A Alienacao Religiosa Em Lukacs1[1]

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A alienao religiosa em Lukcs 1Clara Anglica de Almeida Santos Bezerra2

Resumo: O presente trabalho busca analisar, a partir da concepo lucksiana, a religio enquanto modelo de todas as alienaes mediadas precipuamente pela ideologia. Para o filsofo a religio tem como funo social primria a regulao da vida cotidiana de uma sociedade na qual ela consegue ser dominante. A necessidade social da religio para Lukcs de constituir-se uma entidade articulada e multiforme, para fazer uma ponte entre os interesses singulares dos homens cotidianos e das grandes necessidades ideais daquela dada sociedade na inteireza do seu ser-em-si. Para Lukcs a religio tem os seus meios na vida cotidiana do homem e se prevalece do grau de desenvolvimento scio-econmico de uma sociedade. Buscamos analisar o pensamento de Lukcs que retratou na sua tradio englesiana e marxiana, os aspectos ideolgicos da religio. Palavras-chave: alienao, religio, ontologia da vida cotidiana, ideologia.

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Este trabalho resultado dos estudos realizados durante a disciplina Tpicos especiais Reproduo social e alienao, da ps-graduao em Servio Social da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), ministrada pela professora Dr Norma Alcntara, no segundo semestre de 2010. 2 Mestranda do Programa de ps-graduao em Servio Social PPGSS, da UFAL.

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Introduo

Analisar a partir da concepo Lukacsiana da religio enquanto modelo de todas as alienaes mediadas precipuamente pela ideologia, estar para alm de uma mera abstrao filosfica. O pensamento lukacsiano revela a partir dos fundamentos filosficos marxianos, a religio como reguladora da vida cotidiana de uma sociedade na qual ela consegue ser dominante. Lukcs apresenta a religio como um fenmeno social universal, forjada para regular por completo a vida dos homens e de uma forma ou de outra exercer um influxo direto na vida singular de todos os homens. Essa funo social da religio, para o filsofo hngaro, assume aspectos diferentes nas diversas sociedades ao longo da histria do mundo dos homens. No perodo da polis grega no se pensava numa religio que influenciasse os escravos, no feudalismo, ao contrrio,a religio tinha grande intensidade e importncia nas relaes dos servos da gleba, dos artesos urbanos. Ao longo do desenvolvimento das foras produtivas, a religio produz certa tendncia em usar todos os meios para exercer uma influncia total nas singularidades humanas. Da tradio ao direito, moral, poltica, etc, no h setor ideolgico socialmente significativo que a religio no tivesse tentado dominar. (LUKCS, 1981, pg.68) Lukcs ir apontar que o fenmeno ideolgico da religio dever ser apreendido pela compreenso da ontologia da vida cotidiana, assim como a estrutura e o desenvolvimento econmico de uma sociedade que compem o medium omnilateral de imdediaticidade que, para maior parte dos homens, a forma pela qual so postos em comunicao concreta com as tendncias espirituais do seu tempo. Este campo de mediao produz, para o filsofo hngaro, a totalidade social de um perodo, as suas propores, a especfica qualidade do esprito que predomina.

1. O novo materialismo.

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Lukcs parte da anlise filosfica acerca da dissoluo do Hegelianismo realizada por Feuerbach e da critica marxista Feuerbach e aos seus discpulos que perpetuaram um pensamento idealista. A importncia da crtica de Feuerbach contra as idias centrais do sistema hegeliano consistia numa tentativa sob ponto de vista materialista e tinha no tema alienao seu ponto nodal.A religio para Feuerbach no uma forma preliminar de superao da alienao, mas, ao contrrio, a sua forma original. Ele se apega nesse discurso justamente no imediato, mas s no imediato - (...) Para ns o fato decisivo que Feurbach no somente nega a integrao hegeliana da religio no processo atravs do qual o Esprito (a humanidade) transforma-se a si mesmo, mas a revira e denuncia todo o idealismo como uma teologia contraditoriamente leiga. (LUKCS,1981,p. 55)

Para Lukcs a contribuio de Feuerbach foi fundamental para desagregao da escola hegeliana, uma vez que Feuerbach fez severas crticas ao ncleo dos pensadores hegelianos. Feuerbach deixou um legado de uma simples gnoseologia materialista, onde somente o imediato ser sensvel a realidade autntica. Lukcs no mediu esforos ao enxergar a contribuio de Feuerbach ao pensamente de Engels e Marx. Identificou na produo marxista, reconhecida como um perodo da produo do jovem Marx (LUKCS, 2010, pg.133) que adotou a partir da contribuio Feurbachiana uma viso metodolgica onde o homem passou a ser o centro da investigao cientfica. Para o filosfo hngaro, a radicalidade marxiana colocou o homem a raiz de si mesmo. Lukcs apresenta, assim, o ponto de partida da analise marxiana acerca dos fenmenos ideolgicos. Uma vez que as construes mitolgicas que povoam a conscincia social, apresentam-se como atividade do homem em seu contexto, e, portanto apenas o homem tem a possibilidade de transform-lo. Lukcs analisa que sendo o pensamento de Feurbach o inicio da crtica marxiana ao idealismo, logo tal pensamento passar por crticas. Nos Manuscritos econmico-filosficos, o apelo a imediaticidade exposto por Feurbach ser desmistificado por Marx. Segundo Lukcs, Marx ir transcender o perodo feurbachiano.Assim, Feurbach foi um crtico, no mais alto significado da palavra, com relao a uma das mais importantes construes ideolgicas, a saber: a religio. Ele corretamente analisou a mitologia que h no uso que Hegel faz do termo esprito (Geist). Porm, Feurbach permaneceu um utpico ao demonstrar-se incapaz de adotar uma atitude crtica diante de seu prprio mtodo: abordou o conceito de

