, mas o professor Edwar foi

pontuando as ideias sem sustentação e os pensamentos mal colocados, dando-me a

oportunidade de pensar sobre suas colocações. Reitero minha satisfação em tê-lo como

orientador. Obrigado professor Edwar.

Meus agradecimentos não estão situados espacialmente somente no Piauí. No Maranhão,

contei com as orações dos membros do Coro Eduardo Carlos Pereira da Primeira Igreja

Presbiteriana Independente de São Luís, do qual sou membro. Dentre esses irmãos e irmãs da

fé, uma em especial foi instrumento de Deus em dois momentos através de dois cadernos que

recebi de presente. Estou falando de D. Edenir Cotrim Guará, professora de música, ex-

regente do Coro citado e quem também me presenteou há oito anos com os meus primeiros

livros de música. Ela quando ler estes agradecimentos entenderá o significado e a importância

que os dois cadernos representaram no tempo que estive em Teresina. Obrigado d. Edenir.

Três mulheres foram instrumentos de Deus para consolar e ouvir as aflições de Mamãe

enquanto eu estava em Teresina. São elas Ariadina Oliveira Amaral que constantemente

ligava para saber como estavam as coisas em casa e conversar com Mamãe; Andrea de Melo

Nogueira Duarte, grande amiga e que, também foi presente durante minha ausência e d.

Socorro Barros não só com as ligações telefônicas, mas também com suas orações. Obrigado.

No versículo 24, do capítulo 18, do livro de Provérbios, da Bíblia Sagrada diz que “há amigos

mais chegados que irmãos(as)”, Graça Prazeres tem essa qualificação. Conhecemos-nos na

graduação em História que cursamos na Universidade Federal do Maranhão. Lá se vão quase

oito anos! Enfrentamos momentos difíceis que nos afastaram, no entanto, já entendemos que

não podemos ficar longe um do outro. Nesses dois anos dedicados ao mestrado Graça foi

presente. No primeiro momento através das palavras de coragem, conforto e alegria. No

segundo através do abrigo que me dava em Teresina, pois depois de muita insistência minha

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Graça fez a seleção do mestrado em História da UFPI e foi morar na capital do Piauí. Nossos

caminhos continuam ligados não só no lado sentimental como no lado intelectual e

profissional. Graça não consta nestes agradecimentos somente por ter me abrigado em

Teresina durante o ano de 2009, mas pricipalmente pela amizade firmada na Rocha que é

Jesus Cristo. Querida, obrigado pela atenção, pelo carinho, pela cumplicidade e pela amizade

sincera.

A principal incentivadora, fora da minha família, para a continuidade dos meus estudos após a

graduação foi a professora doutora Maria da Glória Guimarães Correia, professora do

departamento de História da Universidade Federal do Maranhão, e minha orientadora na

monografia de conclusão do curso de História. A professora Glória foi quem leu e corrigiu o

projeto que submeti à seleção do mestrado. Foram três dias seguidos de leituras exaustivas

em sua casa e que ratificaram os laços de amizade firmados durante os trabalhos da

monografia. Por conta das circunstâncias, a professora Glória não pode compor a banca

examinadora deste trabalho, todavia, deixo registrada minha admiração pela profissional

competente e, principalmente, pela mulher de caráter e de sentimentos verdadeiros. Obrigado

professora Glória.

Finalmente tenho que agradecer às pessoas mais importantes da minha vida, minha mãe

Liniete Costa Gouveia, meu pai José Ribamar Fernandes Gouveia e minha irmã Amanda

Costa Gouveia, a jóia mais preciosa que temos em casa. Este trabalho só tem sentido porque

vocês estão vivos para presenciar que o sonho agora é realidade. Um sonho a princípio meu,

mas que, só é hoje realidade, porque vocês aceitaram sonhar junto comigo. Escrever para

vocês, sobre vocês, minha família é escrever sobre amor. Não qualquer tipo ou qualidade de

amor. O amor relatado na Bíblia em I Coríntios 13, o amor que tudo crê, tudo espera e tudo

suporta. O amor que compreende. Esse sentimento imensurável recebi em casa desde que

Mamãe contou a Papai que estava grávida de mim. Foi esse sentimento indelével que me

sustentou enquanto estive longe. Nesses dois anos, todas as vezes que viajei para Teresina ou

para algum congresso pelo Brasil sentia esse amor me envolver e proteger. Em Teresina

descobri que apesar de todas as divergências que tenho e sempre terei com Mamãe, Papai e

Amanda, o melhor lugar para estar é junto com eles. As conquistas, as alegrias e o

reconhecimento só valem à pena quando compartilhados com Mamãe, Papai e Amanda.

Obrigado por vocês terem omitido a existência das enfermidades que Mamãe e Amanda

passaram enquanto eu estive fora, a fim de não desviar minha atenção dos estudos do

mestrado. Por proibirem os amigos, que conversavam comigo pela internet, de me contar

sobre as aflições que vocês passavam em silêncio. Obrigado pelas tantas vezes em que liguei

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chorando para casa e vocês foram fortes para dar-me o consolo e a segurança necessários

naquele momento, mesmo estando com o coração dilacerado e também com vontade de

chorar. Os cutucões que Amanda dava em Mamãe ao perceber que eu chorava do outro lado

da linha e que Mamãe ia fraquejando. Assim, Mamãe respirava e dizia-me: confia no Senhor,

Ele jamais nos desamparou. Depois dessas ligações me sentia novamente apto para enfrentar

mais um dia de estudos e aulas na universidade. Obrigado a Papai por ficar sozinho em Viana

para que Mamãe acompanhasse Amanda em São Luís. Obrigado pelas lágrimas vertidas

depois que desligava o telefone. Assim, peço também perdão pelos sofrimentos emocionais

que causei a vocês durante a minha ausência. E, finalmente, escrever, dizer que os AMO. E

agradecer a Deus pelo privilégio de ser filho de Zé Gouveia e Liniete, e irmão de Amanda.

OBRIGADO! OBRIGADO! OBRIGADO!

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Sons e ruídos estão impregnados no nosso cotidiano de tal

forma que, na maioria das vezes, não tomamos

consciência deles. Eles nos acompanham diariamente,

como uma autêntica trilha sonora de nossas vidas,

manifestando-se sem distinção nas experiências

individuais ou coletivas. Isso ocorre porque a música, a

forma artística que trabalha com os sons e ritmos nos seus

diversos modos e gêneros, geralmente permite realizar as

mais variadas atividades sem exigir atenção centrada do

receptor, apresentando-se no nosso cotidiano de modo

permanente, às vezes de maneira quase imperceptível.

José Geraldo Vinci de Moraes.

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RESUMO

Este trabalho tem como finalidade estudar as vivências musicais das elites de São Luís, capital

da província do Maranhão, nos idos da segunda metade do século XIX, a partir da ideia que a

música, de tendência européia, era considerada pelas elites ludovicenses sinônimo de

civilidade, elegância e refinamento. Para entender como essas ideias se processavam nos

homens e nas mulheres que vivenciaram aquele presente, os conceitos de gosto, de práticas e

de representação foram as ligaduras utilizadas para entender tão complexa sociedade. Os

jornais, os Códigos de Posturas Municipais e os Almanaks que circularam em São Luís, no

referido período histórico, deram a substância necessária e possibilitaram a aproximação dos

ludovicenses que compunham as elites que frequentavam o teatro, ofereciam saraus nos seus

casarões e utilizavam as vivências musicais para construir um comportamento elegante e

diferenciar-se dos estratos mais pobres da cidade. Assim, as vivências musicais são aqui

utilizadas como sinônimo de distinção social.

Palavras-Chave: Modernidade. Civilidade. Teatro. Vivências Musicais. Elites no Oitocentos

Maranhense.

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ABSTRACT

This work aims to study the musical experiences of elites of São Luís, the capital of the

province of Maranhão, stymie the second half of the 19th century, from the idea that music,

European trend was considered élites ludovicenses synonymous with civility, elegance and

refinement. To understand how these ideas if processed in men and women who experienced

that present the concepts of taste, practice and representation were the ligatures used to

understand complex society. Newspapers, Municipal codes of Postures and Almanaks that

have circulated in São Luís, in that historical period, gave the substance needed and enabled

rapprochement of ludovicenses constituting elites that went the theatre offered song evening

in their casarões and used the musical experiences to build elegant behavior and differentiate

themselves from the poorest strata of the city. Thus, the musical experiences are used as

synonymous with social distinction.

Keywords: Modernity. Civility. Theatre. Musical Experiences. Elites in British Maranhão.

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SUMÁRIO

1 PRELÚDIO .......................................................................................................................... 21

2 PRIMEIRO MOVIMENTO - AS IDEIAS FRANCESAS E A CIDADE PORTUGUESA:

TENTATIVAS DE ASSIMILAÇÃO DOS IDEAIS DE CIVILIDADE ................................. 35

2.1 O contexto imperial brasileiro: leitura à primeira vista ...................................................... 35

2.2 A repercussão das leis imperiais na província do Maranhão.............................................. 41

2.3 Músicos negros: um mal necessário ................................................................................... 44

2.4 As posturas municipais e as tentativas de civilização da capital maranhense .................... 47

2.5 Os jornais e a disseminação das ideias de civilidade e modernidade ................................. 65

3 SEGUNDO MOVIMENTO - NO PALCO DO TEATRO: MÚSICA EM CENA ............... 71

3.1 A (re)abertura do Teatro São Luís ...................................................................................... 80

3.2 O Teatro São Luís e o Teatro Santa Isabel: o que se cantava aqui se ouvia lá....................86

3.3 O regulamento e a civilidade no Teatro São Luís .............................................................. 93

3.4 O Semanário Maranhense e a Flecha: o movimento teatral em perspectiva ..................... 97

3.5 Teatro São Luís: “O” palco dos(das) maranhenses .......................................................... 103

4 TERCEIRO MOVIMENTO – OS MÚSICOS E AS VIVÊNCIAS MUSICAIS SOANDO

NA IMPRENSA MARANHENSE ........................................................................................ 117

4.1 A questão dos instrumentos .............................................................................................. 120

4.2 Partituras e professores(as) ............................................................................................... 126

4.3 Os irmãos Rayol: sons ao invés de letras ......................................................................... 139

4.4 Afinadores de pianos ........................................................................................................ 148

4.5 Os bailes: a música anuncia o início das danças .............................................................. 150

5 POSLÚDIO ......................................................................................................................... 160

RFERÊNCIAS ....................................................................................................................... 166

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1 PRELÚDIO

As ruas permitiam aos sentidos experimentar as mais variadas e imensuráveis

sensações. Às vezes, cheiros que causavam arrepios e outras os mais sensíveis e harmônicos

sons que serviam para qualificar algum músico ou simplesmente emocionar um

despreocupado transeunte. Os vários cheiros e odores se misturavam aos perfumes adocicados

próprios para o clima frio europeu, que eram usados com o maior orgulho pelos

ludovicenses1. Do beco da Rua das Violas ouvia-se ao longe uma escrava oferecer seus

quitutes aos berros. Descendo correndo pela Rua do Sol, um moleque tentando fugir da

polícia após destratar alguma pessoa de notoriedade daquela sociedade, que não foi possível

determinar no momento do alvoroço. Depois de passado o susto e restabelecida a pulsação

normal do coração continuei a caminhada em direção ao Largo do Carmo. Um pouco antes de

chegar à praça, foi possível ouvir uns cantos que insistiam em fugir sorrateiramente pelas

aberturas das janelas laterais do teatro, parecia um coro ensaiando alguma ópera que, sem a

aprovação do maestro anunciam, para breve, espetáculo lírico na capital. Continuando a

caminhada em direção à Praia Grande, escolhendo como caminho para o destino a Rua do

Egito, com a aproximação da casa de número 27, era possível ouvir os arpejos e dedilhados ao

piano saindo por uma das janelas do sobrado que pertencia ao professor de música João Pedro

Ziegler.

Eu desejava seguir em frente a fim de chegar o mais breve possível ao destino, mas

meus sentidos e coração fizeram com que parasse por mais algum tempo em frente à casa do

maestro Ziegler na esperança de que, depois dos arpejos e dedilhados para aquecer as mãos,

uma sonata ou ária de uma ópera fosse executada. A espera deu resultado, pois alguns

minutos depois ganhavam a rua as primeiras notas da ópera Lucia di Lamemmoor, de

Donizete, uma das mais conhecidas partituras do repertório erudito. Ouvi os primeiros

compassos que, dada a bela execução, fizeram com que esquecesse a gravidade com que o sol

atingia os transeuntes naqueles dias de verão, atenuados pela brisa vinda do mar. Mas, apesar

da beleza da música e destreza com que a harmonia era executada, era necessário continuar a

caminhada.

***

1 Termo datado no século XIX para designar as pessoas que são naturais de São Luís, capital do Estado do

Maranhão, e que também pode ser sinônimo de são-luisenses.

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Esse era, em linhas gerais, o ambiente da cidade de São Luís, capital da província do

Maranhão, onde as elites queriam a todo custo refinar seus hábitos através do

desenvolvimento de suas vivências musicais.

Este relato está embasado principalmente na leitura dos jornais que circulavam na

cidade de São Luís, capital da província do Maranhão, na segunda metade do século XIX, e

nas demais fontes consultadas durante a pesquisa. A partir das linhas seguintes, relatarei o

percurso realizado para chegar aos homens e mulheres que ouviam e sentiam as melodias que

ecoavam pela capital maranhense.

Ainda na graduação cursada na Universidade Federal do Maranhão, e depois das muitas

indagações que permeiam os últimos anos do curso de História, tais como, a necessidade de

escolher qual objeto utilizaria para entender os homens e as mulheres que viveram antes de

mim, quando tinha somente uma certeza: o lapso de tempo que estudaria – a segunda metade

do século XIX. Em conversa com a professora Maria da Glória Correia, minha orientadora na

graduação, vi que a música, ou melhor, as vivências musicais que permearam minha vida

desde o nascimento, poderia ser o ponto de partida para o entendimento da sociedade

ludovicense no referido período.

Desde que comecei a pensar na monografia, queria trabalhar com as chamadas “fontes

primárias”, pois não entendia a pesquisa de outra forma, aliás, ainda não entendo. Seguindo

essa ideia, iniciei minhas pesquisas ainda no final de 2004, pelos jornais do Arquivo Público

do Estado do Maranhão. Nesses primeiros dias, ainda sem saber direito como proceder,

transcrevia as notícias como se o jornal fosse publicado em um único dia. Ao chegar a casa e

passado o primeiro surto de ansiedade ao analisar as fotos, me dava conta que precisava voltar

ao arquivo e rever os jornais consultados para colocar as notícias nos seus devidos lugares.

Apesar desses contratempos causados pela ansiedade, foi uma experiência de crescimento e

amadurecimento acadêmico.

Nesse tempo, o arquivo funcionava somente no horário vespertino. Pontualmente às 13

horas, já estava esperando os funcionários iniciarem o expediente. Nesses primeiros dias, não

encontrei quase nada que fizesse alguma referência a vivências musicais, no entanto, o mundo

que encontrei ao refolhar as páginas do primeiro jornal era fascinante e abria tantas

possibilidades de estudo que não me importei com a falta de sons nas palavras dos seus

redatores. No Arquivo Público do Estado do Maranhão, manuseei o primeiro jornal do século

XIX, iniciando assim uma pesquisa que até o presente momento colho frutos preciosos. O

periódico chamava-se Publicador Maranhense, do ano de 1850.

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Após alguns dias indo ao Arquivo e encontrando poucas notícias, uma funcionária

informou-me que deveria ir à Biblioteca Benedito Leite, pois lá estava arquivada a maioria

dos jornais do século XIX. Assim o fiz. Passei então a pesquisar na hemeroteca da referida

biblioteca onde, por conta do grande e variado número de periódicos, encontrei, logo na

primeira visita, notícias sobre espetáculos teatrais, venda de instrumentos, professores de

música etc. O primeiro jornal que manuseei na Biblioteca Benedito Leite chamava-se O

Globo, de 1852, ano em que o Teatro São Luís, principal cenário de encenação das elites

ludovicenses no século XIX, reabria suas portas. Nessas visitas, gostaria de possuir dez mãos

para copiar mais rápido, e cinco olhos para ler todas as notícias de uma página ao mesmo

tempo. Não os tinha, infelizmente. Por isso, percebi que as visitas precisariam ser diárias e

pelo maior tempo que pudesse dedicar-me a elas. Como iniciei as pesquisas três semestres

antes do último período de defesa da monografia, consegui analisar mais de vinte jornais que

davam conta de praticamente toda a segunda metade do século XIX.

Pesquisei em mais ou menos vinte e dois jornais de anos, temáticas, tendências e

filiações políticas diferentes, pois existiam os que seguiam as diretrizes governamentais e os

opositores; com regularidades diferentes, possibilitaram um contato mais aproximado daquela

realidade, tão diversa da que vivo e, principalmente, da que analiso e escrevo.

Consegui recolher farta documentação não só sobre notícias relacionadas à música,

músicos, cantores, bailes, festas religiosas, espetáculos líricos, mas também sobre a cidade

onde estes homens e mulheres transitavam e na qual os espetáculos eram realizados. Sabe-se

que um bom trabalho acadêmico precisa ter três estruturas fundamentais: empiria, teoria e

narrativa, cada uma delas tendo sua importância para o entendimento do período e da

sociedade estudada. No entanto, esse equilíbrio nem sempre acontece, visto que o historiador,

como os demais membros da raça humana, é dotado de subjetividade. Assim, um dos três

elementos citados como importantes na escrita acadêmica acaba aparecendo mais que os

outros.

Ao refolhar esta dissertação, o leitor chegará à conclusão que a empiria é, em alguns

momentos, a solista principal, pois “o historiador sem seus fatos não tem raízes e é inútil; os

fatos sem seu historiador são mortos e sem significados”2. Assim, trabalho com três tipos de

documentos: os jornais, os almanaques e os códigos de posturas municipais3.

2 CARR, Edward Hallet. Que é história? 3. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982. p. 65.

3 As notícias extraídas dos jornais e dos almanaques, assim como as leis, foram transcritas como constam nos

originais, isto é, em português da época.

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O ano de 2004 findara e, em 2005, continuei pesquisando na Biblioteca Benedito Leite

quando descobri, por intermédio de uma amiga, o arquivo do Tribunal de Justiça do Estado do

Maranhão, nesse tempo instalado num prédio na Praia Grande, centro histórico de São Luís,

próximo à Escola de Música do Estado do Maranhão “Lilah Lisboa de Araújo”. Assim, após

as aulas de harmonia e piano que cursava na época, me dirigia ao referido Arquivo a fim de

analisar os jornais que lá existiam e, a cada dia que chegava, um pedacinho já não existia

mais, pois eles ficavam guardados em uma caixa sem nenhum cuidado. Os periódicos lá

encontrados eram das décadas de oitenta e noventa do século XIX e das primeiras do século

XX. Assim, no que diz respeito às fontes, elas superaram as expectativas e responderam

muitas das perguntas que circulavam na minha mente durante as pesquisas, e foram

suficientes para que esta escrita acontecesse, sendo que, para dar conta da imensa quantidade

de informações que elas oferecem, precisarei escrever outros trabalhos acadêmicos.

Depois de seguir as orientações dadas por Marc Bloch4 para se realizar uma pesquisa

histórica, as dificuldades foram se dirimindo e as melodias ouvidas pelos(as) ludovicenses

tomaram maior intensidade e foram revelando seus acordes, às vezes melodiosos e

harmônicos, outras, desafinados e estridentes.

A fase de pesquisa fora “encerrada”, pelo menos na teoria e, apartir de então, precisava

articular os fatos encontrados com uma narrativa envolvente, e a teoria, que seria a argamassa

da dissertação que começava a nascer. A partir daí, uma das dificuldades encontradas durante

a escrita foi a falta de trabalhos que versassem sobre a temática história e música e,

principalmente, tivessem um enfoque para as relações entre estas categorias do conhecimento

humanístico no século XIX. Comprovado isto, após pesquisar sobre o assunto nas mais

diferentes fontes bibliográficas, percebi que dialogaria com os historiadores e os músicos em

suas áreas específicas; primeiramente eles fariam participações solistas, os primeiros

analisando a sociedade e os homens que a compunham, e os segundos falando da música

enquanto entretenimento desses mesmos homens e mulheres. Feito isso, viria a etapa que,

aparentemente, seria a mais difícil: harmonizá-los e fazê-los soar bem, juntos. Ao contrário do

que se pensava, não o foi, pois a música “só pode existir na sociedade; não pode existir, como

também não o pode uma peça meramente numa página impressa, pois ambas pressupõem

executantes e ouvintes”5. Pela própria característica sonora da música, que dispensa

autorização para se apresentar a alguém, ela foi preenchendo os compassos onde as pausas

4 BLOCH, Marc. Apologia da história ou o ofício do historiador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.

5 RAYNOR apud MORAES, José Geraldo Vinci de. História e música: canção popular e conhecimento

histórico. Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 20, n. 39, 2000. p. 7.

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eram as estrelas, dando colorido e movimento às ações dos homens e das mulheres que, na

segunda metade do século XIX, fizeram que a vida pulsasse em São Luís do Maranhão.

Os trabalhos de historiadores maranhenses sobre o século XIX existentes resultaram de

dissertações de mestrado e teses de doutoramento. Mesmo sendo profissionais que atuam no

Estado do Maranhão, mais especificamente em São Luís, ainda é muito difícil ter acesso a

esses trabalhos por falta de divulgação e por não estarem disponíveis nem nas bibliotecas das

instituições às quais estão veiculados os profissionais. Assim, provavelmente, pelo menos um

ou outro trabalho deve ter ficado fora desta escrita por conta desses fatores. Vale ressaltar que

me refiro a estudos que tratem de temáticas que convergem na direção desta pesquisa.

Ainda, é importante pontuar sobre os trabalhos que apresentam algum aspecto musical

da cultura maranhense, que alguns deles, por exemplo, não foram escritos por historiadores e

sim por profissionais de outros ramos das ciências humanas, e outros, apenas por curiosos e

amantes da pesquisa. Localizei quatro trabalhos que tratam de música, especificamente, a

saber: A música no Maranhão6, Teatro no Maranhão

7 e A grande música do Maranhão

8. O

primeiro deles consiste num pequeno guia de fontes, publicado pela Fundação Cultural do

Maranhão, que, embora traga poucas referências sobre a música no século XIX, não tem por

isso sua importância diminuída. O segundo, de autoria de José Jansen, é antes de tudo uma

história do teatro da cidade desde a sua fundação até o final do século XIX. Mesmo sem tratar

especificamente de música, traz muitas referências sobre espetáculos musicais, orquestras,

maestros, cantores etc., apesar de seu autor não analisar a sociedade que reproduz e consome

essa música, tampouco a articule com o ideal de civilidade almejado pelas elites de São Luís

nesse período. Outra “dificuldade” encontrada no livro de José Jansen é o pouco cuidado que

o autor teve com as datas durante sua escrita – fato que só não causou maiores problemas

devido à vasta pesquisa empírica que realizei e, através de estudos comparativos, pude

delimitar temporalmente as companhias líricas que atuaram no Teatro São Luís que, na

descrição do referido autor, ficavam atemporais.

Com o sugestivo título A grande música do Maranhão, o terceiro trabalho é de autoria

de João Mohana. Antes de tudo, constitui um relato do caminho percorrido pelo autor em

viagens pelo interior do Maranhão e na capital, num esforço para recolher as partituras de

músicas escritas por compositores desconhecidos ou que caíram no esquecimento,

6 A música no Maranhão. Fundação Cultural do Maranhão, 1978.

7 JANSEN, José. Teatro no Maranhão. Rio de Janeiro: [s.n], 1974.

8 MOHANA, João. A grande música do Maranhão. 2. ed. São Luís: Edições SECMA, 1995.

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“protagonistas anônimos da história”9, que, trazidos à cena, representam elementos

importantes para uma visão mais ampla sobre a música do Maranhão. Ao final do livro, faz

uma listagem com o nome das composições encontradas e o gênero a que pertenciam.

Por último, o Inventário do Acervo João Mohana: partituras10

, que resultou do trabalho

A grande música do Maranhão, no qual as partituras foram catalogadas com mais cuidado e

divididas em duas partes: na primeira, as partituras estão listadas por autor e em ordem

alfabética, e na segunda estão classificadas de acordo com o gênero musical a que pertencem

(polca, valsa, schottish etc.).

No que diz respeito à sociedade maranhense, encontrei no trabalho de Rossini Corrêa,

Formação social do Maranhão: o presente de uma arqueologia11

, uma análise sobre as

transformações políticas, econômicas e sociais pelas quais passa a referida sociedade, para

explicar o contexto em que foi gestada e disseminada a ideia de São Luís como “Atenas

brasileira”. Em outros termos, analisa como essa construção feita por intelectuais

maranhenses desenvolveu todo um imaginário acerca de uma singularidade que diferenciaria

não só São Luís, mas o Maranhão, das demais províncias do Império brasileiro.

Na mesma perspectiva de Rossini Corrêa, a historiadora Maria de Lourdes Lauande

Lacroix escreveu livro intitulado A fundação francesa de São Luís e seus mitos12

. Neste

trabalho, a autora trata da sociedade ludovicense a partir do desejo dessa sociedade de se

equiparar aos parisienses, enfocando a revitalização, nos finais do século XIX, da

singularidade dos maranhenses, apoiados na fundação francesa de São Luís. A professora

Maria de Lourdes analisa ainda o ideal de civilidade disseminado pelas elites, mostrando a

vontade que elas tinham em se adaptar a esse ideal, através do uso de modas europeias, do

emprego de palavras francesas, dentre outros, e compara o que se passava em São Luís com

os modos e modas verificadas no Rio de Janeiro.

No campo historiográfico propriamente dito, cito estudo desenvolvido pela professora

Maria da Glória Guimarães Correia, fruto de sua dissertação de mestrado, publicada em 2006

na coleção de Teses e Dissertações do Departamento de História da Universidade Federal do

Maranhão, intitulado Nos fios da trama: quem é essa mulher? Cotidiano e trabalho do

9 Referência ao título do livro de VAINFAS, Ronaldo. Os protagonistas anônimos da história: micro-história.

Rio de Janeiro: Campus, 2002. 10

ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DO MARANHÃO. Inventário do acervo João Mohana: partituras. São

Luís: Edições SECMA, 1997. 11

CORRÊA, Rossini. Formação social do Maranhão: o presente de uma arqueologia. São Luís: SIOGE, 1993. 12

LACROIX, Maria de Lourdes Lauande. A fundação francesa de São Luís e seus mitos. 2. ed. São Luís:

Lithograf, 2002.

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operariado feminino em São Luís na virada do século XIX.13

Nesse estudo, a professora

Maria da Glória trata da sociedade ludovicense através das notícias veiculadas nos jornais da

cidade, das ordenações estabelecidas pelos Códigos de Posturas Municipais e de entrevistas

realizadas com mulheres operárias de fábricas. Através dessas fontes, a autora analisa os

hábitos dessa sociedade, que queria a todo custo ser francesa, mas era intrinsecamente

portuguesa. Apesar de o título remeter principalmente às mulheres pobres, Maria da Glória

pinta um amplo painel com os vários aspectos que compunha a sociedade ludovicense naquele

presente, tais como: os casarões, as casas de palha, os relatos dos viajantes, as epidemias, as

festas realizadas pelos trabalhadores e as relações tecidas pelas mulheres que trabalhavam nas

fábricas que íam sendo implantadas em São Luís nos finais do século XIX.

Além desses trabalhos de estudiosos maranhenses, trabalharei com a bibliografia

nacional que envereda pelos tempos imperiais tais como: José Murilo de Carvalho,14

Lilia

Moritz Schwarcz,15

Maria de Fátima Silva Gouvêa,16

Ricardo Salles17

e Gilberto Freyre.18

E

sobre a música, os trabalhos de: José Ramos Tinhorão,19

Marcos Napolitano,20

Eric J.

Hobsbawn,21

André Cardoso,22

Mario Cacciaglia,23

Bruno Kiefer24

e Vasco Mariz.25

Nesse

aspecto, quero destacar três estudos de grande importância para os ornamentos da “partitura”

que construirei ao longo dos capítulos desta dissertação: A construção do gosto: música e

sociedade na corte do Rio de Janeiro – 1808 -1821 de Maurício Monteiro,26

estudo primoroso

sobre a influência da música na construção da civilidade e modernidade do Brasil no tempo de

13

CORREIA, Maria da Glória Guimarães. Nos fios da trama: quem é essa mulher? Cotidiano e trabalho do

operariado feminino em São Luís na virada do século XIX. São Luís: Edufma, 2006. 14

CARVALHO, José Murilo de. A construção da ordem: a elite imperial. Teatro de sombras: a política imperial.

4. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008. 15

SCHWACZ, Lilia Moritz. As barbas do imperador: D. Pedro II, um monarca nos trópicos. São Paulo:

Companhia das Letras, 1998. 16

GOUVÊA, Maria de Fátima Silva. O império das províncias: Rio de Janeiro, 1822-1889. Rio de Janeiro:

Civilização Brasileira, 2008. 17

SALLES, Ricardo. Nostalgia imperial: a formação da identidade nacional no Brasil do Segundo Reinado. Rio

de Janeiro: Topbooks, 1996. 18

FREYRE, Gilberto. Modos de homem & modas de mulher. Rio de Janeiro: Record, 1987; FREYRE, Gilberto.

Sobrados e mucambos: decadência do patriarcado rural e desenvolvimento do urbano. 14. ed. São Paulo: Global,

2003; FREYRE, Gilberto. Vida social no Brasil nos meados do século XIX. 4. ed. São Paulo: Global, 2008. 19

TINHORÃO, José Ramos. Pequena história da música popular: da modinha à canção de protesto. Petrópolis:

Vozes, 1974; TINHORÃO, José Ramos. História social da música popular brasileira. São Paulo: 34, 1998. 20

NAPOLITANO, Marcos. História & música. Belo Horizonte: Autêntica, 2005. 21

HOBSBAWN, Eric J. História social do jazz. 6. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2009. 22

CARDOSO, André. A música na corte de d. João VI: 1808-1821. São Paulo: Martins, 2008. 23

CACCIAGLIA, Mário. Pequena história do teatro no Brasil (quatro séculos de teatro no Brasil). Tradução

Carla de Queiroz. São Paulo: Edusp, 1986. 24

KIEFER, Bruno. História da música brasileira: dos primórdios ao início do séc. XX. Porto Alegre:

Movimento, 1977. 25

MARIZ, Vasco & PROVENÇAL, Lucien. La Ravadière e a França equinocial: os franceses no Maranhão

(1612-1615). Rio de Janeiro: Topbooks, 2007. 26

MONTEIRO, Maurício. A construção do gosto: música e sociedade na corte do Rio de Janeiro – 1808-1821.

São Paulo: Ateliê, 2008.

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28

D. João VI; os dois últimos estão destacados aqui porque tratam da música que aconteceu em

dois teatros do nordeste imperial brasileiro: Música e ópera no Santa Isabel: subsídio para a

história e o ensino da música no Recife, de José Amaro Santos da Silva27

, e De La Traviata

ao Maxixe (variações estéticas da prática do teatro São João) de Maria Helena Franca

Neves.28

Através desses dois últimos trabalhos pude cruzar várias informações que minhas

fontes relatavam com as dos referidos autores.

Tendo em vista que pretendo entender a complexidade da sociedade maranhense no

período delimitado, atentando para a coerência ou não entre os discursos e as práticas de suas

elites, a perspectiva teórica a partir da qual desenvolverei meu tema é a concebida pela

História Cultural, pois esta:

afasta-se sem dúvida de uma dependência demasiado estrita em relação a

uma história social fadada apenas ao estudo das lutas econômicas, mas

também faz retorno útil ao social, já que dedica atenção às estratégias

simbólicas que determinam posições e que constroem, para cada classe,

grupo ou meio, um “ser-percebido” constitutivo de sua identidade.29

É importante observar que, apesar das manifestações analisadas dizerem respeito mais

especificamente às elites, posso trabalhar com esse aporte teórico, pois “não recusa de modo

algum as expressões culturais das elites „letradas‟”30

Ou ainda, como escreve a professora

Sandra Pesavento:

[...] a proposta da História Cultural seria, pois, decifrar a realidade do

passado por meio de suas representações, tentando chegar àquelas formas,

discursivas e imagéticas, pelas quais os homens expressaram a si próprios e

o mundo. [...] implica chegar até o reduto das sensibilidades e do

investimento de construção do real que não são os seus do presente.31

27

SILVA, José Amaro Santos. Música e ópera no Santa Isabel: subsídio para a história e o ensino da música no

Recife. Recife: Universitária da UFPE, 2006. 28

NEVES, Maria Helena Franca. De la traviata ao maxixe: variações estéticas da prática do teatro São João.

Salvador: SCT, FUNCEB, EGBA, 2000. 29

CHARTIER, Roger. À beira da falésia: a história entre incertezas e inquietude. Porto Alegre: Universi-

dade/UFRGS, 2002, p. 73. 30

VAINFAS, 2002, p. 56-57. 31

PESAVENTO, Sandra. História & História Cultural. Belo Horizonte: Autêntica, 2003, p. 42.

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29

Nessa perspectiva, não é possível falar em História Cultural desvinculada da empiria.

No entanto, apesar da variedade de fontes e da contribuição preciosa que os trabalhos citados

oferecem para a compreensão e principalmente organização das vivências musicais

encontradas durante a pesquisa, há compassos em que geralmente colocamos pausas para a

música continuar, mas ficam em silêncio, e que, para fazê-los soar novamente, as

compreensões conceituais e teóricas são de grande valia.

Para lidar com essa diversidade de ideias e sujeitos, utilizarei os conceitos relacionados

à História Cultural no que concerne ao que o ramo das teorias da história apregoa sobre a

união entre teoria e fontes, visto que não se entende a história sem estas últimas. Dentre os

teóricos que estão ligados a esta corrente do estudo da história, elegi as ideias de práticas,

representação, apropriação e cultura letrada de Roger Chartier. Para este estudo, a noção de

representação é de grande valia, porque permite cruzar as imagens que as elites tinham de si,

o modo de “„ser-percebido‟ constitutivo de sua identidade”32

com seus hábitos e costumes, e

para reconstituir as contradições que marcavam seu cotidiano e ao mesmo tempo fazer um

contraponto com as vivências dos outros estratos sociais, pois:

as representações do mundo social assim construídas, embora aspirem à

universalidade de um diagnóstico fundado na razão, são sempre

determinadas pelos interesses de grupos que as forjam. Daí, para cada caso,

o necessário relacionamento dos discursos proferidos com a posição de

quem os utiliza. 33

Outra noção importante para Roger Chartier é a de apropriação, que caminha junto com

a de representação. Para o referido autor, apropriação tem como “objectivo uma história social

das interpretações, remetidas para as suas determinações fundamentais (que são sociais,

institucionais, culturais) e inscritas nas práticas específicas que as produzem”34

.

Além das noções elaboradas por Roger Chartier, utilizarei o conceito de gosto proposto

por Pierre Bourdieu, a partir da leitura de seu livro A distinção: crítica social do julgamento,

publicado recentemente em português, e da tradução em espanhol La distinción: criterios y

bases sociales del gusto, publicada ainda na década de 1980. É importante salientar que não

estudei o esquema de Bourdieu como os cientistas sociais. Utilizo o seu conceito de gosto,

32

CHARTIER, 2002, p.73. 33

CHARTIER, Roger. A História Cultural: entre práticas e representações. Tradução Maria Manuela Galhardo.

Lisboa: Difel, 1990, p. 17 34

CHARTIER, 1990, p. 26.

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30

pois um dos índices utilizados por Bourdieu em sua pesquisa de campo para realização do

livro citado é justamente o gosto musical. Assim, Bourdieu divide a construção do gosto em

três níveis, tais como:

o gosto legítimo – ou seja, o gosto pelas obras legítimas representadas aqui

pelo Cravo bem temperado, a Arte da fuga, o Concerto para mão esquerda

[...]. Em seguida, reunindo, por outro lado, as obras menores das artes

maiores – aqui, Rhapsody in Blue, Rapsódia húngara [...], o gosto médio é

mais frequente nas classes médias que nas classes populares ou nas frações

“intelectuais” da classe dominante. Por último, representado, aqui, pela

escolha de obras de música chamada “ligeira” ou de música erudita

desvalorizada pela divulgação, tais como a música do Danúbio Azul, a

Traviata, a Arlésienne e, sobretudo, as canções desprovidas de qualquer tipo

de ambição ou de pretensão artísticas, tais como as de Mariano, Guétary ou

Petula Clark, o gosto “popular” encontra sua mais elevada frequência nas

classes populares e varia em razão inversa ao capital escolar [...]35

.

É evidente que o esquema proposto por Bourdieu não é completamente fechado. Se a

questão da “relatividade” fosse aplicada aos trabalhos que lidam com a história do presente,

no que concerne a interações impossíveis de serem medidas, esse esquema não traria grandes

contribuições para o historiador. No entanto, para a sociedade do século XIX, que tinha como

padrão a música europeia, o esquema de Bourdieu serve como explicação, mas ainda com

uma ressalva. No século XIX, ainda não havia essa diferenciação entre a música erudita mais

ou menos conhecida, pois o que se cantava nos teatros ou nos saraus nas casas das famílias

mais abastadas era também apresentado pelas ruas através dos músicos e cantores que

executavam seus instrumentos de “ouvido”, fazendo com que, de uma forma ou de outra, os

pobres da cidade tivessem acesso à música europeia.

Para chegar a essa divisão, Bourdieu analisa o lugar social dos indivíduos na sociedade

francesa estudada e a importância que a família e a escola exerceram na construção do gosto,

constatando que o capital cultural dos pais e o contato com a música considerada erudita

desde a tenra idade fizeram diferença sobre os que não tiveram acesso na infância à

linguagem musical e/ou só tiveram contato com esse tipo de música na escola ou na fase

adulta. Assim, para este estudo todas estas assertivas são de grande importância no

entendimento das elites ludovicenses da segunda metade do século XIX. E sobre a

importância da música, na afirmação dos indivíduos em sociedade, escreve Bourdieu:

35

BOURDIEU, Pierre. A distinção: crítica social do julgamento. São Paulo: Edusp; Porto Alegre: Zouk, 2008. p.

21.

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31

[...] no existe nada que permita tanto a uno afirmar su “classe” como los

gustos en musica, nada por lo que se sea tan infaliblemente calificado, es sin

duda porque no existe prática más enclasante, dada la singularidad de las

condiciones de adquisición de las correspondientes disposiciones [...]. Ser

“insensible a la musica”, sin duda, [...]algo asi como uma forma

especialmente inconfesable de grosería materialista [...].36

Assim, as vivências musicais são utilizadas neste estudo como um dos fatores de

distinção que as elites ludovicenses se valiam para estabelecer hierarquias sociais.

Outra questão não pode ser desprezada nos estudos que têm como temporalidade o

século XIX, é o desejo que as elites tinham de ser consideradas civilizadas. A sociedade

brasileira teve de passar de uma sociedade rural e sem refinamento diretamente para uma

sociedade urbana, calcada nos padrões de modernidade irradiados da Europa, mais

especificamente de Paris, capital da França. No entanto, as sociedades europeias foram

moldando-se ao longo de muitos séculos. Para entender como os hábitos, ditos civilizados, já

esboçados no século XIX e que eram considerados pelos ludovicenses como os ideais a serem

seguidos foram assimilados por homens e mulheres, utilizarei as assertivas elaboradas por

Norbert Elias em seu livro O processo civilizador.37

Neste trabalho, Elias estuda o processo

de civilização dos costumes considerados não civilizados e que devem ser extirpados da

forma de agir dos membros das elites, chamando a atenção para os cuidados que homens e

mulheres devem ter na vida da sociedade urbana.

Um ponto que deve ser destacado é o que entendo e chamo aqui de elites. Não pretendo

discutir o conceito-ideia-esquema ou como queiram chamar de elites, mas simplesmente

explicar como esta categoria é utilizada neste estudo. A primeira assertiva diz respeito à

utilização de “elites” e não de “elite”. Já é notório que não existe somente um tipo de elite

como se pensava há alguns anos atrás, principalmente quando se estabelecia como critério de

classificação se um indivíduo era ou não pertencente à elite, o nascimento e a posição política.

Com a ascensão da burguesia nos idos do século XIX e sua reivindicação aos postos políticos

e sociais através do poder econômico que detinha, esse critério começa a ser pensado como

um elemento de qualificação de pessoas ao grupo social de elite. No entanto, o caminho

36

BOURDIEU, Pierre. La Distinción: criterios y bases sociales del gusto. Madrid: Taurus, 1988, p. 16. 37

ELIAS, Norbert. O processo civilizador. Tradução de Ruy Jungman. 2. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994.

v.1.

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32

ainda seria longo para essa burguesia endinheirada e ávida por participar do círculo da elite e

ser aceita nos meios aristocráticos. Assim:

as elites são definidas pela detenção de um certo poder ou então como

produto de uma seleção social ou intelectual, e o estudo das elites seria um

meio para determinar “quais são os espaços e os mecanismos do poder nos

diferentes tipos de sociedade ou os princípios empregados para o acesso a

posições dominantes”.38

Até então, elite era sinônimo de aristocracia independente se as famílias tradicionais

ainda apresentassem ou não uma condição financeira equilibrada. Na verdade, o que contava

eram o prestígio e as relações sociais que as famílias detinham na prática. Outro grupo que é

gestado dentro dos estratos aristocráticos e depois burguês será a elite intelectual, formada

pelos filhos dos aristocratas que estudaram na Europa e pelos filhos dos burgueses que

estudaram nas faculdades de direito de Pernambuco e São Paulo e, a partir de então, suas

capitais se transformaram nos principais centros de discussão para os intelctuais brasileiros39

.

Só até este ponto já é possível estabelecer quatro categorias dentro da elite: os

aristocratas propriamente ditos, os políticos, os burgueses e os intelectuais; fato que justifica a

utilização de “elites” ao invés de “elite”. No entanto, ainda é possível pensar em outra

categoria dentro das elites, que seria formada pelos artistas, grupo que pode ser denominado

de elite cultural. Este grupo é o mais heterogêneo, mas, para efeito deste estudo, trabalharei

especificamente com os músicos. Dentro do grupo de músicos devido ao tipo de fontes que

utilizo, chamo de elite cultural musical os que tinham conhecimentos de leitura musical,

harmonia, ritmo, instrumentação, enfim, dos conhecimentos tradicionais de música. É

importante salientar que em alguns casos esses músicos farão parte de outros grupos de elite

como aristocratas, burgueses e, em outros casos, não. Finalmente, a categoria elites é

entendida completamente desvinculada do esquema marxista e de sua explicação a partir das

lutas de classes e do materialismo histórico.

Assim, a dissertação está organizada em três capítulos que versam sobre o seguinte: no

primeiro, situarei a cidade de São Luís no contexto das ideias de modernidade que

fervilhavam naquele período nos altos círculos da sociedade imperial como um todo, tendo

38

CHARLE, 1994, p. 46 Apud HEINZ, Flávio M. (org.) Por outra história das elites. Rio de Janeiro: FGV,

2006, p. 8. 39

Cf. SILVA, José Amaro Santos da. Música e ópera no Santa Isabel: subsídio para a história e o ensino da

música no Recife. Recife: EDUFPE, 2006. p.63.

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33

como ponto de irradiação o Rio de Janeiro, onde estava situada a corte imperial. A partir

dessa contextualização, analisarei até que ponto o ideal francês de modernidade, civilidade e

refinamento entraram em choque com uma sociedade aristocrática, elitista, escravocrata e

iletrada, mas ao molde português, como era a de São Luís naquele período. O capítulo,

portanto, irá tratar não apenas da influência europeia sobre os costumes ludovicenses, algo

comum à maioria das cidades brasileiras do período, mas procurará também sublinhar o fato

de que ao invés da influência portuguesa, a eilte ludovicense escolheu conectar-se aos

modelos franceses.

No segundo capítulo, refletirei sobre o fato de que, do ponto de vista histórico, pode-se

afirmar que, para setores da sociedade ludovicense, nos meados do século XIX, o hábito de ir

ao teatro representava mais do que um gesto de consumo cultural. Tratava-se, na verdade, de

um recurso utilizado como instrumento de reforço do status social. Em face dos preceitos

sociais do período, frequentar um teatro era requisito para inserção no modelo europeu de

modernidade e civilidade. Para os objetivos deste capítulo, a frequência ao teatro em São Luís

será analisada não em termos da dramaturgia, propriamente, mas dos espetáculos de música

que eram então consumidos. Esta análise permitirá comparar o que, em termos musicais, se

ouvia em São Luís em relação àquilo que estava em voga na Europa.

O objetivo do terceiro capítulo não é fazer uma análise sobre a revitalização da “Atenas

brasileira” proposta pelos novos atenienses nas últimas décadas do século XIX, apesar de

entender que esse movimento de reafirmação da singularidade do maranhense refletiu na

busca dos divertimentos elegantes naquela segunda metade do século XIX. Não discutirei essa

ideia, ainda que nas páginas que compõem o referido capítulo a expressão “Atenas brasileira”

apareça vez por outra. Assim, pretendo fugir das elaborações já confirmadas ou, como diriam

os teóricos atuais, “naturalizadas”, que ligam a segunda metade do século XIX aos

intelectuais da literatura e trazer ao centro do palco do meu espetáculo não os declamadores

de poemas, mas os cantores, os instrumentistas, os regentes que alegravam os(as)

ludovicenses e faziam com que os(as) mais sonhadores esquecessem a cidade suja, suas casas

cheias de escravos e vivenciassem durante algumas horas o mundo tão almejado e tão distante

de ser alcançado no dia a dia. Neste capítulo, demonstrarei que as vivências musicais, na São

Luís dos meados do século XIX, colaboraram para construir, no interior dos grupos de elite,

novas sociabilidades, as quais, através da música, eram capazes de unir e igualar pessoas que

eram diferentes na prática cotidiana. A música tocada ao piano e cantada em francês ou

italiano funcionava como um mediador cultural, um catalisador, pois era através dela que

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34

desconhecidos se conheceriam, diferentes se enamorariam, tristes se alegrariam, enfim, as

elites como um todo se identificariam como tais.

