A ALFABETIZAÇÃO MATEMÁTICA NO PRIMEIRO ANO DO...

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A ALFABETIZAÇÃO MATEMÁTICA NO PRIMEIRO ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL NO CAMPO DA GEOMETRIA PLANA TENDO POR BASE OS PRESSUPOSTOS TEÓRICOS DE VYGOTSKY Cristiane Bonatti [email protected] Programa de Pós Graduação em Ensino de Ciências Naturais e Matemática FURB Blumenau - SC Rosinéte Gaertner - [email protected] Resumo: Este trabalho apresenta parte de uma pesquisa em andamento junto ao Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências Naturais e da Matemática - Mestrado Profissional-, da Universidade Regional de Blumenau (PPGECIM/FURB). A investigação tem como temática o ensino e aprendizagem de geometria no primeiro ano do ensino fundamental. A pesquisa foi realizada numa escola da rede municipal de Timbó SC, com o intuito de aprofundar os conhecimentos sobre os processos de construção pelas crianças de conceitos geométricos, utilizando a teoria histórico-cultural do desenvolvimento como principal aporte teórico para nossas reflexões, a partir de conceitos originalmente desenvolvidos por Vygotsky. Uma das atividades desenvolvidas no estudo das figuras geométricas, utilizando como recurso os blocos lógicos e literatura infantil, é descrita. Palavras-chave: Conceitos Geométricos. Primeiro Ano do Ensino Fundamental. Teoria Histórico-cultural do Desenvolvimento. 1 INTRODUÇÃO Aspectos ligados à aprendizagem e ao ensino geraram e ainda geram preocupação e desafios aos professores e pesquisadores na área de educação. Saber como ensinar faz parte das inquietações destes profissionais, uma vez que ensinar de forma que o estudante construa um conhecimento sólido sobre algum conteúdo é o que realmente pode fazer diferença na sua vida. Podemos apontar que uma das dificuldades encontradas pelos alunos nos mais variados níveis de escolarização é a interpretação do que está ao seu redor, ou seja, do mundo em que vive. A maioria não consegue fazer uma ligação real entre a geometria e o ambiente que os rodeia. Para eles, cada uma destas representações matemáticas constitui algo que não possui nenhuma ligação entre si. Uma proposta de trabalho para os anos iniciais do ensino fundamental é incentivar o ensino de geometria fazendo com que as crianças desenvolvam e explorem os contextos do mundo no qual estão inseridos. De acordo com Vygotsky (1999), “todo conhecimento é

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A ALFABETIZAÇÃO MATEMÁTICA NO PRIMEIRO ANO DO

ENSINO FUNDAMENTAL NO CAMPO DA GEOMETRIA PLANA

TENDO POR BASE OS PRESSUPOSTOS TEÓRICOS DE VYGOTSKY

Cristiane Bonatti – [email protected]

Programa de Pós Graduação em Ensino de Ciências Naturais e Matemática – FURB

Blumenau - SC

Rosinéte Gaertner - [email protected]

Resumo: Este trabalho apresenta parte de uma pesquisa em andamento junto ao Programa

de Pós-Graduação em Ensino de Ciências Naturais e da Matemática - Mestrado

Profissional-, da Universidade Regional de Blumenau (PPGECIM/FURB). A investigação

tem como temática o ensino e aprendizagem de geometria no primeiro ano do ensino

fundamental. A pesquisa foi realizada numa escola da rede municipal de Timbó – SC, com o

intuito de aprofundar os conhecimentos sobre os processos de construção pelas crianças de

conceitos geométricos, utilizando a teoria histórico-cultural do desenvolvimento como

principal aporte teórico para nossas reflexões, a partir de conceitos originalmente

desenvolvidos por Vygotsky. Uma das atividades desenvolvidas no estudo das figuras

geométricas, utilizando como recurso os blocos lógicos e literatura infantil, é descrita.

Palavras-chave: Conceitos Geométricos. Primeiro Ano do Ensino Fundamental. Teoria

Histórico-cultural do Desenvolvimento.

