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A ARQUITETURA VERNACULAR COMO BASE DO PENSAMENTO MODERNO DE LÚCIO COSTA OLIVEIRA, EDGARD LEANDRO DE (1); BERTU, LARISSA PODSHIVALOFF (2); PEREIRA COSTA, STAEL DE ALVARENGA (3); GIMMLER NETTO, MARIA MANOELA (4) 1 1. Laboratório da Paisagem Escola de Arquitetura Universidade Federal de Minas Gerais, Rua Paraíba 697, sala 404C, bairro Funcionários, CEP: 30130-140 - Belo Horizonte, MG. [email protected] 2. Laboratório da Paisagem Escola de Arquitetura Universidade Federal de Minas Gerais, Rua Paraíba 697, sala 404C, bairro Funcionários, CEP: 30130-140 - Belo Horizonte, MG. [email protected] 3. Laboratório da Paisagem Escola de Arquitetura Universidade Federal de Minas Gerais, Rua Paraíba 697, sala 404C, bairro Funcionários, CEP: 30130-140 - Belo Horizonte, MG. [email protected] 4. Laboratório da Paisagem Escola de Arquitetura Universidade Federal de Minas Gerais, Rua Paraíba 697, sala 404C, bairro Funcionários, CEP: 30130-140 - Belo Horizonte, MG. [email protected] RESUMO Na busca pela compreensão da tradição da Morfologia Urbana brasileira, investigamos a vida e a obra do arquiteto e urbanista Lúcio Costa. Dessa forma, nos deparamos com a particularidade da sua prática de documentação e pesquisa em Arquitetura e Urbanismo. Além de figurar como o principal nome teórico da arquitetura moderna brasileira, Lúcio Costa, como constatamos nesse estudo, foi um personagem de influência significativa para o desenvolvimento da arquitetura lusitana, sobretudo no que concerne ao modernismo e a valorização da arquitetura tradicional, até então replicada por tradicionalistas as vezes ignorada ou combatida por modernistas alinhados ao Estilo Internacional corbusiano. Lúcio Costa conseguiu criar um elo que uniu o fazer moderno e a tradição. Nesse trabalho busca-se relacionar os resultados obtidos acerca da história da arquitetura, da preservação do patrimônio e do edifício como documento histórico, social e cultural na prática reflexiva do arquiteto como resultado do seu método de documentação e análise. Devido às relações 1 Os autores agradecem a FAPEMIG o auxílio concedido para o desenvolvimento da pesquisa.

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A ARQUITETURA VERNACULAR COMO BASE DO PENSAMENTO MODERNO DE LÚCIO COSTA

OLIVEIRA, EDGARD LEANDRO DE (1); BERTU, LARISSA PODSHIVALOFF (2);

PEREIRA COSTA, STAEL DE ALVARENGA (3); GIMMLER NETTO, MARIA

MANOELA (4)1

1. Laboratório da Paisagem – Escola de Arquitetura Universidade Federal de Minas Gerais, Rua Paraíba 697, sala 404C, bairro Funcionários, CEP: 30130-140 - Belo Horizonte, MG.

[email protected]

2. Laboratório da Paisagem – Escola de Arquitetura Universidade Federal de Minas Gerais, Rua Paraíba 697, sala 404C, bairro Funcionários, CEP: 30130-140 - Belo Horizonte, MG.

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3. Laboratório da Paisagem – Escola de Arquitetura Universidade Federal de Minas Gerais, Rua Paraíba 697, sala 404C, bairro Funcionários, CEP: 30130-140 - Belo Horizonte, MG.

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4. Laboratório da Paisagem – Escola de Arquitetura Universidade Federal de Minas Gerais, Rua Paraíba 697, sala 404C, bairro Funcionários, CEP: 30130-140 - Belo Horizonte, MG.

[email protected]

RESUMO

Na busca pela compreensão da tradição da Morfologia Urbana brasileira, investigamos a vida e a

obra do arquiteto e urbanista Lúcio Costa. Dessa forma, nos deparamos com a particularidade da

sua prática de documentação e pesquisa em Arquitetura e Urbanismo. Além de figurar como o

principal nome teórico da arquitetura moderna brasileira, Lúcio Costa, como constatamos nesse

estudo, foi um personagem de influência significativa para o desenvolvimento da arquitetura lusitana,

sobretudo no que concerne ao modernismo e a valorização da arquitetura tradicional, até então

replicada por tradicionalistas as vezes ignorada ou combatida por modernistas alinhados ao Estilo

Internacional corbusiano. Lúcio Costa conseguiu criar um elo que uniu o fazer moderno e a tradição.

Nesse trabalho busca-se relacionar os resultados obtidos acerca da história da arquitetura, da

preservação do patrimônio e do edifício como documento histórico, social e cultural na prática

reflexiva do arquiteto como resultado do seu método de documentação e análise. Devido às relações

1 Os autores agradecem a FAPEMIG o auxílio concedido para o desenvolvimento da

pesquisa.