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35

2 PRIMEIRO MOVIMENTO – AS IDEIAS FRANCESAS E A CIDADE PORTUGUESA:

TENTATIVAS DE ASSIMILAÇÃO DOS IDEAIS DE CIVILIDADE

O nascer do sol em São Luís não tem a monotonia de certas regiões

equatoriais em que o despontar das manhãs, embora radioso, espalha

sempre a mesma coloração pelo horizonte afora. Na Ilha do Maranhão, as

auroras são policrômicas e caprichosa ... 40

2.1 O contexto imperial brasileiro: leitura à primeira vista

É início do terceiro quartel do século XIX. O império brasileiro caminha para vivenciar

transformações em suas bases estruturais mais importantes, tais como: a proibição do tráfico

negreiro, a estabilização das finanças públicas e certo progresso material; ao mesmo tempo,

continuava aprisionado a ideias arcaicas e obsoletas e que eram rechaçadas pelos intelectuais,

já absorvidos pelo ideário de civilidade e modernidade que irradiava da Europa. No entanto,

os homens e as mulheres que vivenciaram aquele presente ainda percorreriam por toda a

segunda metade do século XIX, longo, árduo e complicado caminho até o estabelecimento,

pelos menos em termos de criação de leis, de uma sociedade mais “igualitária” e que

acolhesse as diversidades que constituiriam o povo brasileiro.

As principais províncias do império, em grande medida, trilhavam seus próprios

caminhos, mesmo e principalmente por estarem afastadas do Rio de Janeiro onde a corte

imperial foi instalada quando da vinda de D. João ao Brasil, pois:

Os anos de 1807 e 1808 assistiram à transferência da corte portuguesa para o

Rio de Janeiro. Pouco tempo depois, o Estado do Brasil teve seu status

institucional alterado para Reino Unido de Portugal e Algarves, bem como

D. João VI foi aclamado rei de Portugal na cidade do Rio de Janeiro. Em

menos de duas décadas, o Brasil havia vivenciado experiências

extraordinárias, que culminaram em sua emancipação política do império

português em 1822.41

40

ABRANCHES, Dunshee de. A esfinge do Grajaú. 2. ed. São Luís: ALUMAR, 1993. p. 15. 41

GOUVÊA, Maria de Fátima Silva. O império das províncias. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008,

p.17.

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36

A corte portuguesa não proporcionou apenas mudanças na estrutura política e

burocrática da colônia brasileira. As mudanças que a sociedade passaria a partir de então são

as de maior impacto e repercussão, pois a sociedade brasileira começaria a organizar-se a

partir dos moldes europeus e das demandas da burguesa comercial que ascendia socialmente,

visto que:

Além do incremento do comércio, a vinda da Corte portuguesa promoveu a

europeização [...] o que criou novas exigências para a “boa sociedade”. O

contato com a aristocracia portuguesa e a burguesia industrial europeia

obrigou essa camada a adotar costumes e valores europeus como forma de

igualar-se àqueles estratos e também para a obtenção de títulos

nobiliárquicos. Impôs também à “boa sociedade” a europeização da vida

social, o que incluía uma sociedade baseada nas festas particulares e nos

salões [...].42

Passados alguns anos, o Brasil liberta-se da tutela da coroa porturguesa através dos

acontecimentos proporcionados pela volta de D. João VI para Portugal. Apesar disso, é

evidente que a independência do Brasil de Portugal, em 1822, em termos legais, não

significou grandes mudanças na sociedade brasileira, que começava a se estruturar como uma

organização burguesa aos moldes europeus. Outra questão importante é que nem todas as

províncias aderiram de imediato à independência do Brasil. A província do Ceará, do Piauí,

do Maranhão43

e do Pará aderiram, respectivamente, à causa da independência em outubro de

1822, março de 1823, 28 de julho de 1823 e 15 de agosto de 1824.

Após a independência, o Brasil entra num oceano de águas agitadas, proporcionadas

pelas revoltas que aconteciam no Maranhão, Pará, Bahia e Rio Grande do Sul, devido às

divergências entre os partidos políticos preocupados mais em resguardar seus cargos e

interesses particulares do que pensar em estratégias para resolver os conflitos e estabilizar a

sociedade, somadas às pressões externas para que o governo brasileiro extinguisse o tráfico

africano.

Esse período de grande instabilidade e “descontentamento” social durará até a metade

da década de 1840, tempo no qual a jovem nação fincada na América do Sul começará a

trilhar um caminho mais estável, que culminou com a coroação do Príncipe Imperial, Pedro

42

RAINHO, Maria do Carmo Teixeira. A cidade e a moda: novas pretensões, novas distinções. Rio de Janeiro,

século XIX. Brasília: UnB, 2002, p. 53-54. 43

Cf. GALVES, Marcelo Cheche. São Luís de Portugal. Revista de História da Biblioteca Nacional, v. 38, p.

68-71, 2008.

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37

de Alcântara, como Imperador do Brasil, e em 1841, com a criação do Ministério da

Conciliação arquitetado por Carneiro Leal, marquês do Paraná, pois “seu ministério englobou

antigos liberais – Limpo de Abreu (Abaeté), Pedreira (Bom Retiro) e Paranhos (Rio Branco) –

e conservadores de tradição – Nabuco, e mais tarde Wanderley (Cotegipe) – todos

convencidos da utilidade de uma aproximação”44

, porquanto “é lugar-comum a ideia de que

os anos de 1848 a 1864 marcam, na formação do Brasil, uma era de paz e conformidade, e de

decoro nos negócios públicos”45

.

Ao instalar-se no Rio de Janeiro, a corte portuguesa traz todo seu aparato burocrático,

visto que não sabia por quanto tempo ficaria no Brasil, e Portugal precisava administrar suas

demais colônias espalhadas pelo mundo. Após os acontecimentos políticos de 1822, grande

parte desse aparato burocrático estatal permanece no Brasil e as autoridades ministeriais não

terão grandes dificuldades para instituir sua legislação como nação independente. A partir de

então, o governo brasileiro ganha mais visibilidade no mundo europeu, agora não somente por

causa das matérias-primas de que dispunha, mas pela possibilidade de organização de uma

sociedade burguesa que geraria grandes dividendos aos países onde já era possível verificar

um sistema industrial desenvolvido. A Inglaterra, principal aliada política e credora

econômica do império brasileiro, era a principal interessada na emancipação total do Brasil.

No período que sucede as revoltas populares, os olhares estarão voltados principalmente

para o Rio de Janeiro, onde estava instalada a burocracia imperial e, por isso, de onde partiam

as determinações da coroa.

Durante toda a história do império brasileiro, o Rio de Janeiro terá mais destaque e

muitas vezes preponderância ante as demais províncias do Brasil. Apesar da relativa

independência que as províncias gozavam na prática, principalmente pela distância da sede do

governo imperial. Em termos políticos, estavam sujeitas ao andamento e deliberação das

questões nacionais na corte, devido às peculiaridades da província do Rio de Janeiro, como

escreve Maria de Fátima Gouvêa:

A necessidade de ter um maior controle sobre as finanças provinciais

fluminenses – inicialmente nos dois níveis, geral e provincial – expressou

mais do que se pode supor acerca da natureza da dinâmica administrativa

provincial. [...] De todo modo, é fundamental salientar o status deveras

singular da província do Rio de Janeiro no governo do império do Brasil.46

44

LIMA, Manuel de Oliveira. O império brasileiro: 1822-1889. Brasília: UnB, 1986, p. 40. 45

FREYRE, Gilberto. Vida social no Brasil nos meados do século XIX. 4. ed. São Paulo: Global, 2008, p. 59 46

GOUVÊA, 2008, p. 81-82.

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38

O Rio de Janeiro tinha outra vantagem perante as demais cidades, pois quase todos os

presidentes de província para ela designados eram fluminenses e, na câmara e no senado do

império, havia um percentual representacional superior ao das outras províncias, mesmo no

tempo em que cidades do nordeste, como Recife e Salvador, tinham papel econômico igual ou

superior ao da capital da corte imperial.

Ao longo da conjuntura imperial, essa situação diferenciada e privilegiada da província

do Rio de Janeiro será contestada pelos demais presidentes de províncias do norte e nordeste

na Assembleia Geral. Durante essas reuniões, eles contestavam a grande concentração de

recursos financeiros na região centro-sul do país em detrimento da região norte-nordeste,

devido ao pagamento dos impostos gerais ao governo central e à má ingerência e distribuição

desses recursos entre todas as províncias imperiais47

.

A discussão em torno da concentração financeira no centro-sul do império, mais

especificamente nas províncias do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais, é uma das

questões mais simples que os ministérios, que se formaram ao longo do império, terão de

resolver. Os embates que se travariam ao longo dos dois últimos quartéis do século XIX é que

serão significativos e promoverão mudanças radicais na ordem social brasileira.

Ao longo século XIX, e principalmente a partir do terceiro quartel deste século, o

mundo todo, em menor ou maior grau, estava envolto nos ideais de liberdade, igualdade e

fraternidade que eclodiram com a revolução francesa. Essas ideias que pululavam nas mentes

dos europeus, trazendo medo e insegurança para uns, e entusiasmo e coragem para outros,

começavam a circular também pelas terras do “novo mundo”, e as elites brasileiras tomavam

conhecimento por intermédio dos seus filhos que iam estudar no “velho mundo” e, de volta à

terra natal, traziam em sua bagagem intelectual todo esse ideário que será, de uma maneira ou

de outra, total ou parcialmente, adaptado às condições do Brasil e às necessidades dessas

elites, visto que “Esta concepção de um novo Brasil, embora variasse muito segundo os seus

proponentes, apresentava um denominador comum: a reformulação do país conforme os

modelos políticos apresentados pelos republicanos norte-americanos e franceses”48

.

Esses jovens que regressavam aos seus lares após longas temporadas em terras

europeias, envolvidos como estavam com as novidades e com os corações inflamados pelos

desejos de mudança, esqueciam-se de que suas fortunas estavam assentadas sobre bases

47

MELLO Apud GOUVÊA, 2008, p. 31. 48

NEEDELL, Jeffrey D. Belle époque tropical: sociedade e cultura de elite no Rio de Janeiro na virada do

século. Tradução de Celso Nogueira. São Paulo: Companhia das Letras, 1993, p. 23.

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39

econômicas desiguais e escravistas. Ficavam meio que anestesiados, até serem instigados e

indagados sobre a dissonância entre suas práticas cotidianas e:

um bando de ideias novas esvoaçavam sobre nós de todos os pontos do

horizonte e a noção de atraso em relação as países capitalistas centrais tomou

conta da intelectualidade. Afinados com seu tempo, as ideias de evolução,

progresso e atraso e a crença no papel positivo e impulsionador da ciência

passaram a povoar a consciência destes intelectuais, que se lançaram à tarefa

de modernizar o país.49

No entanto, esse ideário todo entrava em choque com a rudeza da realidade vivenciada

pelos brasileiros nas relações no dia a dia com seus iguais e, principalmente, com os

diferentes, apesar de serem trazidas numa linda embalagem pelos negociantes europeus que

arvoravam a bandeira do fim do tráfico africano e da libertação dos escravos no Brasil.

A partir de então, a temática que mais preocupará as elites intelectuais brasileiras

naquele momento será o fim da escravidão e a forma de realizá-la, beneficiando os interesses

das elites. Desde 7 de novembro de 1831, quando a primeira lei de proibição do tráfico foi

aprovada, esse debate já circulava por toda a sociedade brasileira. Seja nas salas dos que eram

contra a lei ou nas esquinas e tavernas onde os abolicionistas debatiam formas para tentar

forçar as autoridades a cumprir a lei editada em 1831. Os anos foram passando e os debates

continuaram na câmara, ora para revogar a lei, ora para tentar colocá-la em prática. Mas,

como é sabido, somente em 1850, com a aprovação da lei Euzébio de Queiroz, o tráfico é

totalmente proibido.

Essa segunda lei sobre a proibição do tráfico de escravos africanos, regulamentada em

outubro e novembro de 1850, foi uma pedra a menos no grande alicerce que fora construído

em torno da empresa do tráfico africano, e sua implementação na prática ainda remexeria em

estruturas sociais e principalmente econômicas, até então não colocadas em questão naquela

sociedade que nascera escravista, pois o “Estado imperial com sua característica aparente de

distanciamento da sociedade escravista concreta, por outro lado, era um componente chave da

hegemonia de classe desta sociedade”50

.

É notório que, para essa lei ser aprovada, longo foi o caminho e grandes os debates em

torno das consequências dessa medida para a economia do país, dada a importância que o

49

SALLES, Ricardo. Nostalgia imperial: a formação da identidade nacional no Brasil do segundo reinado. Rio

de Janeiro: Topbooks, 1996, p. 20. 50

SALLES, 1996, p. 140.

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tráfico africano exercia não só para os grandes proprietários rurais que precisavam do braço

africano para trabalhar sua lavoura, quanto dos traficantes que ficariam sem sua fonte de

renda e deixariam, assim, de aplicar seus lucros nos bancos, na compra de utensílios de luxo

para se igualarem, pelo menos na aparência, aos homens pertencentes às elites, assim como o

governo imperial perderia os impostos pagos pelos traficantes, que eram considerados

comerciantes, por isso, “de fato, até 1850 não houve no Brasil qualquer corrente de opinião de

alguma importância que fosse abertamente contra o tráfico. Quase todos os políticos

reconheciam a obrigação moral e legal de terminá-lo, mas temiam as consequências

econômicas da medida”51

.

Os setores conservadores das elites imperiais utilizavam esses argumentos para

justificar a continuidade do tráfico negreiro, no entanto, na prática, ao contrário do que

previam os senhores de escravos e principalmente os traficantes quanto ao futuro econômico

do império sem esse comércio, o que se verificou foi uma situação extremamente positiva e

que resultou em um processo de desenvolvimento em vários setores da sociedade imperial,

como escreve Lilia Schwarcz sobre as consequências da extinção do tráfico: “como se tratava

de uma atividade generalizada, quando foi encerrada, uma massa de recursos apareceu da

noite para o dia. Investiu-se muito na infraestrutura do país e acima de tudo nos transportes

ferroviários. [...] e começou a crescer o número de estabelecimentos de instrução”52

.

As contradições em torno da escravidão não eram tão visíveis no setor econômico

quanto na questão política e nos setores social e cultural da sociedade brasileira, visto que, no

que concerne à política, esta estava amarrada aos ditames do tráfico, pelo fato de a sociedade

brasileira ter-se constituído a partir de uma base escravista, plenamente justificada pelas

construções ideológicas, de que os negros nasceram para esse tipo de trabalho e somente eles

poderiam exercê-lo, como escreve Ricardo Salles:

No quadro do começo do século XIX, a inferioridade dos negros era mais

identificada com a ausência de elementos de uma cultura europeia nos povos

africanos do que com suas características biológicas e raciais. A escravidão

era vista como um fato das sociedades africanas e como resultado mesmo

desta ausência de civilização.53

51

CARVALHO, José Murilo de. A construção da ordem: a elite política imperial. Teatro de sombras: a política

imperial. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008, p. 300. 52

SCHWACZ, Lilia Moritz. As barbas do imperador: D. Pedro II, um monarca nos trópicos. São Paulo,

Companhia das Letras, 1998, p.102. 53

SALLES, 1996, p. 89.

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A sociedade brasileira do século XIX já estava acostumada à convivência com os

escravos, devido à dependência que os setores de elite apresentavam em relação a eles. No

entanto, essas contradições são mais evidentes no âmbito das ideias e dos divertimentos

sociais do que no setor econômico, visto que, como já dissera, era uma prática “legitimada”.

O ano de 1850 foi extremamente representativo no que diz respeito à aprovação de leis,

pois logo após a aprovação da lei que abolia o tráfico de africanos para o Brasil e estipulava o

prazo de seis meses para que os “comerciantes” que viviam desse negócio procurassem

ocupações lícitas, a lei nº 601, de 18 de setembro, conhecida como Lei de Terras, que tinha

como objetivo estimular a vinda de imigrantes europeus para o Brasil, foi aprovada, e também

foi consequência da proibição do tráfico, devido à preocupação com a falta de mão de obra a

ser utilizada nas lavouras que:

[...] era preocupação constante no Império como o indica o fato de ter sido a

questão mais referida nas Falas do Trono: em 56 Falas 34 a mencionaram. A

preocupação da elite de como estava o problema da escravidão e da

imigração é que determinava o interesse no estatuto da propriedade rural.54

Esses debates tinham maior repercussão no sudeste do país, mais precisamente nas

províncias do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais, devido à proximidade com o governo

central. No restante do país, essas novas determinações chegaram mais atenuadas do seu ardor

inicial e não resultaram em mudanças na ordem vigente.

2.2 A repercussão das leis imperiais na província do Maranhão

Durante todo o período imperial brasileiro, a maioria das províncias terá vida

independente no que tange à resolução dos problemas políticos, econômicos e sociais que elas

vivenciavam nas práticas cotidianas da população, apesar de fazer uma organização política

centralizada no Rio de Janeiro. No Maranhão, não será diferente. A corte imperial, instalada

no Rio de Janeiro, ficava muito longe das terras maranhenses, proporcionando aos políticos

que comandavam as decisões na província uma autonomia demasiada. Devido a essa distância

54

CARVALHO, 2008, p. 347.

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espacial proporcionada pela dimensão continental do império, as decisões tomadas pelo poder

central nem sempre tinham o efeito esperado quando da aprovação das leis. Dada a

dificuldade no controle e fiscalização das províncias pelo governo central, muitas leis editadas

pelo imperador não saíram do papel.

A província do Maranhão fará parte das províncias onde a lei de terras não passará de

notícia quando da sua promulgação e durante todo o restante do século XIX. De acordo com

José Murilo de Carvalho, a legitimação e a revalidação das terras devolutas quase não

progrediram e, sem sombra de dúvidas, a Lei de Terras não pegou55

. Assim, no Maranhão, as

ações efetivas para legalizar a posse da terra só ocorrerão a partir do final do século XIX e das

primeiras décadas do século XX, tanto que os moradores de regiões agrícolas do Maranhão se

referiam a terra como sendo liberta, em contraponto com o início da reorganização da lavoura:

[...] Em fins do século XIX, a abolição da escravatura e as alterações no

mercado internacional provocaram desagregação das formas de produção até

então estabelecidas e a decadência do sistema agro-exportador. As relações

de produção do latifúndio tiveram que ser reorganizadas – há um

parcelamento das grandes explorações e a penetração gradativa de áreas de

cultivo de produtos alimentares tais como arroz, mandioca e frutas.56

Em São Luís, capital da província do Maranhão, a aprovação da lei de terras não

precipitou nenhum acontecimento de mudança ou reivindicação de seu cumprimento. O

Maranhão, na década de cinquenta do século XIX, como o restante do império brasileiro, era

dependente do mercado econômico internacional, dada a organização da economia através da

grande propriedade rural, escravista e monocultura, e como sua estrutura de produção era

organizada com base nas necessidades do mercado europeu, a divisão dos grandes latifúndios

não fazia parte das conversas dos senhores de terras.

Durante muito tempo, o algodão foi o principal produto exportador que a província

dispunha e, por conta da demanda por essa matéria-prima, impulsionada pelas indústrias da

Inglaterra que vivenciavam a segunda revolução industrial e a crise iniciada pela guerra civil

norte-americana, que principiou ainda na década de 1840, fizeram com que os latifundiários

maranhenses não se preocupassem em cultivar outro produto.

55

Cf. CARVALHO, 2008, p. 346. 56

LUNA, Regina Celi Miranda Reis. A terra era liberta: um estudo da luta dos posseiros pela terra no vale do

Pindaré-Maranhão. São Luís: UFMA/Secretaria Educação MA, 1984, p. 3.

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Tendo em vista essa articulação com o mercado internacional, os momentos de

felicidade econômica no Maranhão não duravam muito tempo, pois, com o fim da guerra civil

norte-americana, à proporção que os Estados Unidos foram recuperando sua economia interna

e aumentando sua produção, o Maranhão foi perdendo seu lugar no mercado externo, já que

não havia tecnologia suficiente para competir com eles. Após o decréscimo das exportações

do algodão, o açúcar, que estava sendo produzido na região da Ribeira do Itapecuru, desponta

como alternativa para a monotonia que estava passando a economia maranhense, haja vista

que:

Com a decadente lavoura do algodão, novo impulso econômico aconteceu

quando os agricultores se lançaram à intensificação da lavoura da cana-de-

açúcar, não obstante a venda de alguns escravos para São Paulo e Minas,

única maneira de obterem os recursos necessários à construção de engenhos

para o fabrico do açúcar. Nas décadas de cinquenta e sessenta, aquela

pequena parcela da sociedade maranhense pôde manter as aparências de seu

antigo bem-estar e de sua riqueza.57

Apesar da construção de engenhos a partir do terceiro quartel do século XIX, o

Maranhão estará sempre à espreita de alguma crise política, social ou mesmo econômica que

rendesse dividendos favoráveis à sua balança comercial. A venda dos escravos que ainda

restavam será alternativa para os senhores de terra do Maranhão, que já pensavam em

substituir a mão de obra do negro africano por imigrantes europeus, naqueles tempos de crise,

na qual, “a imensa maioria da população apegava-se à instituição da escravidão como um

afogado a uma tábua de salvação. Os defensores do status quo ganharam novamente terreno

sobre os partidários da abolição, em razão da crise econômica”58

.

Durante todo o século XIX, o Maranhão estará ao sabor das marés econômicas

internacionais, propiciado pela inclusão de São Luís no roteiro de escoamento e recebimento

do comércio, através da instalação de um cônsul inglês aqui. Em algumas circunstâncias, as

águas serão tranquilas e trarão importantes lucros, fazendo com que os produtores

maranhenses respirem aliviados por algum tempo, em outras, servirá apenas para pagar as

imensas despesas com a lavoura e quitar algumas dívidas.

57

LACROIX, Maria de Lourdes Lauande. A fundação francesa de São Luís e seus mitos. 2. ed. São Luís:

Lithograf, 2002, p. 66. 58

MÉRIAN, Jean-Yves. Aluísio Azevedo, vida e obra (1857-1913). Rio de Janeiro: espaço e tempo – Banco

Sudameris – Brasília, 1988, p. 152.

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Por volta da segunda metade do século XIX, São Luís, capital da província do

Maranhão, era uma sociedade complexa e cheia de contrastes, em que as contradições eram

evidentes e afloravam no dia a dia dos ludovicenses, sendo estes ricos ou pobres. Sociedade

escravista como o restante do Brasil, São Luís tentava lidar com essa situação através de

práticas que camuflassem os verdadeiros costumes de sua população.

Assim como se verificava em outras províncias do império, as elites de São Luís

também lutavam para se ajustar e fazer com que a população assimilasse e adequasse seus

hábitos e práticas cotidianas aos ideais “vivenciados” e irradiados pela Europa, mais

especificamente, pela França, por ser considerada o modelo ideal de povo e cidade. E, no que

se refere ao Brasil, ao Rio de Janeiro, onde estava instalada a corte imperial.

Mas não eram somente os hábitos da população que não estavam conforme a

implantação das ideias modernizadoras; a estrutura urbana da província, ainda muito precária,

criava um ambiente propício para a proliferação de grande quantidade de moléstias que

atacavam as populações e causavam intensa mortandade, devido à falta de serviços públicos,

como o necessário para o escoamento dos dejetos produzidos pelos habitantes da cidade,

coleta de lixo, água tratada, iluminação etc., haja vista o enorme contraste entre “uma cidade

pobre e de aparência humilde onde a sociedade copia os adornos de „cousas francesas‟ e os

requintes do luxo europeu”59

.

2.3 Músicos negros: um mal necessário

Durante o século XIX, os africanos escravos, os mulatos e os africanos alforriados

representavam o principal componente das orquestras de música do império brasileiro.

Mesmo antes da chegada de D. João ao Brasil, em 1808, a grande maioria dos músicos que

havia na colônia eram mulatos ou escravos alforriados. Naquele início do século XIX, no

Brasil ainda colônia de Portugal, o músico era visto principalmente como um trabalhador e

geralmente era proveniente dos setores mais baixos da sociedade. Sociedade criada aos

moldes europeus, a brasileira seguiria, como em outros aspectos das vivências transplantadas

para o Brasil, a situação do músico europeu, em que:

59

RENAULT, Delso. Indústria, escravidão, sociedade: uma pesquisa historiográfica do Rio de Janeiro no

século XIX. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; Brasília: INL, 1976, p. 134.

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A maior parte das pessoas que seguia uma carreira musical era de origem

não nobre, ou, em nossa terminologia, burguesa. Se quisessem ter êxito na

sociedade de corte, e encontrar oportunidades para desenvolver seus talentos

como músicos ou compositores, eram obrigadas, por sua posição inferior, a

adotar os padrões cortesãos de comportamento e de sentimento, não apenas

no gosto musical, mas no vestuário e em toda a sua caracterização enquanto

pessoas.60

Norbert Elias refere-se a músicos livres e brancos que exerciam esse ofício e eram

discriminados nos círculos elitizados do mundo europeu. Na sociedade brasileira, criada para

ser igual à europeia, os músicos não terão tratamento melhor do que os do velho mundo, ainda

mais que a grande maioria era constituída, como dissera acima, de mulatos, e em algumas

situações relatadas pelos viajantes europeus, por vezes de escravos61

, como presenciou Henry

Hoster em viagem pela província do Piauí, na cidade de Parnaíba, ao deparar-se com uma

banda de música composta pelos escravos de Simplício Dias da Silva, que eram educados em

Lisboa e no Rio de Janeiro62

. Da mesma forma que Elias descreve a situação do músico da

Europa do início do século XIX, André Cardoso fala sobre a situação dos mulatos que

lidavam com a música na sociedade brasileira:

[...] os músicos profissionais em atividade, em praticamente todo o Brasil,

eram mulatos livres, frutos da miscigenação, em geral filhos de português e

de mãe negra ou mulata. Dentro da hierarquia social, esses mulatos

formavam uma classe que se colocava apenas acima dos escravos, e sua

dedicação às artes representava uma tentativa de aceitação e afirmação em

uma sociedade completamente dominada pelo elemento branco, português

ou já brasileiro.63

Essa situação do músico como um “simples” trabalhador vai se transformando no

decorrer do século XIX, tendo como período de maior “mudança” nessa forma de ver o

músico o segundo reinado, mais precisamente a década de 1870, tempo em que o teatro era o

principal empregador desses profissionais, devido ao furor causado pela introdução da ópera

no império brasileiro. Essas “mudanças” ocasionadas na condição do músico no Brasil,

60

ELIAS, Nobert. Mozart, sociologia de um gênio. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995, p. 20. 61

Cf. FREYRE, Gilberto. Sobrados e mucambos: decadência do patriarcado rural e desenvolvimento do urbano.

14. ed. rev. São Paulo: Global, 2003, p. 153. 62

KOSTER apud SCHWACZ, 1998, p. 263. 63

CARDOSO, André. A música na corte de D. João VI, 1808 -1821. São Paulo: Martins, 2008, p. 40.

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direcionada por essa paixão operística, possibilitou aos músicos, que trabalhavam nos teatros,

a oportunidade de serem também professores particulares de música64

.

O sistema escravista estendia seus tentáculos discriminatórios para todos os campos da

sociedade brasileira, ainda mais em casos como o de escravos ou de descendentes destes que

se destacavam não pela força e desempenho físico, mas pela inteligência e sensibilidade para

as artes em geral. Isso não era permitido pelas elites dominantes e conservadoras, fato

verificado até o final do século XIX, mesmo depois de extinta a escravidão.

Miriam Moreira Leite, citando Ida Pfeiffer em viagem pelo Brasil, comenta como os

escravos, mesmo sem terem acesso à educação formal, aprendiam ofícios que não dependiam

somente da força física, pois “todos os trabalhos sujos e penosos da casa ou de fora são feitos

por negros, que aqui, em geral, representam a camada mais baixa. Contudo, muitos aprendem

ofícios e diversos se tornam muito hábeis em sua arte, a ponto de poder se comparar aos

europeus mais capazes”65

. Com todas essas discrepâncias entre os ideais de modernidade e

civilidade e a dura realidade brasileira, os homens e mulheres do Brasil imperial ainda

percorreriam toda a segunda metade do século XIX buscando alternativas para manter seus

privilégios e se ajustarem às novas demandas estabelecidas pelos ditames europeus.

Todavia, não obstante os esforços utilizados para suplantar a musicalidade dos escravos,

as elites urbanas não alcançaram sucesso no seu intuito, visto que a música fazia parte da

vivência dos homens e das mulheres vindos da África, fazendo com que os moradores da

cidade presenciassem a todo instante os sons pelos quais os cativos se expressavam, pois “os

escravos negros das cidades, de uma forma geral, sempre trabalharam cantando”66

.

É importante lembrar que, a despeito de os escravos da cidade terem certo privilégio, no

que concerne a uma maior liberdade de locomoção, não perdiam sua condição estigmatizada e

desqualificada imposta pela escravidão numa sociedade que os via somente como um objeto a

ser utilizado para suprir suas necessidades físicas e materiais.

O fato de escravos e libertos serem reconhecidos pela inteligência não agradava em

nada a sociedade elitista organizada aos moldes da europeia. Como esses músicos

“passeavam” com mais facilidade pela sociedade imperial brasileira, acabavam assimilando as

tendências europeias, ainda mais que as elites queriam ouvir música como estava sendo feita

no velho mundo, pois “os músicos negros, com suas formas de interpretar o mundo europeu e

64

MAGALDI apud CARVALHO SOBRINHO, 2003, p. 58. 65

LEITE, Míriam Moreira. (org.). A condição feminina no Rio de Janeiro, século XIX: antologia de textos de viajantes

estrangeiros. São Paulo: HUCITEC; UnB; Brasília: INL, Fundação Nacional Pró-Memória, 1984, p. 74. 66

TINHORÃO, José Ramos. História social da música popular brasileira. São Paulo: 34, 1998, p. 158.

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seu próprio mundo, de tanger instrumentos de sua cultura ou das dos outros”67

, exerciam a

função de mediador cultural mesmo sem isso ter sido definido com clareza, visto que, “em

nossa inevitável subordinação ao passado, ficamos [portanto] pelo menos livres no sentido de

que, condenados sempre a conhecê-lo exclusivamente por meio de [seus] vestígios,

conseguimos todavia saber sobre ele muito mais do que julgara sensato nos dar a conhecer”68

.

2.4 As posturas municipais e as tentativas de civilização da capital maranhense

Visando colocar em prática as ideias trazidas da Europa, as autoridades municipais de

São Luís sancionaram leis para controlar a população mais pobre, a fim de discipliná-la e

contê-la em seus excessos de “incivilidade”, na contramão dos padrões europeus. Essas leis

eram chamadas Códigos de Posturas e versavam sobre todos os aspectos da vida cotidiana

dessa população, tentando sempre disciplinar as ações praticadas não só no espaço público,

como no privado, pois o interesse público deveria subjugar todas as práticas que porventura

estivessem na contramão do bom andamento da cidade.

O primeiro código de posturas elaborado pela câmara municipal de São Luís data de

1842. No entanto, escolhi trabalhar com os códigos de posturas sancionados em 1866 e em

1892, por estarem localizados em marcos temporais importantes para este estudo, fornecendo,

portanto, elementos para a comparação entre o ideal almejado e a assimilação ou não dessas

regras pela sociedade de São Luís, e também por estarem situados antes e depois dos dois

grandes acontecimentos que mudaram as estruturas da sociedade brasileira, que foram a

Abolição da Escravatura e a Proclamação da República.

Esses dois códigos foram determinações da câmara municipal de São Luís e, apesar de

se passarem 26 anos entre a decretação de um e outro, as preocupações das autoridades

continuam as mesmas, sugerindo que a sociedade de São Luís não conseguia, ou não se

submetia às regras e posturas contidas nos referidos códigos.

Os códigos de posturas são fontes riquíssimas que possibilitam a análise dos hábitos dos

ludovicenses e também permitem localizar as ações dos homens e das mulheres na cidade em

suas práticas mais costumeiras. Esses códigos versavam sobre temas públicos, como, por

67

MONTEIRO, Maurício. A construção do gosto: música e sociedade na corte do Rio de Janeiro 1808-1821.

São Paulo: Ateliê, 2008, p. 159. 68

BLOCH, Marc. Apologia da história, ou, o ofício do historiador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001, p. 78.

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exemplo, desde a limpeza das ruas até hábitos privados, como “declamar” em alta voz nomes

indecorosos dentro das residências particulares.

Enquadrados em títulos que abrangiam todas as dimensões da vida urbana de São Luís,

os códigos representam para o historiador a possibilidade de conhecimento de hábitos

praticados pela população da cidade e que deveriam ser extirpados por ser considerados

incivilizados, ou seja, oferece a possibilidade de vislumbrar seus habitantes através de suas

práticas e hábitos cotidianos. Isto porque os códigos tratavam de assuntos os mais diversos

como: o linguajar das pessoas, a circulação dos escravos durante a noite e a circulação geral

da população após o toque de recolher, da venda e fabricação de fogos de artifício, da limpeza

das ruas etc.

O Código de Posturas de 186669

foi instituído pela lei nº 775 de 4 de julho de 1866,

quando Lafayette Rodrigues Pereira era o presidente da província do Maranhão. Dividia-se

em 4 títulos, assim distribuídos: Título I – Regularidade e aformoseamento, com 65 artigos;

Título II – Cômodo e seguridade, com 64 artigos; Título III – Salubridade, com 54 artigos, e o

Título IV – Disposições gerais, com 16 artigos.

Já o Código de Posturas de 189270

, lei nº 8, instituído no governo de Belfort Vieira, é

importante destacar, no que concerne a sua maior especificidade, que possui 5 títulos

divididos em 25 capítulos. Os títulos são: Disposições Preliminares com 8 artigos; Higiene e

Saúde Pública, dividido em 12 capítulos, com 103 artigos; Polícia, comodidade e segurança

pública, com 10 capítulos e 90 artigos; Aformoseamento e decoração da cidade, arrabaldes e

povoações, estradas e caminhos públicos do município; construção e reconstrução, com 2

capítulos e 27 artigos e, por último, as Disposições Gerais com 9 artigos. A seguir,

apresentarei o conteúdo dos artigos dos códigos.

Uma das grandes contradições da cidade de São Luís, completamente visível a olho nu,

eram os “portentosos casarões de dois andares, cantaria nas soleiras e portais, bandeiras e

gradis rendilhados” e as infinitas casas de palha nas praças públicas, como nos diz a

historiadora Maria da Glória Guimarães Correia ao tratar da São Luís de fazendeiros e

comerciantes71

, e o mal-estar causado aos moradores desses sobrados ao abrir suas janelas e

se depararem com uma cena que os feria aos olhos, por isso a proibição, através do art. 60 do

69

PROVÍNCIA DO MARANHÃO. Código de Posturas da Câmara Municipal de São Luís de 1866. São Luís,

1866. 70

PROVÍNCIA DO MARANHÃO. Código de Posturas da Câmara Municipal de São Luís de 1892. PORTO,

Augusto (org). São Luís: Typ. do Diário do Maranhão, 1910. 71

Alusão à parte do título do segundo capítulo do livro da referida autora.

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código de 1866, da construção de casas cobertas de palha dentro da cidade, mas também

cobrir novamente as que já o tiverem sido feitas com essa planta72

.

A grande maioria dos casarões de São Luís foi construída a partir do final do século

XVIII e no decorrer do século XIX, e não fazia parte de nenhum projeto, pelo que se sabe,

organizado para melhoria das condições de moradia na cidade e, consequentemente, o seu

embelezamento, apesar de na prática esses casarões talvez fossem a única beleza que a cidade

apresentasse.

As ideias de modernização e embelezamento que estavam à disposição das elites

políticas e intelectuais de São Luís, pelo que é possível depreender pelo estudo dos jornais e

da própria cidade que ainda pode ser contemplada, não se verificaram na prática, a despeito de

as cidades terem sido, em todos os países, os cenários mais espetaculares da belle époque,

com intervenções urbanísticas que modernizaram ou renovaram suas feições, “expressando a

realização dos anseios e do desejo das elites em se mostrarem progressistas e afinadas com o

gosto europeu”73

.

Não obstante essas ideias já circularem em São Luís, a cidade não passou por

transformações em sua estrutura física quando comparada a outras capitais de províncias do

império brasileiro como Fortaleza, Recife, Belém, Manaus, Rio de Janeiro, São Paulo nas

quais as mudanças visíveis eram as intervenções realizadas na estrutura e organização do

espaço urbano. Fortaleza, para citar exemplo de uma cidade do nordeste brasileiro, vivenciou

na prática mudanças na sua organização espacial, como a abertura de grandes avenidas,

praças, jardins, construção de palacetes, como escreve Sebastião Rogério Ponte ao historicizar

as transformações ocorridas na capital da província do Ceará na década de 1880:

Surgiu o Passeio Público no local, até então, da Praça dos Mártires, que foi

remodelada com implante de bancos, canteiros, café-bar, réplicas de

esculturas clássicas e 3 planos ou “avenidas” – uma para o desfrute das

elites, a segunda para as classes médias e a terceira para os populares.

Localizado no perímetro central e com ampla vista para o mar, o Passeio

tornou-se de pronto a principal área de lazer e sociabilidade [...]74

72

CORREIA, 2006, p. 28. 73

DAOU, Ana Maria. A belle époque amazônica. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000, p. 24. 74

PONTE, Sebastião Rogério. Fortaleza belle époque: reformas urbanas e controle social (1860-1930).

Fortaleza: Fundação Demócrito Rocha/Multigraf, 1993, p.35.

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50

As mudanças que estavam se processando nas principais cidades brasileiras nos idos da

segunda metade do século XIX, faziam parte, como já dissera anteriormente, do desejo que as

elites brasileiras tinham de pelo menos parecerem modernas aos seus olhos e aos dos

visitantes estrangeiros. Vale lembrar que essa concepção de criação de espaços públicos

suntuosos, imponentes e amplos teve como grande modelo o prefeito de Paris, Georges

Eugène Haussmann, quando transformou a cidade em um grande teatro a céu aberto e

inaugurou um novo tipo de vida urbana, fazendo com que homens e mulheres da burguesia

legitimassem a utilização do espaço fora da casa, e que a nobreza passasse a tecer suas

sociabilidades nesses novos espaços sem “proteção”, onde novas formas de sociabilidade e de

expressão dos sentimentos, até então recolhidos, passam a ser permitidos, pois:

Para os amantes, como aqueles de “Os Olhos dos Pobres”, os bulevares

criaram uma nova cena primordial: um espaço privado, em público, onde

eles podiam dedicar-se à própria intimidade, sem estar fisicamente sós. [...]

Poderiam exibir seu amor diante do interminável desfile de estrangeiros do

bulevar – de fato, em uma geração Paris se tornaria mundialmente famosa

por essa espécie de exibicionismo amoroso – haurindo deles diferentes

formas de alegria.75

Em São Luís, essas grandes avenidas não fizeram parte do cotidiano dos ludovicenses

que, ao contrário, continuaram transitando por ruas estreitas, becos. A cidade, pelo menos

durante o século XIX, não perderá suas ruas estreitas e não será incomodada em seu ritmo

tranquilo e pacato, incomodado por grandes obras de redefinição do espaço urbano. No

entanto, a existência de um grande número de casarões construídos na parte central da cidade,

conhecida como Praia Grande, dará aos ludovicenses daquele presente em questão, a

aparência de que a cidade, em termos arquitetônicos, estava adequada aos novos modelos de

cidade. Ao mesmo tempo, esses casarões serão a grande marca identificadora da ascendência

portuguesa de São Luís, como escreve Maria da Glória Guimarães Correia ao descrevê-los:

Um exemplo dessas novas necessidades de consumo pode ser verificado nos

sobradões que comerciantes e senhores de terras e escravos erigem na

cidade, dando origem a um conjunto arquitetônico marcado pela referência

portuguesa, onde estão presentes, dentre outros, os orientalismos por ela

75

BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar: a aventura da modernidade. São Paulo: Companhia

das Letras, 1997, p.147.

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51

assimilados. Daí os arcos em ferradura do Marrocos, as telhas de pagode

chinês e os azulejos árabes, bem como árabes também os balcões e as

varandas.76

Nos movimentos para a independência do Brasil, dentre as províncias imperiais, o

Maranhão foi uma das últimas a aderir à causa devido aos fortes laços de sangue que os

habitantes de São Luís detinham com Portugal e, principalmente, por ser a maioria de seus

comerciantes portugueses. Fato acrescido pela dificuldade de estabelecer contatos com a corte

imperial instalada no Rio de Janeiro, por causa da deficiente estrutura de transporte no

império, fatores que contribuíam para que as relações comerciais fossem mais rápidas e

vantajosas com a metrópole.

Com a aderência, como era denominada na época a adesão do Maranhão à

independência, em 28 de julho de 1823, tudo o que dizia respeito a Portugal e aos seus

costumes era rechaçado pela população de São Luís, a ponto de se criar toda uma construção

ideológica em torno do “ser maranhense” em detrimento do “ser lusitano”, porquanto

[...] A definição comunitária do “ser maranhense” foi instituída e legitimada

pelos sucessos culturais, possibilitados pelo crescimento econômico,

consagradores de um composto de escritores, os quais foram expressão

autêntica de uma estrutura social, a maranhense, a reconhecer-se como uma

totalidade, nos rebentos incomuns e originais, de si frutificados.77

A partir dessa data e durante o restante do século XIX, o dia 28 de julho será

comemorado com empolgação igual ou superior ao 7 de setembro.Vinte e nove anos após a

adesão do Maranhão à causa da Independência do Brasil, o Publicador Maranhense anuncia

que acontecerá espetáculo no Teatro São Luís:

Devendo no dia 28 do Corrente, Anniversario da Adherencia a

Independencia nesta Provincia, Haver recita extraordinária no Theatro,

adverte-se a todos os Snrs assignantes de Camarotes e Cadeiras, que

mandem buscar os competentes cartões em casa do Camaroteiro João José

76

CORREIA, Maria da Glória Guimarães. Nos fios da trama: quem é essa mulher? Cotidiano e trabalho do

operariado feminino em São Luís na virada do século XIX. São Luís: Edufma, 2006. (Coleção de Teses e

Dissertações). p. 26. 77

CORRÊA, Rossini. Formação social do Maranhão: o presente de uma arqueologia. São Luís: SECMA, 1993,

p. 103.

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da Silva até a véspera, porque no dia serão vendidos indistinctamente.

Maranhão 23 de Julho de 1852.78

Apesar de essa quase aversão, pelo menos no campo das ideias, a tudo que se referia aos

hábitos e costumes dos portugueses, ficava restrita somente ao campo dos pensamentos, visto

que grande parte da população de São Luís era composta por portugueses ou por descendentes

destes através da miscigenação com o índio e com o negro. A conservação dos costumes

lusitanos pode ser verificada a partir da leitura do artigo 58 do Código de Posturas de 1866,

que proibia “assoalhar-se roupa às janellas, ruas e praças desta cidade. Aos contraventores a

multa de cinco mil réis, e o dobro nas reincidências”, e na prática acontecia o contrário, pois o

desrespeito ao código está noticiado no jornal, que diz: “Repparamos o costume usado em

uma casa a rua 28 de Julho, lava-se roupa e vem para as janelas para enxugar. Isto é impróprio

para uma cidade”79

.

As autoridades governamentais da cidade queriam que a população adequasse seus

hábitos, já enraizados em suas mentes, assim que as posturas eram sancionadas e publicadas

para o conhecimento delas. No entanto, como o próprio redator da denúncia citada acima diz

– “era costume” – a mudança de hábitos já arraigados nas pessoas, e considerados

incivilizados, é o resultado de um processo que não acontece da noite para o dia, “diz respeito

a algo que está em movimento constante, movendo-se incessantemente “para a frente””80

, e

que em algumas circunstâncias não são assimilados.

E, com o passar dos anos, esse costume persistia. É o código de 1892 que dá essa

informação. Fato que contrariava a pretensão dos ludovicenses em serem iguais aos europeus,

ou melhor, até eram, mas não iguais ao povo considerado mais civilizado da Europa, os

franceses, e sim aos portugueses, pois, São Luís, contrariando na prática o desejo da

singularidade francesa, era uma cidade eminentemente portuguesa, seus habitantes mostravam

bem sua ascendência europeia portuguesa, ao estender seus varais de roupas pelas ruas, numa

prática que até hoje persiste em terras de Portugal. E o referido código dizia, no art. 175, o

seguinte: “É igualmente prohibido corar, enser/gar ou estender roupas nas janellas, praças,

78

DEVENDO... Publicador Maranhense, São Luís, ano 11, n 1.288, sabbado, 24 jul. 1852. 79

REPPARAMOS... Jornal Para Todos. São Luís, 7 de ago. 1877. 80

ELIAS, Norbert. O processo civilizador. Tradução de Ruy Jungman. 2. ed, Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994.

v.1, p. 24.

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lar/gos, ruas e travessas, em armadilhas, cordas, ou/ no chão, salvo nos logares designados

pela Inten/dencia. Ao infractor a multa de 5$000”81

.

Uma das grandes preocupações das autoridades municipais era a forma como a carne

era comercializada na cidade. Pelo artigo 131 do Código de Posturas de 1866, é possível

aventar que esta era vendida nos mais diversos lugares, inclusive pelas ruas, pois informa

sobre uma prática das pessoas encarregadas da distribuição da carne pela cidade, ao

determinar que: “Os quartos de carne, que forem tirados do matadouro público, só poderão ser

vendidos nos talhos designados pela câmara. Aos contraventores a multa de vinte mil réis e o

dobro nas reincidências”82

.

Como São Luís não passara por reformas na sua estrutura física, e a população

aumentava com o passar dos dias, as ruas apresentavam todas as condições propícias não só

para a proliferação de moléstias diversas, no entanto, eram consideradas perigosas não só pela

facilidade de difusão de epidemias como pela degradação moral, visto que eram os redutos

preferidos dos que apresentavam as “moléstias sociais”. E sobre a movimentação das ruas

escreve Gilberto Freyre citando La Salle ao relatar que:

[...] também os homens pouco saíam de casa. No Rio de Janeiro dessa época

talvez saíssem pouco: no Recife como em São Luís do Maranhão é tradição

que viviam quase a tarde inteira na rua. [...] Os burgueses de sobrado foram

naquelas cidades do norte do Brasil homens de praça ou de rua como,

outrora, os gregos, da ágora, ao contrário dos do Rio de Janeiro e da Bahia

que raramente deixavam o interior dos sobrados.83

O balançar dos vestidos, das calças, das peças íntimas das mulheres e dos homens nos

varais estendidos pelas ruas da cidade de São Luís, por seus moradores, não causava nenhum

problema grave, além de algum constrangimento ao se deparar com uma ceroula caindo no

rosto de algum transeunte desatento. Outras questões que envolviam a própria sobrevivência

na cidade eram mais importantes e também estavam no auge das discussões das autoridades

municipais e da opinião pública expressa nos periódicos.