1 INTRODUÇÃO

Aspectos ligados à aprendizagem e ao ensino geraram e ainda geram preocupação e

desafios aos professores e pesquisadores na área de educação. Saber como ensinar faz parte

das inquietações destes profissionais, uma vez que ensinar de forma que o estudante construa

um conhecimento sólido sobre algum conteúdo é o que realmente pode fazer diferença na sua

vida.

Podemos apontar que uma das dificuldades encontradas pelos alunos nos mais variados

níveis de escolarização é a interpretação do que está ao seu redor, ou seja, do mundo em que

vive. A maioria não consegue fazer uma ligação real entre a geometria e o ambiente que os

rodeia. Para eles, cada uma destas representações matemáticas constitui algo que não possui

nenhuma ligação entre si.

Uma proposta de trabalho para os anos iniciais do ensino fundamental é incentivar o

ensino de geometria fazendo com que as crianças desenvolvam e explorem os contextos do

mundo no qual estão inseridos. De acordo com Vygotsky (1999), “todo conhecimento é

construído socialmente, no âmbito das relações humanas”, caracterizando a criança como ser

social, histórico, um agente ativo do processo de construção do conhecimento.

É sabido que a matemática, além de ajudar a formar o raciocínio dedutivo, fornece

instrumentos para uma leitura crítica e racional do mundo. Mas isso só é possível quando os

conteúdos ensinados possuem um real significado para as crianças e permite que elas possam

transitar entre todas as suas transformações possíveis. Reconhecendo o verdadeiro significado

dos conteúdos matemáticos e de suas representações, a criança poderá perceber a importância

deles e tornar o aprendizado mais significativo.

Este trabalho tem por objetivo apresentar a análise de algumas atividades de ensino

desenvolvidas em uma pesquisa em andamento junto ao Programa de Pós-Graduação em

Ensino de Ciências Naturais e da Matemática - Mestrado Profissional-, da Universidade

Regional de Blumenau (PPGECIM/FURB), que ocorreu com estudantes do 1º ano do ensino

fundamental no estudo de figuras geométricas. Nesta análise, utilizamos a teoria histórico-

cultural do desenvolvimento como principal aporte teórico para nossas reflexões, a partir de

conceitos originalmente desenvolvidos por Vygotsky.

2 A TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL: ALGUMAS PONTUAÇÕES

Lev Semyonovich Vygotsky (1896 – 1934) em sua breve vida desenvolveu importantes

estudos sobre a psicologia do início do século XX, se empenhando em reformular essa ciência

a partir de critérios científicos a respeito do ser humano, voltados para a sua cultura e sua

história e que muito contribuíram para a elaboração de uma nova teoria do desenvolvimento

humano: a teoria histórico-cultural.

Em seus estudos, tendo por base um viés marxista, Vygotsky pretendia dar um novo

rumo para a psicologia, calcado no princípio de que o homem não é um ser pronto e acabado,

mas sim um sujeito que se modifica ao longo de sua história, uma vez que é influenciado pelo

meio cultural em que vive. Considerava que os processos psicológicos mais elevados eram

provenientes do meio cultural, o que fez com que sua teoria buscasse respostas de como o

sujeito adquire esses processos por meio de sua cultura. (ROSA; MONTEIRO, 1996).

Seus estudos fazem surgir a teoria sócio-histórico da mente ou histórico-cultural, pois se

preocupava em pesquisar não apenas questões psicológicas do ser humano, mas também

questões históricas e culturais do sujeito. Assim, procura colocar em evidência aspectos do

comportamento do ser humano ao levantar hipóteses de como esses aspectos se formaram

durante a história humana e durante a história do sujeito.

Vygotsky (1998) evidencia o processo de formação de conceitos que são entendidos

como signos, uma vez que são construções sociais de significados realizadas em um

determinado período. Apontava para que a formação de um conceito ocorresse de fato, o uso

da palavra como meio de comunicação da criança com os adultos é primordial, pois a palavra

produz forma ao pensamento e cria novas modalidades de atenção, memória e imaginação.