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históricas entre Brasil e Portugal e as constantes pesquisas acerca da tradição do estudo da

morfologia urbana no país ibérico, consideramos a hipótese de uma possível influência portuguesa na

prática em morfologia urbana no Brasil. Sendo assim, construímos uma linha do tempo da arquitetura

e do urbanismo, destacando os nomes de referência nos dois países na primeira metade do século

XX. Com essa hipótese a ser comprovada, fragmentamos a linha do tempo em três seguimentos

distintos. A primeira, pela importância do seu nome no período definido e ao tema das nossas

investigações, foi integralmente dedica ao Lúcio Costa. A segunda com os autores portugueses mais

proeminentes e a terceira dedicada aos acontecimentos mundiais que repercutiram no Brasil e em

Portugal. Como nenhuma ação está desvinculada de seu tempo, as linhas não foram criadas para

serem três datações distintas, mas para sofrerem uma análise em conjunto, se interceptarem em

diversos pontos e, finalmente, serem transformadas numa rede de autores luso-brasileiros para ser

transferida e analisada em trabalhos como esse. Os dados foram conseguidos através de estudos

biográficos e análise de artigos e de obras dos autores. No que concerne ao Lúcio Costa, objeto de

destaque desse artigo, investigamos sua autobiografia, os textos de sua filha e os inúmeros artigos e

dissertações brasileiras e portuguesas que enfatizam seu trabalho teórico como arquiteto e urbanista.

PALAVRAS-CHAVE: Arquitetura Vernacular; Lúcio Costa; Pensamento Moderno.

Introdução

A primeira metade do século XX foi marcada por diversas transformações sociais, sendo o

homem moderno um produto das contradições do seu tempo. É possível delinear o auge e o

declínio da sociedade moderna nesse período, suas constantes angústias, mutações e o

seu reordenamento no período pós-guerra. Se, em meados de 1901, a Belle Époque atingiu

o seu clímax nas cidades europeias, a sensação de paz entre os povos e o otimismo gerado

pela revolução das técnicas de produção não foram integralmente transmitidos para além de

1914. Nesse período, as crises urbanas, a propagação da miséria e diversas revoltas

populares assolaram a Europa. O neocolonialismo já não conseguia mais escoar a produção

dos países industrializados para a África e para a Ásia e a eclosão da Primeira Guerra

Mundial colocou fim ao longo período de utopias.

A partir desse momento, uma série de acontecimentos colocou em evidência os

antagonismos dessa sociedade. Por um lado, a economia conseguia produzir alimentos

como nunca antes, por outro, a concentração do capital estava cada dia mais relacionada a

uma parcela ínfima da população. Novas contestações da ordem vigente surgiram, sendo o

advento do comunismo a principal delas. Governos autoritários, nacionalistas e

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segregadores tomaram o poder em países centrais da Europa, a saber Itália, Alemanha,

União Soviética, Portugal e etc. A crise de 1929 contribuiu para o agravamento do quadro.

Em 1939, estourou a Segunda Guerra Mundial.

As primeiras gerações de arquitetos modernistas surgem nesse período. Sobre a influência

do franco-suíço Le Corbusier (1887 – 1965), uma nova prática projetual em arquitetura e

urbanismo, adaptada ao novo homem e aos seus anseios, foi propagada por todo o mundo.

No Brasil, o principal expoente teórico dessa nova arquitetura foi Lúcio Costa (1902 – 1998).

O Modernismo encontrou solo fértil em terras tupiniquins. O país estava independente de

Portugal há pouco tempo, cuja independência ocorrera em 1822 e a República ainda estava

em formação, tendo sido proclamada em 1889. A noção de Estado, enquanto território, e de

Nação, enquanto conjunto de características que delimitassem uma raça que pudesse ser

chamada de brasileira, era pouco consistente. Cabe ressaltar que a abolição da escravatura

um evento recente na história do país, datada de 1888 também se enquadra como

característica das mudanças sociais do período.

Na segunda metade do período analisado, o estilo moderno e os movimentos

tradicionalistas acirraram as disputas ideológicas na academia. O modernismo ganhou

força, sendo adotado como medida desenvolvimentista da política do Estado Novo, governo

autoritário e populista que ocorreu de 1937 a 1945, sob a regência de Getúlio Vargas.

Lúcio Costa, formado no ecletismo da Escola Nacional de Belas Artes em 1926, viria a se

converter ao movimento, defendendo os dogmas corbusianos no artigo "Razões para a

Nova Arquitetura" de 1930.

De modo semelhante, Portugal também atravessou, nessa época, anseios e soluções

ideológicas muito parecidas. Em terras lusitanas houve uma ditadura populista sob o

comando de Oliveira Salazar no período de 1937 até 1974, que, a propósito, também se

denominava "Estado Novo". Este regime buscava uma identidade nacional, sob o signo da

arquitetura, para que houvesse maior unidade entre o norte e o sul do país.

Nesta pesquisa pode –se constatar que o evento moderno acontece nos dois países e a

sincronicidade entre Brasil e Portugal não se limitava somente no alinhamento ideológico-

político. Ambos buscavam estilos arquitetônicos que atuassem como símbolos culturais do

Estado Novo.