81

PROVÍNCIA DO MARANHÃO. Código de Posturas da Câmara Municipal de São Luís de 1892. PORTO,

Augusto (org). São Luís: Typ. do Diário do Maranhão, 1910. 82

PROVÍNCIA DO MARANHÃO. Código de Posturas da Câmara Municipal de São Luís de 1866. São Luís,

1866. 83

FREYRE, Gilberto. Sobrados e mucambos: decadência do patriarcado rural e desenvolvimento do urbano. 14ª

ed. rev. São Paulo: Global, 2003, p. 145.

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A salubridade foi uma das grandes preocupações dos governantes da província do

Maranhão durante o século XIX. A falta de saneamento básico, ruas sem calçamento, água

sem tratamento, dejetos jogados nos rios, enfim, a cidade apresentava todas as condições para

que ela mesma se destruísse. As autoridades precisavam assumir posições claras e firmes

frente a tal estado de calamidade denunciada a todo instante pelos jornais que circulavam na

capital da província do Maranhão e pela Sociedade Philomática, pois, como:

[...] Conhecedores da moderna Ciência da Higiene; sabedores de que é

através dela que se dá combate a tudo que conspira contra a existência

humana; e sabedores também de que esse combate só é possível com a

conjunção das forças públicas com as privadas, não poupavam as primeiras,

intimando-as a assumirem seu posto na luta.84

Especificamente no Código de Posturas de 1892, a questão da higiene e da busca pela

salubridade da cidade é muito presente. Mais do que querer parecer civilizada, São Luís

queria estar livre das epidemias que tantos danos causavam à população mais pobre. É

importante lembrar que o século XX se aproxima, e com ele as ideias de modernidade se

tornam mais presentes entre os letrados menos tradicionalistas, e que queriam uma cidade

limpa, civilizada e moderna como a cidade modelo, Paris. O Título II, “Hygiene e Saúde

Pública” do referido código, continua chamando a atenção para o cuidado com a carne que era

oferecida à população e que eles pensavam ser a causadora das epidemias, que diz o seguinte:

Art. 16. É proibido expor a venda a carne/ de qualquer rez que chegue ao

Matadouro Publico, / morta ou moribunda, a juízo do medico da

muni/cipalidade, incubido desse serviço. Ao infrator/ a multa de 50$000 reis,

sendo a rez queimada ou en/terrada.85

E não era só à carne que as autoridades dispensavam atenção especial. O trabalho nos

matadouros também era regulado, para evitar que trabalhadores enfermos lidassem com o que

seria comercializado na cidade, como diz a postura:

84

CORREIA, 2006, p. 58. 85

PROVÍNCIA DO MARANHÃO. Código de Posturas da Câmara Municipal de São Luís de 1892. PORTO,

Augusto (org). São Luís: Typ. do Diário do Maranhão, 1910.

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Art. 28. Não poderão ser empregados na con/ducção e preparo a venda de

carne de pessoas que/ sofram moléstias cutâneas ou contagiosas, e não/

forem vaccinadas. Pela infracção deste artigo será/ multado em 20$000

aquelle que empregar em seu serviço pessoas em taes condições.

Parágrafo único. O administrador do Matadouro Publi/co não consentirá, sob

qualquer pretexto a estada/ dessas pessoas no mesmo Matadouro e suas

depen/dências.86

É importante observar, comparando os dois códigos, a reincidência de determinadas

práticas, pois, enquanto o de 1866 é constituído de 54 artigos versando sobre várias questões

concernentes à higiene, inclusive sobre a carne, o código de 1892 possui 35 artigos que tratam

especificamente desse produto alimentício, com o objetivo de evitar que a cidade fosse

assolada por moléstias causadas principalmente pela falta de higiene no trato e conservação

dessa carne. E essa é uma preocupação constante das autoridades e que está muito clara nas

medidas tomadas através da ratificação no código de 1892, das medidas de saneamento da

cidade, sendo essa preocupação reflexo das epidemias87

pelas quais passou São Luís em anos

anteriores, como relatou o jornal A Sentinella:

Esta semana tem estado triste e luctuosa pela maneira terrível com que aqui

exagerão o cholera – Reune-se frequentemente a comissão de hygiene

publica ... e nem isso obstou para que no dia 4 fosse attacado do mal, uma

pessoa no Lazareto. Da Ponta d‟Areia fizerão immediatamente signal para

esta cidade. O rumor foi grande na capital durante a noute, no seguinte dia

porem soubemos de accorrido, que vinha a ser, falta de água segundo nos

informou um amigo do Sr. Dr. Goes.88

E caminhando pela cidade de homens e mulheres das elites, preocupados com a saúde

dos seus pares, e com a proliferação das moléstias entre seus diferentes, os códigos começam

a tratar do transporte na capital, tendo em vista também a salubridade da população, como é

possível saber pelo art. 132, do código de posturas de 1892, que proibia aos carroceiros

empregarem em “seus serviços animaes extenuados, chagados, doentes ou famintos”, e a

condução “em carros de praça pessoas que sofram de moléstias contagiosas. O infractor em

86

PROVÍNCIA DO MARANHÃO. Código de Posturas da Câmara Municipal de São Luís de 1892. PORTO,

Augusto (org). São Luís: Typ. do Diário do Maranhão, 1910. 87

Cf. ALMEIDA, In: COSTA, 2004, p. 231-264; CORREIA, 2006, p.78 -80. 88

ESTA semana... A Sentinella, São Luís, 4ª série, n. 26, 7 de jul. 1855.

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qualquer dos casos pagará a multa de 10$000”. Assim, ser civilizado significava afastar as

epidemias ao menos da capital da província do Maranhão.

Para que a cidade se prevenisse contra o aparecimento das epidemias era necessário um

amplo conjunto de medidas que deveriam ser tomadas ao mesmo tempo. Como as já citadas

anteriormente, as ruas eram um dos ambientes mais propícios para a difusão das moléstias,

devido ao grande número de pessoas que circulavam por elas resolvendo seus negócios. Por

isso, o Código de Posturas de 1866, em seu artigo 102, no Título que trata do “Cômodo e

Seguridade”, versa sobre a limpeza das ruas, estabelecendo que:

Ninguém poderá lançar á rua cousa alguma que possa tornal-a immunda,

nem, prejudicar ou incommodar aos que nella estiverem. Aos contraventores

a multa de cinco mil reis, e nas reincidências dez; sendo o objeto lançado á

rua removido á custa dos contraventores. Se a pessoa, que incorrer nas penas

desta postura, não tiver meios de pagal-as, soffrerá então a de dous dias de

prisão.89

No entanto, apesar da proibição, a população continuava jogando lixo nas ruas,

inclusive partindo da câmara municipal, o que mostra a imensa contradição e a distância que

existia entre o discurso e a prática, e principalmente a assimilação das medidas pela

população, como relata o Jornal para Todos, através de notícia que diz: “É costume atirar-se

com cascas de frutas das janellas da câmara municipal. Há dias um amigo nosso foi victima,

cahindo-lhe uma casca de banana sobre a cabeça”90

. Vale ressaltar que, apesar de os códigos,

em essência, terem a intenção de disciplinar os modos da parte mais pobre da população da

cidade de São Luís, não é possível afirmar se foi um membro da câmara que jogou a casca. O

que salta aos olhos é a falta de uma fiscalização mais eficaz, chegando ao ponto das posturas

serem descumpridas a partir do prédio da câmara municipal, onde provavelmente não

entravam esses desclassificados, assim é provável que a ação possa ter sido praticada por

algum membro das elites.

O Código de Posturas de 1866, como dissera anteriormente, proibia que a população

jogasse lixo nas ruas, mas os redatotes do Jornal para Todos pediam que as autoridades

tomassem providências no que diz respeito à limpeza de algumas ruas: “Convidão-se os Srs.

fiscaes a visitarem o chão vasio ou por outra o chão cheio de immundicias da rua de

89

PROVÍNCIA DO MARANHÃO. Código de Posturas da Câmara Municipal de São Luís de 1866. São Luís,

1866. 90

É COSTUME... Jornal Para Todos. São Luís, 7 ago. 1877.

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Sant‟Antonio, canto da rua do Ribeirão. Garantimos não passar lá sem levar o lenço ao nariz,

se ainda tiver olfato”91

.

No que tange à salubridade pública da capital da província do Maranhão nos dois

últimos quartéis do século XIX, a limpeza das ruas será alvo de constantes denúncias, como

as já citadas anteriormente, principalmente, visando os interesses das elites dominantes em

detrimento do interesse e da melhoria das condições de salubridade da população da cidade

como um todo.

Outra preocupação das autoridades municipais era a questão da qualidade da água

ofertada à população da cidade. Os fiscais responsáveis pelas fontes públicas tinham muitas

dificuldades para impedir que os pobres e os escravos não tomassem banho nelas, a fim de

abastecer as suas próprias casas e as das elites. E sobre a água vendida na capital da província

do Maranhão, diz o Jornal para Todos que era “pessima principalmente a que vem do sitio do

Sr. Commendador Vasconcellos, que é bastante salobra”92

.

As autoridades, respaldadas pelas elites, queriam que a população mais pobre de São

Luís se adequasse aos ideais de civilidade dos quais a França era o principal modelo. Porém,

falar em civilização ou sobre civilidade, ao referir-se aos mais diversos hábitos e costumes das

sociedades, é muito complexo, pois a aplicação de tais conceitos variam de país para país, e

principalmente de sociedade para sociedade, dada a complexidade das relações humanas, uma

vez que:

a civilização compreende, pois pelo menos dois estágios. Daí a tentação

experimentada por muitos autores, de distinguir as duas palavras, cultura e

civilização, de modo que uma se carregue da dignidade do espiritual e a

outra da trivialidade do material. Infelizmente, não se chegou a um acordo

quanto à distinção a ser estabelecida: ela variará conforme os países, ou num

mesmo país, conforme as épocas, os autores.93

A despeito da necessidade de levar em conta as particularidades das sociedades e,

principalmente, da complexidade dos homens e das mulheres que as compõem ao enquadrá-

las como civilizadas ou não, é importante ratificar que, naquela segunda metade do século

91

CONVIDÃO-SE... Jornal Para Todos, São Luís, ano 2. n.3, 28 mar. 1878. 92

PESSIMA... Jornal Para Todos, São Luís, ano 2, n.3, 28 mar. 1878. 93

BRAUDEL, Fernand. Gramática das civilizações. Tradução de Antonio de Pádua Danesi, 3. Ed., São Paulo:

Martins Fontes, 2004, p. 27.

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XIX, o modelo a ser seguido era o europeu e o francês, e não importava quais as formas e

caminhos necessários para alcançá-lo. Ser igual a Paris era o objetivo das elites ludovicenses.

O pesquisador que se baseia somente pela leitura dos jornais, sem ter conhecimento da

existência dos códigos de posturas, é levado a pensar na inexistência de leis que regulassem a

vida cotidiana da população de São Luís, pois os seus redatores a todo instante reclamavam

para que as autoridades tomassem as medidas devidas, a fim de controlar seus maus hábitos.

Porém, se ocupavam justamente em denunciar o que estava acontecendo pela cidade, porque

existiam as leis, no entanto, elas não eram cumpridas. Entretanto, ainda é possível andar um

pouco mais pela cidade e perceber outra infração das posturas, como relata o Jornal para

Todos, ao tratar do ajuntamento de pessoas após o toque de recolher:

No dia 21 ás 11 horas da noite, á rua da Paz, encontramos dous indivíduos

que tocavão flauta e violão, porem tocavam com tanta graça e gosto e tão

harmoniosos estavam os instrumentos que maquinalmente paramos para

ouvir. Pouco depois aproximou-se a patrulha, e houve quem por gracejo

lembrasse a postura municipal, respondeo ella que nem todas as ordens se

cumprião.

Nestas palavras revela o quanto extaziada estava a patrulha de ouvir tão

linda musica.94

O anúncio relata que a patrulha deveria ter prendido os instrumentistas, pois já havia

passado o horário permitido para circulação de pessoas pelas ruas, mas não deixa evidente

qual era a postura infringida pelos membros do corpo de polícia da capital. Os soldados

erraram, na medida em que também pararam para ouvir a música, quando deveriam tomar

providências, fazendo dispersar as pessoas e, até mesmo prender os que faziam parte daquele

ajuntamento. Os códigos de posturas apresentam duas alternativas para pensar qual seria a

postura que os soldados descumpriram. As posturas nas quais a patrulha podia ser enquadrada

eram as determinadas pelo art. 14 ou pelo art. 94, ambas do código de 1866, nas quais lemos,

respectivamente:

Todo o que der espectaculo de qualquer natureza que sejam, no theatro,

quando não for por contracto com o governo, nas ruas, praças, ou chãos

94

NO DIA... Jornal Para Todos. São Luís, 28 ago. 1877.

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desta cidade sem licença da câmara, pagará de multa vinte mil reis, e o dobro

nas reincidências.95

É prohibido fazer vozerias, alaridos e dar gritos nas ruas sem ser para pedir

socorro ou capturar algum criminoso. Aos contraventores a multa de quatro

mil reis e vinte quatro horas de prisão.96

Há uma questão extremamente importante, para este estudo, exemplificada na ação da

patrulha em parar, ouvir e não punir as pessoas que tangiam seus instrumentos musicais

naquela madrugada. Trata-se do poder que a música tem em sensibilizar as pessoas e o livre

acesso a regiões das emoções humanas inatingíveis por palavras ou ações cronometradas. E

foi esse poder que fez a patrulha esquecer seu papel coercitivo e simplesmente parasse e

ouvisse, pois:

a música fala ao mesmo tempo ao horizonte da sociedade e ao vértice

subjetivo de cada um, sem se deixar reduzir às outras linguagens. Esse limiar

está fora e dentro da história. A música ensaia e antecipa aquelas

transformações que estão se dando, que vão se dar, ou que deveriam se dar,

na sociedade.97

Assim é possível verificar os limites que são impostos ao historiador quando empreende

uma investigação em fontes de períodos mais distantes do seu presente. Isto não é de todo

importante, até porque, com o desenvolver da pesquisa, volta e meia, ao virar uma página de

um jornal para continuar a leitura de um anúncio que seria importantíssimo para reforçar uma

ideia pensada anteriormente, ela não existe mais. No entanto, ao trazer à luz essa incapacidade

de apreender totalmente o que homens e mulheres fizeram e, muito mais difícil, pensaram,

aproprio-me das assertivas de historiadores ao afirmarem que trabalham com a ideia de

representação como “processos de percepção, identificação, reconhecimento, classificação,

legitimação e exclusão”98

, e ainda que:

95

PROVÍNCIA DO MARANHÃO. Código de Posturas da Câmara Municipal de São Luís de 1866. São Luís,

1866. 96

PROVÍNCIA DO MARANHÃO. Código de Posturas da Câmara Municipal de São Luís de 1866. São Luís,

1866. 97

WISNIK, José Miguel. O som e o sentido: uma outra história das músicas. 2. ed. São Paulo: Companhia das

Letras, 2007. p.13. 98

PESAVENTO, Sandra Jatahy. História & História Cultural. Belo Horizonte: Autêntica, 2003, p. 40.

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Tais traços [registros, sinais]99

são, por sua vez, indícios que se colocam no

lugar do acontecido, que se substituem a ele. São, por assim dizer,

representações do acontecido, e que o historiador visualiza como fontes ou

documentos para a sua pesquisa, porque os vê como registros de significado

para as questões que levanta. Estamos diante de representações do passado

que se constroem como fontes através do olhar do historiador. Mas não

esqueçamos que o historiador da cultura visa, por sua vez, a reconstruir com

as fontes as representações da vida elaboradas pelos homens no passado.100

Através das falas das autoridades municipais, das leis, das notícias e dos anúncios

veiculados nos jornais de São Luís, é possível construir uma ideia sobre os ludovicenses e

seus hábitos naquela segunda metade do século XIX, quando tentavam misturar-se de tal

forma modos de civilidade e modernidade, que terá a cidade como grande palco para esse

espetáculo encenado a céu aberto, afinal:

o urbano toma rosto e estabelece critérios de sociabilidade. [...] A

urbanização da segunda metade do século XIX tem um novo caráter: a forte

intervenção governamental que através, principalmente de melhoramentos

urbanos – acentuados na área central da cidade – tentaria transformar São

Luís num espaço mais organizado, num espaço “público”.101

Dentre esses melhoramentos, a iluminação da cidade era fator extremamente relevante,

não só do ponto de vista da claridade propriamente dita, mas principalmente a partir do

caráter símbolo que a ligava à civilidade, ao dia, em contraposição à barbárie, assemelhada à

noite, momento em que geralmente os elementos incivilizados utilizavam para exercer sua

sociabilidade e atentar contra a ordem pública vigente. Assim, a escuridão, além de ser um

empecilho para a ação da polícia em São Luís, era, para os que andavam na contramão das

leis, grande aliada. Todavia, uma cidade que pretendia ser civilizada não podia ter suas ruas,

becos e praças sem iluminação, pois esta era considerada um dos símbolos da modernidade.

Por conta disso, era protegida por lei, como especifica o código de 1866, no art. 105:

99

Palavras acrescentadas para melhor entendimento da citação, e o grifo também. 100

PESAVENTO, 2003, p. 42. 101

COSTA, Yuri Michael Pereira. Criminalidade escrava: fala da civilização e urro bárbaro na província do

Maranhão (1850-1888). In: COSTA, Wagner Cabral da. (org.) História do Maranhão: novos estudos. São Luís:

Edufma, 2004.

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Todo aquelle que apagar algum dos lampiões da illuminação da cidade, sem

que para isto esteja authorisado, pagará de multa de dez mil reis e três dias

de prisão, e quando para este fim quebrar-se algum vidro ou causar-se outro

qualquer prejuízo ao lampeão, será então o infractor preso por oito dias,

além da multa de vinte mil réis, dando-se metade d‟ella ao denunciante.102

De todas as questões apresentadas até aqui e que refletem a ideia de atraso na qual se

inseria a sociedade de São Luís, em relação aos ideais modernos de civilidade, o problema da

escravidão era um dos grandes exemplos, e evidenciava a grande distância que os brasileiros,

especialmente os maranhenses, ainda teriam de percorrer para mostrar-se civilizados, pelo

menos, na aparência. Apesar de grande parte da população conviver “tranquilamente” com a

escravidão, as práticas mais cruéis não eram toleradas em público, como estabelece o código

de posturas de 1866 no art. 99, ao proibir que os escravos andassem:

pelas ruas da cidade com gargalherias, grilhetas e outros instrumentos de

castigo e aquelles que assim forem encontrados, serão retidos por qualquer

dos fiscaes, que depois de tirar-lhes os mesmos instrumentos, os entregará

aos senhores, que pagarão a multa de dez mil réis, e o dobro nas

reincidências.103

A despeito da proibição, o redator do jornal O País noticiava que essa prática ainda

podia ser vista em São Luís, como apresenta: “disseram-nos que há dias viram um preto

conduzindo uma carroça com um ferro ao pescoço. Castigos dêstes, quando se dêm, devem

ser no interior das casas e não em público, pois é um fato que a civilização repele”104

. Não

deviam ser vistas em “público”. Este era o lema das elites e dos redatores dos jornais que

davam visibilidade aos pensamentos, pois o problema não era a corrente que feria o pescoço

desse escravo, mas sim, o constrangimento causado pela ação às pessoas das elites que

porventura cruzassem com a carroça.

As elites viviam incomodadas e preocupadas com a movimentação dos negros pela

cidade, principalmente à noite. Os escravos urbanos possuíam uma liberdade diferente da

102

PROVÍNCIA DO MARANHÃO. Código de Posturas da Câmara Municipal de São Luís de 1866. São Luís,

1866. 103

PROVÍNCIA DO MARANHÃO. Código de Posturas da Câmara Municipal de São Luís de 1866. São Luís,

1866. 104

DISSERAM-NOS... O País, São Luís, 10 jan. 1865.

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vivenciada no meio rural. Como tinham permissão para trabalhar oferecendo seus serviços

pelas ruas, sendo chamados “escravos ao ganho”, alguns até conseguiam comprar suas

alforrias. No entanto, eles não possuíam apenas autorização para trabalhar durante o dia. Em

lugares e dias determinados, eles podiam também exercer sua musicalidade e expressar sua

alegria e contentamento, mesmo em tempos de tristeza e maus-tratos, através dos seus cantos

e batuques. E, sobre esses batuques realizados pelos escravos, Lilia Schwacz cita a descrição

de Carl Seidler durante sua estada no Brasil:

Nos dias de festa também lhes [os escravos] é permitido de se entregarem

livremente a seus folguedos. Costumam então reunir-se em lugares a isso

destinados, perto das cidades, para esquecerem com a música e a dança as

penas e tristezas da semana [...] Não se pode esperar grande harmonia de

semelhante instrumental, mas os negros com ele sentem-se felizes, pois

durante essas horas têm a ilusão de serem independentes e livres.105

No entanto, as autoridades não conseguiam ou não se importavam quando os escravos

ultrapassavam os seus limites e incomodavam o sono tranquilo dos moradores dos grandes

casarões da cidade, como informa o jornal A Nova Epocha:

Noticias e fatos diversos

Continuam os bailes de pretos, contra os quaes temos pronunciado

energicamente. Nestes últimos dias tem sido elles freqüentes! Se a policia

soffresse os incommodos que causão aos moradores das rua em que se fazem

taes bailes e observasse as indecências que em taes reuniões se praticão, por

certo que não concederia licença. Rogamos ao Sr. chefe de policia que faça

cessar tão grande immoralidade.106

No mesmo jornal citado anteriormente, o incomodado com a barulheira causada pelos

cantos dos escravos e ainda mais por seus tambores, reitera sua denúncia no jornal pedindo

providências das autoridades municipais:

Noticias e fatos diversos

105

SCHWACZ, 1998, p. 277. 106

NOTICIAS e fatos diversos. A Nova Epocha, São Luís, ano 3, n. 124, quinta-feira, 8 jul. 1858.

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Ha perto de dous mezes que os habitantes desta cidade são testemunhas, nos

domingos e dias Santos, de uma reunião numerosa de pretos mascarados que

percorrem até alta noite as ruas da capital: a isso dão o nome de chegança.

Não sabemos que distração pode offerecer um espectaculo tão indecente, de

que sai actores pretos escravos? Ninguem dirá que se deleita com vel-o e

aprecial-o. Pedimos ao Sr. Dr. chefe de policia, que por amor da moralidade

publica, não permitta que continue uma cousa tão immoral.107

Finalmente, em setembro de 1858, o jornal A Nova Epocha publica o resultado das

reclamações contra os bailes dados pelos escravos durante as madrugadas na capital da

província do Maranhão:

Noticias e fatos diversos

Felizmente resolveo-se a policia prohibir o longo e immoral batuque de

pretos, conhecido pelo nome de – chegança –. Para que semelhante medida

fosse resolvida, foi necessário que os factos provassem sobejo a

inconveniência de tal concecção. Esperamos que a licção aproveite.108

Sabe-se, no entanto, que os cantos realizados pelos escravos africanos e seus

descendestes já nascidos no Brasil não eram simples ajuntamentos. Eram “estratégias”

utilizadas pelos escravos para enfrentar os dissabores da opressão. Assim, “entoar seus cantos,

dançar e tocar seus ritmos constituía uma forma de resistência do africano escravizado.

Apesar das proibições e dos castigos impostos, não pararam de promover suas

manifestações”109

.

Assim como nas notícias transcritas sobre a ação da polícia, ou melhor, da não ação ante

o ajuntamento de pessoas circulando na rua após o horário permitido pelas autoridades e,

aparentemente, era de maneira ocasional que os músicos se encontravam e começavam a

dedilhar seus instrumentos na rua, foi preciso, como o próprio redator da notícia acima expõe,

que eles fossem incomodados para que tomassem providências.

Através da análise do Código de Posturas de 1866, no seu artigo 124, é possível

depreender que o relato do morador denunciando no jornal a dificuldade que tinha para

descansar à noite estava respaldado pela lei, pois o referido artigo diz que:

107

NOTICIAS e fatos diversos. A Nova Epocha, São Luís, ano 3, n. 130, quinta-feira, 12 ago. 1858. 108

NOTICIAS e fatos diversos. A Nova Epocha, São Luís, ano 3, , n. 133, quarta-feira, 1 set. 1858. 109

FONSECA, Aleilton. Enredo romântico, música ao fundo. Rio de Janeiro: Sette Letras, 1996, p.26.

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os batuques e danças de pretos são prohibidos fora dos logares permitidos

pela authoridade competente. Aos contraventores, que serão os que fôrem

encontrados em flagrante infracção desta postura, a multa de cinco mil reis

por cada um que for encontrado, ou seis dias de prisão, quando não

satisfaçam á multa pecuniária.110

Os jornais diariamente noticiavam as contradições nas ações do corpo de política de São

Luís, pelo fato de não terem um critério mais específico para colocar as leis em prática. Em

algumas situações, cumpriam as determinações legais prendendo pessoas sem ao menos ouvi-

las, em outras, simplesmente passavam ao largo como se nada acontecesse. O Jornal Para

Todos, citando notícias de outro jornal chamado Pacotilha, traz dois exemplos observados

pelo redator do jornal: “Occupa-se a policia em cousas frívolas, não se pode cantar a noite

nem ao menos trazer um violão, é prohibido. No entanto pode-se andar armado de estoque e

rewolver”111

. E a outra, que diz o seguinte: “Prendem-se diariamente, como suspeitos,

cidadãos impassíveis pelo único fato de serem encontrados na rua alta noite, e a polícia não vê

uma malta de negros e moleques que vivem constantemente a apupar, insultar e até espancar

os infelizes Cearenses, que entre nós vem se abrigar112

”.

Os redatores do Jornal para Todos eram extremamente sagazes, pois ao relatar os fatos

acontecidos, principalmente durante as noites em São Luís, sempre utilizavam a notícia para

chamar a atenção para outro fato, como escrevem: “Conta-nos que à noite passada ia sendo

preso um individuo, só porque levava um violão na mão! Foi necessário mostrar que faltavam

nelle tres cordas, para não ser preso. É o caso de só poder transitar pela cidade armas sem

fechos”113

.

É possível reafirmar, pela análise dos códigos de posturas, que não faltavam medidas e

leis cujo objetivo principal era tornar São Luís uma cidade civilizada, moderna e com bons

hábitos. Contudo, essas medidas não eram muitas vezes seguidas, o que não quer dizer que as

pessoas fizessem o que queriam. Havia, sim, um “consenso” entre quem mandava e os que

sofriam as sanções, em que aqueles faziam de conta que mandavam e estes faziam de conta

que obedeciam, pois:

110

PROVÍNCIA DO MARANHÃO. Código de Posturas da Câmara Municipal de São Luís de 1866. São Luís,

1866. 111

OCCUPA-SE... Jornal Para Todos, São Luís, ano 1, n. 27, 10 out. 1877. 112

PRENDEM-SE... Jornal Para Todos, São Luís, ano 1, n. 27, 10 out. 1877. 113

CONSTA-NOS... Jornal Para Todos, São Luís, ano 1, n. 21, 7 ago. 1877.

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Como é bem sabido, às vezes é bem grande a distância que afasta a intenção

do gesto, do mesmo modo que a palavra nem sempre se concretiza em ato,

mas em finais da segunda metade do século XIX, o discurso oficial em torno

da cidade aponta para a preocupação de conciliar seu embelezamento com

melhorias nas condições de vida que oferece aos seus habitantes. Será, no

entanto, sempre tensa essa conciliação, pois não poucas vezes é denunciado

o privilegiamento da beleza em detrimento da bondade. [...]114

Depreende-se disso que as medidas não atingiam o efeito esperado devido à falta de

consciência da necessidade de que essas leis fossem cumpridas, ou, simplesmente, a

população pobre não queria ajustar seus hábitos aos estipulados pelos códigos, não apenas

para que São Luís estivesse inserida no contexto de “cidade civilizada”, mas principalmente

visando à melhoria das condições de salubridade da urbe, a fim de que a população vivesse e

usufruísse, com segurança, o que a cidade tinha a oferecer aos homens e às mulheres daquele

presente.

2. 5 Os jornais e a disseminação das ideias de civilidade e modernidade

É evidente que a função do jornal era transmitir as informações à população da cidade,

mesmo sabendo que a grande maioria não dispunha do aparato principal para manuseá-lo, a

leitura. Os vários periódicos que circulavam pela cidade de São Luís abrangiam todos os

temas que os ludovicenses queriam estar inteirados naquele presente. Para as mulheres das

elites que eram preparadas para o casamento e, para tanto, precisavam de informações sobre

etiqueta, vestuário e sobre literatura, a imprensa oferecia o jornal A Marmota Maranhense,

que apresentava como subtítulo – folha litterária e recreativa – dedicada especialmente a esses

assuntos. Esse periódico, de nome extremamente sugestivo, visto que se diferenciava dos

demais pela leveza de seus artigos, veiculou um denominado “As Modas” que, apesar de ser

um pouco extenso, é bastante esclarecedor do assunto que ele se intitula e das “necessidades

dos estratos femininos das elites ludovicenses”:

114

CORREIA, 2006, p. 60.

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Com licença, amáveis leitoras; queremos vos roubar algumas linhas, para

empregal-as comnosco; também queremos saber o que vai pelo mundo

fashionable a respeito de nossas modas. Assim com as vossas cinturas

perderam um pouco do seu cumprimento, as nossas casacas adquiriram o

gosto inglez, mais curtas, mas justas ao corpo e mais airosas. Não seria para

admirar que as modas dos homens continuassem no gosto das casacas e

calcas á polka, paletós-sacs, &c., tomando vulto a proporção que a sciencia

aerostatica vai fazendo progressos; mas aconteceu inteiramente o contrario:

os botões cresceram a ponto de viajarem de Madrid para Londres,

conduzindo até artilheria; e as casacas e as calças emmagreceram de uma

maneira espantosa! Nas casacas as cinturas subiram tres dedos, as abas são

curtas e estreitas, e os botões uma simples ordem de quadro. Os coletes já

não tem o eterno bico, e já muitos os beões de Paris querem abotoar o ultimo

botão, pretextando que é moda que tem sido respeitada por tempo nunca

visto nos annos do bom-tom. A respeito das calças é que se deu revolução

extraordinária total! Agora as calças são um pouco largas nas coxas, e do

joelho para baixo quase justas, com presilhas mui estreitas, presas

simplesmente por dous botões, são em tudo conformes ás que ultimamente

tem o J. Charles cortados á vista dos últimos figurinos francezes; assim

como as casacas para as quaes tem elle uma thesoura imcomparavel. Os

chapéos pouco alteração tem tido, depois da ultima moda: os últimos que

vimos são mais baixas, com a aba mais larga, e um pouco voltadas para

dentro. Eis o que de novo nas modas dos homens sobre as quaes voltaremos

ainda. C115

Através desses jornais, as mulheres da sociedade ludovicense eram instruídas sobre

como se comportar perante os seus iguais, e esse artigo, apesar de na teoria se referir aos

trajes masculinos, era mais um forma de orientar as senhoras e moças casadoiras a organizar

não só as suas casas, mas os seus futuros cônjuges. Outro ponto interessante sobre as modas

naquela segunda metade do século XIX diz respeito à articulação entre as várias esferas dos

divertimentos sociais, pois a calça masculina “à polka”, quer dizer, propícia para dançar

polka, já orientava os trajes para as noites de bailes.

Não eram somente os vestidos e as casacas que interessavam e enchiam os olhos das

elites de São Luís. Além desses utensílios e das matérias jornalísticas destinadas ao vestuário,

os produtos alimentícios também eram importados pelos comerciantes instalados na cidade e,

apesar do prejuízo que alguns comerciantes tinham com os produtos que estragavam durante a

travessia do atlântico, as elites esperavam ansiosas para usufruir as delícias proporcinadas

pelas inovações modernas:

115

C. As Modas... A Marmota Maranhense (Folha Litterária e Recreativa), São Luís, n. 27, 29 jan. 1851.

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Na era da chamada “descoberta” do povo, o termo “cultura” tendia a referir-

se a arte, literatura e música, e não seria incorreto descrever os folcloristas

do século XIX como buscando equivalentes populares da música clássica, da

arte acadêmica e assim por diante. Hoje, contudo, seguindo o exemplo dos

antropólogos, os historiadores e outros usam o termo “cultura” muito mais

amplamente, para referir-se a quase tudo que pode ser aprendido em uma

sociedade – como comer, beber, andar, falar, silenciar e assim por diante.116

Assim, o Publicador Maranhense veiculava na sua seção de anúncios, os artigos

relacionados à alimentação que, além de servirem para suprir as necessidades fisiológicas,

tinham função social importante, pois distinguiam as pessoas que podiam adquiri-las, para

ostentá-los durante um jantar ou um sarau no qual era servido um chá, contribuindo para a

distinção mesmo entre seus iguais e, principalmente, dos demais estratos da sociedade

ludovicense. A notícia diz o seguinte:

Em Caza de Francisco Autrand, tem para vender os seguintes gêneros

chegados ultimamente do Havre de Grace: – latas com Sardinhas Francezas

de diferentes tamanhos. – Ditas com Ervilhas, carnes, aves, pastis – Doce em

calda de diferentes fructas em garrafas branca. – Amendoas em frasquinhos

de libra cada hum. – Queijos da manufatura Sobralense com o formato de

inglez. – Tudo chegado ultimamente.117

As elites precisavam de artigos de luxo, hábitos, palavras, lugares que fossem comuns

aos seus pares, pois essa “cor comum”118

que esses homens e mulheres apresentavam é o que

os distinguiriam dos demais estratos da população de São Luís. E sobre essa necessidade de

utilização dos produtos que faziam sucesso na Europa, escreve com muita propriedade Jean-

Yves Mérian:

O vestir era importante, indicava a que classe social cada um pertencia e era

símbolo de civilização da mesma forma que a linguagem. Obviamente, a

roupa europeia não era adaptada ao clima tropical do Maranhão, mas era

imprescindível. Tudo em proveniência da Europa tido como superior numa

sociedade mais próxima de Lisboa que do Rio de Janeiro. Até os

mantimentos vinham da Europa: vinho, cerveja, enlatados, manteiga, peixe

116

BURKE, Peter. Cultura popular na idade moderna. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p. 21. 117

EM CASA... Publicador Maranhense, São Luís, n. 1005, 3 set. 1850. 118

BOUDIEU, Pierre. A distinção: crítica social do julgamento. São Paulo: EDUSP; Porto Alegre: Zouk, 2008.

(p. 240).

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seco... Aquela sociedade vivia na São Luís de costas para a província que

originava sua riqueza.119

Não obstante a oferta de artigos de luxo, que interessava à maioria dos homens e

mulheres pertencentes às elites, os maranhenses também tinha acesso aos novos pensamentos

a respeito do homem e da organização deste em sociedade. A partir dessa interação,

percebiam na prática cotidiana da população da capital da província do Maranhão grande

distância do almejado modelo de civilidade francês. Os redatores dos jornais geralmente eram

os intelectuais que estavam repensando a sociedade a partir do modelo europeu, sendo, desse

modo, a parte da sociedade letrada de São Luís naquela segunda metade do século XIX. Esses

homens tinham acesso aos acontecimentos pelos quais passava o velho mundo, e por isso,

reclamavam da grande disparidade entre São Luís e Paris.

Os que desejassem saber das deliberações das autoridades municipais recorriam

primeiramente ao Publicador Maranhense, denominado “folha official e diária”, de

propriedade de Ignácio José Ferreira, tendo como redator Franscisco Sotero dos Reis; se lá

não encontrassem o que procuravam, recorriam ao Diário do Maranhão, jornal dedicado ao

“commercio, lavoura e industria”, e redigido pelo Dr. Antonio Marques Rodrigues; O Globo,

jornal commercial do Maranhão; A Fé, “jornal religioso e litterario”, como o próprio redator

escreve, era agente da Igreja Católica; O Eclesiástico, jornal religioso, redigido pelo cônego

Raymundo Alves dos Santos; O Paiz, “jornal catholico, litterario, commercial e noticioso”; A

Pacotilha, jornal da tarde; O Constitucional e o Correio d’Annuncios, denominados “folhas

políticas, litterarias e commerciais”; A Brisa, A Mocidade e A Primavera, “jornais litterarios,

críticos e noticiosos”; O Formigão, “jornal critico e litterario”; A Marmotinha, “jornal jogo-

serio, litterario e recreativo”; A Imprensa, jornal político e industrial; A Moderação, jornal

político de propriedade da viúva de Manoel Pereira Ramos; O Observador, jornal político de

propriedade de Fernando Mendes de Almeida; A Nova Epocha, jornal político; Porto Livre,

“jornal político, commercial e noticioso”; A Nação, “jornal hebdomadário”, tem por

programma defender os interesses do paiz; O Artista, “jornal dedicado á industria e

principalmente ás artes”; e, talvez os mais representativos em relação aos assuntos culturais

da cidade eram os jornais A Flecha, o Semanário Maranhense e o Jornal Para Todos, este

último talvez fosse o que utilizasse o tom mais irônico e jocoso para denunciar as deficiências

da cidade e os maus hábitos da população, como pontua o próprio relator do jornal ao tratar

119

MÉRIAN, 1988, p. 15.

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do receio das pessoas em terem suas intimidades estampadas em uma das edições do jornal,

como se escreve: “passamos na terça-feira ás 10 horas da noute pela rua Gomes de Souza, e

ouvimos dizer de uma casa, onde tinha um grupo de moças á porta << não facão bulha, olhem

o Jornal para Todos >>”120

. Todos esses periódicos tiveram sua importância e relevância na

sociedade ludovicense do século XIX, por serem os jornais o meio mais utilizado para leitura

no século XIX.

E através de uma matéria publicada no jornal A Flecha é possível perceber a disparidade

entre essas ideias que circulavam na capital da província do Maranhão e as práticas cotidianas

da população, como escreve o redator da notícia:

Calculo Infalivel

Para calcularmos qual a distancia que separa o Maranhão de Paris, tomemos

por base o som. Como muita gente não ignora, o som percorre 340 metros

pouco mais ou menos por segundo no ar, na temperatura de 16 graós e sob a

pressão de 76 centimetros. É fácil, pois saber a distancia em questão, se

considerarmos que os Sinos de Corneville foram toados há mais de tres

annos em Paris e só agora os ouvimos no Maranhão.121

A influência exercida pelos jornais sobre os ludovicenses durante a segunda metade do

século XIX pode ser percebida nas crônicas dedicadas ao movimento no teatro São Luís, fato

que será explorado com maiores detalhes no próximo capítulo. Por hora, transcreverei uma

crônica publicada no jornal A Luta, na qual o redator, extremamente consciente do poder que

suas linhas tinham sobre as mentes dos maranhenses, escreveu: “O nosso silencio para com a

companhia do maestro Francisco, não tem outra significação senão a vontade de deixar o

publico aprecial-a despedido completamente de qualquer prevenção, que as nossas palavras

podessem plantar-lhe no espírito [...]”122

.

A despeito de os jornais apresentarem nas primeiras páginas as temáticas às quais

dedicariam sua atenção, na prática, aparecia de tudo nessas páginas. É evidente que os jornais

dedicados aos assuntos culturais davam pouca atenção aos assuntos do comércio, por exemplo.

Outro ponto importante a ser destacado em relação aos jornais é que dada a dificuldade de

publicação naquela época, intelectuais utilizavam as suas colunas para expressar seus

pensamentos sobre os assuntos que envolviam a vida na cidade sem correr nenhum risco, “pois

120

PASSAMOS... Jornal Para Todos, São Luís, ano 1, n. 28, 19 out. 1877. 121

CALCULO infallivel. A Flecha, São Luís, n. 26, 16 dez. 1879, p. 207. 122

O NOSSO... A Luta, n. 51, 24 jan. 1892.

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desde os anos de 1850 a imprensa gozava, no Brasil, de uma liberdade talvez única no mundo. A

utilização de testas de ferro permitia a publicação de “comunicados” sobre qualquer assunto e

qualquer pessoa, sem correr qualquer risco perante a justiça”123

. Um dos colaboradores dos

jornais A Flecha, O País, Diário do Maranhão, Pacotilha, foi Aluísio Azevedo, que escrevia

em defesa da abolição da escravatura e a favor da República.

Pelo que foi narrado até aqui, a cidade de São Luís ainda apresentava sérios problemas

de cunho urbanístico, de saneamento, de moradia a serem resolvidos pelos governantes da

capital da província do Maranhão e que eram constantemente denunciados nos jornais. Apesar

de todas essas dificuldades enfrentadas no dia a dia pelas elites, mesmo tendo alguns luxos em

suas moradias, ao abrirem suas janelas ou saírem pelas ruas para resolver alguma pendência,

deparavam-se com a disparidade entre o que conversavam durante as reuniões em seus

palácios e o que presenciavam ao circularem pelas ruas. Os intelectuais provenientes das

elites construíram à sombra de seus casarões a imagem de si e da cidade que queriam para

eles. Protegidos novamente pela tranquilidade e segurança de seus casarões coloniais, essas

elites, ao regressarem ao convívio da família, esqueciam-se do que presenciaram durante a

caminhada pela área central da cidade ao fechar as portas de suas casas e ouvirem o dedilhado

ao piano...

123

MÉRIAN, 1988, p. 104.

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3 SEGUNDO MOVIMENTO – NO PALCO DO TEATRO: MÚSICA EM CENA...

O theatro é uma consequência das faculdades intellectuaes do homem

social, cumpre que os seus sentidos se exercitem.124

São Luís, capital da província do Maranhão, nos idos da segunda metade do século

XIX, estava imersa nas ideias de modernidade e civilidade que atravessavam o Atlântico nas

bagagens e nas mentes dos jovens que iam estudar na Europa. Envolvidos como estavam

nessas ideias de inovação, os filhos das elites queriam a todo custo construir nas províncias

pequenos nichos de sociabilidades à moda europeia.

Voltando às suas cidades de origem, esses jovens entravam em choque com uma

realidade completamente diferente da vivenciada em terras do velho mundo. A partir de então,

buscam alternativas para mudar essa situação pelo menos nos espaços onde teciam suas

sociabilidades e desenvolviam seus negócios, pois “homens e mulheres modernos precisam

aprender a aspirar à mudança: não apenas estar aptos a mudanças em sua vida pessoal e

social, mas ir efetivamente em busca das mudanças, procurá-las de maneira ativa, levando-as

adiante”125

.

As elites ludovicenses, como as das demais províncias do império brasileiro, almejavam

a todo custo fazer com que seus iguais também buscassem ser ao menos parecidos com os

europeus, pois, muitas vezes, o que era mais importante no âmbito das relações sociais era

justamente a aparência. Essa cultura da aparência tinha como principal objetivo mostrar a

prosperidade das famílias, visto que:

É preciso que os vestidos de esposas e de filhas variem, de menos a mais

exuberantemente caros, e adornados como expressão, quer da constância de

status alto dos maridos e pais, quer como expressão de aumento de

prosperidade ou de ascensões socioeconômicas ou políticas ou na ocupação

de cargos ilustres dos mesmos maridos ou pais.126

124

PHYSIOLOGIA do theatro. O Globo, São Luís, n. 120, 22 fev. 1853. 125

BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar: a aventura da modernidade. São Paulo:

Companhia das Letras, 1997. p.94. 126

FREYRE, Gilberto. Modos de homem & modas de mulher. Rio de Janeiro: Record, 1987, p. 31.

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E, para forjar essa “nova pele” aos moldes europeus, os comerciantes anunciavam

regularmente nos jornais que circulavam na capital da província do Maranhão, os produtos de

luxo vindos da Europa e que eram os “últimos lançamentos”; como é possível ler no jornal

Publicador Maranhense

Souza & Irmão fazem publico que tem em sua loja na rua Formoza Nº 2 –

hum variável novo sortimento de Fazendas Francezas e Inglezas e vende

tuo por preço muito commodo por ter Loja nova, seda pura furta cores do

ultimo gosto de 900 a 1.600 rs, setim de macão puro de 2.880 a 3.840 rs,

mantas e challes de seda de cores e preços para Snra. e para homem de

2:560 a 3:840 rs, collarinhos de renda para meninos, velludo de cor para

quinzena a 2:880, franja de cores para dita, chitas do ultimo gosto, bonés

para meninos e chapeos para Snra, leques e luvas de seda [...] rendas de

seda de 400 a 1:600 rs, ditas d‟algodão, ditas de linho e ditas de seda [...].

Porisso peço a todos os respeitáveis Senhores e Senhoras que hajao de

comparecerem ou mandarem que elles lhe serão sumamente grato.127

Apesar da oferta de artigos de luxo, que interessava à maioria dos homens e mulheres

pertencentes às elites, os maranhenses também tinham acesso aos novos pensamentos a

respeito do homem e da organização deste em sociedade. A partir dessa interação, percebiam

nas práticas cotidianas da população da capital da província do Maranhão grande distância do

almejado modelo de civilidade francês.

As roupas, alimentos, utensílios domésticos e os europeus que se instalavam em São

Luís, principalmente atuando no comércio, eram símbolos de uma civilidade que as elites

queriam a todo custo desenvolver pelo menos na aparência:

o gosto é o operador prático da transmutação das coisas em sinais distintos e

distintivos, das distribuições contínuas em oposições descontínuas; ele faz

com que as diferenças inscritas na ordem física dos corpos tenham acesso à

ordem simbólica das distinções significantes. Transforma práticas

objetivamente classificadas em que uma condição significa-se a si mesma –

por seu intermédio – em práticas classificadoras, ou seja, em expressão

simbólica da posição de classe, pelo fato de percebê-las em suas relações

mútuas e em função de esquemas sociais de classificação.128

127

SOUZA & Irmão. Publicador Maranhense. São Luís, n. 1280, 7 jun. 1852. 128

BOURDIEU, Pierre. A distinção: crítica social do julgamento. São Paulo/ Porto Alegre: EDUSP/Zouk, 2008,

p.166.

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Assim, os homens e as mulheres que utilizavam esses objetos para se afirmarem perante

os seus “iguais” e diferenciarem-se ainda mais dos seus “diferentes”, iam tecendo seus laços

afetivos, reafirmando suas posições políticas, desenvolvendo suas relações comerciais, e

buscando alternativas para se divertirem. Nos dois últimos quartéis do século XIX, esses

divertimentos eram principalmente as festas dedicadas aos santos no calendário litúrgico da

Igreja Católica Romana, as apresentações que aconteciam no Teatro São Luís, os bailes e os

saraus.

