A arrábida no Bronze Final: a Paisagem e o Homem (SOARES, R., 2013)
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A ARRÁBIDA
NO BRONZE FINAL
A PAISAGEM E O HOMEM
Mestrado em Arqueologia
Ricardo Miguel Simão Soares
2012
Universidade de Lisboa
Faculdade de Letras
Departamento de História
A ARRÁBIDA
NO BRONZE FINAL
A PAISAGEM E O HOMEM
Ricardo Miguel Simão Soares
(Aluno N.º 35052)
Dissertação de Mestrado em Arqueologia
apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa
sob a orientação do Professor Doutor João Carlos de Senna-Martinez
Lisboa, Fevereiro de 2012
Universidade de Lisboa
Faculdade de Letras
Departamento de História
A presente dissertação não foi redigida ao abrigo do Acordo Ortográfico de 2009
No princípio era só o Verbo. A força criativa da Natureza espraiou-se naquelas paragens e do
barro da Terra elevou-se vaidosa, numa erupção de beleza sem igual. Depois veio o Homem,
comungando do cenário edílico que a Mãe lhe propôs...
Pela Arrábida
Resumo Muito genericamente, o presente trabalho pretende produzir uma análise de questões relacionadas com as
estratégias de povoamento das comunidades que habitaram o(s) território(s) da Serra da Arrábida no decorrer do
período histórico convencionalmente denominado de “Bronze Final”. A investigação focou-se nas áreas da Serra
da Arrábida e da Serra do Risco, estendendo-se, para poente, até às serras dos Pinheirinhos e da Azóia, na
plataforma do Cabo Espichel, e, para nascente, até à “Pré-Arrábida”, dominante sobre a foz do Sado. Para o
efeito, a Arrábida (Península de Setúbal) foi entendida como um território definido e circunscrito, a norte, pelo
Tejo, a sul, pelo Sado, e, a oeste, pelo Oceano; um território de charneira entre o Atlântico e o Mediterrâneo,
entre o Norte e o Sul, entre o litoral e o interior; um excepcional ponto de convergência de linhas naturais de
transitabilidade (terrestres, fluviais e marítimas) – um conjunto de particularidades geográficas que, associadas
às suas excelentes condições naturais de defesa, acessibilidade e abrigo de costa, à disponibilidade dos seus
recursos hídricos, marinhos e cinegéticos, além da fertilidade dos seus vales, proporcionaram um edénico
quadro, em termos de fixação humana, e ao longo da história, particularmente no decurso do Bronze Final. Isto,
sem contar com a dimensão estética das paisagens da Arrábida, aspecto que talvez não tenha sido indiferente às
comunidades que, em épocas antigas por aqui se instalaram. Posto isto, impôs-se estabelecer um “ponto da
situação”, a partir da bibliografia produzida até à data, reconhecendo e coligindo os parcos dados disponíveis e
apresentando uma resenha histórica da investigação que lhes subjaz. Para um melhor entendimento do período
em causa, e complementarmente, procedeu-se, de forma genérica, a um esboço da sua génese e evolução no
âmbito da bibliografia arqueológica europeia, destacando-se as principais questões de ordem teórica e
metodológica. Neste seguimento, face à escassez de dados regionais, foi inevitável procurar eventuais paralelos
e/ou avaliar as diferenças relativamente a modelos de ocupação traçados para outras áreas, com particular
atenção para o Sudoeste Peninsular. Tratando-se de um tema muito pouco estudado, mas onde já afloravam
contextos arqueológicos particularmente sugestivos (o monumento funerário da Roça do Casal do Meio, o
povoado do Castelo dos Mouros e algumas grutas), entendeu-se pois oportuno avançar com um trabalho de
síntese, complementado pelas novidades emergentes das cartas arqueológicas de Sesimbra (2007-2009) e de
Setúbal (em curso desde 2010), projectos integrados pelo signatário, na qualidade de arqueólogo, espeleólogo e
fotógrafo, e que têm permitido ampliar significativamente a base de dados relativa a algumas facetas da questão.
A hora ainda não nos permite obter uma perspectiva, sincrónica e de “curta duração”, do povoamento na
Arrábida ao longo do 2.º e 1.º milénios a.C. Ainda assim, facto é que a Arrábida afigura-se hoje como um
interessante “iceberg de Bronze”, do qual se pode descortinar uma florescente e vigorosa cota emersa no
horizonte cultural da última fase da Idade do Bronze do Sul da Estremadura. A avaliação global dos dados
disponíveis, acerca do povoamento e sobre o território, sugere, por um lado, uma forte articulação com as vias
de comunicação marítimas e fluviais e, por outro, a possibilidade de estarmos perante uma unidade política
coerente num território específico e individualizado.
Palavras-chave: Arrábida, Sado, Paisagens, Presença Humana, Bronze Final, a Vida e o Sagrado, Santuários
Naturais, Navegações, Sal.
Abstract The object of this work is to analyse some issues regarding the settlement strategies of the communities that
once inhabited the territory(-ies) of Serra da Arrábida (Setúbal/Sesimbra, Portugal) during the period in History
conventionally called the “Late Bronze Age”. The research work focused on two main areas – Serra da
Arrábida and Serra do Risco – but it also extended to the west, covering the areas of Pinheirinhos and Azóia
(both elevations located on the plateau of Cabo Espichel), and to the east, covering what is called the “Pre-
Arrábida”, overhanging the mouth of river Sado. For the purpose of this work, Arrábida (on the Portuguese
peninsula of Setúbal) comprises a well-defined territory, limited to the north by the river Tagus, to the south by
the river Sado and to the west by the Atlantic ocean; a strategically placed territory, a frontier between the
Atlantic and the Mediterranean, North and South, coastline and inland; an exceptional location where all natural
routes converge (land, river and sea). This incredible set of geographical peculiarities, in association with
excellent natural means of defence, accessibility and shelter, the abundance of water, fishing and game
resources, as well as the fertility of the valleys, constituted a perfect setting for human settlement throughout
history, and must have been particularly appealing during the Late Bronze Age. An additional aspect that
perhaps did not escape the attention of the communities that chose to settle down in Arrábida in ancient times is
the great beauty of this magnificent landscape. In light of all this, it was imperative to establish a “state of the
art”, based on the bibliography and data available, in order to collect and acknowledge the scarce information, as
well as to make an historical summary of the research work involved. To give a better understanding of that
period, this work includes a generic and complementary summary of its genesis and evolution in the scope of
European archaeological bibliography, highlighting the main theoretical and methodological issues. Next, and
given the scarcity of regional data, it was inevitable to look for possible parallels and/or to evaluate the
differences regarding settlement models already established for other areas, particularly for the Southwest of the
Iberian Peninsula. Although this subject has not been the object of many studies, several very suggestive
archaeological sites have come up, namely, the funerary monument of Roça do Casal do Meio, the settlement at
Castelo dos Mouros, and some caves). Therefore, it seemed appropriate to present a summary of these sites,
while at the same time complementing it with new data uncovered during the field work done for the
archaeological surveys of Sesimbra (2007-2009) and Setúbal (in progress since 2010), two projects that
contributed to increase quite significantly the existing database regarding some of the issues in discussion and in
which the author participated as archaeologist, speleologist and photographer. For the time being, it is still not
possible to have a synchronic short-term perspective of the settlement in Arrábida throughout the 2nd and 1st
millenniums BC. Nevertheless, Arrábida is seen today as an interesting “Bronze iceberg”, a place that holds
tremendous promise, because beneath its waterline there seems to be a strong and flourishing source of material
which will enrich the cultural horizon of the final period of the Bronze Age. The overall data assessment
regarding settlement and territory suggests a strong articulation with communication routes along watercourses
or sea, as well as the possible existence of a coherent political unit within a specified and contained territory.
Key words: Arrábida, Sado, Landscapes, Human presence, Late Bronze Age, Life and Sacred, Natural
Sanctuaries, Navigation, Salt.
Agradecimentos O presente trabalho não seria possível, quer na sua realização e resultado final, quer na sua original
motivação, sem o diversificado contributo de tantas pessoas que tive a satisfação de encontrar, sobretudo nos
últimos anos. A todas o dedico e a todas agradeço o apoio, inspiração e aspiração.
Destaco, desde logo, o Professor Doutor João Carlos de Senna-Martinez, por ter aceitado orientar este
trabalho, acompanhando-o com dedicado zelo, disponibilidade, competência, entusiasmo e amizade académica.
Um reconhecimento muito especial ao Professor Doutor Manuel Calado. Natural de um Alentejo sem
fronteiras que se espraiou na Arrábida, vinculou-me em definitivo à minha Serra, à sombra da qual nasci como
gente e arqueólogo. Um Mestre e amigo sempre presente, que me apresentou à Arqueologia na Faculdade de
Letras de Lisboa, conduzindo-me nas prospecções da Arrábida, na aventura da escavação da Lapa da Cova, entre
outras. Obrigado, sempre!
A todos os Professores que tive o privilégio de seguir ao longo da Licenciatura e Mestrado na
Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. É bom aprender convosco. Um agradecimento especial ao
Professor Doutor Amílcar Guerra pela simpática tradução de Plínio – “o sal da vida”.
Aos colegas com que partilhei, ao longo destes últimos cinco anos, tantos momentos de aprendizagem e
descontracção, em especial aqueles com que me liguei para a vida por via da amizade. Em especial o amigo
Miguel Amigo, colega de carteira e fiel companheiro das lides arrábidas, o Sérgio Rosa, por toda a amizade e
apoio, particularmente no tratamento digital de topografias, o Luís Cunha, pelo exemplar espírito aventureiro.
À fantástica equipa de “espeleo-arqueólogos” da Arrábida, muito em particular ao Rui Francisco (Loia)
e ao Ricardo Mendes, incansáveis guerreiros do submundo cavernícola sem os quais este trabalho não seria de
todo possível. “A Arrábida revela-se a quem a merece”. Parabéns amigos!
Ao Professor Doutor Luís Jorge Gonçalves, pela amizade, apoio e hospitalidade na Faculdade de Belas
Artes de Lisboa e nos projectos da Arrábida; ao grande Rui Mataloto, pela disponibilidade e pelas incontáveis
conversas e PDF’s; ao “arqueo-arquitecto” Pedro Alvim, obrigado pela amizade e exemplo académico; ao Pipão
(e Vera de Freitas), prosseguidor do pioneirismo de Estácio da Veiga nos territórios do “Bronze Algarvio”; à
Maria do Rosário Silva, pela longa amizade e apoio, especialmente nas profissionais traduções.
Será também justo recordar o excelente acolhimento no Museu Geológico (“o Museu dos museus”),
particularmente na pessoa do José António Moita, pela hospitalidade, boa disposição e apoio no registo
fotográfico dos materiais cerâmicos da Roça do Casal do Meio; e Centro de Documentação e Arquivo Histórico
do Museu de Portimão, por tantas horas de fruição daquele aprazível espaço e do seu útil acervo bibliográfico.
Também quero agradecer a todos os autores cujo trabalho citei ao longo do presente texto, pelo que
aprendi e pelas reflexões necessariamente produzidas a partir das suas obras.
À Fertagus e à CP, pela embalagem de incontáveis horas de estudo pelos carris do nosso Portugal; a
todos os javalis, esses improváveis aliados da arqueologia de prospecção da Arrábida, pelos seus preciosos
trilhos e clareiras que nos permitiram inesperadas janelas sobre o Passado.
Em especial à Sara Navarro, por tudo o que é e significa para mim! Um obrigado muito pessoal pelo
espírito crítico, pela valorização estética e pela liberdade de novas visões, perspectivas e horizontes – a Arte e a
Arqueologia, o barro e a forja, a terra e o fogo.
À minha irmã Cátia. Concretização e sucesso nos teus objectivos académicos, conta comigo!
Por fim, mas acima de todos, obrigado Mãe (Fernanda & Fernando).
Índice
Resumo/Abstract Agradecimentos
1. Notas introdutórias: motivações, objectivos e metodologias 7 2. A Serra da Arrábida: Geografia e Paisagem 17
3. Episódios da investigação arqueológica regional 22 4. A Idade do Bronze Peninsular: evolução dos conceitos e periodização 28
5. O Bronze Final: indígenas, visitantes e colonos 34 6. O Bronze Final na região da Serra da Arrábida: a vida, a morte... e as paisagens 46
6.1. Os sítios de habitat 50 6.1.1. Povoado aberto das Terras do Risco – base agro-pastoril 50 6.1.2. Povoado de altura do Castelo dos Mouros – povoado central (?) 54 6.1.3. Povoado de altura da Serra da Cela – povoado portuário (?) 56 6.1.4. Povoado de cumeada de Valongo – “atalaia” 59 6.1.5. Quinta do Picheleiro – casal agrícola 61 6.1.6. Bico dos Agulhões – “atalaia” (?) 62 6.1.7. Caetobriga (Setúbal) 64
6.2. As necrópoles e os “santuários naturais” 67 6.2.1. Monumento funerário da Roça do Casal do Meio 71 6.2.2. A Lapa do Fumo e os “ornatos brunidos” – “gruta-santuário” (?) 78 6.2.3. Lapa da Furada – “gruta-santuário” (?) 82 6.2.4. Gruta do Médico – necrópole (?), “gruta-santuário” (?) 86 6.2.5. Lapa da Cova – “gruta-santuário” 88 6.2.6. A Fenda – “santuário natural” (?) 93 6.2.7. Outras cavidades 94
6.3. Cultura material 96 6.4. A rede de povoamento: sincronias (?), hierarquia (?) e inter-relações 101 6.5. Recursos, vias e circulação: algumas questões e a “rota do sal” 106 6.6. Transição Bronze Final/Idade do Ferro: os novos dados 115
7. A Arrábida: entre o Tejo e o Sado, entre Atlântico e o Mediterrâneo, entre o litoral e o interior 120
7.1. Navegando em “Mares de Bronze” – o “síndrome do marinheiro” 120 7.2. O Sado e o “Porto(inho)” da Arrábida 134
8. Bibliografia
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
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1. Notas introdutórias: motivações, objectivos e metodologias
“Um lugar tem de se tornar uma paisagem interior para que a imaginação comece a habitar esse lugar e fazer dele o seu teatro”.
Ítalo Calvino
“Archaeologists have argued recently that the formation of the landscape, as a sweep of land featuring meaningful places, is brought about by the accumulation of markers of human activity, including monuments, which are in a sense the repositories of shared memories”.
Renfrew, 2006
“A existência é aleatória, não tem um padrão, salvo aquilo que imaginamos depois de a contemplarmos durante demasiado tempo.
Sem significado, salvo aquele que escolhemos impor”. Rorschach in Watchmen (DC Comics)
O presente trabalho pretende contribuir para a construção de um modelo para as
estratégias de povoamento das comunidades que habitaram o(s) território(s) da região da
Arrábida no decorrer do período histórico convencionalmente chamado de “Bronze Final”
(lato senso). A investigação foca-se nas áreas da Serra da Arrábida (Setúbal), propriamente
dita, e da Serra do Risco (Sesimbra), estendendo-se até às serras dos Pinheirinhos e da Azóia
(Sesimbra), na plataforma de abrasão do Cabo Espichel. Para o efeito, impôs-se como
necessário estabelecer um “ponto da situação” na investigação arqueológica regional,
coligindo os dados disponíveis, produzindo uma resenha histórica da respectiva investigação,
além de uma preliminar exposição dos novos dados emergentes das Cartas Arqueológicas de
Sesimbra e de Setúbal. Em boa verdade, trata-se de um trabalho inédito – a área em causa
nunca foi objecto de um trabalho de síntese específico, no que respeita à sua ocupação nos
últimos momentos da Idade do Bronze.