O Brasil necessitava construir uma formação enquanto nação e Portugal, relativamente

atrasado em relação aos seus vizinhos europeus, vivia um clima de nostalgia acerca de

tempos de desbravamento de mares e terras inóspitas na África e no Novo Mundo. A

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arquitetura, enquanto símbolo da tradição de um povo, num determinado período de tempo,

seria utilizada por ambos os países para a formação/resgate dessa identidade nacional.

No Brasil, os intelectuais se debruçaram sobre a incógnita: "O que é a arquitetura tradicional

brasileira?". Com esse ponto de partida, figuras como José Marianno Filho (1915 - 1998),

exaltaram cidades históricas, empreenderam viagens e mitificaram a arquitetura do período

colonial como símbolo da tradição e fonte de inspiração (e réplica) para a arquitetura

corrente na época.

José Marianno dirigiu a Escola Nacional de Belas Artes nos anos de 1926 e 1927 e foi

professor de Lúcio Costa. Para ele, a arquitetura, mesmo que nova, deveria apontar para a

recuperação com os elos do passado. A dimensão da arquitetura tradicional brasileira

precisava ser resgatada ao seu grau de importância, extremamente reduzido pela formação

erudita francesa, introduzida e generalizada nas escolas brasileiras a partir do século XIX.

Segundo o autor, a importação e a proliferação de estilos provenientes de outros países

subjugou a expressão arquitetônica da "raça brasileira".

Deve-se destacar também, sob o olhar da nossa incógnita, o aparecimento do

neocolonialismo na arquitetura, com expoentes como Fernando Valentim.

Em Portugal, como já mencionado, "A sobrevivência da nação, dependia intimamente da

saudade do passado, 'a saudade da terra'. (André Ventura in Lucio Costa e a Escola do Porto.

2007.)

É neste contexto que aparecem as discussões sobre a o tipo tradicional do país, “a casa

portuguesa”, segundo Ventura, fundamentalmente desenvolvida entre etnólogos, críticos de

arte e debatida no meio acadêmico, porque tratava do problema da arquitetura fora da

prática disciplinar. Ainda segundo o autor, mais importante do que definir um modelo

arquitetônico, a questão colocava-se fundamentalmente em saber onde encontrá-lo, na

identificação do período e uma região e em estudar seu método construtivo. Raul Lino é o

primeiro arquiteto que propõe a concepção de uma "casa portuguesa", em seu manifesto de

mesmo nome, datado de 1929., exprime essas preocupações coo citada em Cunha Filho,

1931:

(...) a preferencia do homem pela architectura pátria, tem, ao meu ver,

independentemente de qualquer solicitação artística, um carater de

insophismavel fundo emotivo. Quando o emigrante allemão que enriqueceu

em São Paulo pensa em construir o seu ‘home’, elle pensa em allemão,

porque as idéas da casa, da habitação, da família, lhe accordam

reminiscencias adormecidas profundamente no subconsciente. / Essa

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afirmação é tão verdadeira que através da physionomia das habitações

domesticas, nós podemos com exactidão quasi infallivel prever a

nacionalidade (e tambem a incultura) dos respectivos habitantes. (...)

Portugueses e brasileiros se conduzem – no que diz respeito ao problema

architectonico – de maneira verdadeiramente singular. / Ao invés de

proceder como os italianos, inglezes ou allemães que preferem os estylos

da própria nacionalidade, elles procuram insistentemente disfarçal-a ou

mascaral-a.

(CUNHA FILHO, O Jornal, Rio de Janeiro, jul, 1931, s.p.)

O papel de Lúcio Costa na arquitetura brasileira

Lúcio Costa, nascido em 1902, viria desempenhar um papel fundamental na produção

arquitetônica moderna, além de ser o principal produtor de conteúdo teórico do modernismo

brasileiro e também foi também pioneiro na preservação do patrimônio histórico nacional.

No final da primeira metade do século XX, Costa foi o responsável pelo primeiro edifício

modernista no Brasil, que é também a primeira obra mundial de grande escala regida pelos

princípios corbusianos, o edifício sede do Ministério da Educação e Saúde Pública (MESP)

no Rio de Janeiro, construído entre 1937 e 1943, sob risco original de Le Corbusier, que

veio pessoalmente ao Brasil, mas não supervisionou a obra, como se observa no seu

depoimento

O projeto do edifício-sede do Ministério da Educação data de 1936. A sua construção, iniciada no ano seguinte, foi lenta. Em 1944, já estava praticamente concluído, mas foi inaugurado em 1945. [...] Os novos conceitos arquitetônicos, formulados na década anterior, ainda não haviam sido assimilados pela opinião culta e popular e eram violentamente refutados. Mas para mim, que tinha dedicado o chômage de 1932 a 1935 ao estudo da obra teórica de Le Corbusier, o problema arquitetônico parecia então indissoluvelmente entranhado no problema social, porquanto oriundos da mesma fonte - a Revolução Industrial do século XIX -, e esse vínculo de origem conferia sentido ético à tarefa em que estávamos empenhados, exigindo-nos dedicação total, como se fôssemos, na nossa área, moralmente responsáveis pelo bom encaminhamento da meta comum. p. 135-136