Um dos indicadores dessa civilidade almejada pelas elites dominantes seria, conforme

atestam as fontes, a cidade ser munida de um teatro, por ser este símbolo de refinamento e

diferenciação social. Possuir um teatro era um dos requisitos que uma cidade deveria

apresentar para ser considerada moderna, como escreve Marshall Berman, ao tratar das

transformações físicas pelas quais Paris passa a partir de 1850: “Os bulevares representam

apenas uma parte do amplo sistema de planejamento urbano, que incluía mercados centrais,

pontes, esgotos, fornecimento de água, a Ópera e outros monumentos culturais, uma ampla

rede de parques”129

.

Essa “necessidade”, baseada numa mentalidade à moda europeia, que as cidades

deveriam ter seu teatro, fora apresentada pelo governo português ainda no século XVIII,

momento em que o marquês de Pombal, então primeiro ministro de D. José I, manda editar

alvará “aconselhando” seus súditos a terem um estabelecimento desse tipo, como diz o

decreto:

Por alvará de 17 de julho de 1771 aconselhou o governo da metrópole “o

estabelecimento dos teatros públicos bem regulados, pois que deles resultava

a todas as nações grande esplendor e utilidade, visto serem a escola, onde os

povos aprendem as máximas sãs da política, da moral, do amor da pátria, do

valor, do zelo e da fidelidade, com que devem ser aos soberanos”.130

Tendo por base essa determinação da Coroa Portuguesa, o teatro da capital da província

do Maranhão, São Luís, começou a ser construído em 1815 por iniciativa particular do

português Eleutério Lopes da Silva Varela, associado a Estevão Gonçalves Braga, e

inaugurado quarenta e seis anos após a determinação do rei de Portugal:

129

BERMAN, 1997, p. 146. 130

MARQUES, César Augusto. Dicionário Histórico-geográfico da província do Maranhão. 3.ed. Rio de

Janeiro: Cia Editora Fon-Fon e Seleta, 1970. p.595.

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Em 1817, já muito adiantado em suas obras, foi este edifício aberto com o

nome de União, recordando assim a união do Brasil com Portugal formando

o Reino Unido. Foi no dia 1 de junho o primeiro espetáculo, representado

por uma Companhia que Varela foi contratar em Lisboa, obtendo nessa

ocasião do governo da metrópole o Aviso de 3 de setembro de 1817

concedendo a favor do teatro algumas loterias anuais [...].131

No entanto, não foi somente a província do Maranhão que tentou seguir essa

determinação da metrópole portuguesa. É importante registrar que o primeiro teatro do

norte/nordeste foi erigido em Salvador, capital da província da Bahia, inaugurado em 1812 e

concluído em 1829, e denominado Real Teatro de São João, e em seguida o de São Luís,

denominado União, como já dissera, inaugurado em 1817. Este é um dado a ser considerado,

pois cidades mais desenvolvidas, do eixo referido, só terão teatros a partir da segunda metade

e final do século XIX, e também porque o Teatro continua imponente e podendo ser

contemplado por quem caminha pela Rua do Sol, no centro de São Luís.

Para ratificar a informação dada anteriormente, cito as datas de abertura dos teatros no

norte e nordeste do Brasil: Teatro Santa Isabel, em Recife, capital da província de

Pernambuco, inaugurado em 1850; Teatro da Paz em Belém, na província do Pará,

inaugurado em 1878; Teatro Amazonas, em Manaus, capital do Estado do Amazonas,

inaugurado em 1896; Teatro Carlos Gomes, localizado em Natal, capital do Estado do Rio

Grande do Norte, denominado posteriormente de Alberto Maranhão, abriu suas portas em

1898; Theatro 4 de Setembro, em Teresina, capital do Piauí, inaugurado em 1894, e o Teatro

José de Alencar, em Fortaleza, Ceará, inaugurado em 1910.

A importância que representava para uma cidade possuir um teatro como um de seus

recursos culturais atingiu indistintamente as diferentes regiões do Brasil, como relata Mario

Cacciaglia ao tratar dos teatros construídos no Brasil no século XIX:

A ópera lírica sempre foi gênero de grande sucesso no Brasil. Basta citar,

entre outros, os teatros municipais do Rio de Janeiro e de São Paulo e

aqueles esplêndidos templos, em nada inferiores aos teatros europeus, de que

quiseram dotar-se, há cerca de um século, no auge de sua riqueza, as

longínquas capitais da borracha: Belém do Pará (Teatro da Paz) e Manaus

(Teatro Amazonas).132

131

MARQUES, 1970, p.596. 132

CACCIAGLIA, Mário. Pequena história do teatro no Brasil (quatro séculos de teatro no Brasil). Tradução

Carla de Queiroz. São Paulo: Edusp, 1986.

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É evidente que o teatro inaugurado em São Luís em 1817 não tem a grandiosidade de

alguns dos teatros construídos posteriormente, mesmo sendo rico em ornamentos em sua parte

interna, pois os recursos financeiros não foram suficientes para maiores luxos. No entanto, no

decorrer dos anos e das reformas que foram realizadas ao longo do século XIX, o Teatro será

ornamentado ao último gosto.

Desde a publicação do alvará de 17 de julho de 1771, pela coroa portuguesa, várias

tentativas foram arranjadas para a construção de um teatro na capital da província do

Maranhão, mas somente com a associação de Varela e Braga, que as ideias começaram a ser

transformadas em alicerces, paredes, portas, janelas e cadeiras.

Quando os empresários Varela e Braga fizeram a solicitação ao governo da província

para a construção do teatro, planejaram o edifício com a frente para a Rua da Paz. Após os

padres da Ordem Carmelita tomarem conhecimento dessa vontade dos empresários,

embargaram a obra por considerarem uma “construção antirreligiosa”, como relata o

Semanário Maranhense, ao fazer uma retrospectiva da história do Teatro, na época já

rebatizado como São Luís:

O terreno foi aforado, a obra começada, devendo o theatro dar a frente para o

largo do Carmo, ficando cercado pelas ruas do Sol, e da Paz e pela travessa

do Sineiro, quando os Rvmos Carmelitas embargarão a obra, dando como

pretexto o ser ante-religioso elevar-se ao lado de um templo sagrado, como a

igreja de N. S.do Carmo, um templo profano como o theatro!133

Árdua foi a batalha entre os padres carmelitas e os empresários, tendo como árbitro da

questão o padre José Antônio Ferreira Tesinho, que acabou condenando Varella e Braga a

edificarem o teatro com a frente para a Rua do Sol. Essa determinação de construir o teatro

com a frente para a Rua do Sol trouxe, ao longo dos anos, sérios problemas estruturais para a

população maranhense, visto que o Teatro geralmente ficava fechado.

133

O terreno... Semanário Maranhense, São Luís, n. 16, 15 dez. 1867

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É importante lembrar que o recorte deste estudo começa em 1850 e que por isso os

primeiros anos após a inauguração do Teatro União, em 1817, não foram aqui

contemplados.134

Assim, a partir de 1850, juntamente com as notícias de espetáculos, comemorações

cívicas, eram publicadas as denúncias sobre as condições físicas do prédio do Teatro e as

medidas que deveriam ser tomadas para saná-las, como a que relatou o Publicador

Maranhense:

PUBLICAÇÕES A PEDIDO

Finalmente fechou-se o theatro União d‟esta cidade pelo seu ruinozo estado!

Mil louvores ao Snr. chefe de policia que tal ordenou, por que a continuar da

maneira por que ia talvez mui breve fossemos victimas de um

desmoronamento, e ficássemos sepultados debaixo de suas ruínas, tendo de

prantear a morte de um Pai – Irmão – Amigo...

Não nos iludamos, o theatro ameaça desabar n‟um momento, visto que por

vezes ali tem acontecido; e só quem for míope é que não verá claramente a

inclinação dos camarotes que é tão sensível que só a grande falta de

divertimentos nesta cidade fazia com que o publico comparecesse ali – e

arriscasse tão inconsideravelmente a sua existência.

E pois repetimos os nossos louvores a quem mandou fechar o theatro, porque

d‟est‟arte, nos livrou de tão eminente risco. Resta agora que se cure de

reparar convenientemente esse edifício para que possão continuar os

espectaculos; o que nunca poderá ser se não daqui a 3 ou 4 annos !!... Mas

daqui até lá em que nos divertiremos? ... Dicant Paduani.135

Os maranhenses tinham consciência da importância do Teatro, no entanto, muitas vezes

foram impedidos de frequentá-lo devido ao estado precário do prédio, como relatou a notícia.

Mesmo sabendo que era necessário fechar o Teatro para que o edifício fosse reformado, o

redator do jornal expõe sua preocupação com o fato das pessoas ficarem sem diversão durante

a reforma. Pois, como relatam os jornais consultados136

, era no interior desse edifício que os

espetáculos teatrais e musicais eram realizados, assim como também a maioria das

solenidades cívicas da província.

Apesar de o jornal noticiar o fechamento do Teatro em 1850, o Maranhão, leia-se São

Luís, não ficou sem entretenimento para os seus filhos e filhas mais diletos. A despeito de o

134

Para maiores informações sobre as récitas apresentadas e os artistas que passaram pelo Teatro, consultar José

Jansen no seu livro Teatro no Maranhão. 135

PADUANI, Dicant. Publicações a pedido. Publicador Maranhense, São Luís, n. 1004, 31 ago. 1850. 136

Os jornais analisados pertencem aos acervos da Biblioteca Pública Benedito Leite, do Arquivo Público do

Estado do Maranhão e do Arquivo do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão.

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Teatro São Luís ser o único lugar especificamente construído para ser dedicado às belas artes

que a província dispunha, mesmo antes da sua construção já existiam na cidade teatros

particulares amadores:

Assim é que, conforme registra César Marques, no correr do tempo,

surgiram alguns teatros improvisados de duração efêmera: o do Largo do

Palácio (atual Avenida Pedro II), outro em face do Quartel de Polícia (atual

Rua Herculano Parga), e um na Praça da Hortaliça (local onde está hoje o

Mercado Central). Tal como outros quadrantes do País, no Maranhão

também o colonizador luso não esqueceu a influência recebida na terra natal

que, sob o influxo do generalizado gosto pelo teatro, o teria levado a

apresentações de improvisados espetáculos com participação de amadores e

elencos ocasionais, mesmo antes desses teatrinhos.137

Nem bem o Teatro União é fechado os jornais já anunciavam espetáculo nos teatros

particulares. É importante dizer que esses espetáculos já aconteciam mesmo antes do União

ser fechado, no entanto, o seu fechamento certamente alteraria a vida cultural da cidade,

fazendo com que todos os olhares fossem voltados para as apresentações dos teatros

particulares. Assim, o Publicador Maranhense anuncia espetáculo da Sociedade Recreio

Dramático: “No dia 7 de Setembro subirá a Scena em festejo do mesmo dia

ANNIVERSÁRIO DA INDEPENDENCIA DO IMPERIO DO BRASIL, a Comedia em 5

actos – O SNR. DE DUMBIKY. E muy jocoza e aplaudida Farça – O PAR DE FRANÇA.

Principiará ás 8 horas138

”.

Rompe o ano de 1851 e as obras no edifício do Teatro continuavam a ser realizadas.

Enquanto isso, os espetáculos no Theatro Particular da Sociedade Recreio Dramático eram

anunciados regularmente nos jornais Publicador Maranhense e Correio D’Annuncios, como

veiculou o primeiro:

No dia 18 do corrente subirá a scena, por empreza de um representante, o

magnífico Drama em 5 actos, que se denomina: O Valido Sanguinario

1. Acto – A mascara da hypocrisia; 2. A fuga inesperada; 3. Firmeza e

lealdade; 4. Apparição terrível; 5. A confissão.

Terminará o espectaculo com a mui jocoza Comedia original em um acto: O

Caixeiro da Teverna. Principiará as 8 horas.139

137

JANSEN, José. Teatro no Maranhão. Rio de Janeiro, 1974, p.19-20. 138

NO DIA... Publicador Maranhense, São Luís, n.1004, 31 ago. 1850. 139

NO DIA... Publicador Maranhense, São Luís, n.1058, 13 jan. 1851.

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E o Correio D’Annuncios comunicava: “No dia 8 de Março subirá a scena o Drama em

5 actos que se denomina – AS RUINAS DE HERMANSTEIN OU ASSEMBLEA DOS

CONDES-LIVRES. Terminará o espectaculo com a muito jocosa Farça: AS REGRAS DE

ECONOMIA. Principiará as 8 horas”140

.

Assim, apesar dos temores de falta de divertimento prevista pelos redatores dos jornais

ao noticiarem o fechamento do Teatro União, na prática isso não aconteceu. Como é possível

depreender a partir das notícias citadas acima, durante todo o ano de 1851 há anúncios de

espetáculos em teatros particulares. No entanto, esses edifícios não proporcionavam aos

ludovicenses se apresentarem com a pompa e circunstância que exigia o Teatro União. Nada

se comparava a assistir a um balé, uma ópera, ouvir uma sinfonia ou participar de uma

comemoração cívica tendo como palco o referido Teatro, pois este representava um espaço de

status e distinção social que proporcionava aos seus frequentadores oportunidades para serem

qualificados como modernos, cultos e civilizados.

Além desses teatros particulares que acabaram suprindo, em parte, a insaciabilidade dos

ludovicenses em matéria de espetáculos líricos, as festas dedicadas aos santos de devoção das

irmandades ou de algum setor da sociedade maranhense eram também bastante concorridas

tanto pelos mais abastados quanto pelos menos favorecidos econômica e socialmente.

Dentre as festas oferecidas aos santos pelos homens e mulheres que compunham a

sociedade ludovicense daquela segunda metade do século XIX, talvez a mais comentada e

maiores atenções recebesse das pessoas fosse a Festa de Nossa Senhora dos Remédios. Essa

comemoração era promovida sob os auspícios dos comerciantes, por serem eles devotos da

milagrosa santa. Provavelmente por isso fosse tão grandiosa e seus preparativos começassem

meses antes com a estimulação da sociedade através dos anúncios de roupas, lenços, chapéus,

bolsas para a referida festa.

O relato mais rico em detalhes até hoje conhecido foi o escrito por João Francisco

Lisboa sobre as comemorações realizadas na ermida dos Remédios no ano de 1851. O

comentário da festa foi realizado em forma de folhetim141

e denominado Folhetim de Nossa

140

NO DIA... Correio D’Anúncios, São Luís, n. 12, 7 mar. 1851. 141

Do francês feuilleton (folha de livro), é uma narrativa seriada dentro dos gêneros prosa de ficção e romance.

Surgiu na França em 1836 e se difundiu no Brasil do segundo reinado. Era escrito de forma parcial e

sequenciada na parte inferior dos jornais. As novas aventuras dos personagens dos folhetins eram aguardadas

ansiosamente pelas leitoras(es).

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Senhora dos Remédios, publicado em um jornal daquele ano, e editado em forma de livro no

século XX. Sobre os festejos comenta Lisboa:

O povo sem distinção de classe e condições, aflui logo ao anoitecer de todos

os pontos da cidade, e ocupa promiscuamente o Largo dos Remédios, uns de

pé, outros sentados em bancos e cadeiras, uns parados, outros passeando,

aqueles fumando, estes devorando doces, estes outros simplesmente

conversando, e alguns até engolfados em silenciosa e gozosa meditação.

Cada um segundo o seu capricho.142

No entanto, apesar de essa festa ser realizada em um local público, os espaços e as

hierarquizações sociais continuavam mantidas como nas récitas apresentadas no Teatro

União, não obstante a igreja se constituir em um espaço mais neutro pelo fato de nela os

escravos poderem entrar, fato que não ocorre no teatro143

. Isso pode ser constatado pela

descrição da parte interna da igreja: “Entremos na igreja. É pequenina, e está principalmente

atulhada de pretas e mulatas; as brancas, as senhoras, a gente do grande tom, essa ocupa as

tribunas, as janelas, e até os púlpitos que das salinhas assobradadas, que estão ao lado da

igreja, deitam para o interior dela [...]”144

. Assim, entendo como Norberto Luiz Guarinello que

a festa:

envolve a participação concreta de um determinado coletivo, seja ele a

sociedade em seu conjunto, ou grupos dentro dela, com maior ou menor

expressão ou força legitimadora, distribuindo-se os participantes dentro de

uma determinada estrutura de produção e de consumo da festa, na qual

ocupam lugares distintos e específicos.145

Dezesseis anos após esse relato feito por João Lisboa descrevendo a festa de Nossa

Senhora dos Remédios, o Semanário Maranhense publica uma crônica, na qual o redator

reconhece sem nenhum constrangimento que escrevia somente por questões de cunho

142

LISBOA, João Francisco. A festa de Nossa Senhora dos Remédios. São Luís: Legenda, 1992, p. 29. 143

CARVALHO SOBRINHO, 2003, p. 48. 144

LISBOA, 1992, p. 35. 145

GUARINELLO, Norberto Luiz. Festa, trabalho e cotidiano. In: JANCSÓ, István; KANTOR, Iris (orgs.).

Festa: cultura e sociabilidade na América Portuguesa. São Paulo: Hucitec: Universidade de São Paulo; Fapesp:

Imprensa Oficial, 2001. v. 2. p. 971.

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empregatícios e profissionais, pois sabia que ninguém leria jornal com tanta movimentação no

Largo dos Remédios:

Esta chronica é só para mim, pois duvido que algum leitor caia na asneira de

ler gazetas no dia da festa dos Remédios. Se não fosse a pontualidade do

compromisso, eu protestaria contra a sahida do Semanario no dia de hoje.

Ate o entregador da folha ha-de cavaquear com a tarefa, tão extemporânea e

fora de todas as graças! Como, porem, os leitores não se occuparão comigo;

eu, imaginando-me sosinho, faço da revista semanal uma espécie de

solilóquio, e consinto que a fantazia sacuda a poeira dourada de suas azas,

sobre esta narrativa impertinente. Dizer o que, da festa dos Remédios, se

todos nós somos personagens, na grande comedia-drama, cujo derradeiro

acto se representa hoje no aprazível arraial? Vi os leitores e leitoras do

Semanario tomando parte activa nos regosijos da festividade, e ainda hoje

espero vel-os no desenlace do novenario. Em todos os lugares eu vos vi! Nos

carros do Porto, nas cadeiras da praça, na barraca do Itier, e até mesmo na

igreja! Eu penso que os anjos da terra, soa muito mais seductores que os

anjos do ceo. Confesso o meo pecado, e não peço absolvição, porque não me

arrependo d‟elle: Estou inteiramente propenso ao pantheismo e adoro o

Creador do Universo, de preferência, perante uns olhos mórbidos, e uma

face divina de mulher formosa! Todo mundo é assim e eu tive provas d‟isso

durante as noutes da novena dos Remedios, por quanto vi muito de

verdadeiro crente sem auxilio de ripancos e canaldulas, e eu mesmo dou

testemunho do facto, affirmando que orei, sem atinar com uma ave Maria.

Que festa deliciosa! Que lindos amores! E como se fica tão próximo do ceo

no meio d‟aquillo tudo! Esperemos o fim, para eterna glorificação da

magnífica festividade, que vae passar como todas as cousas boas...

Pietro de Castellamar.146

Os festejos em homenagem à Virgem dos Remédios aconteciam no mês de outubro e os

ludovicenses ainda esperariam o restante daquele ano de 1851, até que as obras fossem

concluídas e os preparativos para a abertura do Teatro se iniciassem, e todas as atenções se

voltassem novamente para os espetáculos líricos.

3.1 A (re)abertura do Teatro São Luís

146

SOBRINHO, José Joaquim M. Serra. ESTA crônica... Semanário Maranhense, São Luís, n. 7, 13 out. 1867.

Pietro de Castellamar ou Castellamare era o pseudônimo usado por José Joaquim M. Serra Sobrinho.

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O Teatro União foi inaugurado na segunda década do século XIX, mas terá seu apogeu,

no que diz respeito à frequência de companhias líricas e artistas, apresentando-se em

concertos solo, durante os dois últimos quartéis do referido século, quando passa a pertencer à

província do Maranhão e é rebatizado de Teatro São Luís, como anuncia o jornal O

Progresso:

Chegou finalmente o dia 14 de março, tão ansiosamente suspirado pelos

amadores das Belas-Artes, que em torno do edifício do teatro estacavam,

sempre que passavam pela Rua do Sol, maldizendo do íntimo da alma a

lentidão da obra, a demora da chegada dos artistas mandados contratar em

Portugal, e por fim, a tardança do tempo em trazer-nos o dia 14 [...]. Chegou

finalmente esse tão desejado dia! E o nosso teatro, mais pomposo e mais

belo depois de crismado com o nome de São Luiz, abriu de par em par as

suas portas, no meio do geral aplauso de uma população sôfrega de o ver

ressurgir do pó a que o tinham desumanamente atirado. O concurso foi o

mais numeroso e o mais lúcido que se tem visto; os camarotes, as plateias, as

varandas e as torrinhas estavam apinhadas; a satisfação era geral. [...].147

E a música voltou a soar no São Luís através da companhia lírica de Antonio Luís Miró,

que fora ensaiador de canto e primeiro pianista no Teatro São Carlos de Lisboa, vindo dar

nova vida à capital da província do Maranhão, através de “uma boa companhia dramática e aí

deu espetáculos até o ano seguinte [...]”148

.

Teatro reaberto em 1852, São Luís voltou a ver e ouvir as belas melodias à moda

italiana de Donizetti e Verdi, pois, como os ludovicenses queriam vivenciar na província uma

vida aos moldes europeus, os espetáculos líricos também seguiriam essa determinação das

elites letradas. Essa presença da música italiana nos espetáculos líricos dados no Teatro São

Luís pode ser percebida através dos anúncios dos espetáculos e do repertório que seria

apresentado, nos quais os nomes das óperas e do compositor vinham expressos.

No entanto, após a reabertura do Teatro e, principalmente, depois que a notícia da

mudança do seu nome chegou ao conhecimento da população, algumas pessoas de

notoriedade naquela sociedade não ficaram satisfeitas com tal mudança. Fato que pode ser

explicado por ainda existir entre os ludovicenses um forte apego a Portugal, mesmo após a

independência, apego este explicitado no primeiro nome dado ao Teatro, agora tirado sem

consultar a “população”, ou melhor, as elites da cidade. Dentre os que expuseram esse

147

CHEGOU... O Progresso, São Luís, 20 mar. 1852. 148

MARQUES, 1970, p. 596.

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descontentamento, está João Francisco Lisboa, intelectual renomado no Maranhão oitocentista

que externaliza sua estranheza em um folhetim publicado no jornal Publicador Maranhense,

no qual escreve:

Veja-se agora como á atrocidade do pensamento legislativo tem dignamente

correspondido às perfidias e asperezas da execução. Apossados uma vez dos

triunviros da auctoridade, não se sabe como, e nem porque modo, mudaram

o veneravel nome do nosso Theatro que da União que era, se ficou

chamando S. Luiz. Esta mudança parece ser resultado de um vasto plano que

há muito combinado, e cuja chave só o tempo nos poderá dar; mas nenhum

homem de tino tem deixado de notar com surpreza e indignação que certa

gente já não data as suas cartas senão de S. Luiz, e que de São Luíz se vão

todos os dias chamando ora as huris, ora a bahia, e agora em fim o nosso

theatro, que tinha seu nome proprio, muito bem soante ao ouvido e á moral,

já consagrado pelo tempo, e por nenhum caso merecedor de ser apagado por

um traço de penna dictatorial.149

Apesar das reclamações de João Lisboa, nada será feito na prática para que o teatro

volte a ser denominado União. Assim, no jornal O Globo dos anos de 1852 e 1853, devido à

reabertura do Teatro São Luís, em praticamente todas as edições há notícias relacionadas a

esse acontecimento. Nem sempre eram anúncios de espetáculos propriamente ditos, mas

alguma informação sobre venda de bilhetes, transferência do dia do espetáculo por causa das

chuvas ou doença de algum ator etc. E é o referido jornal que anuncia o espetáculo, com o

seguinte repertório:

THEATRO NACIONAL DE SÃO LUÍS

HOJE 3 DE ABRIL

(TERCEIRA RECITA DE ASSIGNATURA)

A PRIMEIRA REPRESENTAÇÃO DA COMEDIA EM 1 ACTO;

Huma Fidalga da corte de Napoleão

A comedia em um acto,

As Pequenas Miserias Da Vida Humana

A Opera Comica,

O BEIJO

O Sr. Lisboa cantará (em caracter) a ária da Opera de Donirretti

ROBERTO DEVEREUX

Ordem do Espectaculo

1º Huma Fidalga – 2º Ária – 3º o Beijo – 4º Pequenas Misérias

149

THETRO Nacional de São Luís. Publicador Maranhense, São Luís, ano 10, n. 1238, quinta-feira, 25 mar.

1852.

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Principiará as 8 horas150

E ainda no jornal O Globo foi veiculado o convite para apresentação da Ópera de Verdi:

Theatro Nacional de S. Luiz.

Domingo 23 de maio de 1852

(Nona recita de assignatura)

A primeira representação da comedia em 1 acto

Bernardo na Lua

A comedia em 2 actos: Pedro e Vicente

Aria da Opera de Verdi: Attila.

Pelo senhor Lisboa o dueto jocoso da opera cômica de paer.

O Mestre de Capella, pelo Sr. Assumpção e Sra. Miró.

Ordem do espectaculo:

1.º Prospero – Depois do 1º acto a Aria de Attila.

2.º Acto do Prospero – Duetto do Mestre de Capella.

Bernardo na Lua

Principiará as 8 horas.151

Esses anúncios são importantes não só como registro de que houve espetáculo nas datas

anunciadas, pois, devido à euforia causada pela reabertura do Teatro, nos dias em que as

récitas eram canceladas os jornais anunciavam, “por justos motivos não haverá recita no

THEATRO DE S. LUIZ no dia 25 do corrente mez – Maranhão 22 de julho de 1852152

”.

Servem também para comprovar se o desejo de usufruir das modas europeias também era

refletido na programação do Teatro e, principalmente, para mostrar o tipo de música que os

diletantes ludovicenses ouviam, e como esses espetáculos eram organizados.

Quando se pensa em espetáculos teatrais, sejam eles de cunho operístico, ou meramente

musical, elege-se um repertório específico, como uma sinfonia, por exemplo, no caso de

concerto sinfônico, ou uma ópera, no caso de espetáculo lírico-dramático.

No entanto, nos anúncios encontrados nos jornais oitocentistas de São Luís, isso só

ocorreu em eventos particulares, nos quais um cantor, em benefício próprio, apresenta, por

exemplo, peças de um determinado compositor. Geralmente, os espetáculos que eram

oferecidos ao público maranhense eram bastante diversificados, como é possível verificar

150

THEATRO Nacional de São Luís. O Globo, São Luís, n. 26, 3 abr. 1852. 151

THEATRO Nacional de São Luís. O Globo, São Luís, n. 40, 21 maio 1852. 152

THEATRO S. LUIZ. O Globo, São Luís, n. 58, 23 jul. 1852.

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através dos anúncios citados anteriormente. Sobre essas programações ecléticas, escreve José

Jansen:

[...] Apresentava-se em uma só noite: o drama, a comédia séria ou brejeira,

acompanhadas ou não de música e números de variedades; usava-se e

abusava-se de recursos violentos, recorria-se aos grandes lances dramáticos

que a cena comportasse como o punhal, “o veneno, o rapto de crianças, o

falso testemunho, tudo em maquinações tenebrosas”. Matava-se e gritava-se,

deixando o espectador em excitação e, não raro, em lágrimas levando-os

muitas vezes até a tomarem atitudes agressivas contra o vilão da peça, na

pessoa do artista. [...] A música, no caso, era um elemento suavizante e

portanto, de certo modo, explicava a predileção pelos vários gêneros,

conjuntamente.153

As pessoas iam ao teatro para se divertir, por isso, não era interessante sair taciturno

após o espetáculo. Alegria era o que os empresários das companhias líricas queriam ver nos

semblantes dos espectadores na saída do teatro, pois isso lhes garantiria mais lucros, através

do retorno desses homens e mulheres ávidos para distraírem-se e tecerem suas sociabilidades,

nas próximas récitas. Isto pode ser verificado pela nota que publicou o Jornal para Todos:

“Desde já pedimos ao Vicente que vá sempre adubando os seus espectaculos com algumas

comedias chistosas, do seu variado repertório”154

. Mario Cacciaglia também fala sobre essa

estratégia usada pelos empresários do teatro em exibir sempre ao final do espetáculo um

número cênico mais alegre após o desfecho, às vezes, trágico do drama apresentado:

Para aliviar o ânimo dos espectadores emocionados e perturbados pelo

drama, que era o prato principal da noite, servia-se como sobremesa uma

farsa. No Brasil, essas farsas eram quase todas portuguesas e tinham curta

duração, exatamente o tempo necessário para arrancar algumas risadas dos

espectadores[...]155

Tanto o drama quanto a comédia tinham a função de educar os homens e as mulheres

que ao teatro compareciam nas noites de espetáculo. O primeiro organiza sua trama a partir de

algum fato da realidade social, naquele momento ainda bastante influenciada pelas tendências

153

JANSEN, 1974, p. 53. 154

DESDE JÁ... Jornal para Todos, São Luís, ano 1, n. 31, 22 nov. 1877. 155

CACCIAGLIA, 1986, p. 47.

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europeias, já o segundo, procura educar através do castigo do riso156

, fazendo com que os

espectadores visualizassem seus maus hábitos e assim, pelo constrangimento, procurassem

repará-los.

Os espetáculos que constavam na programação do Teatro São Luís seguiam essa

tendência irradiada, no Brasil, a partir dos palcos da corte imperial instalados do Rio de

Janeiro, como veiculou o jornal O Globo:

Quinta-feira 16 de septembro em beneficio dos Professores da Orchestra.

Representar-se-ha o Drama trágico, e apparatoso em 6 quadros: O Amor de

um padre ou A inquisição em Roma.

Depois do Drama representar-se-ha a jocosa farça: Os irmãos da almas.

N. B. No intervallo do 1º ao 2º quadro o Sr. Lisboa cantará pela primeira vez

uma Aria da Opera Gemma de Vergi – No intervallo do 3º ao 4º quadro o Sr.

Sergio Augusto Marinho executará umas variações de Flauta sobre hum

motivo da Opera Zanetta.

– Os intervallos do Drama serão preenchidos com Simphonias escolhidas.157

A ópera era incontestavelmente predominante nos programas da maioria dos teatros do

Brasil Imperial. Mas, devido ao grande desprendimento físico e, principalmente, intelectual

que os cantores, músicos e atores utilizavam nos meses de ensaio preparando o espetáculo,

após os vários dias de récitas, esses artistas precisavam de tempo para descansar e assim

iniciar novamente a rotina de estudo das partituras, dos textos e finalmente dos ensaios.

Durante esses dias, o público maranhense era presenteado com espetáculos de prestidigitação,

circenses e de força, como o que anunciou A Flecha:

Tiroteio Conjugal

Vão dar representações no S. Luiz dous esposos colossaes, que muito

promettem. Imaginem que ella é a mulher-fortaleza e elle o homem-canhão;

acrescentem que se chamam quase Batalha e que são marido e mulher, e

concluam d‟isto que renhidos combates vamos presenciar. Contam que este

moderno Hercules mata dous bois com um socco e que sua digna esposa

depois suspende-os – os bois – com o...158

156

Cf. FLORES, Moacyr. O negro na dramaturgia brasileira: 1838-1888. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1995. p. 9. 157

QUINTA-FEIRA... O Globo, São Luís, n. 75, 21 set. 1852. 158

TIROTEIO conjugal. A Flecha, São Luís, 9ª série, n. 26, 16 deZ. 1879, p.207.

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Nesses espetáculos, em que não se exigiam comportamentos exemplares e comedidos,

os ludovicenses aproveitavam para extravasar suas alegrias e descontrações, visto que os

espetáculos circenses e de prestidigitação já traziam consigo implicatamente a ideia de fazer

os homens e as mulheres, presentes no teatro, rirem.

3.2 O Teatro São Luís e o Teatro Santa Isabel: o que se cantava aqui se ouvia lá...

São Luís, capital da província do Maranhão, não estava isolada das demais províncias

do Império, apesar da dificuldade do transporte entre as cidades naquele século XIX. Como as

ideias circulam mais rapidamente do que as pessoas e as coisas, mesmo que com dificuldades,

essa comunicação entre as províncias do nordeste imperial acontecia.

As companhias líricas que deram espetáculos no Teatro São Luís a partir da segunda

metade do século XIX, não tinham como destino primeiro nem último o Maranhão. Como o

translado dos artistas da Europa para o Brasil era extremamente dispendioso, esses

profissionais passavam às vezes vários anos longe de seus torrões gentis. Estas não são

conjecturas firmadas a partir de um dos artifícios utilizados pelo historiador, a “compreensão

com imaginação159

”. São sim, assertivas comprovadas a partir da bibliografia consultada e das

fontes analisadas.

Dentre as províncias que mantinham contatos com a maranhense estavam Bahia, Pará e

principalmente Pernambuco; contatos estes estabelecidos pelos estrangeiros donos das

companhias líricas que atuavam pelas terras do norte e nordeste do império brasileiro e

possibilitavam intercâmbios culturais entre as referidas províncias.

Dois trabalhos foram imprescindíveis para que estas felizes comparações fossem

estabelecidas: o estudo de Maria Helena Franca Neves intitulado De La Traviata ao maxixe

variações estéticas da prática do Teatro São João160

, e o de José Amaro Santos da Silva, cujo

título é Música e ópera no Santa Isabel: subsídio para a história e o ensino da música no

Recife.161

Esses dois trabalhos além de apresentarem em suas páginas personagens que

também fizeram parte da cena cultural do Teatro São Luís, também contribuíram para o

159

Cf. CARR, Edward Hallet. Que é história? 9. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2006. p.59. 160

NEVES, Maria Helena Franca. De la traviata ao maxixe: variações estéticas da prática do Teatro São João.

Salvador: SCT/ FUNCEB/ EGBA, 2000. 161

SILVA, José Amaro Santos. Música e ópera no Santa Isabel: subsídio para a história e o ensino da música no

Recife. Recife: Ed. Universitária da UFPE, 2006.

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amadurecimento das ideias sobre o teatro, os artistas e os músicos na São Luís dos dois

últimos quartéis do século XIX.

Esses artistas-músicos já começaram a atuar em linhas anteriores deste estudo. O

primeiro deles chama-se Vicente, sobre o qual se refere o Jornal para Todos162

, era o

empresário Vicente Pontes de Oliveira, responsável pelos espetáculos líricos no Teatro São

Luís no ano de 1877, e pelos indícios relatados nas fontes, possivelmente era o mesmo que

dera espetáculos anos antes no Teatro São João, em Salvador, capital da província da Bahia,

como informa Maria Helena Franca Neves:

O ator e empresário dramático Vicente Pontes de Oliveira foi o financiador

da rede de gás carbônico do S. João segundo cláusula de contrapartida do

contrato de ocupação de pauta de 1º de fevereiro de 1864, até 30 de junho de

1866, que assinou com o Presidente da Província, Manuel Maria do Amaral,

para apresentar sua companhia dramática no S. João.163

Os jornais de São Luís anunciavam aos ludovicenses espetáculo que se realizaria no

Teatro São Luís, através da companhia do empresário Vicente, como noticiou o Diário do

Maranhão:

Theatro S. Luiz

Empresa ----- Vicente

Primeira e única representação do muito conceituado drama em 5 actos,

original francez de – ALEXANDRE DUMAS FILHO – A DAMA DAS

CAMÉLIAS.

Toma parte na representação toda a companhia, sendo os principais papeis

desempenhados pelos artistas --- MANUELA LUCCI, EUGENIO E

BAHIA.

AVISO

O drama --- ESTATUA DE CARNE, irá á scena no domingo 25 do corrente,

anniversario do juramento da Constituição do Império, sendo este o

penúltimo espectaculo da companhia para o qual recebem-se encommendas

desde já.

Começará ás 8 horas.164

162

Consultar página 14, no parágrafo que inicia por “As pessoas que íam...” 163

NEVES, 2000, p. 115. 164

THEATRO São Luís. Diário do Maranhão, sábado, 17 jun. 1877.

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Mas não foi somente esse empresário Vicente Pontes de Oliveira que esteve em São

Luís e em outras províncias do império brasileiro. Da corte, instalada na província do Rio de

Janeiro, também partiram atrizes que passaram algum tempo fazendo a alegria dos

maranhenses.

É incontestável a importância artística e cultural que exerceu o Rio de Janeiro durante

todo o tempo em que a monarquia fora o poder supremo do Brasil, pois “a corte se opõe à

província, arrogando-se o papel de informar os melhores hábitos de civilidade, tudo isso

aliado à importação dos bens culturais reificados nos produtos ingleses e franceses”165

. E na

corte imperial existiu, durante a segunda metade do século XIX, um café-cantante à moda

parisiense, muito famoso em todo o Império por conta da alegria e dos belos atrativos do sexo

feminino, que se apresentava no palco do referido teatrinho. Esse café era o famoso Alcazar

Lyrique, fundado pelo francês Joseph Arnaud, e sobre tal estabelecimento escreve José

Ramos Tinhorão citando Joaquim Manuel de Macedo:

Nesse Alacazar Lyrique – “teatro de trocadilhos obscenos, dos cancãs e das

exibições de mulheres seminuas” [...] o programa da récita inaugural

anunciava entre as atrações, além do “vaudeville en um acte, de Marc

Michel e Labiche” intitulado “La Perle de la Cannebière”, pelo menos duas

cançonetas: “Adieux, M. Lamoureux”, chansonette par Mlle. Adeline e “Le

vieux braconier”, chansonette par M. Amédee.166

Mario Cacciaglia faz uma descrição do Alcazar mais distanciada e mais “isenta”, em

comparação com a visão conservadora de Joaquim Manuel de Macedo. Escreve o primeiro:

“O Alcazar tornou-se o ponto de encontro de artistas, políticos, homens de cultura, além de,

naturalmente, lugar de perdição oficial do Rio de Janeiro[...]”167

. Após o fechamento do

Alcazar, algumas dessas mulheres francesas que conseguiram estabilidade financeira voltaram

para Paris, outras ficaram no Rio de Janeiro e as demais se deslocaram para outras províncias

do Brasil. É o jornal A Flecha que relata a chegada de uma atriz francesa na capital da

província do Maranhão, para dar mais ânimo aos espetáculos dados no Teatro São Luís:

165

SCHWARCZ, 1998, p. 111. 166

TINHORÃO, 1998, p. 213. 167

CACCIAGLIA, 1986, p. 84.

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De alguns pedaços destacados da companhia Vicente fez-se uma

associação,que dá agora espetáculos no S. Luiz. Juntaram-lhe, para

apimentar, uma franceza, com um contra-veneno – Mr. Dufoux.

A franceza, que muita gente conheceo no Rio quando se chamava Theodora,

a, a, a, a, chama-se actualmente Mlle. Leonie, i, i, i, i, tem uma bôa porção

de brilhantes, quando falla abre a boca até ás orelhas e vae soffrendo uma

transformação nos cabellos que, com o clima, tem se feito amarellos.

Saudades do Deiró, ó, ó, ó, ó ...

No mais, é um exemplar, como quase todos os que para cá vem, das

mulheres do Alcazar. A mesma voz guttural nas conçonetas e os mesmos

meneios indecentes, que fazem a platéa applaudir e os paes de família

soltarem interjeições á ingleza.168

Uma das personalidades mais importantes e representativas do poder que a música

exerce sobre as pessoas, a ponto de direcioná-las a situações e lugares nunca pensados e,

inapropriados para uma mulher no século XIX, foi representado na figura de Chiquinha

Gonzaga no Alcazar Lírico. No romance escrito por Dalva Lazaroni169

, no qual uma neta de

Chiquinha Gonzaga recorda as conversas com a avó, esta conta como era o Alcazar e fala

sobre uma de suas apresentações nesse café-concerto:

No seu interior, o Alcazar apresentava uma decoração afrancesada. Vidros

biseauté em todas as paredes, entre colunas de mármore de Carrara. No meio

de cada espelho um delicado abajur, com cúpulas de linhão na cor pastel e

iluminados a gás. Um minibar, num dos mais privilegiados cantos do salão,

foi esculpido em jacarandá maciço [...]170

E sobre uma apresentação precipitada pelos amigos de Chiquinha Gonzaga, sem que ela

tivesse conhecimento prévio, em umas das vezes que esteve no Alcazar, relata Dalva

Lazaroni:

– Senhoras e senhores, o café Alcazar Lírico tem o prazer de anunciar as

presenças de dona Chiquinha Gonzaga, do senhor advogado Saldanha e do

flautista Joaquim da Silva Callado.

Os presentes não poupam aplausos. Alguns gritam, outros assobiam. E se

forma um coro, parecendo coisa ensaiada:

168

DE alguns... A Flecha, São Luís, n. 1, 5 mar. 1879, p. 6. 169

LAZARONI, Dalva. Chiquinha Gonzaga: sofri e chorei, tive muito amor. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,

1999. 170

LAZARONI, 1999, p. 78.

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– Toca! toca! toca! [...]

– Nós vamos apresentar, em primeira mão, a mais recente composição de

dona Chiquinha.

O público aplaude e quem está nas mesas do lado de fora corre para o

interior da casa. [...] Chiquinha toca piano, Callado a acompanha na flauta.

[...].171

Pelos palcos do São Luís não passaram somente francesas desbragadas e voluptuosas.

Por lá se apresentaram companhias líricas organizadas e que estavam acostumadas aos

ditames das músicas, das óperas e das operetas criadas por Offenbach172

, e encenadas e

cantadas por franceses. O Semanário Maranhense anuncia a chegada de uma companhia

francesa na capital da província do Maranhão: “Chegou o maestro Poppe. Temos na terça-

feira a estrea da companhia franceza. Les Bavards e Les pantins de Viollete são as peças da

estréia. Verdadeiros primores, essas duas operetas possuem lindos e originalíssimos pedaços

de música. Sendo bem desempenhados devem agradar muitíssimo173

”.

O maestro Jules Poppe, também anunciado como dono da companhia francesa, que

apresentou espetáculo no Teatro São Luís, já tinha dado récitas no Teatro Santa Isabel na

província do Recife. Ao que parece, o maestro Poppe esteve mais tempo em Recife do que em

São Luís, visto que, de acordo com José Amaro Silva, sua atuação fora marcante na Veneza

Brasileira:

e no mês de maio de 1867, chegou no Recife uma companhia francesa de

Vaudeville conhecida por Bouffes Parisienses, trazida pelo Sr. José Amat,

que era o novo empresário do Teatro Santa Isabel. Les Buffes Parisienses

tinha no seu elenco seu diretor Jean Charles Noury, Madame Guillemet

(soprano), Adelle Lenormand (soprano ligeiro), Mr. Julles Pope (maestro

diretor da orquestra), Evarist Ferrand (baixo cantante), Emílio Pelveil

(tenor), Noury (barítono), Emílio Claret (tenor), Ernest Tuet (barítono),

Leclec (baixo), Mr. Pelva (tenor).174

Provavelmente, os artistas que davam espetáculos no Teatro Santa Isabel da capital da

província de Pernambuco continuavam vindo também à província do Maranhão. A partir do

171

Ibid., p. 86. 172

Compositor francês nascido na Alemanha, autor de uma vasta produção de operetas (1819-1880). 173

CHEGOU... Semanário Maranhense, São Luís, ano 1, n. 21, 19 jan. 1868. 174

SILVA, José Amaro Santos da. Música e ópera no Santa Isabel: subsídio para a história e o ensino da música

no Recife. Recife: Universitária da UFPE, 2006, p. 115. Ainda sobre o maestro Poppe conferir no mesmo autor

páginas 122 e 155.

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trabalho de José Amaro S. da Silva175

é possível fazer essa assertiva. Além das dançarinas

francesas citadas anteriormente, as senhoras Thierry e Carlota, também francesas, após

apresentarem-se em Recife divertirão os maranhenses:

Não há nenhuma novidade musical, por isso que a semana finda foi toda

empregada em repetições de Orpheo as dansarinas, ultimamente chegadas do

Sul: As Senras

Thierry e Carlota estrearão hontem e reberão do publico o

mais lisongeiro acolhimento.

A Srª Carlota, apezar dos verdores da mocidade, já tem uma reputação de

boa artista dançou nos theatros da P _____ Saint-Martin e da Gaité, em

Paris: nas de Hamburgo, Marselha e Argel, e finalmente colheo muitos

louros no Alcazar do Rio de Janeiro.

A Srª Thierry tem tido uma carreira muito mais extensa e mais assignalada

de triumphos. É dispensável a enumeração dos theatros onde tem

apparecido, uma vez que se saiba já haver ella sido contratada, como

primeira dansarina, no theatro Scala, em Milão.

O dansado em que ambas estreiarão foi bastante para revelar as preciocas

qualidades de cada uma d‟ellas. Verdadeira sylphide nos volteios aereos a

Srª Thierry executou passos difficillimos, com muita graça, grande firmeza e

agilidade nos movimentos.

A mocidade e belleza da Srª Carlota suppre o que falta para que ella possa

competir com a companheira. Tambem filha do ar, arrancou calorosas

ovações pela ligeiresa dos passos, e doces meneios do corpo.

Pietro de Castellamare176

José Maria Ramonda ou Giuseppe Maria Ramonda é mais um dos personagens que

fazia a rota São Luís – Recife na segunda metade do século XIX. Depois dos espetáculos

dados no Teatro São Luís, o referido cantor e empresário lírico deu espetáculos em Recife

com outros artistas do teatro lírico-dramático177

.

O intercâmbio estabelecido indiretamente entre o Teatro São Luís e o Teatro Santa

Isabel através dos cantores que se apresentavam nos referidos palcos se deu durante quase

todas as décadas a partir de 1850, quando o teatro do Recife é fundado. Além das companhias

líricas que se revezavam nesses palcos, os artistas dessas companhias também se

apresentavam em concertos solo como o Barítono Orlandini: “O Concerto do BARITONO

ORLANDINI, cujo programma distribuido com os bilhetes d‟entrada, marcava para o dia 11

175

Cf. SILVA, 2006, p. 135. 176

SOBRINHO, José Joaquim M. Serra. Semanário Maranhense, São Luís, n. 30, domingo, 22 mar. 1868. 177

Cf. SILVA, 2006, p. 110.