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homem de modo acrtico, antidialtico e metafsico, semelhante a um sacerdote que se inclina a abordar o conceito de Deus ou de religio. Para falar com as palavras de sua metodologia: Feurbach assevera que o homem, o seu ponto de partida metodolgico, realmente existe na verdadeira acepo do termo; contudo, falha no momento de capturar dialeticamente o conceito efetivo de homem, de perceber que o homem algo que somente vem a ser no curso do desenvolvimento histrico e, como resultado, tanto existe como no existe (na perspectiva da crtica histrica). (LUKCS, 2010, pg.134)

Fica claro para Lukcs que apesar de profcua a contribuio de Feurbach ao pensamento de Marx e Engels, perde total relevncia no momento em que seus aspectos progressistas desguam no materialismo histrico. Ficou claro para Lukcs que Feurbach situou a realizao do homem numa utopia espiritual ao converter o homem numa abstrao, ou seja, a generalizao acrtica do homem da sociedade burguesa. Segundo Lukcs, o destino do materialismo feurbachiano do sculo XIX herdeiro do materialismo do sculo XVIII encontrou adeptos em meio a burguesia que ento havia se transformado em reacionria (LUKCS,2010,pg.136). As contraposies

feurbachianas diante de Hegel e do idealismo alemo construiu as aquisies da filosofia clssica alem. Marx e Engels apreenderam a influncia de Feurbach ao reconhecer o mtodo dialtico como o instrumento de interpretao histrica, tomando como suporte o real, vital e efetivo conhecimento dos desenvolvimentos scio-histricos, mas, de outro lado, entenderam que o conhecimento da existncia scio-histrica foi rejeitado por esse materialismo burgus. So inegveis as contribuies filosficas do sculo XVIII e seu carter revolucionrio ao derrubar as barreiras feudais. As relaes sociais entre senhor e vassalo aparecia conscincias dos homens como algo dado por deus, as dissolues dessa forma de pensar tinha de ser precedida pelas dissolues econmicas feudais. Todavia, conceitualmente surge com a nova forma econmica uma nova ideologia que a humanidade estava livre da autoridade divina e estava sob a gide de leis autnomas e de governo racional sem interveno de deus nem dos Homens.O capitalismo basicamente se institui ideologicamente sobre a compreenso fatalista de que os homens so manipulados em vez de serem os manipuladores; encontra expresso em uma lei natural baseada na inconscincia dos participantes (ENGELS,apud LUKCS,2010,pg.137). Quer dizer, essas leis tomaram a forma de leis naturais e no de tendncias na evoluo da sociedade. O

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materialismo burgus, disse Engels, simplesmente ope o homem natureza em vez do Deus cristo, Portanto, esse ponto de vista, que se limitava a ter um efeito revolucionrio medida que a tarefa a se cumprir era a dissoluo das idias feudais, transformou-se em reacionrio a partir do instante em que os homens comearam a se tornar consciente de sua prpria existncia social, com o pensamento proletrio. De um lado, a lgica natural permanente de toda existncia erradicou o Deus cristo, que era agora dispensvel, e o princpio da autoridade associada a esse Deus. De outro lado, entretanto, substituiu a antiga ordem dada por Deus por uma nova e igualmente permanente ordem: a racional e coerente produo capitalista. (LUKCS, 2010, pg.135)

Segundo Lukcs, Marx deu um salto para alm do debate alemo acerca da discusso da religio, a partir das interrrelaes mais importantes entre religio e vida cotidiana na sociedade capitalista. (LUKCS, 1981,pg. 58) Marx ir justamente colocar o debate emblemtico entre os complexo da alienao e da religio. Atravs da perspectiva histrica-poltica ir desvelar a liberdade burguesa que conduz o homem ao seu alienar-se do seu arbtrio no plano social e ideolgico. Lukcs expe que no debate com Bruno Bauer acerca da liberdade religiosa, Marx no faz referncia a alienao, mas indica que o debate estar para alm da liberdade religiosa e portanto burguesa.Nenhum dos assim chamados direitos do homem ultrapassa, pois, o homem egosta, o homem enquanto membro da sociedade civil, isto , o individuo voltado sobre si mesmo, sobre seu interesse privado e sobre seu prprio arbtrio, e isolado da comunidade. Bem longe de ser o homem entendido como ente genrico, a prpria vida do gnero, a sociedade, antes aparece como uma moldura esterna aos indivduos. Como limitaes da sua independncia originria. A nica ligao que os mantm juntos a necessidade natural, a necessidade e o interesse privado, a conservao da sua propriedade e da sua pessoa egosta. O homem no , portanto, libertado da religio, ele recebeu a liberdade religiosa. Ele no libertado da propriedade, recebeu a liberdade da propriedade. Ele no libertado do egosmo do ofcio, recebeu a liberdade do ofcio. (MARX, apud LUKCS, 1981, pg. 59)