A investigação desenvolveu-se, em grande parte, a partir de experiências, reflexões e
interpretações paisagísticas, acerca da implantação, funcionalidade e inter-relação dos
contextos tratados; passando por uma análise descritiva dos sítios e dos vestígios artefactuais
e estruturais de superfície, na sua maioria identificados na sequência de recentes projectos de
investigação sistemática integrados pelo signatário. Destacam-se as prospecções
arqueológicas e espeleológicas realizadas no âmbito da nova Carta Arqueológica do concelho
de Sesimbra, entre 2007 e 2009 (Calado et al., 2009); prospecções espeleológicas de
levantamento e caracterização nas quais o autor tem participado, desde 2008, na qualidade de
espeleólogo/arqueólogo (LPN-CEAE – Centro de Estudos e Actividades Especiais da Liga
para a Protecção da Natureza); prospecções “arqueoespeleológicas” no âmbito da Carta
Arqueológica da Arrábida – Setúbal, em curso desde 2010; além de outras prospecções
esporádicas de iniciativa pessoal.
Depois de apresentados os dados disponíveis para a área e período de estudo, foi
desenhado um polígono com vértices no grande povoado aberto das Terras do Risco (vale
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
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adjacente da encosta norte da Serra do Risco); no povoado de altura do Castelo dos Mouros
(vertente norte da Serra da Arrábida); no povoado de altura da Serra da Cela (vertente sul da
Serra da Arrábida/Portinho da Arrábida); no povoado de cumeada de Valongo (“topo” da
Serra da Arrábida); e no pequeno povoado/casal agrícola da Quinta do Picheleiro (cabeço a
norte de Valongo, depois do vale que os separa), considerando, ainda, outros sítios em fase de
caracterização (por exemplo o Bico dos Agulhões, entre a Serra do Risco e o Portinho) e
Caetobriga (Setúbal). Aos “vértices” de habitat, foram ligados outros pontos que remetem
para funções mágico-religiosas – as necrópoles e os “santuários naturais”/“grutas-santuário”:
o monumento funerário da Roça do Casal do Meio (Terras do Risco – necrópole), a Lapa do
Fumo (Serra dos Pinheirinhos – necrópole/“gruta-santuário”?), a Lapa da Furada (Serra da
Azóia – necrópole/“gruta-santuário”?), a Gruta do Médico (encosta meridional da Serra da
Arrábida/Portinho da Arrábida – necrópole/“gruta-santuário”?), a Lapa da Cova (vertente sul
da Serra do Risco – “gruta-santuário”) e a Fenda (Portinho da Arrábida – “santuário
natural”?).
Este esboço cartográfico pretendeu avaliar as presumíveis inter-relações de um grande
complexo populacional do Bronze Final, implantado estrategicamente numa paisagem
específica, desde sempre propícia à implantação humana. Assume-se, é claro, como um
exercício parcialmente especulativo, tendo em conta o facto de os dados de povoamento
disponíveis resultarem exclusivamente de recolhas de superfície, com carências em termos de
sincronias e diacronias. Recorde-se, aliás, que as únicas escavações realizadas em contextos
da Idade do Bronze da Arrábida se reportam a sítios de vocação sagrada/funerária (Roça do
Casal do Meio, Lapa do Fumo, Lapa da Furada e Lapa da Cova).
Também pareceu razoavelmente interessante vir a desenvolver a hipótese de dois
blocos paisagísticos diferenciados: a Arrábida central e ocidental (Serra da Arrábida, Serra do
Risco, serras dos Pinheirinhos e da Azóia), enquanto território preferencial para a Idade do
Bronze; e a “Pré-Arrábida” (Ribeiro, 2004), a oriente (Serra de São Luís, Serra do Louro e
Serra de São Francisco), como suporte preferencial para a implantação durante o Calcolítico.
Esta ideia foi provisoriamente aflorada no âmbito do Seminário proposto pelo autor na sua
Licenciatura em Arqueologia (FLUL) – Povoados Calcolíticos da Região da Arrábida
(Soares, 2009), ganhando substância com os recentes dados decorrentes das já referidas cartas
arqueológicas regionais.
Para um melhor entendimento deste período (Bronze Final), e complementarmente,
procedeu-se, de forma genérica, ao estudo da sua génese e evolução no âmbito da bibliografia
arqueológica europeia, destacando-se as principais questões de ordem teórica, metodológica e
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
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cronológica. Neste seguimento, tratando-se de um território com algumas singularidades
regionais, onde escasseiam os dados sobre a Idade do Bronze, foi inevitável procurar
eventuais paralelos e/ou avaliar as diferenças relativamente a modelos de ocupação
conhecidos para outras regiões peninsulares. Assim, tornou-se necessário recorrer, entre
outros, a estudos de síntese regional, com particular atenção para a área do Sudoeste
Peninsular: Estremadura (Cardoso, 1998, 2000, 2004; Cardoso e Silva, 2004; Ferreira et al.,
1993; Silva e Soares, 1986, 2006; Soares, 2000a); Alentejo (Calado, 2001, 2005; Calado et
al., 1999, 2006, 2008; Mataloto, no prelo); Beiras (Senna-Martinez, 1993a, 2002, 2007, 2010,
2011; Senna-Martinez et al., 2011a, 2011b; Vilaça, 1995).
A grande parte dos dados tratados no presente estudo foi produzida a partir de
trabalhos de campo, em parte desenvolvidos pelo signatário ao abrigo dos já referidos
projectos de Carta Arqueológica. Além de diversas acções de prospecção, objectivando a
reavaliação e identificação (de novo) de sítios arqueológicos, procedeu-se à sua
georreferenciação (com recurso a GPS) e à recolha e/ou registo fotográfico, in loco, de
artefactos, estruturas e de aspectos relativos à sua implantação paisagística. Os dados de
campo foram precedidos, acompanhados e complementados por trabalhos de gabinete:
levantamento bibliográfico dos dados disponíveis; tratamento, descrição e registo de materiais
recolhidos; descrição, caracterização e interpretação de arqueossítios; produção de material
cartográfico: implantação dos sítios, a partir de coordenadas GPS, em extractos das Cartas
Militares de Portugal (1:25000 – folhas n.º 454, 464 e 465) e em imagens de fotografia aérea,
extraídas do Google Earth.
Os sítios foram alvo de descrição e caracterização, tendo em conta a história da sua
investigação, nos casos já publicados, e os novos dados. Foi dado particular enfoque à sua
implantação topográfica e respectiva envolvente paisagística: proximidade a recursos naturais
(acesso a água e a solos com potencial agrícola), proximidade e relação com vias de
transitabilidade regional e inter-regional e interrelação com outros povoados associáveis. No
que se refere à geologia de implantação, foi observada a composição e compactação dos solos
(bases arenosa, argilosa, rochosa), cruzada com a interpretação de eventuais fenómenos pós-
deposicionais/tafonómicos: dinamismo dos solos e remobilização de materiais por acção da
agricultura, do pastoreio, das raízes do coberto vegetal, das luras de roedores, da erosão e da
deposição/dejecção de detritos (por acção natural, animal ou humana). No caso das grutas,
estas foram caracterizadas e descritas com base em critérios espeleológicos e arqueológicos.
Importa aqui diferenciar as virtudes e as lacunas de duas abordagens distintas, mas
complementares, na investigação arqueológica: a prospecção e a escavação arqueológica. Nas
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
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últimas décadas, e um pouco por todo o mundo, incluindo Portugal, os trabalhos de
prospecção têm sentido um progressivo incremento, em parte devido a obrigações impostas
pela conjuntura legal relativa à protecção do património arqueológico e, sobretudo, por
transformações metodológicas e alteração dos próprios objectivos gerais da Arqueologia. Em
consequência deste exponencial aumento de acções de prospecção, verificou-se um proliferar
de novos arqueossítios e a consequente possibilidade de abordagem das respectivas questões
territoriais. A prospecção emancipou-se, assim, enquanto método independente e de direito
próprio, no âmbito da investigação arqueológica – “prospectar e cartografar em
arqueologia: Tijolos para um edifício em contínua construção” (Victor S. Gonçalves, 2001).
Desde logo, e numa conjuntura em que urge reter o máximo de informação de um
Passado cada vez mais ameaçado pelo irremediável avanço da pressão humana, a prospecção
tem vindo a revelar-se, justamente, como a mais proveitosa abordagem quando, numa
perspectiva patrimonial, se pretende prevenir os riscos e, numa perspectiva científica, se
pretende alcançar um conhecimento abrangente acerca da ocupação humana de uma
determinada região. Por outro lado, a prospecção permite identificar os sítios com maior
potencial informativo e que podem ser alvo de projectos de escavação, passando-se de uma
exploração superficial, horizontal e de largo espectro, para uma localizada e aprofundada
exploração vertical. Esta última permite, teoricamente, aferir a diacronia e as eventuais
sincronias dos complexos culturais regionais. Neste sentido, do ponto de vista da
rentabilidade científica e atendendo à carência de financiamentos para a investigação
arqueológica, a par da urgência face à galopante destruição dos contextos, a prospecção
deverá ser vista como prioritária, quando comparada com a escavação.
Num mundo perfeito de projectos sistemáticos e de longo prazo, dirigidos para uma
determinada região (raramente possíveis, infelizmente), as escavações deveriam constituir
uma ponderada etapa consequente à prospecção. Só então, depois de uma completa avaliação
de toda a informação produzida, esta impõe uma tradução, num discurso final onde a
sequência de ocupação de uma determinada região é partilhada com a comunidade científica e
com a comunidade em geral, em última análise os verdadeiros destinatários destas empresas.
Por muito que se pense conhecer um determinado território, o seu verdadeiro
entendimento provém de uma experiência cumulativa, de um permanente dialogo entre o
arqueólogo e a sua área de estudo. Por exemplo, as condições de visibilidade dos solos
alternam sazonalmente ao longo do ano e variam indeterminadamente ao longo dos anos: os
terrenos lavrados, além de limpos de vegetação, são revolvidos, expondo eventuais vestígios
arqueológicos; as áreas afectadas por incêndios, depois de “lavadas” pelas chuvas, também
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
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facilitam a actuação do prospector; os terrenos perturbados pela acção dos javalis são
fossados ao ponto de permitirem uma excepcional progressão na vegetação densa e a
prospectabilidade em novas clareiras. Assim, enquanto a abordagem por escavação constitui
uma acção única, destrutiva e irrepetível, impondo, por isso, um completo e atento registo,
como exclusivo documento para reinterpretações futuras (a par da reserva de testemunhos); já
a prospecção pressupõe uma tarefa “interminável”, sempre em aberto e incompleta, em
constante actualização.
Posto isto, e para o presente trabalho, optou-se pela seguinte escalonamento
metodológico:
1.ª Fase – levantamento bibliográfico de referências, directas e indirectas; registo de
testemunhos orais acerca da região, a partir de uma população com potencial informativo:
pastores, agricultores, caçadores, guardas da natureza, enfim... gentes da terra; análise
cartográfica (militar, corográfica, geológica, hidrográfica, capacidade dos solos, etc.),
toponímica e de fotografia aérea/satélite, associada aos dados arqueológicos disponíveis,
obtidos no levantamento bibliográfico; definição de áreas prioritárias e com maior potencial
arqueológico e de prospectabilidade, gizando-se a estratégia de abordagem ao terreno e uma
calendarização de áreas alvo.
2.ª Fase – prospecções preliminares, em unidades naturais/geográficas (geológicas,
geomorfológicas e topográficas) e culturais (Idade do Bronze/1.ª Idade do Ferro), com
prioridade à relocalização e visita dos arqueossítios já conhecidos e de eventuais locais
sugeridos pela toponímia e pelos testemunhos orais da população, procedendo-se à sua
georeferenciação (GPS) e respectivo registo fotográfico. Além da reavaliação dos dados
conhecidos, este exercício teve como objectivo uma definição, in loco, de novos alvos,
“empírica” e a partir da paisagem (micro-relevos, particularidades geológicas, vegetação,
grau de legibilidade do terreno), actualizando-se a agenda de prospecção.
3.ª Fase – na sequência das anteriores fases, partiu-se finalmente à descoberta. Nesta
fase foi posta em prática a estratégia de prospecção selectiva anteriormente definida e que
sofreu, naturalmente, ajustamentos determinados pela experiência e condicionantes no
terreno. Um arqueólogo prospector, além de “cientista”, é um “homem”, com intuição própria
e sensibilidade empírica, o que em muitos casos se revela como uma excelente ferramenta de
descoberta. Os vestígios arqueológicos identificados foram dando entrada no caderno de
campo com uma descrição sumária, sendo as respectivas coordenadas obtidas com GPS
implantadas na cartografia ortogonal militar (UTM, Datum de Lisboa) e na fotografia aérea
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
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(Google Earth). Foi ainda realizado um registo fotográfico dos vestígios (informativo e
“artístico”), tendo em conta a sua implantação e relação com a paisagem.
Paralelamente aos trabalhos de campo, foram realizados os correspondentes trabalhos
de gabinete, que consistiram em tarefas diversas como a lavagem, marcação, colagem,
desenho, fotografia e descrição de materiais recolhidos pela sua excepcionalidade. Não se
tratando o presente trabalho de um estudo artefactual, mas sim, e sobretudo, de uma análise
da relação do Homem com a Paisagem, os materiais tidos como pertinentes, pela sua
singularidade ou potencial informativo, foram apenas apresentados em registo fotográfico.
Esta abordagem não pretendeu substituir, de forma alguma, o desenho, tratando-se de uma
opção meramente prática e que não descorou, dentro do possível, a representação da
informação relativa às formas e particularidades dos materiais. Toda a informação coligida
(descrições de artefactos e de sítios e as correspondes coordenadas e fotografias) deu entrada
numa base de dados criada para o efeito. Os novos sítios foram designados de acordo com o
topónimo mais próximo na respectiva folha da Carta Militar 1:25000, ou, sempre que
possível, optou-se pelo microtopónimo adquirido a partir da informação oral.
As propostas cronológicas foram aferidas em função de uma avaliação global dos
achados de superfície (artefactos e/ou estruturas), tendo em conta variáveis como a extensão,
distribuição e intensidade de ocorrência dos vestígios, o tipo de implantação, os contextos
arqueológicos vizinhos, as geoestratégias, etc.
Para os sítios calcolíticos, foram tidos em conta “fósseis directores” como a cerâmica
manual de bordos espessados, o barro de cabanas, os pesos de tear (crescentes e placas), etc.
Na ausência destes, e para a Idade do Bronze/Bronze Final, foram considerados outros
artefactos: cerâmica de ornatos brunidos, cepillados, mamilos alongados, perfis em “S”,
carenas de ombro e fundos planos. Foram considerados, igualmente, aspectos da cultura
material, como sejam o elevado número de fragmentos face ao número de bordos (indicando
uma predominância de formas fechadas), ou a escassez relativa de materiais líticos, além da
própria implantação e tipologia dos povoados e a proximidade de outros contextos
comprovadamente referentes à Idade do Bronze. Para a Idade do Ferro: a cerâmica a torno, os
bordos exvertidos, as asas de rolo, as plantas ortogonais dos edifícios, etc. Para os sítios
referidos na bibliografia, e sempre que os elementos recolhidos não permitiram estabelecer
novas classificações, foram respeitadas as cronologias propostas pelos respectivos autores. O
povoado da Serra da Cela, por exemplo, foi reclassificado tendo em conta o observado in
loco, merecendo, assim, um novo enquadramento cronológico – Bronze Final.
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
13
Também o estudo circunstanciado dos artefactos registados, que não coube no âmbito
deste trabalho por razões logísticas e de objectivos, virá, seguramente, em eventuais trabalhos
ulteriores, permitir uma maior precisão cronológica e uma melhor compreensão das
realidades arqueológicas identificadas.
