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1 A América do Sul Frente aos Novos Desafios da Cooperação em Defesa Vinicius Modolo Teixeira 1 Mayalu Kokometi Waura Txucarramãe 2 Robson Nogueira dos Santos 3 Bruna Flávia dos Santos 4 Elaine de Figueredo Nery 5 Moacir Apolinário da Costa 6 RESUMO Este trabalho busca caracterizar os desafios da América do Sul em relação a iniciativa de cooperação do Conselho de Defesa Sul-americano. Essa iniciativa é apontada nesse trabalho como parte da tendência de regionalização do espaço mundial através de Organizações de Cooperação em Defesa (OCD), as quais identificamos como blocos que tem por interesse a cooperação militar em diversos níveis, buscando incrementar a segurança regional de seus participantes, orientados pelas estratégias geopolíticas de grandes potências. Nesse sentido utilizamos como base o processo de regionalização do espaço e a teoria dos Complexos Regionais de Segurança, de Barry Buzan e Ole Wæver, para analisar a formação dessas organizações de cooperação, através da qual nos foi possível mapear diversas OCD em estreita relação com essa teoria. Dessa maneira, o trabalho considera que América do Sul se insere na dinâmica de construção de uma OCD, a qual deve ser compreendida através de suas especificidades, diferenciando-a das demais pela ausência de uma potência global como norteadora de seus interesses. O trabalho se utiliza ainda de revisão bibliográfica oriunda da Geografia, Ciências políticas e Relações Internacionais. Palavras Chave: Cooperação em Defesa; Regionalização do Espaço; Geopolítica; América do Sul. 1 Professor Assistente de Geografia Humana da Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT) - Campus Vale do Teles Pires. Doutorando em Geografia pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Coordenador do projeto de pesquisa: Geopolítica das Organizações de Cooperação em Defesa. 2 Acadêmica do 7º semestre do Curso de Geografia da Universidade do Estado de Mato Grosso UNEMAT Campus Vale do Teles Pires. 3 Acadêmico do 8º semestre do Curso de Geografia da Universidade do Estado de Mato Grosso UNEMAT Campus Vale do Teles Pires. 4 Acadêmico do 8º semestre do Curso de Geografia da Universidade do Estado de Mato Grosso UNEMAT Campus Vale do Teles Pires. 5 Acadêmica do 8º semestre do Curso de Geografia da Universidade do Estado de Mato Grosso UNEMAT Campus Vale do Teles Pires. 6 Acadêmico do 7º semestre do Curso de Geografia da Universidade do Estado de Mato Grosso UNEMAT Campus Vale do Teles Pires.

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A América do Sul Frente aos Novos Desafios da Cooperação em Defesa

Vinicius Modolo Teixeira1

Mayalu Kokometi Waura Txucarramãe2

Robson Nogueira dos Santos3

Bruna Flávia dos Santos4

Elaine de Figueredo Nery5

Moacir Apolinário da Costa6

RESUMO

Este trabalho busca caracterizar os desafios da América do Sul em relação a iniciativa de

cooperação do Conselho de Defesa Sul-americano. Essa iniciativa é apontada nesse trabalho

como parte da tendência de regionalização do espaço mundial através de Organizações de

Cooperação em Defesa (OCD), as quais identificamos como blocos que tem por interesse a

cooperação militar em diversos níveis, buscando incrementar a segurança regional de seus

participantes, orientados pelas estratégias geopolíticas de grandes potências. Nesse sentido

utilizamos como base o processo de regionalização do espaço e a teoria dos Complexos

Regionais de Segurança, de Barry Buzan e Ole Wæver, para analisar a formação dessas

organizações de cooperação, através da qual nos foi possível mapear diversas OCD em estreita

relação com essa teoria. Dessa maneira, o trabalho considera que América do Sul se insere na

dinâmica de construção de uma OCD, a qual deve ser compreendida através de suas

especificidades, diferenciando-a das demais pela ausência de uma potência global como

norteadora de seus interesses. O trabalho se utiliza ainda de revisão bibliográfica oriunda da

Geografia, Ciências políticas e Relações Internacionais.

Palavras Chave: Cooperação em Defesa; Regionalização do Espaço; Geopolítica; América do

Sul.

1 Professor Assistente de Geografia Humana da Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT) - Campus

Vale do Teles Pires. Doutorando em Geografia pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).

Coordenador do projeto de pesquisa: Geopolítica das Organizações de Cooperação em Defesa. 2 Acadêmica do 7º semestre do Curso de Geografia da Universidade do Estado de Mato Grosso UNEMAT –

Campus Vale do Teles Pires. 3 Acadêmico do 8º semestre do Curso de Geografia da Universidade do Estado de Mato Grosso UNEMAT –

Campus Vale do Teles Pires. 4 Acadêmico do 8º semestre do Curso de Geografia da Universidade do Estado de Mato Grosso UNEMAT –

Campus Vale do Teles Pires. 5 Acadêmica do 8º semestre do Curso de Geografia da Universidade do Estado de Mato Grosso UNEMAT –

Campus Vale do Teles Pires. 6 Acadêmico do 7º semestre do Curso de Geografia da Universidade do Estado de Mato Grosso UNEMAT –

Campus Vale do Teles Pires.

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Introdução

O presente trabalho busca discutir a construção de organizações voltadas para a

cooperação em defesa e a sua regionalização no espaço mundial, bem como, as perspectivas da

estruturação de uma organização voltada para esse fim na América do Sul. Essas organizações,

criadas com o objetivo específico de integrar países através de acordos de cooperação militar

ou então inseridas como parte de grandes tratados, levantam questões sobre o futuro da

geopolítica mundial, já que, esses blocos poderiam orientar as disputas e rivalidades entre as

nações.

Essa discussão, talhada a partir da Geografia, busca contribuir com análises de recorte

regional, além de sua contribuição para a Geopolítica. Entretanto, as questões envolvidas neste

trabalho ultrapassam as barreiras que muitas vezes se colocam para os campos da ciência

moderna, figurando como uma análise interdisciplinar, na qual se sobrepõem análises oriundas

da Geografia, Relações Internacionais e Ciências Políticas. Dadas suas características, ao tratar

sobre cooperação, questões militares, geopolítica e integração, devemos muitas vezes utilizar

campos distintos dessas ciências, por vezes antagônicos, já que, algumas vertentes teóricas

tratam esses temas como oposição. Assim, este trabalho busca reunir condições para analisar a

construção de organismos cooperativos em questões militares, sem estar vinculado à somente

um campo de análise ou à uma área da ciência.

O termo escolhido por nós, Organizações de Cooperação em Defesa (OCD), visa

compreender um variado escopo de alianças que tem objetivos relacionados a questões

militares, não fazendo definição quanto ao tipo e grau de comprometimento de seus

participantes. Dada a miríade de interesses e maneiras de abordar a cooperação pelos seus

propositores, dificilmente teremos duas ou mais organizações que sejam comparáveis em grau

elevado de comunalidade de funções e perspectivas entre elas. Isso se deve tanto a composição

de seus membros, a disposição em cooperar, como a distribuição e percepção de ameaças, bem

como a posição geográfica em que se encontram os membros. Como exemplo dessas variadas

formas de cooperação em defesa, temos as organizações propostas por parte dos EUA, durante

os anos 1940 e 1950, que obedeciam a regras distintas, levando em consideração os fatores

acima apresentados para a criação dessas OCD. As organizações criadas no Oriente Médio e

Sudeste Asiático, tinham objetivos e ações muito mais avançadas em relação a cooperação

definida para a América Latina, porém, essas organizações sempre estiveram muito aquém das

intenções propostas para a cooperação junto à Europa.

