A arrábida no Bronze Final: a Paisagem e o Homem (SOARES, R., 2013)

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A ARRÁBIDA NO BRONZE FINAL A PAISAGEM E O HOMEM Mestrado em Arqueologia Ricardo Miguel Simão Soares 2012 Universidade de Lisboa Faculdade de Letras Departamento de História

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RESUMO: Análise de questões relacionadas com as estratégias de povoamento das comunidades que habitaram o(s) território(s) da Serra da Arrábida no decorrer do “Bronze Final”. A investigação focou-se nas áreas da Serra da Arrábida e da Serra do Risco, estendendo-se, para poente, até às serras dos Pinheirinhos e da Azóia, na plataforma do Cabo Espichel, e, para nascente, até à “Pré-Arrábida”, dominante sobre a foz do Sado. PALAVRAS-CHAVE: Arrábida, Sado, Paisagens, Presença Humana, Bronze Final, a Vida e o Sagrado, Santuários Naturais, Navegações, Sal. ABSTRACT: The object of this work is to analyse some issues regarding the settlement strategies of the communities that once inhabited the territory(-ies) of Serra da Arrábida (Setúbal/Sesimbra, Portugal) during the period in History conventionally called the “Late Bronze Age”. The research work focused on two main areas – Serra da Arrábida and Serra do Risco – but it also extended to the west, covering the areas of Pinh

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A ARRÁBIDA

NO BRONZE FINAL

A PAISAGEM E O HOMEM

Mestrado em Arqueologia

Ricardo Miguel Simão Soares

2012

Universidade de Lisboa

Faculdade de Letras

Departamento de História

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A ARRÁBIDA

NO BRONZE FINAL

A PAISAGEM E O HOMEM

Ricardo Miguel Simão Soares

(Aluno N.º 35052)

Dissertação de Mestrado em Arqueologia

apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa

sob a orientação do Professor Doutor João Carlos de Senna-Martinez

Lisboa, Fevereiro de 2012

Universidade de Lisboa

Faculdade de Letras

Departamento de História

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A presente dissertação não foi redigida ao abrigo do Acordo Ortográfico de 2009

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No princípio era só o Verbo. A força criativa da Natureza espraiou-se naquelas paragens e do

barro da Terra elevou-se vaidosa, numa erupção de beleza sem igual. Depois veio o Homem,

comungando do cenário edílico que a Mãe lhe propôs...

Pela Arrábida

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Resumo Muito genericamente, o presente trabalho pretende produzir uma análise de questões relacionadas com as

estratégias de povoamento das comunidades que habitaram o(s) território(s) da Serra da Arrábida no decorrer do

período histórico convencionalmente denominado de “Bronze Final”. A investigação focou-se nas áreas da Serra

da Arrábida e da Serra do Risco, estendendo-se, para poente, até às serras dos Pinheirinhos e da Azóia, na

plataforma do Cabo Espichel, e, para nascente, até à “Pré-Arrábida”, dominante sobre a foz do Sado. Para o

efeito, a Arrábida (Península de Setúbal) foi entendida como um território definido e circunscrito, a norte, pelo

Tejo, a sul, pelo Sado, e, a oeste, pelo Oceano; um território de charneira entre o Atlântico e o Mediterrâneo,

entre o Norte e o Sul, entre o litoral e o interior; um excepcional ponto de convergência de linhas naturais de

transitabilidade (terrestres, fluviais e marítimas) – um conjunto de particularidades geográficas que, associadas

às suas excelentes condições naturais de defesa, acessibilidade e abrigo de costa, à disponibilidade dos seus

recursos hídricos, marinhos e cinegéticos, além da fertilidade dos seus vales, proporcionaram um edénico

quadro, em termos de fixação humana, e ao longo da história, particularmente no decurso do Bronze Final. Isto,

sem contar com a dimensão estética das paisagens da Arrábida, aspecto que talvez não tenha sido indiferente às

comunidades que, em épocas antigas por aqui se instalaram. Posto isto, impôs-se estabelecer um “ponto da

situação”, a partir da bibliografia produzida até à data, reconhecendo e coligindo os parcos dados disponíveis e

apresentando uma resenha histórica da investigação que lhes subjaz. Para um melhor entendimento do período

em causa, e complementarmente, procedeu-se, de forma genérica, a um esboço da sua génese e evolução no

âmbito da bibliografia arqueológica europeia, destacando-se as principais questões de ordem teórica e

metodológica. Neste seguimento, face à escassez de dados regionais, foi inevitável procurar eventuais paralelos

e/ou avaliar as diferenças relativamente a modelos de ocupação traçados para outras áreas, com particular

atenção para o Sudoeste Peninsular. Tratando-se de um tema muito pouco estudado, mas onde já afloravam

contextos arqueológicos particularmente sugestivos (o monumento funerário da Roça do Casal do Meio, o

povoado do Castelo dos Mouros e algumas grutas), entendeu-se pois oportuno avançar com um trabalho de

síntese, complementado pelas novidades emergentes das cartas arqueológicas de Sesimbra (2007-2009) e de

Setúbal (em curso desde 2010), projectos integrados pelo signatário, na qualidade de arqueólogo, espeleólogo e

fotógrafo, e que têm permitido ampliar significativamente a base de dados relativa a algumas facetas da questão.

A hora ainda não nos permite obter uma perspectiva, sincrónica e de “curta duração”, do povoamento na

Arrábida ao longo do 2.º e 1.º milénios a.C. Ainda assim, facto é que a Arrábida afigura-se hoje como um

interessante “iceberg de Bronze”, do qual se pode descortinar uma florescente e vigorosa cota emersa no

horizonte cultural da última fase da Idade do Bronze do Sul da Estremadura. A avaliação global dos dados

disponíveis, acerca do povoamento e sobre o território, sugere, por um lado, uma forte articulação com as vias

de comunicação marítimas e fluviais e, por outro, a possibilidade de estarmos perante uma unidade política

coerente num território específico e individualizado.

Palavras-chave: Arrábida, Sado, Paisagens, Presença Humana, Bronze Final, a Vida e o Sagrado, Santuários

Naturais, Navegações, Sal.

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Abstract The object of this work is to analyse some issues regarding the settlement strategies of the communities that

once inhabited the territory(-ies) of Serra da Arrábida (Setúbal/Sesimbra, Portugal) during the period in History

conventionally called the “Late Bronze Age”. The research work focused on two main areas – Serra da

Arrábida and Serra do Risco – but it also extended to the west, covering the areas of Pinheirinhos and Azóia

(both elevations located on the plateau of Cabo Espichel), and to the east, covering what is called the “Pre-

Arrábida”, overhanging the mouth of river Sado. For the purpose of this work, Arrábida (on the Portuguese

peninsula of Setúbal) comprises a well-defined territory, limited to the north by the river Tagus, to the south by

the river Sado and to the west by the Atlantic ocean; a strategically placed territory, a frontier between the

Atlantic and the Mediterranean, North and South, coastline and inland; an exceptional location where all natural

routes converge (land, river and sea). This incredible set of geographical peculiarities, in association with

excellent natural means of defence, accessibility and shelter, the abundance of water, fishing and game

resources, as well as the fertility of the valleys, constituted a perfect setting for human settlement throughout

history, and must have been particularly appealing during the Late Bronze Age. An additional aspect that

perhaps did not escape the attention of the communities that chose to settle down in Arrábida in ancient times is

the great beauty of this magnificent landscape. In light of all this, it was imperative to establish a “state of the

art”, based on the bibliography and data available, in order to collect and acknowledge the scarce information, as

well as to make an historical summary of the research work involved. To give a better understanding of that

period, this work includes a generic and complementary summary of its genesis and evolution in the scope of

European archaeological bibliography, highlighting the main theoretical and methodological issues. Next, and

given the scarcity of regional data, it was inevitable to look for possible parallels and/or to evaluate the

differences regarding settlement models already established for other areas, particularly for the Southwest of the

Iberian Peninsula. Although this subject has not been the object of many studies, several very suggestive

archaeological sites have come up, namely, the funerary monument of Roça do Casal do Meio, the settlement at

Castelo dos Mouros, and some caves). Therefore, it seemed appropriate to present a summary of these sites,

while at the same time complementing it with new data uncovered during the field work done for the

archaeological surveys of Sesimbra (2007-2009) and Setúbal (in progress since 2010), two projects that

contributed to increase quite significantly the existing database regarding some of the issues in discussion and in

which the author participated as archaeologist, speleologist and photographer. For the time being, it is still not

possible to have a synchronic short-term perspective of the settlement in Arrábida throughout the 2nd and 1st

millenniums BC. Nevertheless, Arrábida is seen today as an interesting “Bronze iceberg”, a place that holds

tremendous promise, because beneath its waterline there seems to be a strong and flourishing source of material

which will enrich the cultural horizon of the final period of the Bronze Age. The overall data assessment

regarding settlement and territory suggests a strong articulation with communication routes along watercourses

or sea, as well as the possible existence of a coherent political unit within a specified and contained territory.

Key words: Arrábida, Sado, Landscapes, Human presence, Late Bronze Age, Life and Sacred, Natural

Sanctuaries, Navigation, Salt.

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Agradecimentos O presente trabalho não seria possível, quer na sua realização e resultado final, quer na sua original

motivação, sem o diversificado contributo de tantas pessoas que tive a satisfação de encontrar, sobretudo nos

últimos anos. A todas o dedico e a todas agradeço o apoio, inspiração e aspiração.

Destaco, desde logo, o Professor Doutor João Carlos de Senna-Martinez, por ter aceitado orientar este

trabalho, acompanhando-o com dedicado zelo, disponibilidade, competência, entusiasmo e amizade académica.

Um reconhecimento muito especial ao Professor Doutor Manuel Calado. Natural de um Alentejo sem

fronteiras que se espraiou na Arrábida, vinculou-me em definitivo à minha Serra, à sombra da qual nasci como

gente e arqueólogo. Um Mestre e amigo sempre presente, que me apresentou à Arqueologia na Faculdade de

Letras de Lisboa, conduzindo-me nas prospecções da Arrábida, na aventura da escavação da Lapa da Cova, entre

outras. Obrigado, sempre!

A todos os Professores que tive o privilégio de seguir ao longo da Licenciatura e Mestrado na

Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. É bom aprender convosco. Um agradecimento especial ao

Professor Doutor Amílcar Guerra pela simpática tradução de Plínio – “o sal da vida”.

Aos colegas com que partilhei, ao longo destes últimos cinco anos, tantos momentos de aprendizagem e

descontracção, em especial aqueles com que me liguei para a vida por via da amizade. Em especial o amigo

Miguel Amigo, colega de carteira e fiel companheiro das lides arrábidas, o Sérgio Rosa, por toda a amizade e

apoio, particularmente no tratamento digital de topografias, o Luís Cunha, pelo exemplar espírito aventureiro.

À fantástica equipa de “espeleo-arqueólogos” da Arrábida, muito em particular ao Rui Francisco (Loia)

e ao Ricardo Mendes, incansáveis guerreiros do submundo cavernícola sem os quais este trabalho não seria de

todo possível. “A Arrábida revela-se a quem a merece”. Parabéns amigos!

Ao Professor Doutor Luís Jorge Gonçalves, pela amizade, apoio e hospitalidade na Faculdade de Belas

Artes de Lisboa e nos projectos da Arrábida; ao grande Rui Mataloto, pela disponibilidade e pelas incontáveis

conversas e PDF’s; ao “arqueo-arquitecto” Pedro Alvim, obrigado pela amizade e exemplo académico; ao Pipão

(e Vera de Freitas), prosseguidor do pioneirismo de Estácio da Veiga nos territórios do “Bronze Algarvio”; à

Maria do Rosário Silva, pela longa amizade e apoio, especialmente nas profissionais traduções.

Será também justo recordar o excelente acolhimento no Museu Geológico (“o Museu dos museus”),

particularmente na pessoa do José António Moita, pela hospitalidade, boa disposição e apoio no registo

fotográfico dos materiais cerâmicos da Roça do Casal do Meio; e Centro de Documentação e Arquivo Histórico

do Museu de Portimão, por tantas horas de fruição daquele aprazível espaço e do seu útil acervo bibliográfico.

Também quero agradecer a todos os autores cujo trabalho citei ao longo do presente texto, pelo que

aprendi e pelas reflexões necessariamente produzidas a partir das suas obras.

À Fertagus e à CP, pela embalagem de incontáveis horas de estudo pelos carris do nosso Portugal; a

todos os javalis, esses improváveis aliados da arqueologia de prospecção da Arrábida, pelos seus preciosos

trilhos e clareiras que nos permitiram inesperadas janelas sobre o Passado.

Em especial à Sara Navarro, por tudo o que é e significa para mim! Um obrigado muito pessoal pelo

espírito crítico, pela valorização estética e pela liberdade de novas visões, perspectivas e horizontes – a Arte e a

Arqueologia, o barro e a forja, a terra e o fogo.

À minha irmã Cátia. Concretização e sucesso nos teus objectivos académicos, conta comigo!

Por fim, mas acima de todos, obrigado Mãe (Fernanda & Fernando).

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Índice

Resumo/Abstract Agradecimentos

1. Notas introdutórias: motivações, objectivos e metodologias 7 2. A Serra da Arrábida: Geografia e Paisagem 17

3. Episódios da investigação arqueológica regional 22 4. A Idade do Bronze Peninsular: evolução dos conceitos e periodização 28

5. O Bronze Final: indígenas, visitantes e colonos 34 6. O Bronze Final na região da Serra da Arrábida: a vida, a morte... e as paisagens 46

6.1. Os sítios de habitat 50 6.1.1. Povoado aberto das Terras do Risco – base agro-pastoril 50 6.1.2. Povoado de altura do Castelo dos Mouros – povoado central (?) 54 6.1.3. Povoado de altura da Serra da Cela – povoado portuário (?) 56 6.1.4. Povoado de cumeada de Valongo – “atalaia” 59 6.1.5. Quinta do Picheleiro – casal agrícola 61 6.1.6. Bico dos Agulhões – “atalaia” (?) 62 6.1.7. Caetobriga (Setúbal) 64

6.2. As necrópoles e os “santuários naturais” 67 6.2.1. Monumento funerário da Roça do Casal do Meio 71 6.2.2. A Lapa do Fumo e os “ornatos brunidos” – “gruta-santuário” (?) 78 6.2.3. Lapa da Furada – “gruta-santuário” (?) 82 6.2.4. Gruta do Médico – necrópole (?), “gruta-santuário” (?) 86 6.2.5. Lapa da Cova – “gruta-santuário” 88 6.2.6. A Fenda – “santuário natural” (?) 93 6.2.7. Outras cavidades 94

6.3. Cultura material 96 6.4. A rede de povoamento: sincronias (?), hierarquia (?) e inter-relações 101 6.5. Recursos, vias e circulação: algumas questões e a “rota do sal” 106 6.6. Transição Bronze Final/Idade do Ferro: os novos dados 115

7. A Arrábida: entre o Tejo e o Sado, entre Atlântico e o Mediterrâneo, entre o litoral e o interior 120

7.1. Navegando em “Mares de Bronze” – o “síndrome do marinheiro” 120 7.2. O Sado e o “Porto(inho)” da Arrábida 134

8. Bibliografia

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1. Notas introdutórias: motivações, objectivos e metodologias

“Um lugar tem de se tornar uma paisagem interior para que a imaginação comece a habitar esse lugar e fazer dele o seu teatro”.

Ítalo Calvino

“Archaeologists have argued recently that the formation of the landscape, as a sweep of land featuring meaningful places, is brought about by the accumulation of markers of human activity, including monuments, which are in a sense the repositories of shared memories”.

Renfrew, 2006

“A existência é aleatória, não tem um padrão, salvo aquilo que imaginamos depois de a contemplarmos durante demasiado tempo.

Sem significado, salvo aquele que escolhemos impor”. Rorschach in Watchmen (DC Comics)

O presente trabalho pretende contribuir para a construção de um modelo para as

estratégias de povoamento das comunidades que habitaram o(s) território(s) da região da

Arrábida no decorrer do período histórico convencionalmente chamado de “Bronze Final”

(lato senso). A investigação foca-se nas áreas da Serra da Arrábida (Setúbal), propriamente

dita, e da Serra do Risco (Sesimbra), estendendo-se até às serras dos Pinheirinhos e da Azóia

(Sesimbra), na plataforma de abrasão do Cabo Espichel. Para o efeito, impôs-se como

necessário estabelecer um “ponto da situação” na investigação arqueológica regional,

coligindo os dados disponíveis, produzindo uma resenha histórica da respectiva investigação,

além de uma preliminar exposição dos novos dados emergentes das Cartas Arqueológicas de

Sesimbra e de Setúbal. Em boa verdade, trata-se de um trabalho inédito – a área em causa

nunca foi objecto de um trabalho de síntese específico, no que respeita à sua ocupação nos

últimos momentos da Idade do Bronze.

A investigação desenvolveu-se, em grande parte, a partir de experiências, reflexões e

interpretações paisagísticas, acerca da implantação, funcionalidade e inter-relação dos

contextos tratados; passando por uma análise descritiva dos sítios e dos vestígios artefactuais

e estruturais de superfície, na sua maioria identificados na sequência de recentes projectos de

investigação sistemática integrados pelo signatário. Destacam-se as prospecções

arqueológicas e espeleológicas realizadas no âmbito da nova Carta Arqueológica do concelho

de Sesimbra, entre 2007 e 2009 (Calado et al., 2009); prospecções espeleológicas de

levantamento e caracterização nas quais o autor tem participado, desde 2008, na qualidade de

espeleólogo/arqueólogo (LPN-CEAE – Centro de Estudos e Actividades Especiais da Liga

para a Protecção da Natureza); prospecções “arqueoespeleológicas” no âmbito da Carta

Arqueológica da Arrábida – Setúbal, em curso desde 2010; além de outras prospecções

esporádicas de iniciativa pessoal.

Depois de apresentados os dados disponíveis para a área e período de estudo, foi

desenhado um polígono com vértices no grande povoado aberto das Terras do Risco (vale

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adjacente da encosta norte da Serra do Risco); no povoado de altura do Castelo dos Mouros

(vertente norte da Serra da Arrábida); no povoado de altura da Serra da Cela (vertente sul da

Serra da Arrábida/Portinho da Arrábida); no povoado de cumeada de Valongo (“topo” da

Serra da Arrábida); e no pequeno povoado/casal agrícola da Quinta do Picheleiro (cabeço a

norte de Valongo, depois do vale que os separa), considerando, ainda, outros sítios em fase de

caracterização (por exemplo o Bico dos Agulhões, entre a Serra do Risco e o Portinho) e

Caetobriga (Setúbal). Aos “vértices” de habitat, foram ligados outros pontos que remetem

para funções mágico-religiosas – as necrópoles e os “santuários naturais”/“grutas-santuário”:

o monumento funerário da Roça do Casal do Meio (Terras do Risco – necrópole), a Lapa do

Fumo (Serra dos Pinheirinhos – necrópole/“gruta-santuário”?), a Lapa da Furada (Serra da

Azóia – necrópole/“gruta-santuário”?), a Gruta do Médico (encosta meridional da Serra da

Arrábida/Portinho da Arrábida – necrópole/“gruta-santuário”?), a Lapa da Cova (vertente sul

da Serra do Risco – “gruta-santuário”) e a Fenda (Portinho da Arrábida – “santuário

natural”?).

Este esboço cartográfico pretendeu avaliar as presumíveis inter-relações de um grande

complexo populacional do Bronze Final, implantado estrategicamente numa paisagem

específica, desde sempre propícia à implantação humana. Assume-se, é claro, como um

exercício parcialmente especulativo, tendo em conta o facto de os dados de povoamento

disponíveis resultarem exclusivamente de recolhas de superfície, com carências em termos de

sincronias e diacronias. Recorde-se, aliás, que as únicas escavações realizadas em contextos

da Idade do Bronze da Arrábida se reportam a sítios de vocação sagrada/funerária (Roça do

Casal do Meio, Lapa do Fumo, Lapa da Furada e Lapa da Cova).

Também pareceu razoavelmente interessante vir a desenvolver a hipótese de dois

blocos paisagísticos diferenciados: a Arrábida central e ocidental (Serra da Arrábida, Serra do

Risco, serras dos Pinheirinhos e da Azóia), enquanto território preferencial para a Idade do

Bronze; e a “Pré-Arrábida” (Ribeiro, 2004), a oriente (Serra de São Luís, Serra do Louro e

Serra de São Francisco), como suporte preferencial para a implantação durante o Calcolítico.

Esta ideia foi provisoriamente aflorada no âmbito do Seminário proposto pelo autor na sua

Licenciatura em Arqueologia (FLUL) – Povoados Calcolíticos da Região da Arrábida

(Soares, 2009), ganhando substância com os recentes dados decorrentes das já referidas cartas

arqueológicas regionais.

Para um melhor entendimento deste período (Bronze Final), e complementarmente,

procedeu-se, de forma genérica, ao estudo da sua génese e evolução no âmbito da bibliografia

arqueológica europeia, destacando-se as principais questões de ordem teórica, metodológica e

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A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem

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cronológica. Neste seguimento, tratando-se de um território com algumas singularidades

regionais, onde escasseiam os dados sobre a Idade do Bronze, foi inevitável procurar

eventuais paralelos e/ou avaliar as diferenças relativamente a modelos de ocupação

conhecidos para outras regiões peninsulares. Assim, tornou-se necessário recorrer, entre

outros, a estudos de síntese regional, com particular atenção para a área do Sudoeste

Peninsular: Estremadura (Cardoso, 1998, 2000, 2004; Cardoso e Silva, 2004; Ferreira et al.,

1993; Silva e Soares, 1986, 2006; Soares, 2000a); Alentejo (Calado, 2001, 2005; Calado et

al., 1999, 2006, 2008; Mataloto, no prelo); Beiras (Senna-Martinez, 1993a, 2002, 2007, 2010,

2011; Senna-Martinez et al., 2011a, 2011b; Vilaça, 1995).

A grande parte dos dados tratados no presente estudo foi produzida a partir de

trabalhos de campo, em parte desenvolvidos pelo signatário ao abrigo dos já referidos

projectos de Carta Arqueológica. Além de diversas acções de prospecção, objectivando a

reavaliação e identificação (de novo) de sítios arqueológicos, procedeu-se à sua

georreferenciação (com recurso a GPS) e à recolha e/ou registo fotográfico, in loco, de

artefactos, estruturas e de aspectos relativos à sua implantação paisagística. Os dados de

campo foram precedidos, acompanhados e complementados por trabalhos de gabinete:

levantamento bibliográfico dos dados disponíveis; tratamento, descrição e registo de materiais

recolhidos; descrição, caracterização e interpretação de arqueossítios; produção de material

cartográfico: implantação dos sítios, a partir de coordenadas GPS, em extractos das Cartas

Militares de Portugal (1:25000 – folhas n.º 454, 464 e 465) e em imagens de fotografia aérea,

extraídas do Google Earth.

Os sítios foram alvo de descrição e caracterização, tendo em conta a história da sua

investigação, nos casos já publicados, e os novos dados. Foi dado particular enfoque à sua

implantação topográfica e respectiva envolvente paisagística: proximidade a recursos naturais

(acesso a água e a solos com potencial agrícola), proximidade e relação com vias de

transitabilidade regional e inter-regional e interrelação com outros povoados associáveis. No

que se refere à geologia de implantação, foi observada a composição e compactação dos solos

(bases arenosa, argilosa, rochosa), cruzada com a interpretação de eventuais fenómenos pós-

deposicionais/tafonómicos: dinamismo dos solos e remobilização de materiais por acção da

agricultura, do pastoreio, das raízes do coberto vegetal, das luras de roedores, da erosão e da

deposição/dejecção de detritos (por acção natural, animal ou humana). No caso das grutas,

estas foram caracterizadas e descritas com base em critérios espeleológicos e arqueológicos.

Importa aqui diferenciar as virtudes e as lacunas de duas abordagens distintas, mas

complementares, na investigação arqueológica: a prospecção e a escavação arqueológica. Nas

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últimas décadas, e um pouco por todo o mundo, incluindo Portugal, os trabalhos de

prospecção têm sentido um progressivo incremento, em parte devido a obrigações impostas

pela conjuntura legal relativa à protecção do património arqueológico e, sobretudo, por

transformações metodológicas e alteração dos próprios objectivos gerais da Arqueologia. Em

consequência deste exponencial aumento de acções de prospecção, verificou-se um proliferar

de novos arqueossítios e a consequente possibilidade de abordagem das respectivas questões

territoriais. A prospecção emancipou-se, assim, enquanto método independente e de direito

próprio, no âmbito da investigação arqueológica – “prospectar e cartografar em

arqueologia: Tijolos para um edifício em contínua construção” (Victor S. Gonçalves, 2001).

Desde logo, e numa conjuntura em que urge reter o máximo de informação de um

Passado cada vez mais ameaçado pelo irremediável avanço da pressão humana, a prospecção

tem vindo a revelar-se, justamente, como a mais proveitosa abordagem quando, numa

perspectiva patrimonial, se pretende prevenir os riscos e, numa perspectiva científica, se

pretende alcançar um conhecimento abrangente acerca da ocupação humana de uma

determinada região. Por outro lado, a prospecção permite identificar os sítios com maior

potencial informativo e que podem ser alvo de projectos de escavação, passando-se de uma

exploração superficial, horizontal e de largo espectro, para uma localizada e aprofundada

exploração vertical. Esta última permite, teoricamente, aferir a diacronia e as eventuais

sincronias dos complexos culturais regionais. Neste sentido, do ponto de vista da

rentabilidade científica e atendendo à carência de financiamentos para a investigação

arqueológica, a par da urgência face à galopante destruição dos contextos, a prospecção

deverá ser vista como prioritária, quando comparada com a escavação.

Num mundo perfeito de projectos sistemáticos e de longo prazo, dirigidos para uma

determinada região (raramente possíveis, infelizmente), as escavações deveriam constituir

uma ponderada etapa consequente à prospecção. Só então, depois de uma completa avaliação

de toda a informação produzida, esta impõe uma tradução, num discurso final onde a

sequência de ocupação de uma determinada região é partilhada com a comunidade científica e

com a comunidade em geral, em última análise os verdadeiros destinatários destas empresas.

Por muito que se pense conhecer um determinado território, o seu verdadeiro

entendimento provém de uma experiência cumulativa, de um permanente dialogo entre o

arqueólogo e a sua área de estudo. Por exemplo, as condições de visibilidade dos solos

alternam sazonalmente ao longo do ano e variam indeterminadamente ao longo dos anos: os

terrenos lavrados, além de limpos de vegetação, são revolvidos, expondo eventuais vestígios

arqueológicos; as áreas afectadas por incêndios, depois de “lavadas” pelas chuvas, também

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facilitam a actuação do prospector; os terrenos perturbados pela acção dos javalis são

fossados ao ponto de permitirem uma excepcional progressão na vegetação densa e a

prospectabilidade em novas clareiras. Assim, enquanto a abordagem por escavação constitui

uma acção única, destrutiva e irrepetível, impondo, por isso, um completo e atento registo,

como exclusivo documento para reinterpretações futuras (a par da reserva de testemunhos); já

a prospecção pressupõe uma tarefa “interminável”, sempre em aberto e incompleta, em

constante actualização.

Posto isto, e para o presente trabalho, optou-se pela seguinte escalonamento

metodológico:

1.ª Fase – levantamento bibliográfico de referências, directas e indirectas; registo de

testemunhos orais acerca da região, a partir de uma população com potencial informativo:

pastores, agricultores, caçadores, guardas da natureza, enfim... gentes da terra; análise

cartográfica (militar, corográfica, geológica, hidrográfica, capacidade dos solos, etc.),

toponímica e de fotografia aérea/satélite, associada aos dados arqueológicos disponíveis,

obtidos no levantamento bibliográfico; definição de áreas prioritárias e com maior potencial

arqueológico e de prospectabilidade, gizando-se a estratégia de abordagem ao terreno e uma

calendarização de áreas alvo.

2.ª Fase – prospecções preliminares, em unidades naturais/geográficas (geológicas,

geomorfológicas e topográficas) e culturais (Idade do Bronze/1.ª Idade do Ferro), com

prioridade à relocalização e visita dos arqueossítios já conhecidos e de eventuais locais

sugeridos pela toponímia e pelos testemunhos orais da população, procedendo-se à sua

georeferenciação (GPS) e respectivo registo fotográfico. Além da reavaliação dos dados

conhecidos, este exercício teve como objectivo uma definição, in loco, de novos alvos,

“empírica” e a partir da paisagem (micro-relevos, particularidades geológicas, vegetação,

grau de legibilidade do terreno), actualizando-se a agenda de prospecção.

3.ª Fase – na sequência das anteriores fases, partiu-se finalmente à descoberta. Nesta

fase foi posta em prática a estratégia de prospecção selectiva anteriormente definida e que

sofreu, naturalmente, ajustamentos determinados pela experiência e condicionantes no

terreno. Um arqueólogo prospector, além de “cientista”, é um “homem”, com intuição própria

e sensibilidade empírica, o que em muitos casos se revela como uma excelente ferramenta de

descoberta. Os vestígios arqueológicos identificados foram dando entrada no caderno de

campo com uma descrição sumária, sendo as respectivas coordenadas obtidas com GPS

implantadas na cartografia ortogonal militar (UTM, Datum de Lisboa) e na fotografia aérea

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A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem

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(Google Earth). Foi ainda realizado um registo fotográfico dos vestígios (informativo e

“artístico”), tendo em conta a sua implantação e relação com a paisagem.

Paralelamente aos trabalhos de campo, foram realizados os correspondentes trabalhos

de gabinete, que consistiram em tarefas diversas como a lavagem, marcação, colagem,

desenho, fotografia e descrição de materiais recolhidos pela sua excepcionalidade. Não se

tratando o presente trabalho de um estudo artefactual, mas sim, e sobretudo, de uma análise

da relação do Homem com a Paisagem, os materiais tidos como pertinentes, pela sua

singularidade ou potencial informativo, foram apenas apresentados em registo fotográfico.

Esta abordagem não pretendeu substituir, de forma alguma, o desenho, tratando-se de uma

opção meramente prática e que não descorou, dentro do possível, a representação da

informação relativa às formas e particularidades dos materiais. Toda a informação coligida

(descrições de artefactos e de sítios e as correspondes coordenadas e fotografias) deu entrada

numa base de dados criada para o efeito. Os novos sítios foram designados de acordo com o

topónimo mais próximo na respectiva folha da Carta Militar 1:25000, ou, sempre que

possível, optou-se pelo microtopónimo adquirido a partir da informação oral.

As propostas cronológicas foram aferidas em função de uma avaliação global dos

achados de superfície (artefactos e/ou estruturas), tendo em conta variáveis como a extensão,

distribuição e intensidade de ocorrência dos vestígios, o tipo de implantação, os contextos

arqueológicos vizinhos, as geoestratégias, etc.

Para os sítios calcolíticos, foram tidos em conta “fósseis directores” como a cerâmica

manual de bordos espessados, o barro de cabanas, os pesos de tear (crescentes e placas), etc.

Na ausência destes, e para a Idade do Bronze/Bronze Final, foram considerados outros

artefactos: cerâmica de ornatos brunidos, cepillados, mamilos alongados, perfis em “S”,

carenas de ombro e fundos planos. Foram considerados, igualmente, aspectos da cultura

material, como sejam o elevado número de fragmentos face ao número de bordos (indicando

uma predominância de formas fechadas), ou a escassez relativa de materiais líticos, além da

própria implantação e tipologia dos povoados e a proximidade de outros contextos

comprovadamente referentes à Idade do Bronze. Para a Idade do Ferro: a cerâmica a torno, os

bordos exvertidos, as asas de rolo, as plantas ortogonais dos edifícios, etc. Para os sítios

referidos na bibliografia, e sempre que os elementos recolhidos não permitiram estabelecer

novas classificações, foram respeitadas as cronologias propostas pelos respectivos autores. O

povoado da Serra da Cela, por exemplo, foi reclassificado tendo em conta o observado in

loco, merecendo, assim, um novo enquadramento cronológico – Bronze Final.

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A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem

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Também o estudo circunstanciado dos artefactos registados, que não coube no âmbito

deste trabalho por razões logísticas e de objectivos, virá, seguramente, em eventuais trabalhos

ulteriores, permitir uma maior precisão cronológica e uma melhor compreensão das

realidades arqueológicas identificadas.

A classificação tipológica dos sítios implicou, tal como no caso da cronologia, o

cruzamento de diversos dados, tendo o resultado oscilado entre classificações muito abertas,

como “achado avulso”, e outras mais precisas, como “povoado”. Também foi feita referência

ao tipo de protecção legal conferida aos sítios/monumentos, quando aplicável (um caso único

– monumento funerário da Roça do Casal do Meio). Todos os casos em que subsistiram

dúvidas acerca da classificação tipológica, funcional e cronológica dos achados e dos sítios, a

incerteza foi assinalada com uma interrogação “(?)”.

Na última fase das prospecções entendeu-se necessário revisitar determinados sítios,

de modo a, à luz de uma visão mais actualizada e global da região, efectuar uma revisão e

tomar decisões interpretativas melhor escoradas.

4.ª Fase – dando por terminados os trabalhos de campo, tendo em conta os prazos pré-

determinados (na verdade, a informação de campo é inesgotável), todos os dados coligidos e

sistematizados foram interpretados e traduzidos num discurso científico normalizado,

complementado por uma narrativa coerente, validada, sempre que possível, por apropriadas

referências bibliográficas.

No que diz respeito aos achados referenciados, e no contexto do presente trabalho,

foram considerados os artefactos, as estruturas e os ecofactos. Entende-se por artefacto

qualquer objecto móvel que apresente determinadas características físicas que pressuponham

uma produção humana. Aqui também são incluídos os vestígios resultantes dessa produção

(restos de actividade). Por seu turno, as estruturas, ou vestígios imóveis, podem ser positivas

ou negativas, estas últimas dificilmente detectáveis e caracterizáveis sem escavação. Por fim,

os ecofactos são os materiais orgânicos (vestígios antropológicos, faunísticos, vegetais e

bolsas de solo antropogénico), interessando sobretudo, para o presente estudo, os

remanescentes antropológicos (ossos e dentes) e o material malacológico, pelo facto de serem

de fácil detecção em prospecção, particularmente em contextos de habitat e de gruta, e por se

revelarem como um indicador directo para práticas alimentares.

A descoberta de um sítio arqueológico, e a sua consequente classificação funcional,

dependem da percepção arqueológica conferida aos vestígios identificados durante as

prospecções. Claro que essa percepção é parcialmente subjectiva, dependendo das decisões

tomadas pelo arqueólogo de serviço, manifestando-se no grau de representação arqueológica

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A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem

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atribuída aos vestígios identificados. Na evolução do presente trabalho, serão tratados três

tipos genéricos de sítios arqueológicos: os sítios de habitat, as necrópoles e os “santuários

naturais”/“grutas-santuário”.

Assim, no caso dos sítios de habitat, estes são entendidos como lugares de dimensão

variável, nos quais grupos humanos se detiveram, durante um determinado período de tempo,

legando-nos vestígios físicos, móveis (artefactos e ecofactos) ou imóveis (estruturas),

testemunhando as suas actividades tecno-económicas, sociais e mágico-religiosas (Vilaça,

1995, p. 42). Nestes incluem-se os povoados abertos, os povoados de altura, os povoados de

cumeada e os abrigos. O povoado aberto “corresponde a sítios de habitat implantados em

áreas pouco declivosas, logo sem defensabilidade natural, e geralmente em solos com

elevado potencial agrícola relativo” (Calado, 2004, p. 36). Aqui são incluídos o povoado

aberto das Terras do Risco e o pequeno povoado da Quinta do Picheleiro. Quanto aos

povoados de altura, “foram assim classificados os sítios implantados em locais com evidente

defensabilidade natural, no topo de colinas ou de esporões. Muitos deles podem encerrar

estruturas de tipo defensivo (…), outros, mesmo sem terem sido escavados, são fortemente

suspeitos de encerrarem sistemas defensivos, atendendo à existência, mais ou menos

explícita, de evidências microtopográficas” (ob. cit., p. 37). São aqui incluídos os povoados

do Castelo do Mouros e da Serra da Cela. Mais acima, relativamente aos povoados de altura,

implantam-se os povoados de cumeada, no topo dos complexos orográficos – o povoado

“atalaia” de Valongo.

No que às “necrópoles” diz respeito, estão em causa sítios onde grupos humanos

sepultaram e cultuaram os seus mortos ao longo de um determinado período cronológico,

sendo identificáveis por vestígios osteológicos e artefactuais, de carácter votivo, remetendo-

nos para actividades espirituais. Distinguem-se, aqui, os sítios funerários

construídos/edificados (Roça do Casal do Meio), dos sítios funerários naturais – as grutas. No

entanto, a total ausência de vestígios osteológicos num determinado sítio não deve excluir

liminarmente a sua utilização enquanto necrópole, pelo menos num determinado momento.

Há que admitir, teoricamente, opções de culto fúnebre como a incineração ou a remobilização

dos restos para contextos secundários, nomeadamente aquáticos – lançados aos rios ou ao mar

– situações dificilmente detectáveis mesmo em escavação.

Importa também deixar claro o que se entende por “santuários naturais” e “grutas-

santuário”, denominações que vão surgir amiúde mencionadas ao longo do texto e que

correspondem a monumentos naturais, ou geomonumentos, susceptíveis de actividade

humana. Genericamente, estão em causa formações ou acidentes geológicos invulgares,

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A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem

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excepcionais ou exuberantes na paisagem e que, de forma directa ou indirecta, comprovada

ou não, poderão ter tido algum tipo de exploração ritual. Exemplos: afloramentos, cavidades,

sumidouros, falhas, fendas, elevações destacadas e formações sugestivas (Calado, 2004, p.

39). Fazendo zoom no espaço arrábido, e assumindo a importância de certos detalhes

paisagísticos para a ancoragem física dos comportamentos simbólicos, tornou-se possível

destacar alguns monumentos naturais que, por hipótese, tiveram algum papel na organização

do espaço ao longo da Pré e Proto-História (Bradley, 2000). Nesta ordem de ideias, um

“santuário natural” implica um local de características naturais singulares, utilizado por

grupos humanos enquanto local de culto – “templo natural”. A este propósito, temos o

exemplo paradigmático do “santuário natural”/rupestre da Rocha da Mina (Alandroal)

(Calado, 1993a, p. 175), alegadamente dedicado ao culto de Endovélico e que depois de

adoptado pelos romanos é transferido para um templo edificado em São Miguel da Mota, à

vista de 3 km.

O texto, no seu decurso, fará amiúde referência substantiva a grutas e lapas. Na

verdade, grutas, lapas, cavernas, covas e algares são geralmente sinónimos na linguagem

corrente. Todavia, se quisermos ser mais precisos, podem aqui ser feitas algumas distinções.

Genericamente, por gruta ou caverna, entende-se uma cavidade subterrânea natural, aberta na

montanha calcária (karst/carso) por um longo processo de erosão/dissolução combinada

(mecânica e química), provocado pela infiltração de águas ácidas provenientes da superfície,

resultando em espaços ocos, mais ou menos amplos, simples ou complexamente ramificados,

podendo apresentar um desenvolvimento vertical, horizontal ou misto. Em zonas costeiras, à

erosão das águas subterrâneas acresce a acção hidrodinâmica do mar, fenómeno que acaba

por ampliar e reconstruir determinadas aberturas cársicas – as lapas, por exemplo. As lapas

são cavidades simples, tendencialmente de menores dimensões e cujo desenvolvimento é

horizontal e a partir da abertura. Por fim, entende-se por algar, uma cavidade de abertura e

desenvolvimento vertical, por vezes muito profunda e que poderá ramificar horizontalmente

em amplas galerias, ou terminar num fundo “em saco”.

Regressando à Arqueologia, no que diz respeito, mais concretamente, às “grutas-

santuário”, e pelo facto dos vestígios dos rituais serem praticamente omissos numa

abordagem de superfície, a opção por uma classificação no domínio do sagrado é sobretudo

aferida por exclusão de partes. Estamos perante cavidades abertas naturalmente no calcário,

que, pelo facto de não exibirem vestígios antropológicos, excluem, à partida, uma

classificação como necrópole. Por outro lado, por se tratar de locais pouco propícios à vida

quotidiana, distantes dos recursos básicos de sobrevivência, de acessibilidade difícil, exíguos,

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A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem

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irregulares, insalubres e desconfortáveis, é mais plausível que correspondam a utilizações de

tipo excepcional, nomeadamente de carácter simbólico/espiritual. Também neste caso, estão

em causa sítios de dimensão variável, onde supostamente grupos humanos praticaram

actividades espirituais, magico-religiosas, ao longo de um determinado período de tempo.

Posto isto, importa ainda considerar possíveis casos de dupla função: necrópole e “gruta-

santuário” – Lapa do Fumo, Lapa da Furada e Gruta do Médico.

Por fim, um dos compromissos assumidos à partida para este trabalho prendeu-se com

a premissa, dentro da razoabilidade, de a presente investigação constituir um produto de

satisfação pessoal. Nesta perspectiva, surgiram naturalmente temáticas que mereceram

particular desenvolvimento, decorrentes de actividades, motivações e interesses pessoais do

autor. Desde logo a Proto-História e a própria Arrábida, o gosto pela prospecção, passando

pelas grutas e pelas navegações antigas que ligaram este território a outras paragens, ao longo

do Sado e através do Atlântico.

Fig. 1 – Prospecções na Arrábida (foto de R. Soares).

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A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem

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2. A Serra da Arrábida: Geografia e Paisagem

“A serra tem o ar de uma onda que avança impetuosa e subitamente estaca e se esculpe no ar; é uma onda de Pedra e mato, é o fóssil de uma onda”.

Sebastião da Gama

A península de Setúbal, também referida por “península da Arrábida”, define-se numa

região correspondente à extremidade sul da Bacia Lusitaniana, separando as bacias estuarinas

dos rios Tejo e Sado e penetrando dominante no Atlântico sob a égide do Cabo Espichel (o

cabo Barbarium dos romanos, segundo Estrabão). O recorte costeiro da orla meridional desta

península é majestosamente dominado pela Serra da Arrábida, cadeia montanhosa de carsos

essencialmente jurássicos e miocénicos, singularmente variada do ponto de vista geológico.

Partilhada pelos concelhos de Setúbal, Palmela e Sesimbra, a Serra da Arrábida

constitui uma das mais importantes, originais e diferenciadas estruturas da tectónica de

inversão de idade miocénica da Bacia Lusitaniana, documentada pela primeira vez na região

por Paul Choffat, em 1908 (Choffat, 1908). A cordilheira tem o seu ponto mais elevado no

alto do Formosinho, com 499 m de altura, e define-se genericamente na paisagem por uma

série de elevações dispostas de este-nordeste para oeste-sudoeste, paralelas à Cordilheira

Bética, com cerca de 35 km de comprimento e 6 km de largura média. A sul e oeste é limitada

pelo Oceano, onde cai bruscamente em arribas imponentes, prolongando-se na plataforma

continental por cerca de 5 km. A norte é confinada pelo sinclinal de Albufeira e a leste pela

falha Setúbal-Pinhal Novo, quadrantes de terras baixas e arenosas que caracterizam grande

parte da península. No sentido este-oeste, estende-se por uma cortina de elevações, desde

Palmela até Sesimbra (Ribeiro, 2004).

Na verdade, a Arrábida constitui a principal peça montanhosa da cordilheira a que dá

nome, dominando, dos altos do Formosinho e Picoto, um complexo de relevos associados –

“pequena unidade natural perfeitamente individualizada” (ob. cit.). Ainda submersa há cerca

de 180 milhões de anos, ganhou contornos com as deformações produzidas durante o

Miocénico, em dois momentos distintos: as primeiras verificadas há cerca de 17,5-15 Ma, e as

segundas há cerca de 7-6 Ma. Em consequência, foram produzidos dois sistemas de falhas,

esboçados durante as fases distensivas mesozóicas, de orientação aproximada norte-sul e este-

oeste, e que promoveram a compartimentação da região, influenciando, significativamente, os

principais acidentes tectónicos e o seu estilo particular (Ribeiro et al., 2000) – “devido ao

successivo resfriamento e consequente contracção do planeta que habitamos, a crusta

solidificada, que desde a esphera central da terra ainda fluida chegava até o fundo d’esse

mar, encarquilhou-se como a pelle de uma uva que se secca, a ponto de fazer saliencias

acima do oceano e formar uma elevada ilha, de que a actual Arrabida não é mais do que um

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A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem

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vestigio, comparavel aos restos de altivo e grandioso monumento a que as injurias do tempo

não tivessem deixado senão pequenas porções das suas arruinadas paredes” (Costa, 1902, p.

275-276).

Do ponto de vista da Geomorfologia, este longo processo resultou num conjunto de

elevações, agrupadas naturalmente em duas linhas separadas por vales. A primeira linha, mais

vigorosa e característica, é composta por alguns pequenos cerros que partem de Sesimbra,

serras do Risco (380 m - Píncaro) e Arrábida (499 m - Formosinho), e pelas colinas que se

desenvolvem do Outão até Setúbal. Entre a Serra do Risco e a Ribeira da Comenda, os picos

dominantes do Formosinho e do Picoto, e as respectivas falésias abruptas, constituem uma

inexpugnável barreira natural sobre os territórios de planura que se espraiam nas baixas

estuarinas. Por outro lado, esta “linha defensiva” proporciona um extenso domínio visual:

sobre o vale do Tejo, avistando-se, no horizonte norte, a Serra de Sintra; a sudeste, sobre o

vale do Sado, até à região de Alcácer-do-Sal; e a sul, sobre a costa atlântica, da foz do Sado,

península de Tróia até ao cabo de Sines.

Uma segunda linha orográfica, denominada por Orlando Ribeiro de “Pré-Arrábida”

(Ribeiro, 2004), desenvolve-se a norte e leste da primeira, integrando as serras da Comenda,

de São Luís (392 m), dominante sobre Setúbal, de São Paulo, dos Gaiteiros (ou dos Barris) e

de São Francisco/Louro (256 m - Alto da Queimada), monoclinal que parte de Palmela em

direcção a Sesimbra. Entre a Serra de São Francisco e o Cabo Espichel desenvolve-se uma

sucessão de planaltos de altitude média entre os 150 e os 250 m, alguns dos quais dominam as

imponentes escarpas atlânticas entre o Risco e Sesimbra (Serra dos Pinheirinhos e Serra da

Azóia). A “Pré-Arrábida” termina com uma série de relevos sobranceiros à planície arenosa,

que se vão esbatendo até ocidente de Coina-a-Velha, configurando uma espécie de baluarte

avançado da cordilheira (ob. cit.).

No que respeita à composição litológica dos seus solos, predominam as rochas

calcárias e dolomíticas ou detríticas, compactas e relativamente resistentes. Uma série de

sequências sedimentares carbonatadas, margosas e detríticas de idade Mesozóica, sobre as

quais se sobrepõem outras, predominantemente detríticas e por vezes carbonatadas de

ambientes marinhos restritos, de idade cenozóica, associadas ao processo evolutivo da Bacia

do Tejo (ob. cit.). À superfície, o carso é relativamente incipiente, embora apresente uma

grande diversidade de formas geomorfológicas características: lapiás, dolinas, algares,

sumidouros e o vale fluvio-cársisco (polje) das Terras do Risco. A sistemática exploração

espeleológica desenvolvida nos últimos anos (NECA – Núcleo de Espeleologia da Costa Azul

e LPN-CEAE – Centro de Estudos e Actividades Especiais da Liga para a Protecção da

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A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem

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Natureza) tem vindo a revelar um carso subterrâneo relativamente desenvolvido e de

incomparável beleza de concrecionamentos, aflorando em várias lapas, grutas, abrigos e

sumidouros, cavidades que têm registado um importante potencial arqueológico.

Dos cursos de águas torrenciais produzidas na Serra, apenas a Ribeira da Comenda,

partindo da Ribeira da Ajuda, apresenta um regime permanente, desaguando no “Sado-

Atlântico”. A sua foz, na praia da Comenda, desenha uma pequena baía que não passou

indiferente, por exemplo, em época romana. No entanto, outros cursos de água com fraca

expressão actual, sobretudo devido a fenómenos de assoreamento, podem ter constituído,

outrora, importantes cursos fluviais, alguns dos quais com admissível apetência para a

navegação. A destacar, por exemplo, as ribeiras do Livramento, de Corva, de Alcube, de

Santo António, da Ferraria, da Mareta, do Cavalo, da Apostiça, de Aiana e de Coina, antiga

Vala Real, que se assume como a principal linha hidrográfica de toda a cordilheira (ob. cit.).