Destacava que o aprendizado das crianças começa muito antes de frequentarem a escola.

Estabelece que a aprendizagem e o desenvolvimento ocorrem desde o primeiro dia de suas

vidas.

[...] a aprendizagem não é, em si mesma, desenvolvimento, mas uma correta

organização da aprendizagem da criança que conduz ao desenvolvimento mental,

ativa todo um grupo de processos de desenvolvimento, e esta ativação não poderia

produzir-se sem a aprendizagem. Por isso, a aprendizagem é um momento

intrinsecamente necessário e universal para que se desenvolvam na criança essas

características humanas não-naturais, mas formadas historicamente. (VYGOTSKY,

1998, p. 113)

E a escola, ao ofertar conteúdos e desenvolver modalidades de pensamentos específicos,

exerce um papel insubstituível na apropriação do conhecimento pelo sujeito. Com suas

atividades educativas sistematizadas, a escola tem o compromisso de fazer com que a criança

evolua em todas as suas fases, conduzindo-o de forma plena à formação de conceitos.

Conforme Vygotsky (1999, p. 104)

[...] o processo da formação de conceitos [...] é um ato real e complexo do

pensamento que não pode ser ensinado por meio de treinamento [...], pois pressupõe

o desenvolvimento de muitas funções intelectuais: atenção, memória, lógica,

abstração, capacidade para comparar e diferenciar.

Assim, o desenvolvimento de atividades educativas diversificadas, que levem a criança a

utilizar os seus conhecimentos cotidianos (aqueles que já foram construídos pela criança de

forma inconsciente e involuntária no seu cotidiano, no contato com objetos fenômenos e

fatos), que necessitem de ação, reflexão e relação com a realidade na qual ela está inserida é

imprescindível para a construção de conceitos científicos (aprendidos na escola, de forma

sistemática, consciente e voluntária). E, ainda, para dominar o conceito científico há a

necessidade de haver uma relação com o domínio de conceitos cotidianos.

Ao propor uma atividade educativa é preciso que se observe também a idade mental de

uma criança, tema de investigações de Vygotsky. De acordo com estes estudos, a idade

mental de uma criança pode ser determinada pro meio de dois tipos de desenvolvimento: nível

atual (real) e nível potencial. No primeiro a criança realiza a atividade sem ajuda, pois tem a

capacidade intelectual já desenvolvida e dominada; no segundo, a criança necessita da ajuda

do professor ou de um colega que possua, mas facilidade de compreensão para desempenhar

determinada tarefa. Essa diferença entre o nível de desenvolvimento real e o nível de

desenvolvimento potencial e, para Vygotsky (2003, p. 112), a zona de desenvolvimento

proximal (ZDP), definida como sendo:

A distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar

através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento

potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um

adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes.

A relação entre a criança e o conhecimento é mediada pelo outro e, por esse motivo,

Vygotsky valoriza o professor como mediador. No âmbito escolar, o professor é o mediador

entre o conhecimento historicamente acumulado e o aluno, fazendo que ele aprenda e

modifique a sua relação com o mundo. O professor-mediador proporcionará atividade

educativa que irá gerar na criança zonas de desenvolvimento proximais dinâmicas,

despertando o seu processo de desenvolvimento potencial para o real, continuadamente.

3 METODOLOGIA

A investigação desenvolvida tem enfoque qualitativo valorizando o contexto no qual os

sujeitos estão inseridos. O foco da pesquisa é uma turma do 1º ano do Ensino Fundamental

em uma Escola da rede Municipal de Timbó, localizado no médio Vale do Itajaí, estado de

Santa Catarina (SC). Os sujeitos são 20 crianças, com idade de cinco a sete anos, cursando o

primeiro ano do ensino fundamental e sua professora.