Dessa forma, buscamos, em um primeiro momento, estabelecer as bases teóricas que

norteiam este trabalho, conectando diversos campos das ciências humanas que tem se dedicado

a temáticas relacionadas à cooperação, à defesa, à geopolítica e ao estudo do processo de

regionalização do espaço, oriundos da Geografia, Relações Internacionais e das Ciências

Políticas. Em um segundo ponto, faremos uma breve revisão histórica sobre as principais

Organizações de Cooperação em Defesa que surgiram no período da Guerra Fria. Nesse

resumo, busca-se apontar alguns fatos que são pertinentes à análise da geopolítica mundial e

que influenciaram a criação dos grandes blocos militares, bem como, tratados e outras

organizações voltadas à defesa.

A discussão se conecta à seção seguinte, na qual objetivamos espacializar a distribuição

das Organizações de Cooperação em Defesa ao redor do globo no momento atual. Essa

disposição será analisada à luz da Teoria dos Complexos Regionais de Segurança, sob a qual

acreditamos que as OCD´s estejam assentadas.

Por fim, o texto apresentará as perspectivas do projeto de construção de uma OCD no

continente Sul-Americano, tendo como referência o Conselho de Defesa Sul-Americano e os

ambientes derivados de sua institucionalização. Este trabalho justifica-se pela atual conjuntura

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geopolítica global, com a formação de grandes blocos de cooperação em defesa, a continuidade

de conflitos envolvendo potências militares e a crescente rivalidade entre elas, processos que

acreditamos estarem conectados à construção dessas organizações.

Uma nova regionalização do espaço mundial a partir da Cooperação em Defesa

A discussão em torno da cooperação em assuntos de origem militar não é fato recente

nas Relações Internacionais e Geopolítica Mundial. No continente europeu, os Estados

naciona.is e impérios que surgiram após o século XVII, mantinham alianças com vizinhos como

forma de ampliar sua segurança contra o ataque de terceiros. A política de alianças que se

desenvolveu nos séculos seguintes era norteada pela dinâmica de conflitos no continente, a qual

se alterava rapidamente, modificando também tais alianças.

Exemplos de alianças militares nesse período são encontradas nos acordos

desenvolvidos por Inglaterra e Prússia, contra França e Áustria durante a Guerra dos Sete Anos;

a coalização anti-francesa formada por Áustria, Prússia, Rússia e Inglaterra, durante as Guerra

Napoleônicas; ou a aliança entre Inglaterra, França e Áustria para combater o expansionismo

russo na Guerra da Criméia (THIES, 2009).

Essas alianças, entretanto, como aponta Thies (2009), tinham pouca coesão entre os

aliados e praticamente nenhuma cooperação. As garantias necessárias para enfrentar períodos

de crises entre seus membros eram restritas. Muitas vezes, as alianças eram abandonadas com

acordos de paz em separado ou em favor de novos arranjos ou parceiros e, dificilmente,

mantinham-se por mais do que algumas décadas. Um Estado que conseguisse seus objetivos

territoriais derivados de uma aliança pretérita, teria interesse em abandonar seus aliados o mais

rápido possível para não ajudar um potencial rival numa próxima batalha.

Segundo esse mesmo autor, as alianças militares tornam-se distintas após a Segunda

Guerra, quando as mesmas deixam de ter caráter temporário, vinculadas ao momento de crise

específico e, passam a ter caráter de organização, formalizadas através de acordos de

cooperação e com objetivos mais amplos e complexos do que as antigas alianças militares.

Dessa maneira, entendemos que essas alianças passam efetivamente a figurar como

Organizações de Cooperação em Defesa. Nesse mesmo sentido, Krebs concorda ao dizer que

Antes da Segunda Guerra Mundial, as alianças eram, com excepções

ocasionais, assuntos relativamente simples e de curta duração. A coordenação

militar era mínima, a diferenciação funcional inaudita, a organização formal

desnecessária e as transferências de armas relativamente raras. Mas, com a

Guerra Fria, a aliança tornou-se praticamente sinônimo de uma coordenação

mais ampla da política externa, assim como da cooperação militar, da difusão

de tecnologia avançada e da assistência econômica e militar. (KREBS, 1999,

p. 352, tradução nossa)

As perspectivas para o estudo da Cooperação em Defesa, sugerem uma proximidade

com o campo realista das Relações Internacionais, já que estudos voltados para questões

militares, com sua origem eminentemente estatal, são componentes essenciais de suas análises:

Tanto pela ótica realista clássica, quanto neoclássica e mesmo no

neorrealismo, padrões de comportamento estatais em defesa e segurança

nacionais são previsíveis e revelam os limites pontuais do sistema de

autoajuda e dos dilemas de segurança. Desse modo, não se pode deixar de

correlacionar os investimentos públicos em defesa e armamentismo, com a

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escola de pensamento realista no contexto histórico pós-bipolaridade.

(CASTRO, 2012, p. 329.)

Por outro lado, a partir dos anos 1970, a corrente liberal ganha força e temas associados

à cooperação entre as nações passam a se associar a essa vertente da Teoria das Relações

Internacionais, principalmente devido ao fenômeno da globalização, a que podemos relacionar

às teses sobre a diminuição da importância do estado, das questões militares sob as econômicas

e ao processo de desterritorialização das relações. No entanto, alguns autores ligados à teoria

neoliberal reconhecem que os conflitos e, consequentemente, as questões militares, ainda serão

importantes para o futuro, mesmo com a crescente interdependência entre os países. “Devemos,

portanto, ser cautelosos sobre a perspectiva de que o aumento da interdependência é a criação

de um admirável mundo novo da cooperação para substituir o mundo mau de conflito

internacional” (KEOHANE; NYE, 2012, p.9).

Observa-se que a partir do final da Segunda Guerra ocorreu a aproximação de diversas

nações através de acordos de cooperação em defesa, passando então a uma difusão desse

modelo de cooperação ao redor do globo. Essa dispersão de OCD´s criou uma divisão do

território mundial embasada em organizações orientadas para fins militares ou com forte

interesse na construção desses modelos de cooperação, o que, também, separava blocos

antagônicos e orientava a geopolítica mundial.

Os trabalhos que se debruçam sobre as questões conceituais de Segurança e Defesa são

motivados por razões distintas, muitas vezes condicionadas à escala sobre a qual está inserida

o objeto de estudo. Ao se tratar de questões nacionais, regionais e de uma análise global,

entendemos que a perspectiva que melhor se adequa à essa análise está fundamentada no

conceito de “Defesa”, já que, o “setor de defesa pressupõe unidades políticas em disputa, uso

das Forças Armadas, risco de guerra e ameaças de natureza geralmente externa, estatal e

militar” (MEDEIROS FILHO, 2008, p.3). De acordo com Proença Jr. e Diniz (1998), o termo

defesa é atribuído ao conjunto das ações militares que visam garantir o estado de segurança.

Mesmo que as formulações derivadas dos acordos de Cooperação em Defesa resultem em

mudanças no quadro de Segurança dos estados partícipes, entendemos que ao atrelar a análise

às questões relacionadas principalmente ao papel do Estado, suas Forças Armadas e cooperação

militar, estamos lidando preponderantemente com assuntos ligados à Defesa, conceito que

utilizaremos para tratar dos acordos de cooperação neste trabalho.

A Cooperação em Defesa seria caracterizada pela busca de dois ou mais Estados em

associar de alguma maneira seus setores de defesa, com o objetivo de ampliar a sua segurança

coletiva. Para o instrutor da Escola de Comando e Estado Maior do Exército (ECEME), General

Luiz Eduardo Rocha Paiva a Cooperação em Defesa, poderia ser caracterizada quando há a

“ajuda, apoio, parcerias e intercâmbios; reuniões e órgãos de defesa; exercícios e missões

combinadas; parcerias em outros campos da ciência e tecnologia, desenvolvimento e indústria

de defesa” (PAIVA, 2011, p.38), com o objetivo de gerar confiança recíproca entre os membros

dessa cooperação, o que também promove o aumento da segurança de seus membros.