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do corrente, ficou tranferido para domingo 12, á pedido de grande numero de pessoas. Os

bilhetes acham-se á venda na loja dos Srs. Duchemim & Cª”178

.

Mas não eram somente os artistas de companhias líricas que davam concertos solo nos

teatros de São Luís e Recife. Dentre esses, os Irmãos Franco se apresentaram tanto no São

Luís quanto no Santa Isabel no mesmo ano de 1867. Sobre os referidos músicos que atuavam

nos dois teatros escreve José Amaro:

Guiseppe Franco, violinista, e Agostinho Franco, harpista. Dupla de

napolitanos que esteve no teatro Santa Isabel no dia 12 de setembro de 1867.

Conhecidos como os irmãos Franco, essa dupla realizou um recital em meio

a representações dramáticas, dedicado ao Corpo Acadêmico e Comercial do

Recife. Após a apresentação, receberam dessa instituição uma medalha com

inscrições em alto relevo, sobressaindo-lhes os valores.179

Passados quase dois meses, o Semanário Maranhense publicou notícia bem mais

detalhada sobre a atuação dos irmãos Franco e a impressão que os homens e mulheres da

sociedade ludovicense presentes na apresentação tiveram dos artistas:

Já o publico formou o seu juízo acerca do mérito dos irmãos Franco, sahindo

enthusiasmado do primeiro concerto dado por elles.

Os distinctos artistas não vivem da condescendência publica e nem ficão

restando coiza alguma a grande fama que lhes rodeia os nomes.

O violinista é de grande força e de muita execução. Recomenda-se tanto pela

ligeireza e valentia da arcada, como pela expressão e sentimento com que faz

vibrar as cordas rabeca. Variações dificillimas, sobre themas importantes,

forão cabalmente executadas pelo jovem violinista, e satisfactoriamente

acompanhadas pelo irmão harpista.

O Canto da floresta, com que terminou o primeiro concerto, é uma

composição magnífica, tão bem concebida como desempenhada.

O publico chamou a scena por diversas vezes os jovens artistas, e foi

caloroso na manifestação do seo apreço. O segundo concerto, sem duvida

alguma, será mais concorrido, pois o espectaculo é digno da attenção

publica.

A companhia dramática do Sr. Vicente Pontes de Oliveira180

, começa a

segunda serie de representações com o drama Cloltilde conforme se acha

annunciado. De agora em diante ficarão as noutes mais divetidas do que

estavão, em quanto se conervava feichado o nosso velho S. Luiz.

178

O CONCERTO... O País, São Luís, n. 17, sexta-feira, 10 jul. 1863. 179

SILVA, 2006, p. 202. 180

Esta é a primeira vez que o empresário Vicente P. de Oliveira ocupa o Teatro São Luís com sua empresa

lírica. Quando ele é citado nas páginas 14 e 15, as notícias referem-se à segunda vez que sua empresa dá récitas

no teatro, para alegria dos maranhenses.

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PIETRO DE CASTELLAMARE181

3.3 O regulamento e a civilidade no Teatro São Luís

Nos dois últimos quartéis do século XIX, o teatro lírico começa a ser disseminado por

toda a sociedade europeia, pois este século foi “considerado o século áureo do teatro lírico,

que se tornara uma diversão popular em quase toda a Europa, especialmente na Itália, Paris e

Alemanha. No Brasil, tornou-se uma paixão elitista”182

. No entanto, essas elites ainda não

estavam acostumadas aos ditames desses eventos de grande gala. Desde o momento em que o

teatro fora aberto, algumas normas foram criadas para disciplinar os espectadores de acordo

com as necessidades vivenciadas no dia a dia das récitas dadas no São Luís. Como o teatro

passa a ser um dos espaços mais importantes para o desenvolvimento das sociabilidades

burguesas, possibilitando aos homens e, principalmente, às mulheres frequentarem “juntas”,

no entanto, “separadas”, pelas convenções sociais, um espaço ainda desconhecido pela grande

maioria da população elitizada, que dirá a mais desvalida socialmente. Por isso, será

necessário dotar essa casa de espetáculos com regulamentos delimitando os espaços das

pessoas que a ela compareceriam.

No ano de 1852, um dia antes da reabertura do Teatro depois de uma grande reforma, o

jornal O Constitucional, na edição do dia 13 de março, publica o regulamento para a polícia

interna do Teatro, instituído por lei de 2 de setembro de 1851 e contendo onze artigos. Estes

versavam sobre a venda dos bilhetes para os espetáculos, os lugares que cada um deveria

ocupar dentro do edifício, sobre o acompanhamento de pessoas livres com seus escravos e o

comportamento durante as récitas.

O artigo primeiro dava as instruções aos interessados em assistir as récitas que, desde as

9 horas da manhã até às 8 horas da noite os bilhetes estavam à venda no salão do Teatro e os

bilhetes dos assinantes, por serem pagos adiantados, já estavam em mãos dos seus respectivos

donos. Já o artigo segundo ratifica a importância do ingresso, sem o qual ninguém poderá ter

acesso ao interior do São Luís, mesmo os que tinham seus camarotes.

O artigo terceiro talvez seja o mais representativo sobre a mentalidade das elites

ludovicenses naquele presente, no que diz respeito à escravidão do negro africano. Naquele

181

SOBRINHO, José Joaquim M. Serra. JÁ O... Semanário Maranhense, São Luís, n. 10, domingo, 3 nov.

1867. 182

NEVES, 2000, p. 157.

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ano, apesar de as ideias liberais já circularem pelas províncias brasileiras, inclusive por São

Luís, o pensamento predominante nos círculos das elites era o que “considerava a escravidão

[...] de um ponto de vista mais pragmático, pois o progresso e sustentação do país dependiam

do regime de trabalho escravo”183

. Assim, era proibida a entrada de escravos dentro do Teatro.

A presença deles seria dissonante durante os espetáculos. Adentrar no Teatro era como estar

em mundo completamente diferente do dia a dia e onde a escravidão causava constrangimento

aos presentes.

Outro aspecto importante que esse regulamento traz sobre as pessoas que passariam a

frequentar o Teatro, após a reabertura em 1852, era o comportamento inadequado nos

espetáculos líricos, como diz o artigo quarto do referido regulamento:

He licito das signaes de approvaçao ou desapprovação durante o espectaculo,

sem contudo se perturbar a ordem, e tranqüilidade por meio de voserias,

algasarras, ou assuadas. A comissão administrativa por si, ou aquelle

membro d‟ella que estiver encarregado da direção, e policia da casa

n‟aquella noite poderá impor silencio, ou mandar sahir do theatro o

perturbador, ou perturbadores.184

Esse regulamento é também de grande importância na leitura de como estavam as ideias

das elites “ilustradas”, responsáveis por pensar as leis concernentes ao tratamento dado aos

escravos que, pelo artigo terceiro, eram proibidos de entrar até mesmo nos corredores do

Teatro. Apesar dessa regulamentação estabelecendo as ações permitidas dentro do prédio e

principalmente durante os espetáculos, já a partir de 1852, vinte e um anos depois, o Diário

do Maranhão publica o seguinte:

Policia do theatro – É uma casa em que apezar dos regulamentos, apezar de

estar n‟um camarote a policia, nas noites de espectaculo, não ha, como se

costuma dizer – rei nem roque – cada um faz o que quer. As famílias, que

nos intervallos vem tomar fresco ficam suffocadas pelo fumo de charutos e

cigarros apreciados com a maior sem-ceremonia pelos fumantes; alem de

enxovalharem os vestidos no cuspo que inunda o sobrado; deste ou d‟aquelle

camarote um menino deita os pés para fora da grade com o propósito de

provocar a platéa, esta não se faz esperar, grita, bate, e até insulta, é um

verdadeiro inferno, que todos ouvem, todos vêem quem é o provocador

menos a policia para lhe pôr cobra. No domingo um individuo alto, que

183

SALLES, 1996, p. 88. 184

Regulamento para a polícia interna do Teatro, art. 4º, O Constitucional, São Luís,13 mar. 1852.

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parece tinha sacrificado a Bacco, entrava nos camarotes de chapeo na cabeça

sentava-se de costas viradas para a platea, esta, na forma do costume gritava

que atroava os ouvidos, até que o homem se retirou porque quis, ao passo

que a policia conversava tranquilla no seu camarote. Não sabemos se é do

regulamento do theatro andar-se descoberto no salão do mesmo, é porem de

boa educação assim proceder. Repugna ver magotes de moços ahi, nesse

lugar onde as famílias passeiam ou descançam, andarem de chapeo na

cabeça e as vezes com modos bem pouco commedidos, esquecendo-se de

que estão n‟uma sala embora seja no theatro. Felizmente a esta regra ha

ainda muitas e honrosas excepções. Não é raro ver no meio dos cubertos um

outro individuo, que não esquecendo a educação que lhe deram, e fiel aos

preceitos de civilidade, passeiam de chapeo na mão e com o commedimento

exigido n‟um lugar onde estão senhoras.185

A notícia acima entra totalmente em choque com as determinações do regulamento de

1852, visto que os homens e as mulheres presentes nas noites de espetáculos se comportavam

como se estivessem em suas casas, esquecendo que o teatro era um espaço público, mas onde

havia regras para o bom andamento das récitas.

Os redatores dos jornais que se ocupavam em comentar o que de melhor e de pior

acontecia durante os espetáculos líricos foram relatando ao longo do tempo o comportamento

dos frequentadores do Teatro São Luís. Não se pode afirmar que todos se comportassem mal

durante as récitas, no entanto, o que chamava mais a atenção era justamente o comportamento

inadequado da maioria dos espectadores que se encontrava no Teatro, como bem o mostra

uma severa reprimenda publicada no jornal A Flecha. Dirigindo-se à “Illustrissima platéa

geral do S. Luiz”, escreveu o crítico:

Tu gosas de certa famasinha de entendedora, de illustrada, de rigorosa e de

não sei que mais; e entretanto és a primeira em desmentir a tua

famasinha.Corres ao teatro em massa, pressurosa, ávida ; enches os tresentos

logares litteralmente, amarras o teu batalhão de lenços com um cuidado

minucioso. Bem, tudo isto prova muito em teu favor. Para que, pois, ó

illustrissima platéa geral! Tu desabas n`um borborinho de riso picado de

notas de trompa desafinada nos lances mais patheticos e justamente quando

o resto dos espectadores sente desejo de chorar?

Tem um pouquinho de paciência; espera pela comedia final e riras então a

teu gosto.

Toma sentido, illustre paltéa, comporta-te, do contrario chamo-te uma coisa

muito feia.

Quando a geral ri, o paraíso e a quarta ordem fazem coro, conversam em alta

voz e interrompem o trabalho.186

185

POLÍCIA do Theatro. Diário do Maranhão, São Luís, 16 set. 1873. 186

ILUSTRÍSSIMA platéia geral do São Luís. A Flecha, São Luís, ano 1, n.14, 5ª série, jul. 1879.

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Um ponto importante a destacar é que, naquela segunda metade do século XIX, grande

parte da população de São Luís não era letrada. Essa situação não era verificada somente entre

os pobres da cidade, pois entre as elites econômicas existiam também pessoas que não

detinham o conhecimento da língua escrita, verificado principalmente entre as mulheres, a

quem durante muito tempo fora vedada a instrução. Fato que fica claro através da notícia

supra, visto que não eram somente os pobres que se comportavam mal e sim a quase todos os

presentes, estando nos camarotes ou no paraíso. Passados alguns anos, os redatores dos

jornais reclamavam contra a falta de conhecimento da maioria dos ludovicenses no que diz

respeito ao teatro lírico, como veiculou o jornal A Flecha:

A geração maranhense de hoje nada pode dizer respeito a teatro lyrico. Uns

teem no fundo da memória uma vaga recordação da ária final da Traviata,

ouvida entre dous cochillos no collo da mamá; outros apenas por tradição

sabem que a Remorini cantava ou que o Maringelli era bom pintor. D‟ahi

certo prurido que se nota nas melhores rodas, d‟ahi o desejo que a

assignatura aberta pelo Sr. Passini vá além... de assignatura. Por falta de

apoio publico não seja a duvida: a companhia pode vir com a certeza que

não vem debalde porque é esperada e até desejada. Resta saber se virá. Se

vier, quebra uma caveira de burro. Porque isto é uma verdade – ainda não

conseguio vir ao Maranhão uma companhia depois de ter ido ao Pará. O

Vicente sempre vae promettendo voltar mas não volta: a companhia Boldrini

veio de lá desmantellada: a Emilia Adelaide foi aquella desgraça: o Sampaio

também vio fugirem as andorinhas. Ora eis ahi porque nos parece que a

companhia lyrica, assignada, esperada, desejada, nos deixará com agoa na

boca. Enfim, não sejamos propheta de máo agouro.187

Nessa notícia, o redator deixa extravasar toda a sua subjetividade através da memória

dos anos felizes de espetáculos líricos no Teatro São Luís. Cita os nomes dos empresários das

companhias líricas e a vontade que eles retornem e façam com que as sensações trazidas

somente pela memória sejam vivenciadas novamente na prática.

Além das frações de elite que eram as primeiras a reservar seus camarotes e cadeiras, os

pobres também se esforçavam para ir ao teatro e, em algumas circunstâncias, os que

frequentavam a torrinha, também conhecida por paraíso, recebiam cortesias para assistir a um

espetáculo lírico, como noticiou o Jornal para Todos, ao relatar as impressões de uma dessas

187

COMPANHIA lírica. A Flecha, São Luís, n. 43, v. 2, 3ª série, 12 ago. 1880.

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pessoas que compareceram ao Teatro São Luís: “Um mulher de feira assistia a um

espectaculo grátis na Opera, ouvindo o côro, bradou: Olhem que canalhas! Como o

espectaculo é de graça estão cantando todos a um tempo para acabar mas depressa”188

.

Essa notícia é muito significativa a partir da perspectiva de que não era interessante

estar num teatro, “que era muito grande e podia acomodar mais de seiscentos

espectadores”189

, somente com alguns camarotes ocupados e parte da plateia. Os pobres eram

importantes não só economicamente, mas também para dar mais alegria e encher o teatro.

Ainda sobre o mau comportamento da plateia, que não é possível depreender se o redator

fazia referência diretamente aos ocupantes da torrinha ou a todos os presentes, o redator da

coluna Flechadas, do jornal A Flecha, tece o seguinte comentário: “Não tem posição definida

a nossa platéa. Que pateie o desbragamento da francesa, faz muito bem, está no seu direito, e

até foi pouco. Mas também é de máo gosto applaudir os equívocos das commedias, pouco

fiscalisadas por quem se incumbe de examinal-as”190

.

Nos jornais analisados não encontrei referências ao claque e aos apateadores, comuns

nos teatros do século XIX, e que serviam para ensinar às demais pessoas presentes nos

espetáculos a hora certa para aplaudir, tendo como introdutor dessa prática nos teatros

públicos da Bahia, da Corte e do Recife o empresário Clemente Mugnai. O claque “era uma

plateia paga para aplaudir ou apatear (vaiar, segundo prática surgida no começo do século, no

Ópera de Paris), para que o público soubesse aplaudir no momento indicado, a fim de não

interromper o espetáculo, aplaudindo nos lugares errados [...]191

”.

Apesar de todas essas dificuldades para conseguir a concentração necessária a fim de

apreciar na medida certa os espetáculos líricos, existiam sim frações das elites que

compareciam ao teatro não apenas para verem e serem vistos, mas também para ouvir as belas

óperas apresentadas. É possível asseverar isso através das crônicas teatrais que eram

veiculadas nos jornais Semanário Maranhense e nas seções dedicadas ao Teatro no jornal A

Flecha.

3.4 O Semanário Maranhense e A Flecha: o movimento teatral em perspectiva

188

UMA mulher... Jornal Para Todos, São Luís, ano 2, n. 3, 28 mar. 1878. 189

CACCIAGLIA, 1986, p. 40-41. 190

NÃO tem... A Flecha, São Luís, ano 1, n. 2, mar. 1879, p. 14. 191

NEVES, 2000, p. 188.

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Os jornais eram os principais meios de divulgação das ideias e também de tudo o que

acontecia na sociedade maranhense. O movimento cultural não passava despercebido,

principalmente no Semanário Maranhense e em A Flecha, pois o corpo editorial desses

periódicos era composto por homens que cultuavam as letras e eram pessoas notórias na

sociedade ludovicense e, talvez por isso, utilizavam pseudônimos para assinar suas colunas. O

Semanário Maranhense tinha como fundadores Gentil Homem de Almeida Braga, que

assinava Flávio Reimar, Celso Magalhães, Francisco Sotero dos Reis, que assinava

Nicodemus, F. G. Sabas da Costa, que assinava Golondron de Bivar, e José Joaquim M. Serra

Sobrinho, que assinava Pietro Castelamare. Como colaboradores, Antonio Marques

Rodrigues, que assinava Rufo Salero, Antonio Henriques Leal era Judial de Babel-Mandebe,

Caetano Cantanhede era Rufo Orloff, Francisco Dias Carneiro era Stephany Van Ritter,

Raimundo Filgueiras era Pedro Botelho, e Trajano Galvão de Carvalho era James Blumm192

.

No jornal A Flecha escreviam Celso Magalhães e Manuel Bethencourt, que tiveram a

ideia de criação do jornal. Ao redor deles se uniram Paula Duarte, Eduardo Ribeiro, Agripino

Azevedo, João Afonso do Nascimento e Aluísio Azevedo, que escrevia com o pseudônimo

Pitrybi. Como essa era a elite pensante do Maranhão oitocentista, esses dois jornais se

diferenciavam dos demais na organização das matérias e nas veementes denúncias aos atos e

costumes que eles acreditavam destoar do ideal de modernidade, civilidade e refinamento.

O Semanário Maranhense possuía duas colunas dedicadas aos espetáculos realizados no

Teatro São Luís, denominadas Revista Theatral e Chronica Interna e, por conta disso, se

constitui como uma fonte de grande importância para a análise do movimento teatral na

capital da província do Maranhão. Assim, na coluna escrita por Joaquim Serra, as récitas, o

desempenho dos artistas e o comportamento da plateia eram presenças constantes. E desse

modo comentou o espetáculo dado pela companhia francesa do Sr. Noury:

A compahia franceza, levando a scena uma das mais applaudidas

composições do repertório da Opera-Comique, testemunhou o grande desejo

que tem de agradar ao publico maranhense. O Chalet, essa obra prima de

Adam, foi ouvida com justificado interesse, por isso que é uma opera rica de

inspiração, de harmonia e de sciencia muzical.[...] A sua execução em nosso

theatro correo como não era de se esperar, seja isto dito sem offensa dos

artistas. N‟estes casos a surpresa é que serve de elogio.

Pietro de Castellamare193

192

JANSEN, 1974, p. 113. 193

SOBRINHO, José Joaquim M. Serra. A companhia... Semanário Maranhense, São Luís, n. 25, 16 fev. 1868.

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Através das crônicas do Semanário Maranhense também é possível saber como estava a

cidade naquele presente, visto que o autor da coluna geralmente comentava fatos que

aconteciam depois da calçada do Teatro, prática que dificulta a decodificação das

informações, pois, ao resumi-las, existe o risco de perder o tom jocoso, irônico, emotivo, que

faz parte das escritas desses colunistas, e ao mesmo tempo não há como transcrever crônicas

de quase duas páginas, dada a riqueza de detalhes; por isso cito apenas um pequeno trecho da

referida crônica:

O inverno194

e o theatro estão rivalisando de zelo nas saudades da despedida.

Quazi que se não faz outra couza entre nós senão ver a chuvas e as

representações do S. Luiz. Como dois velhos, que são, o inverno e o theatro

converteram-se em duas crianças chorosas. O primeiro derrama tonéis de

lagrimas sem sal, que só produzem rheumatismo; o segundo expreme uma

lagrimas salgadas de philantropia, que só produzem dores de cabeça nos

recebedores de bilhetes [...].

F. Reinar195

Por essa notícia é possível ainda verificar que esse foi um período de grande

movimentação no São Luís, visto que o redator compara a quantidade de chuva com as

apresentações líricas dadas no teatro da capital maranhense, e também como as chuvas têm

um período do ano em que são mais constantes, no teatro não será diferente. Em outros

momentos, os periódicos que circulavam na cidade comentarão a exiguidade dos espetáculos

líricos, como o fez o jornal A Nova Epocha: “O nosso Theatro vai ainda de quando em

quando gemendo com concertos musicaes; e pelo beneficio, que se deu no sabbado a Srª

Condessa Maffei, a concorrência do público fez lembrar os dias felizes da Empreza”196

.

Passados alguns anos, é o Semanário Maranhense que trata sobre a morosidade da

movimentação cultural na capital da província do Maranhão, principalmente no seu palco de

maior prestígio, o Teatro São Luís, devido à passividade da sociedade maranhense que,

contrariando a fama de anos anteriores, não lhe dava muita atenção:

194

Cf. LOPES, Raimundo. Uma região tropical. Rio de Janeiro: Fon-Fon e Seleta, 1970. p. 45. 195

REINAR, F. O inverno... Semanário Maranhense, São Luís, n. 42, 14 jun. 1868. 196

O nosso... A Nova Época, São Luís, ano 3, n. 106, 16 fev. 1858.

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Esta chronica vae em forma de telegramma, e de telegramma choccho. A

semana foi muito estéril. Alphonse Karr diz que o publico é o único culpado

das semanas estéreis. Eu concordo com Alphonse Karr. Peço ao respeitável

publico, que obrigue esta terra a ficar menos monótona.

Quando Neptuno quer acalmar as ondas, derige-se aos ventos e não ao mar.

Eu quero semanas mais interessantes: derijo-me ao publico.

O que seria de mim se não fossem os irmãos Franco, fornecedores da única

noticia que achei para a chronica? Era capaz de não fazer nada. E era bem

feito.

Enfim os irmãos Franco dão hoje o primeiro concerto de harpa e violino. É

de presumir que já estejão tomados todos os bilhetes do nosso theatro.

A fama dos concertistas é immensa, e o programma do divertimento muito

variado.

O Semanário espera poder registrar o triumpho dos illustres artistas.

PIETRO DE CASTELLAMARE. 197

Assim como o Semanário Maranhense, o jornal A Flecha também separava uma coluna

dedicada somente para o comentário das apresentações dadas no Teatro São Luís, no entanto,

o tom que os redatores deste periódico usavam para descrever e julgar se a apresentação do

espetáculo fora boa, era mais direta e abrasiva que os do Semanário. Essa forma de comunicar

aos leitores que ainda não tiveram a oportunidade de assistir aos espetáculos variava no

conteúdo e na forma segundo a posição do órgão de imprensa em que se exprimiam as ideias,

e segundo a distância maior ou menor do crítico e de seu público ao polo burguês198

, como é

possível ler na notícia:

THEATRO

Exigir do chronista alguma cousa sobre Os Milagres da Virgem apparecida

equivale a dizer-lhe: troque a penna por uma bengala e dê bordoada de cego.

Effetivamente e peça que tem atrahido ao S. Luiz em peso, nenhuma face

apresenta pela qual se torne digna de recommendação. Como obra teatral,

nada mais inútil, mais pernicioso, mais estúpido. Pôr no palco cousas

sobrenaturaes, milagrinhos ridículos e inadmissíveis é fazer o povo ignorante

recuar muitas léguas nas trevas da ignorância e consideramos criminosos o

autor e o empresário que praticam semelhante attentado e cúmplices as

autoridades que o toleram. A parte milagrenta, os Milagres são uma estopada

indigesta que transporta para o Brazil, felizmente povoado depois de cheio o

Kalendario, os tempos felizes em que os santos appareciam e os cachorros

traziam lingüiças ao pescoço. A Flecha sente um pesar indescritível em não

conhecer de perto o feliz autor d‟essa monumental obra dramática.

Quizeramos abraçal-o por aquelle portentoso achado da santa pescada e pela

197

SOBRINHO, José Joaquim M. Serra. ESTA crônica... Semanário Maranhense, São Luís, n. 9, domingo, 27

out. 1867. 198

BOURDIEU, 2008, p. 219.

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habilidade com que embrulhou o seu enredo de forma tal que será um

milagre comprehendel-o alguém.199

Nessa notícia, o redator toca em um ponto importante que as elites buscavam

desenvolver entre os seus iguais e na sociedade como um todo, que era o ideal de civilidade.

O grande defeito do que o espetáculo apresenta aos espectadores é justamente incentivá-los à

ignorância e à perniciosidade já inata nos mais desvalidos sociais, pois o “teatro foi o meio

utilizado para serem ensinados os valores humanos, os costumes de todos os povos, as

doutrinas do desenvolvimento, faculdades essenciais do homem; isso através dos textos

dramáticos e das criações líricas”200

.

Outro ponto importante e que as crônicas dão indicação é que em São Luís, apesar da

maioria da sociedade viver à custa da fama de uns poucos homens e mulheres que se

destacavam nas letras, já existia na capital da província do Maranhão homens cultos e

conhecedores dos aspectos principais de afinação, de classificação vocal, e também dos

enredos das óperas. Este último dado talvez seja mais importante do que o conhecimento

musical, pois as óperas aqui encenadas ainda não tinham nem cinquenta anos de compostas e

esses críticos ainda jovens já as conheciam, e os aspectos musicais propriamente ditos não

passavam despercebidos. O jornal A Flecha apresentou a seguinte nota sobre o trabalho vocal

dos artistas da companhia do Sr. Sampaio durante o espetáculo:

As artistas do grupo provisório já eram nossos conhecidos, excepção do Sr.

Eduardo Alvares – uma novidade, e o do Sr. Silva – uma nulidade de faces

rubicundas e vícios de pronuncia. O Sr. Eduardo possue certas qualidades

boas que chamam a attenção – boa presença, um todo sympathico, um metal

de voz doce e commovente principalmente quando chora, porque o choro é a

sua melhor habilidade artística. Desgraçadamente estas qualidades são

obscurecidas pelos senões seguintes: Uma fraqueza natural da larynge que

não lhe consente erguer a voz ao diapasão exigido nas scenas violentas, nos

transportes, nas exaltações e nas exclamações: um acanhamento que o

compromette toda a vez que é necessário o jogo rápido, largo, o movimento

desembaraçado: uma cantilena desagradável, uma toada uniforme no final de

cada phrase.

N‟estas condições e demais a mais contrascenando com collegas que o não

auxiliam, a primeira figura do grupo provisório do Sr. Sampaio fica abaixo

da espectativa.[...]

Binocolin201

199

THEATRO. A Flecha, São Luís, v. 2, n. 46, 4ª série, 9 out. 1880. 200

SILVA, 2006, p. 53. 201

BINOCOLIN. As artistas... A Flecha, São Luís, v. 2, n. 44, 21 set. 1880, p.59.

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O sr. Eduardo possui um grande defeito, de acordo com o redator na notícia, que é a

incapacidade de alcançar a nota na altura correta. Para um cantor, é um grande defeito sim,

pois seu instrumento são as pregas vocais, assim, se não consegue ao menos emitir as notas

corretamente, a “boa presença” certamente não compensará essa debilidade.

No tempo em que escrevem os redatores do jornal A Flecha, o teatro São Luís estava

sob a responsabilidade de A. R. Sampaio, empresário lírico que estreou no teatro em 1879.

Sobre o desempenho dos artistas na peça Jorge Montanhez, também apresentada pela

companhia do sr. Sampaio, escreve A Flecha:

[...] Ao Sr. Antonio não sabemos de que, e que desempenhou a parte de

Pedro, os nossos cumprimentos pela boa disposição que revelou para a

scena. Bôa comprehensão do personagem, entonação apropriada, gesto

soffrivel, tudo isto revelou no seu pequeno papel o Sr. Antonio, no grão

compatível com a sua pouca pratica. Desejamos que o novo actor tome esta

nossa opinião na sua verdadeira intenção – como incentivo e não como

elogio.

A Flecha já mais de uma vez tem tido ensejo de saudar os esforços de d.

Rosa da Silva. Da execução que a jovem actriz deu ao papel de Diana de

Rione transpareceu estudo, appliação, força de vontade e intelligencia.

Nutrimos uma esperança sincera de fazer um dia n„estas nossas chronicas

theatraes a consagração final do talento de d. Rosa como artista consumada.

[...]

Binocolini202

Que o sr. Antonio tome a opinião do redator da notícia “como um incentivo e não como

elogio”, essa é a grande chave para o entendimento da maioria dos comentários escritos nas

colunas do jornal A Flecha. Para deixar os artistas conscientes de que no Maranhão não era

qualquer coisa que agradaria ao público presente no teatro, e que havia pessoas capazes de

julgá-los nos aspectos musicais, os redatores falavam minuciosamente sobre a atuação desses

artistas-músicos durante os espetáculos teatrais.

Assim, através das constantes notícias dadas não só pelos jornais Semanário

Maranhense e A Flecha, mas pela maioria dos periódicos que circulavam em São Luís

naquele presente, os espetáculos, sendo eles bons ou ruins, que aconteciam na capital da

província do Maranhão, tinham como palco o Teatro São Luís, por ser a única casa de

202

BINOCOLINI. AO Sr. Antonio... A Flecha, São Luís, v. 2, n. 45, 30 set. 1880, p. 66.

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espetáculos de grande porte que a cidade dispunha e, principalmente, porque para quase todos

que se faziam presentes nesses espetáculos, não importava o que estava sendo apresentado – o

importante era estar no teatro, ser visto no teatro, e assim tecer suas sociabilidades, pois o

teatro “foi o grande salão da „alta sociedade‟, agregando aqueles que em outros momentos

estavam dispersos em seus clubes, suas atividades profissionais, nas associações marcadas por

interesses comerciais, por origem étnica ou por algum esporte”203

.

3.5 Teatro São Luís: “O” palco dos(das) maranhenses

Todas as notícias, com exceção das do tempo em que o teatro estava fechado para as

reformas, citadas até aqui, têm em comum o fato de referirem-se a espetáculos apresentados

no Teatro São Luís. A partir dessa simples, mas a meu ver, importante premissa, avento a

ideia do São Luís ter sido crucial para a efetivação do gosto teatral e musical e,

principalmente, considerado pelos homens e mulheres que viveram naquele presente, como

sinônimo de refinamento, civilidade e modernidade que teoricamente a sociedade ludovicense

apresentaria, pois, como escreve Ana Maria Daou:

O ritual de ir ao teatro oferecia à elite uma oportunidade de reconhecer a si

mesma e aos comportamentos condizentes com as alterações por que a

cidade e a sociedade passavam. Os frequentadores do teatro ao conferirem os

gestos e trajes de cada um, nutriam a fantasia de civilização, de comunhão

dos benefícios desta modernidade.204

Outra questão que ratifica a importância do teatro para a efetivação do movimento

artístico como um todo em São Luís foram os tipos de espetáculos que ali eram representados

pelas companhias líricas, que podiam montar espetáculos grandiosos, como geralmente são as

óperas, compostas de cenário, coro, orquestra e atores, e necessitava de espaço e locais

projetados de forma a facilitar as trocas de figurinos e de cenários, devido às novas tendências

do teatro moderno, pois “o „drama de casaca‟ realista, operava uma mudança radical, tanto na

203

DAOU, Ana Maria. A belle époque amazônica. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000. p. 52. 204

DAOU, 2000, p.54.

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indumentária, como também, e, sobretudo, nas cenas que deviam reconstruir cuidadosamente

a atmosfera da ação”205

.

As elites de São Luís queriam a todo custo se fazer presentes nos espetáculos líricos,

pois a ópera moderna era a última novidade vinda da Europa, e desse assunto os jornais tratam

constantemente nas crônicas que eram publicadas em suas páginas, nas quais ficavam

explícitas a importância que homens e mulheres davam ao teatro, visto que “os espaços físicos

das representações musicais são socialmente qualificados na sua relação com a distribuição no

espaço das classes sociais. É o entendimento de que as representações musicais, por mais

variadas que sejam [...] têm relação com as diferentes posições distribuídas no campo

social”206

.

Esse anseio, que era primeiramente o dos redatores das colunas, e por isso, ao analisá-

las, este dado não deve ser menosprezado, era estendido para os demais setores das elites a

quem representavam. No jornal A Moderação aparece mais um exemplo da importância que o

teatro representava para aquela sociedade e de como a escrita dos jornais reforçava a vaidade

de quem a eles tinham acesso:

Os nossos recreios.

É nossa firme convicção que o theatro bem dirigido, alem de ser lugar de

recreio; é ao mesmo tempo verdadeira eschola de moral; porque ahi vai-se

aprender praticamente a distinguir as boas e más acções. E ainda mais nos

fortalecemos deste nosso pensar, por vermos que no paiz vão passando os

theatros da propriedade particular para a do governo, que não tem deixado de

lhes ir dando todo o impulso. O Maranhão é por certo uma das províncias do

Brasil em que mais gosto se vê pelo theatro, o que prova que somos bastante

civilisados, e amantes do útil e agradável.207

Maria Helena Franca Neves ao analisar as mudanças ocorridas na Bahia após a

construção do Teatro São João e a difusão da ópera como estilo musical dominante e feito

para agradar uma pequena parcela das pessoas que ali compareciam, escreve:

A história da ópera moderna, ou teatro lírico na Bahia, [ou em São Luís]

reflete a própria história cultural do século XIX, considerado o século áureo

do teatro lírico, que se tornara uma diversão popular em quase toda a

205

CACCIAGLIA, 1986, p. 82 206

BOURDIEU, apud CARVALHO SOBRINHO, 2003, p. 19. 207

OS NOSSOS recreios. A Moderação, São Luís, n. 8, quarta-feira, 27 abr. 1859.

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Europa, especialmente na Itália, Paris e Alemanha. No Brasil tornou-se uma

paixão elitista”.208

Assim, com todas essas ideias circulando pela capital da província do Maranhão, os

empresários líricos nutriam os(as) ludovicenses anunciando nos jornais que circulavam na

cidade os espetáculos que teriam lugar no Teatro São Luís:

15ª Recita da Assignatura

Domingo 22 de maio de 1853

Depois da execução de uma agradável simphonia, pela Orchestra, subirá a

scena a muito interessante e jocoza Comedia em 3 actos, ornado de canto

(Opera Comica) composição do bem conhecido litterato, o Sr. Luiz Carlos

Martins Penna, author do Juiz de Paz da Roça, Dilettante, Inglez, Inglez

Maquinista etc.etc. que tem por titulo: O NOVIÇO.

Muzica arranjada e instrumentada pelo Sr. Sergio Augusto Marinho.

O nome só do author da presente COMEDIA, é bastante para demonstrar o

quanto é ella interessante e jocoza, e a empreza abstem-se de dar ao Publico

a mais leve idéia della, para lhe não roubar o prazer da surpreza.

Terminará o expectaculo com a bem conhecida comedia em 1 acto – O

INGLEZ MAQUINISTA.

Os bilhetes achão-se a venda como é costume.

Começará ás 7 horas e meia.209

Mas não era qualquer tipo de ópera apresentada nos teatros do Brasil Imperial que

agradava aos membros das elites. De acordo com Maria de Lourdes Rabetti210

, ao examinar a

presença da música italiana na formação do teatro brasileiro, diz que foi grande a influência

exercida pela música de cunho operístico vinda da Itália211

. O Imperador e sua esposa foram

os principais incentivadores da ópera italiana e, por isso a “elite oficial, monárquica e

burguesa, com seus projetos e realizações espetaculares, por meio de mecenato direto e

favorecimentos, na Itália e no Brasil, garantiu a vinda de importantes companhias líricas e de

prosa italianas [...], com passagem obrigatória pela Corte do Rio de Janeiro”212

.

208

NEVES, 2000, p. 157. 209

15ª RÉCITA da Assinatura. O Globo, São Luís, n. 145, 21 maio 1853. 210

RABETTI, Maria de Lourdes. Presença musical italiana na formação do teatro brasileiro. In: ArtCultura:

Revista de História, Cultura e Arte, v. 9, n. 15, 2007. Uberlândia: Universidade Federal de Uberlândia, Instituto

de História. (p. 61- 81). 211

Sobre o contexto histórico da Itália e a vinda dos artistas italianos para o Brasil, ver também NEVES, 2000, p.

159-160. 212

RABETTI, 2007, p. 71.

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O Maranhão, mais especificamente São Luís, também seguia essa tendência nacional de

amor pela ópera italiana213

. As companhias líricas italianas também cantavam suas óperas no

São Luís, como apresenta notícia o jornal O Observador acerca da estreia da empresa

Ramonda no palco do Teatro: “Quinta-feira, 4 de junho, estréia a nova Companhia Lírica

Italiana, da empresa Ramonda, com a representação de Hernani, ópera em 4 Atos, música do

maestro Verdi; as decorações são novas, pintadas expressamente pelos cenógrafos Monticelli

e Venere, segundo consta214

”. E no Diário do Maranhão, foi veiculado o programa do

espetáculo dado pelo empresário Ramonda:

Representação extraordinária em beneficio da 1ª bailarina absoluta

VIRGINIA ROMAGNOLI.

Logo que principiar a tocar a orquestra aparecerá um novo pano de boca,

pintado pelos insignes cenógrafos Venere e Monticelli, em obséquio

particularmente à beneficiada, representando uma bela vista desta cidade.

ÓPERA TROVADOR.

Finalizando com célebre dueto do 3º Ato.

No fim do 1º Ato terá lugar um novo passo a dois, a caráter, composto pela

beneficiada.

LES DEBERDEURS

No fim do 2º Ato a beneficiada dançará o passo a caráter

A INGLESA

Em seguida a Sra.Maffei em obsequio a mesma cantará a cavatina da ópera

TRAVIATA

Música célebre do M. Verdi.

No fim do 3º Ato a beneficiada dançará o passo a caráter

GITANA

Com uma nova vista pintada pelo bem conhecido cenógrafo o Sr. Venere,

em obsequio à mesma.

A beneficiada, penhorada extremosamente pelas tantas provas de

benignidade e simpatia que o publico maranhense lhe tem compartido,

espera neste dia ver coroado seus esforços, de que desde já ficará sumamente

agradecida.

Principiará às 8 horas.215

A companhia lírica de Ramonda passou quase um ano promovendo espetáculos no

Teatro São Luís, e durante esse período os jornais noticiavam frequentemente o

contentamento que as apresentações causaram aos seus frequentadores, como escreve José

Jansen:

213

Cf. FONSECA, Aleilton. Enredo romântico, música ao fundo. Rio de Janeiro: Sette Letras, 1996, p. 44. 214

QUINTA-FEIRA... O Observador, São Luís, 31 maio 1857, p. 46. 215

REPRESENTAÇÃO extraordinária em beneficio da 1ª bailarina absoluta. Diário do Maranhão, São Luís, 6

nov. 1857, p.4

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A ribalta do teatro acendia-se para noites que ficaram na crônica como das

mais belas daquela casa de espetáculos e, tratando-se de ópera italiana, os

cronistas, tomados de entusiasmo, passaram a mostrar seus conhecimentos,

usando e abusando das expressões italianas relativas à técnica do belo canto:

“volatas, “fioritura”, “gruppetto”, e “trinados”, passaram a ser vocábulos

usuais.216

O Almanak do Maranhão para o ano de 1858 traz em suas páginas um relatório,

provavelmente feito e publicado a pedido do Sr. Ramonda, com todos os vencimentos

recebidos pelos artistas, músicos, funcionários do teatro, os preços das entradas e as óperas

que foram apresentadas pela companhia. Devido à quantidade de informações contidas na

notícia, é bem extensa, no entanto, é de primorosa importância justamente por conter

especificidades difíceis de serem encontradas sobre essas companhias líricas, como segue:

Theatro de S. Luiz

(Companhia Lyrica italianna – 1857)

Empresario – Jose Maria Ramonda, r. da Estrella, 47.

Nome Ord. Mensal

Primadonaabsoluta–CondeçadeMaffei 425$000

Prima dona mezzp soprano – Angelina Remorini

150$000

Segunda dama – Justina Gallo 100$000

Primo tenor absoluto – Clemente Scanavino (rescindiu o contracto)

306$000

Primo tenor supplemento – VicenteVanninetti 100$000

Segundo tenor – Cesar Savio 100$000

Primeiro barytono absoluto – José d‟Ippolito 180$000

Primeiro basso profundo – Fortunato Dalla Costa 230$000

Buffo comico e basso comprimario – João Rergamaschi

(rescindiu o contracto) 153$000

11 coristas percebendo mensalmente 220$000

Terceto de Bailarinos

Primeiros bailarinos absolutos

Virginia Romagnoli 185$000

Jose Cardella (rescindiu o contracto) 185$000

Primeira bailarina – Josephina Manzini 153$000

Maestros ensaiadores e directores da orchestra

Innocencio Smoltz 300$000

Alberto Franchel (rescindiu contracto) 170$000

Maestro dos coros – João Fasciolo 100$000

Orchestra

216

JANSEN, 1974, p. 72.

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1º violino da opera – Francisco Xavier Beckman, r. da Savedra, 14

70$000

1º violino do baile – Luiz Scandolari

100$000

1º clarineta – Francisco Antonio Colas, r. Grande 60$000

1º flauta – Sergio Augusto Marinho, r. da Palma, 20

57$000

1º violloncello – Antonio de Freitas Ribeiro, r. do Egipto 45$000

1º contra-basso – Antonio José Fernandes Valença, Campo d‟Ourique

50$000

1ª viola – Ricardo José d‟Oliveira e Silva, r. Grande, 78

40$000

1º piston – Carlos Antonio Colás, r. Grande 35$000

1º ophcleid – Leocadio Ferreira de Souza, r. S. Antonio 40$000

1ª trompa – Policarpo Joaquim de Lemos, r. dos Remedios 30$000

1º tromboni – José Affonso Pereira, r. do Quebra Costa 35$000

Chefe dos segundos violinos – Domingos Correa de Vasconcellos , r. da

Savedra 60$000

2º violino – Antonio Pacifico da Cunha , praia Pequena 35$000

2º dito – José Vicente da Costa Bastos, r. do Egypto 30$000

2º dito – Joaquim Antonio de Lemos Paricá, r. das Violas 30$000

2º dito – Antonio Raimundo Marinho, r. S. Antonio 30$000

2ª clarineta – Bernardino do Rego Barros, r. de S. João, 2 30$000

2ª flauta – Ezequiel Antonio Colás, r. de S. João 35$000

2º ophcleid – Antonio Gonçalves da Silva, r. da Madre de Deus

30$000

2º trompa – José Antonio de Miranda, r. do Sol. 35$000

2º tromboni – Andre Soares Falcão, r. da Paz. 30$000

2º dito – João Evangelista Belfort, travessa da Passagem 30$000

Timbales – João Evangelista do Livramento, r. Direita 36$000

Mais 7 alumnos da casa dos Educandos 200$000

Ponto – Domingos Tribuzy, r. da Paz, 8 70$000

Pintores scenographos

Luiz Monticelli 170$000

João Venere 170$000

Mestre Alfaiate – Sabino Antonio dos Santos, Praça da Alegria 45$000

Modista – Judith Romagnolli 60$000

Guarda roupa e fiel do theatro – Januario Anselmo da Cruz, no edificio

70$000

Avisador e bilheiteiro – Manoel Gonçalves da Silva, r. das Violas, 79

50$000

Porteiro da Caza – José de Jesus Cruz, r. de S. João, 1

20$000

2 carapinas e 4 serventes 120$000

Porteiros

Da plateia superior – Antonio José Xavier, praia de S. Antonio, 47

12$000

Da geral – José de Jesus Meirelles, r. da Madre de Deos

12$000

Idem – Mariano Gomes de Castro, praia de S. Antonio 12$000

Das varandas – Joaquim Lopes Ferreira, Caminho Grande 8$000

Idem 6$400

Secretario da empreza – Bernardino do Rego Barros, r. de S. João 2

30$000

Somma total dos empregados 76

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Despeza total por mez, com os mesmos 5.085$000

Subsidio por 5 mezes 16:000$000

Ajuda de custo para viagens 4:000$00

Para 12 decorações 1:200$000

21:200$000

O Sr. Empresario trouxe também escripturada outra prima dona absoluta, s

Sra. Adelaide Larumbe que rescindiu o contracto sem estrear : - venda de

ordenado 370$rs em cada mez, e mais uma comprimaria, Sra Luiza

Larumbe, com o ordenado de 153$rs que também não chegou a estrear.

Mezes depois de trabalharem, rescindiram o contracto o 1º tenor, o basso

bufo, o bailarino e o maestro Franchel.

Capacidade do Theatro

O Theatro tem 66 camarotes em 3 ordens, 11 de cada lado em cada uma das

ordens, e alem disso mais 16 torrinhas, 8 de cada lado. Na plateia há 450

lugares, sendo 320 na geral e 130 na superior (cadeiras). Nas varandas ha

lugar para 300 pessoas. O palco tem 55 palmos de largura, 38 d‟altura e 100

de fundo.

Precos dos lugares

Os preços tem variado mas diversas empresas, ultimamente durante os

espectaculos lyricos forão estipulados do modo seguinte: Plateia superior 2$;

geral 1$;camarotes de 1ª ordem 7$, e de 2ª 12$, de 3ª 10$; torrinhas 2$500,

varandas 500rs.

Expectaculos da empreza lyrica

De Donizetti – Gemma de Vergy, Elixir d‟amor, Lucia de Lammermoor,

Linda de Chamounix

De Verdi – Hernani, Trovador, Nabucodonosor

De Bellini – Norma, Sommambula, Beatriz de Tenda

De Rossini – Barbeiro de Sevilha

Em todos estes espectaculos o empresario esmerou-se não se forrando a

despezas, por moltal-os com tanta propriedade, luxo e brilhantismo, quando

era de desejar no que diz respeito a vestuario como a scenario. Talvez que

em muitos theatros bons, onde já o publico esteja afeito a operas italianas,

não se appresentem ellas em scena como aqui succedeu, graças ao empenho

que o Sr. José Maria Ramonda sempre fez por agradar o publico e cumprir

com o seu contracto.217

Através dessa notícia é possível perceber a disparidade entre o vencimento da artista

principal da companhia e os demais cantores e músicos que compunham o elenco. Mas, para

exemplificar, tomarei como contraponto os vencimentos recebidos pelo regente da orquestra.