As encostas atlânticas e os vales abrigados da Arrábida, temperados por um clima

mediterrâneo, têm potenciado uma excepcional vocação arbórea, cinegética e agro-pecuária,

conservando, ainda, algumas manchas de vegetação endémica, espontânea e original, “os

valles tem hoje os nomes de Picheleiro, Alcube, Barris, Gralhal, etc., e são de aspecto tão

pittoresco e encantador quanto se póde imaginar” (Costa, 1902, p. 276). Nas zonas mais

elevadas, de cristas rochosas e de solos esqueléticos, desenvolve-se um estrato “rupestre”,

composto por líquenes e pequenos fetos, substituídos progressivamente, ao longo das

encostas subjacentes, por charnecas de carrascos, alecrim, madressilva, esteva, tomilho,

orégão, rosmaninho, aroeira e lentisco bastardo; por bosques e sub-bosques de maquiais,

sobretudo compostos por zambujeiros, medronheiros e alfarrobeiras; e por matas de

carvalhos, sobreiros e pinheiros mansos (Ribeiro, 2004), estes últimos, uma espécie autóctone

provavelmente existente na Arrábida, pelo menos, desde o Calcolítico do povoado da Rotura

(Silva e Soares, 1986). O seu relevo acidentado permite uma boa diferenciação de

microclimas, alguns dos quais excepcionalmente propícios a uma diversidade de espécies que

atingem um exemplar porte em determinados vales mais favoráveis – matas do Vidal, do

Solitário e Coberta.

Há que ter em conta eventuais alterações ambientais e episódios de impacto antrópico,

determinantes e transformadores do estrato vegetal autóctone da região. Além dos naturais

processos de alteração ambiental/climática, há que considerar a acção humana: conquista de

terrenos agrícolas pelo fogo, consumo de madeira, introdução de novas espécies no coberto

vegetal e exploração de pastagens. Análises isotópicas a partir da recolha de amostras

contextualizadas (palinologia, antracologia e de restos faunísticos, em particular de pequenos

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A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem

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roedores – a exemplo da Gruta do Caldeirão) podem, em alguns casos, permitir recuperar

paleoambientes e a respectiva sequência de transformação. Contextos arqueológicos especiais

(turfeiras, lagoas marginais/litorais e ocos de maciços calcários, em montanha) constituem

potenciais ambientes de excepcional preservação da informação isotópica relativa à evolução

ambiental de uma determinada região. Nestes locais, e por exemplo, a sedimentação de

pólenes em ambiente anaeróbico permite à Palinologia, associada a datações radiocarbónicas,

detectar eventuais vestígios de impacto antrópico em episódios de desbaste ou outras

alterações no coberto vegetal.

Também a fauna beneficiou, ao longo dos tempos, das convidativas condições

mediterrâneas da região, desde há muito referenciada pelos seus recursos cinegéticos e

venatórios servindo, por exemplo, enquanto coutada de caça real até praticamente aos nossos

dias. Lobos, veados e javalis foram extintos, resistindo, ainda, espécies como o gato-bravo, a

geneta, o saca-rabos, o texugo, o toirão, a doninha, a raposa, a lebre, o coelho e diversas

colónias de morcegos. Os javalis foram recentemente re-introduzidos, deixando as suas

marcas um pouco por toda a serra, revelando-se como improváveis colaboradores da

arqueologia de prospecção, pois além de proporcionarem uma útil rede de novas vias onde

antes a transitabilidade era impossível, também fossam clareias de terra revolta, preciosas

janelas de prospecção que têm dado resultados inesperados. No que respeita à avifauna,

destacam-se, de entre as rapinas, a águia de Bonelli, a águia de asa-redonda, o peneireiro, o

bufo real e a coruja das torres, predadoras de outras espécies como a perdiz, o andorinhão real

e os abelharucos.

A vocação eminentemente piscatória dos mares da Arrábida (“Mar da Manta”,

“Bombaldes”, “Mé”, “Queimados”, “Mar Novo”, “Mar de Ferro”, “Estradinha”, etc.)

encontra-se bem documentada ao longo dos tempos. A excelência natural do vale de

Sesimbra e de algumas pequenas baías e enseadas (Portinho da Arrábida, Rasca e Comenda,

entre outras), particularmente abrigadas dos ventos predominantes de norte, tem propiciado

óptimas condições abrigo-portuárias de que os “calhaus” são um bom exemplo. Estão em

causa estruturas de apoio à pesca de “armação”, criteriosamente implantadas em paisagens

abrigadas, por exemplo: o Calhau da Baleeira, o Calhau da Mijona, o Calhau da Cova, o

Calhau do Restaurador e o Calhau do Cozinhadouro (Amigo e Soares, 2009).

A riqueza do meio marinho é representativa dos principais habitats nos quais ocorre

uma grande diversidade de espécies, destacando-se alguns cetáceos e atuns, a xaputa, o peixe-

espada branco e o preto, a sardinha, o carapau, a cavala, a pescada, a raia, o cherne, a faneca,

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o besugo, a dourada, o sargo, a sargueta, a corvina, diversa fauna malacológica, crustáceos,

além dos chamados “ferrados”, ou seja, a lula, a pota, o polvo e o choco.

No que às artes de pesca diz respeito, ainda sobrevivem etnograficamente algumas,

pouco modificadas com o passar dos tempos, conservadas por um saber cumulativo

transmitido geracionalmente – a Arte da Chávega, ou do Caneiro, popularmente conhecida

pela “chincha”, aparelhos de anzol, armadilhas como os “covos”, etc. (ob. cit.).

Torna-se neste ponto relevante recuperar os antigos “caminhos de peixe” (Gonçalves,

1966, p. 9), enquanto acessos preferenciais aos recursos marinhos, exercício que permite

estabelecer a ligação entre os povoados e o mar.

Em suma, as particularidades geográficas e climáticas da península da Arrábida,

“enclavada” entre os estuários do Tejo e do Sado e definida pelo Oceano, sobranceira às

adjacentes planuras, proporcionaram um conjunto de características determinantes para a

fixação de grupos humanos e para a confluência de rotas comerciais (terrestres, fluviais e

marítimas), com evidentes consequências geoestratégicas.

As excelentes condições de defesa, acessibilidade e abrigo de costa, aliadas à

abundante disponibilidade dos recursos hídricos, marinhos, cinegéticos e venatórios, além da

singular fertilidade dos solos (vales), proporcionaram um edénico quadro de contínua fixação

e habitabilidade ao longo da história.

Fig. 2 – Extracto da folha 464 da CMP esc. 1:25000 (Sesimbra - serras da Azóia, Pinheirinhos e Risco).

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Fig. 3 – Colagem dos extractos das folhas 454 e 465 da CMP esc. 1:25000 (Sesimbra/Setúbal - serras do Risco, Arrábida e “Pré-Arrábida”).

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Fig. 4 – Modelo tectónico da cadeia da Arrábida (cedido por © Nuno Farinha, 2006).

Fig. 5 – Modelo digital de terreno da Arrábida (Graça Brito/CIGA in Ribeiro, 2000, p. 11).

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3. Episódios da investigação arqueológica regional

“Fragil é a flammula que tremúla no tôpo do mastro, mas basta apercebê-la ao longe para sabermos que em baixo voga uma nau, que as aguas mal sustém: do mesmo modo um fragmento de barro cozido, de um ferro corroido, de uma pedra trabalhada pela mão do homem nos

pode levar ao descobrimento de uma povoação soterrada, cuja existencia nem se suppunha, ou se julgava desviada. Esse fragmento, inutil ao parecer, mostra-nos a civilização de um povo; esclarece, não raro, pontos confusos da historia da humanidade. E ha tanto que explorar!

Pena é que no nosso Portugal o acaso seja o maior agente dos descobrimentos e que poucas explorações bem dispostas se tenham feito para se roubar á terra o que ella cuidadosamente esconde”.

Joaquim Rasteiro, 1897 As “ruínas romanas de Tróia”, na margem esquerda da foz do Sado, encontram-se

referenciadas desde o século XVI, quando André de Resende e Gaspar Barreiros as

interpretaram como Caetobriga. Interessante o facto de, no século XVIII, Tróia ter sido

objecto de uma das primeiras intervenções arqueológicas documentadas em Portugal (senão

mesmo a primeira). Esta marca pioneira deveu-se à Infanta D. Maria, futura Rainha D. Maria

I, que num passeio de barco, a caminho do Pinheiro, sentiu o apelo da curiosidade e aproveita

para conhecer o sítio, ordenado a sua posterior “escavação” (entenda-se, no contexto da

época, como uma mera acção de desenterro de ruínas). Este histórico episódio da Arqueologia

portuguesa ainda hoje é “celebrado” no arqueossítio, na sua “Rua da Princesa” (Castelo-

Branco, 1965).

Será a obra Descripção do terreno quaternário das bacias hidrographycas do Tejo e

do Sado, de Carlos Ribeiro (1866), a marcar a alvorada do reconhecimento científico,

geológico e arqueológico da região da Arrábida. Pioneiro da Geologia e da Pré-história

portuguesas, Carlos Ribeiro, ao serviço da Comissão Geológica do Reino, avançou, na década

de 60 do século XIX, com as inaugurais campanhas arqueológicas dos hipogeus da Quinta do

Anjo (Palmela), numa época em que a própria Arqueologia dava os seus primeiros passos no

nosso país, sobretudo no sul de Portugal. É desta altura a descoberta do povoado pré-histórico

da Rotura, em Setúbal (1865/66), documentada por uma série de litografias coloridas da

autoria de F. Pereira da Costa. Em 1878, Carlos Ribeiro coordenou novos trabalhos nas grutas

artificiais de Palmela, desta feita desenvolvidos pelos colectores António Mendes e

Agostinho José da Silva.

Em 1897, Joaquim Pedro d’Assunpção Rasteiro (1834-1898) publica, no Archeologo

Português (Rasteiro, 1897), as suas preciosas Noticias arheologicas da Península da

Arrábida. Trata-se de um texto produzido, entre 1893 e 1894, como resposta a um

questionário da Commisão dos Monumentos Nacionaes, instituição a que pertencia. Nesta

obra, Joaquim Rasteiro produz uma exaustiva monografia, coligindo toda a informação

disponível, relativa aos achados arqueológicos identificados na área da Península de

Setúbal/Arrábida, além de referenciar outros dados históricos, culturais, arquitectónicos,

artísticos, toponímicos, etc. O seu contributo para a investigação histórico-arqueológica da

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A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem

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região não se esgotou neste texto, legando-nos um interessante acervo documental de estudos

e artigos, muitos dos quais publicados no Jornal do Comércio, e outros, por exemplo, no

boletim da Sociedade de Geografia.

Joaquim Rasteiro personifica o espírito de um período em que a informação

arqueológica era produzida por uma elite de “curiosos enciclopedistas”, que embora

diligentes para a época, se encontravam muito longe da necessária exclusividade e

profissionalização, tendência que se manifestou até à segunda metade do século XX e que

ainda hoje, de certa forma, mas por outros motivos, constitui uma realidade – a propósito do

povoado do Castelo dos Mouros, Joaquim Rasteiro escreve: “nunca alli encontrei cousa que

désse notícia de estação humana nos tempos mais desviados, como fragmentos de barros,

quaesquer instrumentos de silex, ou objectos semelhantes; verdade é, tambem, que nunca alli

fui como explorador, mas apenas por desvio propositado do caminho da Arrabida, ou de

passagem caçando” (Rasteiro, 1897, p. 33).

Este notável setubalense, nascido em Vila Nogueira de Azeitão, em 1834, “dedicou a

vida à sua terra”, na plenitude de todas as acessões da expressão. Agricultor de raiz, além de

historiador e arqueólogo pioneiro, dedicou-se à educação, foi vereador da Câmara Municipal

de Setúbal, procurador à Junta Geral, chegando mesmo às Cortes Gerais do Pais como

deputado, na legislatura de 1887.

O meritório contributo científico de Carlos Ribeiro, e mesmo de Joaquim Rasteiro,

ganhou um digno prossecutor em António Ignácio Marques da Costa, o arqueólogo pioneiro

que melhor prospectou a região de Setúbal (Gonçalves, 1971, p. 57-58). Militar de carreira

(oficial-médico), professor (na Escola Popular e no Liceu de Setúbal) e arqueólogo, Marques

da Costa foi ainda um activo militante na vida política local, ao integrar um dos elencos da

Comissão Administrativa Municipal de Setúbal, durante o período da I.ª República. Porém,

foi o seu incontornável contributo, no âmbito da embrionária Arqueologia portuguesa, que

importa aqui destacar. Aliás, de entre a diversidade das suas actividades, foi o legado para a

Arqueologia que melhor o notabilizou e que constitui, ainda hoje, uma reconhecida referência

do panorama intelectual da região de Setúbal, Sado e Arrábida.

Nascido em Souzos (Leiria), em 1857, António Ignácio Marques da Costa chegou a

Setúbal por via do serviço militar. O Tenente-Coronel do Exército cedo foi “adoptado” pela

sua nova cidade, retribuindo, por seu turno, com uma inestimável contribuição enquanto

pioneiro da Arqueologia e Geologia locais. Numa época em que estas constituíam ciências

intimamente associadas, Marques da Costa foi o primeiro investigador a estudar o

monumento geológico da “Pedra Furada” (Setúbal). Por outro lado, empreendeu uma

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A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem

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ambiciosa campanha de reconhecimento, escavação e investigação de estações pré-históricas,

proto-históricas e romanas na região da Arrábida, na busca de uma identidade etno-histórica

regional, de acordo com as tendências genéricas da Arqueologia da 1.ª metade do século XX

– “e então, talvez para ocupar a sua inactividade e a queda para a arqueologia resolveu

investigar por conta própria o solo da cidade e dos arredores” (Almeida, 1975, p. 17). Das

suas pioneiras campanhas importa destacar, por exemplo, as ruínas romanas de Tróia

(Grândola) e o povoado de Chibanes (Palmela), além de trabalhos de reescavação no povoado

da Rotura (Setúbal) e nos hipogeus do Casal do Pardo (Quinta do Anjo, Palmela).

Relativamente ao povoado da Serra da Cela, no Portinho da Arrábida, foi Marques da Costa,

com base em informações do geólogo Paul Choffat, a fazer referência, pela primeira vez, a

uma ocupação pré-histórica do sítio (Costa, 1907, p. 210).

Os resultados das suas iniciativas foram exemplarmente publicados, entre 1902 e

1910, nas páginas de O Arqueólogo Português, sob o título Estações prehistoricas dos

arredores de Setúbal (Costa, 1902, 1903, 1904, 1905, 1906, 1907, 1908 e 1910), sendo os

materiais exumados fielmente depositados no Museu Nacional de Arqueologia (Cardoso,

2000) – “dezenas de estações pré, proto-históricas e romanas foram marcadas na carta.

Centenas de objectos foram descritos ou referenciados” (Gonçalves, 1971, p. 57);

“organizou uma colecção arqueológica em sua casa e foi um dos que em 1901 assinaram

uma petição para ser criado, em Setúbal, “O Museu da Cidade” (Almeida, 1975, p. 17).

O pioneirismo de Marques da Costa só teve continuidade nos inícios da década de

1940, com uma série de prospecções dirigidas ao longo do litoral meridional da Arrábida, por

Henri Breuil e Georges Zbyszewski. Estes trabalhos vieram a demonstrar a verdadeira

dimensão da ocupação paleolítica e epipaleolítica da região (Cardoso, 1998, p. 23).

Só a partir de 1956, com Eduardo da Cunha Serrão, foi retomada a sistemática

regularidade dos trabalhos arqueológicos na região da Arrábida. Cunha Serrão, juntamente

com Rafael Monteiro e Gustavo Marques, motivaram um grupo de jovens estudantes da

Faculdade de Letras de Lisboa (José Morais Arnaud, Vítor e Susana Oliveira Jorge, F. Sande

Lemos e J. Pinho Monteiro) a desenvolver trabalhos na região, em particular no Concelho de

Sesimbra.

Do vasto contributo científico legado por Cunha Serrão impõe-se destacar um

documento: a Carta Arqueológica do Concelho de Sesimbra (desde o Paleolítico antigo até

1200 d.C.) (Serrão, 1973), uma das primeiras cartas arqueológicas regionais publicadas em

Portugal, resultado final de um sistemático trabalho de reconhecimento arqueológico do

Concelho, precedido e actualizando o levantamento de A. I. Marques da Costa.

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A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem

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Postumamente, este trabalho foi ampliado e publicado pela Câmara Municipal de Sesimbra –

Carta Arqueológica do Concelho de Sesimbra (do Vilafranquiano Médio até 1200 d.C.)

(Serrão, 1994). De acrescentar, ainda, os inovadores trabalhos de escavação nas necrópoles da

Lapa do Fumo (Pinheirinhos/Sesimbra) e na Lapa do Bugio (Azóia/Sesimbra), cujos

importantes resultados foram publicados, nacional e internacionalmente, em 1958/59. Em boa

verdade, foram os ornatos brunidos exumados na Lapa do Fumo que introduziram, na agenda

da investigação arqueológica europeia, a temática da Idade do Bronze da Arrábida.

A propósito da Lapa do Fumo, há que destacar o pioneirismo metodológico de

Eduardo da Cunha Serrão. Em 1958, na qualidade de membro da comissão organizadora do I

Congresso de Arqueologia, Cunha Serrão deslocou-se a Inglaterra no sentido de conhecer,

nos campos de trabalho ingleses, as mais recentes teorias sobre técnicas e métodos de

escavação, no intuito de suprir a carência de elementos de fonte nacional. No regresso a

Portugal, aplicou pela primeira vez no nosso país (em 1956) o Método Wheeler (Wheeler,

1954), na escavação do povoado neolítico da Parede, em Cascais (Serrão, 1983). Em Agosto

de 1957 recorreu novamente a este método, desta feita em contexto de gruta, na exploração da

Lapa do Fumo, tendo obtido resultados exemplares, especialmente no que respeita à

referenciação efectuada através do registo tridimensional de todo o espólio.

Por estas alturas foi elaborada a Folha Geológica de Setúbal (Folha 38-B), cuja

notícia explicativa, da autoria de Georges Zbyszewski, foi publicada em 1959 (Zbyszewski et

al., 1965). As prospecções e sondagens, realizadas para o efeito, proporcionaram novas

descobertas que acabaram por motivar Octávio da Veiga Ferreira e Rafael Monteiro a retomar

as escavações na Lapa do Bugio (1966/67), além da organização de um empreendedor

trabalho monográfico acerca dos hipogeus da Quinta do Anjo, publicado em 1961 pelo

primeiro daqueles autores, em parceria com Vera Leisner e Georges Zbyszewski.

Destas novas descobertas, salienta-se o monumento funerário da Roça do Casal do

Meio, em Sesimbra, identificado nos inícios dos anos sessenta por Octávio da Veiga Ferreira

e Georges Zbyszewski. A necrópole da Roça do Casal do Meio foi escavada, entre Outubro e

Novembro de 1972, por Konrad Spindler e Veiga Ferreira, sendo o resultado dos trabalhos

publicado em francês e alemão (Spindler et al., 1973-74), o que conferiu a este sítio um

estatuto de referência europeia para as cronologias do Bronze Final. Esta inédita projecção

nacional na bibliografia arqueológica europeia deveu-se, não só, à própria excepcionalidade

do monumento, mas também às tendências genéricas da época e ao próprio curriculum

internacional de Konrad Spindler.

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A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem

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A década de 1960 vê nascer em Setúbal uma nova geração de arqueólogos,

personificada nomeadamente por Carlos Tavares da Silva e Victor dos Santos Gonçalves. O

primeiro trabalho científico de Carlos Tavares da Silva, publicado em 1963, foi dedicado à

Fauna malacológica do Castro da Rotura (Silva, 1963), estação onde viria a desenvolver

outras campanhas arqueológicas (Ferreira e Silva, 1969-70; Silva, 1971). Victor S.

Gonçalves, por seu turno, também desenvolveu trabalhos na estação arqueológica da Rotura:

trabalhos preliminares de prospecção e sondagem (Gonçalves, 1966), seguidos de campanhas

de escavação em 1967 e 1968 que resultaram na sua dissertação de licenciatura em História,

publicada em 1971 – O Castro da Rotura e o vaso campaniforme (Gonçalves, 1971). Tavares

da Silva tem vindo, desde então, a incrementar significativamente o conhecimento

arqueológico da região da Arrábida, Sado e cidade de Setúbal, particularmente por meio de

uma exaustiva e oportuna tarefa de reavaliação das antigas informações de Ignácio Marques

da Costa.

De destacar, também, o contributo de Joaquina Soares, que a partir da década de 1970

inicia trabalhos de arqueologia em colaboração com Carlos Tavares da Silva. Estes autores

têm vindo a desenvolver, nas últimas décadas, numerosos trabalhos de prospecção e

escavação, direccionados essencialmente para a Pré-história, Proto-história e época romana,

traduzidos na reavaliação, identificação e caracterização de vários sítios arqueológicos,

descritos em diversas publicações. Impõe-se destacar o levantamento arqueológico do Parque

Natural da Arrábida, que resultou numa “quase” carta arqueológica da Arrábida –

Arqueologia da Arrábida (Silva e Soares, 1986) – uma monográfica “obra de síntese e de

carácter inovador no seu género” (Cardoso, 1998, p. 23).

Com a criação do Museu de Arqueologia e Etnografia da Assembleia Distrital de

Setúbal (MAEDS), dirigido por Joaquina Soares desde a sua fundação, em 1974, os trabalhos

de investigação arqueológica do Distrito ganharam um novo enquadramento científico e

institucional, que tem potenciado a sua regularidade, financiamento e divulgação, destacando-

se, por exemplo, diversas publicações promovidas no seio do MAEDS (Setúbal

Arqueológica, MUSA, entre outras).

Em 1993 foi publicada outra obra de referência – Património Arqueológico do

Distrito de Setúbal. Subsídios para uma carta arqueológica – um sistemático levantamento

integrado na inventariação do património distrital, promovido pela Associação de Municípios

do Distrito de Setúbal (Ferreira et al., 1993).

De referir, ainda, o contributo de João Luís Cardoso, investigador que na década de

1990 dirigiu trabalhos na Lapa da Furada (Serra da Azóia/Sesimbra), reapreciou antigos

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A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem

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espólios da Lapa do Bugio (Serra da Azóia/Sesimbra) e publicou algumas sínteses regionais

(Cardoso, 1998, 2000, 2004). Após o estudo de espólio, em 2004, o autor promoveu trabalhos

de escavação no povoado pré-histórico do Outeiro Redondo/Castro de Sesimbra, entre 2005 e

2008 (Cardoso, 2009).

Por fim, de destacar o projecto da nova Carta Arqueológica do Concelho de Sesimbra:

Arqueologia de Sesimbra – Projecto de investigação e valorização do património

arqueológico concelhio – desenvolvido, entre 2007 e 2009, por uma equipa multidisciplinar

coordenada por Manuel Calado e na qual o signatário se integra na qualidade de arqueólogo,

espeleólogo e fotografo. Os trabalhos foram publicados em Setembro de 2009, sob o título O

Tempo do Risco. Na sequência deste projecto foi estabelecido, com a Câmara Municipal de

Sesimbra, um protocolo de continuidade para a investigação arqueológica do concelho, ao

abrigo do qual se avançou para a escavação da Lapa da Cova (Serra do Risco/Sesimbra). A

mesma equipa encontra-se, desde Maio de 2010, a desenvolver trabalhos de prospecção

arqueológica e espeleológica na “Arrábida Oriental”, prosseguindo a exploração deste

território na área concelhia de Setúbal – Carta Arqueológica da Arrábida/Setúbal.

Fig. 6 – Esboço de uma cartografia arqueológica da região de Sesimbra (seg. Serrão, 1962).

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A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem

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4. A Idade do Bronze Peninsular: evolução dos conceitos e periodização

“As sociedades camponesas, tal como antes os caçadores-recolectores, produzem um discurso sobre a natureza, alterando-a, conformando a percepção da paisagem à sua realidade social”.

Senna-Martinez, 2008

Até meados do século XX, a conjuntura europeia da investigação da Idade do Bronze

implicou uma perspectiva artefactualista/antiquarista, resultante das influências teóricas

evolucionistas dos finais do século XIX. Focando-se, quase exclusivamente, em dispersos e

descontextualizados vestígios arqueometálicos, esta visão justificou-se na concepção de que a

Idade do Bronze seria o período áureo da generalização do metal. Neste contexto, vão

surgindo na Europa, pela mão de autores como Montelius, Kossina, Reinecker ou Déchelette,

os primeiros estudos tipológicos e comparativos, geralmente implicando uma matriz

difusionista, definidores da periodização clássica da Idade do Bronze. Estes autores só vão ser

“contrariados” na viragem da década de 50, com as novas propostas de Hatt, autor que

estabelece, em 1958, a divisão ternária da Idade do Bronze: Bronze Antigo (1800-1500 a.C.),

Bronze Médio (1500-1200 a.C.) e Bronze Final (1200-700 a.C.).

No espaço peninsular, investigadores pioneiros como Cartailhac (1886) vão seguir a

genérica tendência europeia, limitando-se a considerações de ordem tipológica, sem arriscar

propostas de natureza cronológica. A “cultura de El Argar”, revelada pelos irmãos Siret e

beneficiando de uma conjuntura muito particular, já vinha a ser divulgada em larga escala

desde finais do século XIX, desviando a atenção da investigação de outras realidades

culturais contemporâneas. Até aos anos 30, admitia-se que o Bronze Argárico constituía um

fenómeno cultural relativamente homogéneo, que se prolongou até à Idade do Ferro por toda

a Península Ibérica. No entanto, a subsequente pesquisa arqueológica (Bosch Gimpera e

Santa Olalla), além de propor as primeiras sínteses cronológicas de alcance peninsular,

acabou por distinguir duas realidades culturais no território ibérico: o Bronze Levantino ou do

Sudeste – 1200-1000/900 a.C. (Bronze Mediterrânico), mantendo o epicentro de referência na

região argárica; e o Bronze do Noroeste – 900-650/570 a.C. (Bronze Atlântico), marcado por

influências europeias e fixando-se na fachada atlântica da Península (Portugal, Galiza e parte

da Andaluzia).

No nosso país, “Leite de Vasconcelos considera prematuro um estudo sistemático

sobre a época do Bronze em Portugal, recorrendo, nos seus ensaios, a Montelius e a

Mortillet” (Vilaça, 1995, p. 26). Em 1924, Mendes Corrêa, na História de Portugal de

Damião Peres, mesmo adoptando as propostas de Déchelette, admite a simplicidade dos

quadros cronológicos existentes, pelo facto de compreenderem um limitado âmbito regional,

não sendo merecedores de uma aplicabilidade universal (ob. cit., p. 26).

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A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem

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O influente, mas efémero, esquema dualista foi ultrapassado à medida que foram

sendo isolados novos grupos culturalmente distintos, mantendo-se, ainda assim, uma ideia de

unidade cultural para cada fase da Idade do Bronze. Esta nova perspectiva, regionalista, não

se esgotou na divulgação de achados ocasionais, marcando o início de um progressivo

incremento das escavações (ob. cit., p. 28). Por outro lado, as concepções difusionistas,

previamente propostas pelos irmãos Siret, reforçam-se pelo Normativismo, prevalecendo, até

muito recentemente, uma tradicional teoria de génese orientalista para Idade do Bronze

peninsular.

Os anos 50 vão ser marcados pelos ainda incontornáveis contributos de Savory e de

MacWhite, investigadores que, mesmo assim, vão dar continuidade ao clássico paradigma

científico dos estudos tipológicos dos materiais metálicos peninsulares, no intuito de

determinar as suas origens e protótipos europeus (ob. cit., p. 28).

Só a partir dos anos 70, salvo raras excepções, o mito do ex oriente lux começa a ser

posto em causa, surgindo uma linha de investigação que procura o fundamento genético para

o Bronze Antigo e Bronze Médio num conglomerado herdado das culturas calcolíticas

regionais. Bosch Gimpera foi um dos investigadores peninsulares que mais se bateu por esta

perspectiva indigenista, curiosamente já sugerida em 1890 pelos irmãos Siret, no seu primeiro

texto sobre El Argar (Calado, 1993b, p. 328). As teses indigenistas, partidárias de um

desenvolvimento local das culturas do Bronze Ibérico, e as teses difusionistas mais ou menos

mitigadas, vão continuar a medir argumentos, validados, ou não, ao nível dos modelos

formulados a partir de diferentes, e por vezes contraditórias, leituras dos dados arqueológicos

(ob. cit., p. 328).

Regressando a Portugal, é de assinalar o pioneirismo das escavações de Schubart,

integrando os dados da sua investigação nas problemáticas regionais. Foi assim que o autor

definiu, em 1974 (Schubart, 1974), as duas fases do “Bronze do Sudoeste” (I – 1500/1400-

1100 a.C.; II – 1100-800 a.C.), substituindo a designação de “Bronze Meridional Português”.

Trabalho posterior (Barceló, 1991; Pavón Soldevilla, 1995; Soares, 1994; Castro Martinez,

Lull e Micó, 1996) corrigirá as cronologias, desmontará o faseamento e integrará como fase

inicial o tão discutido “Horizonte da Ferradeira”, permitindo incluir, em definitivo, o Bronze

do Sudoeste na 1.ª Idade do Bronze ou Bronze Pleno.

Em 1977 Almagro-Gorbea, por meio de novas escavações e de um crítico trabalho de

revisão dos dados disponíveis, desenvolve a mais completa e ainda actual síntese para o

Bronze da Extremadura espanhola, durante o período de transição Bronze Final/Idade do

Ferro.

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A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem

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O somatório dos dados emergentes das cada vez mais frequentes escavações, e a

multiplicação de datações de C14, permitiram transpor as clássicas cronologias globais

peninsulares, dando lugar a uma pluralidade de periodizações regionais. Por outro lado,

estudos de composição metalográfica permitiram determinar alguns centros produtores de

artefactos metálicos, bem como a distinção entre bronzes locais e bronzes importados.

Foi nesta altura que Schubart nomeia e introduz, na bibliografia peninsular dedicada

ao Bronze Final, o chamado “Grupo do Tejo” (1971), definido a partir de cerâmicas brunidas

atribuídas aos inícios do 1.º milénio a.C.

Em 1974, Gustavo Marques e Gil Miguéis Andrade, seguindo uma tendência

histórico-culturalista, sugerem a polémica “Cultura de Alpiarça” (séculos V-IV a.C.),

associada aos Cempsi e presumida a partir de um extenso acervo de materiais, tidos como

coevos, provenientes de recolhas de superfície em 62 estações, dispersas entre a Beira Alta e

o Algarve. De entre estes materiais os autores destacam, muito discutivelmente: cossoiros de

barro, pesos de tear, braceletes “tipo La Mercadera”, fíbulas de dupla mola “tipo Tossal

Redó” e elementos de foice em sílex. Estes autores estribam a sua proposta numa constante

tipológica de oito tipos cerâmicos e de seis processos de acabamento de superfícies, sendo as

diferenças atribuídas a tipologias mais frequentes e de largo espectro. Diversas escavações,

posteriores a esta proposta, acabaram por inviabiliza-la definitivamente, por meio de datações

relativas e absolutas. Ainda assim, Spindler considerou razoável considerar o termo “Cultura

de Alpiarça” para designar o grupo regional do Bronze Final do Oeste Peninsular (Vilaça,

1995, p. 30).

A partir da década de 80 esboça-se uma tendência para as abordagens de âmbito

regional, que terá consagração nos textos de Susana Oliveira Jorge para o 1.º volume da

História de Portugal da Presença (Jorge, 1990) e posteriormente na organização da exposição

A Idade do Bronze em Portugal: discursos de poder, realizada pelo Museu Nacional de

Arqueologia, sob o comissariado científico da referida autora, documentado pelo respectivo

catálogo (AAVV, 1995). Tratou-se de um evento de expressão pública à escala nacional, que

resultou na “primeira e extremamente meritória tentativa de síntese colectiva” (Senna-

Martinez, 2002, p. 104) de um complexo mosaico regional, consagrando a delimitação da

Idade do Bronze portuguesa em dois momentos sequentes e consequentes: a 1.ª Idade do

Bronze (ou Bronze Pleno – integrando o Bronze Antigo e o Bronze Médio) e o Bronze Final.

Esta abordagem, por grupos regionais, revelou-se mais adequada para um estudo de uma

problemática de grande variabilidade inter-regional, “configurando a existência no âmbito

peninsular de um mosaico cultural complexo” (Senna-Martinez, 2002, p. 104).

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A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem

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Por seu turno, a desmontagem do conceito de “Bronze Atlântico” (introduzido na

bibliografia arqueológica peninsular por Santa Olalla, contrapondo-o ao mundo centro-

europeu – Santa Olalla, 1946) será “ratificada” em Lisboa, em 1995, no colóquio

internacional Existe uma Idade do Bronze Atlântica? (Jorge, 1998), encontro que recuperou

alguns ecos do simpósio de 1988, realizado em Mação, dedicado ao tema O Bronze Final na

Beira Interior (Senna-Martinez, 2002).

Já nos anos 90, Mário Varela Gomes propõe, para o Sul de Portugal, duas etapas para

o Bronze Final: o Bronze Final I (séculos XII-X a.C.), de influência continental e atlântica; e

o Bronze Final II, também designado por “horizonte Roça do Casal do Meio - Ervidel II”

(século X - finais do século IX/inícios do século VIII a.C.), caracterizado por uma

intensificação dos contactos comerciais e culturais com o Mediterrâneo Oriental (Gomes,

1992, p. 122-125).

Susana Oliveira Jorge também reconhece duas grandes etapas de aperfeiçoamento

cultural durante o Bronze Final, desta feita no Norte de Portugal: uma primeira entre c. de

1250-1000 a.C.; e uma segunda entre c. de 1000/900-700 a.C., marcada pelo surgimento dos

primeiros habitats alcantilados, recorrendo a defesas naturais ou edificadas (Jorge, 1988, p.

98; 1990, p. 244).

Por sua vez, Senna-Martinez (Senna-Martinez, et al., 2010: Tabela I) propõe a

periodização do Grupo cultural Baiões/Santa Luzia em duas fases: a primeira entre os séculos

XIII-X a.C. e a segunda entre os séculos IX e VII/VI a.C.

Hoje, é praticamente pacífico fixar entre os séculos XIII-XII a.C. a marca temporal

definidora dos inícios do chamado “Bronze Final”. Todavia, denominações como “Bronze

Tardio” ou “Bronze Recente” vão traduzindo alguma insegurança ou ambiguidade

bibliográfica. Na sua génese, estas expressões remetem-nos, muito especificamente, para o

Sudeste Peninsular, surgindo como resposta à necessidade de caracterizar o hiato pós-

argárico/pré-Bronze Final. Assim, pelo seu significado e especificidade cultural, não podem

ser aplicadas a outras regiões, e muito menos no extremo atlântico da Península. O

significativo aumento, quantitativo e qualitativo, da informação cronométrica produzida à

escala peninsular, verificado nas últimas décadas do século XX, permitiu, enfim, propor um

coerente balizamento temporal para os inícios do Bronze Final, ainda que, com ligeiros

acertos regionais (Castro Martínez, Lull e Micó, 1996).

Quanto ao seu terminus, é hoje uma questão muito marcada pelo momento e forma

que assumem, ou não, nas diversas áreas regionais peninsulares, os contactos com o “mundo

orientalizante”. Precoces na Andaluzia e sul peninsular em geral (séculos VIII-VII), serão

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A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem

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sucessivamente mais tardios e escassos, nomeadamente à medida que avançamos para o

Ocidente e Norte peninsulares. Nomeadamente para o Noroeste (Bettencourt, 2004 e 2009) a

transição centrar-se-á no século V a.C., implicando a não existência de uma 1.ª Idade do

Ferro.

O agenciamento da investigação para a Idade do Bronze tem hoje novas premissas e

motivações. Independentemente das terminologias adoptadas e das cronologias estabelecidas,

há que integrar, em definitivo, as comunidades na investigação do Bronze Peninsular. Estas

têm sido omissas da esmagadora maioria dos quadros crono-culturais. Mesmo coevas e

ocupando as mesmas regiões, as comunidades têm sido marginalizadas em função dos

artefactos, os protagonistas, por excelência, das redes de trocas e dos contactos supra-

regionais. Não nos podemos esquecer do verdadeiro objecto da Arqueologia – o Homem.

Desde logo, há que considerar o facto de nem todas estas comunidades partilharam da

metalurgia do bronze, quer na sua produção, circulação ou mesmo usufruto. Estes objectos

constituem elementos de excepção, revestindo-se de um carácter de prestígio, de pouca

utilidade prática, não sendo por si só representativos de uma universalidade social ou plenos

caracterizadores de uma etapa crono-cultural (Senna-Martinez, 2009). Os objectos de

prestígio revestem-se de um baixo potencial de precisão cronológica, ou seja, com um tempo

de vida de difícil determinação. Pelo seu valor idiossincrático adquirem dois tempos distintos

de utilização, tendendo a perdurar muito além do seu original período de circulação –

transmitidos hereditariamente, por via de ofertas politicas ou como troféus de guerra. Ainda

assim, por serem tendencialmente trocados a longas distâncias, constituem, por isso, bons

indicadores de espectro largo para amplas áreas geográficas.

Em contrapartida, os objectos utilitários, em regra dependentes de matérias-primas

locais, implicam um período de circulação mais limitado, adequando-se melhor ao

estabelecimento de cronologias loco-regionais – “os recipientes cerâmicos terão um papel

fundamental, mas não absoluto” (Vilaça, 1995, p. 34).

Por fim, a génese, evolução ou substituição destes objectos não coincide,

necessariamente, com importantes mudanças em termos culturais e sócio-económicos – “o

tempo económico é diferente do tempo social e ambos se distinguem do tempo arqueológico”

(ob. cit., p. 33). Neste sentido, aferições cronológicas para amplas áreas regionais não podem

ser concretizadas segundo os mesmos critérios utilizados para as cronologias loco-regionais.

Esta é certamente uma diferença, nem sempre tida em conta, tanto pelos investigadores

proponentes das referidas cronologias, como pelos que, a jusante e posteriormente, recorrem a

estes dados – “as periodizações e os esquemas cronológico-culturais terão ainda de se

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libertar, progressivamente e definitivamente, de sistemas de índole convencionalista que nos

dominam” (ob. cit., p. 37).

Outra questão na “ordem de trabalhos” da investigação para a última etapa do Bronze

Final é a correcta aferição da origem dos seus protótipos culturais – produtos autóctones?

Produtos exógenos? Réplicas autóctones de produtos exógenos? Ou, ainda, produtos

autóctones evolucionados a partir de modelos exógenos? Para confirmar estas hipóteses, a

ciência tem proporcionado à Arqueologia, adoptando esta uma atitude transdisciplinar e

pluridisciplinar, algumas técnicas de análise que podem determinar a origem das matérias-

primas e de algumas produções, nomeadamente por meio de análises arqueometalúrgicas

(Senna-Martinez et al., 2011a) e de composição de pastas cerâmicas.

Fig. 7 – Capa do catálogo da Exposição A Idade do Bronze em Portugal: discursos de poder, realizada pelo

Museu Nacional de Arqueologia (AAVV, 1995).

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5. O Bronze Final: indígenas, visitantes e colonos

“Uma época das mais notáveis em transformações culturais de toda a nossa Pré-história, decorrentes em parte da chegada dos primeiros influxos orientalizantes,

cujo impacto na sociedade pré-existente estão, outros-sim, longe de suficientemente conhecidos”. João Luís Cardoso, 1995a

“Ninguém parece já duvidar que a tão apregoada “invisibilidade” dos sítios de habitat e necrópoles do Bronze Final resulta da falta de sistemático reconhecimento arqueológico das diferentes áreas regionais e, simultaneamente,

de uma alteração qualitativa das estratégias de povoamento relativamente a épocas anteriores”. Senna-Martinez, 2002

No contexto do Bronze Final, além da quantificação e compreensão dos motivos que

justificaram a circulação e adopção, em contextos indígenas, de novos elementos alógenos,

como os artefactos de ferro e a cerâmica produzida ao torno, há que considerar outros

elementos e, sobretudo, entender a lógica de aceitação de alguns aspectos culturais mais cedo

que outros, bem como o porquê de outros nunca se terem afirmado. Neste sentido, há que

distinguir os factores económicos dos políticos, manifestados em timings diferentes (Vilaça,

1995, p. 37).

Em última análise, será razoável considerar que o período convencionalmente

denominado por “Bronze Final” resultou, sobretudo, do natural desenvolvimento interno das

sociedades autóctones precedentes, intensificado com os renovados impulsos culturais,

aportados mormente por via das navegações provenientes do mundo mediterrâneo. O grau de

desenvolvimento variou regionalmente conforme o timing e o grau de contacto,

permeabilidade e aceitação dos referidos estímulos. A par das antigas rotas marítimas

mediterrâneas/orientais, que contactaram sobremaneira o sul da Hispânia, a Península terá

recebido, por via continental, através dos Pirenéus, bacia do Ebro e da Meseta, influxos

provenientes da Europa Central e Atlântica. Por outro lado, torna-se cada vez mais pertinente

admitir algum grau de contacto por via oceânica, a partir dos “mares do Norte”, tendo em

conta emergentes indícios que concorrem para uma efectiva comunicação entre as Ilhas

Britânicas e destas com o continente e, quem sabe, uma possibilidade de exploratórias

navegações de cabotagem pelos recortes ocidentais da costa atlântica.

Genericamente, este período implicou rupturas e alterações, particularmente

evidentes nas estratégias de povoamento, na disseminação da liga de bronze na metalurgia, na

adopção de novas opções de culto funerário e numa personalização iconográfica do poder.

O “mundo dos mortos”, com algumas excepções, encontra-se praticamente ausente do

registo arqueológico conhecido. A Idade do Bronze marca o fim das deposições colectivas e

uma tendência para a individualização da morte, fenómeno manifestado num claro

desinvestimento e uniformização das arquitecturas sepulcrais. Mais evidente no Sudoeste

Português, bem como em outras áreas culturais do sul peninsular, a individualização do ritual

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de enterramento é menos clara na Estremadura e nas Beiras, não apenas pela falta de

evidências contextuais, mas também pela reutilização de monumentos megalíticos neo-

calcolíticos (a Roça do Casal do Meio poderá inscrever-se como um exemplo “Atlântico”

deste fenómeno), pela (re)utilização em continuidade de cavidades naturais, sobretudo na

Estremadura, ou pela difícil detecção, no registo arqueológico, de outras opções funerárias

como a incineração ou o “lançamento” dos corpos no abismo (fendas, falésias, rios e mar).

A “singularização da morte” poderá ser entendida como reflexo da desagregação da

vida comunitária, suprida por uma emergente sociedade em processo de complexificação e

estratificação, prevendo o advento de sistemas de tipo “chefado”, tendencialmente

hereditários. As inumações, além de individuais, contêm um espólio diferenciado, tanto em

adultos, como em jovens e crianças, o que concorre para a aludida hierarquização social e

transmissão do poder pelo sangue. Observa-se uma diferenciação dos indivíduos que, tal

como na vida, transportam na morte os seus ícones estatutários, por vezes compostos de um

espólio de grande riqueza.

Outra mudança detectável revela-se numa mais nítida separação entre o “mundo dos

vivos” (povoados) e o “mundo dos mortos” (necrópoles), revelada, sobretudo, num plano

simbólico, pois fisicamente o distanciamento já era uma realidade. Enquanto no mundo

funerário megalítico as necrópoles significavam um prolongamento dos espaços domésticos,

apresentando um pacote artefactual funerário de cariz quotidiano, contendo as mamoas, em

alguns casos, fragmentos cerâmicos e outros restos provenientes dos povoados (Silva e

Soares, 1981); já na Idade do Bronze parece existir uma declarada opção por artefactos

especiais, nomeadamente algumas formas de cerâmica que, em muitos casos, são produzidas

especificamente para uma utilização ritual funerária – função exclusivamente votiva.

Relativamente às estelas decoradas do Sudoeste Peninsular, também conhecidas por

de Guerreiro, de Tipo Extremeño ou de Tipo II, estas têm vindo a revelar-se como um

excelente “fóssil director” para a progressão temporal e espacial dos já referidos impulsos

culturais, para a consequente dinâmica de transformações histórico-culturais e para a

compreensão do fenómeno de complexificação social ocorrido ao longo da Idade do Bronze.

Por outro lado, tendo em conta a natureza dos objectos gravados nas estelas, alguns de

consensual origem oriental, estas têm constituído um recorrente argumento na defesa de teses

acerca da “pré-colonização” (Arruda, 2008, p. 365). Estes monumentos têm vindo a ser

datados de uma fase avançada do Bronze Final – “entre os séculos X e IX a.C. ou mesmo IX-

VIII a.C.” (ob. cit., 366).

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Constituindo verdadeiros “mitos de sobrevivência” (Edgar Morin), numa tendente

personificação iconográfica do poder, parecem integrar “a morte dos grandes personagens,

de forma a permitir que a cultura e a organização social se reproduzissem no seio da

memória colectiva” (Gomes, 1992, p. 117), numa “dinástica” estratégia de manutenção e

continuidade da sua influência nas comunidades que lideravam, no “que julgamos ter sido o

suporte social e administrativo do Sudoeste Peninsular durante a Idade do Bronze Final”

(ob. cit., p. 117). “Associar ao defunto armas reais, produzidas em metal, ou gravar na

tampa da sepultura [ou estela] a respectiva figuração não nos parece essencialmente

diferente, do ponto de vista da simbólica do poder” (Senna-Martinez, 2007, p. 126).

Trata-se, portanto, de um grupo de monumentos que demarcaria as sepulturas de um

privilegiado e limitado número de indivíduos com atributos de chefia – “grandes

personagens e guerreiros prestigiados, em alguns casos verdadeiros ‘heróis civilizadores’,

capazes de manter a organização social, imposta pela metalurgia e comércio dos metais e o

progresso em geral” (Gomes, 1992, p. 115); “exibem a posição social privilegiada de alguns

indivíduos ou a existência de rituais de antepassados (‘ancestor rituals’) conotados com

heróis-fundadores” (Parreira, 1998, p. 270). Recorde-se que a Idade do Bronze foi também o

palco dos homéricos “heróis civilizadores”, uma Odisseia de épicas viagens de descobertas,

de périplos mitológicos, de percursos iniciáticos e primordiais. Na Arrábida, entre o espólio

funerário dos dois “personagens” da Roça do Casal do Meio, foram exumados alguns itens

análogos aos figurados nas estelas do Sudoeste – duas pinças e um pente.

Ainda no domínio do simbólico mágico-religioso, assiste-se, na Idade do Bronze, à

gradual substituição de uma ritualidade rural de carácter feminino, figurada na “deusa-mãe”

(a natureza, a terra, o barro e a fecundidade), por uma iconografia manifestamente masculina,

patente na arte rupestre e nas estelas do Sudoeste (a guerra, o guerreiro, o metal, as armas e as

primeiras figurações do poder). A olaria, enquanto actividade tradicional do mundo das

mulheres, perde importância para a metalurgia, enquanto especialidade masculina. Os

restritos mistérios dos elementos ganham novos “alquimistas”, transformadores e produtores

de novas matérias. A “sagrada fertilidade” do barro e das oleiras é “brunida” pelo profano

metal dos metalúrgicos e guerreiros. As sociedades de tendência matriarcal, mais naturalistas

e igualitárias, são agora “maculadas” por um competitivo espírito guerreiro e pelas novas

hierarquias e emergentes elites.

Por seu turno, a pouca visibilidade arqueológica do mundo dos vivos na 1.ª Idade do

Bronze – sediados em povoados tendencialmente implantados em cotas baixas, perto dos

recursos naturais e sem preocupações defensivas – contrastará, no Bronze Final, com o

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“êxodo” para as topografias mais elevadas e naturalmente defensáveis, num fenómeno de

concentração demográfica em grandes povoados “eriçados” na paisagem (povoados de altura

e de cumeada). Porém, esta genérica tendência para o abandono e implantação e/ou

reocupação de povoados com evidente domínio visual da paisagem somente se manifestou,

em determinados âmbitos regionais, no seu acastelamento e, por vezes, na sua

“monumentalização” pela construção de complexos dispositivos defensivos.

No Alentejo Central, por exemplo, e de certa forma também na Arrábida, se bem que

numa escala proporcionalmente mais discreta, estes povoados de altura, fortemente

defendidos pela topografia natural e pelo recurso a estruturas de defesa, lançavam um claro

controlo visual e estratégico sobre as adjacentes paisagens e sobre um amplo território de

influência, particularmente sobre os recursos primários, sobre dependentes casais agrícolas,

sobre áreas de exploração de minério e sobre os eixos de comunicação regional e trans-

regional. Estes povoados, além de evoluídos e dominantes dispositivos de defesa,

significavam complexas e especializadas estruturas de representação do poder, enquanto

reflexos da organização económica das sociedades, hierarquizando o espaço em termos

geográficos, políticos, económicos e simbólicos, constituindo-se, ao longo do Bronze Final,

como “‘lugares centrais’, de onde partiam as directrizes administrativas, capazes de

conferirem prestígio às elites ali sediadas, mas, ainda, de proteger vidas humanas e os bens

que a comunidade, ou cada um dos seus membros possuía, e dos quais dependia a sua

sobrevivência” (Gomes, 1992, p. 105); “centros – políticos e económicos – de uma

população dispersa em pequenos povoados nos arredores” (Parreira, 1983, p. 167).

Naturalmente, o evidente crescimento demográfico, bem patente nos finais da Idade

do Bronze, implicou um longo processo evolutivo desencadeado durante a 1.ª Idade do

Bronze. Ao contrário do Calcolítico, estes novos povoados, extremamente alcandorados nas

paisagens serranas, tornam-se menos dependentes da proximidade directa aos recursos

básicos de subsistência, como os principais cursos de água e os terrenos agrícolas locais,

dominando-os, efectivamente, a alguma distância visual, compensando tecnologicamente esse

aparente distanciamento (García et al., 1999, p. 156-157). De facto, a tecnologia e a

especialização (agro-pecuária, mineira, metalúrgica... e náutico-portuária) terão, certamente,

constituído significativos argumentos de desenvolvimento, potenciando as riquezas e as

assimetrias que estão na base da complexificação social e da emergência das elites do Bronze

Final.