A classificação tipológica dos sítios implicou, tal como no caso da cronologia, o
cruzamento de diversos dados, tendo o resultado oscilado entre classificações muito abertas,
como “achado avulso”, e outras mais precisas, como “povoado”. Também foi feita referência
ao tipo de protecção legal conferida aos sítios/monumentos, quando aplicável (um caso único
– monumento funerário da Roça do Casal do Meio). Todos os casos em que subsistiram
dúvidas acerca da classificação tipológica, funcional e cronológica dos achados e dos sítios, a
incerteza foi assinalada com uma interrogação “(?)”.
Na última fase das prospecções entendeu-se necessário revisitar determinados sítios,
de modo a, à luz de uma visão mais actualizada e global da região, efectuar uma revisão e
tomar decisões interpretativas melhor escoradas.
4.ª Fase – dando por terminados os trabalhos de campo, tendo em conta os prazos pré-
determinados (na verdade, a informação de campo é inesgotável), todos os dados coligidos e
sistematizados foram interpretados e traduzidos num discurso científico normalizado,
complementado por uma narrativa coerente, validada, sempre que possível, por apropriadas
referências bibliográficas.
No que diz respeito aos achados referenciados, e no contexto do presente trabalho,
foram considerados os artefactos, as estruturas e os ecofactos. Entende-se por artefacto
qualquer objecto móvel que apresente determinadas características físicas que pressuponham
uma produção humana. Aqui também são incluídos os vestígios resultantes dessa produção
(restos de actividade). Por seu turno, as estruturas, ou vestígios imóveis, podem ser positivas
ou negativas, estas últimas dificilmente detectáveis e caracterizáveis sem escavação. Por fim,
os ecofactos são os materiais orgânicos (vestígios antropológicos, faunísticos, vegetais e
bolsas de solo antropogénico), interessando sobretudo, para o presente estudo, os
remanescentes antropológicos (ossos e dentes) e o material malacológico, pelo facto de serem
de fácil detecção em prospecção, particularmente em contextos de habitat e de gruta, e por se
revelarem como um indicador directo para práticas alimentares.
A descoberta de um sítio arqueológico, e a sua consequente classificação funcional,
dependem da percepção arqueológica conferida aos vestígios identificados durante as
prospecções. Claro que essa percepção é parcialmente subjectiva, dependendo das decisões
tomadas pelo arqueólogo de serviço, manifestando-se no grau de representação arqueológica
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
14
atribuída aos vestígios identificados. Na evolução do presente trabalho, serão tratados três
tipos genéricos de sítios arqueológicos: os sítios de habitat, as necrópoles e os “santuários
naturais”/“grutas-santuário”.
Assim, no caso dos sítios de habitat, estes são entendidos como lugares de dimensão
variável, nos quais grupos humanos se detiveram, durante um determinado período de tempo,
legando-nos vestígios físicos, móveis (artefactos e ecofactos) ou imóveis (estruturas),
testemunhando as suas actividades tecno-económicas, sociais e mágico-religiosas (Vilaça,
1995, p. 42). Nestes incluem-se os povoados abertos, os povoados de altura, os povoados de
cumeada e os abrigos. O povoado aberto “corresponde a sítios de habitat implantados em
áreas pouco declivosas, logo sem defensabilidade natural, e geralmente em solos com
elevado potencial agrícola relativo” (Calado, 2004, p. 36). Aqui são incluídos o povoado
aberto das Terras do Risco e o pequeno povoado da Quinta do Picheleiro. Quanto aos
povoados de altura, “foram assim classificados os sítios implantados em locais com evidente
defensabilidade natural, no topo de colinas ou de esporões. Muitos deles podem encerrar
estruturas de tipo defensivo (…), outros, mesmo sem terem sido escavados, são fortemente
suspeitos de encerrarem sistemas defensivos, atendendo à existência, mais ou menos
explícita, de evidências microtopográficas” (ob. cit., p. 37). São aqui incluídos os povoados
do Castelo do Mouros e da Serra da Cela. Mais acima, relativamente aos povoados de altura,
implantam-se os povoados de cumeada, no topo dos complexos orográficos – o povoado
“atalaia” de Valongo.
No que às “necrópoles” diz respeito, estão em causa sítios onde grupos humanos
sepultaram e cultuaram os seus mortos ao longo de um determinado período cronológico,
sendo identificáveis por vestígios osteológicos e artefactuais, de carácter votivo, remetendo-
nos para actividades espirituais. Distinguem-se, aqui, os sítios funerários
construídos/edificados (Roça do Casal do Meio), dos sítios funerários naturais – as grutas. No
entanto, a total ausência de vestígios osteológicos num determinado sítio não deve excluir
liminarmente a sua utilização enquanto necrópole, pelo menos num determinado momento.
Há que admitir, teoricamente, opções de culto fúnebre como a incineração ou a remobilização
dos restos para contextos secundários, nomeadamente aquáticos – lançados aos rios ou ao mar
– situações dificilmente detectáveis mesmo em escavação.
Importa também deixar claro o que se entende por “santuários naturais” e “grutas-
santuário”, denominações que vão surgir amiúde mencionadas ao longo do texto e que
correspondem a monumentos naturais, ou geomonumentos, susceptíveis de actividade
humana. Genericamente, estão em causa formações ou acidentes geológicos invulgares,
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
15
excepcionais ou exuberantes na paisagem e que, de forma directa ou indirecta, comprovada
ou não, poderão ter tido algum tipo de exploração ritual. Exemplos: afloramentos, cavidades,
sumidouros, falhas, fendas, elevações destacadas e formações sugestivas (Calado, 2004, p.
39). Fazendo zoom no espaço arrábido, e assumindo a importância de certos detalhes
paisagísticos para a ancoragem física dos comportamentos simbólicos, tornou-se possível
destacar alguns monumentos naturais que, por hipótese, tiveram algum papel na organização
do espaço ao longo da Pré e Proto-História (Bradley, 2000). Nesta ordem de ideias, um
“santuário natural” implica um local de características naturais singulares, utilizado por
grupos humanos enquanto local de culto – “templo natural”. A este propósito, temos o
exemplo paradigmático do “santuário natural”/rupestre da Rocha da Mina (Alandroal)
(Calado, 1993a, p. 175), alegadamente dedicado ao culto de Endovélico e que depois de
adoptado pelos romanos é transferido para um templo edificado em São Miguel da Mota, à
vista de 3 km.
O texto, no seu decurso, fará amiúde referência substantiva a grutas e lapas. Na
verdade, grutas, lapas, cavernas, covas e algares são geralmente sinónimos na linguagem
corrente. Todavia, se quisermos ser mais precisos, podem aqui ser feitas algumas distinções.
Genericamente, por gruta ou caverna, entende-se uma cavidade subterrânea natural, aberta na
montanha calcária (karst/carso) por um longo processo de erosão/dissolução combinada
(mecânica e química), provocado pela infiltração de águas ácidas provenientes da superfície,
resultando em espaços ocos, mais ou menos amplos, simples ou complexamente ramificados,
podendo apresentar um desenvolvimento vertical, horizontal ou misto. Em zonas costeiras, à
erosão das águas subterrâneas acresce a acção hidrodinâmica do mar, fenómeno que acaba
por ampliar e reconstruir determinadas aberturas cársicas – as lapas, por exemplo. As lapas
são cavidades simples, tendencialmente de menores dimensões e cujo desenvolvimento é
horizontal e a partir da abertura. Por fim, entende-se por algar, uma cavidade de abertura e
desenvolvimento vertical, por vezes muito profunda e que poderá ramificar horizontalmente
em amplas galerias, ou terminar num fundo “em saco”.
Regressando à Arqueologia, no que diz respeito, mais concretamente, às “grutas-
santuário”, e pelo facto dos vestígios dos rituais serem praticamente omissos numa
abordagem de superfície, a opção por uma classificação no domínio do sagrado é sobretudo
aferida por exclusão de partes. Estamos perante cavidades abertas naturalmente no calcário,
que, pelo facto de não exibirem vestígios antropológicos, excluem, à partida, uma
classificação como necrópole. Por outro lado, por se tratar de locais pouco propícios à vida
quotidiana, distantes dos recursos básicos de sobrevivência, de acessibilidade difícil, exíguos,
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
16
irregulares, insalubres e desconfortáveis, é mais plausível que correspondam a utilizações de
tipo excepcional, nomeadamente de carácter simbólico/espiritual. Também neste caso, estão
em causa sítios de dimensão variável, onde supostamente grupos humanos praticaram
actividades espirituais, magico-religiosas, ao longo de um determinado período de tempo.
Posto isto, importa ainda considerar possíveis casos de dupla função: necrópole e “gruta-
santuário” – Lapa do Fumo, Lapa da Furada e Gruta do Médico.
Por fim, um dos compromissos assumidos à partida para este trabalho prendeu-se com
a premissa, dentro da razoabilidade, de a presente investigação constituir um produto de
satisfação pessoal. Nesta perspectiva, surgiram naturalmente temáticas que mereceram
particular desenvolvimento, decorrentes de actividades, motivações e interesses pessoais do
autor. Desde logo a Proto-História e a própria Arrábida, o gosto pela prospecção, passando
pelas grutas e pelas navegações antigas que ligaram este território a outras paragens, ao longo
do Sado e através do Atlântico.
Fig. 1 – Prospecções na Arrábida (foto de R. Soares).
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
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2. A Serra da Arrábida: Geografia e Paisagem
“A serra tem o ar de uma onda que avança impetuosa e subitamente estaca e se esculpe no ar; é uma onda de Pedra e mato, é o fóssil de uma onda”.
Sebastião da Gama
A península de Setúbal, também referida por “península da Arrábida”, define-se numa
região correspondente à extremidade sul da Bacia Lusitaniana, separando as bacias estuarinas
dos rios Tejo e Sado e penetrando dominante no Atlântico sob a égide do Cabo Espichel (o
cabo Barbarium dos romanos, segundo Estrabão). O recorte costeiro da orla meridional desta
península é majestosamente dominado pela Serra da Arrábida, cadeia montanhosa de carsos
essencialmente jurássicos e miocénicos, singularmente variada do ponto de vista geológico.
Partilhada pelos concelhos de Setúbal, Palmela e Sesimbra, a Serra da Arrábida
constitui uma das mais importantes, originais e diferenciadas estruturas da tectónica de
inversão de idade miocénica da Bacia Lusitaniana, documentada pela primeira vez na região
por Paul Choffat, em 1908 (Choffat, 1908). A cordilheira tem o seu ponto mais elevado no
alto do Formosinho, com 499 m de altura, e define-se genericamente na paisagem por uma
série de elevações dispostas de este-nordeste para oeste-sudoeste, paralelas à Cordilheira
Bética, com cerca de 35 km de comprimento e 6 km de largura média. A sul e oeste é limitada
pelo Oceano, onde cai bruscamente em arribas imponentes, prolongando-se na plataforma
continental por cerca de 5 km. A norte é confinada pelo sinclinal de Albufeira e a leste pela
falha Setúbal-Pinhal Novo, quadrantes de terras baixas e arenosas que caracterizam grande
parte da península. No sentido este-oeste, estende-se por uma cortina de elevações, desde
Palmela até Sesimbra (Ribeiro, 2004).
Na verdade, a Arrábida constitui a principal peça montanhosa da cordilheira a que dá
nome, dominando, dos altos do Formosinho e Picoto, um complexo de relevos associados –
“pequena unidade natural perfeitamente individualizada” (ob. cit.). Ainda submersa há cerca
de 180 milhões de anos, ganhou contornos com as deformações produzidas durante o
Miocénico, em dois momentos distintos: as primeiras verificadas há cerca de 17,5-15 Ma, e as
segundas há cerca de 7-6 Ma. Em consequência, foram produzidos dois sistemas de falhas,
esboçados durante as fases distensivas mesozóicas, de orientação aproximada norte-sul e este-
oeste, e que promoveram a compartimentação da região, influenciando, significativamente, os
principais acidentes tectónicos e o seu estilo particular (Ribeiro et al., 2000) – “devido ao
successivo resfriamento e consequente contracção do planeta que habitamos, a crusta
solidificada, que desde a esphera central da terra ainda fluida chegava até o fundo d’esse
mar, encarquilhou-se como a pelle de uma uva que se secca, a ponto de fazer saliencias
acima do oceano e formar uma elevada ilha, de que a actual Arrabida não é mais do que um
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
18
vestigio, comparavel aos restos de altivo e grandioso monumento a que as injurias do tempo
não tivessem deixado senão pequenas porções das suas arruinadas paredes” (Costa, 1902, p.
275-276).
Do ponto de vista da Geomorfologia, este longo processo resultou num conjunto de
elevações, agrupadas naturalmente em duas linhas separadas por vales. A primeira linha, mais
vigorosa e característica, é composta por alguns pequenos cerros que partem de Sesimbra,
serras do Risco (380 m - Píncaro) e Arrábida (499 m - Formosinho), e pelas colinas que se
desenvolvem do Outão até Setúbal. Entre a Serra do Risco e a Ribeira da Comenda, os picos
dominantes do Formosinho e do Picoto, e as respectivas falésias abruptas, constituem uma
inexpugnável barreira natural sobre os territórios de planura que se espraiam nas baixas
estuarinas. Por outro lado, esta “linha defensiva” proporciona um extenso domínio visual:
sobre o vale do Tejo, avistando-se, no horizonte norte, a Serra de Sintra; a sudeste, sobre o
vale do Sado, até à região de Alcácer-do-Sal; e a sul, sobre a costa atlântica, da foz do Sado,
península de Tróia até ao cabo de Sines.
Uma segunda linha orográfica, denominada por Orlando Ribeiro de “Pré-Arrábida”
(Ribeiro, 2004), desenvolve-se a norte e leste da primeira, integrando as serras da Comenda,
de São Luís (392 m), dominante sobre Setúbal, de São Paulo, dos Gaiteiros (ou dos Barris) e
de São Francisco/Louro (256 m - Alto da Queimada), monoclinal que parte de Palmela em
direcção a Sesimbra. Entre a Serra de São Francisco e o Cabo Espichel desenvolve-se uma
sucessão de planaltos de altitude média entre os 150 e os 250 m, alguns dos quais dominam as
imponentes escarpas atlânticas entre o Risco e Sesimbra (Serra dos Pinheirinhos e Serra da
Azóia). A “Pré-Arrábida” termina com uma série de relevos sobranceiros à planície arenosa,
que se vão esbatendo até ocidente de Coina-a-Velha, configurando uma espécie de baluarte
avançado da cordilheira (ob. cit.).
No que respeita à composição litológica dos seus solos, predominam as rochas
calcárias e dolomíticas ou detríticas, compactas e relativamente resistentes. Uma série de
sequências sedimentares carbonatadas, margosas e detríticas de idade Mesozóica, sobre as
quais se sobrepõem outras, predominantemente detríticas e por vezes carbonatadas de
ambientes marinhos restritos, de idade cenozóica, associadas ao processo evolutivo da Bacia
do Tejo (ob. cit.). À superfície, o carso é relativamente incipiente, embora apresente uma
grande diversidade de formas geomorfológicas características: lapiás, dolinas, algares,
sumidouros e o vale fluvio-cársisco (polje) das Terras do Risco. A sistemática exploração
espeleológica desenvolvida nos últimos anos (NECA – Núcleo de Espeleologia da Costa Azul
e LPN-CEAE – Centro de Estudos e Actividades Especiais da Liga para a Protecção da
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
19
Natureza) tem vindo a revelar um carso subterrâneo relativamente desenvolvido e de
incomparável beleza de concrecionamentos, aflorando em várias lapas, grutas, abrigos e
sumidouros, cavidades que têm registado um importante potencial arqueológico.