Na notícia em questão, o senhor Innocencio Smoltz recebia 300 mil réis de ordenado mensal,

enquanto a prima-dona, 425mil réis. Este é um dado curioso, quando se tem como referência a

importância que os regentes conquistaram ao longo do século XX e talvez por isso soe

estranha essa disparidade do século XIX, pois “historiador pertence à sua época e a ela se liga

pelas condições de existência humana”218

. No entanto, no século XIX, os valores são outros, é

217

THEATRO de São Luís. Almanaque do Maranhão para o ano de 1858. São Luís: [s.n], 1858. p. 89-93. 218

CARR, 2006, p. 60

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com esses que vou continuar operando aqui para analisar a importância da primeira atriz, visto

que o “regente era considerado um acessório da companhia, como o maquinista, o ponto, o

alfaiate, entre outros”219

.

É importante fazer diferenciação entre o regente/maestro de bandas militares, fanfarras

do regente/maestro de orquestra de teatro devido à necessidade que o último precisa

apresentar, no que tange a um conhecimento maduro sobre leitura e interpretação da partitura

musical, principalmente nas de óperas, nas quais, geralmente, além da orquestra e dos

cantores solistas, há a presença de um coro. No entanto, todas essas qualidades nem sempre

eram recompensadas com bons salários. O jornal A Flecha veiculou uma notícia sobre a

disparidade entre o salário do guarda do Teatro São Luís e o do regente da orquestra, como

segue:

Há cousas que não tem explicação: O Sr. Leocadio Rayol, como todos

sabem no Maranhão, é o único regente de orchestra de que o theatro São

Luiz pode lançar mão facilmente, o que sempre faz quando preciza; e todos

sabem tambem que o velho Januário é o guarda do theatro e que por isso

percebe um ordenado do governo, encarregando-se também do serviço

material da caixa nas noites de representação. Pois bem! – o guarda do

theatro ganha por cada espectaculo, alem do supradito ordenado, a quantia

de trinta mil reis; ao passo que o maestro, que se esforça, que estudou, que

tem talento e que preenche magistralmente o seu cargo, ganha apenas vinte

mil reis, isto é dous terços do que o guarda.

Parece-nos irregular semelhante cousa, e por isso pedimos ao Sr. Sampaio

que procure estabelecer o equilibrio – dando menos ao Sr. Januario e mais ao

Sr. Rayol.220

Não há dados concretos sobre a educação musical de Leocadio Rayol (1849 -1909)221

,

mas, através dos comentários feitos pelo redator da notícia, é possível dizer, pensar que

possuía conhecimentos musicais maduros, pois, ao que parece, regia partituras com pouco

tempo de estudo. Posição que só músicos experientes têm condição de assumir de última hora.

Várias companhias líricas ocuparam o Teatro São Luís ao longo da segunda metade do

século XIX. Passados alguns anos que a companhia de José Maria Ramonda deu espetáculos

em São Luís, outra companhia italiana chega à capital da província do Maranhão trazendo

219

SILVA, 2006, p. 124-125. 220

HÁ cousas... A Flecha, São Luís, n. 15, 5ª série, 2 ago. 1879, p.118. 221

Cf. CARVALHO SOBRINHO, João Berchmans de. A música no Maranhão Imperial: um estudo sobre o

compositor Leocádio Rayol baseado em dois manuscritos do Inventário João Mohana. Em Pauta, Porto Alegre,

v. 15, nº 25, julho a dezembro 2004.

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divertimento e alegria para os ludovicenses. Sobre a chegada da companhia lírica de Pascoal,

Mário Muzella relata no Diário do Maranhão:

Chegaram hoje no vapor Bahia os seguintes artistas esperados pelo Sr.

Muzella, e que formam a companhia que vai trabalhar.

Avalli – prima-dona.

Springer – dita

Adelia Berio – contralto

Dominici – barítono

Bonora – baixo

Arrighi – tenor

Gonzales – comprimário

Adélia – dito

O primeiro espetáculo é como está anunciado, no próximo sábado com a

ópera Il Trovatore.

O guarda-roupa da companhia veio à entrega dos Srs. Manoel Loureiro &

Cia., negociantes desta praça.222

Após o primeiro mês que a companhia do Sr. Muzella chegou a São Luís, o Diário do

Maranhão anunciava o desempenho da companhia italiana:

Tanto anteontem como ontem foi cabal o desempenho da ópera de Verdi –

Um ballo in moschera. [...] Muitas palmas de flores foram dedicadas ao

artista. Foi a ópera de melhor desempenho que a empresa tem conseguido

levar. As vistas do último Ato, pintadas pelo Sr. Cunha são de brilhante

efeito.223

A década de oitenta chegou e, com ela, as agitações em torno da abolição da escravidão

se intensificam, porquanto não era mais apropriado para a sociedade imperial ostentar tal

título, pois na “ótica da corte, o mundo escravo, o mundo do trabalho, deveria ser transparente

e silencioso. No entanto, o contraste entre as pretensões civilizadoras da realeza [...] e a alta

densidade de escravos é flagrante”224

, e a monarquia não possuía mais palavras que

refutassem os ideais de liberdade que já ultrapassavam os limites das discussões dos anos

anteriores e caminhavam para a abolição se a coroa não se antecipasse aos acontecimentos.

222

CHEGARAM... Diário do Maranhão, São Luís, 22 ago. 1882. 223

TANTO... Diário do Maranhão, São Luís, 29 set. 1882. 224

SCHWARCZ, 1998, p. 116.

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Mas, enquanto isso não acontecia, o Teatro São Luís continuava a oferecer aos

diletantes ludovicenses espetáculos líricos agora mais frequentemente de empresários

portugueses, pois a estrela principal da companhia que iria dar espetáculos em 1885 era

esperada desde 1880, como relatou A Flecha: “Por fim das contas não veio a Emilia Adelaide.

O Maranhão, a respeito de actrizes portuguezes tem sina de cachorro. Principalmente se são

Emilias. Por felicidade, d‟esta vez não estava nenhum jantar preparado na quinta do Caminho

Grande”225

. Nesta data, relatada pelo jornal A Flecha, a dita atriz não veio, mas é o jornal

Pacotilha que dá notícia de espetáculo com a famigerada atriz:

Theatro S. Luiz

Companhia Dramática Portuguesa Dirigida pela Actriz Emilia Adelaide.

Domingo 4 de janeiro de 1885

Décima recita de assignatura

Grande novidade

Importante e magnífico espectaculo!

Subirá á scena, pela vez primeira n‟esta epocha, o muito desejado e sempre

applaudido drama de grande apparato, em 5 actos e 7 quadros do notável

escriptor francez D‟Ennery – As duas orphãs.

Toma parte a eminente actriz Emilia Adelaide e o notável galan A. Boldrini

e toda a companhia.

Título dos quadros

1º – O rapto 5º – As Duas orphãs

2º – O banquete e o duello 6º – A Sulpetriére

3º – A pagina do Archivo Negro 7º – Abel e Caim

4º – A pobre cega. 8º – O reconhecimento226

A partir da segunda metade do século XIX, mais especificamente em 1852, quando o

Teatro São Luís é reaberto, foram inúmeros os empresários que ocuparam o palco do Teatro

ao longo desses anos do referido século. Vários desencontros aconteceram entre os

empresários das companhias líricas e o governo da província do Maranhão. Por conta desses

problemas enfrentados pelo governo com os empresários, foi formada uma comissão para

dirigir o Teatro, que tinha o Sr. Juca Marques como chefe. Este deu início às suas atividades

na inspetoria do Teatro criando um novo Regimento que causou grande descontentamento não

só no empresário responsável pelas récitas, assim como nos espectadores que ao Teatro

compareciam “e como quem tem a faca e o queijo na mão parte por onde quer, o activissimo

225

POR fim... A Flecha, São Luís, ano 2, 2º v., 2ª série, n. 41, 23 jun. 1880, p.38. 226

THEATRO São Luís. Pacotilha, sexta-feira, 2 jan. 1885.

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inspector do theatro lembrou-se de dar aos empresários mais trez porteiros, para por elles

serem pagos, além dos que faziam o serviço, desde que o theatro é theatro”227

.

Outra mudança que fez o sr. Juca Marques, utilizando os novos porteiros por ele

nomeados, foi a exigência de que para ter acesso ao interior do Teatro São Luís era necessário

a apresentação dos bilhetes ao porteiro na chegada e durante os intervalos, se saíssem à rua

para comer alguma coisa, fumar um cigarro ou simplesmente “tomar uma fresca”, teriam de

apresentar novamente os bilhetes. Sobre essa determinação do inspetor do Teatro comenta o

redator do jornal A Federação:

Nos intervalos dos actos os espectadores vão gozar do ar livre, conversar

fora do edifício, e só entram no theatro quando a orchestra já tem começado

a tocar. [...] Isto é um hábito inveterado, e que a ninguém prejudica, visto

que o espectaculo não soffre interrupção com isso. Agora quer o Sr Juca

privar os espectadores de algum tempo de recreio mais fora do theatro, e

forcal-os a que tratem de entrar mais cedo, calculando o tempo que há de ser

gasto nas differentes portas até chegarem ao lugar que tem de occupar. O

resultado não é difícil de imaginar. O publico não mudará os seus hábitos, e

os princípios dos actos hão de ser interrompidos com os passos dos

espectadores que entrarem mais demoradamente.

Eis as melhoras das reformas do Sr. Juca Marques.

Salve, Juca! Salve, Inspector!228

Como é sabido, a abolição da escravidão no Brasil foi assinada pela Princesa Isabel em

13 de maio de 1888 e, ao que parece, apesar de muitos escravos terem sido vendidos para o

sudeste cafeeiro, quando o Maranhão passa pela recessão causada pela crise do algodão e

reorienta seus investimentos para o açúcar, a província como o restante do império brasileiro

era dependente do trabalho do africano escravo, como escreve Dunshee de Abranches:

A abolição do elemento servil lançara de vez a Província na mais sombria

miséria econômica. Passados os primeiros entusiasmos provocados pela

decretação da Lei Áurea, que, por mais de duas semanas, encheu de intenso

júbilo o povo maranhense, começaram logo s sentir-se os desequilíbrios

produzidos na vida de relação de uma sociedade organizada inteiramente

sobre o trabalho escravo e deste haurindo todos os recursos e todos os meios

de ação.229

227

E como... A Federação, ano 1, n. 27, 21 jul. 1886. 228

NOS intervalos... A Federação, São Luís, ano 1, n. 27, 21 jul. 1886. 229

ABRANCHES, Dunshee de. A esfinge do Grajaú. 2. ed. São Luís: ALUMAR, 1993. p.32.

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Contudo, apesar dessa situação decadente relatada por Dunshee de Abranches, no que

concerne ao movimento no Teatro São Luís no ano desse grande acontecimento, ao que

parece, os espetáculos continuaram seguindo a mesma direção dos últimos anos, e é o Diário

do Maranhão que anuncia o espetáculo:

Theatro S. Luiz

Grandioso acontecimento theatral.

Deslumbrante espectaculo de estrea da Grande Companhia Dramatica

Empreza e direcção da actriz brazileira – APPOLLONIA. NOVIDADE

SURPREHENDENTE!

Quinta-feira, 31 de maio.

1ª e única representação do sublime drama em 5 actos, original do laureado

autor portuguez, o Exm. Sr. Conselheiro M. Pinheiro Chagas – HELENA –

A mais preciosa jóia do Theatro Portuguez.

Distrinuição:

D. Helena.......................................................................................D. Apolonia

D. Pulcheria.........................................................................D. Maria Augusta

D. Catharina..............................................................................D. Manuela

Henrique de Mello........................................................................Sr. B. Lisbôa

Barão da Ribeira Negra......................................................................Sr. Abreu

O Visconde.....................................................................................Sr. Marques

Fortunato.......................................................................................Sr. C. Lisboa

Frederico Paes....................................................................................Sr. Mello

Leandro Borges............................................................................Sr. L. Ribeiro

Pedro, criado..............................................................................Sr. Carneiro230

Pelas fontes analisadas é possível aventar que somente nas duas últimas décadas do

século XIX é que as companhias portuguesas apresentaram mais espetáculos do que as

companhias italianas e francesas no palco do Teatro São Luís. Fato que pode ser explicado

pelo surgimento de autores de peças brasileiros como os maranhenses Arthur Azevedo e

Coelho Neto, e também o surgimento do cinema, que começará a reorganizar o gosto e os

hábitos burgueses.

Nos últimos anos do século XIX, o Teatro São Luís foi ocupado pela companhia

dramática de Dias Braga que, pelos indícios, era português, como noticiou o Diário do

Maranhão:

230

THEATRO São Luís. Diário do Maranhão, São Luís, ano 19, n. 4418, 30 maio 1888.

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Thetro S. Luiz

Grande Companhia Dramatica DIAS BRAGA

Fundada em 20 de novembro de 1883.

Orchestra dirigida pelo festejado maestro ANTONIO RAYOL.

Sabbado 16 de abril de 1898 Sabbado!

Sucesso Universal!

Drama de resistência, 525 representações, 1ª representação do grandioso

drama em 1 prologo, 5 actos e 8 quadros, extrahido do romance do mesmo

titulo do immortal escriptor francez ALEXANDRE DUMAS.

O CONCE DE MONTE CHRISTO

O papel de Edmundo Dantes e depois Conde de Monte Christo é uma

creação especial do artista Dias Braga [...]

No intervallo do 2º e 3º quadros a orchestra tocará debaixo da regência do

distincto maestro A. Rayol a polka brilhante – Sou papa – offerecido ao

actor Domingos Braga pelo distincto dr. José Vicente da Costa Basto como

prova de sympathia.

ATTENÇÃO

Prepara-se a grande revista que fez dois centenários no theatro Recreio do

Rio – O BEDENGÓ.

Ás 8 ½ horas da noite.231

A companhia de Dias Braga ficou responsável pelos divertimentos oferecidos pelo

Teatro São Luís até o início do século XX.

Assim, contrariando as construções feitas pelos historiadores que têm selecionado os

fatos ao longo do tempo e, através desse mecanismo, determinado os lugares onde, no período

imperial, teriam existido teatros e espetáculos líricos somente no Rio de Janeiro, São Paulo e

Minas Gerais, como escreve Mario Cacciaglia, sem cuidado e somente a partir da leitura do

dicionário de César Augusto Marques, o qual nem consta nas referências utilizadas pelo autor,

e diz que nada sabia das atividades do Teatro de São Luís, e “que não deviam ser de altíssimo

nível já que em 1818, abrigou um espetáculo circense dado pela companhia equestre de um

certo Stanley”232

. Cacciaglia toma como padrão o ano de 1818, quando a atividade teatral

começava a se desenvolver na capital da província maranhense, e esquece que o auge do

teatro lírico-dramático em todo o mundo foi a segunda metade do século XIX.

O que fica explícito pelas inúmeras notícias veiculadas nos jornais oitocentistas de São

Luís, capital da província do Maranhão, é que durante toda a segunda metade do século XIX,

os ludovicenses tiveram acesso aos mais variados tipos de espetáculos líricos, nos quais eram

apresentados os dramas e óperas mais famosos na época. Aqui não está em cena a excelência

das encenações, mesmo os redatores dos jornais cobrando esse resultado dos artistas-músicos

das companhias, mas sim que os homens e as mulheres que frequentavam o Teatro São Luís

231

THEATRO São Luís. Diário do Maranhão, São Luís, n. 7385, sexta-feira, 15 abr. 1898. 232

CACCIAGLIA, 1986, p. 41.

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tiveram a oportunidade de ouvir as melodias mais famosas de compositores como Verdi,

Donizete e Rossini.

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117

4 TERCEIRO MOVIMENTO – OS MÚSICOS E AS VIVÊNCIAS MUSICAIS SOANDO

NA IMPRENSA MARANHENSE

“A arte encontra-se em três níveis: no espírito do artista, no instrumento

que ele utiliza e na matéria que recebe sua forma de arte”.233

Durante toda a história dos homens e das mulheres, sendo estes pobres ou ricos, existiu

uma busca por lugares, objetos, símbolos, formas de comportamento, tipos de leitura,

arquitetura, pintura que estivesse associada a seus hábitos e costumes e, assim, servisse para

identificá-los como membros de uma determinada comunidade. Dependendo do lugar e do

tempo no qual estes homens e mulheres estão inseridos, essas formas de identificação se

modificam, são readaptadas a fim de adequarem-se às necessidades dos seres humanos em

sociedade, e que só se consideram como tais a partir da convivência com seus pares.

Para a sociedade de elite ludovicense, nos dois últimos quartéis do século XIX não foi

diferente, pois “com a formação de uma camada social burguesa que passa a compor o poder

com os senhores territoriais e o consequente desenvolvimento da vida urbana se estabelece o

contexto da sociedade oficial, que se esmerava na imitação dos valores sociais e culturais

importados da Europa”.234

Um dos requisitos para um membro das elites ser considerado culto e refinado era

possuir, além dos conhecimentos clásssicos adquiridos nas escolas de ensino regular, algum

conhecimento de artes ou algo do gênero que o diferenciaria dos demais de seu estrato social

e dos outros setores desprivilegiados da sociedade. Um desses conhecimentos, que nem

sempre era adquirido nas ditas escolas regulares, era a linguagem musical. A música, desde os

tempos mais antigos, serviu para diferenciar uns, e como instrumento de barganha para

outros. No século XIX ludovicense não será diferente. Aqui, talvez devido a distância da corte

e ao mesmo tempo à facilidade de contatos com a antiga metrópole portuguesa, a música e os

músicos eram tidos em alta estima. Mas sobre estes que utilizavam a música para sobreviver

tratarei adiante. Primeiramente falarei sobre a forma como as elites se utilizavam da música

para diferenciarem-se uns dos outros, e a sua importância no estabelecimento de contatos em

outros ambientes diversos do Teatro São Luís.

233

Dante, De monarchia, II, 2 apud PIFANO, Raquel Quinet. O estatuto social do artista na sociedade colonial

mineira. Lócus: Revista de História, Juiz de Fora, v. 4, n. 2, p. 121-130, 1998. 234

FONSECA, Aleilton. Enredo romântico, música ao fundo. Rio de Janeiro: Sette Letras, 1996. p. 12.

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No século XIX, os membros das elites quando se dedicavam à música, era a linguagem

musical formal, que tem como símbolo a escrita em partitura, leitura rítmica e solfejo musical.

Esse aprendizado era qualificado como um ornamento que os filhos das elites apresentavam e

que os diferenciavam dos demais. Para as mulheres de elite, a música qualificava essa moça

casadoira, pois a “lição de piano é referida como uma obrigação de rotina, sendo atividade

contigua à de coser e bordar, cumprida sob o controle da família”235

.

Já para os homens, além da herança e do nome de família tradicional que herdavam, a

música era uma forma de conquistar sua futura esposa sem precisar ter contato físico com ela,

devido ao cuidado quase carcerário que as famílias tinham com as moças, guardadas nos

grandes palacetes coloniais. Assim, “além de ser utilizada para „agradar as mulheres‟ com os

seus „corações ternos e doces‟, a música funcionava também como indicativo do grau de

sociabilidade e civilidade dos cortesãos”236

. Dessa forma, a música deve ser entendida como

um fenômeno social e que tem implicações na sociedade onde é produzida e consumida.

O culto à prática musical foi difundido nas cortes imperiais, mas, ao longo do século

XVIII e principalmente XIX, passou a ser desenvolvida pelas famílias aristocráticas e pela

nascente classe burguesa em busca de status social. Esses homens conhecedores das letras e

agora das artes musicais foram os diletantes das sociedades imperiais. Na sociedade

ludovicense do século XIX, os diletantes eram os intelectuais da geração denominada

atenienses, pois como a música era sinônimo de refinamento e os tais queriam ser iguais aos

gregos, as artes de Apolo não poderiam ser esquecidas.

No referido século, várias gerações de intelectuais se revezaram na idealização e

ratificação de uma singularidade almejada pelas elites de São Luís, que consistia em estender

o comportamento e o conhecimento de uma plêiade de homens cultos para toda a sociedade

ludovicense, passando a denominar São Luís “Atenas Brasileira”.

Hoje, é notório que a sociedade ludovicense não podia receber essa alcunha na segunda

metade do século XIX, visto que a maioria dos homens e das mulheres que a compunha era

analfabeta. No entanto, para os interesses deste estudo, esses diletantes eruditos foram os

incentivadores da cultura e dos bons modos na capital da província do Maranhão, e os jornais

foram o veículo de difusão dessas ideias de singularidade.

Não pretendo problematizar como essa construção foi pensada e repensada ao longo do

século XIX, mas é importante definí-la por ter sido uma tentativa de alguns maranhenses de

235

FONSECA, 1996, p. 75. 236

MONTEIRO, Maurício. A construção do gosto: música e sociedade na corte do Rio de Janeiro 1808-1821.

São Paulo: Ateliê, 2008, p. 86.

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distinguirem-se não só baseados nos padrões franceses de civilidade, mas também na

comparação de São Luís com Atenas, “comunidade do gênio, da inteligência e do

conhecimento”237

. Assim, a tão propalada “Atenas Brasileira” foi:

[...] um produto histórico, resultante das atividades subestruturais

complementares dos senhores, administrando a organização do trabalho à

produção e circulação econômicas, e dos intelectuais, elaborando os

parágrafos determinantes da constituição de uma consciência oficial da

sociedade brasileira, contemporânea da emergência e estabelecimento do

Estado-Nacional, onde o Maranhão, orgulhoso e querendo ser mais

aristocrático, pretendia colocar-se como depositário prodigioso de uma

superioridade da terra e, sobretudo, do homem.238

Rossini Corrêa divide os agentes da ideologia greco-timbirense em três gerações: a de

primeiro grau, que estudou na Europa, principalmente na Universidade de Coimbra, e foi

agente de mudança social, organizando respostas aos problemas da organização da cultura; a

geração de segundo grau teve sua formação acadêmica na Faculdade de Direito de Recife,

entrando em contanto com as ideias abolicionistas e republicanas; e a geração de terceiro grau

foi produto da derrocada material do Maranhão, utilizando as conquistas acadêmicas e

literárias para aumentar a autoestima em baixa por conta das dificuldades econômicas239

.

É importante destacar que os maranhenses não se contentaram em ser iguais ao povo

considerado, no século XIX, o mais civilizado e elegante que existia no mundo europeu, os

franceses. Foram buscar suas raízes de singularidade na Grécia Antiga, berço de todo o

conhecimento desenvolvido ao longo do tempo pelos homens e pelas mulheres. Compreender

esse contexto é imprescindível para estabelecer o lugar social que as vivências musicais

assumiram para as elites ludovicenses nos idos do século XIX, assim como as adaptações que

precisaram ser realizadas pela falta de instrumentos apropriados ou de músicos experientes

que os executassem. Nessa perspectiva, analisei alguns indícios que aparecem nos jornais e

ratificam a existência na sociedade ludovicense de um gosto musical apurado e as condições

necessárias para que esse gosto fosse cultivado na própria capital da província.

237

CORRÊA, Rossini. Formação social do Maranhão: o presente de uma arqueologia. São Luís: SIOGE, 1993,

p. 111. 238

CORRÊA, 1993, p. 122. 239

CORRÊA, 1993, p. 197.

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4.1 A questão dos instrumentos

O primeiro indício da existência, em alguns membros das elites ludovicenses, do gosto

musical, são os anúncios constantes de venda de instrumentos musicais nos jornais da cidade.

Não obstante a voz ser o instrumento musical por excelência dos homens e das mulheres, nem

todos possuem este instrumento vocal adequado para a prática musical. A partir do terceiro

quartel do século XIX, os instrumentos musicais fabricados com o intuito de acompanhar a

voz humana já estão bem desenvolvidos e disseminados por todos os países do mundo. É

evidente que existia grande dificuldade no transporte desses instrumentos, ainda mais quando

se tratavam dos pianos, no entanto, mesmo depois de algum tempo de espera, eles acabavam

chegando aos seus destinatários. Nos jornais que circulavam pela cidade semanalmente ou

quinzenalmente, eram frequentes os anúncios de venda, aluguel de instrumentos musicais e

tudo o que fosse necessário para a sua boa utilização. Nesses periódicos eram oferecidos

instrumentos de vários grupos ou famílias, como: instrumentos de cordas, de sopro, de

percussão, de teclas240

.

Apesar da existência, no século XIX, de uma grande variedade de instrumentos

musicais, os de maior ocorrência nos jornais da província maranhense eram os pianos e os

violões. Algumas possibilidades podem ser aventadas para a predominância de tais

instrumentos, como: no caso do piano, por ser o instrumento musical por excelência das

elites, visto que era símbolo não só de refinamento como também de riqueza, devido ao seu

elevado preço e os altos custos com o transporte da Europa para o Brasil. A despeito da pouca

facilidade em adquirir um piano, nos periódicos da capital da província do Maranhão era

possível encontrar pianos à venda anunciados por particulares e não por lojas especializadas

no gênero. Aliás, é importante salientar que não havia em São Luís nenhuma organização

comercial especializada e dedicada somente à música. Os intrumentos musicais eram

oferecidos geralmente por livrarias, na melhor das hipóteses, e nos armazéns que vendiam

gêneros diversos, como veiculou o jornal a Moderação:

A Livraria da rua grande que pertence a Antonioo Moreira da Rocha,

mudou-se para a rua formosa, n. 2 apegado ao Sr. Olivier; e n‟ella existem a

venda, vindo pelo navio ultimamente chegado, os seguintes objectos:

240

Sobre as subdivisões dos instrumentos musicais Cf. BENNETT, Roy. Uma breve história da música. Rio de

Janeiro: Jorge Zahar, 1986.

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Altas de Delamare

Bordoes de piano

Cordas para violão e rabeca;

Muzicas de piano e canto,

Instrumentos,

Papel de todas as qualidades,

Dezenhod muito finos,

Tintas em caixinhas

Livros e muitas quinquilharias,

Alamires para afinar instrumentos,

Homeopatia em caixas e avulsas.

Tambem marca-se papel com o nome do comprador.241

Antônio Pereira Ramos d‟Almeida fazia concorrência a Antônio Moreira da Rocha no

ramo comercial das livrarias, o que aumentavam as chances dos diletantes adquirirem na

própria província as partituras e/ou os instrumentos musicais que almejavam. O jornal A

Imprensa veiculou anúncio com os últimos ornamentos para casa e artigos referentes à

música:

Tapeçaria de bordados

Chegou para livraria e papelarua de Antonio Pereira Ramos d‟Almeida, bom

sortimento d‟estampas de tapeçaria e bordados de muito lindos gostos,

paizagens, figuras, passaros &&

Rabecas, Flautas e Clarinetas

Rabecas de muito boas qualidades finas e entrefinas, Flautas de luxo de 1

chave e bomba, ditas de ebano de 4 e 5 ditas, Clarinetas de buxi e ebano de

si e dó com 9 a 13 chaves, todos instrumentos escolhidos. Muzicas, grande

sortimento de methodos, para Piano, Violão, Rabeca, Flauta, e estudos,

fantazias, danças && as mais modernas.242

Em contraponto ao piano estava o violão, considerado instrumento de baderneiro e

desocupado, mas que tinha a venda de cordas constantemente anunciada nos jornais da

cidade, como diz o anúncio a seguir:

Verdadeiras cordas para VIOLÃO

De seda e fita branca, Bordões de aço

Vendem

David, Rabello & C.

241

A LIVRARIA... A Moderação, São Luís, ano 3, n. 6, terça-feira, 12 abr. 1859. 242

TAPEÇARIA de bordados. A Imprensa, ano 5, n. 43, sábado, 1 jun. 1861.

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Rua da Palma

Livraria Americana.243

Os jornais, onde estão as principais referências deste estudo, através dos seus anúncios

traziam as ideias de mudança e progresso, assim como o gosto e a regras de civilidade244

. Em

relação aos artigos relacionados à música não será diferente, a quantidade de anúncios de

venda de cordas para violão era superior aos demais artigos ligados à música. No entanto, os

anúncios de venda de violão não correspondem à quantidade de cordas que são oferecidas aos

maranhenses. Ainda assim, o jornal Publicador Maranhense veiculou notícia sobre a

Exposição Maranhense de 1872, na qual está escrito que no Maranhão a fabricação de violões

é importante, como segue:

A indústria da fabricação dos violões é relativamente importante no

Maranhão, exportando-se muitos deles ao interior da Província e às

províncias vizinhas.

De todos os fabricantes, um só apresentou-se na Exposição, o Sr. Cláudio

Antonio de Oliveira que concorreu com um cavaquinho que nos pareceu

muito bem-feito.

Se não nos enganamos, temos passado em revista todos os expositores, salvo

um: o Sr. Fernando Antônio Corrêa que expôs um objeto do qual não nos

lembramos, pedindo-lhe desculpas por essa falta involuntária.

[...] Em resumo a Exposição Maranhense de 1872, sem ser mais concorrida

que a de 1871, apresenta sobre a Província uma vantagem importante, que é

o maior número de indústrias que foram representadas neste concurso de

trabalhadores [...].245

Essa notícia levanta duas questões importantes não só para o desenvolvimento da

música no Maranhão, mas também em relação ao desenvolvimento das técnicas dos luthiers

em São Luís e da indústria como um todo. Interessante é que, nas fontes levantadas, este é o

único artigo que versa sobre indústria de violões. Talvez esse fato explique a grande

quantidade de cordas que eram oferecidas nos jornais ludovicenses.

Inversa era a quantidade de anúncios de pianos que apareciam nos jornais da capital da

província do Maranhão. Essa “quantidade” é analisada aqui partindo do pressuposto de que

um piano custava muito caro, pois vinha exclusivamente da Europa, o que encarecia ainda

243

VERDADEIRAS cordas para violão. Diário do Maranhão, São Luís, n. 7875, quinta-feira, 30 nov. 1899. 244

MONTEIRO, 2008, p. 76. 245

A INDÚSTRIA... Publicador Maranhense, São Luís, 8 fev. 1873.

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mais o seu preço por conta do transporte. Todavia, ao longo da segunda metade do século

XIX, os anúncios de venda de pianos sempre aparecem nos jornais de São Luís.

Outro ponto que ratifica a ideia de que o número de anúncios de piano era grande,

levando-se em consideração o fabricante, o preço e o custo do transporte da Europa para a

América do Sul, é o fato de poucas pessoas terem conhecimentos musicais para executá-lo.

No entanto, por conta da simbologia que envolvia esse instrumento, por vezes era adquirido

como representação de refinamento, de distinção social e de poderio econômico da família,

que o apresentava em uma sala especialmente decorada e preparada para recebê-lo.

Nos jornais de São Luís não eram anunciados apenas pianos novos. Pessoas físicas, por

motivos que fogem ao conhecimento do pesquisador, colocavam seus pianos à venda, como

consta no anúncio que foi veiculado no jornal O Observador: “Vende-se um piano de

construção forte, mas usado, e por preço commodo: quem o pretender dirija-se á casa n 37 rua

do Sol desta Cidade”246

.

Geralmente nesses anúncios de pianos usados vinha especificado “em bom estado”, ou

“com pouco uso”, mas não vinha expresso o valor do instrumento, dado que ajuda a pensar se

estava mesmo em bom estado, visto que os pianos eram instrumentos musicais de alto valor

econômico. O Diário do Maranhão assim anunciou: “Vende-se um baratíssimo na officina de

Cypriano Baptista rua do Sol 19 podendo ser examinado por pessoa habilitada ou quem

pretendel-o”247

. Ainda no referido jornal aparece anúncio de usado: “Nªesta typographia se

informa quem precisa comprar um piano com algum uso porem bom”248

.

Alguns desses anúncios de venda de piano trazem informações valiosas como o nome

do vendedor e a rua onde residia e, através dessas informações, algumas conjecturas podem

ser levantadas a respeito das condições de vida das elites ludovicenses, pois, dependendo do

lugar onde o anunciante residia, é possível ter uma ideia da sua condição social e econômica.

Essas indicações podem ser feitas a partir do anúncio seguinte:

D. Antonia Martins vende um piano-forte francez, do fabricante Alphonse

Blondel (de Pariz) sem uso quase nenhum, de vozes avelludadas e de

armario. Tem sete oitavas e é de madeira preta, com ornatos despolidos.

Quem o pretender pode examinal-o em casa de sua residencia, á rua Grande,

n. 69.249

246

VENDE-SE... O Observador, São Luís, ano 8, n. 554, quinta-feira, 14 set. 1854. 247

VENDE-SE... Diário do Maranhão, São Luís, ano 28, n. 7191, sábado, 21 ago. 1897. 248

VENDE-SE... Diário do Maranhão, São Luís, ano 27, n. 676, quinta-feira, 12 mar. 1896. 249

PIANO-FORTE. O País, São Luís, ano 14, n. 140, sexta-feira, 15 set. 1876.

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Através desse anúncio é possível aventar algumas hipóteses. O dona “D.” era um

qualificativo usado por senhoras que tinham uma posição na sociedade do Brasil Imperial. D.

Antonia250

era uma senhora de posse, pois residia na Rua Grande, local onde habitavam as

elites na capital da província do Maranhão. Outra informação valiosa é que, provavelmente,

ela podia ser viúva, uma vez que mulheres da “boa sociedade” só anunciavam alguma coisa

em jornais em benefício de causas beneficentes, visto que as suas vozes eram as dos maridos.

E a terceira informação é que o piano tinha sido pouco usado. Sobre esta última, é possível

inferir duas coisas: a citada senhora possuía outro piano, ou não precisava mais dele para dar

aulas. Provavelmente, necessitava de dinheiro, e este talvez fosse o único bem de valor que

possuía. Finalmente, ao anunciar em um jornal a venda do seu piano particular, mostra que a

sociedade ludovicense da segunda metade do século XIX já passava por mudanças, pois foi “a

própria vida na cidade que se encarregou do processo de exteriorização da mulher”251

.

Além das expressões “pouco uso” e “bom estado”, utilizadas para qualificar os pianos

postos à venda, e que lhe diminuíam os preços, ainda havia os que serviriam para aprendizes,

pois um pianista concertista não compraria um piano com estas qualificações devido à falta de

alguns atributos essenciais de afinação e resposta da tecla ao toque que, provavelmente,

fossem mais irregulares nesses pianos. No entanto, instrumentos desse tipo eram oferecidos

nos jornais: “Piano – No escriptorio do „Diario‟ está um que se vende por preço commodo

para quem precisar de aprender”.252

Assim como havia anúncios que apresentavam muitas informações sobre o

conhecimento de diversos aspectos das vivências das elites durante o século XIX, existiam

outros que deixavam dúvidas, como o que veiculou o jornal O Paiz: “Albino Lopes Pastor

vende dous bons pianos, sendo um inglez e outro francez, com excellentes vozes preço muito

razoavel. Á rua de Nazareth, n. 34”253

. A dúvida está na expressão “bons pianos”, pois um

piano usado pode ainda receber essa qualificação, assim como um novo, mas o de uma marca

regular também pode ser um “bom” instrumento musical.

Contudo, para atender aos anseios de refinamento, civilidade e modernidade das elites

ludovicenses, os comerciantes também anunciavam pianos novos vindos da Europa, uma vez

que eram os que faziam os olhos dos membros das elites brilharem de tanto contentamento. E

é o jornal O Paiz que veiculou esta notícia, para alegria dos amantes do referido instrumento:

250

É possível que esta D. Antônia Martins seja a mesma D. Antônia Gertrudes Martins que anuncia aulas de

piano em 1873 no Almanak do Maranhão. 251

Kátia Muricy apud RAINHO, Maria do Carmo Teixeira. A cidade e a moda: novas pretensões, novas

distinções, Rio de Janeiro, século XIX. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2002. p. 63. 252

PIANO. Diário do Maranhão, São Luís, ano 16, n. 3456, terça-feira, 3 mar. 1885. 253

PIANOS. O País, São Luís, n. 86, quarta-feira, 18 abr.1877.

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“Candido Cezar da Silva Roza recebeu novos pianos de Hamburgo. Um destes pianos, cuja

caixa é de – NOGUEIRA – é primorosamente acabado, merece ser apreciado pelos

entendedores da arte, e collocado em alguma das sumptuosas salas desta bella cidade”254

.

Interessante como essas notas direcionavam a informação a um determinado estrato da

sociedade ludovicense, indicativo de que os pianos deveriam ser colocados em salas

“sumptuosas”, isto quer dizer que, somente pessoas com grande poder aquisitivo

poderiam/deveriam adquiri-los, porquanto somente nos grandes casarões colossais existiam

salas com essas características.

Da família dos instrumentos de teclas não era somente o piano que era oferecido nos

periódicos da capital maranhense. O órgão, mais solene e não menos refinado que o piano,

aparecia nos anúncios também já direcionado para quais lugares era mais apropriado, como

diz a notícia:

Duchemin & C.ª vendem:

Um orgão Harmonium proprio para sala ou para qualquer Igreja pequena

preco de 400$000.

PIANOS

Entre elles um grande de concerto, o melhor que ha nesta cidade e o mais

seguro.

Binoculos para theatro, muito superiores e por preços moderados.

Espelhos para salas.

Diversos tamanhos com caixilhos dourados.255

Durante praticamente toda a segunda metade do século XIX, como ratifica o anúncio

supra, São Luís careceu de uma livraria, loja ou comércio onde os músicos ou aspirantes a

este ofício pudessem encontrar em um só lugar o que necessitassem para os seus estudos.

Somente nos últimos anos do século XIX, através do anúncio seguinte, é que esta falta

começa a ser suprida, como diz a notícia: “Deposito de pianos e musica – Grande sortimento

de pianos e todos os instrumentos de musica. Alberto Fred_& Comp. --- Pará”256

.

Apesar da dualidade ordem/desordem representada, respectivamente, pelo piano e pelo

violão, os ludovicenses, independente dos estratos sociais onde estavam inseridos, tinham

acesso a outros tipos de instrumentos musicais. Dentre o universo dos instrumentos já

254

PIANOS de Hamburgo... O País, São Luís, n. 56, quinta-feira, 12 maio 1864. 255

DUCHEMIN & C.ª vendem. O País, São Luís, n. 86, terça-feira, 26 jul. 1864. 256

DEPÓSITO... Diário do Maranhão, São Luís, n. 6363, terça-feira, 20 nov. 1894.

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disponíveis na segunda metade do século XIX, a rabeca é um dos que também eram

anunciados nos jornais da cidade:

Despachado no 10 do corrente – Rabecas muito superiores com caixas, arcos

para ditas igualmente superiores, resina e clina para as mesmos; tem a venda

na Livraria de Antonio Pareira Ramos de Almeida, largo de Palacio, casa

n.20. Vindo no vapor Parabé para a mesma Livraria: Arithmetica, Algebra e

Geometira por Christiano Benedito Ottoni; Cathecismos da doutrina christã,

aprovados pelo bispo do Rio de Janeiro.

Julho de 1858257

.

Boa rabeca!!!

Vende-se na rua Grande n. 119 uma muito boa rabeca sem uso nenhum, com

methodo, por preço muito commodo.258

É importante continuar pontuando a falta de um lugar dedicado especialmente aos

amantes da música. Com efeito, na notícia apresentada acima ainda aparecem outros objetos

oferecidos ao público em geral, juntamente com os instrumentos musicais. E, apesar dos

instrumentos que predominavam serem o piano e o violão, respectivamente, das elites e dos

populares, outros sons também eram ouvidos pelas casas e ruas da cidade, como veiculou o

jornal O Paiz: “Srs. Muzicos, ophcleids, pistons e clarinetes, quando precisarem, procurem no

armazem pegado a alfandega. MOREIRA DA SILVA, IRMÃO & C.ª”259

.

Nos Almanaques do Maranhão, que também serviram de fonte para este trabalho, é

possível saber quais os outros instrumentos musicais existentes na capital maranhense,

embora não aparecessem anunciados nos jornais consultados. Nos almanaques aparecem

apenas os nomes de professores de outros instrumentos além do piano e do violão.

4.2 Partituras e professores(as)

Uma grande variedade de instrumentos musicais, mesmo em condições às vezes não tão

boas, já podia ser encontrada em São Luís nos idos da segunda metade do século XIX. No

entanto, esses instrumentos não têm “vida” e não despertam emoções sozinhos. Para que os

257

DESPACHADO... A Moderação, São Luís, ano 2, n. 22, sábado, 31 jul. 1858. 258

BOA rabeca! O País, São Luís, n.84, segunda-feira, 14 jul. 1873. 259

SRS. MÚSICOS... O País, São Luís, n. 86, terça-feira, 26 jul. 1864.

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martelos pressionem as cordas do piano, por exemplo, é necessário que uma pessoa aperte as

teclas e inicie a mecânica do instrumento.

Como os membros das elites utilizavam a música para diferenciarem-se dos seus iguais

e, principalmente, dos músicos populares que tocavam de ouvido, geralmente utilizavam a

partitura como principal elemento de orientação da peça musical. Por conta dessa necessidade

dos músicos com a formação chamada hoje de erudita, os anúncios de venda de partituras

eram constantes nos jornais. Logo nos primeiros anos da delimitação desta pesquisa, e ano em

que o Teatro São Luís é reaberto ao público maranhense, e talvez por conta desse grande

evento para o cenário cultural da capital da província do Maranhão, os jornais anunciavam as

músicas novas para o ano de 1852:

Na Livraria – FRUCTUOSO

La Samaritaine – Quad. Para Piano por Muzard. 1:200

A Pacotilha – dita “ dito pelo Sr. Proença. 1:200

La Mosquée – dita “ dito por Mr. De Lonqueville. 1:200

Macbeth – dita “ dito pelo Snr. Ribas. 1:200

A Marmota – dita “ dito pelo Sr. P.ra S.ª. 1:200

O Incendio do theatro de S. Pedro – dita para dito pelo Snr Moura 1:200

Vieni! T‟effretta! – Cavatina da opera Macbeth para canto e Piano. 1:800

Trionfai! Securi AL fine – dita da dita para dito e dito. 1:200

Mon Coeur. Romance francez por d‟Arnaud para dito e dito. 640

La Reine de La moisson – romance francez por d‟arnaud para dito e dito.

640

Marthe La Brune – dito dito por Mr. Clapisson para dito dito. 640

Stava ad um olmo ântico – romance italiano da Opera Anna La prio – para

canto e piano. 640

O Cancionista – Linda modinha para canto e piano pelo Snr. Ribas. 640

A Brazileira – Valsas para Piano pela Exm.ª Srª D. J. de Magalhaes. 1:200

A barateza dos preços convida aos Amadores.260

Apesar dessa falta de especialidade no que se refere a um local dedicado somente aos

artigos relacionados à música, os ludovicenses tinham a oportunidade de adquirir

instrumentos e partituras musicais através desses comerciantes e de particulares, alguns deles

músicos, que vendiam músicas, como anuncia o jornal A Imprensa

Em casa de Bernardino do Rego Barros, praia de Santo Antonio, n. 15, há a

venda as seguintes Muzicas: Saudades de Napoles, Valsa composta e

260

NA LIVRARIA – Frutuoso. Publicador Maranhense, São Luís, ano 10, n. 1273, sábado, 19 jun. 1852.

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dedicada a S.M.I. D. Thereza Christina Maria, por Bartholomeu Bortolazzi.

Offerecida pessoalmente pelo author, e a mesma Augusta Senhora,

beniganamente se dignou a acceital-a. Recreio Militar, esta nova quadrilha

de muito bom gosto chegada a pouco do Rio de Janeiro. Polka Lundum

Moreninha, Tal qual como toca a banda dos educandos. O Sonho para piano

e muitas outras musicas de bom gosto.261

Geralmente quem anunciava a venda de música nos jornais estava ligado ao mundo das

notas e dos sons. Bernardino do Rego Barros, que faz publicar anúncio de venda de partitura

em outra nota do jornal A Imprensa, torna público que “dá lições de Flauta e Clarineta por

casas particulares”262

.

Além de Rego Barros, Antonio Luiz Miró, que foi regente da orquestra do Teatro São

Luiz e era compositor conhecido nas plagas ludovicenses, também vendia partituras em sua

residência e as reduzia da forma orquestral para qualquer instrumento solista, como estava

veiculado no jornal Correio d’Annuncios:

Antonio Luiz Miró compositor de música, e professor de Piano e canto

n‟esta Capital, annuncia: que na caza de sua residência na Rua Grande nº 59,

se acha á venda uma grande porção de música para Piano, a começar da mais

fácil athé a mais difícil, e para canto com acompanhamento de Piano; toda

ella ultimamente recebida da Europa, e escolhida da mais moderna, e d‟entre

os melhores auctores Francezes, Alemães, Italianos &c. Também tem grande

sortimento de musica para todos os gêneros para Banda Marcial: para grande

e pequena orchestra: para canto com accompanhamento de orchestra ou

Piano. Operas completas Francezas, Italianas e Portuguezas com

accompanhamentos de grande e pequena orchestra: musica Sacra de diversos

gêneros. Também tem uma collecção de 12 valsas, das quaes 6 são

composição sua original n‟esta capital, e se intitulam – Nº1 A

SYMPATHIA – Nº2 OS AMORES – Nº3 O CIUME – Nº4 A DESPEDIDA

– Nº5 A SAUDADE – Nº6 O REGRESSO; - as outras 6 são extrahidas de

algumas das suas Operas Romances em portuguez também de sua

composição &c. &c.

O annunciante se encarrega de reduzir para quaesquer instrumentos, ou sejão

a Solo ou conjunctamente, não só qualquer das peças que se achão no seu

archivo, como outras quaesquer que para esse fim lhe forem apresentadas.

Encarrega-se, outro sim, de reduzir para Piano os accompanhamentos de

orchestra das peças de canto e vice-versa; como também de qualquer

composição em qualquer dos gêneros acima mencionados.

As pessoas que desejarem utilizar-se do seu préstimo, bem como de algum

dos objectos annunciados, e existentes no seu archivo; poderão ter a bondade

261

EM CASA... A Imprensa, São Luís, ano 5, n. 71, sábado, 7 set. 1861. 262

DÁ LIÇÕES... A Imprensa, São Luís, ano 5, n. 43, sábado, 1 jun. 1861.

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de o procurar na dita caza de sua residência todas os dias athé as 9 horas da

manhã.263

Esse anúncio de Antonio Miró dá informação do tipo de qualificação que tinha o

profissional de música que trabalhava em São Luís, pois, além de professor de piano e canto,

reduzia para piano o acompanhamento escrito para orquestra264

. Este é um dado

importantíssimo, porquanto a escrita musical nem sempre vem atrelada à execução de um

instrumento. Durante toda a história da música ocidental, existiram compositores que não

necessariamente eram exímios instrumentistas. Miró possuía uma formação musical muito

sólida e completa, pela quantidade de serviços que oferecia ao público maranhense.