Segundo alguns autores, este modelo sugere relações de tipo “centro-periferia” – os

povoados centrais desenvolvem acentuada complexidade funcional e sócio-política, numa

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clara expressão das “tecnologias do poder”: arquitecturas de força, armas, meios de

comunicação e transporte, objectos de prestígio e luxo (Silva e Soares, 2006, p. 40). Nesta

perspectiva, os centros e as periferias relacionam-se num desigual e centrípeto sistema de

trocas e apropriação. Os povoados centrais absorvem eventuais “tributos”, matérias-primas e

mão-de-obra provenientes dos povoados subsidiários, devolvendo-lhes, por sua vez,

autoridade, controlo, organização e protecção. Esta aparente relação simbiótica, não muito

distante de realidades históricas, ou mesmo subactuais, terá produzido um dinâmico devir

populacional e naturais mutações sócio-políticas em todas as cinturas de povoamento. Assim,

no Bronze Final, as elites terão ido além do controlo destas alianças, concorrendo com outras

comunidades e regiões, especializando-se na acumulação de riqueza, passando de uma

estratégia assente exclusivamente no intercâmbio para uma estratégia de consumo –

“formação fortemente hierarquizada, aristocrática e ‘mercantilista’” (ob. cit., p. 42).

Ainda assim, as sociedades do Bronze Final, apesar de impulsionadas por novas

actividades produtivas e mais complexas estratégias económicas, vão denotando algum

conservadorismo, pois parecem continuar em parte dependentes das tradicionais actividades

primárias. Na verdade, a agro-pecuária conservará uma vital importância para a subsistência e

desenvolvimento das populações, justificando, em diversas áreas regionais peninsulares, a

inclusão do Bronze Final num último capítulo da Pré-História das Sociedades Camponesas.

Aparentemente, as estruturas económico-produtivas e os elementos básicos de

subsistência destas comunidades parecem encontrar-se bem estabelecidos e estabilizados

regionalmente desde épocas anteriores. Mesmo com o impulsionador advento da exploração

mineira e da metalurgia, algumas destas populações vão continuar a alicerçar as suas

economias e a respectiva acumulação de riqueza nas tradicionais actividades primárias:

agricultura, criação de gado, caça, pesca, marisqueiro e recolecção. Por outro lado, a par das

mais expressivas actividades tradicionais, personificadas nos pastores e nos agricultores, vão

surgir novas actividades especializadas: mineiros, metalúrgicos, novos artesãos e marinheiros

– “as principais forças produtivas de uma sociedade do tipo das chefaturas. Elites guerreiras

detinham o poder político e espiritual, através do controlo supra-familiar, territorial,

tecnológico e das principais fontes metálicas e de subsistência, bem como das rotas

comerciais” (Gomes, 1992, p. 104).

A propósito do desenvolvimento das sociedades camponesas do sul peninsular, com

base numa suposta sustentabilidade em produções cerealíferas de grande extensão,

nomeadamente no Sudoeste e Andaluzia, e recuperando a questão da(s) chamada(s) “crise(s)

do Calcolítico”, um recente estudo (Araus et al., 1997) veio documentar – a partir de isótopos

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de carbono obtidos em amostras carbonizadas de cevada, trigo e fava – “a improbabilidade

de, entre o Neolítico e o Bronze Final, ter existido irrigação de cereais e admitem apenas a

irrigação de hortícolas” (Senna-Martinez, 2009, p. 481).

Outros dados mais recentes, desta feita para o Sudeste Peninsular (Aguilera et al.,

2008, p. 1662), parecem corroborar a vulnerabilidade e insustentabilidade de tal esquema

produtivo, particularmente nas áreas peninsulares banhadas pelo Mediterrâneo, onde foi

registada uma progressiva perda de eficiência. Esta conclusão baseia-se no decréscimo do

tamanho, rentabilidade das colheitas e do conteúdo total de azoto por grão observado em

amostras exumadas no arqueossítio de Montefrío, numa sequência estratigráfica que abrange

cerca de 1500 anos (Neolítico e Calcolítico). Esta constatação não parece estar relacionada

com perdas na disponibilidade hídrica durante o cultivo, mas sim com um enfraquecimento

da capacidade dos solos, sobretudo para o trigo, o mais representativo cultivo deste sistema

agrícola. Estes trabalhos podem contribuir, “não só para a compreensão dos processos de

colapso dos ‘ensaios de complexidade calcolíticos’ que caracterizam a transição para a

Idade do Bronze, mas também, se extrapolável, o que pensamos possível, de alguns dos

colapsos que marcam, de modo semelhante, o final da 1.ª Idade do Bronze” (Senna-Martinez,

2009, p. 481) e, eventualmente, em determinados casos, o Bronze Final.

Mais uma vez, o nosso país não constitui aqui exemplo de vanguarda nos estudos

paleoambientais, ainda assim, algum trabalho tem vindo a ser desenvolvido. Por exemplo,

estudos palinológicos, realizados em turfeiras da Serra da Estrela, permitiram confirmar um

profundo impacto antrópico nas paisagens da região, particularmente no decorrer do Bronze

Final. Este impacto manifestou-se numa progressiva desflorestação, iniciada nas zonas

baixas, avançando até às zonas mais elevadas, presumindo uma intensificação da pressão

agropastoril (Knaap e Janssen, 1991; Knaap e Van Leeuwen, 1994).

Por outro lado, a arqueobotânica permitiu isolar, no sítio da Senhora da Guia de

Baiões (Beira Alta), algumas espécies com particular importância na dieta alimentar das

comunidades da Idade do Bronze. Numa região de excelentes solos agrícolas, a fava

predominou largamente sobre outras espécies como a ervilha, o trigo e a cevada (Senna-

Martinez, 2002, p. 109). A cevada também foi atestada na Beira Interior, pela presença de

impressões de grãos em cerâmica (Vilaça, 1995), o que também poderá indiciar a produção

de cerveja, na sua receita original.

Estes estudos permitiram, ainda, reconhecer a importância da recolecção e torrefacção

da bolota (Senna-Martinez, 2002, p. 109). Segundo Senna-Martinez, a contínua utilização

alimentar da bolota encontra-se seguramente documentada desde meados do 4.º milénio a.C.

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Depois de torrada e farinada, a bolota seria transformada em pão, uma evidência arqueológica

que acabou por corroborar as fontes clássicas: Estrabão, no volume III da sua Geographia,

atribui aos Lusitanos a prática do fabrico do pão de bolota (ob. cit., p. 124).

No que respeita à Estremadura, nela incluindo a Península de Setúbal, e tendo em

conta alguns dados atribuíveis ao 3.º milénio a.C., exumados em povoados como o Zambujal,

Vila Nova de São Pedro e Pedra do Ouro (Senna-Martinez, 2002, p. 110, cf. Hopf, 1981;

Paço, 1954; Silva e Tellez, 1954), continua a evidenciar-se uma tendência para uma

policultura complexa, combinando o sistema de regadio e de sequeiro, documentando a

exploração cerealífera, hortícola e frutícola, nomeadamente da vinha e do olival. A

policultura ainda hoje é utilizada em sociedades rudimentares, como segura estratégia de

subsistência face à imponderável acção do microclima e das pragas. Por exemplo, na América

do Sul, as comunidades andinas ainda hoje semeiam várias espécies de batata, em diferentes

solos e a diferentes cotas de altura, precavendo fracassos na colheita e garantindo uma

produção mínima para a sua subsistência.

Ainda relativamente à(s) crise(s) do Calcolítico, a totalidade das causas deste(s)

fenómeno(s) ainda escapa à investigação arqueológica, sendo melhor reconhecidos os seus

efeitos. As possíveis hipóteses explicativas divergem entre, por um lado, a crise da estrutura

político-social calcolítica (Silva e Soares, 1984); por outro, a crise económica, reflexo da

exaustão dos solos face às crescentes necessidades demográficas (Calado, 2001). A verdade é

que a expressão do povoamento regional (dimensão e número de povoados conhecidos), ao

longo do 3.º milénio, sofreu um inesperado esvaziamento, “que só viria a ser colmatado, em

novos moldes, nos finais do II milénio a.C.” (Calado et al., 2006, p. 167).

O problema fundamental da sustentabilidade dos fenómenos de complexificação

social consiste na existência, ou não, de um correlativo suporte económico (Senna-Martinez,

2009, p. 481). Para a legitimação e garantia do status quo e poder político das proclamadas

“emergentes elites da Idade do Bronze”, Senna-Martinez propõe uma estratégia combinada de

sistemas de wealth finance e staple finance. A estratégia de staple finance (financiamento a

partir de bens de consumo alimentar acumuláveis) nutre-se do controlo dos excedentes da

produção agro-pecuária, implicando, necessariamente, algum grau de coercibilidade e de

risco, pois depende do aumento do esforço produtivo das tradicionais sociedades rurais e do

desvio dos seus produtos em benefício dos grandes centros populacionais e das elites. Por seu

turno, a estratégia de wealth finance (financiamento a partir de bens de prestígio) permitia às

elites o sustento do seu domínio social pela conversão de alguns excedentes de produção

agro-pecuária em produtos de circulação controlada – bens de prestígio. “É neste âmbito que

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pensamos se enquadra a produção de armas e jóias metálicas cujo monopólio da produção,

circulação e utilização a um tempo sustenta e explica a emergência das elites da Idade do

Bronze” (ob. cit., p. 482). Este ponto de vista é igualmente sustentado pelo autor para o

Grupo Baiões/Santa Luzia (Senna-Martinez, 1996), sendo que os grandes factores de

transformação das sociedades camponesas pré-históricas peninsulares resultarão do impacto

dos contactos e “colonizações orientalizantes” (Arruda, 1999-2000).

Genericamente, as opções de fixação dos grupos humanos do Bronze Final

prenderam-se, claramente, com o controlo dos mais importantes recursos naturais,

particularmente de terrenos férteis, bem como, em determinadas regiões, de determinados

recursos minerais (cobre, estanho e ouro) e marinhos (marisqueiro, pesca, sal?). Por outro

lado, a proximidade às vias de comunicação e circulação de pessoas e bens, bem definidas

desde épocas anteriores, também foi determinante para as estratégias de implantação. O

incremento, em algumas regiões, da exploração mineira, associada à sua transformação e

produção de armas, ferramentas e artefactos de adoro, bem como à organização de novas vias

de tráfego e circulação destes produtos, terá acentuado as diferenças e desigualdades inter-

povoados e inter-regionais, aquilatadas pela disponibilidade das riquezas naturais e pelo

resultado das suas produções (quantidade, qualidade, tecnologia e especialização).

Neste ponto, há que desmistificar o verdadeiro impacto e alcance do advento da

metalurgia no conservadorismo das economias atingidas. Esta nova realidade não implicou,

seguramente, uma verdadeira revolução agrícola: não nos podemos esquecer que o

desenvolvimento da metalurgia do cobre e do bronze não revogou o recurso aos artefactos

líticos (elementos de foice, por exemplo) e, mesmo na Idade Média, a metalurgia do ferro

tardou a substituir os utensílios de madeira (Duby e Wallon, 1975, apud Senna-Martinez,

2002, p. 110). A evidente e generalizada prosperidade material observada neste período,

reflexo do harmónico desenvolvimento do trinómio agro-pastorícia/metalurgia/“primeiras

formas de circulação alargada”, terá acentuado as discrepâncias na distribuição dos bens e na

definição dos estatutos, verticalizando progressivamente a estratificação social. Esta ideia

surge particularmente evidenciada nas necrópoles, que apesar da pobreza material da maioria

dos espólios, vão também manifestando claras variações na distribuição de riqueza votiva.

Como veremos mais à frente, na qualidade de extremo sul da Estremadura (no sentido

amplo de Orlando Ribeiro, 1967), a Arrábida estabelecerá efectivas relações com outros

domínios regionais, de que o vasto interior alentejano e a restante Estremadura,

particularmente o vale do Tejo, serão os mais imediatos territórios.

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Tendo em consideração os dados disponíveis, o Alentejo impõe-se, de facto, como um

território Central no registo de ocupação para o Bronze Final do Sudoeste Português – uma

verdadeira centralidade geográfica e cultural. Na realidade, no arranque oriental da Serra de

Monfurado, define-se o ponto de convergência das linhas de festo das três bacias

hidrográficas dos grandes rios do sul: o Tejo, o Sado e o Guadiana. Este singular

entroncamento de caminhos naturais (festos e cursos de água) parece ter potenciado a fixação

de grupos humanos durante a Pré e a Proto-História, a julgar pela sua comprovada

representatividade arqueológica – nomeadamente como genético cenário do povoamento neo-

calcolítico e megalitismo alentejanos (Calado, 2004). Contudo, entre a região da Arrábida e a

região de Évora, parece definir-se uma “terra de ninguém”, onde são desconhecidos

significativos indícios de povoamento durante o Bronze Final. Esta aparente lacuna na malha

de povoamento apenas volta a ser contrariada no distante horizonte de Montemor-o-Novo, no

povoado do Alto do Castelinho da Serra (Burgess, 1998), o que abona em favor de uma

“autonomia” da região da Arrábida, relativamente ao mundo alentejano.

Segundo Rui Mataloto, e partindo dos dados disponíveis, a ocupação dos finais da

Idade do Bronze no Alentejo Central dificilmente configuraria sociedades plenamente

estratificadas, proto-estatais e proto-urbanas. As evidências coligidas sugerem antes um

modelo ainda assente nas tradicionais estruturas familiares de parentesco e numa limitada

produção de auto-subsistência. Neste contexto, entre estas comunidades indígenas, foram

emergindo determinadas linhagens de elementos socialmente destacados – os “Patriarcas”

(Mataloto, no prelo, cf. Barceló 1995). Estes líderes terão ascendido pela necessidade de

reunião e coordenação de vastos grupos humanos, em determinados locais estratégicos e de

elevada defensabilidade natural, motivados por conjunturas de potencial conflituosidade

territorial. A sua influência sobre a comunidade seria transmitida numa linguagem identitária,

trans-regional e de sentido gregário – um verdadeiro discurso de poder. A ideia de “guerra”,

efectiva ou simbólica, “jogou um papel fundamental na estruturação destas comunidades do

final da Idade do Bronze, tal como se perspectiva um pouco por toda a Europa” (Mataloto,

no prelo).

Nesta ordem de ideias, Senna-Martinez, baseado nos resultados da Tese de Mestrado

de Jessica Reprezas (2010), propõe outro “harmonioso mecanismo” de coesão comunitária.

Partindo da análise das decorações do espólio cerâmico do “Mundo Baiões/Santa Luzia”, a

investigadora aponta para uma elevada probabilidade na ocorrência de variantes sub-

regionais, o que, segundo Senna-Martinez (2010, p. 14) pode indiciar a existência de

diferentes linhagens de oleiras. A circulação de mulheres, sob a forma de alianças

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A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem

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matrimoniais, parece ter constituído um efectivo mecanismo de intercâmbio e difusão entre os

sítios, a nível local, regional e mesmo “inter-áreas culturais no Bronze Final da fachada

atlântica peninsular” (ob. cit., p. 16). Este fenómeno, além de difusor de “modas de

produção” (particularmente cerâmicas), reforçaria laços de coesão social.

Relativamente à região estremenha (na qual a Arrábida se integra), por se tratar de

uma área de limitada disponibilidade de recursos minerais, as suas comunidades terão

subsistido e prosperado graças ao bom aproveitamento dos seus solos, extraindo dividendos

da exploração agro-pecuária e, particularmente, do seu papel de “placa giratória” inter-

regional, com um enorme potencial de abertura a contactos marítimos, sobretudo

concretizados a partir do estabelecimento do interface orientalizante. Neste sentido, a

Estremadura beneficiou, sobremaneira, da sua localização geoestratégica, entre o norte (rico

em estanho e ouro) e o sul (abastado em cobre), e da confluência e excelência das suas vias

naturais de transitabilidade e comunicação – terrestres (os festos), fluviais (os grandes rios do

Sul – Tejo e Sado) e marítimas (o Atlântico).

João Luís Cardoso refere uma abundância de pequenos povoados atribuíveis ao

Bronze Final – último quartel do 2.º milénio a.C. e primeiro do milénio seguinte – registados,

particularmente, na baixa península de Lisboa/Baixa Estremadura. Segundo o autor, esta

ocorrência justifica-se, sobretudo, pelas propícias condições de fixação humana: “clima

ameno, excelente insolação, solos férteis, particularmente os correspondentes ao Complexo

Basáltico de Lisboa, cujos afloramentos ocupam boa parte da área em causa, e abundância

de água explicam o sucesso da fixação sedentária verificada no Bronze Final” (Cardoso,

1995a, p. 126). “A amenidade climática, temperada pela acção do oceano, os mananciais e

abundantes linhas de água, aliavam-se ao fácil acesso aos recursos marinhos (recolecção,

pesca, sal)” (Gomes, 1992, p. 106).

No decorrer do Bronze Final regional verifica-se a reocupação de uma série de lugares

estratégicos, abandonados desde finais do Calcolítico/inícios da Idade do Bronze, o que

demonstra a importância do controlo do espaço e das suas principais vias de comunicação

(Senna-Martinez, 2002, p. 111). Luís Cardoso detém-se na evidente dicotomia entre os

pequenos povoados (casais agrícolas de encosta) e os maiores povoados de altura,

justificando a sua coexistência com a crescente hierarquização social que marcou a evolução

da sociedade no decurso do Bronze Final. Assim, os povoados de altura, defendidos

naturalmente e eventualmente reforçados com dispositivos de defesa, abrigavam as elites

controladoras do território: “a estrutura tribal dá lugar a um regime de chefaturas onde

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A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem

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começam a manifestar-se formas embrionárias de organização estatal” (Silva e Soares,

1986, p. 116).

Dos trabalhos de João Luís Cardoso na região estremenha, de destacar a escavação na

Tapada da Ajuda, hoje sob o campo de rugby do Instituto Superior de Agronomia, em Lisboa

(Cardoso e Silva, 2004). Trata-se de um povoado aberto, atribuível ao Bronze Final, com uma

área original de cerca de 200 x 100 m, implantado em cotas médias entre os 100/115 m de

altitude, numa suave encosta de boa exposição meridional/sul, com excelentes solos agrícolas

e junto de um curso de água que desagua no Tejo. Estas condições repetem-se em numerosos

outros sítios da região – pequenos povoados que dificilmente ultrapassam, na maior parte dos

casos, as dimensões de casais agrícolas de raiz familiar.

A área em causa propiciou, assim, convidativas condições à fixação de populações

sedentárias e pacíficas, dedicadas ao cultivo da terra e à pastorícia, durante todo o ano. As

prospecções realizadas na zona da Tapada da Ajuda permitiram recolher um copioso conjunto

de elementos de foice sobre lascas de sílex de bordos denticulados, indício indirecto de

actividade agrícola, mais precisamente de produção cerealífera. A agricultura terá sido

complementada pela criação de gado (bovino, ovicaprino e suíno), pela pesca e recolecção

marisqueira no estuário do Tejo e nas costas rochosas do Oceano, bem como por uma residual

actividade venatória (coelho e veado), na qual também se inscreve a presença do cão

(Cardoso, 1987; Gomes, 1992, p. 107). De acrescentar, ainda, evidências de produção

queijeira, atestada pela ocorrência de fragmentos de “cinchos”, vulgo queijeiras (Cardoso e

Silva, 2004, p. 268). No que respeita à cronologia absoluta, esta foi aferida a partir do

resultado ponderado de cinco datações radiocarbónicas que apontam para uma provável

ocupação do sítio durante o século XIII a.C.

A região estremenha tem vindo a revelar outros sítios de habitat onde foram

registados materiais semelhantes aos observados na Tapada da Ajuda, destacando-se as

cerâmicas carenadas, por vezes brunidas, abundantes elementos de foice em sílex, além de

fauna mamalógica e malacológica, vestígios que vão sugerindo idênticas estratégias de

exploração dos recursos naturais (Marques e Andrade, 1974; Gomes, 1992, p. 107). Na

margem sul do Tejo, as opções económicas aparentam semelhanças, mesmo tendo em conta

tratar-se de uma região de solos menos produtivos. Os povoados por aqui identificados

(Ramalha, Quinta do Almaraz, Quinta do Percevejo e Quinta do Marcelo) registaram

cerâmicas de formas hemisféricas, carenadas, algumas de colo alto, fundos planos, decoração

brunida e digitada. A análise das pastas isolou elementos basálticos, o que sugere a sua

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A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem

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importação a partir da margem norte do Tejo (Barros e Espírito Santo, 1991; Gomes, 1992, p.

107).

Mesmo na sua segunda etapa (séculos IX-X/VII), em que o Bronze Final estremenho

sofre “a interferência da rede fenício-orientalizante de comércio com as redes de circulação

do Bronze Final Atlântico [esta] não produzirá transformações imediatas no que se configura

como um tipo de ‘modo de produção domestico’ virado essencialmente para o autoconsumo e

em que o baixo nível de circulação parece obedecer a razões sociais não directamente de

raiz económica” (Senna-Martinez, 2002, p. 111). Pelo menos numa primeira fase, os

marinheiros fenícios vão introduzir os seus artigos nos pólos de produção e de troca

locais/indígenas, não como bens de consumo, mas como bens de prestígio específicos, numa

relação de troca desigual, típica de um sistema de comércio colonial (Aubet, 1994; Senna-

Martinez, 2002, p. 111-112). Tudo aponta para um modelo de autoconsumo, de fraco espectro

de circulação das produções metalúrgicas locais, modelo este particularmente patente nas

regiões centro-atlânticas/beirãs, sendo presumivelmente extrapolável à Estremadura e

Noroeste e aguardando confirmação a Sul, por meio de dados que confirmem ou infirmem

esta tendência (Senna-Martinez, 2002, p. 111, 124).

Fig. 8 – Estela de Ategua/Córdoba, in Museo Arqueológico de Córdoba (foto de R. Soares).

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6. O Bronze Final na região da Serra da Arrábida: a vida, a morte... e as paisagens

“Quem de Lisboa observar o horizonte ao sul do Tejo descobre no seu extremo a crista de uma serrania, que se desenvolve de leste a oeste entre os dois velhos castellos de Palmela e Cezimbra, sendo dominada ao centro pelas penhascosas montanhas do Formosinho e Picoto da

Arrábida. Esta serie de montes prende-nos a attenção pelo bello e accidentado das suas formas e suggere no nosso espírito o desejo de conhecer a sua origem e historia”.

António Ignácio Marques da Costa, 1902

“Eu tenho três mil anos: sou Poeta. Surgi dos lábios secos dum asceta,

de uma oração que Deus deixou de parte”. Sebastião da Gama, Florbela, Arrábida, 1943

Como já referido, o passado cultural subjacente ao Bronze Final constitui uma “época

de trevas”, “de materialidade arqueológica muito pouco visível” (Vilaça, 1995, p. 23). A 1.ª

Idade do Bronze foi, em todo o sudoeste peninsular, uma época de colapso e de vazios – a

região da Arrábida não constitui aqui excepção: “até à data, não foi identificado nenhum

sítio, nenhum artefacto sequer, que sustentem a hipótese de uma qualquer continuidade entre

o Calcolítico final, na segunda metade do III, e os finais do II milénio a.C. Porém, claro, a

ausência de provas não é a prova da ausência” (Calado et al., 2009, p. 27).

Todavia, decorrido o misterioso hiato do “Bronze Médio”, verifica-se, no Bronze

Final, uma inesperada explosão populacional, com assinaláveis manifestações materiais.

Também aqui a Arrábida não fugiu à regra, pelo contrário, a presença humana na região

reaparece excepcionalmente fervilhante.

Eduardo da Cunha Serrão, na sua Carta Arqueológica do Concelho de Sesimbra

(desde o Paleolítico antigo até 1200 d.C.) (Serrão, 1973) e Carta Arqueológica do Concelho

de Sesimbra (do Vilafranquiano Médio até 1200 d.C.) (Serrão, 1994); Carlos Tavares da

Silva e Joaquina Soares na obra de síntese Arqueologia da Arrábida (Silva e Soares, 1986) e

Tavares da Silva e outros autores, em Património Arqueológico do Distrito de Setúbal.

Subsídios para uma carta arqueológica (Ferreira et al., 1993); seguidos de João Luís Cardoso

na sua Breve Síntese Baseada nos Principais Testemunhos Arqueológicos – Arqueologia da

Região Meridional da Península de Setúbal (Cardoso, 1998) e Na Arrábida, do Neolítico

Antigo ao Bronze Final (Cardoso, 2000), coligem a escassa informação relativa aos achados

enquadráveis na Idade do Bronze, identificados na região da Arrábida:

• Dois machados de alvado em bronze, referenciados em Alfarim/Sesimbra, um deles sem

anéis e outro de duplo anel lateral (Serrão, 1967, 1973, 1975; Cardoso 1998, 2000). Trata-

se de peças de tipologia “atlântica”, de provável produção estremenha, ocorrendo muito

esporadicamente na área mediterrânea (Serrão, 1975, p. 214; Silva e Soares, 1986, p. 129;

Cardoso, 2000, p. 67). Estes achados de “Alfarim”, tendo em conta as imprecisas

informações disponíveis, parecem descontextualizados, tanto mais que no local referido

não existem evidências atribuíveis à Idade do Bronze, nem nas proximidades.

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A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem

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• Os bronzes das Pedreiras/Sesimbra: um machado de alvado de duplo anel lateral e uma

foice de talão, de “tipo Rocanes” (Serrão, 1967, 1973, 1975; Cardoso, 1998, 2000), “de

produção local ou regional, como indica a presença de molde de fundição deste tipo de

artefacto encontrado em Rocanes (Sintra)” (Cardoso, 1998, p. 31). Este achado remete-

nos para a importação de minérios de cobre e de estanho pelas populações estremenhas,

provavelmente permutados por matérias-primas produzidas nesta região. Embora sem

referência exacta ao sítio da sua descoberta, a povoação de Pedreiras situa-se numa zona

de grande materialidade arqueológica para o Bronze Final: o autor e Miguel Amigo, nas

suas prospecções para a Carta Arqueológica de Sesimbra, identificaram um núcleo de

concentração de povoamento, integrável na periferia poente do povoado das Terras do

Risco.

• O monumento funerário da Roça do Casal do Meio, Calhariz/Sesimbra (Spindler et al.,

1973-74; Gomes, 1992, p. 108; Vilaça e Cunha, 2005; Harrison, 2007; Calado et al.,

2009).

• O espólio cerâmico da Lapa do Fumo, nos Pinheirinhos/Sesimbra, com destaque para a

primeira “aparição” publicada no nosso país dos chamados “ornatos brunidos” (Serrão,

1958, 1973, 1975).

• O conjunto arqueológico exumado na Lapa da Furada, na Azóia/Sesimbra (Cardoso,

1993, 1997; Cardoso e Cunha, 1995).

• O povoado de altura do Castelo dos Mouros (Rasteiro, 1897; Silva e Soares, 1986, p. 129;

Gomes, 1992, p. 107; Ferreira et al., 1993, p. 271-272; Cardoso, 2000, p. 67).

• O povoado do Bronze Final instalado na foz do Sado, na Colina de Santa Maria, na zona

urbana de Setúbal – Caetobriga (Silva e Soares, 1986; Gomes, 1992, p. 107; Cardoso,

2000, p. 67; Soares, 2000a; Arruda, 1999-2000), ocupando uma encosta baixa,

sobranceira à área lagunar e à praia fluvial da margem direita da foz do Sado, indiciando

uma ocupação de “substrato autóctone tardio da Idade do Bronze Final que beneficiou,

no século VIII a.C., das influências culturais provindas com o comércio fenício” (Gomes,

1992, p. 108).

• O Bico dos Agulhões I, sítio em fase de caracterização, entre a Serra do Risco e o

Portinho da Arrábida, que segundo a base de dados Endovélico terá manifestado

evidências correspondentes à “Idade do Bronze/Idade do Ferro”: cerâmica manual e a

torno e eventuais restos de estruturas, ou naturais afloramentos calcários e de brecha.

• De acrescentar, ainda, o Castro de Chibanes (Serra do Louro/Palmela) e a Lapa da Rotura

(Serra de São Luís/Setúbal – já destruída pela acção das pedreiras), arqueossítios onde

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parece terem sido identificadas cerâmicas de ornatos brunidos (Silva e Soares, 1986, p.

128, cf. Spindler et al., 1973-74).

A estes parcos vestígios, no conjunto bem “insinuantes” (sobretudo o monumento

funerário da Roça do Casal do meio, o povoado do Castelo dos Mouros e algumas grutas),

uma mais recente investigação, com base em prospecções sistemáticas no âmbito dos

projectos da nova Carta Arqueológica de Sesimbra (Calado et al., 2009) e da Carta

Arqueológica da Arrábida/Setúbal (em curso), conduzidos por Manuel Calado e nos quais o

signatário participa, tem vindo a averbar novas evidências de ocupação humana, enquadráveis

em cronologias do “Bronze Final arrábido”. Os “antigos” sítios também foram (re)visitados, à

luz de perspectivas mais “panorâmicas” e actualizadas.

Na verdade, há muito que curiosas sugestões de carácter poético (e, até certo ponto,

profético), relativas a um interessante “Passado de Bronze”, vinham aflorando pela região. Já

no século XVI, André de Resende e Gaspar Barreiros atribuíram o homérico topónimo às

“ruínas romanas de Tróia”, sítio que acabou por ser escavado no século XVIII, por ordem da

Rainha D. Maria I, tornando-se no primeiro episódio de intervenção arqueológica no nosso

país. Mais tarde, em 1943, desta feita pelo aparo de um “poeta visionário”, Sebastião da

Gama, num poema em memória de Florbela Espanca, e referindo-se à Arrábida, escreveu o

seguinte: “Eu tenho três mil anos: sou Poeta. Surgi dos lábios secos dum asceta, de uma

oração que Deus deixou de parte”. Em 1962, Eduardo da Cunha Serrão, na contra-capa da

sua “preambular” Carta Arqueológica de Sesimbra (Serrão, 1962), desenhou um “auspicioso”

hippoi a desembarcar na Arrábida (fig. 6). Por fim, em 1998, na sequência do projecto

Navegando pelo Império dos Mares, desenvolvido pela Associação Laitau (Preservação e

Dinamização do Património Naval e Cultural do Rio Sado), organização da qual o autor é

associado fundador e dirigente, partiu de Abul uma flotilha de três Galeões do Sal

(embarcações tradicionais do Sado), com destino a Cádiz e recuperando a antiga rota dos

Fenícios. No regresso, na boca do Sado, o “santuário de chegada” da Lapa da Cova voltou a

surgir no horizonte arrábido, prenunciando, 12 anos antes, a sua futura escavação.

A Arrábida tem vindo, assim, a revelar-se como um território praticamente virgem,

não “beneficiando” dos impulsos da pressão humana e do crescimento urbanístico, teimando

em esconder os testemunhos do seu Passado. Hoje, a descoberta de olvidados sítios depende

de uma atenta análise cartográfica, do profundo conhecimento da área e da aventura empírica

da sua exploração, onde a aspereza da vegetação e a vertigem do abismo constituem sérios

obstáculos à progressão. Neste sentido, a prospecção tem vindo a assumir-se como a principal

ferramenta da investigação arqueológica, pelo menos nesta primeira fase. A jusante, e a seu

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A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem

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tempo, há que aprofundar verticalmente, e numa perspectiva integrada e comparada, os

vestígios disponíveis, de forma a desenhar um quadro mais completo da sequência de

ocupação deste território.

Se, por um lado, a prospecção arqueológica produz uma informação superficial, com

naturais limitações diacrónicas e sincrónicas; por outro, permite uma visão de largo espectro

espacial e temporal e uma interpretação mais alargada de um determinado território,

permitindo identificar uma diversidade de sítios arqueológicos, inscritos numa paisagem

envolvente – física, cultural e ritual – ficando definido o seu potencial e prioridade para

futuras escavações. De salientar a total ausência de dados de escavação para os contextos de

habitat atrás referidos, sendo a informação disponível, à data, exclusiva de acções de

prospecção.

Conhecendo o território e partindo dos sítios arqueológicos identificados, torna-se

quase intuitiva a descoberta de novos sítios, “basta ligar os pontos” – “prospectar é preciso.

Uma das temáticas emergentes na arqueologia pré-histórica portuguesa (e não só) é,

precisamente, a questão das continuidades, das sobrevivências, das reutilizações, para além

das épocas em que, por razões metodológicas, a investigação costuma segmentar o tempo”

(Calado et al., 2009, p. 31).

Fig. 9 – A Península da Arrábida e a localização de alguns dos sítios tratados. Os pontos vermelhos referem-se a sítios do Bronze Final, os pontos verdes referem-se a sítios da Idade do Ferro: 1 - povoado do Risco; 2 - povoado do Castelo dos Mouros; 3 - povoado da Serra da Cela; 4 - povoado de Valongo (I); 5 - “atalaia” de Valongo (II); 6 - “casal agrícola” da Quinta do Picheleiro; 7 - Bico dos Agulhões; 8 - Pedreiras; 9 - Roça do Casal do Meio; 10 - Lapa do Fumo; 11 - Lapa da Furada; 12 - Gruta do Médico; 13 - Lapa da Cova; 14 - Fenda; 15 - povoado da Casa Nova; 16 - povoado da Meia Velha; 17 - necrópole do Casalão; 18 - Alfarim (imagem Google Earth adaptada).

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Fig. 10 – Os bronzes de Pedreiras e “Alfarim”: em cima, um machado de alvado de duplo anel lateral e uma foice de talão, identificados em Pedreiras (Sesimbra); em baixo, os dois machados de alvado presumivelmente referenciados em Alfarim (Sesimbra), um deles sem anéis e outro de duplo anel lateral (adaptado de Serrão, 1994, p. 47 e 85).

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6.1. Os sítios de habitat

“Nos pittorescos valles do Picheleiro, Gralhal, Alcube, Barris, etc., poderia pastorear os seus rebanhos; sobre os penhascos das collinas edificaria as suas habitações fortificadas e os seus castros;

poderia cultivar as varzeas, como a do Bomfim, hoje coberta de laranjaes; e nas lapas abertas nas rochas guardaria religiosamente os restos dos que passavam á eternidade”.

Ignácio Marques da Costa, 1902

Além da descrição e caracterização dos sítios de habitat abaixo elencados, pretendeu-

se compreender o seu funcionamento e os modelos de gestão praticados pelas comunidades

que os habitavam e, sobretudo, descortinar o papel que estes desempenharam na rede regional

de povoamento que presumivelmente integravam. Na caracterização dos povoados são

destacadas as suas particularidades como, também, as relações que os articulam.

6.1.1. Povoado aberto das Terras do Risco – base agro-pastoril

Na sequência dos trabalhos de prospecção (2007-2009) para a nova Carta

Arqueológica do Concelho de Sesimbra, publicada em Setembro de 2009 sob o título O

Tempo do Risco (Calado et al., 2009), foi identificado, no vale adjacente à encosta norte da

Serra do Risco (Sesimbra), na singular paisagem localmente conhecida por “Terras do Risco”

e “Terras do Meio”, um vasto povoado aberto, sem aparentes estruturas amuralhadas ou

fossos, ocupando uma área de cerca de 100 ha, “o que o coloca entre os mais vastos da

Europa” (ob. cit., p. 47).

Porém, a singular dimensão do povoado do Risco não foi imediatamente aferida. Em

2007 foi identificado um primeiro núcleo artefactual com cerca de 5 ha, denominado de

“povoado das Marmitas”, que, na verdade, representava apenas a ponta de um imprevisível

iceberg. Ulteriormente, em 2009, numa fase final dos trabalhos de prospecção, dedicados à

revisão de áreas de difícil prospectabilidade, e para grande surpresa da equipa, foi sendo

revelado, em cada clareira da vegetação, “um povoado de dimensões inauditas, descrevendo

um arco de círculo, junto ao monumento da Roça do Casal do Meio (...). O povoado – que,

entretanto, passámos a designar por povoado do Risco – estende-se por uma área, mais ou

menos contínua” (ob. cit., p. 29). Na verdade, o povoado das Marmitas e o povoado do Risco

“correm o risco” de serem uma e a mesma coisa.

Os materiais de superfície identificados, um pouco por todas as janelas de prospecção

permitidas pela densa vegetação arbustiva, muito fragmentados e em alguma abundância,

indiciaram uma cronologia relativa correspondente aos finais da Idade do Bronze. Trata-se de

um muito disperso conjunto artefactual de fragmentos cerâmicos, onde se destacam os bordos

simples, os fundos planos, algumas carenas e mamilos. De destacar, também, um elemento de

foice em sílex, recolhido nas imediações da Roça do Casal do Meio, um indício indirecto de

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actividades agrícolas.

O enquadramento deste(s) sítio(os) num horizonte do Bronze Final, em termos muito

amplos, deveu-se a um conjunto de observações relativas que excluíram outras atribuições

culturais. O Neolítico Antigo teria algum cabimento, apenas atendendo ao facto existir na

área um povoado do Neolítico Antigo – Casal do Meio 1 (Calado et al., 2009, p. 95).

Contudo, a inaudita dimensão da área em causa, além da total ausência de cerâmicas

decoradas e do pouco sílex identificado, descartou liminarmente esta cronologia. O Neolítico

Médio, não tendo paralelos conhecidos na região, sendo mal caracterizado ergologicamente,

implicaria, pelo menos, uma maior presença de sílex. O Neolítico Final/Calcolítico seria, de

certa forma, plausível, pelo menos em termos de implantação e de contexto, tendo em conta o

povoado do Neolítico Final/Calcolítico identificado junto ao algar dos Ouriços (ob. cit., p.

99). Porém, a ausência de formas abertas não abona em favor de cronologias neolíticas, além

de se exigir, para o efeito, uma maior ocorrência de sílex e de outros fósseis directores como

os pesos de tear, o barro de cabanas, etc. Por seu turno, o Bronze Antigo/Médio, por se tratar

de um período mal conhecido, deverá ser sempre tido em conta, tanto mais que continuam em

aberto questões genéricas relacionadas, por um lado, com a(s) crise(s) do Calcolítico, com

repercussões ao longo de praticamente todo o 2.º milénio; por outro, com a pujante

emergência do povoamento do Bronze Final, após um longo período de retracção

demográfica. Por fim, o Bronze Final: a observação da cerâmica identificada, particularmente

das suas pastas, cozeduras, tratamentos de superfície e formas (contentores fechados,

considerando a relação muito expressiva entre fragmentos de parede e bordos, a ocorrência de

diversos fundos planos e de algumas carenas), para além do referido elemento de foice,

justificaram, assim, a inclusão desta grande área de povoamento no âmbito cronológico do

Bronze Final.

Outros dados já faziam prever esta inferição temporal: a suposta reutilização do

monumento funerário neo-calcolítico da Roça do Casal do Meio, como sepultura de elites

indígenas durante o Bronze Final, conforme a proposta de Richard Harrison (Harrison, 2007),

baseada na análise de documentação inédita das escavações de Konrad Spindler (Spindler et

al., 1973-74); as reutilizações, quase sistemáticas, das cavidades cársicas durante o Bronze

Final, um fenómeno bem documentado em Sesimbra e que completa o quadro mental que

presidiu à reutilização da Roça do Casal do Meio; a descoberta do núcleo artefactual das

Marmitas (Calado et al., 2009, p. 98), vindo resolver, à partida, a questão dos “indígenas vs

intrusos”, criando um contexto local para o referido monumento funerário; o carácter

“elitista” dos dois enterramentos da Roça do Casal do Meio exigindo, naturalmente, a

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existência de um povoamento mais intenso, para além do povoado das Marmitas, com ou sem

solução de continuidade; outros claros indícios do Bronze Final verificados nas imediações,

tais como os achados metálicos das Pedreiras e, sobretudo, o povoado do Castelo dos Mouros.

O grande povoado da Terras do Risco define-se num arco de círculo, ao longo da meia

encosta das vertentes e imediações do vale do Risco (“polje”), adossado, nas extremidades, à

própria Serra do Risco. De assinalar a elevada fertilidade dos solos da base sedimentar deste

vale, potencialmente explorados desde o Neolítico, até à actualidade.

Na sua envolvente, e em presumível relação, registaram-se duas cavidades: a Lapa da

Ovelha ou da Nazaré (ou ainda da Cereja, topónimo dado pela equipa – “a Cereja no topo do

povoado”), aberta a meia encosta na vertente oriental do vale, acima da Roça do Casal do

Meio, numa perspectiva dominante sobre todo o povoado e a merecer, por tudo isto, uma

futura sondagem; e, sobre o mar, na vertente sul da Serra do Risco, na cota dos 260 m, o

arrebatador monumento natural da Lapa da Cova.

Ainda na envolvente do Risco, e além das referidas cavidades, de assinalar algumas

paisagens de elevado potencial simbólico. As Marmitas do Gigante, por exemplo, nas

imediações de vestígios reportáveis a várias épocas, designadamente do povoado da Idade do

Bronze, constituem um raro fenómeno de erosão hídrica, causado pelo milenar fluxo da

Ribeira das Marmitas nos degraus de um afloramento calcário. A torrencial hidrodinâmica,

mobilizadora de pesados seixos rolados, foi esculpindo, ao longo dos tempos, formas ímpares

na rocha, de notável identidade. Mesmo não tendo oferecido, até à data, evidências

arqueológicas, o sítio, além de proporcionar alguns abrigos “sob pala”, reveste-se de inegável

potencial enquanto “santuário natural”, bem ao jeito das paisagens de eleição da Idade do

Bronze. Nesta linha, também o ponto mais elevado da crista do Risco estampa uma eventual

paisagem ritual. O “Píncaro”, de seu nome, justifica o topónimo dominando simetricamente,

do alto dos seus 380 m, todo o vale e povoados adjacentes. Por sinal, este cume registou um

fragmento de machado de pedra polida, além de vestígios estruturais de época indeterminada

(Calado et al., 2009, p. 99). Curiosamente, a “anatomia” da Serra do Risco também é bastante

sugestiva, mesmo para os observadores menos imaginativos – a sua linha de cumeada

descreve o perfil perfeito de uma cara virada ao céu, com evidentes semelhanças com a “Peña

de los Enamorados” (fig. 17), em Antequera (Andaluzia/Espanha), local onde se comprova

uma manifesta relação com um extraordinário monumento megalítico – Cueva de Menga

(Romero e Ruiz, 2009).

De assinalar, ainda, numa cota inferior em relação ao grosso dos vestígios atribuíveis

ao Bronze Final, dois núcleos de povoamento que documentaram fragmentos cerâmicos e

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A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem

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artefactos líticos de épocas precedentes: um povoado do Neolítico Antigo no Casal do Meio

(ob. cit., p. 95); e um povoado do Neolítico Final/Calcolítico, junto ao algar dos Ouriços (ob.

cit., p. 99). Na base do vale, nas imediações do Casal do Risco, foram registados diversos

“megalitos” alongados, de arenito e brecha, alguns ortostáticos e aparentemente alheios ao

contexto geológico (ob. cit., p. 99).

Em suma, o povoado do Risco, tendo em conta a informação disponível à data – uma

topografia de implantação de cota baixa, sem aproveitamento de condições naturais de defesa

e não revelando, aparentemente, qualquer tipo de estrutura defensiva, numa área de

excepcional dimensão, sem paralelos conhecidos no contexto peninsular, que não se traduz

numa boa densidade de materiais de superfície, pelo contrário, adivinhando-se mesmo

estratigrafias “magras” – parece apontar para um disperso conjunto de pequenos casais

agrícolas, subsidiários de outro(s) povoados(s) de altura. Outra alternativa, para a qual

existem alguns indícios, é a de se tratar de uma “aldeia”, de malha urbana pouco concentrada

(Mataloto, no prelo).

Fig. 11 – A Serra do Risco - “A serra tem o ar de uma onda que avança impetuosa e subitamente estaca e se esculpe no ar; é uma onda de Pedra e mato, é o fóssil de uma onda” - Sebastião da Gama (foto de R. Soares).

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Fig. 12 – Área de implantação do povoado do Risco no extracto da folha 465 da CMP esc. 1:25000.

Fig. 13 – Os principais núcleos de povoamento do Risco e a sua relação com outras realidades da envolvente (imagem Google Earth).

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Fig. 15 – Reconstituição hipotética do povoado do Bronze Final das Terras do Risco (desenho de Mariana Croft in Calado et al., 2009, p. 50).

Fig. 14 – A Serra e o vale do Risco - “polje” (foto de R. Soares).

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Fig. 16 – Fragmentos de cerâmica manual observados nas prospecções da área do povoado do Risco, alguns em conexão, designadamente carenas, bordos simples e perfurações (fotos de R. Soares).

Fig. 17 – “Paisagens anatómicas”: à esquerda a Peña de los Enamorados, em Antequera/Andaluzia (foto de Manuel Calado); à direita a Serra do

Risco/Sesimbra (foto de R. Soares), cujos perfis desenham a forma de caras viradas ao céu.

Page 62: A arrábida no Bronze Final: a Paisagem e o Homem (SOARES, R., 2013)

A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem

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6.1.2. Povoado de altura do Castelo dos Mouros – povoado central (?)

O “monte fortificado” do Castelo dos Mouros, também conhecido nos textos antigos

como “Jogo dos Mouros”, foi o primeiro povoado da Idade do Bronze identificado na

Arrábida (Rasteiro, 1897), e será, até ver, o mais imponente e inexpugnável do ponto de vista

defensivo, tanto no aproveitamento das condições naturais, como nas estruturas de defensa

edificadas – “parece de uma só pedra, é nu, alveja ao longe como lençol gigante estendido

na serra” (Rasteiro, 1897, p. 33). Implantado no monte de Alvide, ou Olivide, trata-se de um

“local elevado, em crista, de difícil acesso, com óptimas condições naturais de defesa,

situado na encosta norte da Serra da Arrábida” (Silva e Soares, 1986, p. 129).

Carlos Tavares da Silva e Joaquina Soares, a partir das suas prospecções no local,

referem um fragmento cerâmico, “talvez do Calcolítico final, integrável no grupo inciso da

cerâmica campaniforme” (Silva e Soares, 1986, p. 127), além de “fragmentos de cerâmica

atribuíveis ao Bronze Final, mas desprovidos de ornatos brunidos” (ob. cit., p. 129). Em

1993, o sítio dá entrada no texto Património Arqueológico do Distrito de Setúbal – subsídios

para uma carta arqueológica, fazendo referência a uma ocupação da Idade do Bronze e,

outra, dos Finais da Idade do Ferro/Período Romano Republicano (Ferreira et al., 1993, p.

271-272), sendo de notar a ausência da anterior referência ao Calcolítico. Novas prospecções

(a partir de Dezembro de 2010), no âmbito da Carta Arqueológica da Arrábida/Setúbal, não

permitiram confirmar o Calcolítico.

Estas recentes visitas possibilitaram uma melhor e merecida caracterização do sítio. O

povoado “eriça-se” num esporão calcário de perfil assimétrico, delimitado, a sul, por um

paredão vertical que atinge vários metros de altura e, a norte, por uma encosta de rocha nua,

de acentuada inclinação. As naturais condições de defesa e domínio paisagístico foram

reforçadas por um circuito amuralhado, edificado com o recurso a aparelho ciclópico, no lado

norte. Segundo Francisco Rasteiro, “se pelo norte é inaccessivel, pelo sul protege o

terrapleno a muralha natural, que forma a crista do monte” (Rasteiro, 1897, p. 33). Na

verdade, além das condições naturais, o lado sul apresenta vestígios de uma muralha com um

1,70 m de largura, sem aparelho ciclópico, dando continuidade, na vertical, ao paredão

rochoso.

“O acesso actual ao Castelo dos Mouros mantém, provavelmente, o traçado de um

dos acessos proto-históricos. Em alguns pontos são notórios os agenciamentos” (blogue

Arqueologia da Arrábida). São visíveis três entradas no recinto fortificado:

1. No lado sul – aproveitando uma lacuna no esporão, de evidente origem tectónica. Esta

entrada apresenta também vestígios de uma estrutura defensiva.

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A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem

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2. No lado norte – uma interrupção na muralha de cerca de 1 m de largura.

3. Na extremidade sueste – parece haver um acesso natural, relativamente fácil, junto ao

qual foi aparentemente construída uma estrutura defensiva.

No lado norte, num patamar ataludado e relativamente plano, a meia encosta,

resultante da construção da própria muralha, registou-se uma assinalável concentração de

fragmentos cerâmicos. De referir, ainda, um poço localizado junto da entrada sul,

apresentando um perfil ligeiramente oblíquo, parcialmente colmatado por sedimentos,

apresentando ainda uns 7/8 m de profundidade, que deverá ter funcionado como cisterna (até

à data não referenciado). Também foi identificada uma cavidade natural, aberta na base

nascente do paredão, constituindo um elemento de sugestivo potencial simbólico.