A partir dos textos marxianos, Lukcs ir expor o reconhecimento que Marx deu aos aspectos gerais qualitativo-estruturais, e histrico-sociais que resultam na universalidade da alienao. Somente as condies reais da vida humana tem condies de fornecer os subsdios necessrio ao entendimento da alienao religiosa. A partir de Marx a alienao religiosa passa a perder seu posto isolado de fenmeno social. Lukcs destaca dois principais textos, nos manuscritos econmico-filosficos o eixo nodal a anlise das alienaes produzidas pela economia capitalista, especialmente a alienao do operrio5

no capitalismo. Na obra a Sagrada Famlia a alienao exposta como um fenmeno universal que subordina a si igualmente a burguesia e o proletariado, mas ao mesmo tempo traz luz contraditoriedade, criando reaes antagnicas nas distintas classes. Assim a partir do materialismo marxiano, da sua filosofia do desenvolvimento histrico-social da humanidade, Lukcs expe a alienao religiosa, como um produto do processo material da autoreproduo da humanidade. Partindo dos delineamentos ontolgicos deixados por Marx, Lukcs amplia o horizonte em direo a contribuio do desenvolvimento de uma ontologia do ser social. Para Marx, o mundo dos homens apenas pode vir a ser em ininterrupta interao com a natureza, essa ininterrupta vinculao significa insupervel relao com a natureza, embora o ser social seja distinto completamente dela. A essncia do trabalho , em Lukcs, exclusiva articulao entre teolgica e causalidade. Exclusiva porque apenas no ser social a teologia se faz presente.Pressupomos o trabalho [Lukcs cita Marx] numa forma em que pertence exclusivamente ao homem. [...] o que distingue, de antemo, o pior arquiteto da melhor abelha que ele construiu o favo em sua cabea antes de constru-la na cera. No fim do processo de trabalho emerge um resultado j presente em seu incio na imaginao do trabalho e, portanto, idealmente. Ele no apenas efetiva uma transformao da forma da matria natural; realiza, ao mesmo tempo na matria natural seu objetivo, que ele sabe que determina, como lei, a espcie e o modo de sua atividade, e ao qual tem de subordinar a sua vontade. (MARX, apud LUKCS, apud LESSA, 2007, p. 28)

Segundo Lukcs, h um perigo em conceber uma teleologia num desenvolvimento ontolgico global, concebendo assim a evoluo da natureza e a histria humana como teleologicamente orientadas, e apreendendo a histria humana alm dos atos humanos singulares. Esse processo implica numa aproximao, quando no a identificao, s concepes de mundo religiosas, uma vez que, toda processualidade teleologicamente orientada requer alguma conscincia que a ponha. Para Lukcs, ao contrrio, a histria humana fruto exclusivo do agir humano.A admisso da teologia no trabalho [...] , em Marx, alguma coisa que vai para muito alm das tentativas de soluo propostas por seus predecessores de porte como Aristteles e Hegel, j que, para Marx, o trabalho no uma das tantas formas fenomnicas da teleologia em geral, mas o nico ponto em que ontologicamente demonstrvel a presena de um verdadeiro pr

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teleolgico como momento real da realidade material. (LUKCS, apud LESSA, 2002, pg.71)

Na nova situao que a sociedade burguesa apresenta, Lukcs a partir de Marx abordar os desdobramentos da contradio entre o desenvolvimento do gnero humano com suas potencialidades e, as desigualdades sociais que compe o solo gentico do fenmeno social, denominado por Lukcs, de estranhamentos. Marx (2004) fez uma severa crtica aos economistas clssicos que tentavam esclarecer os fatos da sociedade burguesa a partir de um estado primitivo primrio, e simplesmente empurravam as questes para uma regio nebulosa e cinzenta. E de forma anloga dizia que os economistas se comportavam como os telogos que explicavam a origem do mal pelo pecado original, ou seja, buscavam apresentar num fato acabado o que ainda estava por explicar na histria. Enquanto a econmica clssica concebia a concorrncia, liberdade industrial, diviso da posse da terra como

conseqncias naturais, Marx partia da anlise do trabalho, na sociedade burguesa, e a interconexo entre a propriedade privada com o novo sistema dinheiro.Agora temos, portanto, de conceber a interconexo essencial entre a propriedade privada, a ganncia, a separao de trabalho, capital e propriedade da terra, de troca e concorrncia, de valor e desvalorizao do homem, de monoplio e concorrncia etc., de todo este estranhamento (Entfremdung) com o sistema dinheiro. (MARX, 2004, pg.80)

Na anlise marxiana, o trabalhador na sociedade burguesa existe de forma inversamente proporcional a riqueza produzida. O trabalhador se torna mais pobre quanto mais riqueza ele produz. Para Marx (2004) o trabalhador se torna uma mercadoria to mais barata quanto mais mercadoria ele cria. A valorizao do mundo das coisas (Sachenwelt) aumenta em proporo direta a desvalorizao do mundo dos homens (Menschenwelt). Ao produzir a mercadoria em geral o trabalhador no produzia apenas produtos, mas produzia a si mesmo como uma mercadoria.Este fato nada mais exprime, seno: o objeto (Gegenstand) que o trabalho produz, o seu produto, se lhe defronta como um ser estranho, como um poder independente do produtor. O produto do trabalho o trabalho que se fixou num objeto, fez-se coisal (salchlich), a objetivao (vergegenstandlichung) do trabalho. A efetivao (verwirklichung) do trabalho a sua objetivao. Esta efetivao do trabalho aparece ao estado nacional-econmico

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como desefetivao (entwirklichung) do trabalhador, a objetivao como perda do objeto e servido ao objeto, a apropriao como estranhamento (Entfremdung), como alienao (Entausserung) (MARX, 2004, pg.82)

A sociedade burguesa, na concepo marxiana, oculta o estranhamento na essncia do trabalho porque no considera a relao imediata entre trabalhador (o trabalho) e a produo. Ao substituir o trabalho por mquinas, parte dos trabalhadores no tem sua vida e tempo mais livre, ao contrrio, so submetidos a um trabalho mais brbaro ainda e, outra parte torna-se apndice da mquina. O trabalho burgus produz maravilhas para o rico, mas privaes para o trabalhador; produz palcios, mas cavernas para o trabalhador; produz esprito, mas imbecilidade e cretinismo para o trabalhador (MARX, 2002, pg. 82)