Todavia, não era somente o piano que era privilegiado com a existência de professores

para os que desejam se dedicar à técnica pianística. Os instrumentos de percussão também

podiam ser aprendidos por quem assim quisesse, como anunciava o jornal Porto Livre:

Aos Caixeiros amantes da musica

O abaixo assignado lecciona em casa do Sr. Domingos da Silva Sampaio,

rua do Giz – Musica em instrumentos bellicos, - das 7 as 9 horas da noute,

sendo nas Segundas, Quartas e Sextas-feiras.

Aquellas pessoas que se quizerem utilizar do prestimo do mesmo, podem

procura-lo na dita casa as horas já indicadas. Leocadio Ferreira de Souza.265

Ao mesmo tempo em que esses músicos anunciavam seus serviços de copista de

partituras, convém salientar que essas músicas anunciadas nos jornais são músicas somente

para quem tinha algum conhecimento de leitura musical, pois, naquela segunda metade do

século XIX, não havia os recursos sonoros de gravação, programas de execução de partituras

etc. Então, somente a família que tinha algum estudante ou “curioso” no campo musical podia

usufruir dessas novas músicas: “a música, enquanto escritura, notação da partitura, encerra

uma prescrição, rígida no caso das peças eruditas, para orientar a performance. Mas a

263

ANTÔNIO... Correio d’Anúncios, São Luís, ano 1, n. 41, terça-feira, 17 jun. 1851. 264

Nos tempos atuais, as universidades oferecem separadamente graduações em harmonia, instrumentação e

instrumento, apesar de todas as graduações tanto de licenciatura em música quanto de instrumento oferecerem

em seus currículos cadeiras de harmonia. 265

Aos caixeiros amantes da música. São Luís, ano 1, n.26, [1862]. A data da publicação do jornal estava

mutilada, mas a edição provavelmente é de 1862, ano em que começou a circular na capital da província do

Maranhão.

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experiência musical só ocorre quando a música é interpretada266

”. Assim, o jornal A Imprensa

anunciava:

Muzicas novas para piano

Com a inauguração da Estatua Equestre do Imperador D. Pedro I

Quadrilha, Valsa, Polck, Schotsch, Galoppe.

Para Flauta as mesmas acima

Hymno Brasileiro – composto pelo D. Pedro I

Capricho do concerto sobre a filha do Regimento Reverié por A. Goria

Vende-se na Livraria do largo de Palacio, n.20.267

O anúncio acima apenas dá uma vaga ideia do que se ouvia na década de 60 do século

XIX. Só havia possibilidade de saber o gênero das músicas, quanto aos os nomes, estes não

estavam expressos na notícia. Com o passar dos anos, e uma consequente especialização do

entendimento dos comerciantes no tocante a chamar a atenção do possível comprador, os

anúncios ficam mais explicativos e trazem mais informações para os estudiosos da música do

século XIX maranhense, como escreve o redator do jornal Diário do Maranhão:

Musicas para Piano

Flores Italianas

La Fille du Regiment – Beatz di Tenda – Lumbardi – Belisario – Le Barbier

de Sevilha – Guilherme Tell – Il Trovatore – Um Ballo in Maschera –

Lucrezia Borgia – I Puritani – Norma – Nabudonosor – Ernani – Rigoletto –

Ruy Blas – Il Guarani.

C. Gomes –Recitativo, ad ave Maria.

C. Gomes – Duetto, Sento uma forza indomita.

Ascher – La Traviata, Grande Caprice.

Ascher – Lucrezia Borgia, Moreau de Concert

Ascher – Sans Souci, Galope de Bravoure

Badargewska – La Priére d‟Une Vierge.

F. Beyer – La Sonambula

F. Beyer – Um Ballo in Maschera

F. Beyer – La Fille du Regiment

F. Beyer – Mondolinata, Fantazie

H. Ravina – E‟tudes Tres Faciles

Gottschalk – Ojos Crioullos, Capriche Brillante

Gotteschalk – Pasquinade, Capriche Brillante

O étra – La Vaga, Suite deValses

A. Napoleão – Il Trovatore, Grande Fantaisie

A. Napoleão – Le Tourbillon

266

NAPOLITANO, Marcos. História & música. Belo Horizonte: Autêntica, 2005. p.83-84. 267

MÚSICAS novas para piano. A Imprensa, São Luís, ano 5, n. 103, sábado, 28 dez. 1861.

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A. Napoleão – Grande Capriche de Concert

Leybach – Fantaisie Brillant, Norma

LeyBach – Faust – Fantaisie Elegante

LeyBach – Sonambula, Fantaisie Brillante

LeyBach – Fantaisie Sur un Théme Allemand.

H. Bertoni – E‟tudes Célebres, Op.29.

H. Bertoni – E‟tudes Célebres, Op. 100.

Receberão: João d‟Aguiar Almeida e Comp. A rua de Nazareth, canto do

Jardim.268

Ainda na Livraria do Largo do Palácio, os ludovicenses podiam encontrar outras

músicas para alegrar os dias de festa em suas residências. A notícia a seguir também traz

poucas informações, porque não é possível saber quem eram os compositores das músicas. O

que dá a entender, como em toda notícia jornalística, é que na referida livraria havia partituras

à venda:

Musicas Novas

Moreninha, polk, londú, preco rs 600

O Imperial marinheiro 1$200

Garibaldi, quadrilha guerrense com todas as marcas 1$200

Lanceiros novos 1$200

Além d‟estas há muitas d‟outras qualidades; vendem-se na Livraria do Largo

de Palacio, 20.269

As partituras estavam à venda, como relatam os jornais da capital maranhense, mas era

necessário que as pessoas soubessem executar algum instrumento para usufruir das sensações

que elas ofereceriam ao serem ouvidas, visto que a “partitura é apenas um mapa, um guia para

a experiência musical significativa, proporcionada pela interpretação e pela audição da

obra”270

. Assim, os professores de música que residiam em São Luís colocavam à disposição

dos interessados os seus préstimos educacionais no campo musical.

Antes de tratar dos professores de música, é importante frisar que, de acordo com as

fontes pesquisadas, havia uma diferença entre o tipo de música e de compositor que era

ouvido no teatro e o que era executado pelos instrumentistas e estudantes de música nos bailes

e nos saraus familiares. Esse repertório, que podemos chamar de doméstico, era mais simples

268

MÚSICAS para piano. Diário do Maranhão, São Luís, ano 16, n. 3485, quinta-feira, 9 abr. 1885. 269

MÚSICAS novas. A Imprensa, São Luís, ano 6, n. 6, quarta-feira, 22 jan. 1862. 270

NAPOLITANO, 2005, p. 84.

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e de aprendizado rápido. Já o repertório para o teatro era mais sofisticado e por isso exigia

mais estudo e uma orquestra com um mínimo de habilidade para executar as peças.

Por falta de profissionais com um pouco mais de experiência na execução instrumental,

foram os músicos estrangeiros, membros das companhias líricas europeias, que ensinaram as

primeiras melodias aos ludovicenses com aulas particulares em suas residências, ajudados

pelo fato das récitas não acontecerem todos os dias da semana e também porque as

companhias permaneciam vários meses nas capitais de província onde os espetáculos eram

apresentados, conforme fez publicar José Uguccioni:

tendo fixado sua residencia nesta capital, propoem-se a dar lições de Rabeca,

Piano e canto & tanto em sua casa, como pelas particulares, afiançando ao

respeitavel público que será incansavel em promover o adiantamento de seus

discipulos. As pessoas, pois, que se dignarem de o honrar com a sua

confiança, terão a bondade de dirigir-se a sua residencia na rua da Cruz caza

n.44.271

Além de José Uguccioni, João Pedro Ziegler, após fixar residência em São Luís,

anuncia seus conhecimentos musicais para quem quizesse ingressar nas artes de Apolo:

João Pedro Ziegler, rabequista da Real Câmara de S. M. F. a Rainha de

Portugal, achando-se nesta cidade na qualidade de Director da Orchestra do

Theatro S. Luiz, offerece o seu préstimo para dar lições de Rebeca e Piano.

O mesmo tem para vender: Methodos de Canto, Piano, Rebeca, Contrabaixo

e Flauta; e também Variações, Peças extrahidas d‟operas, Quadrilhas, Valças

e outras muzicas para Flauta. Rua da Estrella n. 49.272

Apesar de os jornais serem os principais meios de divulgação das notícias no século

XIX, os almanaques, publicados no início de cada ano, continham os nomes dos profissionais

que ofereciam seus serviços à sociedade ludovicense com seus respectivos endereços e

especialidades. Os profissionais da música também ofereciam seus serviços no referido

almanaque. Para o ano de 1858, o Almanaque do Maranhão cita os nomes dos músicos e

professores de música instrumental:

271

BELLAS ARTES. O Observador, São Luís, ano 7, n. 501, domingo, 19 fev. 1854. 272

JOÃO... O Constitucional, São Luís, 13 abr. 1852.

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Andre Soares Falcão, tromboni, r. da Paz.

Antonio de Freitas Ribeiro, flauta, violão, rabeca e violoncello, dirige

orchestras para bailes e soirées, r. do Egypto, 23.

Antonio Gonçalves da Silva, ophcleid, r. da Madre de Deos.

Antonio José Fernandes Valença, rabeção e corneta de chaves, Campo

d‟Ourique.

Antonio Pacífico da Cunha, rabecca, praia Pequena.

Antonio Raymundo Marinho, rabeca, r. de St. Antonio, 35.

Berbardino do Rego Barros, clarineta, r. de S. João, 2.

Carlos Antonio Colás piston, r. Grande.

Condessa de Maffei, piano e canto, r. da Paz, 1.

Cesar Savio, piano e canto, r. da Estrella, 47.

Domingos Corrêa de Vasconcellos, rabecca, r. da Savedra.

Ezequiel Antonio Colás, flauta, r. de S. João

Francisco Antonio Colás, clarineta, dirige orchestra para baile, e festividades

religiosas, r. Grande.

Francisco Xavier Bekman, rabeca e violão, r. da Savedra, 14.

Innocencio Smoltz, piano, e dirige orchestras em theatro e festividades

religiosas, convento de S. Antonio

João Evangelista Belfort, rabecão e tromboni, travessa da Passagem.

João Evangelista do Livramento, timbales, violão e música, r. Direita, 18.

João Fasciolo, piano, r. de S:Anna.

João Pedro Ziegler, piano, canto e rabecca, r. do Egypto, 27.

Joaquim Antonio de Lemos Paricá, rabecca, r. das Violas.

José Affonso Pereira, tromboni, r. do Quebra Costa.

José Antonio de Miranda, trompa, r. do Sol.

José de Carvalho Estrella, rabecca, r. das Barrocas, 14.

José Vicente da Costa Bastos, rabecca, r. do Egypto.

Leocadio Ferreira de Souza, piston e ophcleid, dirige a Banda Militar do 5º

de fuzileiros, r. de St. Antonio

Luiz Scandolari, rabbeca, r. Grande.

D. Maria José Guimarães, piano, r. da Palma, 34.

Polycarpo Joaquim de Lemos, trompa, r. dos Remédios.

Ricardo José d‟Oliveira e Silva, rabecca e vileta, r. Grande, 78.

Sérgio Augusto Marinho, flauta e dirige orchestras para bailes, reuniões e

bandas militares, r. da Palma, 20.

Vicente Ferrer Lyra273

, piano e canto, r. da Palma, 47.274

Não obstante a extensão deste anúncio, ele traz informações preciosas sobre os músicos

que atuavam em São Luís no ano de 1858. A primeira delas é o conhecimento de que havia

professores não só de piano e violão, mas também de trombone, clarineta, ophcleid275

etc.

Além dos seus nomes, é possível mapear onde moravam esses profissionais. Os que

273

De acordo com o Almanaque do Maranhão para o ano de 1858, ocupava também o cargo de organista da

Catedral da Sé de São Luís. No entanto, o prof. Dr. João Berchmans durante sua pesquisa encontrou a lápide do

mesmo, na dita Catedral, datada de 1857. 274

MÚSICOS e professores de música instrumental e vocal. Almanaque Administrativo, Mercantil e Industrial

do Maranhão para o ano de 1858, São Luís, 1858, p. 117-118. 275

Espécie de saxofone.

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morassem nas imediações da Praia Grande, coração da cidade e centro do comércio,

possivelmente suas condições financeiras não eram tão ruins. Quanto mais afastados

estivessem da referida área, os aluguéis eram mais baratos e consequentemente a clientela

possuía menos recursos financeiros.

A nota apresenta dois extremos no que se refere ao lugar onde esses professores de

música estavam instalados e os instrumentos que ensinavam. Por exemplo, Antônio

Gonçalves da Silva ensinava ophcleid e morava na Rua da Madre de Deos, bairro popular e

reduto de boêmios e desocupados, e César Sávio ensinava piano e canto, e residia na rua da

Estrella, 47, onde estavam instalados os grandes comerciantes e, consequentemente, onde os

recursos financeiros eram mais abundantes.

Dentre os músicos da listagem do Almanak aparece o nome de uma mulher, Condessa

de Maffei, que ensinava piano e canto, e residia na Rua da Paz, nº 1. Esta senhora era atriz da

companhia lírica que dava espetáculos no Teatro São Luís. E é o jornal A Nova Epocha que

veiculou notícia sobre espetáculo em benefício dos artistas da Companhia Marinangeli, no

qual aparece o nome da dita professora:

Comunicado

O nosso Theatro vai ainda de quando em quando gemendo com concertos

musicaes; e pelo beneficio, que se deu no sabbado á Srª Condessa Maffei, a

concorrencia do publico dez lembrar os dias felizes da Empreza.

Todos sabem o triste desfecho d‟esta Empreza; que deixou os artistas sem

parte de seus estipendios ganhos com tantos sacrificios, e pontualidade no

cumprimento de seus contractos, vendo-se alguns sem meios de regressarem

á sua patria; em taes circunstancias forçoso era recorrer a um publico

hospitaleiro e benevolo; por isso o Sr. Scandelari, primeiro Violino director

da Orchestra segundo somos informados, obteve do Governo da Provincia a

concessão de um beneficio, que em breve deve ter lugar.

Excusado a recommendar agora protecção para o Sr. Scandelari a um

publico illustrado amador da musica, que sempre se tem mostrado protector

das bellas artes.

Para tal beneficio se prestam gratuitamente seus compatriotas, a Srª

Condessa Maffei, Vanineti, Dalla Costa, e a Srª Romagnelli, assim como a

orchestra do mesmo Theatro.276

Outro ponto importantíssimo é a quantidade de músicos profissionais existentes em São

Luís na segunda metade do século XIX. Isso não quer dizer que todos esses músicos tinham

domínio dos conhecimentos teóricos musicais, pois não é necessário saber ler partitura para

276

COMUNICADO. A Nova Época, São Luís, ano 3, n. 106, terça-feira, 16 fev. 1858.

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executar um instrumento de sopro, de cordas e para cantar, por exemplo. Em relação ao piano,

a probabilidade de uma pessoa executar esse instrumento sem leitura musical é muito

pequena, devido à necessidade de ler em duas claves277

diferentes e da técnica exigida na

execução das peças musicais. Na lista dos professores de música acima, somente João

Evangelista do Livramento ensina teoria musical.

Importante ratificar que durante a pesquisa, o Almanak mais antigo ao qual tive acesso,

foi o de 1858, no entanto, isso não significa que esses músicos começaram a atuar somente

nesse ano. Pelas informações que outras fontes apresentam, os músicos citados já atuavam em

São Luís nos anos anteriores. O jornal A Sentinella anuncia um baile de máscaras no qual o sr.

Sérgio Marinho dirigiu a orchestra:

Domingo 22 do corrente, compararemos da forma que haviamos promettido

no Sam Luiz.

A Orchestra que foi dirigida pelo Sr. Sergio Marinho... tocou

excellentemente variadas peças, não só mais bem executadas, como de

melhor escolha que as do primeiro Baile.278

Dez anos após esta publicação do Almanak do Maranhão, no mesmo instrumento de

pesquisa não constam as listas das profissões. Mas o Almanak279

dá informação de que o

organista da Sé é Theodoro Guignard e que João Pedro Ziegler é o comandante do corpo de

Polícia da capital.

Já no ano de 1873, o Almanak traz a lista dos músicos e professores de música

instrumental e vocal, com um número mais reduzido desses profissonais e agora com três

professoras:

D. Antonia Gertrudes Martins, piano, r. Grande, 73.

Antonio de Freitas Ribeiro, violoncello, r. Formoza, 3.

Antonio Raymundo Marinho, rabeca, r. da Palma, 14.

Bernardino do Rego Barros, clarineta e flauta, r. de S. Antonio, 9.

Carlos Antonio Colás, trompa, r. de Sant‟Anna.

Dionisio de Oliveira e Silva, rabeca, r. Grande, 90.

277

No pentagrama musical é o símbolo que dá nome às notas. Atualmente, o pianista lê partituras nas claves de

Sol e Fá, respectivamente, executadas pelas mãos direita e esquerda, e quando indicadas pelo compositor

inversamente. 278

DOMINGO... A Sentinela, São Luís, 4ª série, n. 29, 28 jul. 1855. 279

Almanaque, Mercantil e Industrial do Maranhão para o ano de 1868, São Luís: Editor B. de Mattos, 1868,

p.60-61.

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Ezequiel Antonio Colás, flauta, r. dos Remédios, 41.

Francisco de Seixas Dutra, ophcleide, piston e contrabasso, r. da Paz.

José de Carvalho Estrella, violino concertante, r. de S. João 45.

José Maria Bragança, piston, r. do Sol.

José Antonio de Miranda, trompa, r. dos Afogados, 155.

Lino Jose da Silva Guimarães, cantor, r. da Madre de Deus, 77.

Vicente Antonio de Miranda, r. dos barqueiros, 7.

Leocadio Ferreira de Souza, contrabasso, r. de S. Pantaleão, 64.

D. Maria G. Teixeira, piano e canto, r. de S. Antonio 26.

D. Libania Amelia dos Reis de Carvalho, piano, r. das Hortas.280

Neste anúncio aparecem os nomes de três senhoras professoras de piano e é o dona (D.)

que as qualifica como tais. Dos dezesseis nomes de músicos citados acima, oito deles já

constavam na lista de 1858. Os outros oito moram em regiões mais afastadas da região central

da cidade. Ao que parece, Theodoro Guignard ocupava o posto de organista da Sé desde 1865

e ficará até 1879, é o que informa o Almanak do referido ano. E sobre a nomeação de

Guignard para o referido cargo, escreve o redator do jornal A Fé: “Organista – Mr. Theodoro

Guignard foi nomeado organista da Santa Sé Cathedral desta cidade, e já se acha em

exercicio”281

.

Passados seis anos, o Almanak de 1879 publica a lista dos músicos que atuavam na

capital da província do Maranhão. Quase a metade dos profissionais era composta por

mulheres, como mandam anunciar os seguintes professores(as) de música instrumental e

vocal:

Leocadio Alexandrino dos Reis Raiol – rabeca, encarrega-se de orchestras

para festividades religiosas e theatro, rua da Paz.

Leocadio Ferreira de Souza – idem, rua de S. Pantaleão

Isidoro Lavrador da Serra – flauta, rua do Alecrim.

João Evangelista do Livramento – violão, r. de S. Pantaleão

João Pedro Ziegler – piano, rua do Quebra Costa.

Theodoro Guignard – piano

D. Antonia Gertrudes Martins – piano, rua do Sol.

D. Emilia Moura dos Reis Carvalho – piano, r. da Paz.

D. Margarida Pinelli da Costa, canoto e piano, c. Ourique.

D. Rachel Ziegler, piano, rua do Quebra Costa.282

280

MÚSICOS e professores de música instrumental e vocal. Almanaque Administrativo do Maranhão para o

ano de 1873, São Luís: Editor João Candido de Moraes Rego, 1873, p. 203. 281

ORGANISTA. A Fé, São Luís, ano 1, n. 25, sábado, 19 ago. 1865. 282

PROFESSORES de música instrumental e vocal. Almanaque do Maranhão para o ano de 1879, São Luis,

1879, p.86.

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Dessa lista alguns já são conhecidos do público maranhense como Leocádio de Souza,

João Evangelista e João Ziegler. Theodoro Guignard já era conhecido, mas não constava nas

listas anteriores, às quais tive acesso, como músico particular, apenas como organista da Sé, e

D. Antônia Martins, também presente nos anúncios anteriores. Novos na lista são Leocádio

Rayol, primogênito de uma prole de três irmãos também músicos, Antônio e Alexandre, dos

quais tratarei adiante. E as senhoras Emília e Libânia, que possivelmente pertençam aos ramos

Reis e Rayol da família de Leocádio. A prima-donna da Companhia Lírica do sr. José

Marinangelli, D. Margarida que, após a morte do seu cônjuge Melchior Sachero, na província

do Pará, onde davam espetáculos, retorna ao Maranhão e casa-se com o teatrólogo F.

Gaudêncio Sabas da Costa283

e Rachel esposa de João Pedro Ziegler.

Ao que parece, com a aproximação da década de 1880, as mulheres começam a aparecer

com mais frequência anunciando suas especialidades musicais nos jornais da cidade. Essa

tendência deve-se em grande parte às melhorias da vida moderna e às ideias que começavam a

se disseminar entre as elites letradas do império brasileiro, fazendo com que os espaços

públicos também fossem ocupados pelas mulheres, geralmente exercendo carreiras ligadas ao

ensino, mas não só isso, pois “as novas obrigações da mulher da “boa sociedade” incluíam

então a promoção e a participação nas festas e nos salões, das quais muitas vezes dependia o

prestígio da família”.284

Com a abolição da escravidão e a proclamação da República, as mudanças nas

estruturas sociais ficam ainda mais evidentes. Nos últimos anos do século XIX, encontrei dois

anúncios de professoras de música oferecendo seus conhecimentos aos ludovicenses, ambos

veiculados no Diário do Maranhão.

Mestra

Offerece-se ao respeitavel publico maranhense para ensinar piano, as linguas

franceza, allemã e ingleza, como tambem geographia, bordados e outras

materias, d. Joanna Nindel Hoyer, que brevemente tenciona mudar-se para

esta cidade, onde há quinze annos leccionou em distinctas familias e

collegios e depois no Rio de Janeiro e Parnahyba com satisfação de todos,

como podem atestar muitas pessoas, que aqui existem e que a conheceram.

Mais informações pode-se obter do sr. João Frederico Hoyer, na rua

Grande.285

283

JANSEN, José. Teatro no Maranhão. Rio de Janeiro, 1974. p. 87. 284

RAINHO, 2002, p. 63. 285

MESTRA. Diário do Maranhão, São Luís, ano 21, n.4989, segunda-feira, 28 abr. 1890.

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Nesse anúncio há determinadas assertivas que sugerem algumas conjecturas sobre o

andamento das possíveis mudanças nos pensamentos das elites ludovicenses na passagem do

século XIX para o XX, pois, apesar da senhora Joanna Hoyer anunciar que dava aulas

particulares em sua residência, as informações deviam ser obtidas com seu marido, sugerindo

que, assuntos financeiros ainda não eram tratados por mulheres. O homem era o provedor da

casa e a ele cabia lidar com as questões materiais. Além das artes, ensinava “bordados”,

indicando que estava refinando uma futura rainha do lar.

O outro anúncio é mais significativo, porquanto expressa realmente que a professora de

música vivia de seus conhecimentos, como segue: “Almerinda Nogueira convenientemente

habilitada com exame prestado perante o conservatório de musica da capital federal, propõe-

se a ensinar musica e piano, podendo ser procurada á rua de Santa Ritta n.76 para ajuste”286

.

Almerinda já está inserida nos novos ditames das sociedades modernas, nas quais os filhos e

fihas das elites não estudavam mais em casa e sim nos conservatórios musicais, apesar dessa

tendência ter sido consagrada no decorrer do século XX.

Apesar de esses anúncios serem extremamente significativos no que tange à inserção

das mulheres nas atividades profissionais, a maioria dos professores de música era formada de

homens, fato observado nas fontes consultadas, como é possível verificar em mais um

anúncio: “Francisco do Rego Barros [que] lecciona musica instrumental. Rua dos afogados,

n.92”287

.

Muitos foram os professores de música que habitaram ou passaram pela capital da

província maranhense. No entanto, o músico que conquistou maior notoriedade na sociedade

maranhense foi o tenor Antonio Rayol que, ainda jovem, funda um colégio dedicado à

referida arte, como diz o anúncio:

AULA DE MÚSICA

dirigida por

ANTONIO RAYOL

Continua a funcionar nas segundas e sextas-feiras.

5$000 reis mensaes, pagos adiantados.

RUA GRANDE N. 94.

Também copia-se toda e qualquer musica.288

286

MÚSICA E PIANO. Diário do Maranhão, São Luís, n. 6305, terça-feira, 11 set. 1894. 287

AULA DE MÚSICA. Pacotilha, São Luís, n. 2, sábado, 3 jan. 1885. 288

AULA de música. Pacotilha, São Luís, 22 jan. 1883.

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O texto supra indica que, apesar de não ter tido acesso a outras notícias anteriores sobre

as aulas de música ministradas por Antonio Rayol, elas já existiam, conforme escreve o

redator, “continua”, deixando claro que somente queria lembrar à sociedade ludovicense que

o referido professor ainda lecionava música.

4.3 Os irmãos Rayol: sons ao invés de letras

Durante a segunda metade do século XIX, na constelação das artes não mecânicas, o

campo das letras foi o mais prolífico e destacado entre as elites imperiais, devido a sua

principal característica como fruto essencialmente do pensar. Naquele século XIX, tudo o que

fosse realizado com as mãos era depreciado pelas elites, que definiam trabalho manual como

sinônimo de escravidão e de pobreza. Por isso, só as artes que lidavam essencialmente com as

ideias, nas quais as mãos eram utilizadas apenas de forma delicada, eram consideradas dignas

das elites.

Dessa forma, a Literatura conquistou muitos compassos por conta do seu

enquadramento essencialmente no pensar e no sentir. Com o passar dos anos a música,

também considerada uma arte manual, que no Brasil desde os primórdios fora desenvolvida

por índios e negros, vai ganhando novos significados após a vinda da família real portuguesa

para o Brasil, em virtude da necessidade de músicos brancos para atuar no paço imperial, pois

uma corte ilustrada europeia não poderia ser servida essencialmente por escravos e mulatos

músicos.

A partir das mudanças que a instalação da corte portuguesa tratá à colônia brasileira, a

organização da música no Brasil ganhou avanços com a vinda de músicos europeus e a

formação de músicos brancos para atuar nas comemorações cívicas e nas festas realizadas por

D. João VI. Depois que o Brasil tornou-se uma nação independente e, principalmente, depois

da coroação de D. Pedro II como imperador do Brasil, as artes floresceram ainda mais,

inclusive a música, por conta do grande incentivo do imperador. Em 1848, o governo imperial

criou o Conservatório de Música, sediado no Museu Imperial e, em 1857, a Imperial

Academia de Música e Ópera Nacional, o que fez com que as artes musicais ganhassem mais

destaque e, por conseguinte, um espaço institucionalizado e elitizado.

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Como todas as províncias do império seguiam os ditames da corte, essas novas

determinações nacionais também influenciaram as elites em São Luís. Assim, num ambiente

onde, mesmo com a mudança do status social da música, os filhos das elites e da burguesia,

ávida por aristocratizar-se, geralmente dedicavam-se às letras, os três filhos de Augusto César

dos Reis Rayol e Leocádia A. Belo Rayol escolheram a música não só como arte

diferenciadora, mas como profissão.

Antônio Carlos dos Reis Rayol nasceu em 1855, segundo filho do consórcio entre

Augusto e Leocádia. Seus irmãos também eram músicos. Tinha Leocádio289

como irmão mais

velho e Alexandre como irmão caçula. O primogênito foi regente da orquestra do Teatro São

Luís, rabequita e compositor. E sobre esse talento do primogênito da família Rayol escreve o

redator do Jornal para Todos, “o Sr. Leocádio Raiol compoz um bonito novenario, para a

proxima festa de Snata Filomena”290

. O mais moço era violoncelista e compositor291

, mas não

se decidou com afinco ao instrumento. Já Antônio atuou na área da composição musical,

regência, mas foi como cantor lírico que mais se destacou.

Antônio provavelmente inicia seus estudos em São Luís e ali conseguiu adquirir

conhecimento suficiente para vencer um concurso no Rio de Janeiro em 1879, que selecionou

um tenor e cujo prêmio era uma bolsa de estudos na Europa, mais especificamente na Itália,

onde estudou dois anos e teve como professor de canto Alberto Giannini (1842-1903) e de

harmonia e composição Vicenzo Ferroni (1858-1934)292

.

Após esse período de estudos no velho mundo, Antônio Rayol conquistou grande

notoriedade em São Luís por conta dos progressos musicais que ele apresentou aos seus

conterrâneos, por isso suas aulas eram concorridas e seus alunos pertenciam aos estratos mais

favorecidos da sociedade ludovicense, pois, como informa o anúncio seguinte, podiam fazer

doações aos acometidos pelas epidemias de varíola que assolavam o Maranhão nesse tempo:

PUBLICAÇÕES A PEDIDO

Relação nominal dos alumnos da aula de música do professor Antonio Rayol

que contribuirão expontaneamente com a quantia de 1$400 rs. para socorrer-

se aos indigentes variolosos.

A. Raiol (professor da aula).................................................................... 2$000

289

Sobre a música religiosa de Leocádio Rayol Cf. CARVALHO SOBRINHO, 2003. 290

O SR. Leocadio... Jornal Para Todos, São Luís, ano 1, n. 19, 13 jul. 1877. 291

Nas partituras que constam no acervo João Mohana, guardadas no Arquivo Público do Estado do Maranhão,

quem mais se destaca em número de composições dentre os irmãos Rayol é Alexandre, que aparece com 76,

Leocádio com 19 e Antônio com 47. 292

Enciclopédia de Música Brasileira apud CARVALHO SOBRINHO, 2003, p. 90.

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João G. da Silva.......................................................................................2$000

Arthur B. Costa Ferrª...............................................................................2$000

Domingos Côco Ribeiro..........................................................................1$000

D. Deoclecia R. de Souza........................................................................1$000

Agostinho Santos.....................................................................................1$000

Carlos A. Pereira...................................................................................500

C. Abreu......................................................................................................500

Thomé Lisboa..............................................................................................500

D.Anna L. F. Santos....................................................................................300

Luiz Santos..................................................................................................200

Antonio M. Ferreira.....................................................................................200

Alfredo Ferreira...........................................................................................200

Desta quantia deu-se ao exm. sr. governador do Bispado.......................8$400

E a commissão dos estudantes.................................................................3$000

Maranhão, 17 de janeiro de 1883.293

Nessa relação aparecem apenas os nomes de duas mulheres, o que indica que, não

obstante as novas ideias que circulavam pela província maranhense, poucas mulheres ainda

frequentavam ambientes onde os homens eram maioria. Além dos anúncios das aulas de

música de Antônio Rayol, ele também anunciava suas composições nos jornais da cidade,

como a seguinte: “A Bisnaga – Polk para piano propria para o carnaval, por Antonio Raiol.

Vende-se a 1$000 reis o exemplar. Rua grande n. 94”294

.

Antônio tinha grandes amigos no jornal A Luta, periódico que circulava em São Luís na

década de 1890. Por conta dessa amizade, os redatores desse jornal veiculavam notícias sobre

o tenor maranhense quando este estava ausente do convívio dos seus conterrâneos em viagem

pela Europa.

É notório que, naquele século XIX, as pessoas não tinham as facilidades de

deslocamento que as inovações tecnológicas promovidas pela modernidade oferecem aos

homens e às mulheres atualmente. Eram longos itinerários em navios nem sempre confiáveis

e confortáveis. Itinerários esses que geralmente contornavam as principais capitais das

províncias do império brasileiro até seguir para a Europa, como noticia o redator do jornal A

Luta, sobre a atuação de Antônio na passagem pelo Ceará:

ANTONIO RAYOL

Retira-se para o sul da Republica o nosso distincto amigo Antonio Rayol,

uma das poucas glorias que possue o nosso Estado.

293

PUBLICAÇÕES a pedido. Pacotilha, ano 3, São Luís, 19 jan. 1883. 294

A BISNAGA. Pacotilha, São Luís, ano 3, sábado, 27 jan. 1883.

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Depois de ter dado optimos concertos no Estado visinho e no nosso,

colhendo os mais elevadas ovações a que tem direito a sua bella voz de tenor

segue para o sul d‟onde partirá para a Itália a fim de receber mais alguma

educação artística.295

Por conta das peculiaridades da época em questão, esses longos itinerários das viagens

proporcionavam aos homens e mulheres a possibilidade de estabelecerem intercâmbios

culturais e atuação dos profissionais embarcados nos portos onde os navios ancoravam.

Em 1891, Antônio Rayol deixa São Luís tendo como destino mais uma vez o continente

europeu. Mas, antes de chegar ao mundo considerado civilizado naquele presente, por conta

das circunstâncias do transporte e da necessidade de rearmazenamento de água potável,

limpeza da embarcação e desembarque e embarque de passageiros, Antônio deu concertos no

famoso Club Iracema, na província do Ceará. Sobre o referido concerto, é o mesmo jornal A

Luta que relata os sucessos do tenor maranhense nas “terras de Alencar”:

Com o applauso de que é digno, deu o nosso amigo Antonio Rayol, no

Ceará, um explendido concerto.

O Club Iracema offereceu seus vastos salões ao ilustre concertista prestando-

se a digna diretoria a coadjuvar o tenor maranhenses em suas justas

aspirações.

Antonio Rayol, não é um artista que supplica a queima do incenso, mas que

tem direito as palmas do applauso pelo seu mérito e dedicada vocação pela

arte que abraçou.

O que foi o concerto de Antonio Rayol no Club Iracema já podíamos

calcular – um verdadeiro successo.

A imprensa da Fortaleza foi unânime na apreciação feita ao nosso amigo

mas trasladamos para o nosso periódico a sua noticia e apreciação feita pelo

– O Libertador – illustre paladino da imprensa da terra da luz:

Sabbado a noute o salão de honra do Club Iracema encheu-se da fina flor de

nossa sociedade, que foi assistir ao concerto do tenor brasileiro Antonio

Rayol.

O que de mais chick no bello sexo cearense e de mais selecto do sexo feio,

achava-se reunido no salão do Iracema, na anciedade de ouvir o distincto

tenor e os eximios amadores que prestaram-se gentilmente a auxilial-o.

A execução do programa satistfez amplamente a expectativa do publico, que

não regateou palmas; mas entretanto vamos destacar os trechos que mais

enthusiasmo despertaram.

A romanza Sentimental de Luzzi, foi cantada pelo Rayol com uma

delicadíssima expressão, impressionando dolorosamente o auditório a phrase

final em pianíssimo – Miu madre mori!...

Mmes. F. Menescal e M. Luiza Jorge, na Tarantelle de Raff, em dous pianos,

revelaram ser possuidoras do difficil segredo desses instrumentos que nem

toda gente sabe vibrar ao mesmo tempo com arte e sentimento.

295

ANTÔNIO Rayol. A Luta, São Luís, n. 7, domingo, 5 abr. 1891.

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A serenata de Braga, em surdina, para dous violinos, por Antonio Rayol e

Henrique Victor, deliciosamente executada, foi incontestavelmente uma das

notas mais adoráveis da parte instrumental do concerto.

Mlles Marieta Bastos, Maria e Angelica Mendes e Marietta Gondim

executaram a oito mãos uma marcha Meyerber, que terminou sob uma chuva

de palmas.

Terminou o concerto com a melodia da opera Il Vagabundo, cantada pelo

Rayol, com a pujança e a doçura de sua voz extensa, avelludada e rica de

nuances sonoras.

----

O distincto cavalheiro, o Sr. Alferes Luiz Furtado offereceu ao Rayol, em

seu nome e de diversos alumnos da Escola Militar, uma magnífico anel com

uma grande saphira e cercadura de brilhantes.

----

Depois, que se retiraram as famílias, a pedido de diversos cavalheiros que

ficaram para acompanhar Rayol até sua residência, cantou ele trechos do <<

Africana>>, a ária do 4º acto do <<Trovador>> seguida do Madre infelice

em que deu cinco vezes o dó do peito, destacando-se o ultimo que Rayol

sustentou durante 30 segundos.296

A notícia sobre a atuação de Antonio Rayol em Fortaleza, capital da província do Ceará,

está cheia de informações importantes sobre as comunicações no século XIX, pois, apesar da

dificuldade nos transportes, essas informações ainda circulavam com relativa rapidez para os

padrões da época. A nota também informa quem executava o piano em Fortaleza e quem

estava em evidência. Como o concerto fora realizado no clube mais famoso da referida

cidade, ali estavam presentes os instrumentistas mais conceituados, é o que dá a entender o

redator do jornal cearense.

Acabados os sons dos aplausos dos cearenses, Antônio Rayol segue viagem para o Rio

de Janeiro, agora capital da recém-criada República Brasileira, de onde partiu com destino à

Itália. E sobre a passagem do tenor maranhense entre os cariocas é o redator do jornal A Luta

que dá as informações:

Deve seguir hoje da capital Federal para Milão o nosso conterrâneo e amigo

Antonio Rayol.

É mais um luctador ousado que victorioso em pequenas pelejas, busca entrar

em nova e renhida batalha.

Que sejas coberto de loiros, como até agora tens sido, a humilde redacção da

<< Luta>>.

Eis o que encontramos a seu respeito na << Cidade do Rio>> de 15 de

Setembro:

296

ANTONIO Rayol. A Luta, São Luís, n. 12, quinta-feira, 7 maio 1891.

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<< De volta de sua excursão pelo norte veio nos visitar o nosso estimado

amigo Antonio Rayol, distincto tenor maranhense.

Antonio Rayol esteve no Maranhão, sua terra natal, e no Ceará e Pará, onde

se fez ouvir sendo acolhido e applaudido com enthusiasmo.

Quando de volta á bordo do Brazil entre a Victoria e este porto, elle, reunido

as distintíssimas amadoras paraenses D. Elvira e Olympia Gomes, organisou

um magnífico concerto offerecido ao commandante P. H. Duarte, sendo

executados diverso trechos de bella musica.

No intervallo da 1ª para a 2ª parte os organizadores da festa dirigiram-se aos

passageiros pendindo um obulo para a Associação Protectora dos Naufragos

tendo sido obtida a quantia 120$740 que foi entregue ao respectivo

commandante para dar-lhe o destino conveniente.

Fez um brilhante discurso nesta occasião o Sr. Dr. Moreira Lima, lente da

faculdade de direito de S. Paulo.

A tripolação do Brazil agradeceu effusivamente ao tenor Rayol e suas

illustres compaheiras este acto de philantropia e offereceu aquelle por

intermédio do dr. Roberto Veloso, medico do paquete, uma medalha de

estranho preparada á bordo pelo 1º machinista, com a seguinte inscripção:

<< Ao tenor Rayol lembrança da tripulação do Brazil – 10-9-91.

Tomaram parte no concerto diversos amadores que foram muito

applaudidos.

Rayol tenciona dar aqui nesta capital um concerto seguindo depois para a

Europa.

Damos as boas vindas ao illustre artista e desejamos-lhe completo triumpho

na brilhante carreira a que se destinou.297

Se Antônio Rayol era ou não conhecido realmente por todo o norte, nordeste e na

capital federal, não há como precisar com certeza, pois, assim como hoje, existem colunas nos

jornais dedicadas exclusivamente a notícias dos leitores ou de quem possa pagar por um

anúncio, no século XIX não era diferente, ainda mais quando o motivo da notícia era amigo

dos redatores. Assim, sobre os comentários do redator do jornal só podemos fazer conjecturas

como estas...

Certo é que, nos primeiros anos da década de 1890, os conterrâneos de Antônio Rayol

não podiam reclamar da falta de informações sobre o tenor maranhense. Até mesmo pelo que

representava na província maranhense uma pessoa ir estudar na Europa. Era motivo de grande

orgulho e contribuía ainda mais para aumentar a notoriedade do cantor perante a sociedade

onde nascera.

Antônio Rayol viaja para a Europa e continua em contato com os redatores do jornal A

Luta. É graças a essas correspondências que hoje é possível saber as peculiaridades sobre a

vida do cantor que mais se destacou no século XIX maranhense. Como dissera anteriormente,

além de cantor, Antônio era também compositor, ofício que “confundia-se sempre com a

297

ANTONIO Rayol. A Luta, São Luís, n. 37, domingo, 18 out. 1891.

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profissão de regente de orquestra, mestre de banda ou ainda intrumentista. Dessa forma, quase

todos os compositores [...] tinham sempre outra atividade musical, inclusive a de

professor”298

. Ao que parece, esse período de estudos na Europa foi fértil para Antônio Rayol,

visto que, não muito tempo depois, o jornal A Luta publica notícia sobre as novas

composições do tenor maranhense:

Não erramos quando em tempo dissemos que o circulo em que Antonio

Rayol vivia era pequeno para dar expressão ao seu talento musical.

O nosso distincto coestadano acaba agora de confirmar a nova asserção,

firmando de um modo admirável a confiança que lhe depositamos como

gloria d‟este Estado na arte de Bellini.

Pelo ultimo paquete recebemos do illustre maranhense uma colecção de

composições suas escriptas, umas para piano forte, outras para canto e piano,

outras finalmente para órgão e trez vozes.

Não sabemos o que admirar em Antonio Rayol, si o encanto com que foi

escripto o seu pensamento, si a harmonia que ainda mais o realça.

A Romanza Senti! Para voz de barítono é uma explendida producção. É o

conjunto do pensamento italiano na poesia casando-se com a musica

delicada, suave, vibrada com uns tons um tanto a brasileira.

É magnífico!

A fantasia Capricio para piano forte e violino, é um trabalho de fôlego e para

poder ser convenientemente apreciado torna-se mister que seja executado

por um violinista de força e presentemente só temos n‟essa condicção o Sr.

Faustino Rabello.

Scherzando é uma interessante gavota offerecida ao dr. Barbosa de Godois.

O que é e o que vale Antonio Rayol n‟esse estylo musical por todos

sabemos, pois por muitas vezes temos apreciado o illustre maranhense

executando gavotas arrebatadoras, prenda de uma vivacidade franceza.

O Tantun Ergo veiu mais uma vez confirmar seus créditos nas musicas

sacras, cujo estyllo e gosto tem sido sempre admirados por todos.

Continue Rayol o seu curso de musica na terra das harmonias e inspirações e

volte para mais elevar o nome dos maranhenses as alturas que merece.

Para confundir seus adversários gratuitos basta o brilhantismo com que tem

se distinguido. É o que desejamos a tão illustre maranhense299

.

Das músicas citadas acima, a Romanza Senti300

tem letra escrita em italiano para voz

média e acompanhamento de piano como os famosos lieder à moda alemã. Essa notícia

também é importante como comparação histórica, pois algumas destas composições

298

SILVA, José Amaro Santos da. Música e ópera no Santa Isabel: subsídio para a história e o ensino da música

no Recife. Recife: Ed. Universitária da UFPE, 2006, p. 184. 299

ANTONIO Rayol. A Luta, São Luís, n. 47, 24 fev. 1892. 300

Esta composição faz parte do Acervo João Mohana. Ainda constam na lista de composições de Antonio Rayol

mais 43 partituras de gêneros musicais variados.

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sobreviveram e podem ser consultadas pelos pesquisadores da música através do acervo João

Mohana guardado no Aquivo Público do Estado do Maranhão.

O jornal A Luta não apresentou mais informações sobre o tempo em que Antonio Rayol

esteve na Itália. A última notícia é essa que contém as suas composições, datada de 1892. Não

é possível saber quanto tempo permaneceu na Itália, se regressou e ficou mais algum tempo

em outra capital brasileira, ou se voltou logo para sua terra natal. A falta de fontes sobre o

tenor maranhense deixa uma lacuna neste estudo301

. O certo é que, em 1897, o festejado tenor

maranhense Antonio Rayol participou de um concerto à memória de Carlos Gomes,

homenageado através de um retrato inaugurado no teatro São Luís, como diz a notícia:

Esteve muito concorrido por senhoras e cavalheiros, o concerto que ontem

de se realizou no salão nobre do teatro, promovido por uma comissão de

cavalheiros que tomaram a si a tarefa de ornar aquele salão com o retrato do

pranteado Carlos Gomes.

Em 3 partes foi dividido o programa executado, dando-lhe todo o brilho na

1ª e 3ª a distinta e jovem pianista maranhense Almerinda Nogueira.

Repetidos aplausos coroaram o final de todas as execuções, com que tanto

concorreu o artista De Mesmeris, que a pedido repetiu a segunda.

O Sr. Rayol colheu gerais demonstrações de apreço quando cantou a

romanza de barítono da ópera – Um ballo in maschera.

A parte do concerto, que impressionou vivamente e foi calorosamente

aplaudida, foi a Fantasia para Flauta da ópera do imortal Carlos Gomes –

Guarani – executada pelo apreciado flautista maranhense Dr. Cláudio Serra,

que foi muito felicitado e cumpriementado.

Na ocasião em que foi colocado o retrato do imortal maestro, estiveram de

pé todos os assistentes, sendo executado o Hino Nacional pela banda de

música da Infantaria do Estado.

Foi uma bonita festa, muito modesta mas de grande valor, atento o elevado

fim, a boa vontade e dedicação demonstradas por todos os dignos

cavalheiros que tanto se esforçaram e por todas as pessoas que os

coadjuvaram.302

Além de Antônio Rayol, a pianista Almerinda Nogueira apresentou seus conhecimentos

artísticos, que deve ter servido para ratificar nas mentes dos maranhenses a sua competência,

301

Como dissera, não tive a felicidade de encontrar mais fontes que tratam sobre a carreira artística de Antonio

Rayol, no entanto, no site www.patrimoniodahumanidade.com, há uma página sobre as personalidades que

marcaram a história do Maranhão e, nela, consta uma pequena biografia de Antonio Rayol. Na referida

cronologia, no ano de 1894, Antonio teria ido ensinar violino e canto em Recife e também no Conservatório de

Música da Bahia, todavia não diz quando regressa ao Maranhão. Como o site não cita as referências e nem as

fontes de pesquisa, não há como precisar a “veracidade” dos dados ali apresentados. 302

ESTEVE... Diário do Maranhão, São Luís, 13 out. 1897.