A observação da faixa de vegetação, visível na encosta norte do sítio, permitiu extrair

algumas considerações: a faixa horizontal corresponde, claramente, ao desenvolvimento da

muralha ciclópica, enquanto a faixa oblíqua condiz com a continuação da falha geológica

observada no entalhe da crista (a “porta sul”), em cujo enchimento milonítico foi aberta a

cisterna. É provável, por outro lado, que a falha tenha sido aproveitada como caminho de

acesso, pelo lado norte. Infelizmente, a muralha ciclópica encontra-se muito destruída, pelo

menos em superfície, não permitindo confirmar a existência de uma eventual entrada nesse

ponto (ob. cit.).

De acrescentar, ainda, a observação de dois grandes blocos calcários no topo da crista,

um deles visivelmente mobilizado, o outro erguido por motivos desconhecidos, o que não

deixa dúvidas quanto a uma justificação antrópica para o seu ortostatismo, sugerindo uma

monumentalização paisagística com objectivos simbólicos e/ou rituais, dentro de uma certa

continuidade para a qual existem vários paralelos relativamente à monumentalidade

megalítica.

O Castelo dos Mouros materializa, na perfeição, o agenciamento do domínio visual e

defensivo sobre a paisagem envolvente, por parte dos seus construtores, impondo-se enquanto

marco conspícuo no quadro norte da Arrábida, alcandorado sobre os campos de Azeitão e

“dominante” sobre as Terras do Risco (ob. cit.), além de um notável investimento construtivo,

até à data sem par no território da Arrábida.

Page 64: A arrábida no Bronze Final: a Paisagem e o Homem (SOARES, R., 2013)

Fig. 18 – Área de implantação do povoado do Castelo dos Mouros no extracto da folha 465 da CMP esc. 1:25000.

Fig. 19 – O povoado do Castelo dos Mouros e a sua relação com a envolvente paisagística e cultural (imagem Google Earth).

Page 65: A arrábida no Bronze Final: a Paisagem e o Homem (SOARES, R., 2013)

Fig. 20 – O Castelo dos Mouros visto de poente (foto de R. Soares). Fig. 21 – O Castelo dos Mouros visto de norte (foto de R. Soares).

Fig. 22 – O Castelo dos Mouros visto de sul (foto de R. Soares).

Fig. 23 – Entrada sul no entalhe natural (foto de R. Soares).

Fig. 24 – Aparelho ciclópico da muralha norte (foto de R. Soares).

Fig. 25 – Megálito ortostático no topo da crista (foto de R. Soares).

Fig. 26 – Poço/cisterna na base do entalhe da crista (foto de R. Soares).

Fig. 27 – O poço/cisterna visto do interior (foto de R. Soares).

Page 66: A arrábida no Bronze Final: a Paisagem e o Homem (SOARES, R., 2013)

Fig. 28 – Castelo dos Mouros: fragmento de cerâmica manual - bordo simples (foto de R. Soares).

Fig. 29 – Castelo dos Mouros: fragmento de cerâmica manual - fundo plano (foto de R. Soares).

Fig. 30 – Cerâmicas da Idade do Bronze provenientes do Castelo dos Mouros. O fragmento n.º 1, segundo os autores, poderá inscrever-se no grupo inciso da cerâmica campaniforme/Calcolítico Final (seg. Silva e Soares, 1986, p. 127).

Page 67: A arrábida no Bronze Final: a Paisagem e o Homem (SOARES, R., 2013)

A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem

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6.1.3. Povoado de altura da Serra da Cela – povoado portuário (?)

Em Dezembro de 2008, na sequência de trabalhos de prospecção espeleológica da

LPN-CEAE (Liga para a Protecção da Natureza – Centro de Estudos e Actividades

Especiais), o autor teve a oportunidade de (re)descobrir um povoado no Portinho da Arrábida

– povoado da Serra da Cela. Na verdade, o arqueossítio já se encontrava referenciado

bibliograficamente como “Neolítico/Calcolítico” (Ferreira et al., 1993), interpretação

fundamentada em antigas informações de Paul Choffat e de Ignácio Marques da Costa: “no

cume da serra da Cella, no sopé da qual fica o forte da Arrabida, proximo do Portinho do

mesmo nome, encontrou o distincto geologo, o Sr. Paul Choffat, alguns pedaços de louça de

barro muito grosseiro e mal escolhido como aquelle de que era feita a louça pre-historica.

Percorri o cume da dita serra e na sua parte mais oriental, sobranceira ao forte da Arrabida,

dei com uma pequena chã fortificada naturalmente pelas camadas de rocha, que ahi se

levantam a prumo como a servirem de muralha. Nesta chã, apesar de não mandar fazer

sondagens, encontrei pelo solo muitos dos fragmentos de louça acima referidos” (Costa,

1907, p. 210).

Todavia, os materiais de superfície, agora identificados, remeteram antes para

cronologias do Bronze Final – predominância de formas fechadas, de perfil em S e ausência

de indústria lítica (Relatório de Seminário – Povoados Calcolíticos da Região da Arrábida –

Soares, 2009).

Desde 2008, o signatário tem vindo a desenvolver diversas visitas exploratórias,

preliminares trabalhos de prospecção e caracterização do arqueossítio, no âmbito da Carta

Arqueológica da Arrábida/Setúbal, sob a orientação científica de Manuel Calado.

Trata-se de um esporão calcário apresentando, no seu topo mesial, uma plataforma

aplanada, com bom suporte de implantação e excelentes condições naturais de abrigo, defesa

e controlo das paisagens adjacentes, em particular da baía do Portinho da Arrábida – porto

natural – até à entrada do Sado.

O sítio conserva ainda diversos vestígios estruturais, presumivelmente de habitat,

associados a abundantes fragmentos cerâmicos, relativamente bem conservados e com boa

informação: duas pequenas taças (uma hemisférica e uma carenada), praticamente completas

e depositadas em “nichos” rochosos; taças hemisféricas; vasos de perfil em “S”; vasos

carenados; um vaso de carena baixa; um vaso de colo estrangulado; um vaso mamilado; além

de diversos fragmentos apresentando brunimento (não ornatado), carenas, bordos simples,

fundos planos, perfurações de suspensão, perfurações de reparação, etc. De referir, ainda que

com cariz residual, a ocorrência de cerâmica a torno, de pastas claras e depuradas,

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A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem

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nomeadamente um bordo exvertido e um fundo em “pé de anel”, num total de quatro

fragmentos, evidências que podem indiciar algum grau de presença/contacto durante a Idade

do Ferro. No que respeita aos vestígios líticos, apenas se registaram alguns seixos e lascas

talhados em quartzito e quartzo leitoso, um grande percutor em basalto, um movente discóide

e um nódulo grosseiro de sílex, conjunto insuficiente para uma atribuição cronológica do

Neolítico/Calcolítico, não se descartando, contudo, alguma presença humana em tempos mais

antigos. De acrescentar, por fim, alguns ecofactos: vestígios malacológicos (búzios, lapas,

mexilhões, ostras e outras conchas de maiores dimensões), o que sugere uma vocação

eminentemente marítima-piscatória deste povoado, além de ossos de ovicaprinos, alguns

apresentando cortes, cujo aspecto permite pensar, também, numa cronologia subactual,

associável a uma pastorícia etnográfica, documentada por um objecto de “arte de pastor” –

uma colher esculpida em madeira.

O grosso da ocupação teve lugar na plataforma do topo do esporão, protegida, a sul,

por uma parede com cerca de 6 m de altura, formada pelas bancadas da crista do contraforte.

Também foi registada alguma ocupação no patamar inferior, em alguns dos abrigos formados

pelos paredões subverticais que delimitam a plataforma pelo lado noroeste. Além das

referidas estruturas, foram identificadas duas cavidades cársicas na plataforma do topo: uma

delas, de formação tectónica, encontrou-se aparentemente vazia de conteúdo arqueológico; a

outra, de aparente hidrogénese, apresentou-se obstruída por um cone de dejecção, repleto de

materiais arqueológicos (grandes fragmentos cerâmicos, excepcionalmente conservados e

diversos restos malacológicos), supondo uma provável lixeira do povoado.

Na vertente sul do esporão, num socalco a meia encosta, ligeiramente aplanado e

propiciando uma boa plataforma de implantação, foram identificados, além de abundantes

fragmentos cerâmicos, outro núcleo de estruturas, destacando-se um círculo que descreve

uma planta ligeiramente elipsoidal, com sensivelmente 4/5 m de maior diâmetro, rudemente

aparelhado com blocos calcários de dimensão média. A escassos metros desta estrutura, foi

observado um corte natural incrustado de material cerâmico, evidência que, associada à

referida estrutura, a poderá, eventualmente, integrar no mesmo horizonte cronológico –

Bronze Final.

O esporão documenta, ainda, uma diversidade de apontamentos geológicos e

paisagísticos de grande potencial simbólico. No seu flanco norte, abrem-se uma série de

abrigos, fendas, recantos e pequenas cavidades, algumas das quais registando a ocorrência de

cerâmica fina (duas pequenas taças, uma dela carenada). Numa grande fenda, entalhada

transversalmente na linha de cumeada, por onde se pode facilmente subir ao topo da crista e

Page 69: A arrábida no Bronze Final: a Paisagem e o Homem (SOARES, R., 2013)

A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem

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desfrutar de uma panorâmica de excelência sobre a costa e enseada do Portinho, destaca-se

uma grande pedra, perfeitamente “entalada”, criando um “arco natural”, obrigando a uma

passagem no mínimo ousada e de provação – “a Guardiã da Fenda” ou “a Fenda de Atlas”.

O topónimo “Cela” (do latim cella(-ae) – pequeno compartimento, santuário, pequeno

quarto que um religioso ocupa no convento) joga com uma exígua cavidade natural, fechada

com uma porta gradeada, existente na extremidade nascente do sopé da Serra da Cela, na

curva junto ao Forte de Santa Maria da Arrábida.

Tendo em conta a implantação do povoado da Serra da Cela, sobranceiro e dominante

sobre a pequena baía da foz do Sado e cuja toponímia remete, naturalmente, para uma

funcionalidade portuária (“Portinho”), arqueologicamente documentada desde época Romana

(as cetárias do Creiro dependeram, necessariamente, de um porto), é de considerar a hipótese

de actividades marítimas no Portinho da Arrábida (porto de pesca e “comercial”), no decorrer

do Bronze Final. A confirmação desta conjectura não será fácil, isto porque, como se sabe,

estruturas portuárias e embarcações de épocas tão remotas constituem realidades de rara

detecção no meio arqueológico, pelo facto de serem construídas em materiais perecíveis e por

estarem expostas à constante acção erosiva e sedimentar da hidrodinâmica das marés e das

correntes, particularmente em locais afectados por uma contínua utilização.

Assim, resta-nos considerar outras evidências indirectas, além da manifesta

potencialidade e lógica “geoestratégica” do sítio. Por exemplo, na linha de praia, é fácil deter

o olhar num sugestivo alinhamento pétreo, formado por um conjunto de grandes blocos

calcários, arrumados num pequeno “pontão”, que, independentemente de ter tido uma origem

geológica ou antrópica, facilmente poderá ter servido para o apoio portuário (fig. 153). Seria

também importante promover uma campanha de prospecção subaquática na área da baía do

Portinho da Arrábida, no sentido de identificar eventuais vestígios de antigas actividades

náuticas naquelas paragens, designadamente âncoras e poitas líticas. Na base de dados

Endovélico apenas é possível encontrar duas referências a achados isolados em meio

subaquático: um conjunto de pesos de rede romanos assinalado a 4 de Novembro de 1995 e o

“avistamento de ânforas em meio aquático”.

Neste seguimento, há que admitir a probabilidade de antigas navegações indígenas,

para o hinterland sadino, ou mesmo de precoces contactos “pré-coloniais”, por via marítima,

considerando a importância “geoestratégica” do sítio, enquanto porto de excelência para um

presumível complexo de povoamento, além de porto de chegada/saída do Rio Sado, favorável

via de penetração fluvial para os territórios interiores do Alentejo, com largas referências à

mineração do cobre... mas isso são outros mares!

Page 70: A arrábida no Bronze Final: a Paisagem e o Homem (SOARES, R., 2013)

Fig. 31 – Área de implantação do povoado da Serra da Cela no extracto da folha 465 da CMP esc. 1:25000.

Fig. 32 – O povoado da Serra da Cela e a sua relação com a envolvente paisagística e cultural (imagem Google Earth).

Page 71: A arrábida no Bronze Final: a Paisagem e o Homem (SOARES, R., 2013)

Fig. 33 – Dominante sobre o Portinho da Arrábida, o povoado da Serra da Cela fotografado a partir da Gruta do Médico (foto de R.

Soares).

Fig. 34 – Conjunto de estruturas pétreas na plataforma do topo do esporão da Cela (foto de R. Soares).

Fig. 35 –Estrutura circular na meia encosta da vertente sul (foto de R. Soares).

Page 72: A arrábida no Bronze Final: a Paisagem e o Homem (SOARES, R., 2013)

Fig. 36 – Fragmento de pequena taça carenada (foto de R. Soares). Fig. 37 – Fragmento de vaso de perfil em “S” (foto de R. Soares).

Fig. 38 – Fragmento de vaso de carena baixa (foto de R. Soares).

Fig. 39 – Fragmento de bojo com carena (foto de R. Soares).

Fig. 40 – Fragmento de taça hemisférica (foto de R. Soares).

Fig. 41 – Fragmento de pequena taça hemisférica (foto de R. Soares).

Fig. 42 – Fragmento de pote de colo exvertido (foto de R. Soares).

Fig. 43 – Fragmento de vaso de perfil em “S” (foto de R. Soares).

Page 73: A arrábida no Bronze Final: a Paisagem e o Homem (SOARES, R., 2013)

Fig. 44 – Fragmento de vaso de colo estrangulado (foto de R. Soares).

Fig. 45 – Fragmento de vaso mamilado (foto de R. Soares).

Fig. 46 – Fragmento de vaso de colo fechado (foto de R. Soares).

Fig. 47 – Fragmentos de cerâmica brunida (foto de R. Soares).

Fig. 48 – Fragmento com perfuração de suspensão (foto de R. Soares).

Fig. 49 – Fragmento com perfurações de suspensão (foto de R. Soares).

Page 74: A arrábida no Bronze Final: a Paisagem e o Homem (SOARES, R., 2013)

A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem

59

6.1.4. Povoado de cumeada de Valongo – “atalaia”

Seguindo uma acertada informação do arqueólogo António Carvalho, foi

recentemente confirmado (em 2010), no âmbito da Carta Arqueológica da Arrábida/Setúbal,

um inédito povoado de altura (Valongo), na cota dos 400 m e a pouca distância (cerca de 2,5

km) do ponto mais elevado da Serra – o Formosinho (499 m de altura).

Ainda em fase de caracterização, é possível adiantar tratar-se de um povoado de

cumeada, implantado ao longo de um desnivelado esporão calcário, com elevada

defensibilidade natural nos lados norte e oeste. Nos lados sul e nascente, muito menos

escarpados, conservam-se vestígios de um sistema defensivo, actualmente manifestado por

um extenso cordão de aparelho calcário desmantelado, embora ainda se conservem alguns

troços de faces de muro. Não foi possível, no estado actual da estrutura, avaliar a sua real

espessura, uma vez que só por meio de escavações será possível observar a sua face interna.

Ainda assim, torna-se aparente uma maior potência construtiva no seu extremo nascente, mais

desprotegido, onde o material desmantelado atinge um volume mais considerável. A elevada

disponibilidade do aparelho pétreo parece resultar da fracturação natural, e eventualmente

intencional, daquelas bancadas lapiazadas.

A superfície aplanada deste extremo nascente documentou alguma concentração de

materiais: fragmentos de cerâmica manual, destacando-se um perfil em “S”, além da possível

metade de um braçal de arqueiro em xisto, de superfícies perfeitamente polidas, arestas

biseladas e apresentando uma perfuração escareada nas duas faces, podendo remeter para

cronologias do Calcolítico/1.ª Idade do Bronze, mas também posteriores. Tendo em conta a

pouco expressiva amostragem de materiais de superfície assinalada neste local, o seu

enquadramento num horizonte do Bronze Final prendeu-se com a aparente ausência de

líticos; com a observação dos fragmentos cerâmicos identificados, que, pelas suas pastas,

sugestão de formas, a escassez relativa de bordos, se encaixam no padrão cultural dos

povoados vizinhos; pela própria implantação e defensabilidade (natural e edificada) do

povoado; e com a proximidade de outros povoados, indubitavelmente referentes ao Bronze

Final (Castelo dos Mouros e Serra da Cela). Tendo em conta o presumível “fóssil director” ali

encontrado (o braçal de arqueiro), a hipótese de uma ocupação mais antiga, poderia ser

considerada. Todavia, de sublinhar o facto de não existir nenhum registo atribuível ao

Calcolítico/1.ª Idade do Bronze nas imediações, devendo tratar-se, assim, de um achado

avulso, ocasional.

O povoado de Valongo, baptizado pelo topónimo mais próximo, dista cerca de 3 km

do Castelo dos Mouros (a poente), cerca de 6 km do povoado do Risco (a poente), cerca de 3

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A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem

60

km do povoado da Serra da Cela (a sudoeste), cerca de 1.5 km do casal agrícola da Quinta do

Picheleiro (a norte) e cerca de 5 km do sítio do Bico das Agulhões (a sudoeste), controlando-

os intervisualmente e assumindo-se como o mais elevado vértice deste presumível complexo

populacional. Contudo, não goza de uma intervisibilidade directa com a Serra da Cela e o

Portinho, esta só seria possível a partir de um cabeço que surge a poente (Valongo II), a

menos de 1 km, separado por um suave vale. Esta contígua elevação, denotando elevada

defensibilidade natural, com várias cinturas ataludadas de afloramentos calcários, também

documentou alguns fragmentos de cerâmica manual, o que pressupõe uma relação directa

com o povoado de Valongo, enquanto extensão do seu domínio visual sobre a costa e a

enseada do Portinho. A par do directo contacto visual sobre os povoados associados, a

“atalaia” de Valongo controla todo o fértil vale que nasce na “Pré-Arrábida”, na Serra de São

Luís, e “desagua” nas Terras do Risco, terrenos de elevado potencial agrícola, certamente

integrados na área de influência do referido complexo populacional.

O recurso ao termo “atalaia”, apesar de historicamente desadequado, ajusta-se

funcionalmente, tanto que, e curiosamente, numa leitura posterior à experiência in loco,

verificou-se que os investigadores do povoado de Trastejón (Serra de Huelva), para uma

realidade similar, socorreram-se da mesma opção terminológica – “a este cerro lo

denominamos Atalaya” (Hurtado et al., 2011, p. 33). Também na zona de Viseu, João Carlos

de Senna-Martinez refere um povoado de “atalaia” do Bronze Final, no Cabeço do Cucão,

Pedra Cavaleira (Senna-Martinez, 1993b, p. 144-145).

Fig. 50 – Contorno da muralha do povoado de Valongo (imagem Google Earth adaptada).

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Fig. 51 – Área de implantação do povoado de Valongo (I) e do seu “anexo de atalaia” (II) no extracto das folhas 454 e 465 da CMP esc. 1:25000.

Fig. 52 – O povoado de Valongo (I/II) e a sua relação com a envolvente paisagística e cultural (imagem Google Earth).

Page 77: A arrábida no Bronze Final: a Paisagem e o Homem (SOARES, R., 2013)

Fig. 53 – Povoado de Valongo (I) visto de sul (foto do R. Soares).

Fig. 54 – Panorâmica sobre a Pré-Arrábida e o Sado (foto do R. Soares).

Fig. 55 – Troço de muralha (foto do R. Soares). Fig. 56 – Troço de muralha (foto do R. Soares).

Fig. 57 – Valongo I visto de Valongo II (foto do R. Soares). Fig. 58 – Panorâmica de Valongo II sobre o Portinho e Serra da Cela (foto do R. Soares).

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Fig. 59 – Alguns dos materiais observados à superfície no povoado de Valongo I (foto de R. Soares).

Fig. 60 – Fragmento de cerâmica manual - perfil em “S” (foto de R. Soares).

Fig. 61 – Fragmento de braçal de arqueiro (foto de R. Soares).

Page 79: A arrábida no Bronze Final: a Paisagem e o Homem (SOARES, R., 2013)

A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem

61

6.1.5. Quinta do Picheleiro – casal agrícola

A menos de 1.5 km a norte do povoado de Valongo, foi identificado um pequeno

núcleo de povoamento, definido na cota dos 70 m, sobranceiro a uma área de comprovado

potencial agrícola (ver fig. 52). Registou-se a ocorrência de cerâmica manual,

designadamente um fragmento de bojo com arranque de mamilo e um bordo simples,

associados a um elemento de foice em sílex. O sítio foi recentemente identificado no âmbito

dos trabalhos de prospecção para a Carta Arqueológica de Setúbal. Considerando as

evidências no seu conjunto, poderá tratar-se de um pequeno casal agrícola, na linha dos

povoados referidos por João Luís Cardoso para a região estremenha do Tejo (Marques e

Andrade, 1974; Gomes, 1992, p. 107).

Fig. 62 – Área de implantação do “casal agrícola” da Quinta do Picheleiro no extracto da folha 454 da CMP esc. 1:25000.

Page 80: A arrábida no Bronze Final: a Paisagem e o Homem (SOARES, R., 2013)

Fig. 63 – Fragmento de cerâmica manual - bordo simples (foto de R. Soares).

Fig. 64 – Fragmento de cerâmica manual com arranque de mamilo (foto de R. Soares).

Fig. 65 – Elemento de foice em sílex (foto de R. Soares).

Page 81: A arrábida no Bronze Final: a Paisagem e o Homem (SOARES, R., 2013)

A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem

62

6.1.6. Bico dos Agulhões – “atalaia” (?)

Esporão na encosta sul da Arrábida, recortado pela escarpa sobranceira ao “Bico dos

Agulhões” – um pequeno cabo definido entre a Serra do Risco e o Portinho da Arrábida. O

sítio é chamado ao presente trabalho por uma recente entrada na base de dados Endovélico. A

ficha de sítio refere uma ocupação da “Idade do Bronze/Idade do Ferro”: “Os materiais

arqueológicos foram encontrados num caminho de terra batida que dá acesso às pedreiras,

nos regos abertos pelas chuvas. Algumas cerâmicas aparecem fracturadas em conexão. No

meio da vegetação existe maior concentração de pedras que poderão eventualmente

corresponder a restos de estruturas ou apenas a afloramentos de calcário e brecha da

Arrábida. Um pouco mais a sul foi identificada uma lasca de sílex”

(http://arqueologia.igespar.pt/POC/?sid=sitios.resultados&subsid=2983934).

No intuito de confirmar esta informação, o sítio tem sido alvo de recentes visitas, no

âmbito da Carta Arqueológica de Setúbal e do presente trabalho. De facto, foi registada

abundante cerâmica a torno, sobretudo moderna, alguma passível de um muito genérico

enquadramento em cronologias da Idade do Ferro (ou mesmo Romano Republicano); além de

observados alguns fragmentos de cerâmica a torno em conexão. Somente foi identificado um

fragmento manual que, atendendo à proximidade dos povoados do Risco e da Serra da Cela,

poderia corresponder ao Bronze Final, não descartando, contudo, uma produção da Idade do

Ferro, ou mesmo calcolítica.

Tendo em conta a referida cerâmica manual e os contextos arqueológicos das

imediações, é forte a probabilidade de se tratar de um sítio do Bronze Final, com continuidade

pela Idade do Ferro, faltando, porém e por hora, a sua confirmação. Mas, assim sendo, é de

estranhar a grande desproporção entre cerâmica manual e a torno. Para estes sítios, a regra

implicaria uma maior quantidade de cerâmica manual, relativamente à cerâmica a torno.

Tendo em conta a referida desproporção, ocorrem alguns “paralelos”, particularmente no

Alentejo e para época republicana – os chamados “castella”, “recintos torre” e “recintos

ciclópicos”, muitos deles com implantações bem alcandoradas paisagisticamente. Admitindo

esta hipótese, também faltam os seus “fósseis directores” (bordos de ânfora, cerâmica

campaniense, as decorações estampilhadas, etc.).

A confirmação de um povoado ainda não foi conseguida, apesar das repetidas

tentativas, sobretudo nas poucas janelas de prospecção permitidas pela densa vegetação do

local. De facto, existe um cabeço que reúne características para a implantação de

povoamento, todavia, as prospecções têm sido inconclusivas. Seja como for, mesmo

atendendo à fraca prospectabilidade do local, tudo indica que se trata de um sítio com escassa

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A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem

63

entidade artefactual. Assim, na falta de mais informação e considerando a sua implantação

paisagística, controlando visualmente a Serra da Cela e o Risco e com franca intervisibilidade

com a “atalaia” de Valongo, fica a hipótese de se tratar apenas de um pequeno posto com

funções de intercomunicação entre os povoados vizinhos.

Fig. 66 – Área prospectada no Bico dos Agulhões no extracto da folha 465 da CMP esc. 1:25000.

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A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem

64

6.1.7. Caetobriga (Setúbal)

Por fim, Setúbal. Povoado vestibular da foz do Rio Sado, desenvolveu-se a partir de

um porto abrigado na sua margem direita, numa pequena elevação circundada por uma área

de sapal. A actual baixa da cidade implantou-se sobre um antropizado braço de rio, onde

desaguava a Ribeira do Livramento, entre outras linhas de água hoje canalizadas,

encontrando-se edificada num plano abaixo do nível médio das marés do Sado. As referências

clássicas à Caetobriga pré-romana (a Caetobrix de Claudio Ptolomeu, apud Fabião, 2004, p.

63), se considerarmos a actual Setúbal como a correcta herdeira deste topónimo, documentam

que o seu porto constitui um exemplo de continuidade até ao presente e relativamente à costa

portuguesa, tanto na sua posição de litoralidade, como na exploração das condições de

navegabilidade flúvio-marítimas (Blot e Blot, 2003, p. 40-42). O topónimo “Caetobriga”

sugere uma fundação proto-histórica da povoação, persistindo, contudo, apesar de algumas

suspeitas (Colina de Nossa Senhora da Saúde – Soares, 2000a, p. 117), um hiato no registo

arqueológico, entre a ocupação sidérica e a cidade romana. O topónimo “Setúbal” apenas

surgirá em 1235.

Hoje, não parece remanescer grandes dúvidas relativamente à localização da antiga

Caetobriga. Os trabalhos desenvolvidos pela equipa do MAEDS ao longo das últimas

décadas, complementados por alguns recentes achados exumados na sequência de obras no

centro histórico da cidade, têm vindo a reunir fortes elementos de prova arqueológica para

esta velha questão, corroborando “a intuição de José Marques da Costa” (Arruda, 1999-

2000, p. 92). Recorde-se que Ignácio Marques da Costa, no princípio do século XX,

identificou uma necrópole romana no decorrer da construção do túnel do caminho-de-ferro

entre Palhais e as Fontainhas, na Ladeira de São Sebastião, sendo os resultados das suas

observações publicados apenas em 1966, por Carlos Tavares da Silva. Mais tarde, a partir de

1957, José Marques da Costa teve a oportunidade de “acompanhar” as grandes obras da rede

de saneamento básico da cidade (1957-59), registando novos e inequívocos dados relativos à

ocupação romana de Setúbal (Soares, 2000a, p. 101-106).

O inestimável contributo destes pioneiros da Arqueologia da região permitiu silenciar,

em definitivo, os partidários de uma fundação medieval da cidade, sendo os seus trabalhos

prosseguidos, a partir dos anos de 1960, por Carlos Tavares da Silva. Em 1974, com a criação

do MAEDS, até à presente data dirigido por Joaquina Soares, a investigação arqueológica da

cidade ganhou uma dimensão sistemática, profissional, institucional e “editorial”,

manifestada em diversos trabalhos, achados e publicações.

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A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem

65

Segundo Tavares da Silva e Joaquina Soares e “de acordo com o estado actual dos

conhecimentos [1986-2000 – sempre condicionados pela crónica problemática da arqueologia

urbana], Setúbal nasce como entreposto comercial marítimo, no século VIII a.C. (Soares e

Tavares da Silva, 1986), aberto aos contactos com o mundo fenício” (Soares, 2000a, p. 113).

Na realidade, trata-se da evolução de um precedente povoado indígena do Bronze Final,

revelando estreitos contactos com o mundo fenício. O povoamento proto-histórico implantou-

se na Colina de Santa Maria, uma suave elevação no quadrante nascente da actual cidade, de

cota máxima na ordem dos 19 m, formando um istmo que dominava estrategicamente a antiga

paisagem estuarino-lagunar e a foz do Sado.

Foi em 1983 que se registaram, na área urbana da cidade, os primeiros vestígios

enquadráveis na “Idade do Ferro orientalizante”, quando trabalhos arqueológicos, realizados

na Travessa dos Apóstolos, em Santa Maria (1983-85), revelaram níveis de ocupação que,

segundo os arqueólogos responsáveis (Tavares da Silva e Joaquina Soares do MAEDS),

teriam tido início no século VII a.C., em cronologia tradicional (Soares e Silva, 1986),

funcionando como porto de chegada para as frotas fenícias que então penetraram no Sado,

rumo a Abul e Alcácer do Sal (Mayet e Silva, 2000). O sal estuarino e o cobre do interior

alentejano terão constituído, muito naturalmente, mercadorias que justificaram o

empreendimento marítimo destes povos até paragens sadinas. Embora os dados arqueológicos

ainda sejam escassos e ténues, alguns indicadores de mudança, como a cerâmica, parecem

indiciar uma “rápida assimilação das inovações económicas, tecnológicas e culturais

orientalizantes” (Soares, 2000a, p. 113).

As intervenções arqueológicas na Colina de Santa Maria permitiram considerar “três

fases de ocupação sidérica” (ob. cit., p. 113-117): uma primeira fase, de primeiros contactos,

situada entre os finais do século VIII e os inícios do século VII a.C., registou pouca dispersão

material, dominado a cerâmica manual do Bronze Final regional (83.4%); uma segunda fase,

similar à “fase III” do Castelo de Alcácer do Sal, fixada entre o século VII e o século VI a.C.,

já denotou uma boa expressão espacial, sugerindo uma “plena assimilação das inovações

fenícias, oriundas do círculo do Estreito de Gibraltar” (Soares, 2000a, p. 116) –

nomeadamente “cerâmica orientalizante de engobe vermelho”; por fim, uma terceira fase,

“evolucionada”, definida entre o século V e o século IV a.C., atestada pela ocorrência de

“cerâmica ibero-turdetana e de ânforas ibero-púnicas”.

Em concordância com os investigadores do MAEDS, Ana Margarida Arruda refere

que “os resultados obtidos nas escavações da Travessa dos Apóstolos indicam que a

ocupação pré-romana da cidade de Setúbal foi marcada por um vincado orientalismo, bem

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A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem

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evidenciado no espólio cerâmico recolhido na totalidade das camadas correspondentes a

essa ocupação. Contudo, as quantidades de cerâmicas manuais e, sobretudo, as suas

características formais e decorativas não permitem esquecer que esse orientalismo incidiu

sobre uma população com fortes raízes no Bronze final local” (Arruda, 1999-2000, p. 95).

Por outro lado, a mesma autora, tendo em conta as naturais limitações dos dados produzidos a

partir de intervenções em contexto urbano, sublinha ser difícil uma grande precisão nas

datações relativas das diversas fases de ocupação detectadas, “assim, se a análise tipológica

dos materiais da «Segunda» e «Terceira» fases permite uma aproximação relativamente

segura sobre o âmbito temporal dessas ocupações, o mesmo não posso dizer sobre o que foi

considerado a Primeira fase de ocupação de Setúbal” (ob. cit., p. 95). “A primeira fase de

ocupação de Setúbal é, em meu entender, e com base nos materiais publicados,

completamente impossível de datar de forma absoluta (...). O que me parece, no entanto,

possível deduzir dos resultados das escavações levadas a efeito na Travessa dos Apóstolos

em Setúbal é que o sítio estava já ocupado na primeira metade do I milénio a.C. Apesar de só

existirem dados objectivos para a primeira metade do século VI a.C., não é impossível pensar

que a ocupação sidérica remonte ao século VII a.C., em cronologia tradicional, dado que a

primeira fase é anterior às camadas cujos materiais datam do século VI a.C.” (ob. cit., p.

96).

Em suma: entreposto comercial desde a Idade do Ferro, aberto aos contactos

mediterrâneos e contemporâneo do estabelecimento fenício de Abul A, fundado em meados

do século VII a.C. (Mayet e Silva; 2000), Setúbal já se impunha como um verdadeiro e

emergente centro urbano em época romana, com uma economia sobretudo assente na pesca,

na produção de sal e na indústria conserveira piscícola. A cerâmica importada, “de feição

fenícia ou paleo-púnica” (séculos VII-VI a.C. – Silva, 1990), exumada no subsolo urbano de

Setúbal, particularmente na Travessa dos Apóstolos, assim como o posterior aumento da

presença de cerâmica de características “orientalizantes”, correspondentes aos séculos VI e V

a.C. (Silva, 1990), indicam a tendente precocidade dos contactos marítimos, estabelecidos por

marinheiros provenientes do Mediterrâneo. Este comprovado interesse pela região, por parte

de gentes de proveniências tão distantes, não deverá ser alheio ao relevante papel do sal

produzido no estuário do Sado, realidade histórica e arqueologicamente bem documentada

desde época romana, valorizando-se à escala europeia a partir do século XIII (Rau, 1984).

Page 86: A arrábida no Bronze Final: a Paisagem e o Homem (SOARES, R., 2013)

Fig. 67 – Área de implantação do núcleo proto-histórico de Caetobriga/Setúbal no extracto da folha 454 da CMP esc. 1:25000.

Fig. 68 – Materiais cerâmicos exumados na Travessa dos Apóstolos, na Colina de Santa Maria, em Setúbal, destacando-se os três primeiros fragmentos, de produção manual (seg. Silva e Soares, 1986, p. 135).

Page 87: A arrábida no Bronze Final: a Paisagem e o Homem (SOARES, R., 2013)

A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem

67

6.2. As necrópoles e os “santuários naturais”

“... é sina a cegueira dos homens vivos não darem a conta certa de quantos fizeram o feito, mil vivos e cem mil mortos, ou dois milhões de suspiros que se ergueram do chão [...], como é que estes vivos não dão por nada, cuidam que estão sozinhos, que andam no seu trabalho de

gente viva, quem morreu enterra-se, é o que julgam, os mortos vêm muitas vezes , ora uns, ora outros, mas há dias, é certo que raros, em que saem todos, [...] e olhando nós de mais longe, de mais alto, da altura do milhano, podemos ver [...] outros de quem não sabemos os

nomes, mas conhecemos as vidas...” José Saramago, Levantado do Chão

“(...) Duvido poder ser que se desfaça

Com água clara, e branda a pedra dura Com quem assim se beija, assim se abraça.

Mas ouço queixar dentro a Lapa escura, Roídas as entranhas aparecem

Daquela rouca voz, que lá murmura (...)”. Frei Agostinho da Cruz, Elegia II

Este sub-capítulo é dedicado aos sítios de vocação mágico-simbólica. Entre estes,

individualiza-se, pela sua excepcionalidade, o monumento funerário da Roça do Casal do

Meio, pois trata-se do único edifício destinado ao culto dos mortos, até ao momento

identificado na Arrábida do Bronze. Os demais sítios, aqui tratados, enquadram-se no âmbito

das necrópoles e santuários em cavidades naturais, particularmente das “grutas-santuário”,

tendo sido produzidos por acção da Natureza e explorados pelo Homem. Esta apropriação de

uma paisagem diferenciada, notável ou exuberante, tem sido amiúde assinalada no carso da

Arrábida, particularmente nas suas cavidades, com registos de ocupação que remontam ao

Paleolítico, passando pela Idade do Bronze e chegando até aos nossos dias (a “lapa-capela” de

Santa Margarida, por exemplo).

Além da Arrábida, também algumas grutas da região da Península de Lisboa, do

Maciço Calcário Estremenho e do Barrocal algarvio têm vindo a evidenciar espólios

correspondentes ao Bronze Final, que por não se encontrarem associados a vestígios

antropológicos excluem, à partida, a classificação de espaços funerários. Segundo alguns

autores, as evidências também não permitem uma atribuição funcional

habitacional/quotidiana, tendo em conta cerâmicas, em muitos casos, de boa qualidade: pastas

bem depuradas, paredes finas, formas elaboradas e elegantes, superfícies brunidas ou

espatuladas, algumas apresentando ornatos brunidos com complexas gramáticas geométricas

bicromáticas (Gomes e Calado, 2007, p. 150). Acresce o facto de estas cerâmicas se

encontrarem, amiúde, associadas a outros materiais de carácter especial, particularmente

artefactos metálicos.

Todavia, estas considerações levantam alguns problemas, designadamente a total

ausência de vestígios antropológicos nestes contextos, mesmo após a sua escavação, não

exclui, necessariamente, a ocorrência de rituais funerários, nomeadamente de incineração ou

mesmo de “despedida”, antes do lançamento dos corpos ao abismo marinho, por exemplo.

Esta última hipótese “joga bem” com a disposição das grutas da Arrábida face ao mar, muitas

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A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem

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delas em planos elevados e escarpados, sobre-expostos ao Oceano. Esta possibilidade ganha

sentido se tivermos em conta o facto de, até ao momento, e na Arrábida, os vestígios

funerários não corresponderem à densidade do povoamento identificado.

Posto isto, o melhor critério para uma atribuição funcional para estes sítios, e para o

espólio neles contido, reside nos próprios sítios, isto é, locais excepcionais, de difícil acesso,

longe dos recursos básicos de suporte à subsistência, insalubres, exíguos e de limitada

mobilidade e habitabilidade, que, de per si, não parecem suportar outra classificação senão a

de “grutas-santuário”.

A procura destes locais ermos e inóspitos, para práticas de cariz mágico-simbólico,

converte-os em “santuários naturais” subterrâneos: “onde os homens procuravam o contacto

com o transcendente e as forças da fertilidade, capazes de originarem e de manterem a vida,

ou de reproduzirem a cultura, tornando-se verdadeiras grutas-santuário, continuaram longa

tradição que remonta, pelo menos, ao Paleolítico Médio, quando ali se desenvolveram os

primeiros enterramentos e outras práticas de carácter ritual” (Gomes e Calado, 2007, p.

150).

Neste sentido, o endocarso poderia configurar o “submundo uterino da fértil mãe

Natureza”, da terra geradora de vida e transformadora pela morte, um umbilical espaço

iniciático de eterno retorno, onde as águas subterrâneas simbolizariam um transcendente

poder de purificação, infiltração e comunicação com o “além” – com os estranhos mistérios

da morte. Estes ocos profundos, escuros, geralmente húmidos, exíguos e ornamentados por

formações cársicas de grande beleza, designadamente estalagmites sugestivamente

antropomórficas, documentam, desde a Pré-História, práticas mágico-simbólicas, numa

aproximação às ingénitas forças da Natureza; ou na perspectiva de outros, palcos

privilegiados da experiência xamânica (Williams, 2004 – the mind in the cave). Esta ideia

parece ter tido continuidade nas antas, nas grutas artificiais e nos tholoi – o mesmo

simbolismo em diferentes opções espaciais e arquitectónicas.

O polimorfismo cultual do final da Idade do Bronze, em particular no actual território

nacional, tem sido documentado numa grande diversidade de santuários rupestres, quer em

grutas e abrigos, quer ao ar livre, sendo materialmente perceptível por meio de gravuras,

pinturas e depósitos votivos.

As “grutas-santuário” constituem um fenómeno de largo espectro em todo o Mundo.

No contexto nacional, e até à data, tem sido a região da Península de Lisboa a registar um

maior número de cavidades subterrâneas contendo materiais atribuíveis ao Bronze Final.

Locais que, na sua maioria, e pela características já enumeradas, constituem potenciais

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A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem

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santuários cavernícolas. Mário Varela Gomes e David Calado referem uma série de prováveis

santuários cársicos, correspondentes ao Bronze Final da região de Lisboa (Gomes e Calado,

2007, p. 152): a gruta da Ponte da Laje, Oeiras (Cardoso e Carreira, 1996); as grutas do Poço

Velho, Cascais (Carreira, 1990-1992); a gruta do Correio-Mor, Loures; o Fojo dos Morcegos,

Assafora, Sintra (Marques, 1971; Marques e Andrade, 1974); a gruta do Cabeço do Castelo,

Maceira, Vimeiro, Torres Vedras (Zbyszewski e Viana, 1949); a Cova da Moura, Torres

Vedras; o abrigo das Bocas, Rio Maior (Carreira, 1994).

Por seu turno, o carso do Barrocal algarvio documentou, na Gruta de Ibn’Ammar

(Mexilhoeira da Carregação/Lagoa) e na Gruta da Ladroeira Grande (Moncarapacho/Olhão),

uma significativa quantidade de materiais atribuíveis ao final da Idade do Bronze. Ambas as

cavidades foram publicadas, pela primeira vez, em 1850, por Charles Bonnet – Algarve

(Portugal): description géographique et géologique de cette province.

A Gruta de Ibn’Ammar situa-se na estuarina margem esquerda do Rio Arade, a cerca

de 4 km de Portimão, tendo revelado vestígios arqueológicos de uma ocupação humana

compreendida entre o Paleolítico Médio e o Período Medieval, sendo admissível considerar

uma provável exploração sagrada durante o Bronze Final. Aberta em calcários do Jurássico, a

gruta desenvolve-se ao longo de um complexo sistema cársico, apresentando várias aberturas,

algumas das quais permitindo apertadas entradas: um sifão vertical, exposto numa depressão

a cerca de 10 m acima do nível médio das águas do Arade e, praticamente ao nível da

margem do rio, duas condutas forçadas tubulares, que nos conduzem a diversas salas bem

marcadas pela hidrogénese, algumas inundadas periodicamente pelo fluxo das marés.

Rui Mataloto, Rui Boaventura, Carl e Peter Harpsöe apresentaram, no 9.º Encontro de

Arqueologia do Algarve, em 20 de Outubro de 2011, uma comunicação sobre – A ocupação

da Idade do Bronze na Gruta de Ibn-Ammar (Lagoa). Esta investigação, ainda numa fase

preliminar, tem por base a análise do espólio cerâmico exumado pelos Harpsöe, entre 1964 e

1966, em duas galerias do piso inferior da cavidade. Segundo os investigadores, o grosso dos

materiais tratados enquadra-se num período relativo compreendido entre o Bronze Médio e os

inícios do Bronze Final (3.º quartel do 2.º milénio/segunda metade do 2.º milénio a.C.). São,

na sua maioria, cerâmicas comuns, “tigelas e vasos de pequena, média e grande dimensão,

destinados à confecção e armazenamento de alimentos”, perfeitamente enquadráveis em

contextos de habitat, não apresentando excepcionalidade que justifique uma utilidade ritual

ou votiva; sendo ainda realçada a ocorrência de grandes contentores cerâmicos, alguns dos

quais apresentando aspectos decorativos. As formas mais pequenas apresentam bom

acabamento, espatulado ou brunido, sendo o acabamento mais grosseiro com o aumento das

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A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem

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dimensões. As decorações escasseiam: ornatos brunidos, incisões, cepillados e pequenos

mamilos.

A hipótese de eventuais práticas de comensalidade pode explicar a ocorrência de

cerâmicas comuns, associadas a outras de melhor qualidade. Por outro lado, a utilização

daquele espaço como abrigo sazonal, de apoio à exploração de recursos marinhos

(marisqueiro), jogaria com os grandes vasos de armazenamento identificados. Ainda assim,

os referidos investigadores admitem que, por hora, e tendo em conta as características

específicas da gruta e a total ausência de restos antropológicos, a hipótese mais consensual e

verosímil assenta numa utilização enquanto “gruta-santuário”, apontando, porém, para a

necessidade de uma investigação de fundo para esta temática, particularmente nas cavidades

identificadas nas penínsulas de Lisboa e de Setúbal.

No contexto nacional, à escassez quantitativa de dados, que permitam uma melhor

aferição dos processos deposicionais nestes contextos arqueológicos, acresce a pobreza ou

total ausência de documentação publicada sobre as condições das jazidas identificadas e dos

respectivos acervos artefactuais, com algumas excepções como o meritório contributo de

Eduardo da Cunha Serrão na Lapa do Fumo (Sesimbra).

A Gruta de Ibn’Ammar, com base na observação in loco efectuada pelo signatário do

presente texto, não parece oferecer as mínimas condições de salubridade para um suporte

habitacional. Desde logo, temos entradas e corredores pouco práticos, sendo necessário

“gatinhar” para o seu interior. Depois, não nos podemos esquecer que o seu interior, com

galerias abaixo do nível médio das águas do Arade, encontra-se sujeito a regulares

inundações pelo fluxo das marés, realidade que, ao que tudo indica, também se verificaria

durante épocas proto-históricas.

No que respeita à Gruta da Ladroeira Grande, situa-se perto do cimo do Cerro da

Cabeça ou de Moncarapacho, 2,5 km a norte daquela povoação, abrindo-se para o pequeno

vale na sua vertente nascente. O Cerro da Cabeça atinge 249 m de altitude, dominando a

panorâmica envolvente, alcançando, a sul, as planícies costeiras e o mar, apenas a 8 km.

Desenvolve-se em calcários margosos e bio-compostos do Jurássico Superior, integrando um

desenvolvido complexo cársico de que fazem parte numerosas cavidades subterrâneas,

nomeadamente a Ladroeira Pequena, o Abismo Velho, o Abismo Novo, a Coluna, o Garrafão,

o Algar da Medusa e a Pechinha, entre outras. Quanto ao espólio cerâmico identificado “as

formas e o tratamento das superfícies, tal como os ambientes de cozedura e arrefecimento,

permitem a atribuição do acervo descrito à segunda metade do II milénio a.C. (Idade do

Bronze Final)” (Gomes e Calado, 2007, p. 148).

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A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem

71

Senna-Martinez, no que se refere ao Grupo Baiões/Santa Luzia, também admite uma

ocupação de carácter ritual na sala 20 do complexo de galerias graníticas do Buraco da Moura

de São Romão: “apresenta uma sequência estratigráfica que se estende desde um eventual

Neolítico Final à Idade Média, facto que é único para a região” (Senna-Martinez et al., 193,

p. 132); “a ‘utilização’ de BMSR-20 no Bronze Final, ao contrário do verificado no

horizonte cultural estratigraficamente antecedente, não teve cariz doméstico, podendo tê-lo

tido funerário ou ritual” (Senna-Martinez, 1993a, p. 118). Tendo sido excluída qualquer

manifestação funerária, e considerando a totalidade dos dados disponíveis, uma interpretação

de carácter ritual para os vestígios registados neste local ainda parece ser a mais coerente. De

referir, ainda, que este local documentou uma percentagem de recipientes brunidos

particularmente expressiva (83.8%), relativamente aos demais sítios estudados naquela área

regional (ob. cit., p. 113).

Também a Península de Setúbal/Arrábida tem vindo a registar algumas jazidas da

Idade do Bronze, depositadas em grutas(-santuário?). Como veremos mais à frente, à Lapa do

Fumo e à Lapa da Furada, poderão vir a acrescentar-se outras cavidades susceptíveis de uma

utilização enquanto “santuário natural”. Refira-se, mais uma vez, que a região da Arrábida

tem sido alvo, desde 2007, de uma intensa e sistemática investigação “arqueoespeleológica”,

sendo de esperar novos sítios e mais informação acerca deste tema.

Por fim, quando falamos em grutas, não nos referimos, necessariamente, a grandes

cavidades, de entradas amplas e bem destacadas na paisagem. Muitas das grutas e lapas

aludidas ao longo do presente texto foram de muito difícil detecção.

6.2.1. Monumento funerário da Roça do Casal do Meio

O monumento funerário da Roça do Casal do Meio foi identificado nos inícios dos

anos sessenta por Octávio da Veiga Ferreira e Georges Zbyszewski, sendo escavado dez anos

depois, entre Outubro e Novembro de 1972, por Konrad Spindler e Veiga Ferreira. Localiza-

se em Sesimbra, nas terras da Quinta do Calhariz (Casal do Meio/Terras do Risco), entre o

sopé ocidental da Serra da Arrábida, propriamente dita, e a encosta norte da Serra do Risco

(ver fig. 13). Foi classificado como Imóvel de Interesse Público em 1984 (Dec. N.º 29/84 de

25 de Junho).

Trata-se de um monumento funerário contendo duas inumações, datadas recentemente

por radiocarbono, resultando numa cronologia absoluta fixada entre os meados do séc. XI e

os finais do séc. IX a.C. – 1004-835 cal a.C. (Vilaça e Cunha, 2005, p. 52), num período

correspondente ao Bronze Final. De referir que estas recentes datações vieram corroborar a

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A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem

72

datação relativa da escavação de Spindler, produzida a partir da acertada análise do espólio

exumado.

Publicada em francês e alemão (Spindler et al., 1973-74), a excepcionalidade da Roça

do Casal do Meio ganhou um estatuto de referência europeia para o Bronze Final, tendo em

conta a própria projecção internacional de Konrad Spindler, as tendências genéricas da época,

as suas particularidades arquitectónicas, inéditas para o período e região em questão (ocidente

peninsular), a sua expressiva implantação na paisagem, por apresentar um túmulo com duas

sepulturas formais (os próprios enterramentos nesta época são raros) e a riqueza do espólio

exumado.