2. Alienao religiosa: materialidade da auto-reproduo humana.

O carter precpuo para apreender a alienao religiosa em Lukcs, est contido no fenmeno da alienao que em grande parte um fenmeno ideolgico; (LUKCS, 1981, pg.54) e a prpria luta subjetiva individual para se libertar da alienao consiste num carter ideolgico. Para Lukcs o elemento fundante para entendermos esse processo a ontologia da vida cotidiana. Uma vez que a alienao da cada individuo se desenvolve pelas suas interaes com a prpria vida cotidiana. A vida cotidiana para Lukcs um produto das relaes econmicas cada vez mais dominantes e so essas relaes que exercem uma influncia decisiva sobre os homens. A vida cotidiana para Lukcs o mdium entre a esrutura econmica geral da sociedade. impossvel examinar um fenmeno ideolgico na sua essncia, na sua atualidade, nas suas linhas de transformao sem apreender os problemas da ontologia da vida cotidiana. Dessa forma, para Lukcs a realidade posta objetivamente nos mundos dos homens atravs da estrutura e o desenvolvimento econmico de uma sociedade, constituda por sua ontologia da vida cotidiana, forjada na imediaticidade da vida. nesta imediaticidade que a sociedade faz sua interlocuo com as tendncias espirituais do seu tempo.8

So excees os indivduos que se encontram em contato direto e continuado com as verdadeiras e prprias expresses ideolgicas, aquelas mais claras e elevadas de seu tempo e que na sua prxis reagem contnua e diretamente a elas. Mas mesmo sobre essas pessoas incide a ontologia da vida cotidiana. Por isso, no devemos jamais descuidar deste campo de mediao. (LUKCS, 1981, pg.54)

Segundo Lukcs, apenas o nexo entre a imediaticidade, ontologia da vida cotidiana e a estrutura e desenvolvimento econmico produz a totalidade social de um perodo, especialmente a qualidade de esprito que predomina. Fica ntido para Lukcs que ao ampliar a perspectiva feurbachiana acerca da religio, Marx eleva a discusso ao patamar de fenmeno da alienao religiosa e seus desdobramentos tericos a um complexo geral de problemas polticos-sociais da histria da humanidade.De fato, a religio a conscincia de si e o sentimento de si do homem que ainda no conquistou ou novamente perdeu-se a si mesmo. Mas o homem no uma entidade abstrata colocada fora do mundo. O homem o mundo do homem, o Estado, a sociedade. Este Estado, essa sociedade produzem a religio, uma conscincia invertida do mundo, uma vez que eles so um mundo invertido. A religio a teoria geral desse mundo, o seu compndio enciclopdico, a sua lgica na forma popular, o seu point dhonneur espiritualista, o seu entusiasmo, a sua solene completude, o seu universal fundamento de consolao e de justificao. Essa a realizao fantstica da essncia humana, j que a essncia humana no possui uma verdadeira realidade. A luta contra a religio , portanto, mediatamente, a luta contra aquele mundo, do qual a religio o aroma espiritual. (MARX, apud LUKCS, 1981,pg.58)

Segundo Lukcs, a superior perspectiva histrica-poltica marxiana elimina os falsos problemas da discusso acerca da religio, realizada pelos filsofos germnicos. Marx alavancou a discusso da alienao e religio numa interlocuo com as mudanas revolucionrias gerais da poca. A discusso do desvelamento da alienao religiosa conduziu Marx anlise do ponto nodal da humanidade, forjada pela sociedade burguesa a emancipao humana. O ponto de partida ontolgico foi a discusso entre o homem idealizado na concepo burguesa o cidado e o real homme . A ideologia burguesa garante uma liberdade humana pautada nos direitos civis, alicerada numa estrutura econmica da sociedade civil onde o homem burgus j no a realizao, mas ao contrrio, o limite da liberdade do indivduo. Eles do ao homem a plena liberdade de alienar-se a seu arbtrio no plano social e naturalmente tambm naquele ideolgico. O ponto neuvrgico de discusses aqui no a religio, mas a alienao burguesa do

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homem de si mesmo, o homem que no se reconhece como ente genrico. A sociedade o espao limitado do homem, uma vez que Marx apresenta o homem egosta, sendo ele membro da sociedade civil. Dessa forma fica explicitado que o debate filosfico germnico estava atrelado s concepes burguesas da liberdade religiosas, era preciso que os homens tivessem seus direitos civis garantidos. Marx ir justamente mostrar o carter de alienao nessa discusso.O homem no , portanto, libertado da religio, ele recebeu a liberdade religiosa. Ele no libertado da propriedade, recebeu a liberdade da propriedade. Ele no libertado do egosmo do ofcio, recebeu a liberdade do ofcio. ( MARX apud Lukcs,1981,pg.59)

Segundo Lukcs, Isso significa que Marx inseriu a discusso acerca da religio como uma forma relevante de alienao, mas inserida no contexto social junto com outras expresses de alienao, produzida pela sociabilidade capitalista. A dimenso marxiana ao discutir religio reconhece a

universalidade da alienao, nas mais variadas formas que se apresenta no cotidiano. Essas mais variadas formas de alienao so aspectos qulitativoestruturais, realmente histrico-sociais que resultam do carter de

universalidade da alienao. Ou seja, as alienaes so resultados reais de vida, dos reais processos scio-econmicos. Segundo Lukcs, essas realidades so sempre resultado de uma prxis talvez inconsciente e no desejada. (LUKCS, 1981, pg. 61)A sua superao, portanto, se quer que seja verdadeiramente uma superao, deve ir alm da mera compreenso terica, deve ser prxis, objeto de uma prxis social. (IDEM)