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“Esse belo edifício do Ministério é, conforme já tenho dito, um marco histórico e simbólico. Histórico, porque foi nele que se aplicou, pela primeira vez, em escala monumental, a adequação da arquitetura à nova tecnologia construtiva do concreto armado, inclusive a fachada totalmente envidraçada [...]. E simbólico, porque, num país ainda social e tecnologicamente subdesenvolvido, foi construído com otimismo e fé no futuro, por arquitetos moços e inexperientes, enquanto o mundo se empenhava em autoflagelação. ” p. 139 Lucio Costa enfatizando o caráter revolucionário do MESP. Fontr: XAVIER, Alberto (Org.). Depoimento de uma geração. Arquitetura moderna brasileira. São Paulo. Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura. Fundação Vilanova Artigas. Pini, 1987.

Figura 1. Proposta de Lucio Costa e equipe para o edifício-sede do

Ministério da Educação e Saúde Pública, Rio de Janeiro, 1936.

Disponível em http://www.cronologiadourbanismo.ufba.br. Acesso 04 nov 2015.

Figura 2. Proposta de Le Corbusier para o edifício-sede do

Ministério da Educação e Saúde Pública, 1936.

Disponível em http://www.cronologiadourbanismo.ufba.br. Acesso 04 nov 2015.

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Na mesma época, Lucio Costa auxiliou a criação do Serviço do Patrimônio Histórico e

Artístico Nacional (SPHAN) em 1937 e foi o responsável pelo Projeto dos Sete Povos da

Missão em 1938, que visava preservar a província espanhola.

Essas obras são destacadas porque essas condutas podem ser aparentemente

interpretadas como discrepantes ou mesmo antagônicas, haja vista que o modernismo

defendia a ruptura total com o passado.

Diversos fatores, porém, levaram Lúcio Costa a considerar a arquitetura vernacular como

princípio básico para o desenvolvimento de um modernismo que valorizasse a tradição.

Consideramos este pensamento como a maior contribuição ideológica na formação da

identidade arquitetônica brasileira.

Figura 3. Croqui Museu das Missões Lúcio Costa

Igor Fracalossi. "Clássicos da Arquitetura: Museu das Missões / Lucio Costa" 31 Dez 2011. ArchDaily

Brasil. http://www.archdaily.com.br/16239/classicos-da-arquitetura-museu-das-missoes-lucio-costa.

Acesso 06 nov 2015

A Formação do conceito sobre a preservação cultural brasileira

O processo de amadurecimento do pensamento de preservação histórica e cultural do

arquiteto é consequente das suas viagens às cidades históricas de Minas Gerais e também

ao Porto, em Portugal, todos como a influência do Médico José Mariano.

José Marianno, com a finalidade de propiciar o conhecimento direto da arquitetura típica das

antigas cidades brasileiras, através da Sociedade Brasileira de Belas Artes, em 1924,

patrocinou arquitetos e alunos para que realizassem inventários detalhados do acervo

arquitetônico do passado, a fim de organizar álbuns para a divulgação da "verdadeira"

arquitetura tradicional. Lúcio Costa é enviado para Diamantina.

Cabe ressaltar que era muito comum o auxílio de catálogos nesse período. Para apresentar

ao cliente uma gama maior de possibilidades projetuais, os arquitetos recorriam ao artificie

da apresentação desses álbuns. Essa prática foi recorrente no Brasil, principalmente no

ecletismo, onde o contratante podia escolher o modelo de casa que desejava (inglesa,

francesa, portuguesa, etc).

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Mesmo na Semana de 1922, ainda é possível observar a vasta presença dessas espécimes

no salão, notoriamente no que se refere à arquitetura colonial. Nesse aspecto, podemos

destacar o pensamento diferenciado de Lúcio Costa quanto à documentão em arquitetura e

urbanismo. Enquanto a maioria dos arquitetos utilizavam tais álbuns como receituário de

como projetar, Lúcio desenvolvia uma prática reflexiva sobre eles.

Os croquis a seguir destacam aspectos arquitetônicos

Figura 4. Croqui Lúcio Costa

Lúcio Costa: Croquis avulsos (s.d.) . Arquitetura Colonial. Disponível em:

http://www.jobim.org/lucio/handle/2010.3/161. Acesso 06 nov 2015.

Figura 5. Croquis Lúcio Costa

Lúcio Costa: Croquis avulsos (s.d.) . Arquitetura Colonial. Disponível em:

http://www.jobim.org/lucio/handle/2010.3/161. Acesso 06 nov 2015.

Dessa forma, podemos separar dois aspectos principais na prática projetual de Lúcio Costa.

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A primeira é a viagem como ferramenta de estudo e construção de um acervo pessoal em

arquitetura.

A segunda é a documentação como principal meio de exposição para a reflexão.