A escavação permitiu recuperar uma planta definida por um círculo com 11,5 m de

diâmetro, com uma abertura voltada a este-sueste com 1,20 m, delimitada, exteriormente, por

um espesso muro, composto por grandes blocos ortostáticos de calcário regional, com cerca

de 2,50 m de largura e atingindo 1,20 m de altura. A abertura conduz a um estreito corredor,

com 4,20 m de comprimento, que desemboca numa câmara funerária central, de planta

subcircular e com um diâmetro de base de 3,3 m, supondo uma cobertura original em “falsa

cúpula” (Silva e Soares, 1986, p. 116). Segundo Richard Harrison (Harrison, 2007), trata-se

de um tholos calcolítico, entretanto arruinado, e que na Idade do Bronze teria sido esvaziado

dos originários destroços e conteúdos, recebendo um reboco de argila no interior para acolher

os enterramentos; a cúpula não teria sido reconstruída, sendo os enterramentos selados com

um tumulus simples, composto por terra e pedras.

Genericamente, e em termos arquitectónicos, todos os autores observaram as

semelhanças deste (re)monumento funerário com os de “falsa cúpula” calcolíticos. Ainda

assim, apesar de todas as dúvidas publicadas pelos seus escavadores, estes fixaram-se nos

paralelos então conhecidos – os protótipos do Mediterrâneo Oriental, identificados em

Chipre, no Egeu, na Sardenha e na Sicília. Os autores assumiram, assim, a hipótese da

estrutura, e do seu conteúdo antropológico e material, serem coevos e correspondentes a

cronologias do Bronze Final, sobretudo por não terem identificado materiais calcolíticos

durante a escavação. Por outro lado, Spindler considerou que os construtores e defuntos

teriam origens exógenas, tanto mais, que à época, ainda não tinha sido localizado, na

envolvente desta necrópole, um povoado contemporâneo das inumações.

As escavações revelaram dois indivíduos, estudados e publicados por G. Gallay

(1973): um primeiro na zona sudoeste da câmara, sepultado directamente sobre o solo, em

decúbito dorsal e segundo uma orientação noroeste-sueste, com a cabeça virada para sueste e

a face para norte; e um segundo, na zona noroeste da câmara, depositado sobre uma banqueta

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A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem

73

de argila com uma altura de 25 cm, jazente sobre o seu lado direito, em posição contraída,

com a cabeça para nascente e a face virada a norte.

Os indivíduos faziam-se acompanhar de vários artefactos de prestígio,

designadamente objectos de bronze: duas pinças, um anel, um colchete de cinturão e uma

fíbula de enrolamento no arco, com braços iguais, mola simples, fuzilhão recto e descanso.

Além destes, de destacar um pente cuneiforme de marfim. Trata-se, portanto, de um conjunto

artefactual bastante homogéneo, enquadrado no horizonte da cerâmica de “ornatos brunidos”

do Bronze Final, a que se associam objectos em bronze de largo espectro cronológico e

geográfico, recorrentes por todo o Mediterrâneo e produzidos localmente (Harrison, 2007, p.

76). No que respeita à fíbula, é tipologicamente semelhante a outros seis exemplares

identificados no nosso território (no “Mundo Baiões/Santa Luzia”) – “o tipo mais antigo e

mais comum de fíbula peninsular é o de “enrolamento no arco” (ou Roça do Casal do Meio,

Sesimbra)” (Senna-Martinez, 2010, p. 19). Esta fíbula aponta para paralelos sicilianos, sendo

por vezes confundida com as “fíbulas de cotovelo” – em Cassibile datam-se,

convencionalmente, do século XII a.C. (Senna-Martinez, 2010, p. 19).

Quanto ao pente de marfim, tendo em conta o suporte material em que foi produzido,

aponta para uma feição exógena de origem mediterrânea norte-africana (Silva e Soares, 1986,

p. 121). Relativamente às pinças, têm vindo a ser identificados alguns paralelos em contextos

do Bronze Final do Ocidente Peninsular, por exemplo em povoados como o Castro dos

Ratinhos (Alentejo – Berrocal-Rangel e Silva, 2010), Monte do Frade (Beira Interior –

Vilaça, 1995; 2005) e Fraga dos Corvos (Trás-os-Montes – Senna-Martinez et al., no prelo) e

na necrópole do Casalão, em Sesimbra (Serrão, 1994, p. 58; Fabião, 1992, p. 141-143; Calado

et al., 2009, p. 31) – um conjunto de sepulturas da 1.ª Idade do Ferro, contendo alguns

objectos de bronze na tradição do Bronze Final da Roça do Casal do Meio (pinça, mola

espiralada de fíbula e anel).

As pinças e o pente remetem-nos para cuidados pessoais e de aparência do homem-

guerreiro da Idade do Bronze, provavelmente empregues na definição das suas iconográficas

barbas. De recordar que, objectos como pinças, pentes e espelhos (entre outros, de índole

marcial) surgem amiúde representados nas estelas do Bronze do Sudoeste, particularmente no

sul de Portugal. Para alguns autores, estas representações fazem eco de um modelo social

fortemente hierarquizado, de tipo “chefado”. Este modelo parece manifestar-se, da mesma

forma, na Roça do Casal do Meio, pois, além do espólio, há que sublinhar o facto de, não

obstante a monumentalidade da sepultura, apenas terem sido registadas duas inumações, o

que aponta para uma evidente distinção destes indivíduos – heróis fundadores? líderes

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A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem

74

guerreiros? “comerciantes ou mesmo missionário”? (Cardoso, 2000, p. 65), ou homens

“pertencentes a uma classe sacerdotal em crescente afirmação”? (Cardoso, 1998, p. 31).

Também não será de estranhar a total ausência das armas e dos escudos, frequentemente

figurados nas estelas do Sudoeste. A deposição de armas, em sepulturas do Bronze Final do

ocidente peninsular, é relativamente rara, havendo uma tendência, sim, para ocorrerem em

depósitos rituais, designadamente em grutas, fendas e leitos de rio (Vilaça e Cunha, 2005, p.

55).

No que respeita ao espólio cerâmico, documentaram-se apenas três recipientes: um

vaso bicónico de fundo plano, registado no interior da câmara funerária, com 39 cm de altura,

apresentando bordo simples, sem espessamento e lábio convexo, conservando, ainda, na zona

externa do bojo, vestígios de reticula brunida de traço fino – “as características decorações

de “ornatos brunidos”, produzidas por pontas rombas, provavelmente de madeira,

constituídas por finas caneluras definindo motivos reticulados de natureza exclusivamente

geométrica” (Cardoso, 1998, p. 31); uma taça de carena de ombro, registada no corredor, à

entrada da câmara, de fundo externo ligeiramente côncavo, apresentando uma pega vertical

perfurada, aplicada entre o bordo e a carena; e oito fragmentos de uma outra taça de carena de

ombro, de fundo aplanado, apresentando mamilo perfurado verticalmente, aplicado sobre a

carena (Calado, 1993d, p. 354). Os oito fragmentos foram registados de forma dispersa sobre

o monumento, integrando os materiais da mamoa (Harrison, 2007, p. 70). Segundo Richard

Harrison, estes fragmentos não partilham das mesmas características de fabrico dos outros

dois recipientes referidos, admitindo, contudo, um estilo e produção locais para os três

exemplares identificados (Harrison, 2007, p. 71, 76). Estamos perante grandes recipientes de

armazenamento, destinados, presumivelmente, à deposição ritual de alimentos (Calado, 1993,

p. 354). Ainda acerca do espólio votivo, resta referir os vestígios osteológicos de duas cabras

e de dois carneiros, depositados com carne aderente (Spindler et al., 1973-74; Silva e Soares,

1986; Vilaça e Cunha, 2005; Harrison, 2007).

A Roça do Casal do Meio insinua, assim, o grau de diferenciação social atingido pelas

comunidades do Bronze Final da região, parte da “placa giratória” estremenha. Esta relação

regional é aparentemente documentada pela ocorrência, por um lado, de elementos de cariz

mediterrâneo, como a fíbula e o pente da Roça do Casal do Meio; e, por outro lado, por

artefactos de origem atlântica, como as peças de bronze de “Alfarim” e das Pedreiras –

machados de alvado e foice (Silva e Soares, 2006, p. 43).

João Luís Cardoso, em 2004, a partir das suas observações no tholos do Cerro do

Malhanito (Alcoutim), e na continuidade do que já vinha a ponderar há algum tempo, admite

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A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem

75

poder tratar-se de um reaproveitamento de um monumento calcolítico, tendo em conta a

“simplicidade arquitectónica” da sua planta e por se enquadrar nos paralelos estremenhos de

tholoi (Cardoso, 2004b). Quanto à total ausência de materiais atribuíveis ao Calcolítico, é de

considerar uma provável acção de limpeza do monumento, aquando do seu reaproveitamento

(Vilaça e Cunha, 2005, p. 53, cf. Cardoso, 2004b; Harrison, 2007, p. 65). Recorde-se, a este

propósito, que já em 1986, Carlos Tavares da Silva e Joaquina Soares denunciavam

semelhanças arquitectónicas com os tholoi identificados no nosso território (Silva e Soares,

1986, p. 116); enquanto Ana Margarida Arruda também reconhece, “na sua globalidade, uma

vaga proximidade formal e de soluções construtivas com os monumentos megalíticos de tipo

tholos” (Arruda, 2008, p. 362).

Raquel Vilaça, em 2005, recupera uma questão que a investigação há muito vinha a

evitar: “será o monumento contemporâneo dos enterramentos, ou trata-se de uma estrutura

antiga reaproveitada? E, sendo-lhe anterior, que anterioridade é essa?” (Vilaça e Cunha,

2005, p. 53). A investigadora de Coimbra, embora reservadamente, não se vinculando às

hipóteses em causa, refere, por um lado, a constatação estratigráfica dos escavadores,

relativamente ao facto dos enterramentos não terem sido realizados logo após a construção do

monumento, o que abona a favor da hipótese do reaproveitamento de um tholos do

Calcolítico durante o Bronze Final; por outro lado, recorda os oito fragmentos de uma taça

carenada do Bronze Final, registados incorporando “as camadas de construção do

monumento”, um argumento importante (senão o único) para os defensores de um

empreendimento arquitectónico dos finais da Idade do Bronze (ob. cit., p. 53).

Ora, posto isto, e partindo das dúvidas e incoerências suscitadas pela investigação

desde a descoberta deste monumento, Richard J. Harrison avança com um cuidado trabalho

de revisão e de síntese de dados inéditos da escavação de Spindler, propondo uma nova

interpretação: “a new interpretation, that the graves were placed inside a much older Copper

Age Tholos after it had been cleaned out. They are not burials of immigrants from Sicily in a

mock-up of a passage grave” (Harrison, 2007, p. 65).

Harrison afirma, logo à partida, que o monumento da Roça do Casal do Meio atraiu a

atenção como um raro exemplo dos ricos enterramentos do Bronze Final, num monumento

megalítico único, permanecendo, desde 1973, como uma destacada anomalia na Idade do

Bronze atlântica (ob. cit., p. 65). A consequente discussão rapidamente sanou, com a

generalizada tendência em aceitar que o monumento, os enterramentos e o respectivo espólio

seriam todos contemporâneos e correspondentes ao Bronze Final, mesmo apesar de todas as

dúvidas equacionadas pelos próprios escavadores.

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A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem

76

Posto isto, Harrison levanta uma questão: porquê, depois de 30 anos de investigação

arqueológica, ainda não foi identificado, até à data (2007), um efectivo paralelo para a Roça

do Casal do Meio? Cada ano que passa, este sítio torna-se ainda mais peculiar e incomum –

“these anomalies persuaded me to reconsider the site and the two burials from a new

perspective” (ob. cit., p. 65).

Após uma atenta revisão dos dados disponíveis da escavação, sobretudo dos inéditos,

e reconhecendo a relativa qualidade e rigor da escavação, mesmo segundo os padrões actuais,

Harrison identifica algumas falhas e incoerências na publicação de 1973. Assim, e

contrariando as interpretações de Spindler, avança determinado com a proposta de que “os

hierarcas que foram aqui sepultados, não eram estranhos numa terra estranha. Eram

indígenas. Elites nativas” (Calado et al., 2009, p. 28, cf. Harrison, 2007). Neste seguimento,

coloca duas hipóteses interpretativas para a génese fundacional da Roça do Casal do Meio: “a

primeira é que a singularidade do monumento se explica pelo facto de ser o

reaproveitamento de um tholos, do Neolítico Final/Calcolítico, por populações da Idade do

Bronze, o que levou à segunda hipótese que é da existência de um povoado do Neolítico

final/Calcolítico, os construtores do tholos e de que os indivíduos sepultados da Idade do

Bronze não vieram de fora mas que estavam associados a um povoado da Idade do Bronze,

na área da Roça do Casal do Meio” (Calado et al., 2009, p. 47, cf. Harrison, 2007).

Na verdade, um dos principais contributos deste autor foi ter reunido argumentos

suficientemente fortes em defesa de uma das leituras alternativas que tinha sido, à partida,

descartada pelos próprios escavadores: um tholos do Calcolítico, reutilizado pelas populações

do Bronze Final, quase 2000 anos depois da sua construção e utilização primárias – “with this

new sequence in hand, it is now possible to restore the Tholos monument to the Late Copper

Age where it belongs, and see the Late Bronze Age materials in a new light” (Harrison, 2007,

p. 75).

“Como consequência do trabalho do referido autor inglês, a questão que se colocava

era, desde logo: onde moravam então esses indígenas?” (Calado et al., 2009, p. 28). Ora, nos

já referidos trabalhos de prospecção arqueológica, desenvolvidos entre 2007 e 2009 no

âmbito da Carta Arqueológica de Sesimbra, foi possível identificar, nas imediações do

monumento funerário, um povoado do Neolítico Final/Calcolítico (o povoado dos Ouriços –

Calado et al., 2009, p. 99), achado que jogaria bem com a primeira hipótese proposta por

Harrison – “os possíveis construtores do primeiro monumento funerário” (ob. cit., p. 47).

Contudo, além desta descoberta, foi definida uma imensa área de povoamento, atribuível ao

Bronze Final, com cerca de 100 ha e descrevendo um arco de círculo junto ao monumento.

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A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem

77

A investigação antropológica dos vestígios osteológicos exumados na Roça do Casal

do Meio permitiu caracterizar, de certa forma, e tendo em conta a amostragem, o homem que

povoou a Arrábida durante o Bronze Final – “para além dos artefactos, há, naturalmente,

homens, organizados de forma específica, vivendo num dado espaço, seguindo padrões de

comportamento mutuamente reconhecíveis, portadores de signos de identificação no

complexo comportamento social das sociedades humanas” (Gonçalves, 1993, p. 188). A

insuficiência de dados de escavação não tem permitido grandes deduções antropológicas para

a região em causa, destacando-se os trabalhos desenvolvidos a partir dos vestígios

osteológicos da Lapa do Bugio (Isidoro, 1964) e das grutas artificiais da Quinta do Anjo

(Bübner, 1979), ambos caracterizadores do Homem do Calcolítico.

No que diz respeito ao Homem do Bronze Final, Raquel Vilaça e Eugenia Cunha

publicaram, em 2005, um texto de revisão e síntese dos dados arqueológicos e

antropológicos, relativos às inumações da Roça do Casal do Meio – A Roça do Casal do Meio

(Calhariz, Sesimbra): novos contributos (Vilaça e Cunha, 2005).

Trinta anos após o primeiro estudo de G. Gallay (Gallay, 1973), as investigadoras

concluíram tratar-se de dois indivíduos adultos do sexo masculino, um mais jovem, com uma

idade entre os 20 e os 40 anos, e outro mais velho, entre os 40 e os 50 anos. Ambos os

indivíduos apresentaram severo desgaste dentário, sem patologias orais associadas. Os ossos

dos membros inferiores e superiores dos dois sujeitos indiciaram uma assinalável robustez,

com grande desenvolvimento das zonas de inserção muscular, sugerindo um esforço físico

repetido ao longo de vários anos, estimando-se uma altura de 1,70 m para um deles – uma

estatura média/alta.

No que respeita ao chamado “Síndrome do Cavaleiro”, os ossos da bacia e fémures

não ofereceram informação conclusiva, contudo, um dos indivíduos patenteou alguns indícios

de ter montado a cavalo com alguma frequência. A avaliação acerca do grupo populacional de

origem também não foi conclusiva, pelo facto dos ossos da face se encontrarem bastante

fragmentados. Parâmetros como o índice nasal e facial poderiam estimar a origem geográfica

destes indivíduos.

“Assim, os inumados não parecem ser exógenos, mas indígenas, podendo defender-se

que os próprios construtores seriam também nativos (...). Mas estes indígenas não seriam

certamente uns indígenas comuns, e poderiam fazer parte das elites locais que, de uma forma

ou de outra, participaram e tiveram papel preponderante nas redes de intercâmbios que

ligaram o Atlântico e o Mediterrâneo durante o Bronze Final” (Arruda, 2008, p. 361-362).

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Fig. 69 –Localização do monumento funerário da Roça do Casal do Meio no extracto da folha 465 da CMP esc. 1:25000.

Fig. 70 – Reconstituição hipotética da fase I da Roça do Casal do Meio (seg. Artur Ramos, in Calado et al., 2009, p. 16).

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Fig. 71 – A Roça do Casal do Meio virada a nascente (foto de R. Soares).

Fig. 72 – Entrada da câmara funerária (foto de R. Soares).

Fig. 73 – A Roça do Casal do Meio e a Serra do Risco (foto de R. Soares).

Fig. 74 – Reconstituição hipotética da Roça do Casal do Meio (seg. Spindler et al., 1973-74).

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Fig. 75 – Em cima, plano geral de todo o monumento depois de escavado; em baixo, plano simplificado do monumento (seg. Harrison, 2007, p. 66-67).

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Fig. 77 – A posição exacta dos objectos exumados junto dos dois indivíduos (seg. Harrison, 2007, p. 71).

Fig. 76 – Plano do nível inferior do monumento onde foram depositados os dois indivíduos e o respectivo espólio votivo (seg. Harrison, 2007, p. 70).

Fig. 78 – Os três recipientes cerâmicos exumados no monumento funerário da Roça do Casal do Meio (seg. Harrison, 2007, p. 72).

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Fig. 79 – Vaso bicónico de fundo plano, exumado no interior da câmara funerária - in Museu Geológico (foto de R. Soares).

Fig. 80 –Taça de carena de ombro com pega vertical perfurada, exumada no corredor, à entrada da câmara funerária - in Museu Geológico (foto de R. Soares).

Fig. 81 – Reconstituição a partir de oito fragmentos de uma taça de carena de ombro, registados na mamoa do monumento - in Museu Geológico (foto de R. Soares).

Page 103: A arrábida no Bronze Final: a Paisagem e o Homem (SOARES, R., 2013)

A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem

78

6.2.2. A Lapa do Fumo e os “ornatos brunidos” – “gruta-santuário” (?)

Foi em 30 de Agosto de 1956 que Eduardo da Cunha Serrão visitou pela primeira vez

a Lapa do Fumo, reconhecendo, desde logo, o seu “grande interesse arqueológico” (Serrão,

1958, p. 177). De facto, esta foi a primeira gruta arqueológica e a primeira estação pré-

histórica, pós-paleolítica, identificada no concelho de Sesimbra. Trata-se de uma cavidade

cársica, situada cerca de 3 km a oeste de Sesimbra, na Serra dos Pinheirinhos, apresentando

uma galeria aberta em calcários do Jurássico, com sensivelmente 70 m de comprimento, na

cota dos 190 m de altitude.

Cunha Serrão, na qualidade de colaborador do Centro de Estudos de Etnologia

Peninsular, mandatado pela presidência da Câmara Municipal de Sesimbra, decide avançar

para a investigação desta importante jazida. Foi assim que, no Verão de 1957, deu início à sua

escavação – “começando por abrir um quadrado com 2 metros de lado, 8,5 metros da

entrada, que foi explorado por camadas de 20 cm (não tendo encontrado estratigrafia

suficientemente esclarecedora na primeira sondagem, procedi à escavação da parte restante

por camadas arbitradas), até encontrar um chão estalagmítico que, neste local e até onde o

pude reconhecer, se mostrou estéril” (ob. cit., p. 177).

A escavação revelou uma exemplar sequência estratigráfica e um rico e diversificado

espólio, atribuível a cronologias compreendidas entre o Neolítico Antigo e o Período

Islâmico: “além dos restos ósseos de vários indivíduos sepultados, se recolheram artefactos

de interesse, tais como vários instrumentos e armas de sílex, de pedra polida, de osso e de

cobre ou bronze, objectos de adorno e vários ídolos-placas, de ardósia. Mas a cerâmica é a

nota mais interessante desta estação, pois, nos 4 m2 de terreno explorados num só quadrado

– o n.º 1 –, encontrei cerca de 2.000 fragmentos que pertenceram a uns 200 vasos que podem

classificar-se em pelo menos 11 tipos cerâmicos distintos” (ob. cit., p. 177-178).

Entre estes fragmentos, Cunha Serrão isolou 56 fragmentos cerâmicos,

correspondentes a 20 vasos diferentes, reunindo um conjunto de características tipológicas e

decorativas até então desconhecidas – os “ornatos brunidos” – “fabricada sem recurso ao

torno rápido; superfície exterior polida (às vezes também a interior) sugerindo a aplicação

de um engobe; ornatos geométricos (praticamente nunca curvilíneos), produzidos pela

passagem de brunidores (uns mais largos do que os outros) nas paredes dos vasos, antes do

cozimento; ornamentação nas paredes exteriores em quase todos os exemplares portugueses,

e no interior em quase todos os exemplares espanhóis (curiosa diferenciação); distribuição

geográfica na P. Ibérica: principalmente ao Sul do Tejo e na Andaluzia” (Serrão, 1975, p.

214-215). Peças de excelente qualidade, de formas compósitas bastante elegantes,

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A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem

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apresentando, em alguns casos, um exuberante barroquismo decorativo, “consideradas

justamente o apogeu das produções cerâmicas, de fabrico manual, quando começavam a

chegar, ao nosso território, os primeiros exemplares produzidos com uma tecnologia

revolucionária, oriunda do Próximo Oriente: a roda de oleiro” (Calado et al., 2009, p. 27).

De facto, o conjunto cerâmico com ornatos brunidos da Lapa do Fumo foi o primeiro

do seu género a ser divulgado em Portugal, de forma bastante sistemática e aprofundada para

a época. Até então, apenas eram conhecidos alguns escassos fragmentos provenientes do

tholos do Monge (Sintra) e da Gruta da Maceira (Torres Vedras) (Silva e Soares, 1986, p.

127), que, pela ausência de paralelos, foram atribuídos a cronologias do Neolítico, Calcolítico

e Idade do Bronze. Na sequência da publicação dos trabalhos de Cunha Serrão na Lapa do

Fumo, e de outras escavações em jazidas do Bronze Final e da 1.ª Idade do Ferro, na

Andaluzia, na Estremadura portuguesa, no Alentejo e no Algarve, proliferaram os

arqueossítios com registos de cerâmica com ornatos brunidos.

Segundo Carlos Tavares da Silva e Joaquina Soares, é legítimo “aceitar que esta

cerâmica se tenha desenvolvido na Estremadura durante o Bronze final, entre o século IX e

os séculos VIII/VII a.C., constituindo aqui um centro paralelo ao que simultaneamente se

formara na Andaluzia. Destes centros teriam irradiado influências para outras zonas

peninsulares, nomeadamente para o Alentejo e Algarve, províncias até então ocupadas pela

Cultura do Bronze do Sudoeste” (Silva e Soares, 1986, p. 127-128). A descoberta do

monumento funerário da Roça do Casal do Meio, contendo exemplares de cerâmica com

“reticula brunida”, permitiu aferir, pela primeira vez, a cronologia relativa destas cerâmicas,

pelo menos a nível regional.

Cunha Serrão concluiu que os enterramentos da Lapa do Fumo eram enquadráveis nos

meados do 2.º milénio a.C. – “Bronze Médio” (Serrão, 1959, p. 345), todavia, as cerâmicas

correspondentes ao Bronze Final não se encontraram estruturadamente associadas a restos

antropológicos. Tendo em conta o seu reconhecido rigor metodológico, resta-nos considerar a

hipótese de estarmos perante deposições votivas numa “gruta-santuário” do Bronze Final

(Gomes e Calado, 2007, p. 152) – “ainda não pude averiguar com segurança o motivo da sua

presença, mas ocorre-me que poderia muito bem ser por razões de ritual religioso, se em

certas épocas, a Lapa do Fumo foi tida na conta de gruta sagrada onde se iriam fazer

oferendas e talvez sacrifícios” (Serrão, 1959, p. 347). Nesta linha, João Luís Cardoso entende

que as cerâmicas com ornatos brunidos da Lapa do Fumo “corresponderiam a oferendas

fúnebres ou, em alternativa, a deposições relacionadas com santuário rupestre, atendendo à

dificuldade de se poderem relacionar com quaisquer sepulturas, hipótese que, embora

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80

carecendo de demonstração, é plausível” (Cardoso, 1998, p. 31). As razões do

(re)aproveitamento das grutas da região estremenha, durante o Bronze Final, deverão prender-

se com a utilização destas “como prováveis santuários rupestres, mais do que para

necrópoles e, muito menos, habitação” (Cardoso e Cunha, 1995, p. 55).

António Monge Soares (Soares, 2005, p. 142), com base em observações efectuadas

em treze povoados identificados na margem esquerda (portuguesa) do Guadiana, fundados

durante o Bronze Final e abandonados entre os séculos VIII e VII a.C., antes de qualquer

manifestação atribuível à 1.ª Idade do Ferro, propõe a existência de um “estilo” regional

personalizado para as cerâmicas de ornatos brunidos identificadas (ob. cit., p. 141). Ainda que

escassas, elas constituem um dos elementos da cultura material transversais aos arqueossítios

em causa, cujas gramáticas geométricas se caracterizam pelo barroquismo, variedade e

complexidade dos seus motivos. O investigador verificou que esta tipologia cerâmica é

relativamente residual no conjunto artefactual recolhido nos diversos sítios estudados, com

excepção do povoado de Santa Margarida onde foram registados cerca de 50 exemplares –

“Santa Margarida é constituído por três núcleos, separados entre si por cerca de uma

centena de metros e, em todos eles, a cerâmica, único tipo de artefacto aí recolhido, aparece

concentrado numa zona restrita” (ob. cit., p. 142). A referência a este sítio importa no

sentido em que este parece estabelecer uma relação especial com a água, pois “implanta-se

entre dois cursos de água e existe uma fonte de água permanente na sua vizinhança

imediata” (ob. cit., p. 142). Esta evidência, associada à excepcional quantidade de cerâmica

de ornatos brunidos aí recolhidas, contrariamente aos demais sítios da região, constituindo um

conjunto artefactual exclusivamente cerâmico, e tendo em consideração o que tem sido

proposto sobre a função e significado destas cerâmicas, quer para o Sudoeste espanhol

(Torres Ortiz, 2002), quer para as áreas dos estuários do Tejo e do Sado (Cardoso, 1996), será

de admitir, para o sítio de Santa Margarida, “um cunho ritual (santuário rupestre?). De igual

modo, se poderá inferir a ligação da cerâmica de ornatados brunidos a actos rituais”

(Soares, 2005, p. 142).

Por fim, de destacar o pioneirismo metodológico de Eduardo da Cunha Serrão. Em

1958, na qualidade de membro da comissão organizadora do I Congresso de Arqueologia,

Cunha Serrão deslocou-se a Inglaterra para conhecer, nos campos de trabalho ingleses, as

mais recentes teorias, técnicas e métodos de escavação, no intuito de suprir a carência de

elementos de fonte nacional. Os autores que no seu entender desenvolviam os princípios

fundamentais da boa técnica de escavação eram: Sir Mortimer Wheeler, o Professor R. J. C.

Atkinson e a Dr.ª Kathleen M. Kenyon. Estes partilhavam princípios que condenavam

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A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem

81

abertamente o método da trincheira. Nesta passagem por Inglaterra, Cunha Serrão ainda

visitou o Council for British Archaeology, onde recolheu importante informação

bibliográfica. No regresso a Portugal, aplicou o Método de Wheeler pela primeira vez, em

1956, na exploração do povoado neolítico da Parede (Cascais). Em Agosto de 1957 recorreu

novamente a este método, desta feita em contexto de gruta, na exploração da Lapa do Fumo,

tendo obtido resultados exemplares, especialmente no que respeita à referenciação efectuada

através do registo tridimensional de todo o espólio. A escavação da Lapa do Fumo revelou

uma excepcional sequência estratigráfica, de grande riqueza arqueológica (cultural e

cronológica), permitindo aferir dados de referência para ulteriores investigações e apontando

novas abordagens de estudo.

Fig. 82 – Corte estratigráfico da Lapa do Fumo, destacando-se a camada 2 pela predominância de cerâmicas do “Bronze avançado e final” e a área “O.b” onde foi registado o grosso das cerâmicas com ornatos brunidos (seg. Serrão, 1994, p. 76).

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Fig. 83 –Localização da Lapa do Fumo/Serra dos Pinheirinhos no extracto da folha 464 da CMP esc. 1:25000.

Fig. 84 – A situação da Lapa do Fumo relativamente ao Cabo Espichel (imagem Google Earth).

Page 108: A arrábida no Bronze Final: a Paisagem e o Homem (SOARES, R., 2013)

Fig. 85 – Interior da Lapa do Fumo (foto de R. Soares).

Fig. 86 –Área de testemunho reservada por Cunha Serrão (foto de R. Soares).

Fig. 87 – Aspectos de concrecionamento (foto de R. Soares).

Page 109: A arrábida no Bronze Final: a Paisagem e o Homem (SOARES, R., 2013)

Fig. 88 – Perfis de alguns recipientes com ornatos brunidos da Lapa do Fumo (seg. Serrão, 1994, p. 80).

Fig. 89 –Cerâmica com ornatos brunidos da Lapa do Fumo (seg. Serrão, 1975).

Fig. 90 –Fragmento de taça com ornatos brunidos da Lapa do Fumo (seg. Serrão, 1994, p. 79).

Page 110: A arrábida no Bronze Final: a Paisagem e o Homem (SOARES, R., 2013)

Fig. 91 – O fragmento da taça com ornatos brunidos da fig. 90 (foto de R. Soares).

Fig. 92 – Machado de bronze da Lapa do Fumo – “Bronze Médio” (foto de R. Soares).

Page 111: A arrábida no Bronze Final: a Paisagem e o Homem (SOARES, R., 2013)

A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem

82

6.2.3. Lapa da Furada – “gruta-santuário” (?)

Trata-se de uma cavidade cársica situada na Serra da Azóia, em Sesimbra, na

paisagem sul do Cabo Espichel, a cerca de 600 m da aldeia da Azóia. Também é localmente

conhecida pelo microtopónimo de “Lapa do Piolho”. Aberta na cota dos 159 m, em unidades

sedimentares do Jurássico Médio (J2 pe), esta cavidade fóssil desenvolve-se ao longo de uma

junta de estratificação, com um desnível semi-vertical de - 43 m, segundo uma orientação na

tendência dos 210º, ocupando uma área total de aproximadamente 409 m2 e arrumando-se em

várias galerias dispostas em pelo menos três patamares de profundidade. O primeiro

patamar/galeria comunica com o exterior através de uma pequena entrada vertical “bífida”,

com cerca de 1 m x 1,50 m, produzida pelo cruzamento de uma diaclase com a junta de

estratificação. A descida conduz à penumbra de uma pequena sala vestibular, com

aproximadamente 50 m2, área onde se realizou a escavação arqueológica. Esta sala de entrada

comunica, por sua vez, com uma outra, de maiores dimensões, por onde se pode descer para o

nível inferior da cavidade, através de um tramo vertical de 12 m. Neste patamar inferior abre-

se a maior galeria da cavidade, com uma área aproximada de 110 m. A gruta continua a

desenvolver-se até aos 43 m de profundidade, estreitando ao longo de uma fenda que acaba

por impossibilitar a progressão.

A primeira referência bibliográfica à Lapa da Furada deve-se a Eduardo da Cunha

Serrão (Serrão, 1962), partindo da informação dos seus “achadores”: Rafael Monteiro, Duarte

Mafra e Manuel Cabrita Ribeiro Cruz. O autor atribui à estação uma cronologia do Bronze

Médio. Mais tarde, na sua Carta Arqueológica de Sesimbra (Serrão, 1973; 1994), Cunha

Serrão faz referência a trabalhos de prospecção, desenvolvidos entre 1957 e 1958, nos quais

foram registados diversos fragmentos cerâmicos atribuíveis ao Calcolítico e à Idade do

Bronze, além de um importante espólio antropológico. Contudo, apenas em 1992, com João

Luís Cardoso, foram encetados trabalhos de escavação arqueológica, limitados à sala de

entrada (Cardoso, 1993). Estes trabalhos justificaram uma nova campanha de escavação, em

1994, possibilitando, segundo o autor, a integral conclusão da exploração arqueológica da

referida área (Cardoso e Cunha, 1995).

A estratigrafia antrópica permitiu isolar 4 Camadas, descritas em 3 cortes, numa área

quadricular de 20 m2, destacando-se, na Camada 2, com 20 cm, um depósito contínuo e

homogéneo de ossos humanos desconexos, associados a materiais neolíticos e do “Bronze

Médio”. Tal evidência sugeriu, segundo os autores, um único e rápido momento de deposição

secundária, de ossos provenientes de outro local, resultando num aparentemente pouco

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A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem

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importante ossuário. Esta interpretação ganhou substância no facto de, à abundância de ossos

corresponder uma desproporcional e “desinteressante” quantidade de espólio votivo,

insinuando, no momento da transladação, uma selecção de peças ainda com interesse ritual ou

funcional. Posto isto, apenas restaram residuais fragmentos cerâmicos sem proveito e

pequenos artefactos líticos, dificilmente visualizáveis (algumas lâminas, pontas de seta e uma

conta de colar). Também foram documentados alguns materiais que remetem para uma

ocupação do Neolítico Final (Camada 3): um machado e uma enxó, registados à entrada da

cavidade, completamente isolados do posterior depósito antropológico e que podem indiciar

práticas funerárias durante o Neolítico Final, à imagem do verificado na Lapa do Bugio

(Cardoso, 1992).

Porém, a integração dos materiais exumados no depósito funerário revela incoerências

e disparidades crono-culturais. Os autores propõem uma cronologia absoluta do ossuário

fixada “entre cerca de 2700 e 2450 anos a.C., a que corresponde o Calcolítico pleno da

Estremadura”, e uma cronologia relativa dos materiais cerâmicos da Idade do Bronze,

“coevos da remobilização daquele conjunto, no qual se encontravam amalgamados”, situada

entre 1700 e 1300 a.C., “na transição do Bronze pleno (horizonte do Catujal) para os

primórdios do Bronze Final” (Cardoso e Cunha, 1995, p. 55) – “consequentemente, pode

concluir-se que foram populações da Idade do Bronze as responsáveis pela acumulação do

ossuário, mas não à custa dos despojos dos seus próprios elementos” (ob. cit., p. 51).

Posto isto, os autores consideram possível que tenha ocorrido, em “plena” Idade do

Bronze, uma acção de limpeza de um depósito osteológico primário das proximidades, 1000

anos após a sua deposição calcolítica, provavelmente para uma reutilização funerária e/ou

ritual da cavidade vizinha. Entretanto, nesse mesmo espaço, terá sido produzida uma camada

com materiais da Idade do Bronze, sobreposta à camada do nível sepulcral calcolítico, antes

de ambos serem totalmente misturados aquando da sua transladação para a Lapa da Furada.

Por fim, após uma acção de limpeza ritualizada, dá-se uma única deposição destes materiais

na Furada, respeitando o pré-existente nível do Neolítico Final (machado e enxó). O momento

de transladação dos despojos da necrópole primária para a Lapa da Furada deverá ter sido

ritualizado em cerimónias fúnebres que incluiriam, provavelmente, fogueiras de purificação.

Esta sugestão, além dos paralelos documentados para o Neolítico e Calcolítico do Centro do

País, é deduzida pela ocorrência de numerosos carvões misturados com os ossos humanos.

Os autores também descartam a hipótese de um depósito primário de origem na

vizinha Lapa do Bugio (Cardoso, 1992), pelo facto de as suas tumulações remontarem,

sobretudo, ao Neolítico Final, mais antigas, portanto, que a cronologia absoluta obtida para a

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A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem

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Furada.

A respeito dos materiais datáveis da Idade do Bronze, estes ocorreram na Camada de

superfície (Camada 1), associados a cerâmicas medievais e modernas, e na Camada 2,

acompanhando os restos antropológicos (Cardoso e Cunha, 1995, p. 18). Estão em causa,

além de numerosos fragmentos cerâmicos, uma conta de osso tubular, com perfuração

cilíndrica obtida com recurso a furador metálico, e de dois artefactos de “cobre”: um

fragmento de anzol de secção quadrangular (fig. 148) e uma pequena lâmina curva, com dois

entalhes de fixação opostos. Se para o primeiro é possível considerar uma cronologia ainda do

Calcolítico, o segundo remete para tipologias já da 1.ª Idade do Bronze, em consonância com

muitos dos materiais cerâmicos. As reduzidas dimensões do “punhal” não apontam para

qualquer funcionalidade que não a “votiva”, de cariz marcadamente simbólico.

A cerâmica da Idade do Bronze da Furada caracteriza-se por uma boa variedade de

recipientes: grandes vasos em forma de saco, de paredes verticais na parte superior, ou

suavemente introvertidas, bordos, com ou sem espessamento, e fundos planos; recipientes de

menores dimensões, mas formalmente idênticos aos anteriores, os chamados “tronco-cónicos”

da Idade do Bronze (fig. 99), “sucedâneos dos “copos” do Calcolítico inicial da

Estremadura” (Cardoso e Cunha, 1995, p. 19); taças carenadas (fig. 99), apresentando

carenas bem definidas ou esbatidas; fundos planos com ligação esbatida à pança (fig. 100);

numerosas taças de calote, de fundo mais ou menos achatado e de bordos com ligeiro

espessamento externo; esféricos médios, de bordo não espessado ou ligeiramente exvertido,

análogos às cerâmicas do Neolítico. “De salientar que todas as formas citadas se encontram

representadas em contextos do Bronze médio da bacia do médio e Alto Mondego” (Cardoso e

Cunha, 1995, p. 19). No que se refere às pastas, estas apresentam-se, regra geral, grosseiras a

muito grosseiras, incorporando volumosos grãos de quartzo e de feldspato, além de menos

expressivas micas.

Apesar de residuais, algumas das formas decoradas, isoladas de um conjunto

predominantemente liso, permitem-nos propor uma parcial integração em momentos já do

Bronze Final. Na escassa amostra, foi possível observar fragmentos com acabamento

cepillado; potes de colo estrangulado e de bordo ligeiramente exvertido, em aba,

apresentando impressões espatuladas no lábio (fig. 98), produzindo um bordo denteando (com

paralelos na Tapada da Ajuda); peças decoradas com cordões plásticos, pouco proeminentes e

verticais, das quais se destaca um grande vaso negro brunido. É de salientar o facto de estes

aspectos decorativos implicarem uma longa diacronia.

Tendo em conta a análise da cultura material e do próprio contexto, fica no ar a

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A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem

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possibilidade de algum grau de continuidade na utilização desta cavidade até ao Bronze Final,

não obstante as conclusões cronológicas dos autores. Esta utilização seria de carácter sagrado

e não funerário, na linha do verificado noutras cavidade por aqui tratadas – “grutas-

santuário”. Aliás, também parece razoável admitir que os fenómenos interpretados pelos

autores tenham ocorrido todos no mesmo palco – na própria gruta da Furada.

Resta recordar que a escavação da Lapa da Furada resumiu-se à primeira sala, a

vestibular sala de entrada, remanescendo outros espaços com evidente potencial

arqueológico. A este propósito, em recentes visitas realizadas ao local pelo signatário, foram

assinalados vestígios antropológicos e cerâmicos noutros espaços não intervencionados, na

mesma cota da área da escavação.

Fig. 93 – A entrada da Lapa da Furada vista de dentro (foto de R. Soares).

Page 115: A arrábida no Bronze Final: a Paisagem e o Homem (SOARES, R., 2013)

Fig. 94 –Localização da Lapa da Furada/Serra da Azóia no extracto da folha 464 da CMP esc. 1:25000.

Fig. 95 – A situação da Lapa da Furada relativamente ao Vale das Lapas e às suas cavidades (imagem Google Earth).

Page 116: A arrábida no Bronze Final: a Paisagem e o Homem (SOARES, R., 2013)

Fig. 96 – Topografias da Lapa da Furada (seg. Rui Francisco – Associação Arrábida Antiga).

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Fig. 100 – Fragmentos de fundos planos, alguns com ligação à pança esbatida (seg. Cardoso e Cunha, 1996, p. 23).

Fig. 99 – Fragmentos de recipientes “tronco-cónicos” e de taças carenadas (seg. Cardoso e Cunha, 1996, p. 21).

Fig. 97 – Planta da área escavada em 1994 na Lapa da Furada (seg. Cardoso e Cunha, 1996, p. 48).

Fig. 98 – Fragmento de pote de colo estrangulado e de bordo ligeiramente exvertido, em aba, apresentando impressões espatuladas no lábio (seg. Cardoso e Cunha, 1996, p. 34).

Page 118: A arrábida no Bronze Final: a Paisagem e o Homem (SOARES, R., 2013)

A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem

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6.2.4. Gruta do Médico – necrópole (?), “gruta-santuário” (?)

A Gruta do Médico localiza-se na vertente norte do Vale do Solitário (mata coberta),

em pleno “coração” da Serra da Arrábida/Setúbal (ver fig. 32), na meia encosta do Monte

Abraão, no topo do qual se elevam as “icónicas” três cruzes da Arrábida. A entrada vertical é

feita por uma estreita abertura no chão do seu átrio de entrada, por onde se desce cerca de 3

m. Desenvolve-se na cota dos 210 m, em unidades sedimentares do Jurássico, segundo uma

progressão semivertical de orientação oeste-este, com um desnível de cerca de 21 m de

profundidade. O desenvolvimento dá-se ao longo de uma junta de estratificação, organizando-

se em galerias ricas em fenómenos de concrecionamento, sobrepostas em três patamares,

numa área total de aproximadamente de 174 m.

Terá sido descoberta por um pastor por volta de 1856, sendo referida, pela primeira

vez, por Manuel Maria Portela no folheto Gazeta Setubalense n.º 218, de 27 de Junho de

1873, onde se pode ler: “El logar eminente, e não distante do vale que chamam da Mata

Coberta, por ser de espessura impenetrável aos raios de sol, vêm-se ainda os restos da

parede que resguardam o concavo da rocha onde habitou um médico, do qual a tradição nos

refere apenas que foi notável pelos seus conhecimentos científicos, e que ali se recolheu,

depois de haver percorrido vários países em dilatadas viagens”. Em 1897, Joaquim Rasteiro

publica uma breve descrição da cavidade no Arqueólogo Português: “a lapa do Médico, na

meia encosta do monte Abraão, á esquerda do caminho que vae da fonte do Solitário para o

mosteiro pelo valle de S. Paulo. Tinha formosas estalactites e estalagmites, que foram

destruidas na maioria pelos visitadores. A parte superior foi habitação de um cenobita; o

subterrâneo foi descoberto ahi por 1850 devido á queda de uma pedra, que fechava a

entrada” (Rasteiro, 1897, p. 3).

O átrio de entrada ainda conserva vestígios de uma antiga construção adossada à rocha

(a estrutura de pedra seca das ombreiras da porta e os arranques de uma cobertura

alpendrada), provavelmente de função religiosa, tendo em conta a proximidade da “lapa-

capela” de Santa Margarida e do Convento da Arrábida e por ali passar um secular caminho

que o liga ao ermitério de El Cármen. De assinalar, também, a proximidade ao Portinho e à

Serra da Cela, a cerca de 1 km.

Em recentes visitas ao local, no âmbito da Carta Arqueológica de Setúbal, foi possível

registar, além de diversos vestígios de época medieval/moderna e de alguma indústria lítica

em sílex, dois fragmentos de cerâmica negra brunida, não ornatados, e que apesar de não

proporcionarem colagem, parecem corresponder ao mesmo recipiente. Curiosamente, estes

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A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem

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dois fragmentos encontravam-se bastante distanciados entre si: um no interior da cavidade,

em excelente estado de conservação; o outro no exterior, mais erodido, mas que pelo facto de

ainda conservar algum brunimento e brilho supõe uma mobilização relativamente recente.

Recorde-se, para o efeito, que a referida cavidade, embora nunca tenha sido alvo de estudos

arqueológicos, é bem conhecida localmente, recebendo frequentes visitas, nem sempre de

visitantes com sensibilidade arqueológica e espeleológica. Além destes dois exemplares

brunidos, foram observados outros fragmentos de cerâmica manual, designadamente um

fundo plano.

No interior da gruta, na base da entrada vertical, abre-se um estreito recanto,

colmatado por dejecções sedimentares que o preenchem quase na totalidade. Depois de um

apertado rastejamento, o signatário identificou um fragmento de cerâmica manual (bordo

simples), associado a duas vértebras que, segundo uma informal consulta antropológica, são

lombares, além de alguns dentes humanos. Estes achados constituem um forte indício de uma

necrópole que poderá pertencer ao Bronze Final, tendo em conta o registo artefactual

associado e os arqueossítios da envolvente. Por outro lado, atendendo ao contexto regional,

que prima pela ausência de restos humanos da Idade do Bronze em ambientes de gruta, pode

sim tratar-se de uma necrópole de época anterior à Idade do Bronze (Neolítico/Calcolítico?).

A utilização desta cavidade enquanto “gruta-santuário”, durante a Idade do Bronze, constitui

uma forte hipótese, em aberto.

Fig. 101 – Localização da Gruta do Médico, em plena área de “culto arrábido”, no extracto da folha 465 da CMP esc. 1:25000.

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Fig. 102 – Topografias da Gruta do Médico (adaptado de Rui Francisco, Associação Arrábida Antiga).

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Fig. 104 – Uma das galerias da Gruta do Médico (foto de R. Soares).

Fig. 103 – Entrada da Gruta do Médico (foto de R. Soares).

Fig. 105 – Passagem para o recanto presumivelmente utilizado como necrópole (foto de R. Soares).

Fig. 106 – Prospecções no interior do “nicho-necrópole?” (foto de Sara Navarro).

Fig. 107 –Vértebra lombar humana (foto de R. Soares).

Fig. 108 – Dente humano (foto de R. Soares).

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Fig. 109 – Fragmento de cerâmica brunida (foto de R. Soares). Fig. 110 – Fragmento de cerâmica brunida (foto de R. Soares).

Fig. 111 – Fragmento de cerâmica manual (foto de R. Soares).

Fig. 112 – Fragmento de cerâmica manual (foto de R. Soares).

Fig. 113 – Fragmento de fundo plano (foto de R. Soares).

Fig. 114 – Fragmento de bordo simples registado em associação aos restos antropológicos (foto de R. Soares).

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A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem

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6.2.5. Lapa da Cova – “gruta-santuário”

O geomonumento da Lapa da Cova localiza-se na vertente sul da Serra do Risco, em

Sesimbra, perto da povoação de Pedreiras, a cerca de 3 km do “epicentro” do povoado do

Risco. Apresenta-se na cota dos 260 m da mais elevada arriba calcária da Europa continental.

Trata-se de uma cavidade cársica fóssil, constituída por duas salas, abertas em unidades

sedimentares do Jurássico Médio (J2 pe) pela suposta combinação da actividade tectónica

com a acção hídrica. A cavidade desenvolve-se ao longo de uma diaclase principal,

longitudinal à sala de entrada, de orientação aproximada sudeste-noroeste (da entrada para o

interior), sendo cruzada por outras diaclases secundárias.

Morfologicamente, e muito genericamente, a Lapa da Cova caracteriza-se por uma

galeria principal ascendente, com um irregular desnível do chão com cerca de 10 m, ao longo

de cerca de 30 m de profundidade. Tem cerca de 10 m de largura média, 15 m de altura à

entrada e 2 m no topo. No topo existe uma plataforma que comunica, à direita, através de uma

rampa descendente, com uma pequena galeria apendicular, alvo prioritário da escavação a

que foi sujeita. A galeria principal apresenta um desarranjo estrutural, um caos de blocos de

grandes dimensões, colmatados, no topo da sala, por “recentes” (na Era geológica) depósitos

sedimentares margo-argilosos, fenómeno que também contribui para a difícil interpretação da

sua génese geomorfológica. De acrescentar, ainda, a pobreza de fenómenos de

concrecionamento.

Em termos ambientais, estamos perante uma cavidade senil e muito seca. À medida

que se penetra no seu interior, subindo o seu desnível, a temperatura aumenta e estabiliza

gradualmente (+/- 20/22º de temperatura – média anual da envolvente do sítio), enquanto a

luz se perde na penumbra, dando lugar à total escuridão no interior da pequena galeria no

topo.