Na pesquisa, um conjunto de atividades foi elaborado pela pesquisadora e pela professora

da turma. As atividades foram construídas tendo por base as formas geométricas relacionadas

com o mundo das crianças. O planejamento foi contínuo e processual, com as atividades

sempre baseadas na tríade: percepção espacial, geometria manipulativa e o desenvolvimento

de noções geométricas. De acordo com Dante (1996) e Smole (2000), a criança aprende pelo

contato com os elementos do meio, ou seja, enquanto manipula e percebe a natureza ao ser

redor, vai descobrindo formas geométricas, percebendo dimensões, observando semelhanças e

diferenças, o que leva à compreensão de conceitos fundamentais da geometria. “A criança

precisa de liberdade e tempo para explorar, descobrir e construir conceitos geométricos. É um

processo que acontece através de experiências vividas em atividades construtivas e sensoriais

(DANTE, 1996, p.202).”

Seguindo os princípios norteadores do trabalho com a geometria (SMOLE, 2000), o

desenvolvimento das noções de espaço não deve ser trabalhado ocasionalmente e sim num

processo constante, de forma que a geometria apareça em seu cotidiano e que a criança faça

suas relações. Para isso, a criança precisa viver o e no espaço, pois só fará sentido quando

conseguir fazer as relações. Isto contribui para que a aprendizagem seja um processo

contínuo, a qual as crianças atribuem significados.

A aplicação das atividades aconteceu durante 12 dias de acompanhamento das aulas da

turma.

4 DESCRIÇÃO DE ATIVIDADES DE GEOMETRIA

Num primeiro momento, a professora da turma solicitou que as crianças trouxessem de

casa brinquedos e embalagens diversas tais como, caixas de sabonete, de alimentos, entre

outras. As crianças sentaram no chão da sala em formato circular e colocaram no centro todas

as embalagens. Em seguida, cada uma escolheu uma embalagem (caixa). Ao serem indagados

sobre o porquê da escolha, responderam:

Porque gosto de caixas vermelhas;

A minha é maior;

Porque tem um desenho de pirata;

Porque é redonda.

Duas observações foram feitas:

As de pasta de dente têm o mesmo tamanho;

Elas têm formatos parecidos (todas são meio quadradas e meio retangulares).

Nesse momento a professora interferiu e mostrou que aquele grupo de caixas trazidas são

figuras espaciais formadas por figuras planas que são representadas por quadrados, retângulos

e triângulos. A professora pegou uma tesoura e recortou uma lateral de forma quadrada e

outra retangular e explicou a diferença entre quadrado e retângulo, dizendo que o quadrado

tem os quatro lados iguais e o retângulo tem dois lados maiores. O triângulo foi explicado

como a figura que tem três lados. A figura que representava o triângulo era um calendário de

mesa, e ela explicou que ele tem três lados retangulares, mas que há mais dois que são

triangulares. Também explicou a diferença entre círculo e cilindro, usando como exemplo o

rolo de papel higiênico.

Após esse momento pegou algumas formas e indagou sobre quais figuras estudadas eram

vistas na embalagem.

As respostas foram:

Tem forma de quadrado porque tem quatro lados iguais;

Tem formas retangulares porque um dos lados é mais comprido que o outro.

Depois a professora perguntou se na sala de aula existiam objetos que representassem as

formas estudadas: o quadrado, o retângulo, o círculo e o triângulo.

As respostas foram:

O quadro, o relógio, a régua, as lâmpadas, o penal, a porta, as carteiras, a lixeira, o

vidro da janela, o lápis, as cadeiras, o chão, os tacos do chão, a garrafinha de água, o

ventilador e muitas outras coisas.

Em seguida, para internalizar os conhecimentos em relação às figuras geométricas, foi

organizada uma excursão pelas dependências da escola, sendo explorados vários de seus

espaços.

Figura 1: Excursão em espaços da escola (parque). Fonte: Acervo da Pesquisa.

A Figura 1 teve uma observação muito interessante feita por uma das crianças: Essa

madeira aqui no chão tem formato retangular. Sabe o por quê? Por que eu contei e de um

lado deu 8 passos meus e do outro lado 5 passos, isso quer dizer que é um retângulo porque

os lados tem tamanhos diferentes.