Lukcs entende que o carter universal das alienaes presente na prxis humana, retira o carter de isolamento dos fenmenos sociais, ou seja, no possvel entender a alienao religiosa isolado do seu carter de interrelao com as relaes capitalistas. A peculiaridade da alienao religiosa se perde no carter do ato prtico comum-universal, atravs do conhecimento do carter de explorao da sociedade capitalista. No plano ontolgico geral nenhum fenmeno de alienao autnomo.Vejam: o debate para esclarecer que coisa a alienao religiosa e como pode ser superada afastou-se bastante das estimulaes de Feurbach e j permite vislumbrar com clareza os primeiros e mais lineamentos do materialismo de Marx, da sua filosofia do desenvolvimento histrico-social da humanidade. O ponto de partida, a religio como alienao, como um tipo de alienao prioritariamente

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ideolgica, no resulta mais o momento determinante nesse quadro universal. O ideolgico e com isso dado o passo resolutivo para decifr-lo mostra-se um produto, um derivado do processo material de auto-reproduo da humanidade. Assim, definido com exatido o lugar metdico para responder s perguntas avanadas de Feurbach, mas esta mesma correo vai muito alm da iniciativa de Feurbach. (LUKCS,1981, pg.62)

Segundo Lukcs, Marx desvela o processo metodolgico e os resultados cientficos da gnosiologia ao contestar a teoria criacionista, entretanto ntido que a referida contestao encontra dificuldades sociais que se opem difuso de massa dessa doutrina. Lukcs entende nessa dificuldade a influncia da ideologia liberal e a dependncia geral da vida humana ao trabalho como processo estranho a si prprio, realidade objetiva do trabalho abstrato na produo capitalista. Para Lukcs, a grande contribuio marxiana concentra-se na substituio da abstrao terica sobre a crtica religio, frente a objeo histrico-universal. Lukcs entende que o atesmo terico produzido pela filosofia alem ser desvelado por Marx de uma forma notvel. Para Lukcs, o fundamento de toda crtica verdadeira da religio consiste na prioridade ontolgica, apontada por Marx, do processo gentico para o tornarse-homem, do processo da auto-atividade em relao a cada alienao.Na verdade, nos nossos dias a cincia obteve todo um outro nvel de conhecimentos acerca da gnese da vida orgnica, mas a teoria de Darwin, a deduo que o homem enquanto homem se origina do prprio trabalho, interveio quando Marx ainda era vivo e foi por ele elaborada em termos tericos sem renunciar em linha de princpio a esse projeto dos anos juvenis. (LUKCS, 1981, pg. 63)

Lukcs expe que apesar de Marx no ter examinado a religio em sua totalidade, conseguiu apontar os problemas particulares, em si importantes, da alienao humana na religio. E as causas da alienao humana na religio foram esboadas nas grandes prospectivas histrico-universais. Segundo Lukcs, o legado marxiano da crtica da alienao humana na religio foi o fato de ser uma crtica meramente terica da teologia. A motivao dessa crtica teolgica consistia em colocar em confronto os fundamentos teolgicos, com certos resultados novos que as cincias da natureza do perodo obtinham. O modo dialtico de Marx para apreender e enfrentar teoricamente os grandes processos caiu no esquecimento. Ainda no perodo da Segunda Internacional, os tericos marxistas relevaram a crtica Feurbach deixada por Marx. Lukcs faz aluso a contribuio de Plekanov, considerado11

como um dos melhores tericos da Segunda Internacional que cometeu esse abandono a dialtica marxiana. Nesse perodo, os fundamentos feurbachianos readquirem prestgio metodolgico, retornando ao centro das discusses tericas, sendo a crtica marxiana relegada crtica roedora dos ratos. Lukcs reafirma que os fundamentos ontolgicos da relao social entre religio e homem, na sociedade moderna, so completamente posto de lado. Foi colocado a segundo plano a referncia marxiana de analisar os complexos concretos do ser social e seus reflexos ideolgicos. O filsofo hngaro aponta que a ontologia da vida cotidiana central para analisar a moderna crise da religio. Em especial ao analisar o descompasso entre marxismo, seja no dogmatismo stalinista ou no marxismo revisionista, e a sua relao com a religio. Esse descompasso nitidamente constatado nos intelectuais progressistas, na Europa central, difundindo idias segundo as quais a religio seria extinta pouco a pouco ou mesmo aps uma crise repentina. (LUKCS, 1981,64). Lukcs aponta como exemplo a antinomia filosfica de Kierkegaard, nos seus textos de 1843, esse filsofo aponta que os aspectos religiosos do homem e sua relao com deus uma relao pessoal e nunca social.Para Kierkegaard o contato do homem com o mundo religioso era um ato totalmente irracional. No mesmo direcionamento de Kierkegaard, Lukcs apresenta uma breve discusso das obras literrias, do sculo XIX e incio do sculo XX, e mostrou como obras da envergadura como Dostoievski, Tolstoi, Pountoppidan, Gerhard Hauptmann todas que carregam uma grande influencia hegeliana. As obras literrias, como representao de uma realidade e expresso das tendncias reais da vida, persistiram no legado de Hegel em no enxergarem a religio, suas razes reais, sua origem e decadncia na esfera verdadeira e prpria do ser social (LUKCS, 1981, pg.67). A interpretao da produo literria e terica insiste na seco entre esprito absoluto e esprito objetivo, ou seja, separar a religio como fenmeno ideolgico apartado da totalidade da realidade social.Mesmo no podendo discutir tal questo no modo como seria oportudo, basta lanar um olhar sobre a realidade histrica para se perceber que a religio um fenmeno social universal: desde o incio e em muitos casos at muito depois um sistema para regular por completo a vida da sociedade; sobretudo satisfaz a

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necessidade social de regular a vida cotidiana dos homens, de uma forma de ser capaz de exercer de uma maneira ou de outra um influxo direto sobre a conduta de vida de todos os indivduos em questo.