Para Henry Kissinger, ao tratar sobre a natureza das Alianças, propõem quatro

condições básicas para que elas sejam eficientes:

[...] 1 – objetivo comum – geralmente de defesa contra uma ameaça ou perigo

comum; 2- um grau de harmonia política, que seja pelo menos suficiente para

definir o casus belli; 3 – alguns meios técnicos de cooperação para a

eventualidade de ser decidida uma ação conjunta; 4 – uma penalidade para a

falta de cooperativismo – isto é, a possibilidade de recusa de assistência deve

existir – do contrário a proteção será tida como certa e a mutualidade de

obrigação será prejudicada. (KISSINGER, 1969, p.67-68)

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As pesquisas sobre as origens e efeitos de alianças militares são diversas, e diversas são

também as tentativas de classificá-las. No entanto, compreendemos que ao abordar uma

variedade de OCD, a rigidez sobre a qual alguns modelos delimitam essas alianças, tornam o

seu uso limitado para estudos como este. Como as alianças podem existir por uma variedade de

razões além do que se esperaria das perspectivas realistas e neo-realistas, não é surpreendente

que tenhamos um mergulho de achados empíricos sobre as causas e efeitos das alianças na

política internacional (VASQUEZ; ELMAN, 2003).

Para este trabalho, devemos considerar as alianças militares como Organizações de

Cooperação em Defesa, ou seja, como blocos oriundos de acordos e tratados internacionais que

mantenham em seus documentos de criação, ações como as mencionadas acima, seja como

objetivo principal dessa entidade, ou de suas secretarias, conselhos e deliberações, que tenham

como finalidade, desenvolver as atividades acima especificadas para as áreas envolvidas em

questões de defesa.

Dentro dessa perspectiva, buscamos analisar o estudo sobre as Organizações de

Cooperação em Defesa a partir da visão da regionalização do espaço mundial, caracterizado

nas últimas décadas pela conformação de blocos e associações entre países, em busca de melhor

posicionamento no cenário internacional.

A ideia de região tem se apresentado para a Geografia como um de seus principais

conceitos para análises espaciais, buscando caracterizar fenômenos semelhantes sobre os

territórios, de maneira a facilitar sua compreensão. Sua utilização como ferramenta analítica

contribui para a apreciação de problemas comuns que podem ser espacializados. Assim,

regionalizar passa a ser uma atividade de diferenciação de porções espaciais a partir de critérios

que evidenciem o fenômeno estudado.

As separações do espaço em regiões para análise não devem ser entendidas como fator

limitante, estando associadas às intenções de cada trabalho. Para Gomes, “As divisões não são

definitivas, nem pretendem inscrever a totalidade da diversidade espacial, elas devem

simplesmente contribuir para um certo entendimento de um problema, colaborar em uma dada

explicação” (GOMES, 2012, p. 63). O processo de regionalização, dessa forma, é caracterizado

pela diferenciação do espaço terrestre a partir de características comuns. No caso deste trabalho,

a regionalização que se estabelece, é caracterizada pela formação de Organizações de

Cooperação em Defesa, formalizadas através de acordos, busca explicar a geopolítica por trás

das tensões entre Estados e, também, entre essas organizações.

A regionalização do espaço, utilizada como ferramenta para análise da política mundial,

não é restrita apenas à Geografia, sendo um instrumento de análise também das Ciências

Políticas e Relações Internacionais. Barry Buzan e Ole Wæver (2003), exploram essa

possibilidade de análise através da formulação da teoria dos Complexos Regionais de

Segurança (CRS). Como comentam Fucille e Rezende (2013), a divulgação dessa teoria causou

grande impacto para as discussões de temas voltados à segurança e defesa, justamente pela

inserção do nível regional nessas abordagens. Para Buzan e Wæver, a opção regional surge

como alternativa às opções realistas, que consideram prioritariamente cenários globais, e as

neoliberais, que tendem a questionar o estado como ator nas questões envolvendo aspectos de

segurança.

Para essa teoria, as relações de segurança entre os Estados situados em uma mesma

região são mais importantes do que as oriundas de outros níveis de análise. Assim, a dinâmica

regional passa a figurar como um nível possível para as questões de segurança, desconsideradas

por análises de nível global e, não completamente satisfeitas pela análise de Estados,

isoladamente. O nível regional, em contraste com os outros níveis, é onde os Estados estão

suficientemente ligados uns aos outros por questões de segurança, não podendo assim, serem

considerados de forma separada. Para os autores, a região passa a ser o caminho pelo qual

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transitam as principais questões de ordem entre os Estados, já que “O nível regional é onde os

extremos da segurança nacional e global interagem, e onde a maioria das ações ocorre”

(BUZAN; WÆVER, 2003, p.43). Ainda, segundo os autores, a análise originária do nível

regional detém vantagens sobre as abordagens de outros níveis, “Nosso ponto de vista é que a

principal vantagem da abordagem regionalista é adquirida com a diferenciação global de

dinâmicas regionais de segurança, e as dinâmicas regionais de segurança uns dos outros.

(BUZAN; WÆVER, 2003, p. 480). Os Complexos Regionais de Segurança, segundo a proposta

de regionalização apresentada pelos autores pode ser visualizada através do Mapa 01:

Mapa 01: Complexos Regionais de Segurança no Pós-Guerra Fria. Fonte Buzan; Wæver (2003)

A perspectiva regionalista nos serve também como chave para compreender a formação

de conflitos e cooperação, fora de uma ótica militarista, sem aderir, contudo, a teses que

diminuem o papel do Estado e sua condição de ator no cenário internacional, tanto para fatores

econômicos como, culturais. A teoria regionalista passa a ser complementar às teorias

neorrealistas e as ditas “globalistas”, já que, assim como a primeira, ela é voltada para questões

territoriais, enquanto que temas oriundos da segunda, fornecem alguns dos aspectos presentes

nos processos de regionalização, como a formação de blocos econômicos (BUZAN; WÆVER,

2003).

As análises dos Complexos Regionais de Segurança, dessa forma, servem-nos de

referência para compreender como as atuais Organizações de Cooperação em Defesa

emergiram e sob quais relações estão assentadas. Considerando que essas organizações estão

baseadas diretamente sobre regiões que são ligadas por questões de segurança, a

institucionalização de estruturas voltadas à defesa e cooperação passa a ser um fenômeno

possível de ser enquadrado junto à teoria dos CRS.

A ocorrência de conflitos como os que acontecem atualmente na Síria e na Ucrânia e, a

continuidade da importância dos aparatos de defesa da OTAN e da Rússia para o

desenvolvimento da política externa desses países e organizações, fornece-nos argumentos para

o desenvolvimento desses estudos.

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Ainda nesse sentido, concordamos com Keohane e Nye, quando fazem considerações

sobre o papel de questões militares no interior de blocos formados através do que eles chamam

de interdependência complexa.

A força militar não é utilizada pelos governos em relação a outros governos

dentro das regiões, ou sobre seus problemas, quando a interdependência

complexa prevalece. Pode, no entanto, ser importante nas relações de

governos com governos fora dessa região, ou sobre outras questões. A força

militar poderia, por exemplo, ser irrelevante para a resolução de discordâncias

sobre questões econômicas entre os membros de uma aliança, mas, ao mesmo

tempo, pode ser muito importante para as relações políticas e militares dessa

aliança com um bloco rival. (KEOHANE; NYE, 2012, p.21, tradução nossa)

As Organizações de Cooperação em Defesa, desta feita, podem ser interpretadas como

um derivado da formação dos Complexos Regionais de Segurança, os quais buscam reduzir o

papel negativo das atividades militares entre seus membros. Isso se dá através de ações de

confiança mútua, integração das operações de suas forças armadas, colaboração estreita para a

construção conjunta de equipamentos militares e etc., ao passo que, essas organizações

exploram a vantagem adquirida pela formação de um bloco contra possíveis rivais.