Após esta atividade, os alunos retornaram à para sala sendo solicitado para que eles

desenhassem em uma folha um dos espaços visitados na escola onde aparecesse alguma

forma geométrica.

Figura 2: Desenho de um dos espaços da escola. Fonte: Acervo da pesquisa.

Outra atividade desenvolvida foi a manipulação das peças dos Blocos Lógicos, quando as

crianças receberam as peças e lembraram da apresentação inicial da professora em relação as

figuras geométricas. Alguns comentários foram tecidos:

Professora, essas peças parecem aquelas que a professora cortou da lateral das

caixas.

Têm quadrados, retângulos.

Vejo um cilindro.

Não é um cilindro, é um círculo.

Não houve comentários sobre os triângulos e algumas crianças confundiram o quadrado e

o retângulo. Tal situação indica a fase em que elas se encontram, segundo Vygotsky (2003),

no nível de desenvolvimento potencial, necessitando do auxílio de alguém mais capaz. Assim,

torna-se necessário a realização de outras situações a fim de que o aluno caminhe pela sua

zona de desenvolvimento proximal.

Figura 3: Blocos Lógicos. Fonte: Acervo da pesquisa.

Após a explicação sobre as características de cada figura pela professora, a turma foi

dividida em grupos de quatro alunos e seguiram para o pátio da escola onde fizerem marcas

na areia com as figuras dos blocos lógico. Durante a atividade, as crianças faziam observações

sobre o tipo de figura que desenhavam. No retorno à sala de aula, cada criança escolheu uma

peça e a pressionou sobre a massinha de modelar. Após, comentaram sobre a atividade feita:

Olha a marca dessa peça é um quadrado, porque tem os lados iguais.

Essa é igual a minha e é um triângulo.

O círculo é a maior marca do nosso grupo.

Figura 4: Marcas na massinha de Modelar e na Areia com os Blocos Lógicos.

Fonte: Acervo da Pesquisa.

A seguir, foi feita pela professora a leitura da obra de literatura Infantil “As três Partes”

de Edson Luiz Kozminski (Figura 5). Com o conhecimento das figuras geométricas já

adquiridas com os blocos lógicos (círculo, quadrado, triângulo e retângulo), foi solicitado aos

alunos para que eles, com o auxílio das peças, reproduzissem as figuras planas em uma folha,

as recortassem e produzissem, em dupla, um desenho, objetivando que os alunos fizessem a

releitura do livro, criando as suas próprias imagens, podendo utilizar a quantidades de peças

necessárias.

Figura 5: Livro de Literatura “As três Partes”.

O grupo 1 criou uma paisagem (Figura 6) onde se destacam as formas da natureza: o sol,

as estrelas, as nuvens, e ainda, a casa e um boneco.

De acordo com Oliveira (2010), a preocupação em evidenciar os aspectos psicológicos

característicos do ser humano fez Vygotsky levar em conta as mudanças ocorridas em quatro

planos históricos e aqui podemos destacar a microgênese, que se preocupa em olhar para

processos e experiências vivenciadas pelo sujeito em um determinado período da sua história

individual, inserido na cultura de determinado grupo. Ao estudar os aspectos psicológicos

humanos por meio desses planos históricos, Vygotsky observou que as relações passam a

predominar sobre as relações diretas, então, trabalha com a noção de que a relação do homem

com o mundo não é uma relação direta, mas, sim, mediada entre sujeito e mundo. Podemos

observar que este grupo utilizou todos os formatos: o retângulo nas nuvens, o quadrado na

construção da casa, o triângulo nas estrelas e no telhado da casa e os círculos no boneco e no

sol. Uma das crianças desse grupo falou: “Mas de dia tem estrelas?” E a outra respondeu:

"Tem sim, eu já vi, e olharam pela janela para fazer essa observação”.

Figura 6: Desenho produzido pelo Grupo 1 mostrando a utilização de todas as peças dos

blocos lógicos. Fonte: Acervo da pesquisa.