Dos cursos de águas torrenciais produzidas na Serra, apenas a Ribeira da Comenda,
partindo da Ribeira da Ajuda, apresenta um regime permanente, desaguando no “Sado-
Atlântico”. A sua foz, na praia da Comenda, desenha uma pequena baía que não passou
indiferente, por exemplo, em época romana. No entanto, outros cursos de água com fraca
expressão actual, sobretudo devido a fenómenos de assoreamento, podem ter constituído,
outrora, importantes cursos fluviais, alguns dos quais com admissível apetência para a
navegação. A destacar, por exemplo, as ribeiras do Livramento, de Corva, de Alcube, de
Santo António, da Ferraria, da Mareta, do Cavalo, da Apostiça, de Aiana e de Coina, antiga
Vala Real, que se assume como a principal linha hidrográfica de toda a cordilheira (ob. cit.).
As encostas atlânticas e os vales abrigados da Arrábida, temperados por um clima
mediterrâneo, têm potenciado uma excepcional vocação arbórea, cinegética e agro-pecuária,
conservando, ainda, algumas manchas de vegetação endémica, espontânea e original, “os
valles tem hoje os nomes de Picheleiro, Alcube, Barris, Gralhal, etc., e são de aspecto tão
pittoresco e encantador quanto se póde imaginar” (Costa, 1902, p. 276). Nas zonas mais
elevadas, de cristas rochosas e de solos esqueléticos, desenvolve-se um estrato “rupestre”,
composto por líquenes e pequenos fetos, substituídos progressivamente, ao longo das
encostas subjacentes, por charnecas de carrascos, alecrim, madressilva, esteva, tomilho,
orégão, rosmaninho, aroeira e lentisco bastardo; por bosques e sub-bosques de maquiais,
sobretudo compostos por zambujeiros, medronheiros e alfarrobeiras; e por matas de
carvalhos, sobreiros e pinheiros mansos (Ribeiro, 2004), estes últimos, uma espécie autóctone
provavelmente existente na Arrábida, pelo menos, desde o Calcolítico do povoado da Rotura
(Silva e Soares, 1986). O seu relevo acidentado permite uma boa diferenciação de
microclimas, alguns dos quais excepcionalmente propícios a uma diversidade de espécies que
atingem um exemplar porte em determinados vales mais favoráveis – matas do Vidal, do
Solitário e Coberta.
Há que ter em conta eventuais alterações ambientais e episódios de impacto antrópico,
determinantes e transformadores do estrato vegetal autóctone da região. Além dos naturais
processos de alteração ambiental/climática, há que considerar a acção humana: conquista de
terrenos agrícolas pelo fogo, consumo de madeira, introdução de novas espécies no coberto
vegetal e exploração de pastagens. Análises isotópicas a partir da recolha de amostras
contextualizadas (palinologia, antracologia e de restos faunísticos, em particular de pequenos
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
20
roedores – a exemplo da Gruta do Caldeirão) podem, em alguns casos, permitir recuperar
paleoambientes e a respectiva sequência de transformação. Contextos arqueológicos especiais
(turfeiras, lagoas marginais/litorais e ocos de maciços calcários, em montanha) constituem
potenciais ambientes de excepcional preservação da informação isotópica relativa à evolução
ambiental de uma determinada região. Nestes locais, e por exemplo, a sedimentação de
pólenes em ambiente anaeróbico permite à Palinologia, associada a datações radiocarbónicas,
detectar eventuais vestígios de impacto antrópico em episódios de desbaste ou outras
alterações no coberto vegetal.
Também a fauna beneficiou, ao longo dos tempos, das convidativas condições
mediterrâneas da região, desde há muito referenciada pelos seus recursos cinegéticos e
venatórios servindo, por exemplo, enquanto coutada de caça real até praticamente aos nossos
dias. Lobos, veados e javalis foram extintos, resistindo, ainda, espécies como o gato-bravo, a
geneta, o saca-rabos, o texugo, o toirão, a doninha, a raposa, a lebre, o coelho e diversas
colónias de morcegos. Os javalis foram recentemente re-introduzidos, deixando as suas
marcas um pouco por toda a serra, revelando-se como improváveis colaboradores da
arqueologia de prospecção, pois além de proporcionarem uma útil rede de novas vias onde
antes a transitabilidade era impossível, também fossam clareias de terra revolta, preciosas
janelas de prospecção que têm dado resultados inesperados. No que respeita à avifauna,
destacam-se, de entre as rapinas, a águia de Bonelli, a águia de asa-redonda, o peneireiro, o
bufo real e a coruja das torres, predadoras de outras espécies como a perdiz, o andorinhão real
e os abelharucos.
A vocação eminentemente piscatória dos mares da Arrábida (“Mar da Manta”,
“Bombaldes”, “Mé”, “Queimados”, “Mar Novo”, “Mar de Ferro”, “Estradinha”, etc.)
encontra-se bem documentada ao longo dos tempos. A excelência natural do vale de
Sesimbra e de algumas pequenas baías e enseadas (Portinho da Arrábida, Rasca e Comenda,
entre outras), particularmente abrigadas dos ventos predominantes de norte, tem propiciado
óptimas condições abrigo-portuárias de que os “calhaus” são um bom exemplo. Estão em
causa estruturas de apoio à pesca de “armação”, criteriosamente implantadas em paisagens
abrigadas, por exemplo: o Calhau da Baleeira, o Calhau da Mijona, o Calhau da Cova, o
Calhau do Restaurador e o Calhau do Cozinhadouro (Amigo e Soares, 2009).
A riqueza do meio marinho é representativa dos principais habitats nos quais ocorre
uma grande diversidade de espécies, destacando-se alguns cetáceos e atuns, a xaputa, o peixe-
espada branco e o preto, a sardinha, o carapau, a cavala, a pescada, a raia, o cherne, a faneca,
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
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o besugo, a dourada, o sargo, a sargueta, a corvina, diversa fauna malacológica, crustáceos,
além dos chamados “ferrados”, ou seja, a lula, a pota, o polvo e o choco.
No que às artes de pesca diz respeito, ainda sobrevivem etnograficamente algumas,
pouco modificadas com o passar dos tempos, conservadas por um saber cumulativo
transmitido geracionalmente – a Arte da Chávega, ou do Caneiro, popularmente conhecida
pela “chincha”, aparelhos de anzol, armadilhas como os “covos”, etc. (ob. cit.).
Torna-se neste ponto relevante recuperar os antigos “caminhos de peixe” (Gonçalves,
1966, p. 9), enquanto acessos preferenciais aos recursos marinhos, exercício que permite
estabelecer a ligação entre os povoados e o mar.
Em suma, as particularidades geográficas e climáticas da península da Arrábida,
“enclavada” entre os estuários do Tejo e do Sado e definida pelo Oceano, sobranceira às
adjacentes planuras, proporcionaram um conjunto de características determinantes para a
fixação de grupos humanos e para a confluência de rotas comerciais (terrestres, fluviais e
marítimas), com evidentes consequências geoestratégicas.
As excelentes condições de defesa, acessibilidade e abrigo de costa, aliadas à
abundante disponibilidade dos recursos hídricos, marinhos, cinegéticos e venatórios, além da
singular fertilidade dos solos (vales), proporcionaram um edénico quadro de contínua fixação
e habitabilidade ao longo da história.
Fig. 2 – Extracto da folha 464 da CMP esc. 1:25000 (Sesimbra - serras da Azóia, Pinheirinhos e Risco).
Fig. 3 – Colagem dos extractos das folhas 454 e 465 da CMP esc. 1:25000 (Sesimbra/Setúbal - serras do Risco, Arrábida e “Pré-Arrábida”).
Fig. 4 – Modelo tectónico da cadeia da Arrábida (cedido por © Nuno Farinha, 2006).
Fig. 5 – Modelo digital de terreno da Arrábida (Graça Brito/CIGA in Ribeiro, 2000, p. 11).
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
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3. Episódios da investigação arqueológica regional
“Fragil é a flammula que tremúla no tôpo do mastro, mas basta apercebê-la ao longe para sabermos que em baixo voga uma nau, que as aguas mal sustém: do mesmo modo um fragmento de barro cozido, de um ferro corroido, de uma pedra trabalhada pela mão do homem nos
pode levar ao descobrimento de uma povoação soterrada, cuja existencia nem se suppunha, ou se julgava desviada. Esse fragmento, inutil ao parecer, mostra-nos a civilização de um povo; esclarece, não raro, pontos confusos da historia da humanidade. E ha tanto que explorar!
Pena é que no nosso Portugal o acaso seja o maior agente dos descobrimentos e que poucas explorações bem dispostas se tenham feito para se roubar á terra o que ella cuidadosamente esconde”.
Joaquim Rasteiro, 1897 As “ruínas romanas de Tróia”, na margem esquerda da foz do Sado, encontram-se
referenciadas desde o século XVI, quando André de Resende e Gaspar Barreiros as
interpretaram como Caetobriga. Interessante o facto de, no século XVIII, Tróia ter sido
objecto de uma das primeiras intervenções arqueológicas documentadas em Portugal (senão
mesmo a primeira). Esta marca pioneira deveu-se à Infanta D. Maria, futura Rainha D. Maria
I, que num passeio de barco, a caminho do Pinheiro, sentiu o apelo da curiosidade e aproveita
para conhecer o sítio, ordenado a sua posterior “escavação” (entenda-se, no contexto da
época, como uma mera acção de desenterro de ruínas). Este histórico episódio da Arqueologia
portuguesa ainda hoje é “celebrado” no arqueossítio, na sua “Rua da Princesa” (Castelo-
Branco, 1965).
Será a obra Descripção do terreno quaternário das bacias hidrographycas do Tejo e
do Sado, de Carlos Ribeiro (1866), a marcar a alvorada do reconhecimento científico,
geológico e arqueológico da região da Arrábida. Pioneiro da Geologia e da Pré-história
portuguesas, Carlos Ribeiro, ao serviço da Comissão Geológica do Reino, avançou, na década
de 60 do século XIX, com as inaugurais campanhas arqueológicas dos hipogeus da Quinta do
Anjo (Palmela), numa época em que a própria Arqueologia dava os seus primeiros passos no
nosso país, sobretudo no sul de Portugal. É desta altura a descoberta do povoado pré-histórico
da Rotura, em Setúbal (1865/66), documentada por uma série de litografias coloridas da
autoria de F. Pereira da Costa. Em 1878, Carlos Ribeiro coordenou novos trabalhos nas grutas
artificiais de Palmela, desta feita desenvolvidos pelos colectores António Mendes e
Agostinho José da Silva.
Em 1897, Joaquim Pedro d’Assunpção Rasteiro (1834-1898) publica, no Archeologo
Português (Rasteiro, 1897), as suas preciosas Noticias arheologicas da Península da
Arrábida. Trata-se de um texto produzido, entre 1893 e 1894, como resposta a um
questionário da Commisão dos Monumentos Nacionaes, instituição a que pertencia. Nesta
obra, Joaquim Rasteiro produz uma exaustiva monografia, coligindo toda a informação
disponível, relativa aos achados arqueológicos identificados na área da Península de
Setúbal/Arrábida, além de referenciar outros dados históricos, culturais, arquitectónicos,
artísticos, toponímicos, etc. O seu contributo para a investigação histórico-arqueológica da
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
23
região não se esgotou neste texto, legando-nos um interessante acervo documental de estudos
e artigos, muitos dos quais publicados no Jornal do Comércio, e outros, por exemplo, no
boletim da Sociedade de Geografia.
Joaquim Rasteiro personifica o espírito de um período em que a informação
arqueológica era produzida por uma elite de “curiosos enciclopedistas”, que embora
diligentes para a época, se encontravam muito longe da necessária exclusividade e
profissionalização, tendência que se manifestou até à segunda metade do século XX e que
ainda hoje, de certa forma, mas por outros motivos, constitui uma realidade – a propósito do
povoado do Castelo dos Mouros, Joaquim Rasteiro escreve: “nunca alli encontrei cousa que
désse notícia de estação humana nos tempos mais desviados, como fragmentos de barros,
quaesquer instrumentos de silex, ou objectos semelhantes; verdade é, tambem, que nunca alli
fui como explorador, mas apenas por desvio propositado do caminho da Arrabida, ou de
passagem caçando” (Rasteiro, 1897, p. 33).
Este notável setubalense, nascido em Vila Nogueira de Azeitão, em 1834, “dedicou a
vida à sua terra”, na plenitude de todas as acessões da expressão. Agricultor de raiz, além de
historiador e arqueólogo pioneiro, dedicou-se à educação, foi vereador da Câmara Municipal
de Setúbal, procurador à Junta Geral, chegando mesmo às Cortes Gerais do Pais como
deputado, na legislatura de 1887.
O meritório contributo científico de Carlos Ribeiro, e mesmo de Joaquim Rasteiro,
ganhou um digno prossecutor em António Ignácio Marques da Costa, o arqueólogo pioneiro
que melhor prospectou a região de Setúbal (Gonçalves, 1971, p. 57-58). Militar de carreira
(oficial-médico), professor (na Escola Popular e no Liceu de Setúbal) e arqueólogo, Marques
da Costa foi ainda um activo militante na vida política local, ao integrar um dos elencos da
Comissão Administrativa Municipal de Setúbal, durante o período da I.ª República. Porém,
foi o seu incontornável contributo, no âmbito da embrionária Arqueologia portuguesa, que
importa aqui destacar. Aliás, de entre a diversidade das suas actividades, foi o legado para a
Arqueologia que melhor o notabilizou e que constitui, ainda hoje, uma reconhecida referência
do panorama intelectual da região de Setúbal, Sado e Arrábida.
Nascido em Souzos (Leiria), em 1857, António Ignácio Marques da Costa chegou a
Setúbal por via do serviço militar. O Tenente-Coronel do Exército cedo foi “adoptado” pela
sua nova cidade, retribuindo, por seu turno, com uma inestimável contribuição enquanto
pioneiro da Arqueologia e Geologia locais. Numa época em que estas constituíam ciências
intimamente associadas, Marques da Costa foi o primeiro investigador a estudar o
monumento geológico da “Pedra Furada” (Setúbal). Por outro lado, empreendeu uma
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
24
ambiciosa campanha de reconhecimento, escavação e investigação de estações pré-históricas,
proto-históricas e romanas na região da Arrábida, na busca de uma identidade etno-histórica
regional, de acordo com as tendências genéricas da Arqueologia da 1.ª metade do século XX
– “e então, talvez para ocupar a sua inactividade e a queda para a arqueologia resolveu
investigar por conta própria o solo da cidade e dos arredores” (Almeida, 1975, p. 17). Das
suas pioneiras campanhas importa destacar, por exemplo, as ruínas romanas de Tróia
(Grândola) e o povoado de Chibanes (Palmela), além de trabalhos de reescavação no povoado
da Rotura (Setúbal) e nos hipogeus do Casal do Pardo (Quinta do Anjo, Palmela).
Relativamente ao povoado da Serra da Cela, no Portinho da Arrábida, foi Marques da Costa,
com base em informações do geólogo Paul Choffat, a fazer referência, pela primeira vez, a
uma ocupação pré-histórica do sítio (Costa, 1907, p. 210).
Os resultados das suas iniciativas foram exemplarmente publicados, entre 1902 e
1910, nas páginas de O Arqueólogo Português, sob o título Estações prehistoricas dos
arredores de Setúbal (Costa, 1902, 1903, 1904, 1905, 1906, 1907, 1908 e 1910), sendo os
materiais exumados fielmente depositados no Museu Nacional de Arqueologia (Cardoso,
2000) – “dezenas de estações pré, proto-históricas e romanas foram marcadas na carta.
Centenas de objectos foram descritos ou referenciados” (Gonçalves, 1971, p. 57);
“organizou uma colecção arqueológica em sua casa e foi um dos que em 1901 assinaram
uma petição para ser criado, em Setúbal, “O Museu da Cidade” (Almeida, 1975, p. 17).