Organizações de Cooperação em Defesa – Um breve histórico

Os acordos de cooperação em defesa que se apresentam no atual momento da dinâmica

global têm sua origem no período imediato ao fim da Segunda Guerra Mundial. Após esse

conflito, o mundo se viu dividido em esferas de influência dos países capitalistas, liderados

pelos EUA e, socialistas, liderados pela antiga URSS, além da conformação de um bloco de

países não alinhados, fazendo emergir, assim, grandes blocos de cooperação militar. Os dois

principais eram a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), representante do

primeiro grupo e o Pacto de Varsóvia, no qual figuravam os países do leste europeu alinhados

à política de Moscou.

Nesse momento, as Organizações de Cooperação em Defesa que substituíram as antigas

alianças do período anterior à Segunda Guerra Mundial estavam fortemente atrelada à

bipolaridade entre as duas superpotências. Assim, a promoção da cooperação em defesa nesse

período provinha da filiação a um dos lados do conflito latente, o que implicava também na

apropriação da rivalidade ideológica para os países participantes dessas organizações.

A posição estadunidense durante o período da Guerra Fria seguiu a política formulada

por George Kennan, a partir da “estratégia da contenção”, que deveria conter o expansionismo

soviético dentro dos limites internos do continente eurasiano (GADDIS, 2005), em territórios

que podem ser compreendidos com o que Spykman (2008) chamou de Rimland. Esses

territórios estariam localizados entre a URSS e os oceanos que circundam a massa terrestre da

eurásia, transformando essa região em um cinturão de isolamento. A tentativa de aplicar essa

estratégia fez surgir também outros blocos de cooperação em defesa, com vida efêmera, mas

que contribuíram para as estratégias de defesa de diversos países e também para a formulação

das hipóteses de conflito entre os dois grandes blocos da Guerra Fria. Nesse sentido, as

diretrizes geopolíticas dos EUA tornaram-se responsáveis pela criação de parte das

Organizações de Cooperação em Defesa desse período, alinhando-as no combate ao

comunismo e ao seu complexo industrial de defesa.

A estratégia da contenção elaborada por George Kennan, e delineada de forma oficial

através do documento NSC-68, levou à criação de Organizações semelhantes à OTAN no

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Oriente Médio e Extremo Oriente, como forma de contrabalançar o poderio soviético e seu

domínio da Eurásia. Essas organizações deveriam servir de vias para os programas de

assistência militar dos aliados dos EUA7. Como resultado, foram criadas, durante os anos 1950,

a Organização do Tratado do Sudeste Asiático (SEATO), em 1954 e, Organização Tratado

Central (CENTO) em 1955. Tanto a CENTO, quanto a SEATO, deveriam compor junto à

OTAN e às alianças bilaterais dos EUA com Japão e Coreia do Sul, um anel de isolamento da

massa eurasiana, o qual seria completado com a China comunista, após o rompimento de suas

relações com a URSS.

Mesmo estando localizadas dentro da “Rimland”, as organizações da SEATO e CENTO

desde o princípio, tiveram um papel secundário frente a OTAN e com problemas distintos dos

que eram enfrentados na Europa. Os países do Oriente Médio e Sudeste Asiático participantes

dessas alianças com os EUA não poderiam alinhar forças militares para cumprir com seu papel

de dissuasão, o que obrigava os EUA a se envolverem mais diretamente nesses países, em

situações que se destinavam ao combate de insurreições locais (GADDIS, 2005).

Dessa maneira, por não receberem o mesmo suporte e oferecerem o retorno que a OTAN

– assim como por estarem assentadas sobre países rivais, politicamente instáveis e distantes da

área de confrontação principal – essas organizações acabaram por se desintegrar ao longo dos

anos 1970. O papel dos EUA na região, no entanto, não se esvaneceu, substituindo o apoio que

era centrado nessas organizações por acordos bilaterais com países como Paquistão, Tailândia,

e Arábia Saudita (após a Revolução Islâmica no Irã).

Já fora da “Rimland”, outros blocos foram criados no intuito de assegurar a supremacia

estadunidense na Guerra Fria. No pacífico, a organização criada foi chamada de ANZUS, em

1951, sigla derivada da inicial em inglês dos nomes dos países membros, Austrália, Nova

Zelândia e Estados Unidos. O objetivo dessa organização era inserir os EUA na região do

Pacífico, próximo a importantes rotas comerciais do estreito de Malaca e de países como

Indonésia, China e Vietnã (PUGH, 1989).

No continente americano, os EUA estabeleceram uma forte aproximação na área de

defesa com Canadá, iniciada logo após a Segunda Guerra Mundial. Essa aliança, iniciada com

o Military Cooperation Committee (MCC), de 1946, previa a defesa conjunta da massa

territorial dos dois países, que também se tornariam membros da OTAN e, posteriormente,

implementariam o sistema de defesa conjunto North American Aerospace Defense Command

(NORAD), em 1957, responsável pela vigilância do espaço aéreo em seus territórios

estratégicos.

Na América do Sul, a política dos EUA para assegurar seus objetivos estratégicos

durante a Guerra Fria, gerou o Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (TIAR). Este

tratado, porém, esteve longe de simbolizar uma organização de defesa como as outras já

mencionadas, comportando-se na verdade, como um instrumento de segurança da estratégia

dos EUA, permitindo-o intervir na política interna dos países Latino Americanos, com o

pretexto de defesa recíproca, sem, no entanto, servir de obstáculo para os conflitos internos na

região. Esse tratado não conseguiu suprir as necessidades de países da região, já que a política

oficial dos EUA restringiu o acesso a equipamentos bélicos modernos, dificultando a

modernização das forças armadas da região, que eram supridas com material excedente,

envelhecido e ultrapassado (TEIXEIRA, 2016).

Por seu lado, a União Soviética firmou o tratado em 1955 o Pacto de Varsóvia, tratado

de cooperação que congregava, além das repúblicas socialistas soviéticas, os países de sua

esfera de influência no leste europeu. No entanto, essa organização falhou em ser o bloco

7 A esse respeito recomenda-se a leitura do documento NSC-68: United States Objectives and Programs for

National Security. 1950. Disponível em:

https://www.trumanlibrary.org/whistlestop/study_collections/coldwar/documents/pdf/10-1.pdf

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aglutinador dos países socialistas, já que a antiga Iugoslávia e a China comunista não aderiram

à essa aliança, expondo divergências na condução de políticas de defesa entre os países de

orientação comunista.

A apreciação das Organizações de Cooperação em Defesa durante a Guerra Fria pode

ser visualizada no Mapa 02.

Mapa 02: Organizações de Cooperação em Defesa no Período da Guerra Fria (1945-1991). Org.

TEIXEIRA, V. M., 2017.

O desenvolvimento dessas Organizações de Cooperação em Defesa, de forma geral, não

se fez sem a inocorrência de crises e complicações, derivadas da ausência de confiança entre

seus membros e das negociações em torno da cooperação. Como já apontado, as Organizações

criadas sob a influência dos EUA no Oriente Médio e no Sudeste asiático, dissolveram-se nos

anos 1970, sobretudo, devido as fragilidades que envolviam as relações entre seus membros. O

TIAR, criado para congregar os países do continente americano, funcionalmente, teve seu papel

questionado quando da ocorrência do Conflito das Malvinas, em 1982, quando os EUA

forneceram apoio ao Reino Unido, em clara afronta aos princípios de defesa contra agressões

externas, que norteavam o tratado dessa organização (DUARTE, 1986).