O Grupo 2 teve a preocupação de usar todas as formas recortadas, reproduzindo duas

crianças brincando debaixo de uma árvore (Figura 7). Quando mostraram a situação para a

classe, uma das crianças questionou: “Como elas podem estar debaixo da árvore brincando

se a árvore é menor que as crianças?”. O grupo disse que não tinha pensado nisso. Podemos

perceber nesta observação a noção de espaço e proporção que algumas crianças já têm nessa

fase escolar. Os alunos passam a perceber nos objetos e desenhos o espaço do mundo vivido,

conjugando novos espaços às representações do percebido, do real e do imaginário. As

crianças ampliam sua linguagem em relação ao espaço e a novas linguagens geométricas, pois

já tem um prévio vocabulário de geometria em relação ao “espaço”. O processo educativo vai

ampliando a linguagem através da experiência e atividades de deslocamentos, orientações e

localização espacial. Para Smole (2000), a linguagem geométrica, que diz respeito a nomes de

formas e termos geométricos mais específicos, desenvolve-se por meio da assimilação na

ação.

Figura 7: Desenho produzido pelo Grupo 2 mostrando duas crianças brincando debaixo

de uma árvore. Fonte: Acervo da pesquisa.

Assim como o grupo 2, o Grupo 3 também apresentou relação do real com o imaginário,

fazendo a construção de foguetes, fato este que os situou no espaço (Figura 8). Na

socialização com a turma foi o trabalho que mais chamou a atenção das demais crianças e

todas ficaram prestando atenção. “Nosso grupo fez o espaço sideral, com foguete, satélite e

base de controle.” Aqui apareceram os mais variados questionamentos: “Aonde vocês viram

isso? Como vocês sabem que é assim?” O grupo respondeu: “Na televisão sempre passa e é

assim.”

Os Parâmetros Curriculares Nacionais assim apresenta esta importante característica:

Os estudantes desenvolvem em suas vivências fora da escola uma série de

explicações acerca dos fenômenos naturais e dos produtos tecnológicos, que

podem ter uma lógica diferente da lógica das Ciências Naturais, embora, às

vezes e ela se assemelhe. De alguma forma, essas explicações satisfazem suas

curiosidades e fornecem respostas às suas indagações. São elas o ponto de

partida para o trabalho de construção de conhecimentos, um pressuposto da

aprendizagem significativa (BRASIL, 1997, p. 119).

Figura 8: Desenho produzido pelo Grupo 3 mostrando o espaço sideral, um foguete,

satélites e base de controle. Fonte: Acervo da pesquisa.

5 RESULTADOS E DISCUSSÃO

A análise dos conhecimentos cotidianos trazidos pelas crianças possibilita ao professor

identificar o que elas já conhecem sobre o tema, pois o conhecimento faz parte das

experiências vivenciadas pelas crianças no mundo vivido. Para entender a importância dessa

ação, Vygotsky (2009, p. 349), apresenta que o desenvolvimento do conhecimento cotidiano

da criança: “deve atingir um determinado nível para que a criança possa aprender o conceito

científico e tomar consciência dele”. Caso contrário, ela permanecerá na fase dos

conhecimentos originados pelo senso comum, que não serão influenciados pelos

conhecimentos científicos apresentados. No momento em que a professora regente propôs que

cada aluno pegasse uma caixa e indagados sobre o porquê da escolha indica que os

comentários fazem partem do senso comum. Para que compreendesse a relação das figuras

geométricas com suas embalagens, a professora regente pegou algumas caixas e recortou as

laterais mostrando a eles a relação das figuras planas com as espaciais. O PCN (BRASIL,

1997, p. 63) descreve que “observar, comparar, descrever, narrar, desenhar e perguntar são

modos de buscar e organizar informações sobre temas específicos, alvos de investigação pela

classe”. Sendo assim, os alunos ainda precisam internalizar esse conhecimento. Para dar

sequência à atividade, a professora organizou uma excursão pelas dependências da escola para

observarem todas as formas geométricas.