A metodologia projetual de Lúcio Costa

Percebemos essas práticas ainda bem cedo na vida do arquiteto.

Em seu regresso ao Brasil, em 1927, ele publicou o artigo "A Alma dos Nossos Lares" na

revista "A Noite". Nele, há uma angústia provocada pelas suas passagens pela Europa.

Segundo Lúcio, era comum percorrer um país qualquer e perceber como era a cultura

daquele lugar, suas tradições e as peculiaridades da raça refletidas no ambiente construído.

Entretanto, não conseguia ter a mesma percepção no território brasileiro. Embora

entendesse que a nação era ainda muito jovem para se encontrar uma arquitetura nacional,

criticava a falta de compromisso dos arquitetos pela busca da construção desse símbolo,

principalmente no que se refere à ausência de pesquisas no passado, claramente na

arquitetura do período colonial, para o estabelecimento de diretrizes e de um elo que

possibilitasse essa identificação.

A viagem para Diamantina permitiu um despertar de Lúcio para o que existia até então de

arquitetura em solo brasileiro. O arquiteto percebeu a importância da documentação

tipológica, uma vez que, segundo ele, o que encontrou em Diamantina era algo totalmente

diverso daquilo que aprendera na academia, a que denominou de "colonial de estufa" e

"colonial de laboratório".

Enquanto Le Corbusier passava pelo país em 1929, Lúcio ficou "internado" três meses nas

cidades históricas de Minas Gerais em sua segunda passagem à estudos pela região.

Nessa viagem ele se propôs a construir o que julgava necessário, o estudo do passado

genuinamente brasileiro para abrir possibilidades de uma construção ainda maior, que

traduziria e poderia auxiliar na formação do povo enquanto nação.

Publica então o artigo "Tradição Local", o que provoca surpresa em muitos, inclusive do seu

professor José Marianno, que acabara de indicar o aluno para coordenador da Escola

Nacional de Belas Artes.

Lúcio Costa lança o artigo "Razões da Nova Arquitetura" em 1930, no qual anuncia a sua

conversão ao Modernismo.

Ao mesmo tempo, convencido da inexistência de documentação que apontasse as origens

da arquitetura nacional e demonstrasse a riqueza tipológica que presenciara nas cidades

históricas de Minas Gerais, Lúcio Costa continuou suas pesquisas. Ao mesmo tempo, com

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um olhar moderno e um pouco mais radical, buscava praticar uma arquitetura corbusiana

sem aderir ao estilo internacional. E decide identificar as origens brasileiras coloniais em

Portugal.

A pesquisa de Lucio Costa em Portugal

Dessa forma, em 1948, percorre cidades lusitanas para identificar as origens da arquitetura

brasileira que, segundo ele, era mais, precisamente portuguesa do que, de fato, brasileira.

Essa missão foi concluída numa segunda viagem, em 1952.

O arquiteto viajou por Portugal de Norte a Sul, fazendo anotações e croquis tipo-

morfológicos. Esses registros ficaram perdidos durante muito tempo, tendo sido recuperados

após a publicação da biografia de Lúcio, em 1995. Eles foram expostos numa mostra de

comemoração ao seu centenário em 2012, em Portugal, mas ainda não foram condensados

para a publicação. As pesquisas, ainda na sua primeira viagem, culminaram no artigo

"Documentação Necessária” de 1938, onde Lúcio enfatiza a importância dessa busca de

criação de um elo entre o moderno e o tradicional através da documentação do que já foi

produzido pelo homem comum em Portugal, que na concepção de Lúcio, possuía uma

arquitetura sincera, pragmática, não vinculada a superficialidade e aos adornos.

Segundo o mesmo:

A arquitetura popular apresenta em Portugal, a nosso ver, interesse

maior que a "erudita" - servindo-nos da expressão usada, na falta de

outra, por Mário de Andrade, para distinguir da arte do povo "sabida". É

nas suas aldeias, no aspecto viril das suas construções rurais a um

tempo rudes e acolhedoras, que as qualidades da raça se mostram

melhor. Sem o ar afetado e por vezes pedante de quando se apura, aí,

à vontade, ela se desenvolve naturalmente adivinhando-se na justeza

das proporções e na ausência de "make-up", uma saúde plástica

perfeita, - se é que podemos dizer assim.

(Lucio Costa, in "Lucio Costa: Registro de uma vivência", pg.459)

Nesse artigo, de suma importância estão as bases conceituais de Lúcio Costa que

proporcionaram o surgimento de um modernismo reinventado no Brasil.

Se o Estilo Internacional pregava o rompimento com o passado, com as velhas técnicas e

concepções, Lúcio Costa demonstrava que o moderno nada mais era que a evolução

natural da arquitetura e que o “portuga incauto” do passado só não era moderno porque a

técnica ainda não permitia.