A ANZUS foi outra organização que após enfrentar uma séria crise, praticamente teve

seu fim decretado. Em 1984, após se negar a receber navios movidos à energia nuclear ou

dotados de armas atômicas dos EUA, a Nova Zelândia teve sua participação suspensa nessa

aliança no ano de 1986, fator que decretou o fim das relações de segurança entre os dois países

(PUGH, 1989). Apesar de formalmente ainda existir, as atividades ligadas à defesa dessa

aliança foram substituídas pelos acordos bilaterais de defesa entre EUA e Austrália. No tocante

à Nova Zelândia, esse país teve seu status de parceiro com os EUA restaurado em 1997, quando

tornou-se aliado extra OTAN.

No principal eixo da confrontação Lestes-Oeste, a crise que levou ao fim da URSS no

fim dos anos 1980, dissolveu os acordos firmados pelo Pacto de Varsóvia. Já OTAN, principal

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organização de defesa ocidental, também não se viu livre de sobressaltos. Como afirma Thies

(2009), pensar sobre esse bloco militar é pensar em suas sucessivas crises. Para esse autor, não

houve momentos em que essa aliança não estivesse envolta em crises de objetivos ou de

execução de seus projetos, demonstrando a dificuldade para definir um futuro comum no âmbito

de uma organização de cooperação em defesa. Os projetos de construção conjunta de

armamentos e padronização de seu aparato bélico, que podem ser apreendidos como símbolos

do sucesso dessa aliança, são resultado de duras negociações e remanescentes de uma série de

outros projetos que foram cancelados. No entanto, essa aliança se mostrou resiliente às suas

inúmeras crises durante a Guerra Fria e logrou se estabelecer como uma Organização de

Cooperação em Defesa atuante.

As Organizações de Cooperação em Defesa no momento atual

A regionalização do espaço mundial no pós-Guerra Fria, no que tange à geopolítica,

esteve pautada em grande parte pelo discurso vencedor e pela lógica neoliberal do propagado

“Consenso de Washington” com a defesa das condicionantes de livre mercado como fórmula

para o relacionamento entre as nações. Nesse sentido, a criação de blocos regionais de

cooperação econômica foi ao encontro desse discurso, embasando os tratados de criação do

MERCOSUL, NAFTA e a contínua ampliação dos acordos europeus que levaram à União

Europeia.

A construção da cooperação através de bases econômicas nos anos 1990, não conseguiu

suplantar ou mesmo neutralizar a colaboração estratégica que era desenvolvida através da

cooperação militar. Esse modelo de cooperação econômico também não impediu que

organismos com esse fim específico fossem criados, demonstrando que o poder bélico não se

tornou ineficaz ou ultrapassado, pelo contrário, continuou como uma das formas de cooperação

mais ativas.

O fim da URSS em 1991 fez ruir junto a ela o Pacto de Varsóvia, principal estrutura

antagônica da OTAN. Essa, apesar das críticas e discursos contrários à sua utilidade no mundo

pós-Guerra Fria, não foi desmobilizada. Sua continuidade foi justificada com os conflitos na

região dos Balcãs nos anos 1990 e novamente com as diversas operações de combate ao

terrorismo mundial na primeira década do século XXI, iniciando operações distantes do

Atlântico Norte, sua área de responsabilidade inicial. Não obstante, a OTAN ampliou o

conjunto de países participantes de sua aliança, expandido o tratado por praticamente todo o

leste europeu, na antiga área de influência soviética e de ex-membros do Pacto de Varsóvia.

Os EUA, como única superpotência global, se manteve em condições de estabelecer

relações de influência e pressões ao redor do globo, fato que possibilitou a celebração de

acordos de cooperação em defesa diversos locais. Nesse sentido, os principais acordos

estabelecidos foram com países eleitos pelos EUA sob o título de Aliados Extra OTAN, detém

interesses preponderantemente na área de defesa. Dentre os países que figuram como Aliados

Extra OTAN estão, Israel, Egito, Paquistão, Coréia do Sul e Japão, todos em áreas consideradas

hotspots da geopolítica mundial.

A Rússia, com o intuito de preservar parte de seu status quo, e a China, na intenção de

ampliá-lo, passaram a desenvolver organizações criadas com fins de cooperação em defesa, a

Organização do Tratado de Segurança Coletiva (OTSC) e, a Organização de Cooperação de

Xangai (OCX) ou simplesmente Pacto de Xangai.

A primeira é uma organização liderada pela Rússia, que é derivada da antiga aliança

militar do Tratado de Segurança Coletiva, formada por antigas repúblicas soviéticas

Armênia, Bielorrússia, Cazaquistão, Quirguistão e Tadjiquistão, a qual, em 2006, se somou o

Uzbequistão. Sua condição implica que seus membros não possam aderir a outra organização

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que tenha fins de defesa explícitos em seus documentos, mantendo-os atrelados ao poder militar

russo, como principal fornecedor de equipamentos e segurança aos seus territórios.

A partir de 2002, esse tratado passou a ter caráter de organização. Essa transformação

em organização, a princípio, atendia às questões levantadas no pós-11 de setembro, com

argumentos de fornecer proteção contra grupos terroristas e grupos separatistas, porém, o seu

desenvolvimento se viu mais atrelados com objetivos militares, como formação e treinamento

de oficiais em academias da Rússia, exercícios militares anuais e, acesso a equipamentos de

defesa mais complexos produzidos na Rússia e que não estariam envolvidos no combate a

grupos rebeldes (FROST, 2009).

Já a Organização de Cooperação de Xangai, provém de uma iniciativa chinesa para

solucionar disputas fronteiriças entre a China e seus vizinhos da Ásia Central, criada em 1996.

Os membros fundadores dessa organização foram Rússia, Cazaquistão, Quirguistão e

Tajiquistão, aos quais se juntaram a partir de 2001, o Uzbequistão como membro efetivo,

juntamente com Mongólia, Irã, Índia e Paquistão, como observadores. Esses dois últimos

iniciaram em 2015 o processo para tornarem-se membros permanentes dessa organização. No

que pese seus interesses serem diversos, indo de áreas de cooperação econômica à energética e

cultural, sua atenção ao desenvolvimento conjunto de atividades de segurança, colocam essa

organização efetivamente sobre uma condição de OCD, já que as ações e atividades conjuntas

desenvolvidas sob o eufemismo de exercícios de segurança, são efetivamente exercícios de

defesa.

A sobreposição da OTSC e OCX sobre a Ásia central ainda não reflete em entraves para

Moscou. No entanto, as futuras pretensões chinesas de acessar essa região podem vir a colocar

um peso sobre a dupla existência dessas organizações. Embora para a Rússia, os objetivos

atrelados a ambas organizações perpassem pela exclusão da influência estadunidense da Ásia

Central, isso pode se tornar uma complicação no futuro. Se por um lado a OCX realiza

manobras militares que servem para enfraquecer o prestígio militar dos Estados Unidos e

aumentar o da Rússia, criando uma voz política unida pela retirada estadunidense da Ásia

Central, por outro lado, aumentada a influência chinesa nessa região. Nesse sentido, a OTSC

pode ser utilizada para bloquear os membros de uma aliança extra-OTAN e também, bloquear

os esforços chineses para desenvolver laços militares com os estados da Ásia Central. No

momento em que a OCX começar a ultrapassar a OTSC em sua posição estratégica, a

coordenação da Rússia na Ásia Central será ameaçada (FROST, 2009). A explicação para a

aproximação e manutenção da parceria Sino-Russa, seria que a Rússia, uma grande potência

em declínio, pretende recuperar seu status perdido, enquanto a China, um poder crescente,

resiste aos esforços para restringir seu papel global emergente (TURNER, 2009). Dessa

maneira, suas Organizações de Cooperação em Defesa agem na promoção de seus interesses

geopolíticos de primeira ordem, através das quais deverão orientar as atividades entre os

membros de organização, a venda de armas e também a restrição contra o acesso de outras

potências e organizações de cooperação em defesa sobre seus territórios

Tal como no período da Guerra Fria, a atual realidade das Organizações de Cooperação

em Defesa reflete uma divisão do espaço mundial, em regiões de influência dessas alianças,

sob as quais recai os interesses das potências promotoras e mantenedoras de suas atividades.