O procedimento que o aluno utiliza para medir a madeira no chão (Figura 1) revela que

ele possui o conceito de contagem, definido por Vygotsky (1999) como um conceito

cotidiano, no qual a criança aprende de forma inconsciente e involuntária, no seu cotidiano,

no contato com objetos, fenômenos e fatos.

Para Vygotsky (2004, p.64), “o processo de educação deve basear-se na atividade pessoal

do aluno e toda a arte do educador deve consistir apenas em orientar e regular essa atividade”.

Após o passeio em grupo, as crianças, individualmente, foram solicitadas a produzir um

desenho em uma folha, evidenciando o que visualizaram no espaço da escola que fossem

formas geométricas, pois já conheciam algumas delas. Ao finalizarem os desenhos, a

professora solicitou que as crianças ficassem atentas ao colega que faria a explicação do seu

desenho. Nesta atividade foi possível verificar conceitos cotidianos e científicos produzidos

pelas crianças sobre as formas geométricas, pois a maioria dos alunos desenhou o parque. No

entanto, percebemos que essa coerência e objetividade ainda não se caracterizam como o

pensamento conceitual mais elaborado, etapa que será conquistada pelas crianças

posteriormente (VYGOTSKY, 2009).

Na releitura do livro “As Três Partes”, podemos destacar que para as crianças que iniciam

o processo de alfabetização, a “leitura propicia o desenvolvimento cognitivo do educando,

abrindo uma janela para conhecimentos que a conversação sobre outras atividades cotidianas

não conseguem comunicar” (LORENZETTI; DELIZOICOV, 2001, p. 10). A leitura pode ser

um modo de incentivar a imaginação e a exploração de conceitos que ainda estão em processo

de construção. Em relação a esse importante aspecto psicológico infantil, Vygotsky (2004, p.

112) destaca que:

[...] antes de querermos atrair a criança para alguma atividade precisamos interessá-

la por essa atividade, ter a preocupação de descobrir se esta está preparada para tal

coisa, se todas as suas potencialidades estão mobilizadas para desenvolvê-la e se a

própria criança vai agir, restando ao professor apenas orientar-lhe a atividade.

As crianças conseguiram fazer uma ligação entre o material concreto (blocos lógicos) e a

história de literatura infantil, utilizando os conhecimentos adquiridos e a imaginação como

forma de elaboração dos desenhos, além de proporcionar a socialização do grupo, pois o

desenho foi elaborado em dupla. Ocorreram comentários de nível de conhecimento mais

elaborado, tais como: quando sobrepomos dois triângulos (Figura 6), temos uma estrela; há

relação de proporção entre o tamanho de uma árvore e duas crianças (Figura 7); temos

figuras no espaço sideral (Figura 8).

Para Vygotsky (2009b, p.23), é importante construir atividades que estimulem a

imaginação das crianças, possibilitando a ampliação da experiência vivenciada por elas:

“Quanto mais à criança viu, ouviu e vivenciou mais ela sabe e assimilou; quanto maior a

quantidade de elementos da realidade de que ela dispõe em sua experiência [...] mais

significativa e produtiva será a atividade de sua imaginação”.

Segundo os PCN (BRASIL, 1997, p. 62), os anos iniciais são marcados pelo

desenvolvimento da “linguagem oral, descritiva e narrativa, das nomeações de objetos [...]”.

Essa particularidade permite que as crianças construam desenhos ou textos sobre observações

e consigam comunicá-las para seus colegas. O documento salienta que o “desenho é uma

importante possibilidade de registro de observações [...] além de um instrumento de

informação da própria Ciência” (BRASIL, 1997, p. 62).

Vygotsky (2004) apresenta que, quando a criança entra na escola, abre-se um importante

caminho para o seu desenvolvimento, no que diz respeito aos conceitos. No decorrer da

aprendizagem escolar, assimila diferentes conceitos, agora organizados em um sistema, a

partir das distintas áreas do conhecimento. O desenvolvimento mental de uma criança não se

caracteriza somente por aquilo que conhece, mas também pelo que a criança pode aprender.