3. Superao da alienao religiosa: objeto de uma prxis social. Segundo Lukcs, a superao da alienao religiosa, enquanto uma das formas uma alienao social universal, no deve ser vista por sua existncia e crescimento em termos qualitativos. Para o filsofo hngaro os fundamentos marxianos apontam os aspectos gerais qualitativo-estruturais e histrico-sociais que compe o carter universal da alienao. Aqui se encontra para Lukcs o direcionamento do enfrentamento s alienaes e podemos dizer

especificamente a alienao religiosa. Segundo Lukcs, a coerncia de Marx consiste em ter ido alm de uma teoria para enfrentar a alienao. Uma vez que as alienaes so estados reais de vida, resultados de reais processos scio-econmicos, a sua verdadeira superao no pode acontecer

simplesmente atravs de uma teoria.As realidades na sociedade so sempre resultados de uma prxis talvez inconsciente e no desejada. A superao, portanto, se se quer que seja verdadeiramente uma superao, deve ir alm da mera compreenso terica, deve ser prxis, objeto de uma prxis social. (LUKCS,1981,61)

Para Lukcs, o conhecimento traduzido em uma prxis da humanidade. A peculiaridade de uma alienao desaparece no ato prticocomum universal. Ou seja, a transformao do ser social indubitavelmente s acontece por obra da prxis humana. Aqui necessrio entender, que a tese lukcsiana para a superao da alienao religiosa justamente apreender a constituio do ser social, e a relao imediata entre teoria e prxis na vida cotidiana. Segundo Lukcs, o predomnio universal da imediaticidade na relao entre teoria e prxis, tem no plano scio-ontolgico um carter individual. A predominncia da imediaticidade tem o predomnio da particularidade no eu humano. (LUKCS,1981,pg.70). Segundo o filsofo, esse predomnio da imediaticidade no eu humano , nada menos que, o predomnio dos afetos na vida circuncidante.

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A superao desse fenmeno se dar pela reestruturao autocrtica interna da personalidade, relativa a estas relaes da vida cirduncidante. Entretanto, aqui no significa para Lukcs, que a interpretao e elaborao do mundo circuncidante seja puramente subjetivo. Ao contrrio do que parece, esse mundo circuncidante representado pela foras, problemas, conflitos, que em primeira instncia constitui a ontologia da vida cotidiana, so fenmenos objetivos que tem carter objetivamente social.Todavia, depende do homem, o qual, como sempre, um ser que responde, se ele reagir espontaneamente ou mesmo elevando-se conscientemente para alm da prpria particularidade a estes fatos que naturalmente lhes advm. Se suas reaes permanecem ao nvel de tal espontaneidade, se por isto a sua prxis, a continuidade da sua posio teleolgica, determinante somente ou predominante por motivos desta espcie, ele integra a si prprio no mundo da vida cotidiana, a qual torna-se para ele o ambiente real definitivo, ineliminvel, a cujos problemas ele reage, por conseqncia, conforme a sua natureza imediata.(LUKCS,1981,pg.70)

Segundo Lukcs, a soma das reaes humanas sua particularidade ir constituir, em cada sociedade, uma parte relevante da totalidade das tendncias que nela operam. A relevncia para ns em compreender como se dar a superao da alienao religiosa, consiste justamente em examinar o desenvolvimento da relao sujeito-objeto, como resposta dos homens s suas particularidades, uma vez que essa referida relao socialmente gerada. Lukcs apresenta que os motivos ontolgicos mais importantes para apreender esse complexo, o fato de os homens nunca serem capazes de realizar as suas posies teleolgicas, adequadamente informados, acerca das diversas foras que entram no mundo circuncidante. O trabalho o fundamento desse fenmeno, imediatamente reconhecido por Lukcs de maneira positiva e negativa. Para o filsofo, o resultado da ignorncia acerca do conjunto das determinaes provoca muitas vezes uma falncia, e um no aperfeioamento intencional do trabalho. Pode levar o homem, nos seus aos do trabalho, a uma aplicabilidade a casos, campos, etc. no previstos. Para Lukcs o efeito desse fenmeno na vida cotidiana extremamente confuso.Em primeiro lugar, muito freqentes so as situaes nas quais preciso agir rapidamente sob pena de runa, sem poder sequer tentar organizar seriamente uma viso de conjunto dos fatores que nelas intervm. Mas tambm quando as circunstncias deixam um certo tempo para reflexo, frequentemente a conscincia geral impelida por barreiras intransponveies. Tais barreiras so sempre postas pelas diversas foras econmico-sociais que imperam sobre a vida cotidiana dos homens. Mesmos quando elas com o tempo so

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conhecidas em termos cientficos e so, por isso, em linha de princpio, controlveis, no raro este processo exige milnios. (LUKCS,1981,pg. 71)