O pioneirismo de Marques da Costa só teve continuidade nos inícios da década de
1940, com uma série de prospecções dirigidas ao longo do litoral meridional da Arrábida, por
Henri Breuil e Georges Zbyszewski. Estes trabalhos vieram a demonstrar a verdadeira
dimensão da ocupação paleolítica e epipaleolítica da região (Cardoso, 1998, p. 23).
Só a partir de 1956, com Eduardo da Cunha Serrão, foi retomada a sistemática
regularidade dos trabalhos arqueológicos na região da Arrábida. Cunha Serrão, juntamente
com Rafael Monteiro e Gustavo Marques, motivaram um grupo de jovens estudantes da
Faculdade de Letras de Lisboa (José Morais Arnaud, Vítor e Susana Oliveira Jorge, F. Sande
Lemos e J. Pinho Monteiro) a desenvolver trabalhos na região, em particular no Concelho de
Sesimbra.
Do vasto contributo científico legado por Cunha Serrão impõe-se destacar um
documento: a Carta Arqueológica do Concelho de Sesimbra (desde o Paleolítico antigo até
1200 d.C.) (Serrão, 1973), uma das primeiras cartas arqueológicas regionais publicadas em
Portugal, resultado final de um sistemático trabalho de reconhecimento arqueológico do
Concelho, precedido e actualizando o levantamento de A. I. Marques da Costa.
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
25
Postumamente, este trabalho foi ampliado e publicado pela Câmara Municipal de Sesimbra –
Carta Arqueológica do Concelho de Sesimbra (do Vilafranquiano Médio até 1200 d.C.)
(Serrão, 1994). De acrescentar, ainda, os inovadores trabalhos de escavação nas necrópoles da
Lapa do Fumo (Pinheirinhos/Sesimbra) e na Lapa do Bugio (Azóia/Sesimbra), cujos
importantes resultados foram publicados, nacional e internacionalmente, em 1958/59. Em boa
verdade, foram os ornatos brunidos exumados na Lapa do Fumo que introduziram, na agenda
da investigação arqueológica europeia, a temática da Idade do Bronze da Arrábida.
A propósito da Lapa do Fumo, há que destacar o pioneirismo metodológico de
Eduardo da Cunha Serrão. Em 1958, na qualidade de membro da comissão organizadora do I
Congresso de Arqueologia, Cunha Serrão deslocou-se a Inglaterra no sentido de conhecer,
nos campos de trabalho ingleses, as mais recentes teorias sobre técnicas e métodos de
escavação, no intuito de suprir a carência de elementos de fonte nacional. No regresso a
Portugal, aplicou pela primeira vez no nosso país (em 1956) o Método Wheeler (Wheeler,
1954), na escavação do povoado neolítico da Parede, em Cascais (Serrão, 1983). Em Agosto
de 1957 recorreu novamente a este método, desta feita em contexto de gruta, na exploração da
Lapa do Fumo, tendo obtido resultados exemplares, especialmente no que respeita à
referenciação efectuada através do registo tridimensional de todo o espólio.
Por estas alturas foi elaborada a Folha Geológica de Setúbal (Folha 38-B), cuja
notícia explicativa, da autoria de Georges Zbyszewski, foi publicada em 1959 (Zbyszewski et
al., 1965). As prospecções e sondagens, realizadas para o efeito, proporcionaram novas
descobertas que acabaram por motivar Octávio da Veiga Ferreira e Rafael Monteiro a retomar
as escavações na Lapa do Bugio (1966/67), além da organização de um empreendedor
trabalho monográfico acerca dos hipogeus da Quinta do Anjo, publicado em 1961 pelo
primeiro daqueles autores, em parceria com Vera Leisner e Georges Zbyszewski.
Destas novas descobertas, salienta-se o monumento funerário da Roça do Casal do
Meio, em Sesimbra, identificado nos inícios dos anos sessenta por Octávio da Veiga Ferreira
e Georges Zbyszewski. A necrópole da Roça do Casal do Meio foi escavada, entre Outubro e
Novembro de 1972, por Konrad Spindler e Veiga Ferreira, sendo o resultado dos trabalhos
publicado em francês e alemão (Spindler et al., 1973-74), o que conferiu a este sítio um
estatuto de referência europeia para as cronologias do Bronze Final. Esta inédita projecção
nacional na bibliografia arqueológica europeia deveu-se, não só, à própria excepcionalidade
do monumento, mas também às tendências genéricas da época e ao próprio curriculum
internacional de Konrad Spindler.
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
26
A década de 1960 vê nascer em Setúbal uma nova geração de arqueólogos,
personificada nomeadamente por Carlos Tavares da Silva e Victor dos Santos Gonçalves. O
primeiro trabalho científico de Carlos Tavares da Silva, publicado em 1963, foi dedicado à
Fauna malacológica do Castro da Rotura (Silva, 1963), estação onde viria a desenvolver
outras campanhas arqueológicas (Ferreira e Silva, 1969-70; Silva, 1971). Victor S.
Gonçalves, por seu turno, também desenvolveu trabalhos na estação arqueológica da Rotura:
trabalhos preliminares de prospecção e sondagem (Gonçalves, 1966), seguidos de campanhas
de escavação em 1967 e 1968 que resultaram na sua dissertação de licenciatura em História,
publicada em 1971 – O Castro da Rotura e o vaso campaniforme (Gonçalves, 1971). Tavares
da Silva tem vindo, desde então, a incrementar significativamente o conhecimento
arqueológico da região da Arrábida, Sado e cidade de Setúbal, particularmente por meio de
uma exaustiva e oportuna tarefa de reavaliação das antigas informações de Ignácio Marques
da Costa.
De destacar, também, o contributo de Joaquina Soares, que a partir da década de 1970
inicia trabalhos de arqueologia em colaboração com Carlos Tavares da Silva. Estes autores
têm vindo a desenvolver, nas últimas décadas, numerosos trabalhos de prospecção e
escavação, direccionados essencialmente para a Pré-história, Proto-história e época romana,
traduzidos na reavaliação, identificação e caracterização de vários sítios arqueológicos,
descritos em diversas publicações. Impõe-se destacar o levantamento arqueológico do Parque
Natural da Arrábida, que resultou numa “quase” carta arqueológica da Arrábida –
Arqueologia da Arrábida (Silva e Soares, 1986) – uma monográfica “obra de síntese e de
carácter inovador no seu género” (Cardoso, 1998, p. 23).
Com a criação do Museu de Arqueologia e Etnografia da Assembleia Distrital de
Setúbal (MAEDS), dirigido por Joaquina Soares desde a sua fundação, em 1974, os trabalhos
de investigação arqueológica do Distrito ganharam um novo enquadramento científico e
institucional, que tem potenciado a sua regularidade, financiamento e divulgação, destacando-
se, por exemplo, diversas publicações promovidas no seio do MAEDS (Setúbal
Arqueológica, MUSA, entre outras).
Em 1993 foi publicada outra obra de referência – Património Arqueológico do
Distrito de Setúbal. Subsídios para uma carta arqueológica – um sistemático levantamento
integrado na inventariação do património distrital, promovido pela Associação de Municípios
do Distrito de Setúbal (Ferreira et al., 1993).
De referir, ainda, o contributo de João Luís Cardoso, investigador que na década de
1990 dirigiu trabalhos na Lapa da Furada (Serra da Azóia/Sesimbra), reapreciou antigos
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
27
espólios da Lapa do Bugio (Serra da Azóia/Sesimbra) e publicou algumas sínteses regionais
(Cardoso, 1998, 2000, 2004). Após o estudo de espólio, em 2004, o autor promoveu trabalhos
de escavação no povoado pré-histórico do Outeiro Redondo/Castro de Sesimbra, entre 2005 e
2008 (Cardoso, 2009).
Por fim, de destacar o projecto da nova Carta Arqueológica do Concelho de Sesimbra:
Arqueologia de Sesimbra – Projecto de investigação e valorização do património
arqueológico concelhio – desenvolvido, entre 2007 e 2009, por uma equipa multidisciplinar
coordenada por Manuel Calado e na qual o signatário se integra na qualidade de arqueólogo,
espeleólogo e fotografo. Os trabalhos foram publicados em Setembro de 2009, sob o título O
Tempo do Risco. Na sequência deste projecto foi estabelecido, com a Câmara Municipal de
Sesimbra, um protocolo de continuidade para a investigação arqueológica do concelho, ao
abrigo do qual se avançou para a escavação da Lapa da Cova (Serra do Risco/Sesimbra). A
mesma equipa encontra-se, desde Maio de 2010, a desenvolver trabalhos de prospecção
arqueológica e espeleológica na “Arrábida Oriental”, prosseguindo a exploração deste
território na área concelhia de Setúbal – Carta Arqueológica da Arrábida/Setúbal.
Fig. 6 – Esboço de uma cartografia arqueológica da região de Sesimbra (seg. Serrão, 1962).
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
28
4. A Idade do Bronze Peninsular: evolução dos conceitos e periodização
“As sociedades camponesas, tal como antes os caçadores-recolectores, produzem um discurso sobre a natureza, alterando-a, conformando a percepção da paisagem à sua realidade social”.
Senna-Martinez, 2008
Até meados do século XX, a conjuntura europeia da investigação da Idade do Bronze
implicou uma perspectiva artefactualista/antiquarista, resultante das influências teóricas
evolucionistas dos finais do século XIX. Focando-se, quase exclusivamente, em dispersos e
descontextualizados vestígios arqueometálicos, esta visão justificou-se na concepção de que a
Idade do Bronze seria o período áureo da generalização do metal. Neste contexto, vão
surgindo na Europa, pela mão de autores como Montelius, Kossina, Reinecker ou Déchelette,
os primeiros estudos tipológicos e comparativos, geralmente implicando uma matriz
difusionista, definidores da periodização clássica da Idade do Bronze. Estes autores só vão ser
“contrariados” na viragem da década de 50, com as novas propostas de Hatt, autor que
estabelece, em 1958, a divisão ternária da Idade do Bronze: Bronze Antigo (1800-1500 a.C.),
Bronze Médio (1500-1200 a.C.) e Bronze Final (1200-700 a.C.).
No espaço peninsular, investigadores pioneiros como Cartailhac (1886) vão seguir a
genérica tendência europeia, limitando-se a considerações de ordem tipológica, sem arriscar
propostas de natureza cronológica. A “cultura de El Argar”, revelada pelos irmãos Siret e
beneficiando de uma conjuntura muito particular, já vinha a ser divulgada em larga escala
desde finais do século XIX, desviando a atenção da investigação de outras realidades
culturais contemporâneas. Até aos anos 30, admitia-se que o Bronze Argárico constituía um
fenómeno cultural relativamente homogéneo, que se prolongou até à Idade do Ferro por toda
a Península Ibérica. No entanto, a subsequente pesquisa arqueológica (Bosch Gimpera e
Santa Olalla), além de propor as primeiras sínteses cronológicas de alcance peninsular,
acabou por distinguir duas realidades culturais no território ibérico: o Bronze Levantino ou do
Sudeste – 1200-1000/900 a.C. (Bronze Mediterrânico), mantendo o epicentro de referência na
região argárica; e o Bronze do Noroeste – 900-650/570 a.C. (Bronze Atlântico), marcado por
influências europeias e fixando-se na fachada atlântica da Península (Portugal, Galiza e parte
da Andaluzia).
No nosso país, “Leite de Vasconcelos considera prematuro um estudo sistemático
sobre a época do Bronze em Portugal, recorrendo, nos seus ensaios, a Montelius e a
Mortillet” (Vilaça, 1995, p. 26). Em 1924, Mendes Corrêa, na História de Portugal de
Damião Peres, mesmo adoptando as propostas de Déchelette, admite a simplicidade dos
quadros cronológicos existentes, pelo facto de compreenderem um limitado âmbito regional,
não sendo merecedores de uma aplicabilidade universal (ob. cit., p. 26).
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
29
O influente, mas efémero, esquema dualista foi ultrapassado à medida que foram
sendo isolados novos grupos culturalmente distintos, mantendo-se, ainda assim, uma ideia de
unidade cultural para cada fase da Idade do Bronze. Esta nova perspectiva, regionalista, não
se esgotou na divulgação de achados ocasionais, marcando o início de um progressivo
incremento das escavações (ob. cit., p. 28). Por outro lado, as concepções difusionistas,
previamente propostas pelos irmãos Siret, reforçam-se pelo Normativismo, prevalecendo, até
muito recentemente, uma tradicional teoria de génese orientalista para Idade do Bronze
peninsular.
Os anos 50 vão ser marcados pelos ainda incontornáveis contributos de Savory e de
MacWhite, investigadores que, mesmo assim, vão dar continuidade ao clássico paradigma
científico dos estudos tipológicos dos materiais metálicos peninsulares, no intuito de
determinar as suas origens e protótipos europeus (ob. cit., p. 28).
Só a partir dos anos 70, salvo raras excepções, o mito do ex oriente lux começa a ser
posto em causa, surgindo uma linha de investigação que procura o fundamento genético para
o Bronze Antigo e Bronze Médio num conglomerado herdado das culturas calcolíticas
regionais. Bosch Gimpera foi um dos investigadores peninsulares que mais se bateu por esta
perspectiva indigenista, curiosamente já sugerida em 1890 pelos irmãos Siret, no seu primeiro
texto sobre El Argar (Calado, 1993b, p. 328). As teses indigenistas, partidárias de um
desenvolvimento local das culturas do Bronze Ibérico, e as teses difusionistas mais ou menos
mitigadas, vão continuar a medir argumentos, validados, ou não, ao nível dos modelos
formulados a partir de diferentes, e por vezes contraditórias, leituras dos dados arqueológicos
(ob. cit., p. 328).
Regressando a Portugal, é de assinalar o pioneirismo das escavações de Schubart,
integrando os dados da sua investigação nas problemáticas regionais. Foi assim que o autor
definiu, em 1974 (Schubart, 1974), as duas fases do “Bronze do Sudoeste” (I – 1500/1400-
1100 a.C.; II – 1100-800 a.C.), substituindo a designação de “Bronze Meridional Português”.
Trabalho posterior (Barceló, 1991; Pavón Soldevilla, 1995; Soares, 1994; Castro Martinez,
Lull e Micó, 1996) corrigirá as cronologias, desmontará o faseamento e integrará como fase
inicial o tão discutido “Horizonte da Ferradeira”, permitindo incluir, em definitivo, o Bronze
do Sudoeste na 1.ª Idade do Bronze ou Bronze Pleno.
Em 1977 Almagro-Gorbea, por meio de novas escavações e de um crítico trabalho de
revisão dos dados disponíveis, desenvolve a mais completa e ainda actual síntese para o
Bronze da Extremadura espanhola, durante o período de transição Bronze Final/Idade do
Ferro.
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
30
O somatório dos dados emergentes das cada vez mais frequentes escavações, e a
multiplicação de datações de C14, permitiram transpor as clássicas cronologias globais
peninsulares, dando lugar a uma pluralidade de periodizações regionais. Por outro lado,
estudos de composição metalográfica permitiram determinar alguns centros produtores de
artefactos metálicos, bem como a distinção entre bronzes locais e bronzes importados.
Foi nesta altura que Schubart nomeia e introduz, na bibliografia peninsular dedicada
ao Bronze Final, o chamado “Grupo do Tejo” (1971), definido a partir de cerâmicas brunidas
atribuídas aos inícios do 1.º milénio a.C.