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Verifica-se, assim, portanto, que os mestres-de-obras estavam, ainda em

1910, no bom caminho. Fiéis à boa tradição portuguesa de não mentir, eles

vinham aplicando, naturalmente, às suas construções meio feiosas todas as

novas possibilidades da técnica moderna, como, além das fachadas quase

completamente abertas, as colunas finíssimas de ferro, os pisos de varanda

armados com duplo T e abobadilhas, as escadas também de ferro, soltas e

bem lançadas - ora direitas, ora curvas em S, outras vezes em caracol e,

ainda, várias outras características, além da procura, não intencional, de um

equilíbrio plástico diferente. (Lucio Costa, in "Lucio Costa: Registro de uma

vivência", pg.459)

O texto a seguir reforça as recomendações:

Figura 6. Croqui Lúcio Costa. Documentação Necessária. Disponível em:

http://www.jobim.org/lucio/bitstream/handle/2010.3/413/V%20A%2004-00065%20L.pdf?sequence=3.

Acesso 04 nov 2015.

Sobre as tipologias identificadas observam-se os destacados sobre a sua evolução. A casa,

que era toda fechada no passado, possuía tantas janelas quanto a estrutura permitia no séc.

XIX. Logo, vieram os casarões avarandados, em que a fachada era exposta e, por fim, a

casa modernista com fachada de vidro, a mesma que era aberta antes no casarão. A janela

em fita nada mais é que a varanda fechada, sem elementos estruturais, conforme

possibilitava a nova técnica.

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Figura 7. Croquis Lúcio Costa - O modernismo como evolução natural do barroco. Documentação

Necessária. Disponível em: http://www.jobim.org/lucio/bitstream/handle/2010.3/413/V%20A%2004-

00065%20L.pdf?sequence=3. Acesso 04 nov 2015.

Por fim, Lúcio concluiu que

Cabe-nos agora recuperar todo esse tempo perdido (o da farsa de replicar

a arquitetura tradicional "estrangeira" no ecletismo), estendendo a mão ao

mestre-de-obras, sempre tão achincalhado, ao velho "portuga" de 1910,

porque - digam o que quiserem - foi ele quem guardou, sozinho, a boa

tradição.

A influência do trabalho de Lúcio Costa em Portugal

Esse trabalho documental e reflexivo não só possibilitou um fazer moderno reinterpretado de

forma peculiar no Brasil, mais adaptado ao clima, aos valores tradicionais do povo, foi

essencial para o despertar dos arquitetos lusitanos. Isto ocorria no sentido da valorização da

arquitetura vernacular portuguesa, até então desprezada em detrimento da importação dos

valores franceses.

As diversas tipologias identificadas levam a conclusão sobre a inexistência de única “casa

portuguesa”, como Fernando Távora exemplificou mais tarde no artigo “O Probelma da Casa

Portuguesa”, posição muito debatida e defendida por Raul Lino em seu texto “A Casa

Portuguesa” e, influenciando a documentação do estudo da arquitetura rural lusitana

promovido por Keil do Amaral.

Embora a ideia de uma "casa portuguesa" tenha surgido com Ricardo Severo, Raul Lino foi

o principal pesquisador sobre as características que pudessem dar sustentação aos

embates. A crítica ao "afrancesamento" da academia materializava-se em

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4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro

inúmeras discussões para a eleição da arquitetura nacional por excelência, que consistia

numa discussão sobre isto e isto.

No início do século XX, o receituário de Lino era copiado pela maior parte dos arquitetos

portugueses e consistia de x e x. Essa desconexão da prática arquitetônica com a técnica

do seu tempo resultou numa série de críticas por parte da geração que presenciava o

aparecimento de um novo fazer na arquitetura internacional. O grande protagonista dessas

críticas foi Fernando Távora, que em 1945 escreve o artigo "O Problema da Casa

Portuguesa" e desafia sua geração:

“Proteger o actual conceito da ‘Casa Portuguesa’ é legalizar a mentira, e a sociedade que

assim procede, em qualquer das suas formas activas, é uma sociedade falhada. ”

(Fernando Távora, O Problema da Casa Portuguesa, 1945)

Para Távora, da mesma forma que preconizou Lúcio Costa no Brasil, o estudo minucioso da

arquitetura tradicional, da casa popular livre da erudição, um estudo em Portugal forneceria

elementos que contribuiriam para um fazer moderno diferenciado, mais adaptado ao aquele

pais. Essas ideias influenciaram o que viria a se consolidar como a chamada "Escola do

Porto", que consagraria nomes como o de Álvaro Siza e Eduardo Souto de Moura. Essa

escola iria aliar o compromisso com a natureza, a ação do tempo histórico e a fidelidade ao

Movimento Moderno.

Desta forma torna-se possível apontar a influência brasileira nos rumos da arquitetura

portuguesa. A Escola do Porto passou por diversas reformas entre 1945 e 1960, de forma

que conseguiu um papel de protagonismo dentro do cenário lusitano.

A outra escola de arquitetura de Portugal ficava em Lisboa e estava intimamente vinculada

ao decorativismo advindo da França. Se podemos apontar o Távora como personagem

principal dessa transformação, não podemos nos esquecer que Carlos Ramos foi o grande

precursor e quem intensificou as reformas a partir de 1945 na Escola do Porto, pelo advento

de trocas entre os arquitetos dos dois países.