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assim como a técnica pianística necessária para ensinar aos filhos e filhas das elites

ludovicenses as artes do referido instrumento.

Em 1897, Antonio Rayol estava em São Luís. Dois anos depois, em 1899, manda

veicular notícia sobre as aulas em seu colégio de música: “COLLEGIO “RAYOL” – Em 10

de janeiro do próximo anno, reabrirá este collegio as suas aulas nesta capital. Para qualquer

informação tem pessoa habilitada a prestar, a rua do Trapiche n. 30”303

.

Como escreve José Amaro Silva, os músicos do século XIX exerciam as mais diversas

funções no campo musical. Assim, além de cantor lírico, compositor, professor, Antônio

Rayol também era regente de orquestra. A “dúvida” sobre o tempo que durou a estada de

Antônio na Europa vai se dirimindo a partir da leitura das fontes, pois, desde 1897, o referido

tenor já estava em São Luís. Em 1898, o tenor maranhense aparece no programa do

espetáculo no Teatro São Luís no qual a orquestra estava sob sua batuta:

Theatro S. Luiz

Grande Companhia Dramatica DIAS BRAGA

Fundada em 20 de novembro de 1883

Orchestra dirigida pelo festejado maestro Antonio Rayol

Sabbado 16 de abril de 1898 Sabbado!

Successo Universal!

Drama de resistência, 525, representações; 1ª representação do grandioso

drama em 1 prologo, 5 actos e 8 quadros, extrahido do romance do mesmo

título do immortal escriptor francez ALEXANDRE DUMAS – O Conde de

Monte Christo.

O papel de Edmundo Dantes e depois Conde de Monte Christo é uma

creação especial do artista DIAS BRAGA

Personagens

Edmundo Dantes (depois Conde de Monte Christo) ....... Dias Braga

Danglara (depois Barão) ...... E. Vieira

Morel (armador) ..... A. Marques

Caderousse.... Alfredo Silva

Fernando Mondengo (depois Conde de Morcef) .... Domingos Braga

Abbade Faria .... Antonio M.

Bestucio .... Mendonça

Alberto Visconde de Morcef ...... A. Bragança

Maximiliano Masel ..... F. Marzulo

Beauchamp jornalista ..... F. Marzulo

Marquez de Chateaubrum .... Ramos

Joaves joalheiro ..... Francisco

Noirtier (incognito) .... Balsemão

Gringole .... Arruda

Dantes (pae de Edmundo) .... Arruda

Conde de Villefort .... Affonso

Pamphilo taberneiro .... Ramos

303

COLÉGIO Rayol. Diário do Maranhão, São Luís, 7 dez. 1899.

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Director das prisões .... Silvano

O médico das prisões .... Aprigio

1 carcereiro .... Caminha

1 carcereiro .... Pinto

Mercedes depois Condessa de Morcef .... Helena Cavalier

Julia Morel .... A Delorme

Gertrudes Caderousse .... Georgina V.

Marinheiros, gendarmes convidados de ambos os sexos, empregados da casa

Morel, contrabandistas, creados etc.

Titulos dos quadros

1º O dia fatal 2º O segredo do Abbade

3º O morto-vivo 4º O thesouro da ilha

5º A Estalagem 6º Os milhões do M. Christo

7º O espectro do passado 8º O premio da honra.

Mise-em-scene do notável artista

DIAS BRAGA

Scenarios novos e pintados expressamente para esta peça pelos distinctos

scenographos COLIVA CARRANCHINE.

Os machinismos a cargo do machinismo da empreza JOSÉ MINUTTI.

Adereços, pelo habil aderecista DOMINGOS VILLELA

NOTA – No intervallo do 2º e 3º quadros a orchestra tocará debaixo da

regencia do distincto maestro A. Rayol a polka brilhante – Sou papa –

offerecido ao acto Domingos Braga pelo distincto dr. José Vicente da Costa

Basto como prova de sympathia

ATTENÇÃO

Prepara-se a grande revista que fez dois centenarios no theatro Recreio do

Rio – O BEDENGÓ.

Ás 8 ½ horas da noite304

Essa notícia, além de tratar da atuação de Antonio Rayol como maestro, traz várias

informações sobre as divisões de tarefas entre os profissionais que trabalhavam na área

artística para organização de um espetáculo lírico que, como diz o anúncio, era de grandes

proporções, pelo menos no papel.

O certo é que, na segunda metade do século XIX, os(as) ludovicenses habitantes da

capital maranhense podiam aprender a tocar algum instrumento musical sem precisar se

deslocar para outras capitais provinciais.

4.4 Afinadores de pianos

304

THEATRO São Luís. Diário do Maranhão, São Luís, n. 7385, terça-feira, 15 abr. 1898.

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Para todos os instrumentos anunciados nos jornais, precisava-se de profissionais que

cuidassem da sua conservação. No entanto, somente os afinadores de pianos colocavam seus

préstimos à disposição dos ludovicenses. A presença de afinadores nas páginas dos jornais

pode ser entendida dada a especialização que esse profissional deveria possuir e pela clientela

que precisava de seus préstimos. No jornal O Observador, João Evangelista do Livramento

“faz publico que se acha habilitado para afinar pianos; offerece portanto, o seu préstimo á

aquellas pessoas que o quizerem obzequiar com sua protecção. Pode ser procurado em sua

caza na rua de Sant‟Anna n.44, mística a que mora o Sr. Dr. Ferrão”305

.

Nos Almanaques que saíam anualmente em São Luís, os afinadores e consertadores de

pianos anunciavam seus serviços aos proprietários dos referidos instrumentos, juntamente

com os professores. No ano de 1858, constavam no Almanak como afinadores e consertadores

de pianos e órgãos Antônio de Freitas Ribeiro, residente na rua do Egito, nº 23; Ayres da

Serra Burgos, que afina e conserta pianos, harmônicas, realejos, na rua da Cotovia; João

Evangelista do Nascimento, residente na rua Direita, nº 18; Joaquim Ferreira da Ponte, que

afina e conserta pianos, órgãos, acordeons e realejos, e fabrica pianos, na rua da Madre de

Deus, nº 20 e Mocambo306

. O que mais chama a atenção é Joaquim da Ponte anunciar que

fabrica pianos, visto que somente no século XX é que fábricas de piano são instaladas no

Brasil, porém tiveram vida curta.

Na lista dos afinadores de pianos do ano de 1873 do Almanak307

constavam os nomes

de Antônio de Freitas Ribeiro, agora residindo na Rua Formoza, nº 3; João Batista Ferreira

Pontes e Francisco Ferreira Pontes Júnior, pai e filho, morando, respectivamente, na Rua

Grande, nº 37 e na Rua dos Afogados, nº 72.

Já no ano de 1879, os afinadores de pianos que anunciam seus serviços no Almanak308

não aparecem nos anos anteriores que foram analisados. São eles Faustino da Cruz Rabello,

residente no Beco dos Barbeiros, e José Firmino Ewerton Vieira, na Rua da Viração.

Nos anos finais do século XIX, encontrei três anúncios de afinadores de pianos em anos

diferentes, sendo que, possivelmente, dois deles se refere à mesma pessoa, e todos veiculados

no jornal Diário do Maranhão. O primeiro diz o seguinte: “Pianos – Na rua dos Remédios

junto à casa do sr. Pedro Souza Guimarães, tem pessoa habilitada para concertar toda e

qualquer qualidade, assim como afina-se por modico preço”309

. E os outros dois versando o

305

ATTENÇÃO. O Observador, São Luís, ano 8, n. 408, quinta-feira, 6 jun. 1855. 306

Almanaque do Maranhão para o ano de 1858, São Luís, 1858, p.118. 307

Almanaque do Maranhão para o ano de 1873, São Luís: Editor João Candido de Moraes Rego, 1873, p.202. 308

Almanaque do Diário do Maranhão para o ano de 1879, São Luís: Typ. Do Frias, 1879, p.84. 309

PIANOS. Diário do Maranhão, São Luís, n. 6305, terça-feira, 11 set. 1894.

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seguinte: “Pianos, harmonios etc, Na rua de são João, junto ao quartel do mesmo encontra-se

pessoa habilitada para concertar e afinar por modico preço, a qual pode ser procurada a

qualquer hora; assim como tem alguns pianos para alugar”310

. E “Pianos – Na rua de S. João

caza n, 57 afina-se e concerta-se, na mesma tem para alugar”311

.

Não foi possível saber onde esses profissionais aprenderam esse ofício e nem se eram

brasileiros. Talvez num estudo posterior essa categoria profissional possa ser melhor estudada

e explique de modo mais completo a história das vivências musicais no Maranhão.

Assim, a presença desses profissionais anunciada nos jornais que circulavam na capital

da província maranhense indica a inserção de membros das elites nos novos ditames do gosto

civilizado, uma vez que o gosto é um dos determinantes e diferenciadores dos hábitos e dos

costumes e, através da existência na sociedade ludovicense desses profissionais, as elites da

capital maranhense se identificavam com as elites europeias312

.

4.5 Os bailes: a música anuncia o início das danças...

Além dos espetáculos realizados no Teatro São Luís durante a segunda metade do

século XIX, outro divertimento muito apreciado pelas elites eram os bailes, tão concorridos

quanto os espetáculos teatrais e as festas realizadas em homenagem aos santos católicos.

Assim como os espetáculos dados no Teatro, os bailes eram ocasiões nas quais a etiqueta e a

civilidade eram exercitadas, pois esta última “tem como objetivo disciplinar o indivíduo, para

que ele manifeste nos gestos, nas posturas e nas atitudes o primado absoluto das formas da

vida social”313

.

A música executada nos salões onde os bailes de características ligeiras eram realizados,

foi de extrema importância para o desenvolvimento da música erudita no Brasil ao longo da

segunda metade do século XIX, e de grande relevância para o estudo da formação da

sociedade brasileira, pois essa “música não foi só executada em soirées que incluíam a dança,

310

PIANOS... Diário do Maranhão, São Luís, ano 26, n. 6612, sábado, 14 set. 1895. 311

PIANOS. Diário do Maranhão, São Luís, n. 7180, quinta-feira, 12 maio 1897. 312

MONTEIRO, 2008, p. 70. 313

RAINHO, 2002, p. 99.

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mas [...] as próprias partituras impressas para piano representam danças da época, embora às

vezes estilizadas ou abreviadas”314

.

Sobre esses divertimentos elegantes os jornais ludovicenses anunciavam não só o

convite para os referidos bailes, assim como os comentários sobre a organização do evento, o

comportamento dos presentes e a atuação dos músicos, sem os quais essas reuniões de

homens e mulheres ávidos por alegrarem-se não seriam festas e perderiam a movimentação

proporcionada pelas danças. O jornal A Sentinella publicou anúncio de baile:

Theatro de S. Luiz

Grande Baile de Mascaras a fabor de Manoel Gonçalves da Silva.

Domingo 22 de julho de 1855

As 7 ½ horas da noite estarão abertas as portas da entrada, sendo a que dá

para o becco a de entrada geral e uma das da frente a de sahida.

As 8 ½ horas a muzica executará uma excellente symphonia, finda a qual se

dará com um pequeno intervallo, o signal de que vai começar o BAILE.

As quadrilhas terão o intervallo de 10 minutos de uma as outras, sendo estas

alternadas de 2 em 2 por uma Walsa ou Schottich

Preco das entradas

Camarotes de seis entradas 6$000

Entrada geral para os mascaras 1$500

Dita para as pessoas sem mascara 1$000

Torrinha com 5 entradas 2$000

Varandas 400

O regulamento apresentado pelo Illm. Sr. Dezembargador chefe de policia

determina a ordem que se deve seguir, é o memso que já se publicou no

Publicador Maranhense de 15 de fevereiro do corrente anno.315

Este anúncio convidava os ludovicenses para o baile. No mesmo jornal também foi

veiculado o que aconteceu no baile do dia 22 de agosto, como segue:

– Caros leitores! Eis-nos de novo com a tarefa semanal, a que somos

condemnados. Estavamos com splum fulminante pelos desejados bailes de

marcaras, que já são tantos, para esgotar as algibeiras aos amantes de celle

divertissement.

Domingo 22 do corrente, comparecemos da forma que haviamos promettido

no Sam Luiz...

314

BISPO, A. A. Brasil/Europa & Musicologia: aulas, conferências e discursos. [S.l.]: I.S.M.P.S./ I.B.E.M.,

1999 (Anais de Ciência Musical), p. 110. 315

THEATRO São Luís. A Sentinela, São Luís, 4ª série, n. 28, 20 jul. 1855.

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A Orchestra que foi dirigda pelo Sr. Sérgio Marinho ... tocou

excellentemente variadas peças, não só mais bem executadas, como de

melhor escolha que as do primeiro Baile;

Deleitamo-nos, muito alem do nosso usu al costume. Entre pouco mais de

dusentos mascaras muito houverão que se tornarão salientes e de gosto;

como um celebre leigo que la vimos.

Ó que penca de nariz,

Ninguem pode imaginar!

Que é difícil de pintar...

Com pincel, lapis ou giz!...

Era um daqueles religiosos da corte de D. Manoel de La Rosa, que atravez

do burel que vestia, deixava ver claramente a magica hypocrisia, com que

falava a todos. O Pescadinha era também um perfeito ratão, em quanto a

maior parte dos mascaras se occupavão em dansar, corria elle todos os

angulos e triangulos daquelle vasto sallão; a todos comprimentava

celebremente fasendo-nos recordar certo ginja d‟esta cidade com o – paxaxe

muito bem, a continha prá xemana, 3 e 710 com 10 biule, xoi amanhã a

canôa..

Muito nos rimos com estas passagens, que aqui seria difficil contar.

Foi singular também um russo que la appareceu, com umas grandes bottas

capazes attravessar sem perigo o mar Azoff. O Chapeu crivado de boracos

attestava as passagens que havia dado a alguns centenares de ballas alliadas.

Não sabemos tão bem como pôde escapar do oculo de Lord Dundas, que

também lá vimos, com o seu chapeu armado, e fardão vermelho, e bordado –

Ora Lord Dundas occupa um typo ratão até nos pequenos divertimentos

d‟esta terra...

Tivemos a honra de observarrmos de perto o celebre Coronel Coutinho, tam

celebre nos annaes da Federação Argentina.

Fora para nos muito saliente um mascara vestido côr de roza, que tinha por

par uma joven encantadora também mascarada e que dansava

magnificamente a Schotisk sentimo-nos perplexos... mas a censura de nossa

penna – Não de perú, gallinha, ou gallo.

Perdoem a franqueza com que fallo.

O Mascara que trajava de Carrasco não teve mau gosto ... assim como a

celebre que por signal:

As cóstas trazia,

Uma grande liga,

P‟ra que se não diga

Que era mulher.

Que interessante figurinha! Era o prototypo fiel de uma titia de 40 annos.

Veremos agora que influencia terá o Baile no dia 28... para o qual também

nos aguardamos.316

A primeira questão a observar é o lugar onde esse baile se realiza, o Teatro mais

importante da capital da província do Maranhão. Como se pode observar pelo exposto no

segundo movimento, os pobres também compareciam ao teatro. Não é possível saber com

certeza quais as estratégias que os menos favorecidos economicamente criavam para

conseguir comprar os ingresssos para os espetáculos, mas lá estavam. Nos bailes não seria

316

CAROS... A Sentinela, São Luís, 4ª série, n. 29, 28 jul. 1855.

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diferente. Imagino que nessas ocasiões os distanciamentos entre os ricos e os pobres eram

menores devido à própria natureza que o baile assume, e isso se verifica pelos tipos, até certo

ponto caricatos, citados na notícia sobre os acontecimentos, e pela necessidade de um par

quando as danças começavam.

Esse é um ponto importantíssimo no que tange aos bailes – a dança. Os homens e as

mulheres que a eles compareciam íam com esse desejo, dançar. Por isso, a presença da música

era imprescindível. No entanto, vale lembrar, que na sociedade elitista do século XIX existia

todo um protocolo para essas danças acontecerem, porquanto eram nessas ocasiões que os

rapazes se aproximavam das moças. Apesar desse contato que a dança proporcionava entre

casais durante o baile, não dava o direito ao rapaz de maiores liberdades com a dama,

conforme adverte o manual de civilidade:

A apresentação de uma senhora por occasião de um baile é para o único fim

de dançar, e não dá jus ao cavalheiro, que lhe for apresentado, a ser recebido

por essa senhora em sua casa. As relações assim entaboladas, terminam

sempre com o baile. Se por casualidade vos encontrardes com uma senhora,

com quem tiverdes dançado, não deveis dirigir-lhe a palavra: o mais que

podeis fazer é tirar-lhe o chapêo; e isto mesmo só o fareis quando a

distancia, em que d‟ella vos achardes, fôr tal que não passes evitar o

aproximar-vos desta senhora.317

Na notícia anterior, após terminar os comentários sobre os presentes que mais se

destacaram no baile, o redator já anunciava o próximo do dia 28 de julho, aniversário da

adesão do Maranhão à independência do Brasil. Sobre os acontecimentos desse ajuntamento

de homens e mulheres em busca de divertimento escreve o redator:

Em resumo e ao correr da penna, começaremos, pelo masqué no dia 28 como

haviamos promettido, não faltemos, ao S. Luiz, a concorrencia foi nunerosa

havendo muitos mascaras de gosto e distincção uma linda jovem mascarada

de vestido branco, grinalda de flores envolta em seus lindos cabellos cauzou-

nos sensações diabolicas!!... dançava elegantemente... aceite ela os nossos

agradecimentos pelo aperto de mão que nos deu!... O digno professor Sergio

Marinho esmerou-se na escolha das excellentes peças que tocou, com que

muito nos distrahiu. Notamos muita irregularidade nas contradanças nestes

ultimos bailes, por não haver um mestre salla que dirija os mascaras ao lugar

que lhe compete, toda a vez que isto acontecer termos de ver divergencias

317

Manual de civilidade, 1867, p.91-92 apud MORAES, 2004, p.33.

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por causa de lugares. A illuminação a chineza não nos surprehendeo, por ser

á mesma que vimos no tivoly.318

O Teatro São Luís era o grande palco dos maranhenses, mas não era somente em seus

salões que os bailes se realizavam. As sociedades culturais privadas também organizavam

bailes. E nesses lugares os pobres não tinham acesso “livre” como no teatro. As informações

encontradas sobre essas celebrações de alegria coletiva não trazem especificidades sobre o

baile e nem o preço das entradas. No entanto, muda-se o lugar, mas o vestuário dos bailes

continuava sendo o mais elegante e refinado que os homens e as mulheres podiam apresentar,

visto que os bailes eram considerados as reuniões mais solenes da sociedade, de modo que os

cavalheiros deviam comparecer a eles “com luvas brancas novas, gravata branca, colete

branco, meia de seda e calça comprida ou pelo menos bota de polimento”319

. As luvas

simbolizavam requinte e elegância, mostrada na forma como eram colocadas ou retiradas por

homens e mulheres, pois as “luvas francesas passaram a requinte ortodoxo no trajo

feminino”320

. E sobre o estado de asseio das luvas instruía o manual de civilidade:

No tocante a luvas, lenços de assoar e calçado, fazei que tudo seja da melhor

e mais fina qualidade; porque, como deveis saber, sempre se julga

desfavoravelmente da eduacação de um cavalheiro, que se apresenta de luvas

pouco asseadas, lenço amarrotado e ordinário, e botas ou sapatos menos

limpos.321

No ano de 1855, o jornal no qual os bailes são anunciados e comentados é o A

Sentinella, por isso a presença constante desse periódico nestas linhas. Sobre o baile oferecido

pela sociedade Recreio Commercial veiculou o referido jornal:

No dia 7, tivemos o praser de assitir ao baile Recreio Commercial; tudo alli

esteve bello e encantador.

318

EM RESUMO... A Sentinela, São Luís, 4ª serie, n. 30, 4 ago. 1855. 319

ROQUETE, J. I. Código do Bom-Tom, ou, Regras da civilidade e de bem viver no século XIX. São Paulo:

Companhia das Letras, 1997, p.158 – 159. 320

FREYRE, 1987, p. 131. 321

Manual de civilidade, 1867, p.83 apud MORAES, Darlen Cristina Sousa de. Novo manual de civilidade ou

regras para qualquer pessoa poder frequentar a boa sociedade: um breve comentário. 2004. Trabalho de

conclusão de curso (Graduação) – Curso de Licenciatura Plena em História, Universidade Federal do Maranhão,

São Luís, 2004. f. 32.

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A musica era excellente, e bem dirigida, assim como o foi todo o baile...

As flores animadas, percorrião as salas, elegantemente vestidas e com

aquelles singelos admans e doçuras que só a penna de Mr. Alexandre Dumas

foi concedido descever minuciosamente. Nós porem, que gosavamos dos

odôres que exalavão, a inflitrarem-se docemente em todos os corações.

Julgamo-nos transplantados ao formoso templo de Venus, - sorvendo os

magicos surrizos das Graças – E deste completo extasis – eis a resumida

censura.322

Assim como a sociedade Recreio Commercial, existiam outras que atuavam na capital

maranhense promovendo divertimentos paralelamente às atividades realizadas no Teatro São

Luís ou para suprir a falta de espetáculos no mesmo, como já foi exposto no segundo

movimento. A sociedade Recreativa Militar também mandava anunciar seus bailes:

A Sociedade Recreativa Militar dá hoje o seu 12º Baile.

Já nos ia passando desapercebido o Tivoly a concorrencia, como da vez

passada, não foi grande.

É para lastimar que sendo este, o único divertimento que temos, não seja

bem concorrido pelas maranhenses. Estamos porem inclinados a crer, que

Domingo 2 de setembro a affluencia seja maior.323

Além da sociedade Recreio Commercial e da Recreativa Militar, a sociedade Club

Maranhense também anunciava seus bailes para alegria dos(das) ludovicenses, como escreveu

o redator do jornal A Moderação:

Club Maranhense – No dia 29 terá lugar o segundo baile d‟esta sociedade. O

empresario tem se mostrado incansavel em agradar aos seus socios, e cremos

que desta vez não haverão queixas acerca da colocação da muzica nem do

acanhamento do local, porquanto estão ellas removidos.324

Duas questões importantes aparecem na notícia acima: a música e o espaço onde o

baile seria realizado. A música era o elemento mais importante, pois sem ela não haveria

dança e, consequentemente, divertimento. O baile é um “ambiente elegante, festivo e solene

322

NO DIA... A Sentinela, São Luís, 4ª série, n. 27, 14 jul. 1855. 323

A SOCIEDADE... A Sentinela, São Luís, 4ª serie, n. 33, 25 ago. 1855. 324

CLUB Maranhense. A Moderação, São Luís, ano 1, n. 13, sábado, 29 maio 1858.

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(...). É o espaço para a ostentação da posição social e da riqueza, onde se cultivam as relações

convencionais e as etiquetas de salão”325

, talvez seja por esse motivo que os organizadores

pedem desculpas à sociedade ludovicense presente naquele local. Por isso, quando os

promotores de bailes os anunciavam nos jornais, faziam questão de frisar a elegância e

organização do salão onde o divertimento aconteceria:

Club Philarmonico Maranhense, o pianista.

No dia 20 abre esta bella e recreativa empreza as suas portas ao folguedo da

boa sociedade maranhense. O Sr. Almeida não poupou esforços para tornar

ainda mais aprasiveis e confortables os seus salões de baile, que merecem ser

concorridos para poder o empresario sustental-os com lusimento. Consta-nos

que melhorou o serviço, que será mais abundante este anno.326

Mas não eram somente sociedades organizadas que realizavam bailes na capital

maranhense. As datas festivas também eram motivos para que bailes fossem realizados. De

acordo com o Almanaque do Maranhão do ano de 1858, os dias de grande gala eram os

seguintes:

14 de Março – Natalício de S. M. a Imperatriz

25 de Março – Dia em que foi jurada a Constituição do Império

28 de Julho – Adherencia do Maranhão a Causa da Independencia e do

Imperio

29 de Julho – Natalício de S. A. a Serenissima Princeza Imperial D. Isabel

7 de Setembro – Dia em que foi proclamada a Independência do Brasil

2 de Dezembro – Natalício de S. M. I. o Senhor D. Pedro II.327

Assim, essas datas eram pretextos para que os ludovicenses organizassem bailes para

comemorá-las. No jornal A Moderação foi veiculada notícia sobre o baile do dia 2 de

dezembro de 1858:

Baile da Guarda Nacional – Houve na noite de 2 do corrente um baile dado

pelo Srs offciaes da guarda nacional á S. M. o Imperador do Brazil. Na

325

FONSECA, 1996, p. 114. 326

CLUB Filarmônico Maranhense, o pianista. A Imprensa, São Luís, ano 3, n. 61, quarta-feira, 10 ago. 1859. 327

DIAS de grande gala. Almanaque do Maranhão para o ano de 1858, São Luís, 1858, p.31.

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opinião de todos foi este baile um dos mais esplendidos que se tem dado

n‟esta provincia, pelo excessivo luxo com que fora decorada a casa da

sociedade – Club Maranhense – pela concurrencia de familias, enthusiasmo,

ordem e respeito. Terminou pelas 3 horas da madrugada.328

Ainda sobre os acontecimentos do baile em comemoração ao aniversário do Imperador

Pedro II, o jornal O Século também apresentou em uma de suas páginas comentários do baile:

O baile de 2 de Dezembro

No dia 2 do corrente teve lugar no Club Maranhense um esplendido baile,

dado pela officialidade da guarda nacional para festejar o Anniversario de S.

M. I. o Senhor D. Pedro 2º.

A casa estava perfeitamente ornada, tendo á porta duas bandas marciaes, que

constantemente executavão lindas e escolhidas peças de musicas.

Os convidados que subirão ao numero de 800 foi acreme da sociedade

maranhense. Principiarão a reunir-se ás 7 ½ da noite, as 8 chegou o Exm. Sr.

Bispo, e pouco depois o Exm. Sr. presidente da provincia, os quaes foram

recebidos a porta d‟entrada pela direcção do Baile composta pelos Sr. Dr.

Barreto, commandante superior da guarda nacional e tenentes coroneis Dr.

Corrêa, Barros e Vasconcelos, Coqueiro, e Mathias e José Pereira, ao som do

hymno Nacional. D‟ahi a pouco, retirou-se S. Exm. Rvmª. e começou então

a dança, dignando-se S. Ex. o Sr. presidente convidar para seu vis-á-vis na 1ª

quadrilha ao Sr. Consul de Portugal, e tendo por seu par a Exmª. esposa do

Sr. Dr. Dias Vieira. S. Exc. continuou a dançar mais algumas quadrilhas.

Houve ceia, differentes brindes, senhoras vestidas com gosto e elegancia.

Terminou ás 4 da manhã.329

O baile deve ter sido realmente importante e bem concorrido, haja vista que dois jornais

noticiaram o seu sucesso. Mas não era somente com motivos que se realizavam os bailes na

capital da província do Maranhão, como os que mandou anunciar o Presidente da Província:

Theatro Nacional de S. Luiz

Grandes Bailes de Mascaras Concedidos pelo Exm. Sr. Presidente da

Província nos dias 2, 3 e 5 de fevereiro de 1856.

Ás 7 e meia horas da noute estarão abertas as portas da entrada, sendo a que

dá para o beco a de entrada geral e uma da frente a sahida.

A‟s 8 e meia horas a musica executará uma excellente simphonia, finda a

qual se dará com pequeno intervallo o signal de que vai começar o BAILE.

As quadrilhas terão o intervallo de dez minutos de umas ás outras, sendo

estas alternadas de duas em duas por uma VALSA ou SCHOTTICH.

328

BAILE da Guarda Nacional. A Moderação, São Luís, ano 2, n. 40, sábado, 4 dez. 1858. 329

O BAILE de 2 de dezembro. O Século, São Luís, ano 1, n. 4, sexta-feira, 17 dez. 1858.

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Preços de entrada – Camarotes com seis entradas 6$000, entrada geral para

os Srs. Mascaras 1$000, dita para as pessoas sem mascara 1$000, Torrinhas

quatro entradas 2$000 Varandas 400.

Terminará divertimento por uma Galopada. O Regulamento dado pelo Ilm.

Snr. Dr. Chefe de Policia determina a ordem que se deve seguir e o mesmo

está publicado no Publicador Maranhense de 15 de Fevereiro de 1855.330

Para encerrar este “baile”, outro momento de grande alegria para os ludovicenses era a

festa de Carnaval. E é evidente que ocasiões como essas também eram celebradas com bailes.

Embora houvesse regras de boa conduta a serem seguidas durante os bailes, nesses do

Carnaval era mais difícil exercer o controle sobre os presentes, visto que se apresentavam

mascarados e fantasiados. O anúncio a seguir é importante porque cita o programa executado

durante o divertimento e o tipo de dança que os ludovicenses conheciam:

Theatro S. Luiz

Viva o Carnaval

Magnificos Bailes de Mascaras

Programma

Nas noites de 15 e 17 de fevereiro do corrente anno, terão lugar dous Bailes

de mascaras, para que o Theatro estará convenientemente preparado e franco

a quem apresentar o competente bilhete, que deve dar ingresso para o

folguedo e folia.

Viva a Pandega!

Uma harmoniosa e escolhida musica marcial dará começo á festa executando

uma composição original denominada Provocadora! Principiando depois as

danças que se seguem, ena mesma ordem:

1ª Quadrilha – a Incitadora

2ª Dita – a dos Namorados

3ª Grande Walsa – O Desespero

4ª Quadrilha – a Loucura

5ª Dita – A Burlesca

6ª Grande Galop – Amoroso

7ª Quadrilha – A Folia

8ª Dita – da Pandega

9ª Mazurca – dos Requebros

10ª Quadrilha – o Frenezi

11ª Dita – a Furiosa

12 ª Cancan infernal

Viva a Folia!

Os cartões para a entrada dos Bailes serão acompanhados de um bilhete

numerado, que dará direito a quem o possuir a receber o premio que a

caprichosa SORTE designar na grande Roda da Fortuna! [...]. Os bailes

principiarão ás 8 horas da noite, e finalisarão ás 2 da madrugada VIVA A

ORDEM!

330

THEATRO Nacional de São Luís. Diário do Maranhão, São Luís, 4 jan. 1856.

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159

Os regulamentos policiaes serão rigorosamente respeitados, e quem fizer por

onde, conte com anno do nascimento VIVA O GIMBO!

Preços

Camarotes da 1ª ordem com 6 ingressos 6$000

Ditos da 2ª ordem com 6 ingressos 8$000

Ditos da terceira ordem com 6 ingressos 6$000

Entrada geral 1$000

As encommendas de camarotes recebem-se já em casa do sr. Abranches, no

largo do Carmo.331

Através do programa do baile, as quadrilhas eram o ápice das danças, visto que eram

dançadas mais vezes e também por proporcionarem que todos indistintamente se divertissem.

Como dissera anteriormente, os bailes só tinham o sucesso anunciado e pretendido por

seus organizadores quando os músicos contratados para neles tangerem seus instrumentos

musicais o faziam com esmero e harmonia, e se os membros das elites dessem a honra de suas

presenças nesses entretenimentos.

Os bailes completam o cenário dos divertimentos elegantes escolhidos para serem

exemplos dos ambientes onde os(as) ludovicenses tentavam exercitar as regras de civilidade,

o vocabulário francês, o comedimento na alimentação e afirmar-se perante seus pares.

331

THEATRO São Luís. Diário do Maranhão, São Luís, ano 5, n. 144, sábado, 24 jan. 1874.

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160

5 POSLÚDIO

Nos dois últimos quartéis do século XIX, na capital da província do Maranhão, esses

sons das melodias portuguesas, inglesas e principalmente italianas invadiam as ruas sujas,

esburacadas e malcuidadas da “Atenas Brasileira”. A disparidade era grande entre o ideal

francês de civilidade e mordernidade e as condições reais da cidade de São Luís organizada

aos moldes portugueses. No entanto, os homens e as mulheres das elites ilustradas que

habitavam a “Manchester do Norte”332

“incentivavam” o restante da sociedade que ainda não

estava inserida nesses ideais a se adequarem às práticas civilizadas.

O Maranhão, assim como as demais províncias imperiais, vivia na América do Sul, mas

queria a todo custo respirar os ares europeus, especialmente os da França. Para conseguir seu

intento, não poupava esforços nem economizava.

Para conseguir esse intento, havia todo um aparato que qualificava e diferenciava as

elites dos demais estratos na sociedade ludovicense, e esse arsenal simbólico era buscado

incessantemente pelos homens e pelas mulheres que queriam ao menos parecer civilizados,

pois “a “boa sociedade” [...] buscou no século XIX igualar-se aos europeus e, ao mesmo

tempo, distinguir-se das outras camadas da sociedade, por meio do polimento dos costumes,

da europeização da vida social e da adoção da moda estrangeira”.333

Assim, neste estudo, as vivências musicais foram utilizadas como parâmetro de

distinção social, como mais um elemento que as elites ludovicenses usaram para se

diferenciar dos demais estratos daquela sociedade. Todo esse movimento em busca dos

padrões e modelos europeus tinha o intuito de hierarquizar ainda mais a sociedade imperial

como um todo, e a de São Luís em particular, pois só uma pequena parcela dessa sociedade

tinha condições econômicas para adquirir os artigos de luxo vindos da Europa, ainda mais

instrumentos musicais como o piano.

No entanto, nas práticas cotidianas apresentadas por essas mesmas elites, o que mais as

caracterizavam era justamente os hábitos e costumes portugueses, tão repudiados após a

independência do Brasil, mas ainda bastante arraigados na sociedade ludovicense. Por conta

332

De acordo com Rossini Corrêa os maranhenses não satisfeitos em serem iguais aos gregos nas letras

comparavam o progresso econômico da província ao de Manchester nos Estados Unidos. Cf.: CORRÊA,

Rossini. Formação social do Maranhão: o presente de uma arqueologia. São Luís: SIOGE, 1993. p.159. 333

RAINHO, Maria do Carmo Teixeira. A cidade e a moda: novas pretensões, novas distinções, Rio de Janeiro,

século XIX. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2002. p. 108.

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desse estigma, os membros das elites estarão numa busca constante para assimilar os hábitos e

costumes dos europeus considerados civilizados – os franceses.

As elites tinham ligações diretas com as autoridades governamentais, que instituíam leis

e posturas para disciplinar a parte mais pobre da população de São Luís, e o seu

descumprimento e a não assimilação eram muitas vezes relatados nos jornais que circulavam

na capital maranhense. Assim, as elites viviam constantemente em choque com a maioria da

população que passava privações econômicas e que não estava preocupada em ser francesa ao

invés de portuguesa, e sim de ter onde morar e do que se alimentar.

Apesar dessa situação de extrema disparidade econômica vivenciada na sociedade

ludovicense, quando os jornais começam a anunciar as récitas que seriam realizadas no Teatro

São Luís, os homens e as mulheres tanto das elites quanto os pobres esqueciam-se das

dificuldades enfrentadas no dia a dia e direcionavam suas atenções somente para a forma

como se apresentariam perante os seus iguais e/ou diferentes no dia do espetáculo, pois a

“literatura das civilidades consistia em estabelecer regras mais ou menos rígidas,

determinando o que as pessoas deveriam vestir, segundo o sexo, a idade, a ocasião e posição

social [...]”334

. Para suprir essa necessidade imposta pelos manuais de civilidade, os

comerciantes anunciavam periodicamente nos jornais os últimos artigos de luxo vindos da

Europa, como sapatos, bolsas, chapéus, lenços, luvas, joias e as sedas mais elegantes

existentes naquele século XIX.

Quando a assimilação dos novos hábitos e regras de etiqueta demorasse a fazer parte das

práticas rotineiras, a ponto de serem consideradas inatas, a cultura da aparência entrava em

cena, visto que “o orgulho era o símbolo de uma sociedade pseudamente instruída, entregue

na verdade, a dissipar em ostentação, o resultado dos negócios agrícolas e mercantis, a

oferecer os primeiros sucessos”335

.

Assim como os artigos de luxo que agradavam as elites ludovicenses deveriam ter

origem europeia, com a música não era diferente. A música apresentada durante os

espetáculos dados no Teatro São Luís, nos teatros particulares, nos bailes e tocadas nos saraus

das famílias abastadas era a música erudita europeia, principalmente a italiana. E são os

jornais que circulavam na capital maranhense que dão essa informação.

Como dissera no segundo movimento desta composição, o Maranhão estava inserido

nos ditames que norteavam o império brasileiro como um todo, e essas indicações também se

estendiam para as artes em geral. Tudo que as elites ludovicenses buscavam nos jornais era

334

RAINHO, 2002, p. 110. 335

CORRÊA, 1993, p. 76.

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com o intuito de adequarem-se aos padrões europeus e tentar ao menos na aparência construir

uma carcaça de refinamento, pois o “anúncio de jornal [era um] informe cientificamente

social”336

. Nos dois últimos quartéis do século XIX, os homens e as mulheres que viviam na

capital da província maranhense não tiveram descanso. A cada dia uma novidade elegante era

anunciada no jornal e causava grande ansiedade nesses membros das elites que aspiravam a

todo custo aos francesismos. Eram esses comerciantes que estimulavam o consumismo

dos(das) maranhenses fazendo publicar as novidades europeias nos jornais.

Os artigos de luxo anunciados nos periódicos da capital maranhense podiam ser

comprados por todos os membros das elites, e isso os qualificava como tais e os aproximava,

porém ao mesmo tempo os distanciava dos estratos mais pobres da cidade. Todavia, mesmo

entre as elites, as diferenciações existiam e eram buscadas por seus membros através de um:

processo de retraimento e de subtração que atribui às práticas culturais um

valor distintivo tanto mais forte quanto menos elas são compartilhadas; de

outro lado, um processo de desqualificação e de exclusão que lança para fora

da cultura consagrada e canônica as obras, os objetos, as formas daí em

diante relegadas ao divertimento popular.337

Assim, para as elites, as vivências musicais serão o fator de distinção dentro do seu

próprio segmento social, visto que, somente poucos frequentadores do teatro sabiam com

certeza o que ali estava sendo cantado, porque as composições eram escritas em alemão,

francês e italiano, principalmente. Não falo aqui de sensibilidade, pois entendo o poder que a

música tem e, para esse fim, ultrapassa qualquer barreira linguística. Mas, para as elites

ludovicenses da segunda metade do século XIX, isso ficava em segundo plano.

Quando se tratava de tanger um instrumento, essa diferenciação atingia proporções

ainda maiores do que a falta de conhecimento das línguas estrangeiras. O conhecimento

musical e mais ainda o domínio de um instrumento, ao longo da história, diferenciaram quem

os possuíam. Nos dois últimos quartéis do século XIX, com os avanços na parte mecânica dos

instrumentos musicais, esses critérios aumentaram por conta da maior especialidade que os

instrumentistas deveriam apresentar.

336

FREYRE, Gilberto. Modos de homem & modas de mulher. Rio de Janeiro: Record, 1987. p.76. 337

CHARTIER, Roger. “Cultura Popular”: revisitando um conceito historiográfico. Estudos Históricos, Rio de

Janeiro, vol. 8, n. 16, p. 179-192.1995, p. 4.

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163

É importante lembrar que, durante todo o período colonial, dada a construção da história

brasileira embasada na exploração do trabalho manual dos índios e dos africanos, e por serem

estes que também utilizavam suas mãos tocando instrumentos musicais para alegrar seus

senhores, o profissional da música era de certo modo desprezado, desvalorizado. Assim, os

filhos e filhas das elites se dedicavam “à poesia, jamais à pintura, escultura ou arquitetura”338

,

porque eram artes consideradas trabalhos manuais. A música acabava sendo enquadrada nessa

categoria por conta de quem a executava.

Já no início do século XIX, esse pensamento vai se transformando a ponto de esses

filhos e filhas das elites se dedicarem à arte de Apolo, mas apenas como ornamento que os

diferenciariam dos seus iguais, não como profissão. Dentro do próprio estrato das elites

ludovicenses, essas diferenciações podiam ser percebidas através da pequena quantidade de

diletantes que executavam seus instrumentos tendo como base uma partitura.

No entanto, para que as vivências musicais das elites ludovicenses tivessem sons e

pudessem ser qualificadas de musicais, era necessário que houvesse músicos profissionais na

província. Com efeito, eles existiam e eram habilitados nos instrumentos que tangiam. Esses

profissionais utilizavam a música como ofício e também como meio para frequentar os locais

elitizados.

Durante os espetáculos no Teatro São Luís, nos teatros particulares, nos salões dos

clubes e associações recreativas e nos salões elegantes dos casarões coloniais onde os saraus

familiares eram realizados, a música era a protagonista desses divertimentos, porquanto sem

ela não haveria movimento e esses ajuntamentos de pessoas seriam adjetivados de outra

maneira, menos de reuniões musicais.

Os instrumentistas, os cantores, os maestros, os professores de música, os empresários

das companhias líricas, os afinadores de piano, os consertadores de instrumentos, as partituras

que orientavam a execução das peças europeias, os comerciantes que traziam da Europa os

últimos artigos da moda, os redatores dos jornais que tentavam semanalmente disciplinar a

sociedade seja na rua ou dentro do Teatro São Luís e, finalmente, a cidade de São Luís, onde

todas essas emoções se encontravam, foram decisivos para a tentativa de entendimento da

importância das vivências musicais para as elites ludovicenses na segunda metade do século

XIX.

Assim, através das inúmeras fontes onde os sons de vozes, instrumentos musicais

sempre apareciam soando quando essas folhas maltratadas pela ação do tempo eram

338

PIFANO, Raquel Quinet. O estatuto social do artista na sociedade colonial mineira. Lócus: Revista de

História, Juiz de Fora, v. 4, n. 2, 1998, p.125.

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manuseadas, é possível dizer que a música e as vivências musicais fizeram parte das

sociabilidades urbanas das elites ludovicenses e que estas souberam usufruir de todas as

vantagens que a arte de Apolo podia lhes acrescentar para diferenciarem-se dos demais

estratos sociais e dos seus iguais.

***

Cheguei ao meu destino na Praia Grande, centro da vida comercial da capital da

província do Maranhão, nos idos da segunda metade do século XIX. Resolvi os negócios

pendentes, encontrei alguns conhecidos dos espetáculos teatrais e saraus da cidade e com eles

acabei conversando um pouco. No entanto, é o sol que determina o tempo que se pode ficar na

rua durante o dia nas plagas maranhenses. E este já começava a anunciar que estava na hora

de refazer o percurso de volta para casa. Comecei a despedir-me dos conhecidos e, apesar dos

apelos para que ficasse um pouco mais a prosear, o “astro rei” insistia em lembrar-me do

adiantado da hora. Finalmente consegui iniciar a subida pela Rua da Alfândega, já pensando

na proteção que os grandes paredões dos casarões me proporcionariam do calor do sol.

Subindo por essa rua estreita e aproximando-me do Largo do Carmo, comecei a sentir a

brisa fria que sobe do mar pela Rua do Egipto – que conforto ela traz para o corpo encharcado

de suor. O meu percurso pela cidade era orientado pelos sons, que davam mais colorido às

caminhadas até o centro comercial, proporcionando alegria e reflexão. De volta para casa,

organizava o trajeto também à procura de sons...

Pensara, ao sair da Rua Portugal, seguir pela rua da Estrela e passar pela casa onde

residia o pianista Savio Cesare. Se tivesse sorte, ouviria o professor executando ao piano ou

cantando alguma melodia italiana. No entanto, o calor tropical direcionou-me

inconscientemente pelo caminho mais curto...

Parei e respirei a brisa suave que me trouxe novo ânimo. Apesar de não ter feito o

percurso musical de costume, estava agora próximo ao Teatro São Luís, onde a esta hora

geralmente ainda aconteciam os ensaios da companhia lírica. Como os artistas não acordam

cedo, os ensaios com o coro e a orquestra aconteciam às 11 horas da manhã. Porém, já

passava um pouco disso. Mas, depois de recuperar o ar e voltar a atenção para os sons da

cidade, ouvi a orquestra do Teatro tocando. Tomei outra injeção de ânimo.

Atravessei o Largo do Carmo e fui me aproximando das imediações do edifício do

Teatro e consegui identificar os acordes da ópera Lucia di Lammermoor, uma das mais

famosas composições de Donizete, e que sempre faz sucesso ao ser apresentada em São Luís.

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Procurei uma sombra a fim de proteger-me do sol e fiquei ouvindo os acordes que insistiam

em escapar pelas janelas laterais do Teatro.

De repente, a orquestra para e muitas vozes começam a ser ouvidas ao mesmo tempo, e

não se tratava do coro cantando, parecia que reclamavam de alguma coisa. Não consegui

entender o que diziam. Depois de algum tempo, o silêncio é reestabelecido e após alguns

segundos a orquestra volta a soar, agora com todas aquelas pessoas que falavam ao mesmo

tempo cantando harmoniosamente em vozes separadas. Parece que a discussão surtiu efeito,

porque cantavam bem melhor. Esperei terminar o terceiro ato da ópera. Depois dessa “audição

grátis” não via a hora de ver e ouvir o espetáculo inteiro.

O calor já tinha arrefecido com a brisa vinda do mar e continuei meu caminho subindo a

ladeira da Rua do Sol...

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REFERÊNCIAS

1 FONTES

1.1 INSTITUIÇÕES DE PESQUISA

ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DO MARANHÃO

ARQUIVO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO MARANHÃO

BIBLIOTECA PÚBLICA BENEDITO LEITE

1.2 JORNAIS, REVISTAS E PERIÓDICOS

A Fé

A Federação

A Flecha

A Imprensa

A Luta

A Marmota Maranhense

A Moderação

A Nova Época

A Sentinela

Almanaque do Maranhão para o ano de 1858.

Almanaque Administrativo, Mercantil e Industrial do Maranhão para o ano de 1868.

Almanaque Administrativo do Maranhão para o ano de 1873.

Almanaque do Diário do Maranhão para o ano de 1879.

Correio D’Anúncios

Diário Do Maranhão

Jornal Para Todos

O Constitucional

O Globo

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167

O Observador

O País

O Progresso

O Século

Pacotilha

Porto Livre

Publicador Maranhense

Semanário Maranhense

1.3 LEGISLAÇÃO

PROVÍNCIA DO MARANHÃO. Código de Posturas da Câmara Municipal de São Luís de

1866. São Luís, 1866.

PROVÍNCIA DO MARANHÃO. Código de Posturas da Câmara Municipal de São Luís de

1892. PORTO, Augusto (org). São Luís: Typ. do Diário do Maranhão, 1910.

2 REFERÊNCIAS

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