Em 1974, Gustavo Marques e Gil Miguéis Andrade, seguindo uma tendência
histórico-culturalista, sugerem a polémica “Cultura de Alpiarça” (séculos V-IV a.C.),
associada aos Cempsi e presumida a partir de um extenso acervo de materiais, tidos como
coevos, provenientes de recolhas de superfície em 62 estações, dispersas entre a Beira Alta e
o Algarve. De entre estes materiais os autores destacam, muito discutivelmente: cossoiros de
barro, pesos de tear, braceletes “tipo La Mercadera”, fíbulas de dupla mola “tipo Tossal
Redó” e elementos de foice em sílex. Estes autores estribam a sua proposta numa constante
tipológica de oito tipos cerâmicos e de seis processos de acabamento de superfícies, sendo as
diferenças atribuídas a tipologias mais frequentes e de largo espectro. Diversas escavações,
posteriores a esta proposta, acabaram por inviabiliza-la definitivamente, por meio de datações
relativas e absolutas. Ainda assim, Spindler considerou razoável considerar o termo “Cultura
de Alpiarça” para designar o grupo regional do Bronze Final do Oeste Peninsular (Vilaça,
1995, p. 30).
A partir da década de 80 esboça-se uma tendência para as abordagens de âmbito
regional, que terá consagração nos textos de Susana Oliveira Jorge para o 1.º volume da
História de Portugal da Presença (Jorge, 1990) e posteriormente na organização da exposição
A Idade do Bronze em Portugal: discursos de poder, realizada pelo Museu Nacional de
Arqueologia, sob o comissariado científico da referida autora, documentado pelo respectivo
catálogo (AAVV, 1995). Tratou-se de um evento de expressão pública à escala nacional, que
resultou na “primeira e extremamente meritória tentativa de síntese colectiva” (Senna-
Martinez, 2002, p. 104) de um complexo mosaico regional, consagrando a delimitação da
Idade do Bronze portuguesa em dois momentos sequentes e consequentes: a 1.ª Idade do
Bronze (ou Bronze Pleno – integrando o Bronze Antigo e o Bronze Médio) e o Bronze Final.
Esta abordagem, por grupos regionais, revelou-se mais adequada para um estudo de uma
problemática de grande variabilidade inter-regional, “configurando a existência no âmbito
peninsular de um mosaico cultural complexo” (Senna-Martinez, 2002, p. 104).
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
31
Por seu turno, a desmontagem do conceito de “Bronze Atlântico” (introduzido na
bibliografia arqueológica peninsular por Santa Olalla, contrapondo-o ao mundo centro-
europeu – Santa Olalla, 1946) será “ratificada” em Lisboa, em 1995, no colóquio
internacional Existe uma Idade do Bronze Atlântica? (Jorge, 1998), encontro que recuperou
alguns ecos do simpósio de 1988, realizado em Mação, dedicado ao tema O Bronze Final na
Beira Interior (Senna-Martinez, 2002).
Já nos anos 90, Mário Varela Gomes propõe, para o Sul de Portugal, duas etapas para
o Bronze Final: o Bronze Final I (séculos XII-X a.C.), de influência continental e atlântica; e
o Bronze Final II, também designado por “horizonte Roça do Casal do Meio - Ervidel II”
(século X - finais do século IX/inícios do século VIII a.C.), caracterizado por uma
intensificação dos contactos comerciais e culturais com o Mediterrâneo Oriental (Gomes,
1992, p. 122-125).
Susana Oliveira Jorge também reconhece duas grandes etapas de aperfeiçoamento
cultural durante o Bronze Final, desta feita no Norte de Portugal: uma primeira entre c. de
1250-1000 a.C.; e uma segunda entre c. de 1000/900-700 a.C., marcada pelo surgimento dos
primeiros habitats alcantilados, recorrendo a defesas naturais ou edificadas (Jorge, 1988, p.
98; 1990, p. 244).
Por sua vez, Senna-Martinez (Senna-Martinez, et al., 2010: Tabela I) propõe a
periodização do Grupo cultural Baiões/Santa Luzia em duas fases: a primeira entre os séculos
XIII-X a.C. e a segunda entre os séculos IX e VII/VI a.C.
Hoje, é praticamente pacífico fixar entre os séculos XIII-XII a.C. a marca temporal
definidora dos inícios do chamado “Bronze Final”. Todavia, denominações como “Bronze
Tardio” ou “Bronze Recente” vão traduzindo alguma insegurança ou ambiguidade
bibliográfica. Na sua génese, estas expressões remetem-nos, muito especificamente, para o
Sudeste Peninsular, surgindo como resposta à necessidade de caracterizar o hiato pós-
argárico/pré-Bronze Final. Assim, pelo seu significado e especificidade cultural, não podem
ser aplicadas a outras regiões, e muito menos no extremo atlântico da Península. O
significativo aumento, quantitativo e qualitativo, da informação cronométrica produzida à
escala peninsular, verificado nas últimas décadas do século XX, permitiu, enfim, propor um
coerente balizamento temporal para os inícios do Bronze Final, ainda que, com ligeiros
acertos regionais (Castro Martínez, Lull e Micó, 1996).
Quanto ao seu terminus, é hoje uma questão muito marcada pelo momento e forma
que assumem, ou não, nas diversas áreas regionais peninsulares, os contactos com o “mundo
orientalizante”. Precoces na Andaluzia e sul peninsular em geral (séculos VIII-VII), serão
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
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sucessivamente mais tardios e escassos, nomeadamente à medida que avançamos para o
Ocidente e Norte peninsulares. Nomeadamente para o Noroeste (Bettencourt, 2004 e 2009) a
transição centrar-se-á no século V a.C., implicando a não existência de uma 1.ª Idade do
Ferro.
O agenciamento da investigação para a Idade do Bronze tem hoje novas premissas e
motivações. Independentemente das terminologias adoptadas e das cronologias estabelecidas,
há que integrar, em definitivo, as comunidades na investigação do Bronze Peninsular. Estas
têm sido omissas da esmagadora maioria dos quadros crono-culturais. Mesmo coevas e
ocupando as mesmas regiões, as comunidades têm sido marginalizadas em função dos
artefactos, os protagonistas, por excelência, das redes de trocas e dos contactos supra-
regionais. Não nos podemos esquecer do verdadeiro objecto da Arqueologia – o Homem.
Desde logo, há que considerar o facto de nem todas estas comunidades partilharam da
metalurgia do bronze, quer na sua produção, circulação ou mesmo usufruto. Estes objectos
constituem elementos de excepção, revestindo-se de um carácter de prestígio, de pouca
utilidade prática, não sendo por si só representativos de uma universalidade social ou plenos
caracterizadores de uma etapa crono-cultural (Senna-Martinez, 2009). Os objectos de
prestígio revestem-se de um baixo potencial de precisão cronológica, ou seja, com um tempo
de vida de difícil determinação. Pelo seu valor idiossincrático adquirem dois tempos distintos
de utilização, tendendo a perdurar muito além do seu original período de circulação –
transmitidos hereditariamente, por via de ofertas politicas ou como troféus de guerra. Ainda
assim, por serem tendencialmente trocados a longas distâncias, constituem, por isso, bons
indicadores de espectro largo para amplas áreas geográficas.
Em contrapartida, os objectos utilitários, em regra dependentes de matérias-primas
locais, implicam um período de circulação mais limitado, adequando-se melhor ao
estabelecimento de cronologias loco-regionais – “os recipientes cerâmicos terão um papel
fundamental, mas não absoluto” (Vilaça, 1995, p. 34).
Por fim, a génese, evolução ou substituição destes objectos não coincide,
necessariamente, com importantes mudanças em termos culturais e sócio-económicos – “o
tempo económico é diferente do tempo social e ambos se distinguem do tempo arqueológico”
(ob. cit., p. 33). Neste sentido, aferições cronológicas para amplas áreas regionais não podem
ser concretizadas segundo os mesmos critérios utilizados para as cronologias loco-regionais.
Esta é certamente uma diferença, nem sempre tida em conta, tanto pelos investigadores
proponentes das referidas cronologias, como pelos que, a jusante e posteriormente, recorrem a
estes dados – “as periodizações e os esquemas cronológico-culturais terão ainda de se
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
33
libertar, progressivamente e definitivamente, de sistemas de índole convencionalista que nos
dominam” (ob. cit., p. 37).
Outra questão na “ordem de trabalhos” da investigação para a última etapa do Bronze
Final é a correcta aferição da origem dos seus protótipos culturais – produtos autóctones?
Produtos exógenos? Réplicas autóctones de produtos exógenos? Ou, ainda, produtos
autóctones evolucionados a partir de modelos exógenos? Para confirmar estas hipóteses, a
ciência tem proporcionado à Arqueologia, adoptando esta uma atitude transdisciplinar e
pluridisciplinar, algumas técnicas de análise que podem determinar a origem das matérias-
primas e de algumas produções, nomeadamente por meio de análises arqueometalúrgicas
(Senna-Martinez et al., 2011a) e de composição de pastas cerâmicas.
Fig. 7 – Capa do catálogo da Exposição A Idade do Bronze em Portugal: discursos de poder, realizada pelo
Museu Nacional de Arqueologia (AAVV, 1995).
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
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5. O Bronze Final: indígenas, visitantes e colonos
“Uma época das mais notáveis em transformações culturais de toda a nossa Pré-história, decorrentes em parte da chegada dos primeiros influxos orientalizantes,
cujo impacto na sociedade pré-existente estão, outros-sim, longe de suficientemente conhecidos”. João Luís Cardoso, 1995a
“Ninguém parece já duvidar que a tão apregoada “invisibilidade” dos sítios de habitat e necrópoles do Bronze Final resulta da falta de sistemático reconhecimento arqueológico das diferentes áreas regionais e, simultaneamente,
de uma alteração qualitativa das estratégias de povoamento relativamente a épocas anteriores”. Senna-Martinez, 2002
No contexto do Bronze Final, além da quantificação e compreensão dos motivos que
justificaram a circulação e adopção, em contextos indígenas, de novos elementos alógenos,
como os artefactos de ferro e a cerâmica produzida ao torno, há que considerar outros
elementos e, sobretudo, entender a lógica de aceitação de alguns aspectos culturais mais cedo
que outros, bem como o porquê de outros nunca se terem afirmado. Neste sentido, há que
distinguir os factores económicos dos políticos, manifestados em timings diferentes (Vilaça,
1995, p. 37).
Em última análise, será razoável considerar que o período convencionalmente
denominado por “Bronze Final” resultou, sobretudo, do natural desenvolvimento interno das
sociedades autóctones precedentes, intensificado com os renovados impulsos culturais,
aportados mormente por via das navegações provenientes do mundo mediterrâneo. O grau de
desenvolvimento variou regionalmente conforme o timing e o grau de contacto,
permeabilidade e aceitação dos referidos estímulos. A par das antigas rotas marítimas
mediterrâneas/orientais, que contactaram sobremaneira o sul da Hispânia, a Península terá
recebido, por via continental, através dos Pirenéus, bacia do Ebro e da Meseta, influxos
provenientes da Europa Central e Atlântica. Por outro lado, torna-se cada vez mais pertinente
admitir algum grau de contacto por via oceânica, a partir dos “mares do Norte”, tendo em
conta emergentes indícios que concorrem para uma efectiva comunicação entre as Ilhas
Britânicas e destas com o continente e, quem sabe, uma possibilidade de exploratórias
navegações de cabotagem pelos recortes ocidentais da costa atlântica.
Genericamente, este período implicou rupturas e alterações, particularmente
evidentes nas estratégias de povoamento, na disseminação da liga de bronze na metalurgia, na
adopção de novas opções de culto funerário e numa personalização iconográfica do poder.
O “mundo dos mortos”, com algumas excepções, encontra-se praticamente ausente do
registo arqueológico conhecido. A Idade do Bronze marca o fim das deposições colectivas e
uma tendência para a individualização da morte, fenómeno manifestado num claro
desinvestimento e uniformização das arquitecturas sepulcrais. Mais evidente no Sudoeste
Português, bem como em outras áreas culturais do sul peninsular, a individualização do ritual
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
35
de enterramento é menos clara na Estremadura e nas Beiras, não apenas pela falta de
evidências contextuais, mas também pela reutilização de monumentos megalíticos neo-
calcolíticos (a Roça do Casal do Meio poderá inscrever-se como um exemplo “Atlântico”
deste fenómeno), pela (re)utilização em continuidade de cavidades naturais, sobretudo na
Estremadura, ou pela difícil detecção, no registo arqueológico, de outras opções funerárias
como a incineração ou o “lançamento” dos corpos no abismo (fendas, falésias, rios e mar).
A “singularização da morte” poderá ser entendida como reflexo da desagregação da
vida comunitária, suprida por uma emergente sociedade em processo de complexificação e
estratificação, prevendo o advento de sistemas de tipo “chefado”, tendencialmente
hereditários. As inumações, além de individuais, contêm um espólio diferenciado, tanto em
adultos, como em jovens e crianças, o que concorre para a aludida hierarquização social e
transmissão do poder pelo sangue. Observa-se uma diferenciação dos indivíduos que, tal
como na vida, transportam na morte os seus ícones estatutários, por vezes compostos de um
espólio de grande riqueza.
Outra mudança detectável revela-se numa mais nítida separação entre o “mundo dos
vivos” (povoados) e o “mundo dos mortos” (necrópoles), revelada, sobretudo, num plano
simbólico, pois fisicamente o distanciamento já era uma realidade. Enquanto no mundo
funerário megalítico as necrópoles significavam um prolongamento dos espaços domésticos,
apresentando um pacote artefactual funerário de cariz quotidiano, contendo as mamoas, em
alguns casos, fragmentos cerâmicos e outros restos provenientes dos povoados (Silva e
Soares, 1981); já na Idade do Bronze parece existir uma declarada opção por artefactos
especiais, nomeadamente algumas formas de cerâmica que, em muitos casos, são produzidas
especificamente para uma utilização ritual funerária – função exclusivamente votiva.
Relativamente às estelas decoradas do Sudoeste Peninsular, também conhecidas por
de Guerreiro, de Tipo Extremeño ou de Tipo II, estas têm vindo a revelar-se como um
excelente “fóssil director” para a progressão temporal e espacial dos já referidos impulsos
culturais, para a consequente dinâmica de transformações histórico-culturais e para a
compreensão do fenómeno de complexificação social ocorrido ao longo da Idade do Bronze.
Por outro lado, tendo em conta a natureza dos objectos gravados nas estelas, alguns de
consensual origem oriental, estas têm constituído um recorrente argumento na defesa de teses
acerca da “pré-colonização” (Arruda, 2008, p. 365). Estes monumentos têm vindo a ser
datados de uma fase avançada do Bronze Final – “entre os séculos X e IX a.C. ou mesmo IX-
VIII a.C.” (ob. cit., 366).
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
36
Constituindo verdadeiros “mitos de sobrevivência” (Edgar Morin), numa tendente
personificação iconográfica do poder, parecem integrar “a morte dos grandes personagens,
de forma a permitir que a cultura e a organização social se reproduzissem no seio da
memória colectiva” (Gomes, 1992, p. 117), numa “dinástica” estratégia de manutenção e
continuidade da sua influência nas comunidades que lideravam, no “que julgamos ter sido o
suporte social e administrativo do Sudoeste Peninsular durante a Idade do Bronze Final”
(ob. cit., p. 117). “Associar ao defunto armas reais, produzidas em metal, ou gravar na
tampa da sepultura [ou estela] a respectiva figuração não nos parece essencialmente
diferente, do ponto de vista da simbólica do poder” (Senna-Martinez, 2007, p. 126).