Essa regionalização pode ser observada através do Mapa 03:

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Mapa 03: Principais Organizações e Acordos de Cooperação em Defesa atuais. Org. TEIXEIRA, V.

M., 2017.

Os objetivos estabelecidos pelos membros da OCX ainda estão longe de se equiparar

aos estabelecidos pela OTAN, desenvolvidos ao longo dos mais de 75 anos. No entanto, torna-

se notório que através dessa organização figurem nações como Rússia, China – e futuramente,

Índia – contando com objetivos militares e treinamentos anuais envolvendo as forças armadas

de seus membros. Nesse sentido, deve-se lembrar que a aproximação russo-chinesa nos anos

1990 teve como destaque a retomada das negociações de material militar, interrompidas desde

o rompimento das relações com a URSS nos anos 1960.

Desde 1991, segundo consulta aos registros da SIPRI (2017), as vendas de armas para

a China por parte da Rússia, foram retomadas e envolveram grandes quantidades de sistemas

de armas avançados, como equipamentos de defesa antiaérea, sistemas de radar, aviões de caça

e transporte, armamento naval, dentre outros. As relações entre China e Rússia, no entanto,

enfrentaram crises e atritos em torno do material exportado, envolvendo principalmente

questões sobre a produção não licenciada dos produtos russos em território chinês. Tal prática

tem tornado restritas as novas vendas por parte da Rússia, motivada pelo receio dos chineses

tornarem-se competidores no mercado de defesa com produtos derivados do material russo

copiado. Essas crises, assim como as enfrentadas no seio da OTAN, devem pautar algumas

decisões sobre o futuro dos acordos na área militar entre esses países, porém, não devem romper

a cooperação em defesa de forma mais ampla.

A partir da distribuição das OCD`s no espaço mundial, devemos tecer considerações

sobre as relações entre suas estruturas e a constituição dos Complexos Regionais de Segurança.

De maneira geral, visualizamos a OTAN, OTSC e OCX, como oriundas ou influentes da

estruturação dos complexos de segurança em suas respectivas regiões. Naturalmente, a OTAN

como organização mais antiga, não se origina da estruturação do CRS da Europa Ocidental no

pós-Guerra Fria. No entanto, acreditamos que a estruturação desse CRS, congregando as

grandes potências europeias e a adesão do subcomplexo dos Balcãs, não pode ser compreendida

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sem levarmos em conta a manutenção da OTAN como principal organização de cooperação em

defesa na Europa e, sua expansão sobre o leste europeu, conjugada à ampliação da União

Europeia.

Quando da publicação do livro de Buzan e Wæver em 2003, os países do Báltico

(Estônia, Letônia e Lituânia) foram considerados como “insulators” 8 e a região dos Balcãs

como um subcomplexo. Naquele momento, ambas as regiões permaneciam fora das associações

econômicas e militares com os países europeus no âmbito da OTAN e UE. Entretanto, o cenário

se altera a partir de 2004 quando os países Bálticos são aceitos em ambas organizações. Já na

região do chamado subcomplexo dos Balcãs, Romênia, Bulgária e Eslovênia são integrados à

OTAN em 2004, ano em que a Eslovênia também é aceita na UE, sendo que, os dois outros

passam a ser membros dessa união econômica em 2007. Ainda nessa região, Albânia e Croácia

aderiram à OTAN em 2009 e a Croácia à UE em 2013. Assim, as considerações que concernem

aos dois conjuntos de países merecem uma atualização, que possivelmente levaria sua inclusão

ao CRS da Europa Ocidental, já que, estão integrados à um processo de securitização através

da OTAN.

Já o OTSC, encontra-se inserida sob o Complexo Regional de Segurança pós-Soviético,

que conta com a Rússia como grande potência e centralizadora dos processos de segurança

nessa região. Porém, a dimensão da OTSC não atingiu a totalidade de países inseridos nesse

CRS, que também sofreu a perda dos países Bálticos para a Organização Atlântica.

O Pacto de Xangai tem uma aproximação mais complexa com a caracterização dos CRS

estabelecidos por Buzan e Wæver (2003), já que, o mesmo ultrapassa os limites do complexo

regional do leste da Ásia, agregando membros dos complexos do sul da Ásia, Oriente Médio e

complexo Pós-Soviético. Deve-se lembrar que essa organização ainda se encontra em

estruturação e alguns de seus membros ainda são observadores ou em transição para membros

plenos. Além disso, essa Organização tem como intenção a integração entre China e Ásia

Central, estabelecendo relações comerciais e políticas mais próximas, o que poderia levar a uma

reconfiguração das propostas de CRS estabelecida pelos autores.

Observa-se ainda, que países como Turquia e Mongólia, apontados por Buzan e Wæver

(2003) como “insulators”, estariam mais integradas às OCD´s e processos de integração

econômicos de suas respectivas regiões, podendo no futuro terem suas definições atualizadas.

Já a posição atribuída à Ucrânia, inserida junto ao complexo pós-soviético, poderia ser alterada

para “buffer”9, já que, o país que se posiciona entre a OTAN e OTSC, estando fortemente

envolvido com ambos os processos de securitização dessas organizações e com um conflito no

qual a OTAN e OTSC estão posicionados em lados opostos, simbolizando o possível futuro de

choques entre as duas organizações.

Ainda em relação aos processos de construção de OCD´s sob as estruturas dos CRS,

podemos atribuir a ausência de um bloco de cooperação voltado para as questões de defesa no

continente africano ao processo de formação de seus Complexos Regionais de Segurança, ainda

pouco distintos e organizados. Entretanto, nos dois complexos regionais que se encontram

melhor estruturados, sendo, o do Oriente Médio, que se estende pelo norte da África e, o Sul-

Africano, encontram-se países associados a acordos de defesa. No primeiro caso, Egito, Tunísia

e Marrocos, mantém estreita aliança com os EUA e, no segundo, a África do Sul, desenvolve

relações com Brasil e Índia, através da iniciativa IBAS.

8 Segundo Buzan e Wæver (2003), a posição de insulator seria ocupada por um estado ou mini-complexo situado

entre os complexos regionais de segurança, definido como um local onde as maiores dinâmicas de segurança

regional estão orientadas para lados opostos. 9 Segundo Buzan e Wæver (2003), a posição de buffer seria ocupada por um estado ou mini-complexo dentro de

um complexo de segurança e situado no centro de um forte padrão de securitização, cujo papel é separar potências

rivais.

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A América do Sul também se encontra inserida na regionalização a partir de acordos

voltados para a Defesa conjunta. A assinatura do documento de criação do Conselho de Defesa

Sul-Americano (CDS) em 2008, consagrou o que há muito já havia se tentado no continente,

um ambiente para a construção da confiança mútua e superação das rivalidades, aproximando

os países sul-americanos através de um mecanismo de cooperação em defesa. Assim, a

discussão em torno da Cooperação em Defesa na América do Sul pode ser analisada sob o viés

da regionalização de Complexos de Segurança, fruto da regionalização do espaço mundial.