A importância da década de 1940 na troca de influência luso-brasileira

Vários eventos contribuem para a a troca de conhecimento entre o Brasil e Portugal.

Entre os anos de 1948 e 1949, ocorreu uma mostra da arquitetura moderna brasileira no

Instituto Superior Técnico, em Lisboa. O evento é amplamente divulgado pela revista

"Arquitectura", principal veículo de propagação do ideal moderno em Portugal. A revista

enfatiza ainda o caráter itinerante da mostra, salientando que um grupo de estudantes

finalistas da Faculdade Nacional de Arquitetura da Universidade do Brasil, acompanhados

pelo professor de Teoria da Arquitetura, Wladimir Alves de Sousa, ainda visitaria várias

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cidades europeias. Wladimir foi convidado para produzir um material para uma edição

especial da revista, fato que se concretiza em 1952, quando outra mostra da arquitetura

moderna brasileira é realizada em Lisboa, homenageando Lúcio Costa. A publicação

sintetizava o pensamento do III Congresso e fazia uma síntese histórica, chamando a

atenção para as técnicas portuguesas comunicadas à colônia e reajustadas no contato com

as sociedades autóctones. Ela ainda ressalta a importância de Lúcio Costa no arranque da

nova arquitetura, a presença de Le Corbusier no Brasil e a criatividade de Oscar Niemeyer.

O artigo conclui com um manifesto do autor com a insatisfação acerca do urbanismo

praticado até então no país ibérico.

É necessário destacar também que um dos principais organizadores do III Congresso é Keil

do Amaral, nome importante para o "Inquérito à Arquitectura Regional".

O maior destaque para o período foi, sem dúvida a revista publicada pelo MOMA, em Nova

Yorque, no ano de 1943, denominada “Brazil Builds: Architecture New and Old 1652 – 1942.

Foi este periódico quem possibilitou aos portugueses o conhecimento acerca da arquitetura

que se praticava no Brasil, naquele momento e incentivou a adesão de mais arquitetos

portugueses ao Movimento Moderno. Lúcio Costa, Burle Marx e Oscar Niemeyer foram os

destaques das 85 obras que a exposição trazia. Esse conhecimento abriu caminhos para a

troca de conhecimentos e culminou na série de eventos citados que faziam menção ou

homenageavam os arquitetos e a arquitetura brasileira.

Figura 8. Capa Brazil Builds

Disponível em: digitalcollections.nypl.org. Acesso 06 nov 2015.

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Sérgio Fernandez destaca alguns aspectos como o período de exceção consequente do regime

ditatorial de Salazar:

Salazar fecha-se em relação à Europa, mas não pode fechar-se em relação

ao Brasil, que é uma espécie de filho direto e que era uma espécie de joia

da coroa, até porque Salazar realmente era uma criatura muito retrógrada e

o Brasil era uma espécie de símbolo...

Sérgio Fernandez em: Contramão. Lúcio Costa e a Escola do Porto. Página

16 e17.

Sérgio Fernandez destaca a publicação sobre a arquitetura moderna e sua influência em

Portugal:

O Brazil Builds foi de fato uma publicação que fez grande sucesso em

Portugal e, Portugal nessa altura estava muito limitado por causa do regime.

Quando aparece esse livro Brazil Builds, tanto quanto eu sei, de fato foi sim

um sucesso e era chamado a nossa cartilha, os arquitetos que lutavam por

uma arquitetura moderna em Portugal, aquilo era considerado a nossa

cartilha, era um livro que se consultava, não digo que era um livro de

receitas, mas um livro de referências absolutamente importante.

Sérgio Fernandez em: Contramão. Lúcio Costa e a Escola do Porto. Página

16 e17.

Sobre o advento do Modernismo Álvaro Siza destaca o seu ensino na Escola do Porto:

Eh, os modernos eram o Le Corbusier. Quando eu entrei como estudante

era o Le Corbusier e nessa altura exatamente apareceu o Brasil, teve um

sucesso incrível. E depois a posse de um novo diretor que era o Carlos

Ramos, foi então o Bauhaus, a introdução dos princípios do Bauhaus, era

um apaixonado bauhasiano e mais tarde, Alvar Aalto e depois terminada a

guerra, passado algum tempo, começam a entrar então revistas italianas e

o neorealismo, revistas inglesas, inclusive uma revista japonesa...Mas há

realmente uma altura em que a passagem do Le Corbusier para América do

Sul e particularmente para o Brasil, até pela afinidade que a língua, cultura

etc. O Brasil e quando aparece o Brasil Builds é como que uma síntese que

praticava facilmente desse novo espírito."

Álvaro Siza em: Contramão. Lúcio Costa e a Escola do Porto. Página 92.

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E confirma a assertiva de Fernandez sobre a influência do Brazil Buildings em Portugal:

O professor Sérgio Fernandez chega a mencionar o “Brazil Builds” até como

uma espécie de pequena cartilha, que durante o período, os estudantes...

Siza) Sim,sim,sim ...