Segundo Lukcs, aqui se encontra o ponto nodal das alienaes, o homem imerso na cotidianeidade capaz de levar adiante a prpria vida apenas no constante contato com outras pessoas. Contudo o conhecimento dos homens, enquanto conhecimento da verdadeira natureza de um individuo, enquanto previso do seu imediato agir futuro,nunca pode elevar-se a um saber real.Para Lukcs a prxis cotidiana est sempre envolta por um limite de ignorado que impossvel padronizar totalmente. A partir desse trao de imediaticidade na cotidianeidade na vida dos homens, Lukcs questiona como a idia de transcedncia coexiste com a imanncia do ambiente cognoscvel, e como ela sentida como realidade nas decises humanas. Para analisar esse fato, o filsofo hngaro aponta a notoriedade universal da categoria da analogia que intervm no ato de ordenar e dominar com o pensamento a realidade objetiva (LUKCS,1981,pg.72). Ao contrrio dos postulados hegelianos, que enxergava na categoria analogia um verdadeiro instrumento cognoscitivo, Lukcs aponta que a analogia apenas uma maneira natural, ineliminvel de reagir a novos fenmenos, de inseri-los no sistema daqueles j conhecidos. (IDEM) E que as regras no so abstratas, uma vez que nos processos similares pode existir algo divergente entre si, mutatis mutandis, primeira vista nos processos que no mostram traos semelhantes, pode haver algo parecido. Essa realidade consiste no fundamento ontolgico do ser-precisamente-assim. evidente que um complexo to fundamental para a existncia humana como o trabalho deve ter uma importncia central na formao e na sistematizao dos primeiros silogismos analgicos. O alargamento das experincias extradas do trabalho totalidade do ser tem dois aspectos. (...) At nos estdios mais evoludos, mesmo aps muitas experincias negativas, comparecem com uma espontaneidade aparentemente irresistvel tentativas de explicar a realidade as quais se movem nesse sentido, para preencher as lacunas do nosso saber e penetrar no crculo transcedentedesconhecido do qual est circuncidado aquele mundo que ns, ao menos em parte, dominamos praticamente e que queremos dominar do mesmo por inteiro. (LUKCS, 1981, pg.73)

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Lukcs, na sua indagao acerca da transcendncia coexistir com a imanncia do ambiente cognoscvel, apresenta que na trajetria da histria humana, estes se vem constrangidos ao renunciarem o propsito de dominar diretamente os eventos naturais com meios mgicos. Em analogia com o trabalho, se projetam e se escondem por vontade prpria a deuses, demnios, semideuses, etc. Para Lukcs, portanto, na base do deus criador existem as analogias com o trabalho. Partindo dos fundamentos marxianos, Lukcs analisa o processo de reificao do trabalho na sociedade capitalista, e essa relao com as alienaes universais, e aqui particularmente, a alienao religiosa. Ao analisar o trabalho como fundamento ontolgico, Lukcs expe a diversidade e conseqncias derivadas da mudana do modo de ser do produto do trabalho.Ele no apenas um objeto, mas tambm uma objetivao pela qual o seu ser-para-ns no apenas um produto do processo cognoscitivo, como nos objetos naturais, mas est necessria e organicamente ligado sua constituio ontolgica, ao serprecisamente-assim da sua objetividade. E em primeiro lugar, esse ser-para-ns objetivo pode comprovar o seu ser somente no processo de reproduo econmica. (LUKCS, 1981, pg.75)

Atravs dos fundamentos marxistas, Lukcs expe o ponto nodal ao apresentar a reificao socialmente relevante, produzida na sociedade capitalista. Segundo Lukcs, a anlise marxiana acerca da mercadoria a base para compreenso do ser social. O filsofo hngaro chama ateno que No capital, Marx chama a forma de mercadoria uma espectral objetividade, onde os concretos objetos e processos materialmente reais da produo humana transformam-se em valores de uso em uma simples concreo de trabalho humano indistinto, isto , de dispndio de fora humana de trabalho sem levar em conta a forma do seu dispndio. (MARX, apud

LUKCS,1981,77) O carter do trabalho, na sociedade capitalista, transformado em trabalho abstrato e os resultados sociais desta forma objetivada de modo novo, constituem concretamente na sua dinmica, no interior do ser, a essncia da mercadoria. No plano econmico , portanto, evidente que a circulao de mercadoria pressupe o trabalho, enquanto perfeitamente possvel a

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existncia do trabalho antes da mercadoria, mesmo um trabalho cujo desenvolvimento conduza j a diviso social do trabalho.(...) Nos bastar recordar que o capitalismo por natureza faz com que para o trabalhador a sua fora de trabalho se transforme em mercadoria, em valor de troca, que ele constrangido a vender no mercado como uma outra mercadoria qualquer. (...) O capitalismo traz consigo, de um lado, um evidente progresso econmico-social, de outro tambm dada mudana das formas econmicas um potenciamento das reificaes e alienaes, os quais se tranformam socialmente em auto-reificaes e auto-alienaes. (LUKCS,1981,pg.80)

A partir da sociabilidade capitalista e o seu desenvolvimento econmico, Lukcs apresenta que atravs do potenciamento das foras produtivas, acontece tambm o potenciamento das reificaes e alienaes. Esse processo se torna visvel tambm no campo da religio. Lukcs apresenta que as questes das seitas e religies completamente dominada por estes processos de reificaes, e de constantes novos processos de reificaes que nascem. A natureza reificadora da religio se revela para Lukcs, na medida em que carrega um importante poder ideolgico, baseado na aceitao de uma existncia substancial, absolutamente autnoma do sujeito da posio teleolgica. Essa fictcia autonomia apresenta-se na conscincia das pessoas envolvidas como ser objetivo. Uma vez que desaparece a interao entre sujeito e ambiente, o fato de que o sujeito responde s perguntas levantadas por ele ao movimento da realidade a ele externa. A reificao no processo religioso conduz a uma aparncia ideolgica oposta a ontologia do ser. O homem da vida cotidiana que age apenas atravs de processos, que no outra coisa que a unidade na continuidade da conduta de vida que se reproduz, que se autoconserva (LUKCS,1981, pg. 92), torna-se uma conseqncia metafsica da sua natureza de sujeito ou resultado mecnico de foras do ambiente. Essa natureza reificadora da religio se revela para Lukcs nos dogmas do cristianismo, aqui o filsofo fala da amplitude dessa religio na sociedade moderna. evidente para Lukcs, que o pecado original subordina a peculiaridade do ser humano com suas contradies a uma reificao mecanicamente fixa e eliminvel s em termos de transcendncia. Mesmo as17