A América do Sul frente as dinâmicas de cooperação em defesa: potencialidades e limites

A discussão sobre cooperação em defesa na América do Sul vem ganhando força desde

o fim da década passada, quando se firmou o Conselho de Defesa Sul-Americano (CDS), a

partir do qual o debate e as ações sobre as questões de defesa no subcontinente passaram a ser

orientados. Deve-se lembrar, como aponta Teixeira (2014), que as iniciativas de cooperação em

defesa na América do Sul têm pelo menos um século, porém, eram orientadas de forma ao

combate entre vizinhos sul-americanos e ao equilíbrio de poder entre as nações da América do

Sul, em conformidade ao antigo modelo de alianças da Europa.

Durante a segunda metade do século XX, a execução de projetos integracionistas com

objetivos unicamente voltados à vertente econômica se mostraram insuficientes para o avanço

da cooperação sul-americana – que em geral se estabeleceu sobre uma composição de países

que mantinham relações permeadas por rivalidades ou desconfianças – emperrando o avanço

de questões centrais nos macroprojetos regionais voltados para integração. Os conflitos e as

rivalidades mantidas nesse período são provas de que as tentativas de construção de

mecanismos de cooperação baseados unicamente na troca de mercadorias e equalização de

saldos das balanças comerciais, não são suficientes para o subcontinente, para a superação da

rivalidade entre países vizinhos.

Enquanto que o fim do período da Guerra Fria permitiu a emergência e a estruturação

de complexos regionais de segurança. Como apontam Buzan e Wæver (2003), para a América

do Sul, além de sua solidificação como complexo à luz da teoria desses autores, o subcontinente

ganhou mais independência nas questões de segurança e defesa, adquirindo maior margem em

relação aos EUA, já que a região se distanciou de suas prioridades. No entanto, essa aparente

margem de manobra não significa independência total, já que, a influência estadunidense sobre

os sistemas de defesa da região dificilmente será anulada.

Para Buzan e Wæver (2003) a América do Sul seria um Complexo Regional de

Segurança do tipo padrão, internamente dividido em dois subcomplexos, o Norte Andino e o

Cone Sul. No entanto, para Fucille e Rezende (2013), essa proposta deve ser atualizada para a

de um Complexo Regional de Segurança centrado, tendo o Brasil como polo, ainda que esse

país não seja uma potência global. Para os autores que defendem essa nova abordagem para o

CRS sul-americano, essa mudança se deve a estruturação da UNASUL e do Conselho de Defesa

Sul-Americano, nos quais o Brasil teve papel primordial.

O processo de integração da UNASUL, amplamente discutido pela academia, representa

uma das últimas iniciativas do longo processo de integração do continente, tendo como

característica principal, a associação das doze nações que compõe a América do Sul, em um

processo de integração com objetivos políticos, econômicos, infra estruturais e sociais. Já a

iniciativa para Cooperação em Defesa, que foi inserida através do Conselho de Defesa Sul-

Americano, advém dos acontecimentos decorrentes da crise entre Equador e Colômbia em

2008, sendo uma proposta originada no governo brasileiro e aprovada em reunião extraordinária

da organização nesse mesmo ano (ABDUL-HAK, 2013).

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A despeito dos interesses brasileiros na promoção desse mecanismo de diálogo, o CDS

representa um dos fatores de maior importância para a cooperação na América do Sul, dado seu

histórico de disputas, apresentando-se como ferramenta para a construção da confiança mútua.

Por esse Conselho devem ser debatidos as questões envolvendo o poder militar na região,

comumente utilizado em situações de crise entre os países que mantém questões territoriais

pendentes (TEIXEIRA, 2014).

Diferente das outras organizações de cooperação em defesa comentadas ao longo do

texto e, assim como o CRS sul-americano, o CDS-UNASUL não conta com uma grande

potência global, ou mesmo uma grande potência. Assim, a ausência de um poder militar de

grande amplitude na região torna cooperação em defesa na América do Sul um processo que,

diferente dos demais, deve privilegiar as negociações e compartilhamento, de forma a

minimizar o efeito polarizador por uma potência que lidere uma OCD.

A construção da cooperação, como já apontado, deve prever mecanismos que permitam

que a confiança se estabeleça através das forças militares, minimizando o efeito de compras de

equipamentos, modernizações do aparato de defesa e o seu posicionamento no território, tendo

em vista a preservação do equilíbrio de poder regional. Nesse sentido, Keohane e Nye

contribuem para esse entendimento.

Na verdade, aliados militares procuram ativamente interdependência para

proporcionar maior segurança para todos. Equilíbrio de situações de poder não

precisa ser um jogo de soma zero. Se um lado pretende perturbar o status quo,

em seguida, o seu ganho é à custa do outro. Mas se a maioria ou todos os

participantes querem um status quo estável eles podem ganhar em conjunto,

preservando o equilíbrio de poder entre eles. (KEOHANE; NYE, 2012, p.9,

tradução nossa)

A estrutura atual do CDS da UNASUL contempla iniciativas que devem ser vistas como

embrionárias para projetos mais dinâmicos e de maior retorno econômico e estratégico para o

futuro desse organismo de cooperação. São iniciativas criadas para compor a estrutura do CDS,

o Centro de Estudos Estratégicos de Defesa (CEED) e a Escola Sul-Americana de Defesa

(ESUDE). Ambas iniciativas devem proporcionar a formação e fomento de pesquisadores e

profissionais que tenham como foco as pesquisas e estratégias de defesa, ampliando as

discussões desse tema para a região e ao mesmo tempo, traçando perspectivas para o futuro da

cooperação em defesa na América do Sul.

O CEED, criado em 2011 a partir de um acordo da República Argentina com a

UNASUL, conta com sua sede em Buenos Aires, tendo como alguns de seus objetivos e

funções, a identificação de oportunidades para o futuro, a construção de uma visão comum dos

desafios e oportunidades, a realização de estudos, pesquisas e publicações, além da articulação

de políticas comuns para a defesa e segurança regional (CEED, 2016).

Já a ESUDE, com sua sede em Quito no Equador, inaugurada em 2015, tem por missão

a formação e capacitação de civis e militares dos países membros da UNASUL em temas

primordialmente voltados para questões oriundas do CDS. Essa escola deverá proporcionar um

ambiente de contato entre os profissionais dos Estados sul-americanos, os quais deverão

difundir as ideias e estudos em seus respectivos países.

Essas iniciativas, apesar de recentes, aparentemente tem sido bem-sucedidas e contado

com o apoio dos governos da região. No entanto, iniciativas que tiveram o objetivo de iniciar

uma integração do aparato militar e da Base Industrial de Defesa dos países sul-americanos, tal

como advoga o documento da Estratégia Nacional de Defesa (BRASIL, 2008), resultaram em

fracassos ou receberam pouca atenção dos governos partícipes.

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Exemplos dessa iniciativa e que até o momento não conseguiram conquistar o apoio

irresoluto dos governos e forças armadas locais, são o projeto do treinador aeronáutico

UNASUR 1 e o projeto do Veículo Aéreo Não Tripulado (VANT) para aplicações em defesa

(BRASIL, 2014). Os projetos foram bastante divulgados entre 2012 e 2014, porém, o

desenvolvimento de ambos aparentemente foi descontinuado, principalmente devido a não

aceitação das especificações que compunham esses itens e as dificuldades em transpô-los para

a industrialização, demonstrando as fragilidades que ainda envolvem a chamada Base Industrial

de Defesa (BID) sul-americana.