Álvaro Siza em: Contramão. Lúcio Costa e a Escola do Porto. Página 93.

Já Teotónio Pereira em Tempo depondo no livro Cidade e Arquitetura, reforça a importância

da publicação:

Normalmente, os livros e revistas que nós recebíamos com arquitectura

moderna não ligavam nenhuma às arquitecturas do passado. Eram

realidades opostas. Brazil Builds desmente isso: na mesma publicação, na

mesma exposição do MoMA, aparecem essas duas realidades. Isso foi de

facto uma surpresa e mostrou que o que é importante em arquitectura é a

autenticidade, a consonância com o tempo.

Teotónio Pereira em: Tempo, Cidade e Arquitetura, 2007, Página 150.

Analisando esses depoimentos, podemos perceber a importância da documentação em

arquitetura para a divulgação internacional da produção moderna brasileira. A chegada de

exemplares das obras, sobretudo do MESP, vai avultar a Escola do Porto. Também é

necessário salientar que a Pampulha teve interesse especial de Teotónio Pereira, tanto que

ele enviou uma carta para o Niemeyer solicitando algumas plantas e o trabalho de Oscar

comoveu o Siza a ponto de ele afirmar que:

O Niemeyer influenciou-nos a um ponto tal que mudamos a maneira de

desenhar e o estilo de apresentação na Escola de Belas Artes do Porto: os

pilares eram pontos nos desenhos da época. Depois aparece o Távora com

o Brazil Builds. Por isso fui a Ouro Preto e a Mariana, uma parte do Brasil

que não conhecia. E, em Belo Horizonte, vi obras do Niemeyer e,

evidentemente, a Pampulha.

Álvaro Siza em: Tempo, Cidade e Arquitetura, 2007, Página 164.

Confirmando a nossa teoria da sincronicidade de pensamentos e debates acerca da tradição

e do moderno no Brasil e em Portugal, Victor Palla em artigo já mencionado, “Lugar da

Tradição”, louva o trabalho no Hotel de Ouro Preto, de Niemeyer, presente na Brazil Builds.

Ironicamente, para que a arquitetura moderna brasileira chegasse em Portugal, foi preciso

do intermédio norte americano do MOMA.

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Abrindo-se dessa forma para o Brasil, os portugueses vão observar na forma de

documentação e reflexão de Lúcio Costa o modelo ideal para a realização do que viria a ser

o maior evento de arquitetura lusitana até os dias de hoje: O Inquérito da Arquitetura

Popular.

O Inquérito da Arquitetura Popular

Após a divulgação da Brazil Builds e com as reformas da Escola do Porto com a criação das

cadeiras de Urbanologia e outra de Projectos e Obras de Urbanização, sob a direção de

Carlos Ramos houve solicitações para que Lucio Costa apresentasse o seu trabalho em

Portugal.

Lá ele proferiu uma série de palestras sobre a arquitetura vernacular. O conhecimento do

arquiteto brasileiro era tamanho que os participantes ficaram fascinados com a facilidade

que ele tinha para localizar vilarejos nas visitas orientadas, prática associada às palestras,

que os próprios portugueses desconheciam.

Como uma resposta ao artigo de Lúcio “Documentação Necessária”, Keil do Amaral lança

as bases para o inquérito através do artigo de 1947 denominado “Uma Iniciativa

Necessária”.

Não é a nossa intenção discorrer sobre esse importante evento da arquitetura portuguesa,

que durou muitos anos e foi publicado em 1961.

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Figura 9. Capa do Livro “Arquitetura Popular em Portugal 1ª Ed.”, resultado do Inquérito da

Arquitetura Popular.

Disponível em: http://linhaderumo.blogspot.com.br/. Acesso em 06 nov 2015.

Considerações finais

Constatamos porem a importância da documentação em arquitetura e urbanismo.

Visto um edifício se transforma numa identidade de seu tempo, através da demonstração da

técnica de período em que foi construído, das aspirações das pessoas que realizaram a

obra e da sua transformação no espaço e no tempo, o mesmo ocorre em relação ao seu

registro.

A documentação em catálogos, revistas e quaisquer outros meios possibilita o

conhecimento e a troca de informação entre pessoas diversas. Isso tornou-se evidente no

exemplo demonstrado, pois Brasil e Portugal possuíam uma sincronicidade de

pensamentos, passavam por anseios semelhantes, porem o país que melhor reagiu aos

desafios impostos pelas condições foi o Brasil. Notoriamente o Brasil, conseguiu influenciar

a sua antiga metrópole, de forma que ela assimilou as nossas soluções e seguiu o seu

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caminho evolutivo, seguindo outras influências e conhecimento para a realização das

reformas na sua prática arquitetônica moderna, sobretudo no que concerne à tradição.

Consideramos que a prática que possibilitou esse protagonismo brasileiro foi, sem dúvida, a

inquietude de Lúcio Costa para com as origens da arquitetura brasileira, investigadas em

viagens e levadas à reflexão através da documentação.

Terminar confirmando a sua importância para o pais e para Portugal e que Lucio Costa foi

um homem além do seu tempo

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