O seu microtopónimo é interessante, pelo facto de ser redundante: “Lapa da Cova”. O

acesso ao sítio não é fácil, pela sinuosidade, inclinação e vegetação da escarpa onde se

localiza, podendo ser feito por baixo, a partir do mar, subindo penosamente pela enseada da

Cova/Calhau da Cova (Cabo de Ares); ou por cima, a partir do topo da arriba, por uma rampa

natural, ou pela meia encosta poente, aproveitando o ligeiro degrau proporcionado pelo topo

de um cone de dejecção.

A manifesta relação desta gruta com o mar merece realce, partindo-se de um conjunto

de observações realizadas in loco. Desde logo, o contacto visual com a Cova só é possível a

partir do mar – um “grande buraco negro” em fundo calcário claro. Proveniente de sul,

qualquer embarcação consegue facilmente vislumbrar o “buraco” da Cova a uma distância

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A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem

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considerável, revelando-se, esta, como uma boa referência visual. Na verdade, as

embarcações oriundas de sul (designadamente do Mediterrâneo), após dobrarem o Cabo de

São Vicente/Sagres, e seguindo uma rota aos 0º (norte), podem, em dias de boa visibilidade,

descortinar a silhueta da Arrábida a partir de Sines, na forma de um verdadeiro marco

paisagístico para a entrada no estuário do Rio Sado, transversal à linha de costa. A própria

Lapa da Cova é visível a longa distância, o que contribui para a sua natural relevância no

horizonte de eventuais “rituais de chegada” – antigos navegantes que agradeceriam o sucesso

das suas épicas viagens, gratificando os seus deuses com cultos, oferendas e rituais de

comensalidade. Neste sentido, torna-se possível imaginar esta cavidade enquanto “santuário

natural de chegada”, nomeadamente para marinheiros fenícios. Ainda a este propósito, será

oportuna a referencia ao episódio homérico de Odisseu na Gruta do Ciclope.

A partir de dentro, do seu “altar” no topo, e olhando para o exterior, apenas se avista o

azul do mar – “ouro sobre azul!”. Da sua monumental entrada, em “arco gótico”, é possível

controlar visualmente a desembocadura do Sado, os recortes do seu estuário e a “ponta” de

Abul, sendo praticável algum grau de intercomunicação com este estabelecimento (fogo e

fumo). Em dias de excepcional visibilidade, o olhar pode percorrer toda a costa sul, a partir de

Tróia, e, no limite do alcance visual, torna-se mesmo possível vislumbrar a Serra de

Monchique (a grande referência paisagística para o Promontorium Sacrum).

No que diz respeito à Arqueologia, a sua caracterização foi realizada no contexto dos

trabalhos de prospecção para a nova carta arqueológica do concelho de Sesimbra (2007-

2009). A preliminar interpretação cronológica, apenas baseada em materiais cerâmicos de

superfície, acabou por ser corroborada, em Outubro de 2009, pela descoberta ocasional de um

brinco de ouro, correspondente a cronologias relativas da 1.ª Idade do Ferro. Neste contexto,

e face às recentes notícias de destrutivas actividades detectoristas, foi interposto um pedido de

escavação à entidade tutelar (IGESPAR) que, sendo deferido, enquadrou legalmente os

trabalhos de limpeza e escavação, iniciados em Janeiro de 2010. Ao abrigo de um protocolo

com a Câmara Municipal de Sesimbra, a escavação tem sido dirigida, desde então, pelo Dr.

Mário Carvalho, sob a coordenação científica do Professor Doutor Manuel Calado, contando

na equipa com os alunos de mestrado em Arqueologia da FLUL, Miguel Amigo e Ricardo

Soares. Optou-se por uma equipa reduzida, com experiência e formação espeleológica, tendo

em conta as especificidades do sítio e as limitações espaciais e logísticas.

A interpretação das estratigrafias em contexto de gruta constitui, por vezes, um

processo particularmente complexo, por estas se apresentarem afectadas por intensos

fenómenos de bioturbação. No caso da Lapa da Cova, observou-se uma estratigrafia pouco

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A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem

90

espessa e bastante perturbada, pelo facto de ter sido intensamente utilizada, em época recente,

como curral de caprídeos (facto documentado artefactualmente por objectos de “arte de

pastor”) e, até à actualidade, por um “bando” de cabras assilvestradas, além dos habituais

pequenos roedores e texugos, amplamente documentados por restos ósseos. Ainda assim, tem

sido possível avançar alguns considerandos.

Os dados preliminares da escavação foram, em parte, partilhados no seu blogue

(SAFA - Santuários Fenícios da Arrábida – http://lapadacova.blogspot.com), apontando,

segundo os responsáveis, para uma ocupação mágico-religiosa no decorrer da 1.ª Idade do

Ferro. De salientar o facto de não ter sido identificado qualquer vestígio antropológico

durante a escavação, o que remete para uma utilização exclusivamente sagrada enquanto

santuário, ficando excluída a hipótese funerária. Acresce o registo, no patamar superior da

galeria principal, de um grande depósito de cinzas, insinuando um provável “altar de fogo”,

dejectando, em cone, para a pequena sala apendicular, que parece ter servido de espaço de

amortização da maior parte dos materiais registados (depósito votivo? restos de rituais de

comensalidade?).

Esta atribuição crono-funcional foi documentada por abundantes artefactos de origem

mediterrânea: uma boa quantidade de cerâmica a torno, correspondente a um diversificado

conjunto de recipientes (cerca de 30/40), na sua maioria contentores (ânfora e pithoi); um

cossoiro; cerca de duas centenas de contas de colar (cornalina, pasta vítrea e outras matérias-

primas mais residuais – quartzo hialino, olivina e osso); objectos de bronze (uma fíbula muito

fragmentada e de difícil caracterização, um botão cónico com duplo apêndice de preensão,

um espeto/obelos, uma “mãozinha”, possivelmente proveniente de uma pega de braseira, e

dois pequenos presumíveis ponderais); e peças de adorno em ouro (um brinco, uma arrecada e

uma pequena conta esférica).

Além destes materiais, na globalidade remetendo para proveniências mediterrâneas,

também foram exumados residuais fragmentos de cerâmica manual, de aparente produção

local/indígena e atribuíveis ao Bronze Final. No caminho de acesso à cavidade, a partir do

mar, também foi registada a ocorrência de alguns fragmentos de cerâmica manual, tal como

no acesso poente, a partir da Serra da Achada (nomeadamente um mamilo alongado).

Atendendo ao isolamento e dificuldade de acesso ao sítio, talvez não seja de estranhar que os

vestígios detectados se limitem exclusivamente à ocupação proto-histórica e à ocupação

pastoril, já em época actual ou subactual. Na verdade, considerando o facto de a cavidade

apenas poder ser vista do mar, sendo o seu acesso bastante “afoito”, é de admitir que a sua

descoberta tenha sido feita por marinheiros.

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A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem

91

Relativamente ao supracitado “botão de bronze”, às suas mais (re)correntes

interpretações, enquanto acessório de vestuário ou de arreio de cavalo (sublinhando, neste

caso concreto, que os seus orifícios não permitem passar tiras de couro), poderá acrescentar-

se uma eventual função enquanto ponderal (suspensão pendular?), em associação à ocorrência

de dois presumíveis ponderais de bronze no mesmo contexto. Esta possibilidade parte da

interpretação dada a objectos em tudo similares, abundantemente registados em Cancho

Roano1 (finais do século VI/inícios do século IV a.C.).

Segundo Manuel Calado2, tendo em conta que os materiais ainda se encontram em

fase de estudo, “a genérica apreciação do conjunto artefactual propõe uma ocupação de

razoável diacronia (alguns séculos), iniciada numa fase precoce da colonização fenícia”,

considerando, designadamente, a existência de uma ânfora produzida em torno, apresentando

uma cozedura redutora e ornatos brunidos, replicando o “gosto” da cerâmica indígena e

sugerindo, por isso, um momento antigo do contacto – “santuário de chegada” (no duplo

sentido). Porém, também parece claro que o grosso dos materiais exumados se enquadra num

âmbito cronológico mais tardio e ajustado ao genérico panorama actualmente estabelecido,

designadamente os pithoi e o “botão” metálico, com paralelos dentro dos séculos VI-V a.C.

(por exemplo, Celestino Pérez, 2003; Arruda, 1999/2000).

Será neste contexto pertinente referir a eventual relação do “santuário natural” da

Cova com o estabelecimento fenício de Abul, fundado ex novo em meados do século VII a.C.

(Mayet e Silva, 2000) na margem direita do Sado, a meio caminho entre Setúbal e Alcácer.

Trata-se de um edificado com alguns atributos funcionais de ordem sagrada, curiosamente

alicerçado sobre um embasamento fundacional de brecha da Arrábida, constituído por peças

na sua maioria de textura rolada (Mayet e Silva, 2000, p. 134). Este aspecto é interessante

pelo facto de sugerir a recolha deste conglomerado geológico em algumas praias, em

determinados pontos de ocorrência da costa da Arrábida – designadamente nas proximidades

da Lapa da Cova.

Em suma, além da marcada ocupação durante a Idade do Ferro, será de considerar o

conhecimento desta cavidade pelas comunidades indígenas, durante o Bronze Final, tendo em

conta a sua proximidade relativamente ao(s) povoado(s) das Terras do Risco e ao monumento

funerário da Roça do Casal do Meio. Isto pode implicar, por um lado, uma utilização anterior

1 “En definitiva, después de dar continuas vueltas a la cuestión y con los datos que nos ha proporcionado un nuevo análisis de estos botones, donde hemos tenido en cuenta su dispersión, medidas, peso y, fundamentalmente, su asociación con otros elementos aparecidos en el entorno donde fueron hallados, hemos concluido que los mismos podrían haber correspondido a los diferentes conjunto del sistema ponderal que tan bien representados están en el yacimiento” (Celestino Pérez e Zulueta, 2003, p. 67). 2 Informação pessoal que se agradece, em parte publicada no referido blogue da escavação.

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A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem

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à Idade do Ferro (muito residualmente manifestada pela ocorrência de escassos fragmentos de

cerâmica manual); por outro, durante a ocupação da Idade do Ferro, a provável convivência e

partilha deste espaço e algum grau de participação nos rituais ali praticados, por parte dos

indígenas do Risco, admitindo-se, mesmo, uma fundação exógena, relembrando o difícil

acesso e a visibilidade exclusiva a partir do mar. Por fim, de referir, a cerca de 1.5/2 km para

poente da Lapa da Cova, duas estações de ar livre enquadráveis na 1.ª Idade do Ferro,

recentemente identificadas no âmbito dos trabalhos para a Carta Arqueológica de Sesimbra –

Meia Velha e Casa Nova (vide infra).

Fig. 115 – Topografias da Lapa da Cova (adaptado de Rui Francisco, Associação Arrábida Antiga).

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Fig. 116 –Localização da Lapa da Cova/Serra do Risco no extracto da folha 464 da CMP esc. 1:25000.

Fig. 117 – A situação da Lapa da Cova relativamente ao povoado do Risco e à Roça do Casal do Meio (imagem Google Earth).

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Fig. 118 – O “arco da Cova” - um santuário sobre o mar (foto de R. Soares).

Fig. 119 – Trabalhos de crivo com “a vista no oriente” (foto de R. Soares).

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Fig. 120 – A Lapa da Cova vista do Mar (foto de R. Soares).

Fig. 121 – Entrada monumental da Lapa da Cova (foto de R. Soares).

Fig. 122 – Instalação do crivo (foto de R. Soares).

Fig. 123 – The mind in the cave (foto de R. Soares).

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Fig. 124 – Acesso à Lapa da Cova pelo topo da arriba (foto de R. Soares).

Fig. 125 – Trabalhos de implantação topográfica (foto de R. Soares).

Fig. 126 – Trabalhos no interior da sala apendicular (foto de Manuel Calado).

Fig. 127 – Montagem de fragmentos cerâmicos na base logística (foto de R. Soares).

Fig. 128 – Botão cónico de bronze (foto de R. Soares).

Fig. 129 – Duplo apêndice de preensão no verso do botão de bronze (foto de R. Soares).

Page 132: A arrábida no Bronze Final: a Paisagem e o Homem (SOARES, R., 2013)

A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem

93

6.2.6. A Fenda – “santuário natural” (?)

A Fenda constitui um geomonumento de rara beleza natural, relativamente bem

conhecido localmente, mas sem informação arqueológica publicada. A verticalidade e dureza

das suas paredes têm proporcionado uma verdadeira “Meca” para os amantes da escalada, que

têm vindo a equipar aquela arquitectura natural com várias vias de diferentes graus de

dificuldade. Como o próprio microtopónimo indica, trata-se de um acidente tectónico, aberto

ao longo de aproximadamente 700 m, na encosta sul da Serra da Arrábida, sobranceiro e

paralelo à linha de praia do Portinho, proporcionando, à exploração humana, uma potencial

área de abrigo e, sobretudo, de grande vocação ritual.

Porém, a sua prospectabilidade é de manifesta dificuldade, pelo facto de a área se

desenvolver como um imenso colector de dejecções sedimentares, culminada por uma

espessa camada de manta morta em constante produção. Se, por um lado, os sedimentos

escondem por completo os presumíveis vestígios arqueológicos; por outro, selam-nos,

preservando a sua latente informação que vai assim aguardando uma oportuna intervenção de

sondagem. Ainda assim, foram identificados alguns fragmentos de cerâmica manual, além de

um grande búzio (“buzina”), curiosamente depositado numa pequena anfractuosidade, entre

um caos de blocos. A referida cerâmica foi identificada no sector poente, onde se abrem as

áreas mais amplas, de mais fácil circulação e com melhor suporte de implantação. O extremo

oposto, a nascente, extingue-se num progressivo estreitamento, aprofundando numa fenda

subterrânea. As prospecções deverão ser dirigidas para os recantos subterrâneos,

particularmente por entre os caos de blocos, espaços que reproduzem os ambientes de gruta,

supostamente utilizados, em contexto ritual, pelas comunidades da Idade do Bronze regional.

Esta abordagem encontra-se agora em fase inicial.

Considerando as singulares particularidades deste geomonumento e a sua insinuante

integração na presumível rede de povoamento local do Bronze Final, destacando-se a

“umbilical” proximidade e intervisibilidade com o povoado da Serra da Cela (a escassos 500

m), torna-se possível antevê-lo como um “santuário natural”, propício a actividades de

propensão mágico-religiosa.

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Fig. 130 – Localização da Fenda no extracto da folha 465 da CMP esc. 1:25000.

Fig. 131 – A Fenda e a sua relação com a envolvente paisagística e cultural, destacando-se a proximidade à Serra da Cela (imagem Google Earth).

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Fig. 132 – A Fenda sobre a praia do Portinho (foto de R. Soares).

Fig. 133 – A Serra da Cela vista da Fenda (foto de R. Soares).

Fig. 134 – Uma “buzina” recolhida no interior de um nicho natural (foto de R. Soares).

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Fig. 135 – Extremidade poente da Fenda (foto de R. Soares).

Fig. 136 – “Intramuros” (foto de R. Soares).

Fig. 137 – Janela sobre a Serra da Cela (foto de R. Soares).

Fig. 138 – Troço mesial (foto de R. Soares).

Page 136: A arrábida no Bronze Final: a Paisagem e o Homem (SOARES, R., 2013)

A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem

94

6.2.7. Outras cavidades

Além das cavidades acima descritas, outras tantas registaram características e

aparentes indícios de ocupação durante o Bronze Final da Arrábida, entre elas algumas a

aguardar uma melhor investigação por terem documentado fragmentos de cerâmica manual

de época indeterminada, ficando ainda por descobrir, seguramente, novas “covas”,

colmatadas pelo tempo ou intencionalmente encriptadas pelos seus “cultores”.

Junto a Sesimbra, a Lapa do Forte do Cavalo A assinalou a ocorrência de cerâmica

manual atribuível à Idade do Bronze, além de cerâmica a torno correspondente à Idade do

Ferro (Calado et al., 2009, p. 119). No Vale das Lapas (local bem visível do mar e que

“desagua” no Oceano, a sul), na Serra da Azóia (Sesimbra), a Lapa da Janela I documentou

inequívocos materiais de superfície atribuíveis ao Bronze Final e, sobretudo, da Idade do

Ferro – cerâmica brunida e bordos exvertidos (Calado et al., 2009, p. 115). Na vertente oposta

deste vale, de frente para a Janela I, “abrem-se” as Janelas II e III, no total de cinco cavidades

que estão na origem do microtopónimo “Vale das Lapas”. Nas vertentes e linha de água do

vale também foram recolhidos diversos fragmentos de cerâmica manual, atribuíveis aos finais

da Idade do Bronze, sendo de admitir algum grau de presença proto-histórica nas restantes

cavidades, que não apresentaram artefactos de superfície directores para as cronologias em

causa. Na Lapa do Mosquito, na Serra dos Pinheirinhos (Sesimbra), os achados de superfície

não permitiram determinar timings de ocupação, contudo, tendo em conta os fragmentos de

cerâmica manual identificados, fica uma baliza provisória entre a Pré e a Proto-História

(Calado et al., 2009, p. 121). Na própria “cara” do Cabo Espichel (Sesimbra), em dois

pequenos abrigos na falésia, foram assinalados fragmentos de cerâmica manual e a torno,

estes últimos passíveis de cronologias da Idade do Ferro (Calado et al., 2009, p. 105). Tendo

em conta a força paisagística e o potencial simbólico do local, será válido admitir a presença

de “grutas-santuário” ou de necrópoles – “o cabo era um enorme barco de pedra que

transportava, no seu interior, os defuntos, em direcção ao mar onde o Sol se esconde.

Metáforas perfeitas da condição humana” (Manuel Calado num texto de carácter poético que

serviu de guião para um trabalho videográfico sobre a região da Arrábida). Num pequeno

Abrigo no Cabo de Ares (Sesimbra), no acesso poente à Lapa da Cova, a partir da Serra da

Achada, registaram-se diversos fragmentos de cerâmica manual que, tendo em conta as suas

características e a proximidade ao contexto da Cova e ao povoado do Risco, deverão

enquadrar-se no mesmo âmbito cronológico – Bronze Final. O Algar das Aranhas (Setúbal),

não obstante ainda não ter registado qualquer informação arqueológica, mas atendendo à sua

íntima proximidade com o povoado de Valongo, permite expectar algum tipo de relação com

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A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem

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este, tendencialmente mágico-religiosa. Trata-se de uma cavidade de entrada vertical, com

um desnível de cerca de 6 m, proporcionando, a partir da base, uma progressão semivertical

descendente, de sensivelmente 15 m. Situa-se à beira da estrada, no topo da serra, a escassos

3 km do povoado de Valongo. Actualmente em fase de desobstrução espeleológica, com

acompanhamento arqueológico, o seu interior apresenta-se colmatado por estorvo pétreo,

lixos diversos e dejecções sedimentares, ocultando expectáveis vestígios arqueológicos.

Ainda na área de influência do povoado de Valongo, numa área de vertente de difícil acesso,

foi identificada outra cavidade, desta feita com legado arqueológico de superfície – o Abrigo

de Valongo. Trata-se de um pequena reentrância, aberta na encosta exposta a norte, onde foi

registado um fragmento de cerâmica manual apresentando decoração indefinida, que por não

se encontrar associada a cultura lítica, e considerando a proximidade ao povoado de Valongo,

propõe um horizonte proto-histórico.

Fig. 139 – O Vale das Lapas (foto de R. Soares).

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A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem

96

6.3. Cultura material

“Como sabemos, os cacos não falam: é preciso falar por eles, servir de intérprete, interpretá-los”. Manuel Calado

Não constituindo o presente trabalho um estudo de cariz artefactual, os artefactos não

deixam de representar uma fonte fundamental para a caracterização cultural e cronológica das

comunidades tratadas. Nesta abordagem de superfície – sobretudo direccionada para os

contextos da Idade do Bronze, mas não perdendo de vista os sinais “orientalizantes” e da

transição para a Idade do Ferro – e na ausência de significativa cultura material lítica, as

cerâmicas assumem-se como os principais (na maior parte dos casos os únicos) “fósseis

directores” para uma atribuição cronológica proto-histórica.

Os artefactos, e os respectivos contextos, encerram em si uma determinada opção

humana, revelando uma série de decisões e de comportamentos, desde a selecção da matéria-

prima à produção de um determinado objecto, passando pela sua utilização, circulação,

distribuição e tempo de vida.

Na ausência de fontes escritas, a cultura material permite “auscultar” os processos

sociais, económicos e políticos de determinado momento histórico. Nesta perspectiva,

entende-se por “cultura material” um pacote de informações contidas nos artefactos

cerâmicos e torêuticos, bem como nas arquitecturas, “urbanismo”, etc.

Para o presente estudo, e na medida das necessidades, apenas se procedeu a uma

elementar abordagem classificativa e descritiva, com base em primárias observações

macroscópicas, empíricas, sobretudo comparativas, a partir das diferenças e similitudes das

propriedades formais, técnicas e funcionais dos vestígios identificados nos diversos contextos

tratados, ficando o seu aprofundado estudo tipológico premeditado para trabalhos ulteriores.

Ao longo do texto, e em sede própria, estes materiais foram merecedores de uma mais

desenvolvida caracterização, em associação ao contexto arqueológico onde foram observados.

No que respeita aos materiais exumados em escavação, objecto de publicação por outros

autores, foi feita a sua descrição conforme a bibliografia disponível. No caso da Lapa da

Cova, pelo facto do processo de escavação ainda não se encontrar encerrado e dos respectivos

materiais se encontrarem em fase de estudo, a informação adiantada partiu da experiência do

signatário no projecto e da cortesia dos responsáveis.

Os materiais entendidos como excepcionais, ou revestindo-se de particular

importância informativa, na falta de desenhos próprios, são apresentados em registo

fotográfico ou por adaptação de outra iconografia disponível.

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A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem

97

As cerâmicas, o grupo artefactual por excelência no contexto do presente estudo,

particularmente pela sua expressão quantitativa e informativa, constituem, numa primeira

análise, instrumentos de formulação de tipologias crono-culturais, tidas, pela Arqueologia dita

“tradicional”, como “agentes de difusão” (Childe, 1973, p. 90). A partir de uma descritiva

abordagem positivista, foram propostas diversas classificações tipológicas “na suposição de

que as cerâmicas (e a restante cultura material) poderiam espelhar directamente as

mudanças culturais das sociedades” (Vilaça, 1995, p. 45). Por outro lado, entendia-se que as

semelhanças tipológicas e estilísticas testemunhavam manifestações de migrações e de trocas

comerciais.

Porém, o estudo das cerâmicas arqueológicas não se pode consumir exclusivamente

em questões adaptativas, evolutivas ou funcionais, não devendo estas ser encaradas somente

enquanto resultado de interacções entre grupos humanos, nem como condicionado reflexo de

sistemas culturais. Hoje, tornou-se claro que as cerâmicas também nos permitem responder a

outras questões, nomeadamente de natureza tecnológica, sócio-económica, política,

ideológica, simbólica, entre outras.

Neste sentido, o meio ambiente foi impondo-se como uma variável determinante, um

contexto natural específico que afecta as características constituintes da cerâmica, desde a

selecção das matérias-primas necessárias à sua produção, conforme os recursos disponíveis, o

seu transporte até ao local de fabrico, o seu tratamento, armazenamento, conservação e

transformação, passando pela sua utilização e distribuição local, regional ou trans-regional.

Assim, as antigas oleiras terão sido condicionadas pelo meio natural que as acolheu, nas suas

escolhas, decisões e comportamentos, no grau de especialização e qualidade que imprimiram

à sua criação. A esta interacção entre o contexto ambiental e a cultura material, Matson

chamou de “ceramic ecology” (Matson, 1965, p. 203).

Com a Idade do Bronze, a partir dos finais do 3.º milénio a.C. e ao longo do seguinte,

surge uma série de novas formas e estilos no reportório cerâmico conhecido, destacando-se,

entre outras: formas troncocónicas, com e sem asas, lisas ou com mamilos, particularmente

expressivas na Beira Alta; e as cerâmicas alentejanas carenadas de tipo “Atalaia”, “Odivelas”

e “Santa Vitória”. Já no Bronze Final, nos finais do 2.º milénio a.C. e na transição para o

seguinte, multiplicam-se as formas produzidas, surgindo as características taças de carena de

ombro, mais ou menos, por vezes bastante angulosas. Também ganham expressão os

acabamentos de superfície, polidos ou brunidos, por vezes decorados – os ornatos brunidos do

tipo “Lapa do Fumo” (Estremadura, Beira Baixa e Alentejo) e as finas incisões do tipo

“Baiões” (Beira Alta/região de Viseu).

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A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem

98

Insistindo no supracitado, os artefactos referenciados no presente trabalho resultaram,

sobretudo, de recolhas de superfície, à excepção dos materiais exumados nas escassas

escavações realizadas em contextos rituais da Idade do Bronze da Arrábida, reportando-se à

necrópole da Roça do Casal do Meio e aos “santuários naturais” da Lapa do Fumo, Lapa da

Furada e Lapa da Cova.

Relativamente aos contextos de habitat, os fragmentos cerâmicos registados à

superfície apresentaram-se genericamente muito fragmentados e erodidos, com pastas pouco

compactas e de qualidade média a grosseira, compostas, na sua maioria, por argilas de

aparente proveniência local. Esta observação resulta de uma evidente homogeneidade do seu

aspecto geral e da ocorrência, na sua composição, de pequenas “pepitas ferruginosas”,

sobretudo esféricas, uma característica geológica dos solos da região, particularmente da zona

das Terras do Risco. Além deste elemento não plástico, as pastas apresentaram outros

desengordurantes, designadamente grãos de quartzo e micas, cuja frequência e granulometria

aumentam conforme a espessura dos fragmentos e a dimensão dos recipientes.

As pastas denotaram cozeduras irregulares, afigurando-se de tonalidades

tendencialmente escuras (negro, cinzento-escuro, castanho-escuro e castanho), o que indicia

cozeduras em ambientes redutores. Também foram observadas pastas oxidantes, de

tonalidades mais claras, entre o castanho-claro, o castanho-avermelhado, os tons de laranja e

beijes. De referir alguns exemplares apresentando sinais de exposição ao fogo nas paredes

exteriores, sugerindo funções utilitárias de preparação e consumo de alimentos.

As características formais podem ser aferidas a partir de alguns escassos fragmentos

com informação, destacando-se uma grande percentagem de bordos simples, não espessados,

e de fundos planos, além de alguns perfis em “S” e carenas de ombro. O expressivo ratio

entre os poucos perímetros de bordo identificados e a esmagadora maioria de fragmentos de

bojo de peças, sugere tratar-se de uma amostra global de formas fechadas que, na ausência de

“fosseis directores” e em associação a outros indícios, aponta para cronologias da última fase

da Idade do Bronze.

No que se refere ao tratamento/acabamento das superfícies, não foi possível tecer

grandes considerandos, pelo facto de se tratar de achados de superfície, sujeitos a prolongada

exposição a fenómenos erosivos e de mobilização por rolamento. Ainda assim, foram

identificados alguns fragmentos de cerâmica brunida, não decorada. Nas grutas, contextos

mais estáveis e com melhores condições de preservação dos materiais, os brunidos foram

melhor documentados. A Gruta do Médico registou dois fragmentos de superfícies negras,

apresentando brunimento exterior, sem ornatos, que, apesar de não oferecerem colagem,

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A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem

99

parecem pertencer ao mesmo recipiente. Na Lapa da Cova, durante a sua escavação, foram

identificados alguns recipientes cerâmicos fracturados denotando tratamentos brunidos, quer

produzidos manualmente, quer a torno lento.

Quanto aos aspectos decorativos e/ou funcionais, de referir somente pequenos

mamilos simples e um alongado. Também foram verificados alguns fragmentos cerâmicos

apresentando perfurações paralelas ao bordo, imediatamente abaixo deste, sendo discutível a

sua função (suspensão, fecho ou decoração), optando-se, aqui, por uma utilidade de

suspensão. De referir ainda outras perfurações, maiores e escareadas, destinadas à reparação

de fracturas – “gatos”.

No imenso povoado das Terras do Risco, os materiais apresentaram-se

homogeneamente dispersos ao longo de uma área de cerca de 100 ha. A regra da dispersão

superficial foi contrariada por uma recente “decapagem” natural, provocada pelas águas da

chuva, permitindo observar uma boa quantidade de fragmentos cerâmicos, em razoável estado

de conservação, alguns em conexão e com informação, designadamente carenas, bordos

simples, fundos planos e perfurações junto ao bordo (ver fig. 16).

Por seu turno, o povoado da Serra da Cela, relativamente aos demais contextos de

habitat analisados, diferencia-se, qualitativamente e quantitativamente, do padrão acima

descrito, tendo revelado à superfície uma interessante jazida artefactual, com boa

concentração de fragmentos cerâmicos, bem conservados, de maiores dimensões e com maior

riqueza formal e informativa. O sítio é pouco exposto, protegido pela vertente sul da serra e

pela própria vegetação da mata coberta, encontrando-se a sua área “intramuros” pouco ou

nada perturbada. De entre os fragmentos cerâmicos observados, de produção manual e com

informação formal, de destacar: duas pequenas taças (uma hemisférica e uma carenada), taças

hemisféricas, vasos de perfil em “S”, vasos carenados, um vaso de carena baixa, um vaso de

colo estrangulado, um vaso mamilado, diversos fragmentos apresentando brunimento, bordos

simples, fundos planos, perfurações de suspensão, perfurações de reparação, etc. Também foi

registada cerâmica a torno, de pastas claras e depuradas, particularmente um bordo exvertido

e um fundo com “pé de anel”, denunciando algum grau de presença durante a Idade do Ferro.

Foi naturalmente escasso o conjunto artefactual lítico observado nos trabalhos de

prospecção e com interesse cronológico para o presente estudo: dois elementos de foice

denticulados de sílex (Terras do Meio/Risco e casal agrícola do Vale da Rasca), objectos que

resultam de uma longa tradição e continuidade, denotando, na sua observação macroscópica,

o chamado “lustre de cereal”; um percutor de basalto e um movente de mó discóide, dois

utensílios de largo espectro cronológico registados na Serra da Cela; um fragmento de braçal

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A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem

100

de arqueiro identificado em Valongo (I), interpretado como um achado ocasional,

abandonado em contexto de uso num qualquer momento entre os finais do Calcolítico e os

inícios da Idade do Bronze.

No que diz respeito aos artefactos metálicos identificados, resultaram,

exclusivamente, de trabalhos de escavação em contextos sagrados, à excepção dos bronzes

descontextualizados de Alfarim (dois machados de alvado, um deles sem anéis e outro de

duplo anel lateral) e dos bronzes de Pedreiras (um machado de alvado de duplo anel lateral e

uma foice de talão de tipo “Rocanes”), todos de influência “atlântica”.

Acompanhando os dois indivíduos depositados no monumento funerário da Roça do

Casal do Meio, entre outros artefactos de prestígio, foram assinalados alguns objectos de

bronze: um colchete de cinturão, uma fíbula de enrolamento no arco, um anel e duas pinças.

Trata-se de um homogéneo conjunto artefactual de origem mediterrânea, documentando

precoces contactos “orientalizantes”. Recorde-se, para o efeito, que os dois enterramentos da

Roça do Casal do Meio foram recentemente datados por radiocarbono – 1004-835 a.C.

(Vilaça e Cunha, 2005, p. 52).

Na necrópole do Casalão, Eduardo da Cunha Serrão escavou um conjunto de

sepulturas da “Idade do Ferro”, exumando alguns objectos de bronze (fuzilhão de fíbula, anel

e pinça) e de ferro (faca afalcatada).

Na Lapa da Cova também foi exumado um interessante conjunto artefactual metálico,

atribuível à 1.ª Idade do Ferro. Este espólio encontra-se em fase de estudo, ainda assim é

possível deixar as seguintes referências: objectos em ouro (um brinco, uma arrecada e uma

pequena conta esférica) e bronze (um obelos, uma “mãozinha” presumivelmente pertencente

a uma pega de braseira, um botão cónico com duplo apêndice de preensão ou suspensão como

ponderal, dois presumíveis ponderais e uma fíbula de difícil caracterização).

Ainda na Lapa da Cova, de acrescentar um numeroso e diversificado conjunto de

contas de colar de proveniência oriental (cerca de 200), produzidas em pasta vítrea, cornalina,

quartzo hialino (“baga de romã”), olivina e osso.

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A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem

101

6.4. A rede de povoamento: sincronias (?), hierarquia (?) e inter-relações

“O mais difícil não é ir à Arrábida, porque no Verão há carreiras de camionetas, no Inverno há em Azeitão táxis ou carroças ou jeriquinhos tão prestáveis; como os da Cacilhas de antigamente, e de Janeiro a Dezembro, para muita e muito boa gente, há duas pernas

vigorosas e de boa vontade que fazem transpor, a Serra pelo Vale do Picheleiro. Difícil, difícil, é entendê-la (...)”. Sebastião da Gama, O Segredo é Amar

Chegados aqui, e feito o “ponto da situação” no estado da investigação para a Idade

do Bronze da Arrábida, mesmo na falta de informações cronométricas que permitam

confirmar presumíveis sincronias, torna-se possível, a partir dos dados coligidos, realizar uma

análise inter-relacional dos povoados entre si, destes com os seus locais de culto e com o

meio paisagístico em que se integraram – um conjunto de observações que permitem

considerar um complexo populacional, durante os finais da Idade do Bronze (em sentido

muito amplo), com algum grau de diferenciação e de ordenamento político-administrativo.

Desde logo destaca-se, na história da investigação e pela própria singularidade, o

monumento funerário da Roça do Casal do Meio, a que faltava, contudo, uma efectiva

compreensão fundacional, ou seja, um povoado (ou povoados) que tenha justificado este

empreendimento dos vivos, dedicado aos seus mortos. Com as recentes campanhas de

prospecção na Arrábida, foi finalmente revelado este lacunar mundo quotidiano: os

presumíveis construtores do monumento original, as gentes do Neolítico Final/Calcolítico

(povoado dos Ouriços – Calado et al., 2009), e os seus reconstrutores/reutilizadores do

Bronze Final – povoado das Terras do Risco (ob. cit.).

Mas qual seria o papel do (re)monumento funerário da Roça do Casal do Meio,

erigido entre as Terras do Risco e o Castelo dos Mouros? Quem seriam aqueles homens,

notavelmente diferenciados na morte, sepultados a meio caminho entre o seu “Castelo” e as

suas “Terras”, dominando-as mesmo além morte?

É de admitir, à imagem do modelo de povoamento proposto para o Alentejo Central,

que este grande povoado aberto nas Terras do Risco se encontraria associado a um vasto

complexo geoestratégico de povoamento, do qual fariam parte outros sítios arqueológicos

atribuíveis ao Bronze Final: os “clássicos” povoados de altura e de cumeada (Castelo dos

Mouros, Serra da Cela e Valongo) e as respectivas necrópoles/santuários (a Roça do Casal do

Meio e as “grutas santuário”), além de outros expectáveis sítios, ainda por descobrir,

estrategicamente implantados ao longo do território da Serra da Arrábida. Nesta conjuntura,

há que ter em conta, ainda, o pequeno casal agrícola da Quinta do Picheleiro, o sítio do Bico

dos Agulhões e o povoado instalado na foz do Sado (Caetobriga), além da sua relação com o

rio – povoado a carecer de melhor caracterização, tanto na sua dimensão, como no seu papel

relativamente ao sistema de povoamento regional (Arrábida, Abul e Alcácer). Todos estes

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A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem

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indícios de povoamento podem ser ponderados numa rede de povoamento coerente, em que

os elementos mais destacados são, evidentemente, o Castelo dos Mouros, pelo seu

investimento construtivo e inexpugnável defensabilidade, o grande “povoado aberto” do

Risco, ocupando uma área excepcionalmente ampla (cerca de 100 ha) e a Serra da Cela,

controladora da “porta do mar”.

Por um lado, os dados tendem a favorecer a centralidade regional do povoado do

Risco, atendendo à sua excepcional dimensão, à evidente relação com a Roça do Casal do

Meio e à sugestiva proximidade com outros povoados de altura, dos quais se destaca a

intervisibilidade com o Castelo dos Mouros.

Todavia, o Castelo dos Mouros também revela características únicas para se impor

como justo candidato à centralidade da rede de povoamento. As suas muralhas não têm rival

no contexto regional. Aprumadamente erguidas em aparelho ciclópico, aproveitando a

geologia local do declive escarpado a norte, de onde terão sido desmontados os blocos para a

sua construção, documentam um ímpar investimento, só justificável por um carácter muito

especial na rede de povoamento.

Também a Serra da Cela, tendo em conta a sua implantação, relativamente ao mar e

ao fundeadouro natural do Portinho, poderá ter assumido um papel de povoado central. Mais,

se tomarmos em conta o seu perímetro fortificado, com uma maior área de implantação em

comparação com o Castelo dos Mouros, o povoado da Cela poderia albergar um maior

número de habitantes, confrontação que pode ser tida em conta na hierarquização dos

povoados conhecidos. Porém, a Cela perde alguns pontos no “ranking” da centralidade, por

se encontrar mais distante e sem intervisibilidade relativamente à Roça do Casal do Meio e às

Terras do Risco. Assim, parece mais razoável atribuir-lhe apenas um destaque funcional na

rede de povoamento, enquanto estabelecimento controlador do presumível porto piscatório e

“comercial”.

Quanto à lógica de centralidade das Terras do Risco, “salta à vista” a aparente

desprotecção dos seus flancos poente e norte, não tendo sido identificados, até ao momento, e

apesar das sistemáticas e direccionadas prospecções, quaisquer sinais de dispositivos

defensivos ou de associáveis povoamentos de altura. Esta aparente ausência não invalida,

contudo, a possibilidade de eventuais sistemas de protecção, como fossos e/ou paliçadas,

situação a clarificar em futuras escavações. A norte, apenas foram identificados povoados de

altura de cronologia calcolítica (Cabeço dos Caracóis e Casal do Bispo – Setúbal), e a poente

o mesmo cenário (Outeiro Redondo/Castro de Sesimbra e Zambujal – Sesimbra). O morro do

Castelo de Sesimbra surge no horizonte poente como um lógico local de implantação de um

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A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem

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povoado da Idade do Bronze, porém, após várias e teimosas prospecções em toda a sua

cintura, nem um indício dessa expectável ocupação. Importa acrescentar uma série de cursos

de água, dos quais se destaca a Ribeira das Marmitas, correndo de norte para sul, que

associada à rede hidrográfica colectada pela Lagoa de Albufeira e dominada pela Ribeira de

Coina, constituem, no conjunto, uma natural barreira de difícil transposição, definindo um

oportuno perímetro defensivo a completar o segmento em falta (a norte). De resto, a norte

desenvolvem-se desinteressantes paisagens – as planuras arenosas da margem esquerda do

Tejo – enquanto a poente a península da Arrábida é circunscrita pelo Oceano.

Posto isto, torna-se bastante razoável considerar o povoado do Castelo dos Mouros

como a poderosa “capital” desta presumível rede de povoamento do Bronze Final, a morada

das suas dominantes elites – os “proto-latifundiários” controladores das subsidiárias

paisagens adjacentes, particularmente das Terras do Risco. Neste sentido, e justificando a sua

inaudita área (100 ha), o povoado do Risco poderá ter sido constituído por uma solidária rede

“cooperativa” de pequenos casais agrícolas, todos regidos por uma subordinação imposta pela

eventual sede de chefatura no Castelo dos Mouros – um “todo” organizado simbolicamente

em redor dos “cavaleiros” depositados na Roça do Casal do Meio, impondo o seu domínio

mesmo depois da morte. Resta saber se o poder destes homens era imposto pelas armas e pela

cavalaria, ou por uma liderança de cunho espiritual. Na verdade, as duas hipóteses serão

eventualmente associáveis e complementares.

A este propósito, refira-se que em Monsaraz têm vindo a ser exumadas evidências que

concorrem para um modelo semelhante, isto é, uma malha de pequenos núcleos de

povoamento dependentes de um único povoado central – “sítios que, atendendo à área de

dispersão dos materiais de superfície (...), sugerem uma estrutura agrária com unidades de

pequena dimensão, eventualmente de carácter familiar, de tipo quintas ou casais, onde se

pode entrever alguma riqueza diferencial. Parece, no contexto da época em que se inserem,

bastante razoável defender a contemporaneidade de boa parte destes pequenos núcleos, que

teriam óbvias vantagens em funcionar articulados numa rede de povoamento disperso, com

relações de vizinhança de diversos tipos” (Calado et al., 1999, p. 20-21).

Também Senna-Martinez, para o Bronze Final da região centro-norte de Portugal,

refere um sistema de povoamento “de marcada visibilidade arqueográfica, denotando uma

clara preocupação com o controle da paisagem sem que tenhamos alguma evidência de

tensões bélicas entre os povoados de nível mais alto” (Senna-Martinez, 2010, p. 14). Os

sítios de habitat denotam uma frequente intervisibilidade (Senna-Martinez, 2002, p. 111) e

apresentam dimensões reduzidas, apenas dois têm mais de um hectare, com dimensões

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A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem

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médias dos restantes na ordem do meio hectare e ainda casais agrícolas. Além de pequenos,

manifestam pobreza arquitectónica, sem plantas ou equipamentos domésticos diferenciadores

de estatutos sociais de excepção, o que sugere “nodos de importância equivalente em cada

uma das redes respectivas e seguramente cooperantes, possibilitando a manutenção da

circulação de pessoas e bens” (Senna-Martinez, 2010, p. 14). Feito um cálculo a partir de

estimativas para as áreas úteis dos povoados identificados, foi possível admitir uma densidade

populacional, para o Bronze Final, de 1 a 2,5 habitantes por km². “Desta forma resultaria

impossível que cada unidade territorial constituída por um sítio de primeiro nível e os casais

agrícolas adjacentes fosse independente como unidade de reprodução social” (ob. cit., p.

14).

Mais acima, no topo da Arrábida, de assinalar a franca intervisibilidade, a partir do

povoado de cumeada/“atalaia” de Valongo (I e II), sobre os povoados do Castelo dos Mouros

(a poente), das Terras do Risco (a sudoeste) e da Serra da Cela (a sul). Estes povoados

parecem, assim, integrar uma complexa e estruturada “geoestratégia” de povoamento, uma

vez que ocupam posições aparentemente complementares.

O povoado de Valongo instalou-se no topo da Arrábida, assumindo-se como um

“vértice de atalaia”, visualmente dominante sobre o litoral (Serra da Cela) e o interior

(Castelo dos Mouros, Terras do Risco e Quinta do Picheleiro), bem como a norte, sobre o

fértil vale do Picheleiro. O esporão do Castelo dos Mouros domina por inteiro o mesmo vale,

paralelo e a norte da Serra, que, vindo da “Pré-Arrábida”, desemboca no polje do Risco. A

Serra da Cela, num esporão que se destaca na vertente oposta, sobre o mar, assume-se

claramente como o “guardião” da excelente enseada portuária do Portinho. O Bico dos

Agulhões, ainda em fase de caracterização, e considerando uma ocupação durante o Bronze

Final, aponta para uma pequena “atalaia” de intercomunicação entre o Risco e a Cela,

permitindo, ainda, um franco contacto visual com Valongo. O discreto povoado da Quinta do

Picheleiro, de eminente vocação rural, permite antever outros suspeitáveis casais agrícolas

naquelas férteis imediações.

À imagem das alvas muralhas do Monte Alvide (Castelo dos Mouros), também o

monumento funerário da Roça do Casal do Meio, (re)construído pelas gentes do Bronze

Final, reveste-se de uma poderosa carga simbólica, marcando a paisagem envolvente. Se do

alto do Castelo dos Mouros é possível controlar visualmente toda a área das Terras do Risco,

a partir deste extenso povoado, aberto nas terras baixas, a silhueta do monte em crista do

Castelo dos Mouros surge no horizonte como uma incontornável marca de poder. A sua

elevada defensabilidade, além de símbolo paisagístico, constituiria, seguramente, um baluarte

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A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem

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para as elites governantes, um recinto defensivo contra ataques exteriores e, sobretudo, contra

o próprio campesinato subsidiário – “um arquitectónico discurso de poder”. Noutra

perspectiva, “a instalação dos grandes aglomerados em destacadas cristas, para além de

representar a extrema necessidade de defesa, poderia estar associada justamente à

manutenção desse sentido identitário pois, mais do que ver, estes povoados são vistos,

assumindo-se a distância, e a altura, como a superação da realidade terrena e a

aproximação às realidades celestes” (Mataloto, no prelo).

Além disso, a implantação dos principais povoados, “eriçados” nas mais destacadas

elevações (“para verem e serem vistos”) e junto de importantes cruzamentos de caminhos

naturais, permitia-lhes controlar e “portajar” os circuitos de transitabilidade, possibilitando

um desenvolvimento regional sobretudo assente na gestão da circulação de pessoas e bens.

Esta estratégia terá implicado o “reforço das sinergias regionais e inter-regionais,

estimulando o aparecimento de alianças intergrupais que controlariam os fluxos de

circulação. Deste modo, acabariam por sair reforçados os laços de uma comunidade com um

território e uma identidade, dando origem a processos de territorialização e consolidação

dos elementos sociais nelas envolvidos” (Mataloto, no prelo, cf. Vilaça, 1998).

A aparente curta duração do povoamento do Risco e a sua pouco expressiva ocupação

nos inícios da Idade do Ferro poderá ser explicada pela profunda reorganização do modelo de

povoamento indígena vigente, face aos novos impulsos sociais, culturais e políticos,

gradualmente aportados do Mediterrâneo, à imagem do verificado no Alentejo Central – os

grandes povoados eriçados na paisagem foram, na sua maioria, abandonados, dispersando-se

as populações por pequenos casais agrícolas, sem preocupações defensivas, numa aparente

antecipação da Pax Romana (Calado et al., 2009, p. 30).

Em suma, estamos perante uma vasta área, contida entre o Cabo Espichel e Setúbal,

entre o Tejo e o Sado, com férteis vales, excelentes áreas de pastoreio, uma grande

diversidade e abundância de recursos cinegéticos, de fácil acesso aos recursos hídricos e

marinhos, com algumas baías favoráveis à implantação de eventuais estabelecimentos

portuários, bem localizada relativamente às grandes vias de circulação inter-regional, além de

manifestar excelentes condições topográficas de defesa, domínio paisagístico e de protecção

das elites locais. Um “conveniente” território que poderá ter assumido contornos de um

“chefado complexo”.

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A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem

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6.5. Recursos, vias e circulação: algumas questões e a “rota do sal”

“(...) Vita humanior sine sale non quit degere: adeoque necessarium elementum est, ut transierit intellectus ad voluptates animi quoque. Nam ista sales appelantur (...)”.3

Plínio “o Velho”, Naturalis Historia, liv. XXXI

A disponibilidade e acesso aos recursos naturais e às vias de comunicação constituem,

como tem sido amiúde referido, requisitos de vital importância para a fixação e

desenvolvimento civilizacional. Se a exploração de recursos varia, no espaço e no tempo,

conforme a sua disponibilidade ou de acordo com as opções estratégicas de cada época e de

cada comunidade, já as principais vias de comunicação e circulação, de gentes e de bens,

denotam uma maior estabilidade, encontrando-se bem definidas desde que foram trilhadas

pela primeira vez – “de facto, foi a partir das principais rotas que se estruturaram territórios

e no seu cruzamento nasceram muitas das grandes cidades do passado”; “numerosas

estradas constituintes da complexa rede viária construída sob o domínio romano decalcam

os percursos de antigos caminhos, também utilizados durante a Proto-História” (Gomes,

1992, p. 111).

As opções de transitabilidade durante a Pré e a Proto-História terão sido determinadas,

sobretudo, pelo próprio meio físico – as grandes vias naturais: planícies, festos, vales,

portelas, pontos de travessia, lagos, rios navegáveis e mares calmos. O agenciamento dos

caminhos de “pé-posto” materializou-se conforme a própria evolução das sociedades, de

acordo com as suas necessidades e estratégias de subsistência, económicas e político-

administrativas.

No sul de Portugal, a vasta peneplanície alentejana, balizada entre o Tejo e o

Guadiana, pela sua suave geomorfologia e acessível potamografia (rios Sado, Mira, Arade e

Guadiana), propiciou, sobremaneira, a natural circulação de pessoas e de bens. Por sua vez, os

caminhos do mar uniram, sobretudo a partir do período “Orientalizante”, o sul peninsular ao

Mediterrâneo; enquanto outras formas de navegação, mais precárias e pontuais, ligavam já as

costas continentais da Mancha e Mar do Norte à Irlanda e Grã-Bretanha, conforme

demonstram os inúmeros traços culturais e materiais comungados entre estas regiões desde a

Pré-História, particularmente detectáveis na arte rupestre, nas armas metálicas, nos objectos

de adorno, nas cerâmicas e nos radicais toponímicos e onomásticos, não esquecendo os

3 “(...) Uma vida mais civilizada, não é possível levá-la sem o sal; é um produto de tal modo necessário que constituiu uma metáfora até para os prazeres do espírito. A isso se chama de facto sal (...)”. O texto de Plínio continua da seguinte forma: “mas também todo o encanto da vida, a alegria plena e o repouso das canseiras não encontram uma palavra que os exprima melhor” – amável tradução do Professor Doutor Amílcar Guerra, enriquecendo-a com o seguinte comentário: “Enfim, Plínio fala do valor metafórico da palavra, do ‘sal da vida’” (obrigado!).