Trata-se, portanto, de um grupo de monumentos que demarcaria as sepulturas de um
privilegiado e limitado número de indivíduos com atributos de chefia – “grandes
personagens e guerreiros prestigiados, em alguns casos verdadeiros ‘heróis civilizadores’,
capazes de manter a organização social, imposta pela metalurgia e comércio dos metais e o
progresso em geral” (Gomes, 1992, p. 115); “exibem a posição social privilegiada de alguns
indivíduos ou a existência de rituais de antepassados (‘ancestor rituals’) conotados com
heróis-fundadores” (Parreira, 1998, p. 270). Recorde-se que a Idade do Bronze foi também o
palco dos homéricos “heróis civilizadores”, uma Odisseia de épicas viagens de descobertas,
de périplos mitológicos, de percursos iniciáticos e primordiais. Na Arrábida, entre o espólio
funerário dos dois “personagens” da Roça do Casal do Meio, foram exumados alguns itens
análogos aos figurados nas estelas do Sudoeste – duas pinças e um pente.
Ainda no domínio do simbólico mágico-religioso, assiste-se, na Idade do Bronze, à
gradual substituição de uma ritualidade rural de carácter feminino, figurada na “deusa-mãe”
(a natureza, a terra, o barro e a fecundidade), por uma iconografia manifestamente masculina,
patente na arte rupestre e nas estelas do Sudoeste (a guerra, o guerreiro, o metal, as armas e as
primeiras figurações do poder). A olaria, enquanto actividade tradicional do mundo das
mulheres, perde importância para a metalurgia, enquanto especialidade masculina. Os
restritos mistérios dos elementos ganham novos “alquimistas”, transformadores e produtores
de novas matérias. A “sagrada fertilidade” do barro e das oleiras é “brunida” pelo profano
metal dos metalúrgicos e guerreiros. As sociedades de tendência matriarcal, mais naturalistas
e igualitárias, são agora “maculadas” por um competitivo espírito guerreiro e pelas novas
hierarquias e emergentes elites.
Por seu turno, a pouca visibilidade arqueológica do mundo dos vivos na 1.ª Idade do
Bronze – sediados em povoados tendencialmente implantados em cotas baixas, perto dos
recursos naturais e sem preocupações defensivas – contrastará, no Bronze Final, com o
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
37
“êxodo” para as topografias mais elevadas e naturalmente defensáveis, num fenómeno de
concentração demográfica em grandes povoados “eriçados” na paisagem (povoados de altura
e de cumeada). Porém, esta genérica tendência para o abandono e implantação e/ou
reocupação de povoados com evidente domínio visual da paisagem somente se manifestou,
em determinados âmbitos regionais, no seu acastelamento e, por vezes, na sua
“monumentalização” pela construção de complexos dispositivos defensivos.
No Alentejo Central, por exemplo, e de certa forma também na Arrábida, se bem que
numa escala proporcionalmente mais discreta, estes povoados de altura, fortemente
defendidos pela topografia natural e pelo recurso a estruturas de defesa, lançavam um claro
controlo visual e estratégico sobre as adjacentes paisagens e sobre um amplo território de
influência, particularmente sobre os recursos primários, sobre dependentes casais agrícolas,
sobre áreas de exploração de minério e sobre os eixos de comunicação regional e trans-
regional. Estes povoados, além de evoluídos e dominantes dispositivos de defesa,
significavam complexas e especializadas estruturas de representação do poder, enquanto
reflexos da organização económica das sociedades, hierarquizando o espaço em termos
geográficos, políticos, económicos e simbólicos, constituindo-se, ao longo do Bronze Final,
como “‘lugares centrais’, de onde partiam as directrizes administrativas, capazes de
conferirem prestígio às elites ali sediadas, mas, ainda, de proteger vidas humanas e os bens
que a comunidade, ou cada um dos seus membros possuía, e dos quais dependia a sua
sobrevivência” (Gomes, 1992, p. 105); “centros – políticos e económicos – de uma
população dispersa em pequenos povoados nos arredores” (Parreira, 1983, p. 167).
Naturalmente, o evidente crescimento demográfico, bem patente nos finais da Idade
do Bronze, implicou um longo processo evolutivo desencadeado durante a 1.ª Idade do
Bronze. Ao contrário do Calcolítico, estes novos povoados, extremamente alcandorados nas
paisagens serranas, tornam-se menos dependentes da proximidade directa aos recursos
básicos de subsistência, como os principais cursos de água e os terrenos agrícolas locais,
dominando-os, efectivamente, a alguma distância visual, compensando tecnologicamente esse
aparente distanciamento (García et al., 1999, p. 156-157). De facto, a tecnologia e a
especialização (agro-pecuária, mineira, metalúrgica... e náutico-portuária) terão, certamente,
constituído significativos argumentos de desenvolvimento, potenciando as riquezas e as
assimetrias que estão na base da complexificação social e da emergência das elites do Bronze
Final.
Segundo alguns autores, este modelo sugere relações de tipo “centro-periferia” – os
povoados centrais desenvolvem acentuada complexidade funcional e sócio-política, numa
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
38
clara expressão das “tecnologias do poder”: arquitecturas de força, armas, meios de
comunicação e transporte, objectos de prestígio e luxo (Silva e Soares, 2006, p. 40). Nesta
perspectiva, os centros e as periferias relacionam-se num desigual e centrípeto sistema de
trocas e apropriação. Os povoados centrais absorvem eventuais “tributos”, matérias-primas e
mão-de-obra provenientes dos povoados subsidiários, devolvendo-lhes, por sua vez,
autoridade, controlo, organização e protecção. Esta aparente relação simbiótica, não muito
distante de realidades históricas, ou mesmo subactuais, terá produzido um dinâmico devir
populacional e naturais mutações sócio-políticas em todas as cinturas de povoamento. Assim,
no Bronze Final, as elites terão ido além do controlo destas alianças, concorrendo com outras
comunidades e regiões, especializando-se na acumulação de riqueza, passando de uma
estratégia assente exclusivamente no intercâmbio para uma estratégia de consumo –
“formação fortemente hierarquizada, aristocrática e ‘mercantilista’” (ob. cit., p. 42).
Ainda assim, as sociedades do Bronze Final, apesar de impulsionadas por novas
actividades produtivas e mais complexas estratégias económicas, vão denotando algum
conservadorismo, pois parecem continuar em parte dependentes das tradicionais actividades
primárias. Na verdade, a agro-pecuária conservará uma vital importância para a subsistência e
desenvolvimento das populações, justificando, em diversas áreas regionais peninsulares, a
inclusão do Bronze Final num último capítulo da Pré-História das Sociedades Camponesas.
Aparentemente, as estruturas económico-produtivas e os elementos básicos de
subsistência destas comunidades parecem encontrar-se bem estabelecidos e estabilizados
regionalmente desde épocas anteriores. Mesmo com o impulsionador advento da exploração
mineira e da metalurgia, algumas destas populações vão continuar a alicerçar as suas
economias e a respectiva acumulação de riqueza nas tradicionais actividades primárias:
agricultura, criação de gado, caça, pesca, marisqueiro e recolecção. Por outro lado, a par das
mais expressivas actividades tradicionais, personificadas nos pastores e nos agricultores, vão
surgir novas actividades especializadas: mineiros, metalúrgicos, novos artesãos e marinheiros
– “as principais forças produtivas de uma sociedade do tipo das chefaturas. Elites guerreiras
detinham o poder político e espiritual, através do controlo supra-familiar, territorial,
tecnológico e das principais fontes metálicas e de subsistência, bem como das rotas
comerciais” (Gomes, 1992, p. 104).
A propósito do desenvolvimento das sociedades camponesas do sul peninsular, com
base numa suposta sustentabilidade em produções cerealíferas de grande extensão,
nomeadamente no Sudoeste e Andaluzia, e recuperando a questão da(s) chamada(s) “crise(s)
do Calcolítico”, um recente estudo (Araus et al., 1997) veio documentar – a partir de isótopos
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
39
de carbono obtidos em amostras carbonizadas de cevada, trigo e fava – “a improbabilidade
de, entre o Neolítico e o Bronze Final, ter existido irrigação de cereais e admitem apenas a
irrigação de hortícolas” (Senna-Martinez, 2009, p. 481).
Outros dados mais recentes, desta feita para o Sudeste Peninsular (Aguilera et al.,
2008, p. 1662), parecem corroborar a vulnerabilidade e insustentabilidade de tal esquema
produtivo, particularmente nas áreas peninsulares banhadas pelo Mediterrâneo, onde foi
registada uma progressiva perda de eficiência. Esta conclusão baseia-se no decréscimo do
tamanho, rentabilidade das colheitas e do conteúdo total de azoto por grão observado em
amostras exumadas no arqueossítio de Montefrío, numa sequência estratigráfica que abrange
cerca de 1500 anos (Neolítico e Calcolítico). Esta constatação não parece estar relacionada
com perdas na disponibilidade hídrica durante o cultivo, mas sim com um enfraquecimento
da capacidade dos solos, sobretudo para o trigo, o mais representativo cultivo deste sistema
agrícola. Estes trabalhos podem contribuir, “não só para a compreensão dos processos de
colapso dos ‘ensaios de complexidade calcolíticos’ que caracterizam a transição para a
Idade do Bronze, mas também, se extrapolável, o que pensamos possível, de alguns dos
colapsos que marcam, de modo semelhante, o final da 1.ª Idade do Bronze” (Senna-Martinez,
2009, p. 481) e, eventualmente, em determinados casos, o Bronze Final.
Mais uma vez, o nosso país não constitui aqui exemplo de vanguarda nos estudos
paleoambientais, ainda assim, algum trabalho tem vindo a ser desenvolvido. Por exemplo,
estudos palinológicos, realizados em turfeiras da Serra da Estrela, permitiram confirmar um
profundo impacto antrópico nas paisagens da região, particularmente no decorrer do Bronze
Final. Este impacto manifestou-se numa progressiva desflorestação, iniciada nas zonas
baixas, avançando até às zonas mais elevadas, presumindo uma intensificação da pressão
agropastoril (Knaap e Janssen, 1991; Knaap e Van Leeuwen, 1994).
Por outro lado, a arqueobotânica permitiu isolar, no sítio da Senhora da Guia de
Baiões (Beira Alta), algumas espécies com particular importância na dieta alimentar das
comunidades da Idade do Bronze. Numa região de excelentes solos agrícolas, a fava
predominou largamente sobre outras espécies como a ervilha, o trigo e a cevada (Senna-
Martinez, 2002, p. 109). A cevada também foi atestada na Beira Interior, pela presença de
impressões de grãos em cerâmica (Vilaça, 1995), o que também poderá indiciar a produção
de cerveja, na sua receita original.
Estes estudos permitiram, ainda, reconhecer a importância da recolecção e torrefacção
da bolota (Senna-Martinez, 2002, p. 109). Segundo Senna-Martinez, a contínua utilização
alimentar da bolota encontra-se seguramente documentada desde meados do 4.º milénio a.C.
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
40
Depois de torrada e farinada, a bolota seria transformada em pão, uma evidência arqueológica
que acabou por corroborar as fontes clássicas: Estrabão, no volume III da sua Geographia,
atribui aos Lusitanos a prática do fabrico do pão de bolota (ob. cit., p. 124).
No que respeita à Estremadura, nela incluindo a Península de Setúbal, e tendo em
conta alguns dados atribuíveis ao 3.º milénio a.C., exumados em povoados como o Zambujal,
Vila Nova de São Pedro e Pedra do Ouro (Senna-Martinez, 2002, p. 110, cf. Hopf, 1981;
Paço, 1954; Silva e Tellez, 1954), continua a evidenciar-se uma tendência para uma
policultura complexa, combinando o sistema de regadio e de sequeiro, documentando a
exploração cerealífera, hortícola e frutícola, nomeadamente da vinha e do olival. A
policultura ainda hoje é utilizada em sociedades rudimentares, como segura estratégia de
subsistência face à imponderável acção do microclima e das pragas. Por exemplo, na América
do Sul, as comunidades andinas ainda hoje semeiam várias espécies de batata, em diferentes
solos e a diferentes cotas de altura, precavendo fracassos na colheita e garantindo uma
produção mínima para a sua subsistência.
Ainda relativamente à(s) crise(s) do Calcolítico, a totalidade das causas deste(s)
fenómeno(s) ainda escapa à investigação arqueológica, sendo melhor reconhecidos os seus
efeitos. As possíveis hipóteses explicativas divergem entre, por um lado, a crise da estrutura
político-social calcolítica (Silva e Soares, 1984); por outro, a crise económica, reflexo da
exaustão dos solos face às crescentes necessidades demográficas (Calado, 2001). A verdade é
que a expressão do povoamento regional (dimensão e número de povoados conhecidos), ao
longo do 3.º milénio, sofreu um inesperado esvaziamento, “que só viria a ser colmatado, em
novos moldes, nos finais do II milénio a.C.” (Calado et al., 2006, p. 167).
O problema fundamental da sustentabilidade dos fenómenos de complexificação
social consiste na existência, ou não, de um correlativo suporte económico (Senna-Martinez,
2009, p. 481). Para a legitimação e garantia do status quo e poder político das proclamadas
“emergentes elites da Idade do Bronze”, Senna-Martinez propõe uma estratégia combinada de
sistemas de wealth finance e staple finance. A estratégia de staple finance (financiamento a
partir de bens de consumo alimentar acumuláveis) nutre-se do controlo dos excedentes da
produção agro-pecuária, implicando, necessariamente, algum grau de coercibilidade e de
risco, pois depende do aumento do esforço produtivo das tradicionais sociedades rurais e do
desvio dos seus produtos em benefício dos grandes centros populacionais e das elites. Por seu
turno, a estratégia de wealth finance (financiamento a partir de bens de prestígio) permitia às
elites o sustento do seu domínio social pela conversão de alguns excedentes de produção
agro-pecuária em produtos de circulação controlada – bens de prestígio. “É neste âmbito que
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
41
pensamos se enquadra a produção de armas e jóias metálicas cujo monopólio da produção,
circulação e utilização a um tempo sustenta e explica a emergência das elites da Idade do
Bronze” (ob. cit., p. 482). Este ponto de vista é igualmente sustentado pelo autor para o
Grupo Baiões/Santa Luzia (Senna-Martinez, 1996), sendo que os grandes factores de
transformação das sociedades camponesas pré-históricas peninsulares resultarão do impacto
dos contactos e “colonizações orientalizantes” (Arruda, 1999-2000).
Genericamente, as opções de fixação dos grupos humanos do Bronze Final
prenderam-se, claramente, com o controlo dos mais importantes recursos naturais,
particularmente de terrenos férteis, bem como, em determinadas regiões, de determinados
recursos minerais (cobre, estanho e ouro) e marinhos (marisqueiro, pesca, sal?). Por outro
lado, a proximidade às vias de comunicação e circulação de pessoas e bens, bem definidas
desde épocas anteriores, também foi determinante para as estratégias de implantação. O
incremento, em algumas regiões, da exploração mineira, associada à sua transformação e
produção de armas, ferramentas e artefactos de adoro, bem como à organização de novas vias
de tráfego e circulação destes produtos, terá acentuado as diferenças e desigualdades inter-
povoados e inter-regionais, aquilatadas pela disponibilidade das riquezas naturais e pelo
resultado das suas produções (quantidade, qualidade, tecnologia e especialização).
Neste ponto, há que desmistificar o verdadeiro impacto e alcance do advento da
metalurgia no conservadorismo das economias atingidas. Esta nova realidade não implicou,
seguramente, uma verdadeira revolução agrícola: não nos podemos esquecer que o
desenvolvimento da metalurgia do cobre e do bronze não revogou o recurso aos artefactos
líticos (elementos de foice, por exemplo) e, mesmo na Idade Média, a metalurgia do ferro
tardou a substituir os utensílios de madeira (Duby e Wallon, 1975, apud Senna-Martinez,
2002, p. 110). A evidente e generalizada prosperidade material observada neste período,
reflexo do harmónico desenvolvimento do trinómio agro-pastorícia/metalurgia/“primeiras
formas de circulação alargada”, terá acentuado as discrepâncias na distribuição dos bens e na
definição dos estatutos, verticalizando progressivamente a estratificação social. Esta ideia
surge particularmente evidenciada nas necrópoles, que apesar da pobreza material da maioria
dos espólios, vão também manifestando claras variações na distribuição de riqueza votiva.