A despeito desses insucessos, no início de 2016 foi assinado um documento de

entendimento entre Brasil, Peru e Colômbia para a construção conjunta de um barco para

realização de patrulhas na região amazônica. Esse acordo envolve empresas dos três países,

com objetivo de desenvolver o projeto da embarcação, ficando sua construção à cargo da

empresa colombiana COTECMAR, gerando novas expectativas sobre a cooperação em defesa

para ações conjuntas no desenvolvimento de equipamentos (PLAVETZ, 2016).

As possibilidades de uma cooperação mais ampla através da BID da UNASUL nos

parecem uma questão ainda distante, já que, essas iniciativas necessitam de parcerias e apoio

de empresas privadas, ligadas ao mercado externo e em alguns casos, subsidiárias de empresas

estrangeiras. A indústrias de defesa da região possuem diversos produtos de defesa que

poderiam facilmente equipar os países membros da UNASUL, como as aeronaves Pampa III,

de fabricação argentina, KC-390 e Super Tucano; os veículos como Guarani e Astros MK.6,

de fabricação brasileira; a expertise dos estaleiros, argentinos, brasileiros, chilenos e

colombianos para a fabricação de submarinos e embarcações dos mais variados tipos, além do

desenvolvimento de tecnologias de foguetes e munições. Todos esses equipamentos possuem

características capazes de suprir as necessidades das forças armadas da região, porém, há

bloqueios quanto ao desenvolvimento conjunto e o lobby estrangeiro, que são empecilhos

contra os quais uma Organização de Cooperação em Defesa deve estar atenta.

Os exemplos dos aviões KC-390 e Super Tucano, são preciosos para a compreensão dos

mecanismos de cooperação e seus limites. No caso do cargueiro KC-390, há parcerias entre

empresas Brasileiras, Argentinas e Chilenas, a que se soma o compromisso dos governos desses

países na aquisição desse equipamento. Já no caso do avião de ataque Super Tucano, no que

pese a não participação de países vizinhos em seu desenvolvimento, ele foi adquirido por Chile,

Colômbia e Equador, além do Brasil, porém, preterido frente a aeronaves sul-coreanas e

estadunidenses no Peru e Argentina. Nesse último caso, o estreitamento de parcerias com os

países vizinhos poderia ter garantido a padronização de uma aeronave legitimamente sul-

americana, marcando positivamente a cooperação em defesa na região.

A fabricação sobre licença de equipamentos oriundos de outras nações e OCD´s, apesar

de garantir o acesso a transferência de tecnologias essenciais para a produção de equipamentos

de defesa, também limita os países da região para o desenvolvimento de acordos colaborativos.

Isso se deve ao fato de que parte desses acordos serem feitos entre os países que cedem e os

que recebem a tecnologia, não permitindo o seu repasse a terceiros, o que impossibilita o acesso

de vizinhos sul-americanos aos equipamentos e condições negociadas. Apesar de possuir um

potencial acumulado para a construção de equipamentos conjuntos entre os vizinhos sul-

americanos, esse fato pode se tornar um impeditivo já que retiraria desses países as decisões

sob as associações e compartilhamento de tecnologias.

Nesse sentido, o caso do caça Gripen escolhido pela Força Aérea Brasileira se enquadra

nesse exemplo, já que sua fabricação no Brasil sob licença da empresa sueca SAAB, tem

limitações para eventuais exportações. Em um primeiro plano, a SAAB continua a oferecer seu

caça a países como a Colômbia, sem que isso esteja atrelado à fabricação no Brasil. Em segundo

plano, a exportação do caça fabricado pela Embraer foi tencionada pela Argentina, em uma

eventual colaboração entre essa empresa e a Fabrica Argentina de Aviones (FAdeA), o que, no

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entanto, deveria passar por um processo de reengenharia e adaptação, substituindo itens de

origem inglesa e que são bloqueados para exportação ao país portenho, ainda como reflexo do

conflito de 1982 (PLAVETZ, 2016b). Dessa maneira, a fabricação sob licença não garante

totalmente a independência do país comprador e também pode criar barreiras ao fomento da

integração em defesa na região.

As iniciativas baseadas na construção de um Centro de Estudos Estratégicos, uma

Escola destinada a formação de pessoal civil e militar, e as tentativas de integração da BID,

entre os países da UNASUL, são processos fundamentais para o processo de integração

regional, sob a qual deve ser construída a OCD sul-americana, em semelhança às outras

espalhadas pelo globo. Nesse sentido, o CDS da UNASUL é a iniciativa mais ousada no âmbito

da defesa na América do Sul, “em que pese não explicitar defesa contra quem ou o quê”

(FUCCILLE, 2014) devendo ser valorizado pela política oficial dos seus países membros.

Dessa forma, mesmo com alguns problemas, a América do Sul passa a figurar dentre as regiões

que possuem uma Organização de Cooperação em Defesa, enquadrando a região em um

processo que acreditamos ser de amplitude global.

Considerações Finais

A Cooperação em Defesa, mais do que nunca, deve se estabelecer como característica

comum dentro do futuro processo de regionalização do espaço mundial, da mesma forma que

os processos de regionalização econômicos se tornaram uma orientação para o desenvolvimento

das nações nos anos 1990. Assim, acreditamos que as análises que utilizem a teoria dos

Complexos Regionais de Segurança devam levar em consideração a formação das

Organizações de Cooperação em Defesa como um elemento de orientação dessas regiões.

Da mesma maneira que os blocos econômicos, as principais Organizações de

Cooperação em Defesa se concentram no hemisfério norte e são nucleadas por grandes

potências e potências regionais, trazendo a luz um processo histórico, derivado dos processos

de disputa por poder. Com a evolução tecnológica e distanciamento das capacidades de poder

militar entre as nações mais e menos poderosas, a cooperação tende a se tornar a saída para

divisão de custos oriundos dos projetos de defesa, aliviando as pressões sobre o conjunto de

nações que estão fora do eixo principal de desenvolvimento militar. Assim como nos processos

econômicos, esses mecanismos geram a exclusão de países periféricos e permitem o acesso a

equipamentos de defesa somente a um pequeno número de nações, as quais buscam sua inserção

e subordinação à essas alianças militares.

Como observado, a construção de organizações voltadas à cooperação não é feita sem

crises e divergências, porém, essas organizações, aparentemente, resistem mais eficazmente a

elas, dadas as necessidades impostas para o enfrentamento de inimigos comuns. Na América

do Sul, o processo não deve se diferenciar dos experimentados em outras regiões, com a

ausência de uma grande potência como gerente do processo, e com a cautela de elaboração de

um projeto que seja efetivamente conjunto e satisfatório aos participantes dessa organização de

cooperação.

A construção da Cooperação em Defesa sul-americana se encontra nos estágios iniciais,

em um momento de elaboração dos paradigmas e formação teórica. A criação de escolas e

organismos voltados para a capacitação de capital humano, pode facilitar entendimentos

futuros, rompendo de vez com os paradigmas de enfrentamento militar que por quase dois

séculos se fizeram presentes nos planos das forças armadas da região, substituindo-os por

pensamentos voltados para a cooperação. O próximo desafio deve ser a materialização de

equipamentos de defesa criados e produzidos em conjunto, favorecendo as empresas locais e

independência regional nessa questão.

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O processo de integração sul-americano, desejo fomentado desde o momento seguinte

da independência, no século XIX, deve prover mecanismos de interação mais amplos, capazes

de criar laços suficientemente fortes para que, em conjunto, as necessidades de seus membros

ressoem cada vez mais uníssonas. Acreditamos que cada vez mais a Cooperação em Defesa

deva ser inserida nesse processo e suas discussões valorizadas pelas sociedades locais,

contribuindo de maneira decisiva para a integração regional.

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