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A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem

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“barcos de pranchas”, tendencialmente a partir do Bronze Médio regional (Wright, 1990;

Wright et al., 2001; Clark, 2004a e 2004b; MacGrail, 1997).

Na Península da Arrábida, território “entre águas” bem definido e circunscrito pelo

Tejo, Sado e Atlântico, as opções de transitabilidade e circulação foram manifestamente

desenhadas pela própria natureza – “as desembocaduras dos dois grandes rios que limitam a

nossa região, constituindo excelentes portos, foram inegáveis pontos de atracção” (Silva e

Soares, 1986, p. 130-131). As ingénitas particularidades geográficas e climáticas desta região

proporcionaram um conjunto de características determinantes para a fixação de grupos

humanos e para a confluência de rotas comerciais (terrestres, fluviais e marítimas), com

evidentes consequências geoestratégicas.

Porém, as propriedades orógenas da Arrábida resumiram as possibilidades de

circulação interna ao mínimo essencial – às veredas de “pé-posto” ou de transporte montado

que a Serra permitiu e que ainda hoje podem ser em parte trilhadas, algumas entretanto

perdidas, outras alargadas, asfaltadas ou encurtadas pela engenharia das estradas. Muitos dos

mais ermos e improváveis povoados da Arrábida, as suas grutas e “santuários naturais”,

perderam-se no tempo e na vegetação, tanto pelas circunstâncias naturais, como culturais,

esquecendo-se também os seus acessos.

Neste sentido, poder-se-á dizer que “qualquer caminho tem sempre dois sentidos”.

Independentemente da motivação prática e funcional dos seus utilizadores, ou da teórica

perspectiva da investigação arqueológica, as vias inter e trans-regionais encurtaram distâncias

e lançaram efectivas pontes entre diferentes territórios, povos e culturas... sempre com “duplo

sentido”. Então, que “sentido(s)” teriam os grandes caminhos confluentes na encruzilhada da

Arrábida? Estamos perante um território emissor, receptor ou aglutinador? Um território

autónomo ou subsidiário?

A região da Arrábida tem sido estimada como uma dependente “ocidental praia

alentejana”, um “desaguadouro” de influências provenientes do montante interior, a partir dos

grandes pólos dominantes do Alentejo Central. Por outro lado, a Arrábida pode ser entendida

como um território culturalmente livre, um ponto de aportagem de novos estímulos materiais,

tecnológicos, culturais e sociais, integrados e retransmitidos ao hinterland pelas vias de

penetração. Ora, se a Arrábida for apercebida como o limite sul da grande “placa giratória”

estremenha, como um natural território de charneira geográfica e cultural, entre o norte e o

sul, entre o Atlântico e o Mediterrâneo, entre o litoral e o interior, como um território de

confluência de propícias linhas naturais de transitabilidade e circulação – terrestres (os

grandes festos), fluviais (o Tejo e o Sado) e marítimas (o Atlântico) – poderá ter-se

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emancipado enquanto região colectora de estímulos, com provas dadas desde o Calcolítico

regional, particularmente numa diferenciada cultura material de matriz autóctone ou

livremente evolucionada a partir de impulsos provenientes de outras paragens.

A este propósito, Manuel Calado e Rui Mataloto admitem que falta definir as rotas

comerciais e culturais que fizeram chegar ao interior alentejano as inovações oriundas das

dinâmicas do mediterrâneo oriental. “Neste aspecto, merecem, por enquanto, ser

consideradas duas alternativas que, mais do que contraditórias, podem ser complementares:

o foco orientalizante do Guadiana Médio, com acessos próprios ao litoral meridional, ou o

foco dos estuários do Tejo e do Sado, para os quais o Alentejo Central, por razões de

transitabilidade natural, constituiria naturalmente um território de interacção privilegiado”

(Calado et al., 2006, p. 171).

A par dos já referidos determinismos naturais, o acesso e circulação de recursos

determinou o traçado das grandes vias, quer a nível regional, quer a nível inter e trans-

regional, materializando-se numa rede viária que, evoluindo conforme as conjunturas do

tempo, chegou aos nossos dias num palimpsesto de troços, mais ou menos preservados e

activos. Na Antiguidade já se encontravam bem definidas as duas principais rotas que

cruzavam a Península Ibérica: a grande via continental, vinda de além-Pirenéus pela bacia do

Ebro, debruando a vertente sul da Cordilheira Central, chegando aos médios vales do Tejo e

do Guadiana, por onde penetrava no sudoeste; e a “Via da Prata”, de desenvolvimento norte-

sul, partindo dos planaltos de Astorga e Leão, atingindo Cádis. Por meio de longitudinais

ramificações secundárias, atingia, a nascente, o interior mesetenho e andaluz, e a poente, o

Alentejo e a costa oceânica (Gomes, 1992, p. 111).

Também os cursos dos grandes rios, propícios à navegação, cedo se revelaram como

importantes vias de penetração para o interior, ou de forma inversa, como excelentes canais

de escoamento para os territórios marginais e litorais – o Tejo, o maior rio ibérico, constitui

um excelente exemplo disso mesmo. Muitos dos actuais e mais expressivos aglomerados

urbanos das margens do Tejo foram fundados, senão anteriormente, pelo menos durante a

Proto-História: o oppidum de Olisipo (Lisboa), Ierabriga (Alenquer), o oppidum de Scallabis

(Santarém), o povoado fortificado do Alto do Castelo (Alpiarça) e Móron (Vale de Figueira).

Mais a montante, nas Portas do Ródão, registou-se um extenso santuário rupestre associado a

grandes povoados proto-históricos, de onde partiam os itinerários que os ligavam, na zona

fronteiriça de Alcântara e Cáceres, à grande “Via da Prata”, entroncamento onde foi

identificado o mais recuado núcleo de necrópoles com estelas decoradas do Bronze Final (ob.

cit., p. 112).

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Avieno, na sua Ora Marítima, refere um itinerário terrestre que, no século VI a.C.,

ligaria a foz do Tejo a Tartessos em quatro dias. Atravessando o Tejo de barco, a partir de

Olisipo, o viajante seguia um percurso que passava por Aquabona (Coina-a-Velha?), até

chegar a Caetobriga (Setúbal), na margem direita da foz do Sado, seguindo pela margem

norte do seu estuário até Salacia (Alcácer do Sal), por onde se entrava no Baixo Alentejo,

passando a Vipasca (Aljustrel) e chegando a Pax Julia (Beja), capital do Conventus Pacensis

(ob. cit., p. 112).

Recuando alguns milénios, há cerca de sete mil anos, foram erguidos no Alentejo

Central alguns dos primeiros grandes monumentos do continente europeu – os menires. No

Cabo Espichel terminava (ou começava?) um dos mais importantes itinerários naturais da

Península Ibérica: a linha que separa as bacias hidrográficas do Tejo e do Sado e que, em

Évora, conflui com as que separam as bacias destes rios da bacia do Guadiana. Ao longo

desta destacada via circularam, em praticamente todas as épocas, homens, bens, ideias e

símbolos. De um lado os menires, hirtos e mudos na planície alentejana; do outro, na sua

finisterra atlântica, de igual modo sugerindo uma iconografia antropomórfica, as

estalagmites, cristalizadas pela paciência do tempo nas grutas da Arrábida. Mais tarde, há

cerca de seis mil anos, as grutas-necrópole foram reproduzidas nas antas do Alentejo Central,

enquanto, mais algum tempo depois, a “meio caminho” entre as grutas naturais da Arrábida e

as antas do Alentejo e combinando características intermédias, foram construídos outros

monumentos funerários – as grutas artificiais. Nesta lógica, e por fim, as placas de xisto. De

origem alentejana, revelam-se como um dos mais interessantes elos de ligação entre os

universos simbólicos do Alentejo e da Serra da Arrábida. Apesar das suas inúmeras variantes,

genericamente de aspecto antropomórfico – “uma representação mais ou menos

geometrizada da Deusa Mãe, força de vida e, por isso mesmo, companhia dos mortos”

(Gonçalves, 2004, p. 57) – é fácil reconhecer-lhes “um certo ar familiar” (Manuel Calado in

blogue Sesimbra Arqueológica). Moral da História: “os caminhos têm sempre dois sentidos”.

Relativamente aos seus recursos, é importante realçar o facto de a Arrábida não

apresentar qualquer potencial mineiro. Mesmo descontando a falta de escavações nos

arqueossítios conhecidos, incluindo o Calcolítico, período em que a investigação atingiu um

conhecimento mais aprofundado, a Arrábida não parece evidenciar uma significativa

actividade metalúrgica, sendo residuais as manifestações desta tecnologia, resumidas a

contextos familiares e de autoconsumo. Ora, se admitirmos o metal como uma das principais

fontes do poder das emergentes elites do Bronze Final, resta para a Arrábida um papel de

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importador, de consumidor e, sobretudo, de intermediário nesta cadeia, usufruindo da sua

dominante situação face a importantes vias de comunicação.

Mas será que os dividendos obtidos com a circulação de bens foram suficientes para

justificar o grau de desenvolvimento atingido pelas comunidades do Bronze da Arrábida?

Não será de considerar outras “moedas de troca”, designadamente a expedição de algum

excedente cerealífero? – “talvez os únicos bens susceptíveis de serem produzidos

excedentariamente na Baixa Estremadura” (Cardoso, 2000, p. 67). Pouco credível! Tirando a

potencial produtividade agrária do Baixo Sado, de que a Arrábida não beneficiaria

directamente, os férteis vales da Serra apenas poderiam satisfazer as necessidades locais, sem

áreas suficientemente capazes de produzir excedentes para trocas. Posto isto, resta-nos

admitir um “ex-líbris” regional, produzido em quantidade remanescente e de valor suficiente

para ser trocado por outros bens lacunares – o sal!

De facto, o sal constitui um produto da natureza indispensável à vida humana,

desempenhando um relevante papel na vida económica de qualquer sociedade, de tal forma

que chegou a ser denominado de “ouro branco”4. Ao longo da História a salicultura tem

constituído uma actividade de “vital” importância, pois o sal, além das suas múltiplas

aplicações, é, sobretudo, um bem essencial. Por outras palavras, além das suas

particularidades vitais, condimentares e conservantes (peixe, carne, azeitonas, etc.), o sal é

indispensável em actividades como a produção de queijo e o curtimento de peles, sendo

também utilizado como supletivo na engorda do gado, como complemento na farmacopeia e

tratamento na medicina tradicional. Acrescente-se, ainda, o seu “poder espiritual”,

documentado em diversas culturas e religiões como elemento purgatório.

Genericamente, o sal pode ser obtido a partir de duas fontes de extracção: pela

mineração de jazidas de sal-gema e pela evaporação de água salgada. Relativamente ao sal

marinho, são hoje conhecidos dois antigos métodos de extracção, diferenciados tecnicamente

mas com o mesmo objectivo – a decantação e evaporação da água salgada com vista à

cristalização do cloreto de sódio.

O método mais conhecido, ainda hoje utilizado, recorre à evaporação natural por

insolação, levando à concentração da salmoura pela prolongada exposição solar, permitindo

rentáveis explorações extensivas, organizadas e “marinhas”. Porém, este método depende de

uma série de condições e especificidades meteorológicas e geográficas, implicando a escolha

de áreas estuarinas, beneficiando de grande exposição solar anual, vento relativamente seco e 4 “Em Portugal, durante muitos séculos, a indústria extractiva do sal ocupou uma posição cimeira entre as actividades destinadas a activar quer o comércio interno quer o externo. Ela dinamizou de forma clara a vida de vários sectores populacionais em múltiplas regiões do litoral” (Rau, 1984, p. 9).

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A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem

111

pouca precipitação. Trata-se, portanto, de um método circunscrito a determinadas áreas de

influência climática mediterrânea (Sul europeu e Norte de África).

O outro método documentado recorre ao fogo, enquanto fonte térmica artificial para a

evaporação da água salgada. À partida menos produtivo, implicando um maior investimento

laboral e grandes quantidades de combustível, tem a vantagem de não depender dos

imponderáveis determinismos climáticos e beneficiar de uma maior “liberdade” geográfica.

Segundo as evidências arqueológicas disponíveis, este seria o método mais utilizado para a

obtenção de sal em épocas Pré e Proto-Históricas (Escacena Carrasco, 1996; Valera et al.,

2006; Soares, 2008) – “no registo arqueológico pré-histórico, esta prática manifesta-se

através de entulheiras de fragmentos de recipientes cerâmicos (‘briquetage’), associadas a

lareiras” (Soares, 2008, p. 361).

A técnica extractiva da briquetage encontra-se documentada, na Europa Central,

desde o 5.º milénio a.C., e desde os finais do 4.º milénio no litoral ocidental de França

(Weller, 2004; Gouletquer, 1969; Bertaux, 1981, apud Valera et al., 2006, p. 292). Esta

técnica implica três fases: na primeira, a água salgada era concentrada e decantada pelo

aquecimento ao fogo em recipientes cerâmicos, até ser produzida uma salmoura. Os

recipientes utilizados eram geralmente grandes, de formas abertas e fundos planos,

produzidos com pastas grosseiras, com descuidado tratamento de superfícies e denotando

marcas de grande exposição ao fogo. Numa segunda fase, a salmoura era modelada em

pequenos recipientes de argila crua. Estes “tabuleiros” eram então dispostos em braseiros,

provavelmente assentes sobre suportes cerâmicos (corniformes?), até a salmoura cristalizar de

forma padronizada, em medidas e volumes, conforme o molde do contentor. Por fim, os

tabuleiros/moldes eram partidos de modo a libertar os blocos de sal, resultando em volumosas

entulheiras de fragmentos cerâmicos. Esta cadeia operatória era subsidiada por um conjunto

de actividades paralelas: recolha e transporte de água salgada, do combustível e da argila

necessária à produção dos diferentes recipientes (Valera et al., 2006, p. 292).

Ainda que não se deva subestimar a possibilidade das sociedades paleolíticas

aproveitarem, pontualmente, a natural cristalização do sal, as primeiras evidências relativas à

sua produção remontam ao Neolítico, “en concreto del VI milenio en el yacimiento rumano

de Poiana-Slatinei, en Lunca, Vânatori-Neamt” (Weller e Dumitroia, 2005, apud Terán,

2011, p. 74). Para a Península Ibérica, os dados mais remotos reportam-se ao Neolítico Médio

(4500-3500 a.C.) da Muntanya de Sal de Cardona, a 80 km de Barcelona. Este arqueossítio

permitiu identificar uma série de instrumentos líticos, produzidos especificamente para a

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A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem

112

extracção de sal-gema do referido afloramento – diapiro salino (Fíguls et al., 2007; Fíguls et

al., 2010).

A produção de sal em épocas pré-romanas tem vindo a ser proposta, com algumas

reservas, em alguns arqueossítios do nosso país, designadamente no povoado do Neolítico

Médio/Final da Praia do Forte Novo, em Quarteira/Loulé (Rocha e Barros, 1999); no povoado

do Neolítico Final/Calcolítico inicial (primeira metade do 3.º milénio cal a.C.) da Ponta da

Passadeira (Soares, 2000b; 2001; 2008), implantado na margem esquerda do Tejo, sobre uma

restinga arenosa da margem sul da desembocadura do esteiro da Moita “e dedicado, muito

provavelmente, à exploração de sal, por evaporação ao fogo da água estuarina e

cristalização do sal em recipientes cerâmicos, que uma vez fragmentados originaram

extensas entulheiras” (Soares, 2008, p. 356), “a vocação do local para a salicultura

remonta, pelo menos, aos finais do IV milénio BC, como indicam os resultados da análise

polínica do paleossapal, ao revelarem a existência de um meio de elevada salinidade” (ob.

cit., p. 361); no povoado do Neolítico/Calcolítico do Monte da Foz 1 e 9, em

Benavente/Santarém (Coelho, 2005); e no povoado do Neolítico Final/Calcolítico (finais do

4.º/inícios do 3.º milénio a.C.) do Monte da Quinta 2, na margem esquerda do vale do Sorraia,

em Benavente, implantado num braço da ria flandriana do paleoestuário do Tejo, sob a

influência, à época, de águas salgadas. Mais uma vez, a briquetage foi a técnica extractiva

documentada neste sítio (Valera et al., 2006).

Também em territórios espanhóis têm sido exumados indícios de actividades

salineiras pré-romanas, particularmente no já referido sítio do Neolítico Médio (4500-3500

a.C.) de Cardona, Barcelona (Fíguls et al., 2007; Fíguls et al., 2010); no povoado do

Neolítico Final (3000 a.C.) de La Marismilla, em Sevilha (Escacena Carrasco et al., 1996); no

povoado calcolítico/campaniforme (2500-2150 a.C.) de Molino Sanchon II, no complexo

lacustre de Villafáfila, em Zamora (Delibes de Castro et al., 2007); no sítio calcolítico de Las

Salinas de Espartinas (Ciempozuelos/Madrid), onde foram registadas três pequenas estruturas

elípticas de argila endurecida, com aproximadamente 1 x 1,20 m de diâmetro, interpretas

como “balsas” de decantação por se encontrarem associadas a estruturas de combustão e a

grandes vasos cerâmicos troncocónicos, presumivelmente utilizados como contentores de

água salgada (Valiente Cánovas e Ramos, 2009); no povoado calcolítico/campaniforme de

Fuente Camacho (Granada), onde foram registados diversos recipientes cerâmicos de grande

capacidade e perfil aberto, produzidos com pastas grosseiras e acabamentos pouco cuidados,

associados a abundante material orgânico carbonizado e densos níveis de cinzas, evidências

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A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem

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que, no seu conjunto, sugerem a produção de sal pela técnica da briquetage (Terán e

Morgado, no prelo, apud Terán, 2011, p. 79).

Relativamente a cronologias da Idade do Bronze e no âmbito peninsular, até à data

apenas foi identificado um presumível arqueossítio dedicado à produção salineira. Trata-se do

povoado da 1.ª Idade do Bronze de Santioste, no Otero de Sariegos, em Zamora, Espanha

(Delibes de Castro et al., 1998). O sítio registou três fases. A primeira (2460-2200 a.C.)

caracterizou-se pela produção de sal pela evaporação térmica da água salgada, contida em

grandes recipientes cerâmicos expostos ao fogo, bem documentado pela presença de densos

níveis de cinzas. Segundo os investigadores, também será de admitir a hipótese de decantação

da água salgada em covas impermeabilizadas com argila. Durante a segunda e a terceira fase

(entre os finais do 3.º e os meados do 2.º milénio a.C.), foram registadas estruturas de

combustão mais complexas – verdadeiros fornos. Estão em causa três câmaras de combustão

rectangulares, com aproximadamente 1,5 x 0,5 m, escavadas paralelamente em solo margoso,

revestidas com argila e cujo interior apresentou abundantes cinzas e carvões.

Contrariamente ao mundo centro-europeu, onde se tem vindo a documentar um

verdadeiro boom na produção de sal ao longo do 1.º milénio a.C. (particularmente na Áustria,

Alemanha e França), na Península Ibérica, além dos residuais ecos da literatura clássica, os

indícios para a exploração do sal durante a Idade do Ferro são muito escassos. Esta estranha

incoerência, relativamente à natural evolução e complexificação das sociedades proto-

históricas, além das indirectas mas exuberantes evidências a partir do século I d.C.

(complexos de salga de preparados piscícolas), deverá ser explicada pela própria mudança nas

estratégias de extracção do sal – abandono das técnicas de evaporação ígnea, de pequena

escala e com carácter de consumo local, em favor da insolação, a par da concentração

produtiva em especializados centros produtores, beneficiando de condições mais favoráveis e

com áreas de exploração mais extensas, permitindo mesmo o aforro de excedentes

produtivos.

Em determinadas áreas estuarinas, com melhor potencial extractivo, a exploração do

sal em salinas poderá ter tido manifestações mais precoces e rudimentares, particularmente ao

longo da Idade do Bronze. Contudo, esta mudança, não obstante reflectir-se na produção de

maiores quantidades de sal, implica uma menor expressão no registo arqueológico, pois as

salinas implantam-se em zonas estuarinas, expostas a dinâmicas de marés, sendo as suas

precárias “estruturas” rapidamente dissolvidas pela erosão ambiental e “temporal” – muros de

terra batida, eventualmente contida em caixilhos de madeira.

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A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem

114

Em suma, e no que respeita às envolventes da área de estudo do presente trabalho, o

sal encontra-se comprovadamente explorado no paleoestuário do Tejo desde o Neolítico Final

e, de forma indirecta, no Sado, pelo menos desde Época Romana, não sendo de excluir uma

produção, mais rudimentar e de menor escala, em épocas anteriores, tendo em conta a sua

particular qualidade e facilidade de extracção nestas paragens. Relativamente à Idade do

Ferro e à produção de ânforas pré-romanas (admitindo a sua eventual conexão com as

primeiras salgas), “para o actual território português, só temos indícios, ainda pouco claros

e de incerta datação, do fabrico de ânforas e, consequentemente, da exportação de um

qualquer produto, em Alcácer do Sal” (Fabião, 1993, p. 126).

Também neste particular, a Arrábida parece constituir uma realidade periférica,

relativamente aos grandes centros de desenvolvimento, todavia com acesso directo ao mar e

aos seus recursos. Por outro lado, mesmo que lateral em relação à via de circulação entre o

Sado e o Tejo (mais interior), a Arrábida beneficiaria, contudo, da sua evidente proximidade,

dominando efectivamente a entrada (e saída) do Sado.

Ora, se seguirmos uma lógica histórico-evolutiva, considerando a importância e

expressão arqueológica da produção de preparados piscícolas na viragem para a nossa Era,

contando que se tratava de uma indústria necessariamente dependente de grandes quantidades

de sal (insubstituível ingrediente conservante), e mesmo na total ausência de suporte

arqueográfico da sua extracção, será de admitir que a salicultura já constituiria uma efectiva

realidade nos finais da Idade do Bronze, desenvolvendo-se com a complexificação das

sociedades indígenas e dos seus esquemas produtivos, atraindo, mais tarde, outros

reconhecidos “investidores” – “como é óbvio, só um conhecimento prévio da região e

contactos anteriores com a população indígena pode justificar esta presença de fenícios do

«Círculo do Estreito» no estuário do Sado” (Arruda, 1999-2000, p. 98). Segundo Ana

Margarida Arruda, terá sido na Idade do Bronze e Idade do Ferro que a actividade salineira se

estabeleceu em definitivo, concomitantemente com a crescente importância da criação de

gado e da conservação da sua carne (Arruda e

Vilaça, 2006, p. 47).

Fig. 140 – O Galeão do Sal “Zé Mário” na estacada palafítica de

Abul (foto de R. Soares).

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A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem

115

6.6. Transição Bronze Final/Idade do Ferro: os novos dados

“Estranhos numa terra (quase) estranha”. Ana Margarida Arruda, 2008

No contexto da transição Bronze Final/Idade do Ferro, torna-se essencial a detecção

de elementos atribuíveis aos primeiros contactos “orientalizantes” e, num segundo momento,

à fixação de populações exógenas, nomeadamente fenícias. Em regiões onde estes elementos

não são tão evidentes, ou se encontram totalmente ausentes, os investigadores vão resistindo

com expressões compostas como “Bronze Final/Ferro Inicial”. Porém, autores como

Almagro-Gorbea fazem recuar a evidência dos contactos pré-fenícios, particularmente de

origem greco-micénica, introduzindo expressões como “Proto-Orientalizante” e “Pré-

colonial”, reportando-se a um momento prévio ao período “Orientalizante” (Aubert, 1992;

Almagro-Gorbea, 1993).

“Estranhamente, ou talvez não”, é do Centro de Portugal, mais especificamente do

seu interior, que são provenientes os mais numerosos artefactos de origem mediterrânea,

relacionáveis com os primeiros contactos pré-coloniais (Arruda, 2008, p. 357). Esta manifesta

assimetria, entre os dados disponíveis para o Bronze Final do Centro-Norte e do Sul de

Portugal, pode explicar-se pela própria “geografia da investigação”, encontrando-se o sul, até

à data, mais deficitário de sistemáticos projectos de investigação. De facto, e contrariando

uma lógica de contiguidade geográfica e cultural, a proximidade do extremo oriental do

Algarve, relativamente à região da Ría de Huelva, ainda não se consubstanciou no registo

arqueológico português.

No que diz respeito à Península de Setúbal, há muito que esta região vinha a

denunciar alguns garantidos indícios “orientalizantes” em contextos da fase final da Idade do

Bronze, a par de indirectas evidências para “navegações mediterrâneas para o Atlântico

durante o Bronze Final. Um dos sítios é particularmente famoso, sendo sistematicamente

trazido à colação na discussão do fenómeno pré-colonial” – trata-se do “clássico”

monumento funerário da Roça do Casal do Meio (Arruda, 2008, p. 360). Por outro lado, “as

realidades detectadas em Alcácer do Sal, Setúbal e Abul são testemunhos indesmentíveis da

presença de populações de origem oriental nesta região. O estuário do Sado pode assim ser

considerado um espaço colonial fenício por excelência” (Arruda, 1999-2000, p. 97).

Se por um lado, estes indícios pré-coloniais são tendencialmente residuais,

relativamente à totalidade dos artefactos exumados, por outro, correspondem,

maioritariamente, a objectos de adorno (contas de pasta vítrea, pinças e, sobretudo, fíbulas).

Estes materiais, associados a datações radiocarbónicas, têm permitido aferir cronologias em

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A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem

116

torno dos séculos XI-X a.C. (Arruda, 2008, p. 357) – “com efeito, não existem, nem no

Alentejo interior nem no Algarve, quaisquer materiais que possamos relacionar com

presenças orientais ou mesmo atlânticas em época anterior ao século IX a.C. E mesmo no

litoral ocidental, concretamente no estuário do Tejo (Quinta do Marcelo) ou na Península de

Setúbal (Roça do Casal do Meio) o que existe deixa antever que foi apenas no século X que

houve vinculação aos circuitos de intercâmbio que em grande parte formataram o final da

Idade do Bronze” (ob. cit., p. 366-367), situação também verificada na região da Andaluzia

Ocidental. “A presença de artefactos de âmbito mediterrâneo no Sul do território

actualmente português em momento anterior à instalação de colonos fenícios na fachada

atlântica peninsular é actualmente indiscutível” (ob. cit., p. 367).

Segundo Ana Margarida Arruda, considerando os dados cronométricos de Huelva,

tudo indica que os materiais orientais verificados no sul da Península Ibérica se inscrevem

num modelo “MCS” – Modo de Contacto Sistemático (Arruda, 2008, p. 357, cf. Alvar, 2000,

p. 28), e que as gentes instaladas em Huelva teriam origem na fachada sírio-palestiniana,

tendo sido, no caso português, o Rio Tejo o primeiro pólo de aportagem de colonos orientais

durante a Idade do Ferro (Arruda, 2005a e b).

Se considerarmos as circunstâncias da investigação e se entendermos a Península da

Arrábida (e o próprio Sado) como o primeiro acidente geográfico na rota do sul, a partir do

eixo Mediterrâneo-Atlântico de Sagres, “a maior quebra de direcção do litoral ocidental

português” (Ribeiro, 2004, p. 55), é de admitir que a região tenha beneficiado de precoces

contactos exploratórios, anteriores aos tenuemente verificados no baixo curso do Tejo – “esta

tardia e pouco intensa presença traduzirá alguma marginalidade, mas deverá esperar-se que

os novos projectos em curso na região possam iluminar muitos pontos obscuros do Bronze

Final do Sul de Portugal” (Arruda, 2008, p. 368).

A questão tartéssica tem sido recorrentemente trazida à colação como modelo de

interpretação para a formação social do Bronze Final do Sudoeste peninsular e das mudanças

verificadas nas sociedades indígenas, face às novas realidades emergentes da instalação

colonial fenícia. Assim, foram surgindo propostas que concebem a realidade tartéssica como

o resultado de um intenso processo de hierarquização social e de complexificação do

povoamento nas sociedades indígenas, “galopante” no sentido de um novo mundo urbano de

fundo estatizante (Mataloto, no prelo, cf. Aubet, 1991; 1995; Almagro, 1996; Mederos e

Harrison, 1996; Parreira, 1998; Soares e Silva, 1998; Torres, 2002). Outros, focados

sobretudo nos dados da Andaluzia, sublinham, talvez com algum exagero, o papel da

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A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem

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colonização fenícia como catalisador do desenvolvimento das sociedades indígenas

(Mataloto, no prelo, cf. Barceló, 1995; Escacena, 1995, 2005; Wagner, 1993).

Na verdade, a transição Bronze Final/Idade do Ferro continua mal esclarecida um

pouco por todo o Sudoeste Peninsular. A região da Arrábida não foge à regra, antes pelo

contrário: os dados aqui apresentados, por terem sido produzidos, quase exclusivamente, em

prospecções de superfície, dificilmente poderiam resolver esta questão. Ainda assim, recentes

descobertas de evidências correspondentes à 1.ª Idade do Ferro podem vir a fornecer

informações que nos permitam melhor compreender esta transição e os eventuais circuitos

orientalizantes que a precederam, designadamente nos contextos do estuário do Sado.

Relativamente aos estímulos “orientalizantes”, a região da Arrábida há algum tempo

que havia documentado precoces contactos com o mundo mediterrâneo, particularmente no

espólio metálico do “(re)monumento” funerário da Roça do Casal do Meio (Spindler et al.,

1973-74). Recorde-se que a fíbula exumada nesta necrópole, de inspiração mediterrânea, foi

datada de 1004-835 a.C. (Senna-Martinez, 2010, p. 19, cf. Vilaça e Cunha, 2004, p. 52). Mais

recentemente, nos trabalhos de prospecção realizados no âmbito da nova Carta Arqueológica

de Sesimbra (Calado et al., 2009), foram identificados, finalmente, os primeiros e

inequívocos indícios de presença humana atribuível à 1.ª Idade do Ferro.

Em boa verdade, a Idade do Ferro sesimbrense já tinha sido comprovada na necrópole

do Casalão, por Eduardo da Cunha Serrão. À época, o autor enquadrou o achado na 2.ª Idade

do Ferro (Serrão, 1994, p. 58), mas tendo em conta as características formais das sepulturas e

o espólio artefactual exumado, constituído por um conjunto de objectos de bronze na tradição

do Bronze Final da Roça do Casal do Meio (mola espiralada de fíbula, anel e pinça), além de

uma lâmina de faca afalcatada em ferro e de alguns fragmentos de hematite (minério de

ferro), tudo parece indicar uma fase mais antiga, dentro da 1.ª Idade do Ferro (Fabião, 1992,

p. 141-143; Calado et al., 2009, p. 31). Trata-se de um conjunto de cinco sepulturas

independentes, de planta sub-rectangular, estruturadas com grandes e toscas lajes de calcário,

“em tudo idênticas às tumulações do Bronze Final” (Fabião, 1992, p. 141). Também na

Arrábida, a fase pré-romana parece totalmente ausente. Apesar de, normalmente, serem de

fácil identificação, ainda não foram documentados quaisquer vestígios correspondentes à 2.ª

Idade do Ferro.

Os sítios agora identificados, de cronologias relativas enquadráveis na 1.ª Idade do

Ferro, manifestaram-se, sobretudo, em ocupações de grutas, abertas ao mar e com entradas

conspícuas na paisagem: a Lapa da Cova (vertente sul da Serra do Risco) – uma grande

cavidade de acesso ascendente, aberta na cota dos 260 m da mais elevada arriba calcária da

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A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem

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Europa continental; a Lapa da Janela I (Vale das Lapas/Serra da Azóia) – conjunto de

pequenas cavidades, algumas interligadas, de acesso ascendente segundo uma orientação

preferencial de 225º, com cerca de 20 m de profundidade máxima e cerca de 3 m de altura

média. Registou cerâmica brunida e bordos exvertidos (Calado et al., 2009, p. 115). A sua

implantação, morfologia e materiais de superfície admitem, provisoriamente, uma vocação

sagrada, na linha da Lapa da Cova. Nas vertentes e fundo de vale do Vale das Lapas também

foi reunido um conjunto de materiais cerâmicos de cor clara, bastante erodidos, nos quais se

pôde isolar duas asas de rolo; a Lapa do Forte do Cavalo A (Sesimbra) – ampla cavidade de

acesso descendente, com cerca de 30 m de comprimento, por 20 m de largura e 8 m de altura

máximas, onde foram assinalados fragmentos de cerâmica manual e a torno, incluindo bordos

(Calado et al., 2009, p. 119); a “Cara do Cabo” (Cabo Espichel) – dois pequenos abrigos

abertos na falésia do Espichel, onde foram registados fragmentos de cerâmica manual e a

torno (Calado et al., 2009, p. 105). De estranhar o facto de, na notável jazida arqueológica da

Lapa do Fumo (Serra dos Pinheirinhos), onde foi registada uma quase completa sequência de

ocupação, desde o Neolítico Antigo “até hoje”, não ter sido observado qualquer indício de

presença humana atribuível à 1.ª Idade do Ferro (Serrão, 1958, 1973, 1975).

Estes vestígios cavernícolas, tendencialmente rituais, foram complementados por

inéditas notícias do “quotidiano dos vivos”. Em causa, um conjunto de achados identificados

na Serra da Achada, na vertente nascente do vale de Sesimbra, mais concretamente no sítio da

Meia Velha. Trata-se de uma extensa rechã, cortada por falésias abruptas, com uma série de

abrigos na base. Da sua extremidade sul é possível controlar toda a baía de Sesimbra. A sua

caracterização cronológica partiu de um conjunto de observações: restos de muros de

aparelho calcário à face do solo actual, desenhando um ângulo recto, a que se associaram

fragmentos de cerâmica manual e a torno, nomeadamente uma asa de rolo e bordos exvertidos

(Calado et al., 2009, p. 123). Também na povoação de Pedreiras (Sesimbra), no sítio da Casa

Nova, foi identificado um conjunto artefactual com cerâmica manual, eventualmente

atribuível ao Bronze Final (bordos simples e fundos planos) e abundante cerâmica a torno, de

pastas claras, destacando-se um bordo exvertido (1.ª Idade do Ferro? – Calado et al., 2009, p.

89). Estas duas estações de ar livre implantam-se em plataformas abertas e com potencial

agrícola, enquadrando-se, “sem dificuldades, no padrão bem representado nas áreas

limítrofes, como a Península de Lisboa ou o Alentejo Central” (ob. cit., p. 30). De

acrescentar, ainda, que estes dois sítios de habitat implantaram-se nas imediações da Lapa da

Cova, a sensivelmente 1.5/2 km deste “santuário natural”.

Aprioristicamente, e tendo em conta os dados disponíveis, a menor intensidade da

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A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem

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presença humana nos inícios da Idade do Ferro da Arrábida, relativamente à exuberância

verificada nos finais da Idade do Bronze, é compatível com a falência do modelo sócio-

económico e político-administrativo vigente (Calado et al., 2009, p. 30). Este colapso, que

marcou o fim da Idade do Bronze, também foi registado no Alentejo Central, onde

“verificamos que a chegada do comércio fenício (e, certamente, de novos valores culturais e

novas realidades políticas) implicou uma profunda reorganização do povoamento. Os

grandes castros de altura, esvaziaram-se, na sua maioria. A população parece ter-se

fragmentado em pequenas unidades de produção, dispersas pelos territórios, em instalações

abertas, sem condições naturais nem artificiais de defesa. Uma aparente antecipação da Pax

Romana. Falta, porém, determinar os mecanismos de coesão desse novo modelo de

povoamento que, aliás, prosperou e floresceu durante alguns séculos” (ob. cit., p. 30).

Por fim, a Arrábida poderá ser apercebida como a última manifestação, a ocidente,

dos cânones paisagísticos do Mediterrâneo, significando uma cénica “finisterra”, uma

verdadeira “muralha” natural entre o mundo mediterrâneo e o mundo atlântico, um território

de charneira paisagística e ambiental, razoavelmente bem definida, designadamente no seu

clima e coberto vegetal. É de presumir que este quadro não tenha passado indiferente aos

primeiros visitantes orientais, que naturalmente se terão identificado com esta paisagem de

referência, com a sua ambiência e com a sagrada quietude das suas paragens (“Estranhos

numa terra (quase) estranha” – Arruda, 2008) – “com os enrugamentos calcários

cavalgantes sobranceiros ao litoral, despenhando-se por escarpas brutais num mar de rara

serenidade, franjada de baías luminosas fechadas por promontórios intransponíveis, ela é o

único troço verdadeiramente mediterrâneo da costa portuguesa, tanto pela arquitectura do

terreno, dobrado e cortado de grandes deslocações, como pelas águas tépidas, tranquilas e

abrigadas, que mais parecem um mar interior” (Ribeiro, 1986, p. 125).

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7. A Arrábida: entre o Tejo e o Sado, entre Atlântico e o Mediterrâneo, entre o litoral e o

interior

“(...) ela é o único troço verdadeiramente mediterrâneo da costa portuguesa, tanto pela arquitectura do terreno, dobrado e cortado de grandes deslocações, como pelas águas tépidas, tranquilas e abrigadas, que mais parecem um mar interior”.

Orlando Ribeiro, 1986

No Ocidente, o desenvolvimento civilizacional processou-se na região circum-

mediterrânea e de forma intrinsecamente ligada ao mar... tal não aconteceu por acaso.

Efectivamente, os processos de geodinâmica interna foram progressivamente promovendo

condições para o florescimento de “espaços vitais”, verdadeiros “ninhos” de desenvolvimento

populacional, servindo de berço a sucessivas civilizações, de certa forma herdeiras umas das

outras e com limitadas influências exteriores (Braudel, 1998). Desde cedo, estas civilizações

aprenderam a olhar o mar, não como um elemento separador, mas antes como uma via de

comunicação por excelência. Assim, torna-se possível afirmar que o mar foi o principal

denominador comum destas gentes e que o desenvolvimento civilizacional se processou a par

da intensificação da exploração do meio marinho.

7.1. Navegando em “Mares de Bronze” – o “síndrome do marinheiro”

“São maus descobridores os que pensam que não existe terra porque só podem ver o mar”. Francis Bacon, O Progresso do Conhecimento

“Desde a noite dos tempos que o homem se perdeu na água,

porque ela é, por definição, alimento, fonte de subsistência e desafio à separação. Isto é, campo e estrada – o barco ou o navio sendo, mais do que metaforicamente, o arado do mar”.

Francisco Alves O meio aquático constitui um verdadeiro paradoxo cultural e ambiental. Ainda hoje,

numa época de navegação global, o espaço aquático é tido como uma imponderável barreira

física, um ambiente não controlado e pleno de surpresas, perigos e tragédias. No Passado, o

alcance deste sentimento seria exponencialmente superior, todavia, rios, lagos e mares

significaram uma potencial via de comunicação e de aproximação entre as sociedades, ao

invés de as dividir (Tranoy, 1995).

O acto pelo qual o Homem se “fez ao mar” constituiu um verdadeiro exercício de

selecção cultural, um empreendimento de recursos que não se esgotou, tão-somente, na

construção de uma embarcação adequada a um determinado objectivo. O advento e evolução

da navegação inspirou-se e repercutiu-se na subsistência, na indústria, no comércio ou na

guerra, produzindo uma variedade de materiais e artefactos altamente específicos desta

empresa – cultura material especializada. O grau de especialização é também variável ao

longo do tempo e conforme as culturas.

Para aferir o verdadeiro alcance e importância das navegações, em cada época e

sociedade, o registo arqueológico tem vindo a revelar indubitáveis provas destas actividades,

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A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem

121

particularmente relativas às primeiras grandes viagens marítimas, verdadeiras pontes

tecnológicas onde o contacto terrestre era, por vezes, fisicamente impraticável. Neste ponto,

além das matérias-primas, dos artefactos (e/ou dos seus modelos) e dos seus circuitos de

circulação, há que considerar, em definitivo, os homens que os transportavam – os

marinheiros, os verdadeiros interlocutores deste processo de contacto e comunicação que foi

muito além dos bens materiais, promovendo o trânsito de um amplo pacote de impulsos e

influxos: mentais, culturais, tecnológicos e genéticos.

Desde cedo, as primárias actividades piscatórias foram dando entrada no registo

arqueológico, indirectamente pelos indícios de consumo alimentar, pela descoberta de raras

embarcações e, sobretudo, de artefactos como pesos de rede e poitas, arpões e anzóis. Estes

últimos, inicialmente simples, talhados em osso, madeira ou conchas, tornaram-se

progressivamente mais sofisticados, designadamente com o recurso a materiais metálicos.

Destes, merecem aqui destaque os conhecidos para o Calcolítico regional da Arrábida: um

fragmento de anzol de “cobre”, de secção quadrangular, identificado na escavação da Lapa da

Furada (Cardoso e Cunha, 1995), e, mais para oriente, na Pré-Arrábida de São Luís, os vários

anzóis de “cobre” identificados no povoado da Rotura (Gonçalves, 1971).

Dominando visualmente um vale de solos férteis e uma portela para o mar, aberta ao

longo da várzea da Comenda (o “caminho do peixe” – Gonçalves, 1966, p. 9), este sítio de

habitat revelou uma significativa actividade piscatória e de recolecção de recursos marinhos,

sobretudo malacológicos – «o Castro, em si, é oculto por uma vegetação rasteira e forte,

cheio de pequenas barreiras, naturais ou artificiais, e quase completamente coberto por

inúmeros restos de animais marinhos» (ob. cit., p. 9), sobretudo conchas de moluscos, na sua

grande maioria de amêijoas, mas também mexilhões, navalhas e lapas, além de diversas

vértebras e osteólitos de peixes (dourada e pargo) e segmentos de crustáceos (lagosta, santola

e outros) (Gonçalves, 1971, p. 40). De referir, ainda, a ocorrência de “restos de cetáceos não

identificados” (ob. cit., p. 79), realidade que, a par dos grandes anzóis observados, atesta a

importância da pesca de mar – “corvinas, atuns ou toninhas, atendendo às dimensões,

excessivas para pargos ou douradas” (Cardoso, 2000, p. 57).

Por enquanto ausentes em contextos da Arrábida, mas bem documentados em diversos

sítios do Bronze Final do Ocidente Peninsular, os pesos de rede sobre seixos, com entalhes

laterais e de expedita facilidade de execução, poderão vir a ser documentados em expectáveis

escavações.

Esta manifesta “relação com o mar” e os meios estuarinos do Calcolítico da

Estremadura Portuguesa, aparentemente atenuada durante a 1.ª Idade do Bronze (Daveau,

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A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem

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1980; Senna-Martinez, 1994a), poderá ter sido retomada no Bronze Final, até por via da

circulação dos “modelos metálicos atlânticos”.

Relativamente às embarcações, estas implicam estruturas projectadas e construídas

para resistir a forças muito mais complexas do que os transportes terrestres. Neste sentido, os

métodos e as técnicas de construção naval representam, muitas vezes, a vanguarda

tecnológica de uma sociedade, tão simplesmente pelo facto de não haver paralelo para tão

grande exigência criativa – veja-se os casos fenício e grego.

Enquanto cultura material especializada, as embarcações constituem uma copiosa

fonte informativa acerca das sociedades que as produziram, enquanto a construção naval

implica uma complexa actividade social que envolve desenvolvimento, organização,

cooperação e investimento no longo prazo. Por outro lado, as embarcações também devem ser

consideradas enquanto “símbolos”, transmissores por excelência de ideologias e expressões

sociais, incluindo a tradição dentro da qual foram construídas.

A génese e evolução tipológica das embarcações e das respectivas técnicas de

construção e de navegação dependeram, na maior parte dos casos, dos condicionalismos

geográficos e ambientais, dos recursos disponíveis, do grau de evolução técnica e económica

das sociedades e do fim a que se destinavam. A transição da utilização de barcos de pesca

para barcos de transporte e comunicação foi, muito provavelmente, um passo natural de um

longo devir que se manifesta até à actualidade.

Em âmbitos mediterrâneos, nos finais da Idade do Bronze e na Idade do Ferro, a

navegação de cabotagem era seguramente complementada por uma “regular” navegação de

“alto-mar”, implicando mareações nocturnas, realidades comprovadas, por exemplo, pela

presença fenícia nas ilhas de Sicília, Sardenha e Ibiza – “de facto, tanto Hesíodo como

Homero descrevem viagens de vários dias sem escalas intermédias e, mais tarde, Estrabão

menciona que no Mediterrâneo se navegava no mar alto” (Arruda, 1999-2000, p. 27).

Relativamente à navegação nocturna, além das referências luminosas em terra (faróis) e da

iluminação das próprias embarcações, é justo recordar que os fenícios já conheciam a Ursa

Maior, recorrendo naturalmente à Estrela Polar nas suas viagens (Arruda, 1999-2000, p. 27),

pelo que os gregos conheciam esta estrela por “Kochab” – a estrela fenícia (Arruda e Vilaça,

2006, p. 36).

Contudo, a exposta costa atlântica, recortada ao longo da fachada ocidental da

Península Ibérica, reúne características bem diferenciadas dos mares interiores do

Mediterrâneo. Em Portugal, as actuais condições do ambiente marítimo não serão muito

diferentes das verificadas em tempos mais remotos. Hoje, regista-se uma considerável

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A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem

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agitação marítima, com uma predominância dos quadrantes norte-noroeste, que a sul do Cabo

Espichel, durante 70% do ano, produz uma ondulação média na ordem de 1 m de altura,

atingindo cerca de 4 m durante 2% do ano.

Quanto aos ventos, no presente predomina a “nortada”, ou seja, um regime de ventos

que sopram do quadrante norte-noroeste, particularmente intensos a partir do fim da tarde,

amainando de madrugada, tanto no Inverno como no Verão, sendo especialmente intensos na

zona dos cabos (Carvoeiro, Roca, Espichel e São Vicente). No Inverno, pela influência dos

sistemas frontais, sentem-se as rajadas de sudoeste. As correntes, na actualidade, correm

predominantemente de norte para sul, com velocidades médias na ordem dos 0.2-0.5 nós, não

afectando significativamente a navegação, sendo que, na desembocadura do Tejo e do Sado,

as correntes variam com a influência das marés. As condições de visibilidade na navegação

são muito condicionadas pelas neblinas de condensação das madrugadas e manhãs de Verão,

dissipando-se com o gradual calor do dia (Arruda, 1999-2000, p. 23-25).

Todavia, parte destas genéricas condições pode ter sido desigual durante a Pré e a

Proto-História, tendo em conta a natural evolução e as transformações climáticas,

designadamente a provável diminuição no efeito de upwelling costeiro, traduzida na não

existência de um regime de “nortada” e em diferenças nas correntes marítimas (Soares, 1997).

Assim, se o Mediterrâneo facilitou uma navegação “motrizada” por velas e remos, já

os vigorosos mares do Norte e Atlântico implicaram, sobretudo, uma navegação à vista, de

cabotagem larga (Arruda e Vilaça, 2006, p. 35-36), onde a vela terá assumido uma

preponderância vital. Porém, na costa ocidental da Península, considerando a predominância

dos ventos do quadrante norte durante praticamente todo o ano, a navegação à vela (panos

quadrangulares) apenas é beneficiada nas rotas provenientes de norte. Recorde-se que, só com

o advento da bolineira vela triangular (latina) se tornou possível navegar contra o vento –

mareações em bordos diagonais (“bolinas”) que afrontam os ventos até perto dos 12º, ou com

“largos” laterais, perpendiculares à linha proa-popa. Assim, a propulsão combinada de velas e

remos seria obrigatória na navegação em épocas proto-históricas, sobretudo nas rotas

provenientes de sul, contudo extremamente beneficiadas no trajecto de retorno.

Em zonas estuarinas e ribeirinhas, além das correntes, as embarcações (de baixo

calado, monóxilas e jangadas), moviam-se por meio de remos, pagaias, varas e pela sirga –

técnica de reboque de uma embarcação por meio de cabos puxados das margens, através da

força de homens e/ou animais.

A informação relativa às navegações proto-históricas, sobretudo de origens

mediterrâneas, aos seus promotores e às suas progressivas manifestações em paisagens

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A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem

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ibéricas, fundamentou-se, à partida, nas fontes clássicas – Hesíodo, Homero, Heródoto,

Avieno, entre outros. Ulteriormente, estes residuais ecos bibliográficos foram

complementados por abordagens toponímico-etimológicas e, em parte, confirmados pela

Arqueologia, materializando-os pela exumação de vestígios físicos. Todavia, os dados

arqueológicos coligidos são na globalidade escassos e insuficientes para compreender a real

dimensão e alcance social destas manifestações náuticas.

Acresce o facto de a tradição arqueológica, dita “terrestre”, não considerar,

geralmente, a influência dos marinheiros nas trocas de longa distância, sobretudo de produtos

de prestígio, e na disseminação de conceitos intelectuais, sendo que, os homens do mar

constituem, em boa verdade, os directos responsáveis por esses processos.

Por outro lado, há que considerar, em definitivo, o estudo da paisagem marítima

(seascape), ou seja, paisagem de mar e costa, associando a navegação marítima à arqueologia

da paisagem, no sentido de compreender como é que o mar foi apercebido a partir de terra e

vice-versa – a paisagem marítima como um conceito ideológico (Cosgrove, 1998, p. 15).