Passando do desenvolvimento dos conceitos cotidianos ao “momento de surgimento do

conceito científico começa exatamente a partir da definição verbal, e de operações vinculadas

a essa definição” (VYGOTSKY, 2004, p. 525-526).

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Vygotsky ao citar a função da escola no processo de desenvolvimento do indivíduo, faz

uma distinção entre conhecimentos construídos na experiência individual das crianças e

conhecimentos construídos na sala de aula. Para ele, surge uma ação partilhada entre

conhecimento prévio e conhecimento cientifico, já que é através da interação/mediação que as

relações entre o sujeito e o objeto do conhecimento são constituídas.

Sabemos que a aprendizagem compreende aspectos cognitivos que precisam ser levados

em consideração pelo professor, estimulando no aluno o desejo em conhecer, que passa a ter

um significado permanente no processo de construção dos saberes científicos. A investigação

sobre o ensino e a aprendizagem de formas geométricas planas no primeiro ano do ensino

fundamental evidencia a necessidade de se repensar a forma como os conhecimentos são

apresentados às crianças e, acima de tudo, a forma como esses são construídos por elas. A

exploração de atividades planejadas mostra que é possível ensinar matemática relacionada ao

mundo dos alunos e que novos conceitos ou conteúdos matemáticos também fazem parte

desta realidade.

7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Secretaria de Educação Fundamental.

Parâmetros Curriculares Nacionais: ciências naturais. Brasília, 1997.

DANTE, L. R. D. Didática da Matemática na Pré-escola. São Paulo: Ática, 1996.

KOZMINSKI, E.L. As três partes. São Paulo: Ática, 2004.

LORENZETTI, L.; DELIZOICOV, D. Alfabetização científica no contexto das séries iniciais.

Revista Ensaio. v. 3, n. 1, p. 1-17, 2001. Disponível em:

<http://www.portal.fae.ufmg.br/seer/index.php/ensaio/issue/view/4>. Acesso em: 2 abr. 2013.

OLIVEIRA, M. K. de. Vygotsky: aprendizado e desenvolvimento um processo sócio-

histórico. São Paulo: Scipione, 2010.

ROSA, A. ; MONTERO, I. O contexto histórico do trabalho de Vygotsky: uma abordagem

sócio-histórica. In: MOLL, L.C. Vygotsky e a educação: implicações pedagógicas da

psicologia sócio-histórica. Porto Alegre: Artmed, p. 57 – 83, 1996.

SMOLE, K. S. S. A matemática na Educação Infantil – A teoria das inteligências múltiplas

na prática escolar. Porto Alegre: Artmed, 2000.

VYGOTSKY, L. S. Formação Social da Mente: o desenvolvimento dos processos

psicológicos superiores. Tradução de José Cipolla Neto, Luís Silveira Menna Barreto e

Solange Castro Afeche. São Paulo: Martins Fonte, 1998.

_____. Pensamento e Linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

_____. Psicologia Pedagógica. Edição comentada. Tradução de Claudia Schilling. Porto

Alegre: Artmed, 2003.

______. Psicologia pedagógica. São Paulo: Martins Fontes, 2004.

______. Imaginação e criação na infância. São Paulo: Ática, 2009.

MATHEMATICAL LITERACY IN THE FIRST YEAR OF

ELEMENTARY SCHOOL IN THE FIELD OF PLANE GEOMETRY

BASED ON VYGOTSKY THEORETICAL ASSUMPTIONS

Abstract: This paper presents part of an ongoing research with the Natural Sciences and

Mathematics Post-graduation Program – Professional Master – of the Universidade Regional

de Blumenau (PPGECIM/FURB). The research studies the process of teaching and learning

geometry in the first year of the elementary school. It was realized in a public school from

Timbó – SC, with the aim of expand the knowledge about the children’s construction of

geometric concepts, using the cultural-historical theory of development as the main

theoretical contribution to our ideas, from the concepts first developed by Vygotsky. We

describe one of the activities developed in the study of geometrical forms, using the logic

blocks and children's literature.

Keywords: Geometrical concepts. First year of elementary school. Vygotsky.