possibilidades do homem ser ativo em relao a si mesmo, tem um carter reificado-transcedente, isso observado por Lukcs com clareza nas oraes, uma vez que o sujeito apela ao poder transcendente a realizao da salvao. A prpria ascese crist que se apresenta como algo ativo, no entanto, partes do complexo corpo-alma so separados, isoladas, reificadas e contrapostas. Esse complexo religioso de autonomizao reificante do sujeito conduz a uma dilacerao prtico-ideal do processo da vida, que ontologicamente sempre unitrio, mesmo se naturalmente se move entre contradies e conflitos. A superao desse complexo ideolgico religioso e de todas as dimenses alienantes produzidas pela religio jamais, para Lukcs, ser superada como fato isolado ou fenmeno especial diante dos outros fenmenos ideolgicos. Produzidos no mundo dos homens numa determinada forma econmica, a alienao religiosa perde assim seu posto isolado no cosmo dos fenmenos sociais. A partir dos fundamentos marxianos, a peculiaridade dessa alienao desaparece na prxis da humanidade, quando o conhecimento se tranforma em prxis social. (LUKCS, 1981, pg. 61) Segundo Lukcs, a base dos pressupostos marxianos nos faz entender os aspectos gerais, histricosociaiais que fundamentam a compreenso da universalidade da alienao. No obstante, a religio carrega uma amplitude social na vida dos homens, a sua pseudo caracterstica de peculiar alienao se perde na gnese e estrutura econmica das alienaes sociais. A trajetria marxiana deixou bem claro, para o nosso filsofo hngaro, que no basta uma teoria da sociedade, mas, a superao da alienao religiosa deve ser objeto de uma prxis social.

Consideraes finais

Ao longo deste trabalho pudemos constatar que a critica realizada por Marx e Engels a economia clssica e ao pensamento filosfico alemo, invertendo assim a filosofia hegeliana, apontou o caminho das pedras no processo do conhecimento da superao da alienao religiosa. A partir de Marx, a histria dos homens tem sua gnese e desenvolvimento na produo humana, os homens passaram a ser responsveis pelo seu destino. O pensamento lukacsiano revelou a partir dos fundamentos filosficos marxiano,18

o trabalho como a protoforma do agir humano proporcionando a Lukcs o estudo de uma nova ontologia do ser social. Descortinando assim a discusso da nova materialidade para humanidade ao apreender a real conexo entre a relao homem e natureza. Lukcs atravs do seu livro, Para uma ontologia do ser social, desenvolveu a histria dos homens, reconhecendo o trabalho como o salto ontolgico que funda o ser social. O trabalho, para o filsofo hngaro, foi o ponto de partida para compreender a sociabilidade humana atravs da interrelao entre homem e natureza orgnica e inorgnica. Essa constatao marxiana-lukacsiana, aparentemente simples, de sinalizar a passagem do homem meramente biolgico ao social, conduziu Lukcs ao estudo da complexidade da formao do ser social, que partiu da relao entre teleologia e causalidade, e da objetividade primria e do ente objetivado, discutindo, portanto, a gnese e o desenvolvimento das complexas mediaes entre o trabalho e a totalidade social. Lukcs, portanto, no recorreu a nenhuma transcendncia para explicar os complexos que articula os indivduos sociedade. Buscou apreender a complexidade na sociedade capitalista do Sculo XX. A sociedade burguesa e sua forma de produo, atravs do trabalho alienado foi o solo gentico para investigao lukacsiana, a partir de Marx, para compreender a relao entre a individualidade e sua conexo com a totalidade. Ao tratar da alienao religiosa, Lukcs apontou a desmistificao da religio enquanto um fenmeno ideolgico isolado na histria humana, mas apresentou como um complexo social inserido na universalidade das alienaes, inseparvel da gnese e estrutura econmica. A grande contribuio de Lukcs, a nosso ver, foi de apontar os desdobramentos da qualidade das relaes sociais. Se pensarmos em complexos como a linguagem, com tantos idiomas e dialetos diferentes, o direito, a filosofia, as cincias, etc, temos uma noo da complexidade do processo sinalizado por Lukcs. Se verdade, por um lado, que sempre haver a necessidade da relao homem e natureza, no menos verdadeiro que elas so cada vez mais sofisticadas de modo que requer, na histria dos homens, uma intermediao cada vez maior, de outros complexos sociais. Esses complexos dos complexos tm uma relao intrnseca com a19

particularidade histrica vivida. na reproduo social, portanto, que temos condies de relacionar a reproduo das individualidades e a reproduo da totalidade social. Com a contribuio lukcsiana, a sociedade burguesa passa a ser apreendida no mais como uma eterna impossibilidade de superao, ou muito menos, como outrora pensava os atenienses, um arqutipo de sociedade evoluda. Mas, ao contrrio, como uma realidade que pode ser superada a partir das constantes interaes entre o homem, em sua individualidade, e a totalidade. Na prxis social desenvolvemos uma srie de complexos sociais, que tm a funo de sistematizar os nossos conhecimentos adquiridos numa concepo de mundo que fornea razes para a existncia humana. E podermos, assim, dentro das necessidades histricas, construirmos as relaes humanas para alm das relaes mercantilizadas e subservientes ao jugo do capital.

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