Além da carência de uma investigação sistemática e dirigida, particularmente lacunar

no caso português, pesa a natureza de curta preservação no tempo e no espaço dos materiais

empregues nestas actividades: madeiras, cordame de fibras vegetais entrançadas, barro,

musgo prensado, peles, ossos, bexigas de animais, têxteis, etc. Contudo, as mesmas forças

ambientais que causam uma constante sequência de perdas no registo arqueológico,

conjuram-se muitas vezes para preservá-lo em condições extraordinárias – material cultural

assimilado em sedimentos anaeróbios de leitos de rios, lagos ou mares. Estas especiais

condições podem revelar uma imagem de alta resolução das actividades do Passado.

Nas Ilhas Britânicas, e para ambientes atlânticos, as excepcionais descobertas e

consequente investigação dos “barcos de pranchas” tem vindo a revelar-se fundamental, tanto

mais que a informação disponível, relativa às características das proto-embarcações da Idade

do Bronze, terá sido sobretudo registada em suportes iconográficos (Bradley, 1997;

Kristiansen, 2004; Van de Noort, 2006). Parte daqui a razão pela qual, no âmbito do presente

trabalho, foi dado particular enfoque à temática dos “sewn-plank boats” britânicos (Wright,

1990; Wright et al., 2001; Clark, 2004a; 2004b; MacGrail, 1997), as principais referências

materiais para as embarcações da Idade do Bronze atlântico no actual panorama da

investigação.

Justamente, na Grã-Bretanha, as últimas décadas têm sido profícuas em trabalhos

arqueológicos relativos às antigas navegações oceânicas, particularmente no decorrer da

Idade do Bronze, numa linha de investigação necessariamente independente da seguida para o

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A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem

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espaço mediterrâneo – diferentes mares, diferentes realidades e opções. Estes trabalhos têm

vindo a explorar alguns dos raros vestígios de embarcações deste período, além de

revisitaram os respectivos contextos arqueológicos e paisagísticos. Assim, importa referir um

conjunto de achados, sobretudo localizados no estuário e foz do Rio Humber, no nordeste de

Inglaterra: os cinco barcos de casco empranchado identificados em North Ferriby, a partir de

1937, cronologicamente enquadráveis entre a 1.ª Idade do Bronze e os inícios da Idade do

Ferro (Wright, 1990; Wright et al., 2001); a prancha isolada de Kilnsea, do Bronze Médio

(Van de Noort et al., 1999); e os vestígios de outra embarcação descoberta em Brigg, esta

datada do Bronze Final (McGrail, 2001, p. 190).

A par dos achados do Rio Humber, foram assinaladas outras embarcações desta

tipologia em Inglaterra, destacando-se o barco de Dover, identificado em 1992 e datado do

Bronze Médio – 1575-1520 cal a.C. (Clark, 2004a; 2004b), além de outros vestígios

assinalados em Caldicot (Bronze Médio) e Goldcliff, no País de Gales, estes últimos

enquadráveis em cronologias do Bronze Final (MacGrail, 2001, p. 190). Em Caergwrle

(Clwyd), também foi registada uma pequena embarcação da Idade do Bronze, interpretada,

por alguns autores, como um modelo de uma embarcação maior (Denford e Farrell, 1980).

Relativamente à mais recente descoberta – o barco de Dover – esta gerou um projecto

de recriação à escala, recorrendo a técnicas e ferramentas antigas, como machados e enxós de

bronze, com a supervisão técnica de um experimentado carpinteiro naval, Brian Cumby. O

projecto de construção ao vivo e com a participação “hands-on” do público, a iniciar em

Abril de 2012, tem sede numa oficina do National Maritime Museum Cornwall, em Falmouth

(Inglaterra), durará cerca de cinco meses e é coordenado cientificamente pelo Professor

Robert Van de Noort, da Universidade de Exeter, ao abrigo do Arts and Humanities Research

Council, financiado pelo Conselho da Europa, e a culminar na exposição 2012BC: Cornwall

and the Sea in the Bronze Age at the National Maritime Museum Cornwall (13 de Abril - 30

de Setembro, 2012). O projecto conta, ainda, com uma equipa multidisciplinar de

arqueólogos e engenheiros da Universidade de Southampton e da Oxford Brookes University.

Além de recuperar o processo construtivo, o projecto de investigação pretende explorar e

experimentar a navegabilidade destas embarcações em alto-mar (http://boat1550bc.meshs.fr).

Recorde-se que, em Hjortspring, na Dinamarca, um projecto análogo, desenvolvido

entre 1997 e 2008, reconstruiu e experimentou uma embarcação, se bem que muito mais

tardia (350 a.C.), mas essencialmente similar, demonstrando que estes barcos estariam

adaptados a concretizar viagens marítimas (http://www.hjortspring.dk).

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Por seu turno, as três primeiras embarcações identificadas em North Ferriby (F1, F2 e

F3) foram recentemente re-datadas pela desconfiança nos anteriores resultados,

presumivelmente contaminados pelo “cocktail” químico de conservação administrado nas

últimas décadas. Assim, a original datação correspondente ao “Bronze Médio”, recuou para

os inícios do 2.º milénio a.C., no dealbar da Idade do Bronze, sendo a datação da embarcação

F3 a mais antiga obtida, até então, para os barcos construídos em pranchas conhecidos na

Europa Ocidental – 2030-1780 cal a.C. (Wright et al., 2001). Entretanto, um dos mais

recentes exemplares identificados (F4) foi datado dos inícios da Idade do Ferro (Switsur e

Wright, 1989), o que atesta uma contínua exploração geoestratégica daquelas águas e portos.

Os referidos achados têm sido capitais para a percepção do real alcance das

embarcações nas transformações sócio-económicas, particularmente registadas nos alvores da

Idade do Bronze, designadamente pelo seu impacto nas trocas de longa distância em torno de

2000 cal a.C.

Estamos perante embarcações assinaladas, sobretudo, em Inglaterra e no País de

Gales, tendo paralelos na Noruega, Finlândia e em algumas regiões da Índia. São construídas

em longas tábuas de carvalho e de bétula, provenientes de árvores actualmente já extintas,

com perfurações chanfradas e “costuradas” por meio de entrançados de fibras vegetais de

salgueiro e teixo, travadas por cunhas de madeira e calafetadas com musgo prensado. Esta

técnica supera a ausência de pregos, há época ainda não inventados. As pranchas eram

assentes num sistema integral de quilha e travessas que conferia rigidez ao casco, que poderia

atingir os 16 m de comprimento (MacGrail, 2001). Algumas destas embarcações

apresentaram inequívocos estigmas de ferramentas metálicas, como machados, enxós e

escopros (Van de Noort, 2003, p. 405).

No que respeita à sua génese e utilização, a discussão encontra-se em aberto.

Inicialmente, estas embarcações deverão ter sido utilizadas apenas como transporte ribeirinho

e inter-estuarino, sendo posteriormente aperfeiçoadas para uma navegação mais

“aventureira”, de costa e alto-mar. Não sendo consideradas, aprioristicamente, embarcações

de mar, os barcos de casco empranchado reúnem suficientes características para admitir uma

navegação mais afoita, tirando partido de condições meteorológicas favoráveis,

nomeadamente na travessia de grandes canais e em viagens pelo Mar do Norte. E. V. Wright

(1990), partindo do modelo de F1, sugere uma travessia do canal de Dover em menos de

cinco horas, com uma velocidade média de 5 nós, ou uma viagem até à costa holandesa em

pouco mais de 24 horas, partindo de Spurn Point, na desembocadura do estuário do Rio

Humber. O mesmo autor calcula uma capacidade de carga máxima da ordem das 11

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toneladas, provavelmente utilizada no transporte de mercadorias a granel, incluindo animais e

passageiros.

É de notar que, a maior parte destas embarcações foi identificada perto da costa, em

ambientes estuarinos, em contextos “entre-marés”, contrastando com a distribuição dos

vestígios de embarcações pré-históricas (sobretudo monóxilas), preferencialmente

identificadas em interiores braços de rio, mais a montante (Van de Noort, 1996). Esta

realidade também foi proposta para o contexto português, relativamente à comparação entre

as pirogas monóxilas identificadas no nosso país, talhadas para navegar nos rios e esteiros de

estuários, e os hippoi e gauloi, mais adequados para marear nos grandes estuários e costa

(Carvalho e Freire, 2007, p. 7).

As escavações levadas a cabo em Ferriby, entre 1978-1980, registaram uma

considerável quantidade de lascas de madeira de carvalho com marcas de ferramentas de

bronze, além de uma grande peça de madeira de carvalho, salgueiro e bétula, cujas datações

apontaram para um período entre o 3.º e o final do 2.º milénio a.C. (McGrail 1997, p. 58).

Estas evidências sugerem que as embarcações foram construídas e/ou remodeladas/reparadas

em North Ferriby, o que torna o sítio no mais antigo estaleiro conhecido no mundo. Neste

contexto, torna-se justo propor que a construção naval, a manutenção/reparação e, sobretudo,

a própria marinharia, requeriam habilidades tecnológicas muito específicas, tão ou mais

especializadas que a metalurgia. Este é um ponto tido como importante no presente discurso.

Tendo em conta a importância geoestratégica do sítio de Kilnsea, enquanto porto de

excelência na desembocadura do estuário do Humber, importante via fluvial de penetração

para os territórios do interior e, sobretudo, ponto de partida (e de chegada) da travessia para a

Europa continental, torna-se admissível considerar que a sua paisagem costeira terá adquirido

uma dimensão e um especial significado simbólico-ritual no quotidiano daquelas gentes

marítimas da Idade do Bronze – o mar como limite físico, marco paisagístico, fronteira social,

cultural, política e religiosa, um autêntico mare clausum somente passível de ser transposto

por meio das embarcações de pranchas. Cruzar esta barreira poderá ter significado uma

viagem espiritual, um ritual iniciático para os jovens membros das elites da Grã-Bretanha.

Assim sendo, as tripulações das embarcações, enquanto comitivas altamente especializadas,

ganhariam um distinto estatuto de prestígio social por via dos laços de lealdade desenvolvidos

no mar, essenciais na estabilidade do futuro poder político (Van de Noort, 2003, p. 412). As

frotas e os seus marinheiros afirmar-se-iam como destacados agentes na veiculação de

mercadorias de prestígio, de impulsos culturais, de conhecimentos de vanguarda e de

legitimação do poder das elites.

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Porém, navegar o mar não constitui um empreendimento necessariamente mais

arrojado e perigoso que navegar o rio. Por exemplo, ainda hoje, o Rio Humber é tido como

um dos mais traiçoeiros do mundo. Com uma largura máxima de 14 km, um traçado

labiríntico e de difícil praticabilidade, com fortes correntes e bancos de areia em constante

mutabilidade, o Humber requer uma pilotagem precisa e experimentada (Pethick, 1990). A

paisagem terrestre torna-se, assim, capital para uma navegação à vista, propiciando

referências visuais para a pilotagem e para a marcação dos canais navegáveis do labirinto

estuarino. Neste sentido, a literatura clássica foi sugerindo o posicionamento de monumentos

enquanto útil ferramenta para os processos de navegação e pilotagem durante a Idade do

Bronze do Mediterrâneo (Severin, 1987).

Em suma, o registo artefactual das Ilhas Britânicas valida a indiscutível realidade da

navegação marítima nas trocas de longa distância, desde o Neolítico Final/Calcolítico e, em

particular, durante a Idade do Bronze, propiciando a dispersão de modelos culturais. Estes

itens exógenos têm vindo a ser frequentemente exumados, nomeadamente na região de

Wessex, mas também noutros lugares da Grã-Bretanha e Europa Continental, em ambas as

costas do Mar do Norte e Mar da Irlanda, sobretudo em ricos contextos funerários. Trata-se

de um valioso pacote de artefactos importados, associados à ascensão social de elites em

comunidades pré e proto-históricas, estabelecendo e legitimando o seu emergente poder, além

de significarem uma clara manifestação do desenvolvimento sócio-económico e da respectiva

cultura material (Bradley, 1984).

Torna-se pois plausível que o novo tipo de barco, surgido nas Ilhas Britânicas em

torno de 2000 cal a.C., tenha permitido a manutenção e expansão das elites e das suas redes

de troca de bens de prestígio, através do Canal Inglês, Mar da Irlanda e em todo o Mar do

Norte. Estas embarcações terão proporcionado novas janelas de oportunidade para o acesso

aos bens, ideias e conhecimentos, estimulando novas expressões de status social, político,

religioso e tecnológico, numa ruptura com as seculares sociais tribais.

Os resultados dos estudos sobre as embarcações norte-atlânticas da Idade do Bronze

configuram, deste modo, uma situação muito distante, quer em termos técnicos, quer de

eficácia, relativamente aos modelos conhecidos para o Mediterrâneo, nomeadamente para os

incontornáveis dados dos naufrágios turco dos cabos de Ulu Burun (século XIII a.C. – Pulak,

1988; 1994; Bass et al. 1989) e Gelidonya (século XII a.C. – Bass, 1967, 2005), e do

naufrágio do Cabo Giglio, na Etrúria (século VII a.C. – Bound e Vallintine, 1983).

Por outro lado, se o Mediterrâneo da Idade do Bronze se encontra relativamente bem

estudado, numa perspectiva sobre as antigas navegações (Aubet, 1994), descontando as

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naturais limitações desta investigação, já as peninsulares costas atlânticas continuam

deficitárias de trabalhos direccionados para estas realidades.

Ainda assim, para a Idade do Ferro e em Portugal, de referir a descoberta, na “Baixa

Pombalina” de Lisboa, na Rua dos Correeiros, de um fragmento cerâmico apresentando uma

representação estilizada de uma embarcação de proa e popa proeminentes, com um leme

traseiro e um mastro central, passível de enquadramento na tipologia dos hippoi fenícios (ver

fig. 145 – Amaro, 1995, apud Arruda, 1999-2000, p. 28; Arruda e Vilaça, 2006, p. 39).

Também na Quinta do Almaraz, em Almada, foram exumados dois fragmentos cerâmicos

apresentando representações iconográficas de embarcações presumivelmente enquadráveis

nesta tipologia (ver fig. 145 – Barros in Cardoso, 2004, apud Arruda e Vilaça, 2006, p. 39).

Os hippoi tinham como principal característica identificativa a sua proa esculpida

(prótomo) numa “carranca” em forma de busto de cavalo – a origem do nome “hippoi”.

Podendo atingir os 8-10 m de comprimento, estas embarcações “redondas” eram

propulsionadas pela força braçal (remos) e pelo vento (velas quadradas), sendo

presumivelmente utilizadas na pesca e navegação costeira; enquanto os gauloi podiam atingir

os 25 m de comprimento e “calar” até aos 2 m (Arruda, 1999-2000, p. 26; Arruda e Vilaça,

2000, p. 38).

Mais a sul, no Esteiro da Galé, a 2 km para montante da foz do Rio Mira, Estácio da

Veiga terá documentado uma “piroga” monóxila5 (Veiga, 1891, p. 142) a que atribuiu uma

cronologia romana ou pré-romana. Porém, o achado foi totalmente destruído antes de poder

ser removido, nada chegando aos nossos dias, o que poderia ter permitido o seu melhor

esclarecimento tipológico e cronológico. O mesmo investigador também refere achados deste

tipo em Peniche, sendo de igual modo inconclusivos (Arruda e Vilaça, 2006, p. 41). No Rio

Lima, perto de Lanheses, foram registadas, entre 2002 e 2003, duas pirogas monóxilas

datadas entre o século 4.º e o século 2.º a.C. (Alves e Rieth, 2007). Perto do Castro Gueifães

(Matosinhos), mais uma notícia de um destes “avistamentos” (Filgueiras, 1980, apud Arruda

e Vilaça, 2006, p. 41). Estas embarcações, não obstante o seu primitivismo, manifestam um

amplo espectro crono-geográfico. “As Gauloi e as Hippoi deveriam ter sido as naves

utilizadas com maior frequência na navegação costeira e em altura, e os barcos de pele e as

canoas monóxilas na navegação costeira e fluvial” (Carvalho e Freire, 2007, p. 7).

Posto isto, e na ausência de evidências directas para remotas actividades marinheiras,

há que procurar outros indícios, nem sempre tão óbvios. Por exemplo, antes e após o advento

5 Apontamento facultado por Rui Parreira, o qual se agradece.

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A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem

130

dos metais, o Homem recorreu a poitas e âncoras de pedra para fixar as embarcações nas suas

primárias actividades. Estão em causa blocos de pedra, geralmente de grosseira forma

trapezoidal, circular ou triangular, apresentando perfurações no lado menor (1, 2 ou 3) ou

entalhes laterais para a passagem do cordame de fixação.

O recurso ao metal em âncoras só se encontra documentado a partir do séc. VII a.C.,

enquanto a utilização da pedra é registada de forma continuada até aos dias de hoje, com

variadíssimos casos de reutilização como poitas de fundeadouro, o que levanta grandes

dificuldades de contextualização e datação.

Consciente da sua importância, Honor Frost elaborou uma tipologia para as âncoras

líticas recuperadas por toda a orla do Mediterrâneo, procurando esboçar um mapa das rotas

percorridas por embarcações desde a Idade do Bronze (Frost, 1972; 1985). O estudo destas

peças líticas permite identificar os fundeadouros e os “proto-portos” dos primeiros

navegantes, oferecendo dados fundamentais acerca da dimensão das embarcações que

fixavam, da sua proveniência e do carácter das navegações que praticavam – cabotagem ou

alto-mar. A utilização de âncoras de pedra encontra-se documentada, por exemplo, no já

referido naufrágio do Bronze Final do promontório de Ulu Burun (Turquia), onde foram

assinaladas sete grandes âncoras líticas (Pulak, 1994).

Também em Portugal têm sido identificados diversos casos, sobretudo trazidos “à

tona” por pescadores e mergulhadores. Foi o caso do exemplar recuperado por mergulhadores

ao largo do Farol da Guia, em Cascais (fig. 149). Trata-se de uma âncora lítica de dois

orifícios, de forma trapezoidal bastante alargada, que pela sua tipologia foi enquadrada na

segunda metade do 1.º milénio a.C. (Carvalho e Freire, 2007, p. 6, cf. Frost, 1970). No Museu

do Mar Rei D. Carlos (Cascais), onde foi depositada, também se pode observar outro

exemplar, de forma triangular e um orifício, recuperada no Algarve nos anos de 1980 (fig.

150 – Carvalho e Freire, 2007, p. 6). De facto, até à data, parece ter sido nas costas algarvias

que se identificou o maior número destas peças, designadamente em Albufeira (Simplício,

1999, p. 8-9). Ainda que muitas vezes descontextualizados, lá vão surgindo diversos

exemplares expostos em alguns museus. Também no Sado (Carvalho e Freire, 2007, p. 7) e

na Arrábida (mergulhos promovidos pela Câmara de Sesimbra) têm surgido notícias acerca

destes objectos, porém não foi possível, até ao momento do fecho do presente texto, precisar

melhor estas últimas informações orais.

A par das âncoras líticas, também as pedras de lastro podem oferecer uma imagem das

dimensões, envergadura e capacidade de carga de uma embarcação. Em casos de naufrágio,

nada restando da estrutura decomposta de uma nave, o conjunto lítico de lastro pode esboçar,

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A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem

131

ainda que muito tenuemente, o seu negativo morfológico. Por outro lado, a análise das

características geológicas das pedras de lastro pode indicar, pelo menos, o último porto em

que a embarcação descarregou, pois a carga útil, após o desembarque e na ausência de nova

carga, era substituída por uma carga de lastro, permitindo estabilidade na viagem de regresso.

Estes conjuntos líticos eram frequentemente abandonados junto dos portos, facto que pode

constituir uma boa base de trabalho para futuras prospecções, tanto na linha de praia, como no

leito subaquático do Portinho da Arrábida, com vista à identificação de pedras roladas, de

volumetria média e fora de contexto geológico, expectáveis evidências que, sendo atestadas

pela Geologia, poderiam indicar origens exógenas.

Por seu turno, temos os portos e as respectivas estruturas portuárias: estacadas,

passadiços e cais palafíticos, molhes e pontões de pedra, etc. Um porto é, por definição, um

local de abrigo, surgidouro, ancoradouro e varadouro de embarcações, podendo também

designar, por extensão, a povoação estabelecida a partir deste – “pensamos que as

características morfológicas de um porto são de tal modo importantes que a análise de tipo

arqueológico que delas se possa fazer transcende os contextos culturais e geográficos” (Blot

e Blot, 2003, p. 54-61).

Para épocas pré e proto-históricas, são escassos os vestígios directos que tenham

perdurado até aos nossos dias, tanto pela própria natureza dos materiais empregues na sua

construção, como pela acção da hidrodinâmica fluvio-marítima, causadora de destruição pela

erosão e ocultação pela sedimentação. No entanto, a utilização náutica de um sítio

naturalmente abrigado deixa sempre vestígios no fundo aquático, desde a simples poita,

âncora, pedras de lastro ou total naufrágio, passando por objectos acidentalmente perdidos ou

deliberadamente lançados “borda fora”.

O facto de um sítio ter funcionado como desembarcadouro não implica,

necessariamente, a presença de estruturas, não lhe retirando, ainda assim, a identidade

fundacional de um futuro porto. “Nestes casos o que o arqueólogo busca é por vezes uma

memoria atestando a demanda sistemática desse local, quer como apoio (aguada, provisões

alimentares, escala técnica para reparações), quer em termos de trocas, isto é, de comércio,

de contactos de gente” (ob. cit., p. 51).

Na detecção destes “proto-portos” há que procurar, “não elementos construídos, mas

sim “talhados” na rocha de abrigos costeiros, ou, ainda, aproveitando rochas à flor das

águas, recifes paralelos à costa e até ilhas costeiras, funcionando como abrigos susceptíveis

de receber este tratamento rudimentar” (Blot e Blot, 2003, p. 61, cf. Frost, 1972). Esta

lógica, aplicada à costa portuguesa, poderá ser válida para sítios como a Ilha do Pessegueiro

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A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem

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(Sines) e praia do Martinhal (Sagres/Vila do Bispo) onde, ainda hoje, as suas cénicas ilhas

rochosas continuam a proporcionar abrigo ao ancoradouro (Blot e Blot, 2003, p. 54). Este

modelo também poderá ser extensível à Arrábida, se associarmos a Pedra da Anicha ao

Portinho da Arrábida (ver figs. 152-156).

Se na Idade do Bronze navegamos em “mares de conjecturas”, ainda assim a

investigação arqueológica assinalou alguns prováveis vestígios de estruturas portuárias pré-

romanas no nosso território: em Santa Olaia, na foz do Mondego (Figueira da Foz – Rocha,

1905, apud Arruda, 1999-2000, p. 30; Arruda e Vilaça, 2006, p. 43); em Abul, na margem

direita do Sado, entre Setúbal e Alcácer do Sal, onde foram descobertas estruturas

interpretadas como arquitecturas portuárias datadas da segunda metade do séc. VII a.C.

(Mayet e Silva, 2000; Arruda e Vilaça, 2006, p. 43); a que poderão ainda acrescentar-se as

evidências verificadas em Cacilhas, na base de Almaraz (Barros, 1998, apud Arruda, 1999-

2000, p. 30; Arruda e Vilaça, 2006, p. 44).

Com a intensificação das rotas marítimas, as tradicionais técnicas de orientação

tornaram-se insuficientes. À orientação visual pelas naturais referências físicas da costa

(eventualmente cromatizadas), por corpos celestes, pelo avistamento de aves, por sinais de

fumo e por reflexos solares, o engenho humano acrescentou os “ciclopes de luz” – os faróis (e

outras estruturas de sinalização à navegação).

Em Portugal, mais precisamente em Alcabideche (Cascais), alguns autores (Arruda,

1999-2000, p. 29; Arruda e Vilaça 2006, p. 44-45; Fabião, 2009, p. 66) admitem a existência

de uma destas antigas estruturas de sinalética náutica – o Espigão das Ruivas. Trata-se de um

alto rochedo situado a sul do Cabo da Roca, proporcionando uma pequena plataforma de

implantação onde foram registados indícios de ocupação enquadráveis na Idade do Ferro e

Período Romano (base de dados Endovélico). O sítio registou a ocorrência de cerâmica

diversa, nomeadamente sigillata, uma argola de bronze e um anel, além de uma sepultura

violada de tipo “cista” (ob. cit.), o que nos pode remeter para cronologias da Idade do Bronze.

Os trabalhos realizados (Cardoso, 1991; Cardoso e Encarnação, 1993) revelaram uma

invulgar estrutura de planta rectangular e discreta entidade, associada a abundantes vestígios

de fogo (carvões). A reduzida dimensão da plataforma, praticamente ocupada pela referida

estrutura (mesmo descontando alguma erosão a que terá sido sujeita), as características e cota

de implantação da estrutura e a abundância de carvões associados, constituem características

que, no seu conjunto, não permitem outras leituras senão a sua função enquanto estrutura de

apoio à navegação nocturna, contrariando a original interpretação dos escavadores: um

templo dedicado ao sol e à lua, em relação com o pequeno porto de abrigo na sua adjacência –

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A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem

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Porto Touro (Arruda, 1999-2000, p. 29; Arruda e Vilaça, 2006, p. 44-45).

Na Arrábida, precisamente no Cabo Espichel, Estrabão, na sua Geographia, faz

referência, no século I a.C. (podendo ser eventualmente anterior), a uma torre com funções de

farol (Blot e Blot, 2003, p. 60). Também no pequeno cabo do Outão, em Setúbal, promontório

que “defende” a linha da barra do Sado, “Jorge de Alarcão, ao que parece guiado por

sugestão de V. Mantas (Mantas, 1996), chamou a atenção para a provável existência de um

elemento de sinalização desse tipo na zona do Outão, marcando a entrada do estuário do

Sado” (Alarcão, 2004, p. 317-325, apud Fabião, 2009, p. 66).

Fig. 141 – A hipotética reconstituição da chegada de uma embarcação de casco empranchado (F1) a North Ferriby/Inglaterra (seg. John Craig, in Wright, 1990).

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Fig. 142 – Planos dos barcos de Dover, Ferriby e Brigg para comparação (in Clark, 2004b).

Fig. 143 – Localização das embarcações de casco empranchado em Inglaterra e Gales (in Clark, 2004b).

Fig. 144 – The Dover boat under sail? (in Clark, 2004b).

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Fig. 145 – Representações estilizadas de embarcações da 1.ª Idade do Ferro assinaladas em Portugal: a 1.ª e a 2.ª imagem referem-se a um fragmento cerâmico identificado na Rua dos Correeiros, em Lisboa (seg. Amaro, 1995, apud Arruda, 1999-2000, p. 28; Arruda e Vilaça, 2006, p. 39); a 2.ª e a 3.ª imagem reportam-se a dois fragmentos cerâmicos registados na Quinta do Almaraz, em Almada (seg. Barros in Cardoso, 2004, apud Arruda e Vilaça, 2006, p. 39).

Fig. 146 – Tabela de âncoras líticas mediterrâneas (seg. Linder e Raban, 1975, in Simplício, 1999, p. 7).

Fig. 147 – Poita do norte de Portugal (seg. Baldaque da Silva, 1891, in Simplício, 1999, p. 8).

Fig. 148 – Anzol de “cobre” da Lapa da Furada (seg. Cardoso e Cunha, 1995, p. 16).

Fig. 149 – Âncora lítica de 2 orifícios recuperada na Guia, em Cascais (seg. Carvalho e Freire, 2007, p. 6).

Fig. 150 – Âncora lítica de 1 orifício recuperada no Algarve (seg. Carvalho e Freire, 2007, p. 6).

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A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem

134

7.2. O Sado e o “Porto(inho)” da Arrábida

“A Arrábida é a maior quebra de direcção do litoral ocidental português”. Orlando Ribeiro, 2004

De facto, considerando a incontornável realidade decorrente da epígrafe supracitada,

ou seja: que qualquer embarcação proveniente de sul, depois de dobrar o Cabo de São

Vicente/Sagres e seguindo para norte, necessariamente à vista da costa, incorre na

inevitabilidade de “esbarrar” no litoral da Arrábida – acidente orógeno que conduz

naturalmente os marinheiros para a convidativa placidez das águas do Sado6.

À margem desta “intemporal” observação, e por hora, ainda não existem dados

arqueológicos, na forma de directos indicadores, relativos a antigas embarcações ou estruturas

de apoio à navegação na costa da Arrábida. Contudo, a sua aparente ausência não deverá

implicar uma total inexistência. A actual “invisibilidade arqueográfica” destas actividades

deverá prender-se com a falta de uma investigação dirigida, que por muito aprofundada que

seja, nunca poderá garantir sucesso nestas submersas matérias.

Tendo em conta os seus progressivos fenómenos de assoreamento, o paleoestuário do

Rio Sado terá conhecido uma antiga e muito mais vasta configuração, cuja navegabilidade

propiciou, seguramente, actividades náuticas, nomeadamente durante a Proto-História,

melhor documentadas (ainda que de forma indirecta) no decorrer da Idade do Ferro e época

romana. Os dados disponíveis parecem indicar que, no decorrer da Idade do Ferro, a foz do

Sado se fixaria nas margens da Herdade do Pinheiro (Silva, 1990, p. 121), enquanto a

península de Tróia seria menos prolongada, terminando no seu núcleo romano – “Caldeira”.

Até aos anos de 1970, o Sado foi navegável até ao interior alentejano, tendo em Porto

de Rei o seu porto-limite de navegabilidade, a cerca de 46 km da foz atlântica. Constitui um

vasto complexo hidrográfico, com cerca de 70 km de extensão no seu troço vestibular,

intimamente relacionado com a Serra da Arrábida que o limita a norte (Arruda, 1999-2000, p.

21). Na sua antiga configuração litoral, de estuário mais vasto, Alcácer do Sal terá assumido

funções de terminus fluvio-portuário, com navegação directa até ao litoral (à imagem de

Santarém para o paleoestuário do Tejo). Na sua desembocadura, Caetobriga (Setúbal) e a

Tróia romana terão assumido um papel de terminus oceano-portuário.

Nas décadas de 60/70 do século passado, ainda era possível observar a regular

circulação de grandes embarcações tradicionais, de considerável calado e aparelhando velas

“caranguejas” (quadrangulares), designadamente Hiates, Laitaus e, sobretudo, Galeões do 6 Caso o destino seja o Tejo, e em alternativa à entrada no estuário do Sado, a Arrábida proporciona excelentes pontos de escala com abrigados fundeadouros, particularmente nas suas duas principais baías – Sesimbra e Portinho da Arrábida. De facto, entre o Cabo de São Vicente/Sagres e a Arrábida são escassos os possíveis pontos de escala e abrigo: Foz do Mira, Ilha do Pessegueiro, Sines, Melides (provável porto no interior de um antigo braço de mar, hoje transformado em lagoa).

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A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem

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Sal. Estas serviam as grandes herdades do Baixo Sado e asseguravam o transporte fluvial e a

comunicação entre estes centros produtores e os entrepostos portuários de Alcácer e de

Setúbal, entretanto e progressivamente condenadas à substituição pela camionagem e

caminhos-de-ferro. De entre as cargas que transportavam destaca-se o sal e os cereais,

sobretudo o arroz. Este modelo poderá ter tido uma génese bem remota, à imagem do

documentado noutras paragens, designadamente no Rio Humber, na Grã-Bretanha (vide

supra).

Estudos paleoambientais, nomeadamente palinológicos, proporcionaram importantes

informações para a interpretação do sítio inter-estuarino de North Ferriby. Tendo em conta

que o pólen arbóreo já se manifestava relativamente raro durante a Idade do Bronze, a área

deverá ter sido desmatada para pastagem e cultivo extensivos, o que demonstra que a

exploração agropecuária do sapal e do seu ambiente estuarino já era uma realidade durante

este período (Wright e Churchill, 1965). Na área de North Ferriby, também foram

identificadas numerosas pegadas “fossilizadas” de animais, atribuídas a uma extensa

actividade de pastoreio nas suas ricas pastagens (Van de Noort e Fletcher, 2000).

Posto isto, e regressando em definitivo à Arrábida e à sua envolvente, o Sado e o

Portinho ter-se-ão afigurado, desde cedo e muito naturalmente, como privilegiados pontos de

contacto com o Oceano, a meio caminho entre o mundo mediterrâneo e o mundo atlântico,

ligando-os numa efectiva “placa giratória”, colectora, aglutinadora e (re)distribuidora de

novos modelos/valores culturais e tecnológicos.

Mesmo na ausência de provas directas, o Portinho da Arrábida oferece-nos um

conjunto de sugestivos indícios para uma remota actividade portuária. Desde logo o próprio

topónimo “Portinho” e as suas características naturais e geomorfológicas; o fácil acesso a

uma franca disponibilidade loco-regional de recursos naturais, destacando-se a proximidade

de fontes de água, boa capacidade de solos, boas áreas de pastoreio, facilidade na recolecção

marisqueira e abundância e diversidade pesqueira e cinegética; o povoado do Bronze Final da

Serra da Cela, implantado de forma demasiado óbvia enquanto presumível estrutura de apoio,

domínio e controlo sobre o ancoradouro e as suas vias de aproximação; a proximidade à

grande via do Sado e às ribeirinhas implantações orientalizantes de Abul e Alcácer (e

Caetobriga?), além das suas suspeitáveis áreas de produção agro-pecuária e salineira; por

último, as evidências arqueológicas do complexo de salga de produtos piscícolas do Creiro

(estabelecimento de fundação romana, laborando entre o século I e o século V d.C.,

reactivado no século XII, já em época islâmica – Silva e Coelho-Soares, 1987), arqueossítio

que comprova a actividade portuária no Portinho desde, pelo menos, época romana.

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Assim, o Portinho, controlado pelo povoado da Serra da Cela, e a presumível rede de

povoamento da Idade do Bronze no seu hinterland, deveriam ser beneficiados por contactos

que a relativa marginalidade das suas gentes doutro modo dificilmente aspiraria – a

excepcionalidade do caso da Roça do Casal do Meio pode ser vista agora desta perspectiva.

Neste sentido, o Portinho surge como o melhor candidato a um “porto” do Bronze

Final, em directa relação, qual “porta do mar”, com a principal zona de povoamento coevo

identificada na Arrábida, implantado ao longo de uma área definida entre este, a Serra do

Risco e Pedreiras. Esta “porta”, aberta a sul, ligava a Arrábida à grande via fluvial do Sado,

ao Atlântico e, através deste, ao Mediterrâneo. Era defendida directamente pela Serra da Cela

e controlada pela “atalaia” de Valongo, no topo da Arrábida. Papel análogo e complementar,

mas já para a Idade do Ferro, poderá ter sido desempenhado pela baía de Sesimbra, em cujo

hinterland aparentemente se desenvolveu o principal povoamento atribuível a este período.

Justamente e a este propósito, parece aflorar uma verdadeira “diferenciação

territorial”, marcada a partir dos dois principais pólos portuários da Serra da Arrábida – a baía

de Sesimbra e a baía do Portinho (ver fig. 9). Desenvolvendo esta ideia, tendo por base os

dados disponíveis, parece que o povoamento indígena do Bronze Final se relacionou

claramente com o Portinho da Arrábida (a “porta do mar”, o “caminho do peixe”); enquanto,

na 1.ª Idade do Ferro, os dois núcleos de povoamento identificados parecem concentrar-se na

vertente nascente do vale de Sesimbra, sobre a sua baía: um primeiro no sopé da Serra da

Achada, no sítio da Meia Velha, dominando visualmente a baía e distando perto de 3 km da

necrópole de cistas da “1.ª Idade do Ferro” (?) do Casalão, no topo da “nascente” do vale; e o

segundo, mais interior, nas Pedreiras – Casa Nova.

De acrescentar que ambos os sítios fixaram-se a pouco mais de 1 km da Lapa da

Cova. Nesta ordem de ideias, de referir, ainda, que no “povoado portuário” da Serra da Cela,

os materiais identificados à superfície, passíveis de enquadramento em cronologias da Idade

do Ferro, são muito residuais (um bordo exvertido e um fundo em “pé de anel”, no total de

quatro fragmentos), face à totalidade de uma boa amostra de materiais relativos ao Bronze

Final.

Segundo Ana Margarida Arruda, alguns sítios da costa portuguesa apresentam boas

condições portuárias de ordem natural, com baías e enseadas onde as embarcações podiam

fundear ou atracar, protegidas dos ventos e correntes marítimas. Estas favoráveis condições

seriam naturalmente exploradas pelas comunidades indígenas, sobretudo nas suas actividades

mais primárias, restando-nos saber se estes potenciais portos se associam a áreas com

interesse económico, particularmente para os comerciantes fenícios (Arruda, 1999-2000, p.

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A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem

137

30).

Em épocas em que os transportes terrestres eram lentos, onerosos, inseguros ou

totalmente impraticáveis ou inexistentes, os pequenos portos terão assumido, assim, uma

fundamental importância para as locais economias de subsistência. É neste contexto, e

segundo esta perspectiva, que o presente discurso pretende enquadrar o “Porto(inho) da

Arrábida” – “dada a importância dos portos no abastecimento dos centros urbanos mais

próximos, não podíamos deixar de lado esses enclaves costeiros que, tanto em contexto

fluvial, como oceânico numa versão estuarina, funcionam como órgãos vitais para o

desenvolvimento, ou mesmo para a formação dos centros urbanos” (Blot e Blot, 2003, p. 55).

Porém, o assoreamento da foz do Sado, em marcha desde o Neolítico Médio,

intensificado em picos de desenvolvimento populacional documentados em época romana e

perto do século XV (Blot e Blot, 2003, p. 40-42), terá sedimentado os presumíveis vestígios

arqueológicos precedentemente produzidos ao longo das margens estuarinas e foz deste rio.

Este fenómeno é bem evidente na praia do Portinho. Hoje, é fácil observar, a partir dos

panorâmicos miradouros da encosta sul da Arrábida, uma extensa e alongada língua de areia

que se arrasta de montante, a partir da praia da Figueirinha, até ao “golfo” do Portinho, e que

ao longo dos últimos anos tem visivelmente crescido, aflorando na maré-baixa sob a forma de

ilha (“cabeço”). Assim, quaisquer indícios de antigas actividades náuticas na praia do

Portinho, a existirem, encontram-se bem ocultos pelas areias transportadas da bacia do Sado.

Ainda assim, e recuperando uma sugestiva observação que, por muito remota que seja,

merece neste contexto um futuro esclarecimento: na linha de praia do Portinho desenha-se um

“conveniente” alinhamento pétreo, formado por um conjunto de grandes blocos calcários que,

independentemente de ter tido uma origem geológica (rolamento da vertente da Serra) ou

antrópica, facilmente poderá ter servido para o apoio portuário – pequeno “pontão” (fig. 153).

Em suma, o Portinho da Arrábida (e provavelmente, numa segunda fase, também

Sesimbra), terá constituído, não só um privilegiado “caminho do peixe” (Gonçalves, 1966, p.

9) dirigido ao interior da “Península da Arrábida”, mas também, e sobretudo, um pólo de

contactos e dinâmicas que a ainda ténue evidência arqueológica começa a revelar.

Os bem documentados contactos orientalizantes, direccionados prioritariamente ao

estuário do Sado (Arruda, 1999-2000, p. 98), podem bem ter começado pelo litoral da

Arrábida, ainda que de forma “silenciosa” em termos de registo arqueológico, tanto mais que

as características tipológicas dos bronzes da Roça do Casal do Meio parecem remeter para um

precoce contacto mediterrâneo. Uma primeira contribuição para o esclarecimento desta

questão pode bem passar pelo estudo arqueometalúrgico das ligas constituintes destas peças,

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A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem

138

o que poderá permitir diferencia-las, quer como cópias indígenas, quer como importações

(Valério, et al. 2012).

Fig. 151 – A presumível rota das navegações proto-históricas Mediterrâneo-Arrábida-Sado (imagem editada em Google Earth).

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Fig. 152 – Vista nascente da linha de praia do Portinho da Arrábida e Pedra da Anicha (foto de R. Soares).

Fig. 153 – Vista poente da linha de praia do Portinho, com a Serra da Cela à direita e um sugestivo alinhamento pétreo, bem visível no canto inferior esquerdo da imagem (foto de R. Soares).

Fig. 154 – Praia da Ilha do Pessegueiro/Sines (foto de R. Soares). Fig. 155 – Praia do Martinhal/Sagres (foto de R. Soares).

Fig. 156 – Vista poente da enseada do Portinho da Arrábida, com a Serra da Cela ao centro da imagem e o actual fundeadouro na sua “sombra” (foto de R. Soares).

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Designação do Sítio Tipo de sítio Cronologias Vestígios Bibliografia Coordenadas geográficas

Terras do Risco/Meio Marmitas Pedreiras (Serra do Risco/Sesimbra)

Grande povoado aberto/complexo de “casais-agrícolas”

- Bronze Final - Cerâmica manual: bordos simples, fundos planos, carenas, mamilos, perfurações - Elemento de foice em sílex

- Calado et al., 2009 38°27'38.05"N 9° 2'5.54"W

Castelo dos Mouros (Serra da Arrábida/Setúbal)

Povoado fortificado de altura

- Calcolítico Final(?) - Bronze Final - “Finais da Idade do Ferro/Período Republicano(?)”

- Cerâmica campaniforme com decoração incisa(?) - Cerâmica manual do Bronze Final: bordo simples, fundos planos, carenas e mamilos

- Rasteiro, 1897 - Silva e Soares, 1986 - Silva e Gomes, 1992 - Ferreira et al., 1993 - Cardoso, 2000 - Calado et al., 2009

38°29'17.32"N 8°59'50.54"W

Serra da Cela (Serra da Arrábida/Setúbal)

Povoado fortificado de altura/“portuário”(?)

- Bronze Final - Idade do Ferro

- Seixos e lascas talhados em quartzito e quartzo leitoso, percutor em basalto, movente discóide - Cerâmica manual: bordos simples, fundos planos, perfis em “S”, taças carenadas, mamilos, perfurações, brunidos não ornatados - Cerâmica a torno: pastas claras, depuradas, um bordo exvertido e um fundo em “pé de anel”

- Costa, 1907 - Ferreira et al., 1993 - Ricardo Soares, 2009

38°28'22.77"N 8°59'12.54"W

Valongo I (Serra da Arrábida/Setúbal)

Povoado fortificado de cumeada

- Bronze Final - Cerâmica manual: carenas, perfil em “S” - Fragmento de braçal de arqueiro (ocasional)

- Inédito 38°29'39.93"N 8°58'20.05"W

Valongo II – “Atalaia” (Serra da Arrábida/Setúbal)

“Posto de atalaia” - Bronze Final - Cerâmica manual - Inédito 38°29'31.85"N 8°58'27.94"W

Bico dos Agulhões (Serra da Arrábida/Setúbal)

“Posto de Atalaia”(?) Povoado?

- Bronze Final(?) - Idade do Ferro(?) - Republicano(?)

- Cerâmica manual - Cerâmica a torno: bordos exvertidos - Estrutura(?)

- Base de Dados Endovélico

38°27'29.97"N 9° 0'37.84"W

Quinta do Picheleiro (Serra da Arrábida/Setúbal)

“Casal agrícola” - Bronze Final - Cerâmica manual: fragmento de bojo com arranque de mamilo, bordo simples - Elemento de foice em sílex

- Inédito 38°30'26.79"N 8°58'31.78"W

Ouriços 2 (Terras do Risco)

Povoado - Neolítico Final/Calcolítico

- Fragmentos de cerâmica manual - Lascas de quartzo e quartzito

- Calado et al., 2009, p. 99

38°27'29.06"N 9° 1'33.20"W

Meia Velha (Serra da Achada/Sesimbra)

Estação de ar livre - Bronze Final - 1.ª Idade do Ferro

- Cerâmica manual - Cerâmica a torno: asa de rolo e bordos exvertidos - Restos de muros de aparelho calcário, desenhando um ângulo recto

- Calado et al., 2009, p. 123

38°26'31.18"N 9° 5'1.52"W

Casa Nova (Pedreiras/Sesimbra)

Estação de ar livre - Bronze Final - 1.ª Idade do Ferro

- Cerâmica manual: bordos simples e fundos planos - Cerâmica a torno de pastas claras: bordos exvertidos - Estrutura pétrea de cronologia e função indeterminadas

- Calado et al., 2009, p. 89

38°27'4.60"N 9° 3'50.29"W

Caetobriga (Setúbal) – Colina de Santa Maria (área urbana)

Povoado - Bronze Final - 1.ª Idade do Ferro

- Cerâmica manual de feição indígena - Cerâmica “orientalizante” de engobe vermelho - Cerâmica ibero-turdetana e ânforas ibero-púnicas

- Silva e Soares, 1978; 1986 - Silva, 1990 - Silva e Gomes, 1992 - Ferreira et al., 1993 - Arruda, 1999-2000 - Cardoso, 2000 - Soares, 2000

38°31'26.05"N 8°53'13.50"W

Roça do Casal do Meio (Terras do Risco/Sesimbra)

Necrópole Tholos

- Neolítico Final/Calcolítico - Bronze Final

- Dois enterramentos - Três recipientes de cerâmica manual: vaso bicónico com reticula brunida e duas taças carenadas - Objectos de bronze: fíbula, anel, colchete de cinturão e duas pinças - Pente de marfim - Duas cabras e dois carneiros (depósito votivo)

- Spindler et al., 1973-74 - Silva e Soares, 1986 - Serrão, 1994 - Silva e Gomes, 1992 - Arruda, 1999-2000 - Vilaça e Cunha, 2005

38°27'46.29"N 9° 2'13.12"W

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- Harrison, 2007 - Calado et al., 2009

Lapa do Fumo (Serra dos Pinheirinhos/ Sesimbra)

Gruta-santuário(?) Necrópole

- Neolítico Antigo - Neolítico Final - Calcolítico - Bronze Médio - Bronze Final - Medieval

- Espólio osteológico - Cerca de 20 vasos com “ornatos brunidos”

- Serrão, 1958, 1973, 1975, 1994 - Silva e Soares, 1986 - Calado et al., 2009

38°26'2.07"N 9° 8'39.56"W

Lapa da Furada/Piolho (Serra da Azóia/Sesimbra)

Gruta-santuário(?) Necrópole

- Calcolítico - Bronze Médio - Bronze Final(?)

- Ossuário de deposição secundária - Cerâmica manual da Idade do Bronze: taças carenadas, perfis em “S”, fundos planos, “tronco-cónicos”, “cepilhados”, bordos exvertidos, lábios digitados, cordões plásticos

- Serrão, 1962, 1994 - Cardoso, 1993, 1997 - Cardoso e Cunha, 1996 - Calado et al., 2009

38°25'45.88"N 9°10'28.24"W

Gruta do Médico (Vale do Solitário/Serra da Arrábida/Setúbal)

Gruta-santuário(?) Necrópole

- Bronze Final - Cerâmica manual: bordo simples, fundo plano e brunidos - Vestígios osteológicos humanos (duas vértebras lombares e dentes)

- Inédito 38°28'6.57"N 8°59'50.89"W

Lapa da Cova (Serra do Risco/Sesimbra)

Gruta-santuário - Bronze Final - 1.ª Idade do Ferro

- Cerâmica manual, incluindo um mamilo alongado no acesso poente - Cerâmica a torno, sobretudo grandes recipientes - Artefactos de bronze e ouro - Contas de colar em diversos materiais

- Inédito 38°26'25.66"N 9° 3'51.44"W

Abrigo do Cabo de Ares (Serra da Achada/Sesimbra)

Lapa/abrigo - Bronze Final - Cerâmica manual - Inédito 38°26'24.45"N 9° 3'53.24"W

Lapa do Forte do Cavalo (A) (Sesimbra)

Gruta-santuário(?) Necrópole(?)

- Bronze Final - 1.ª Idade do Ferro

- Cerâmica manual - Cerâmica a torno, incluindo bordos

- Calado et al., 2009, p. 119

38°26'6.62"N 9° 7'15.42"W

Lapa da Janela I (Vale das Lapas/ Serra da Azóia/Sesimbra)

Gruta-santuário(?) - Bronze Final - 1.ª Idade do Ferro

- Cerâmica brunida - Cerâmica a torno: bordos exvertidos e asas de rolo

- Calado et al., 2009, p. 115

38°25'36.26"N 9°10'33.31"W

Lapa da Janela II (Vale das Lapas/ Serra da Azóia/Sesimbra)

Gruta-santuário(?) - Pré/Proto-História (?)

- Lascas de sílex e quartzito - Cerâmica manual

- Calado et al., 2009, p. 115

38°25'39.40"N 9°10'33.14"W

Lapa do Mosquito (Sesimbra)

Gruta-santuário(?) - Pré/Proto-História - Cerâmica manual - Calado et al., 2009, p. 121

“Cara do Cabo - Cabo Espichel (Azóia/Sesimbra)

Abrigos - Bronze Final(?) - 1.ª Idade do Ferro (?)

- Cerâmica manual - Cerâmica a torno

- Calado et al., 2009, p. 105

Algar das Aranhas (Serra da Arrábida/Setúbal)

Algar/gruta-santuário(?)

- Em desobstrução: cronologia desconhecida mas em provável relação como o povoado de Valongo

(?) - Inédito 38°29'38.64"N 8°58'4.25"W

Abrigo de Valongo (Serra da Arrábida/Setúbal)

Abrigo - Bronze Final(?) - Cerâmica manual decorada - Inédito

Tabela dos sítios tratados no âmbito do presente trabalho.

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