Como veremos mais à frente, na qualidade de extremo sul da Estremadura (no sentido
amplo de Orlando Ribeiro, 1967), a Arrábida estabelecerá efectivas relações com outros
domínios regionais, de que o vasto interior alentejano e a restante Estremadura,
particularmente o vale do Tejo, serão os mais imediatos territórios.
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
42
Tendo em consideração os dados disponíveis, o Alentejo impõe-se, de facto, como um
território Central no registo de ocupação para o Bronze Final do Sudoeste Português – uma
verdadeira centralidade geográfica e cultural. Na realidade, no arranque oriental da Serra de
Monfurado, define-se o ponto de convergência das linhas de festo das três bacias
hidrográficas dos grandes rios do sul: o Tejo, o Sado e o Guadiana. Este singular
entroncamento de caminhos naturais (festos e cursos de água) parece ter potenciado a fixação
de grupos humanos durante a Pré e a Proto-História, a julgar pela sua comprovada
representatividade arqueológica – nomeadamente como genético cenário do povoamento neo-
calcolítico e megalitismo alentejanos (Calado, 2004). Contudo, entre a região da Arrábida e a
região de Évora, parece definir-se uma “terra de ninguém”, onde são desconhecidos
significativos indícios de povoamento durante o Bronze Final. Esta aparente lacuna na malha
de povoamento apenas volta a ser contrariada no distante horizonte de Montemor-o-Novo, no
povoado do Alto do Castelinho da Serra (Burgess, 1998), o que abona em favor de uma
“autonomia” da região da Arrábida, relativamente ao mundo alentejano.
Segundo Rui Mataloto, e partindo dos dados disponíveis, a ocupação dos finais da
Idade do Bronze no Alentejo Central dificilmente configuraria sociedades plenamente
estratificadas, proto-estatais e proto-urbanas. As evidências coligidas sugerem antes um
modelo ainda assente nas tradicionais estruturas familiares de parentesco e numa limitada
produção de auto-subsistência. Neste contexto, entre estas comunidades indígenas, foram
emergindo determinadas linhagens de elementos socialmente destacados – os “Patriarcas”
(Mataloto, no prelo, cf. Barceló 1995). Estes líderes terão ascendido pela necessidade de
reunião e coordenação de vastos grupos humanos, em determinados locais estratégicos e de
elevada defensabilidade natural, motivados por conjunturas de potencial conflituosidade
territorial. A sua influência sobre a comunidade seria transmitida numa linguagem identitária,
trans-regional e de sentido gregário – um verdadeiro discurso de poder. A ideia de “guerra”,
efectiva ou simbólica, “jogou um papel fundamental na estruturação destas comunidades do
final da Idade do Bronze, tal como se perspectiva um pouco por toda a Europa” (Mataloto,
no prelo).
Nesta ordem de ideias, Senna-Martinez, baseado nos resultados da Tese de Mestrado
de Jessica Reprezas (2010), propõe outro “harmonioso mecanismo” de coesão comunitária.
Partindo da análise das decorações do espólio cerâmico do “Mundo Baiões/Santa Luzia”, a
investigadora aponta para uma elevada probabilidade na ocorrência de variantes sub-
regionais, o que, segundo Senna-Martinez (2010, p. 14) pode indiciar a existência de
diferentes linhagens de oleiras. A circulação de mulheres, sob a forma de alianças
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
43
matrimoniais, parece ter constituído um efectivo mecanismo de intercâmbio e difusão entre os
sítios, a nível local, regional e mesmo “inter-áreas culturais no Bronze Final da fachada
atlântica peninsular” (ob. cit., p. 16). Este fenómeno, além de difusor de “modas de
produção” (particularmente cerâmicas), reforçaria laços de coesão social.
Relativamente à região estremenha (na qual a Arrábida se integra), por se tratar de
uma área de limitada disponibilidade de recursos minerais, as suas comunidades terão
subsistido e prosperado graças ao bom aproveitamento dos seus solos, extraindo dividendos
da exploração agro-pecuária e, particularmente, do seu papel de “placa giratória” inter-
regional, com um enorme potencial de abertura a contactos marítimos, sobretudo
concretizados a partir do estabelecimento do interface orientalizante. Neste sentido, a
Estremadura beneficiou, sobremaneira, da sua localização geoestratégica, entre o norte (rico
em estanho e ouro) e o sul (abastado em cobre), e da confluência e excelência das suas vias
naturais de transitabilidade e comunicação – terrestres (os festos), fluviais (os grandes rios do
Sul – Tejo e Sado) e marítimas (o Atlântico).
João Luís Cardoso refere uma abundância de pequenos povoados atribuíveis ao
Bronze Final – último quartel do 2.º milénio a.C. e primeiro do milénio seguinte – registados,
particularmente, na baixa península de Lisboa/Baixa Estremadura. Segundo o autor, esta
ocorrência justifica-se, sobretudo, pelas propícias condições de fixação humana: “clima
ameno, excelente insolação, solos férteis, particularmente os correspondentes ao Complexo
Basáltico de Lisboa, cujos afloramentos ocupam boa parte da área em causa, e abundância
de água explicam o sucesso da fixação sedentária verificada no Bronze Final” (Cardoso,
1995a, p. 126). “A amenidade climática, temperada pela acção do oceano, os mananciais e
abundantes linhas de água, aliavam-se ao fácil acesso aos recursos marinhos (recolecção,
pesca, sal)” (Gomes, 1992, p. 106).
No decorrer do Bronze Final regional verifica-se a reocupação de uma série de lugares
estratégicos, abandonados desde finais do Calcolítico/inícios da Idade do Bronze, o que
demonstra a importância do controlo do espaço e das suas principais vias de comunicação
(Senna-Martinez, 2002, p. 111). Luís Cardoso detém-se na evidente dicotomia entre os
pequenos povoados (casais agrícolas de encosta) e os maiores povoados de altura,
justificando a sua coexistência com a crescente hierarquização social que marcou a evolução
da sociedade no decurso do Bronze Final. Assim, os povoados de altura, defendidos
naturalmente e eventualmente reforçados com dispositivos de defesa, abrigavam as elites
controladoras do território: “a estrutura tribal dá lugar a um regime de chefaturas onde
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
44
começam a manifestar-se formas embrionárias de organização estatal” (Silva e Soares,
1986, p. 116).
Dos trabalhos de João Luís Cardoso na região estremenha, de destacar a escavação na
Tapada da Ajuda, hoje sob o campo de rugby do Instituto Superior de Agronomia, em Lisboa
(Cardoso e Silva, 2004). Trata-se de um povoado aberto, atribuível ao Bronze Final, com uma
área original de cerca de 200 x 100 m, implantado em cotas médias entre os 100/115 m de
altitude, numa suave encosta de boa exposição meridional/sul, com excelentes solos agrícolas
e junto de um curso de água que desagua no Tejo. Estas condições repetem-se em numerosos
outros sítios da região – pequenos povoados que dificilmente ultrapassam, na maior parte dos
casos, as dimensões de casais agrícolas de raiz familiar.
A área em causa propiciou, assim, convidativas condições à fixação de populações
sedentárias e pacíficas, dedicadas ao cultivo da terra e à pastorícia, durante todo o ano. As
prospecções realizadas na zona da Tapada da Ajuda permitiram recolher um copioso conjunto
de elementos de foice sobre lascas de sílex de bordos denticulados, indício indirecto de
actividade agrícola, mais precisamente de produção cerealífera. A agricultura terá sido
complementada pela criação de gado (bovino, ovicaprino e suíno), pela pesca e recolecção
marisqueira no estuário do Tejo e nas costas rochosas do Oceano, bem como por uma residual
actividade venatória (coelho e veado), na qual também se inscreve a presença do cão
(Cardoso, 1987; Gomes, 1992, p. 107). De acrescentar, ainda, evidências de produção
queijeira, atestada pela ocorrência de fragmentos de “cinchos”, vulgo queijeiras (Cardoso e
Silva, 2004, p. 268). No que respeita à cronologia absoluta, esta foi aferida a partir do
resultado ponderado de cinco datações radiocarbónicas que apontam para uma provável
ocupação do sítio durante o século XIII a.C.
A região estremenha tem vindo a revelar outros sítios de habitat onde foram
registados materiais semelhantes aos observados na Tapada da Ajuda, destacando-se as
cerâmicas carenadas, por vezes brunidas, abundantes elementos de foice em sílex, além de
fauna mamalógica e malacológica, vestígios que vão sugerindo idênticas estratégias de
exploração dos recursos naturais (Marques e Andrade, 1974; Gomes, 1992, p. 107). Na
margem sul do Tejo, as opções económicas aparentam semelhanças, mesmo tendo em conta
tratar-se de uma região de solos menos produtivos. Os povoados por aqui identificados
(Ramalha, Quinta do Almaraz, Quinta do Percevejo e Quinta do Marcelo) registaram
cerâmicas de formas hemisféricas, carenadas, algumas de colo alto, fundos planos, decoração
brunida e digitada. A análise das pastas isolou elementos basálticos, o que sugere a sua
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
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importação a partir da margem norte do Tejo (Barros e Espírito Santo, 1991; Gomes, 1992, p.
107).
Mesmo na sua segunda etapa (séculos IX-X/VII), em que o Bronze Final estremenho
sofre “a interferência da rede fenício-orientalizante de comércio com as redes de circulação
do Bronze Final Atlântico [esta] não produzirá transformações imediatas no que se configura
como um tipo de ‘modo de produção domestico’ virado essencialmente para o autoconsumo e
em que o baixo nível de circulação parece obedecer a razões sociais não directamente de
raiz económica” (Senna-Martinez, 2002, p. 111). Pelo menos numa primeira fase, os
marinheiros fenícios vão introduzir os seus artigos nos pólos de produção e de troca
locais/indígenas, não como bens de consumo, mas como bens de prestígio específicos, numa
relação de troca desigual, típica de um sistema de comércio colonial (Aubet, 1994; Senna-
Martinez, 2002, p. 111-112). Tudo aponta para um modelo de autoconsumo, de fraco espectro
de circulação das produções metalúrgicas locais, modelo este particularmente patente nas
regiões centro-atlânticas/beirãs, sendo presumivelmente extrapolável à Estremadura e
Noroeste e aguardando confirmação a Sul, por meio de dados que confirmem ou infirmem
esta tendência (Senna-Martinez, 2002, p. 111, 124).
Fig. 8 – Estela de Ategua/Córdoba, in Museo Arqueológico de Córdoba (foto de R. Soares).
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6. O Bronze Final na região da Serra da Arrábida: a vida, a morte... e as paisagens
“Quem de Lisboa observar o horizonte ao sul do Tejo descobre no seu extremo a crista de uma serrania, que se desenvolve de leste a oeste entre os dois velhos castellos de Palmela e Cezimbra, sendo dominada ao centro pelas penhascosas montanhas do Formosinho e Picoto da
Arrábida. Esta serie de montes prende-nos a attenção pelo bello e accidentado das suas formas e suggere no nosso espírito o desejo de conhecer a sua origem e historia”.
António Ignácio Marques da Costa, 1902
“Eu tenho três mil anos: sou Poeta. Surgi dos lábios secos dum asceta,
de uma oração que Deus deixou de parte”. Sebastião da Gama, Florbela, Arrábida, 1943
Como já referido, o passado cultural subjacente ao Bronze Final constitui uma “época
de trevas”, “de materialidade arqueológica muito pouco visível” (Vilaça, 1995, p. 23). A 1.ª
Idade do Bronze foi, em todo o sudoeste peninsular, uma época de colapso e de vazios – a
região da Arrábida não constitui aqui excepção: “até à data, não foi identificado nenhum
sítio, nenhum artefacto sequer, que sustentem a hipótese de uma qualquer continuidade entre
o Calcolítico final, na segunda metade do III, e os finais do II milénio a.C. Porém, claro, a
ausência de provas não é a prova da ausência” (Calado et al., 2009, p. 27).
Todavia, decorrido o misterioso hiato do “Bronze Médio”, verifica-se, no Bronze
Final, uma inesperada explosão populacional, com assinaláveis manifestações materiais.
Também aqui a Arrábida não fugiu à regra, pelo contrário, a presença humana na região
reaparece excepcionalmente fervilhante.
Eduardo da Cunha Serrão, na sua Carta Arqueológica do Concelho de Sesimbra
(desde o Paleolítico antigo até 1200 d.C.) (Serrão, 1973) e Carta Arqueológica do Concelho
de Sesimbra (do Vilafranquiano Médio até 1200 d.C.) (Serrão, 1994); Carlos Tavares da
Silva e Joaquina Soares na obra de síntese Arqueologia da Arrábida (Silva e Soares, 1986) e
Tavares da Silva e outros autores, em Património Arqueológico do Distrito de Setúbal.
Subsídios para uma carta arqueológica (Ferreira et al., 1993); seguidos de João Luís Cardoso
na sua Breve Síntese Baseada nos Principais Testemunhos Arqueológicos – Arqueologia da
Região Meridional da Península de Setúbal (Cardoso, 1998) e Na Arrábida, do Neolítico
Antigo ao Bronze Final (Cardoso, 2000), coligem a escassa informação relativa aos achados
enquadráveis na Idade do Bronze, identificados na região da Arrábida:
• Dois machados de alvado em bronze, referenciados em Alfarim/Sesimbra, um deles sem
anéis e outro de duplo anel lateral (Serrão, 1967, 1973, 1975; Cardoso 1998, 2000). Trata-
se de peças de tipologia “atlântica”, de provável produção estremenha, ocorrendo muito
esporadicamente na área mediterrânea (Serrão, 1975, p. 214; Silva e Soares, 1986, p. 129;
Cardoso, 2000, p. 67). Estes achados de “Alfarim”, tendo em conta as imprecisas
informações disponíveis, parecem descontextualizados, tanto mais que no local referido
não existem evidências atribuíveis à Idade do Bronze, nem nas proximidades.
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
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• Os bronzes das Pedreiras/Sesimbra: um machado de alvado de duplo anel lateral e uma
foice de talão, de “tipo Rocanes” (Serrão, 1967, 1973, 1975; Cardoso, 1998, 2000), “de
produção local ou regional, como indica a presença de molde de fundição deste tipo de
artefacto encontrado em Rocanes (Sintra)” (Cardoso, 1998, p. 31). Este achado remete-
nos para a importação de minérios de cobre e de estanho pelas populações estremenhas,
provavelmente permutados por matérias-primas produzidas nesta região. Embora sem
referência exacta ao sítio da sua descoberta, a povoação de Pedreiras situa-se numa zona
de grande materialidade arqueológica para o Bronze Final: o autor e Miguel Amigo, nas
suas prospecções para a Carta Arqueológica de Sesimbra, identificaram um núcleo de
concentração de povoamento, integrável na periferia poente do povoado das Terras do
Risco.
• O monumento funerário da Roça do Casal do Meio, Calhariz/Sesimbra (Spindler et al.,
1973-74; Gomes, 1992, p. 108; Vilaça e Cunha, 2005; Harrison, 2007; Calado et al.,
2009).
• O espólio cerâmico da Lapa do Fumo, nos Pinheirinhos/Sesimbra, com destaque para a
primeira “aparição” publicada no nosso país dos chamados “ornatos brunidos” (Serrão,
1958, 1973, 1975).
• O conjunto arqueológico exumado na Lapa da Furada, na Azóia/Sesimbra (Cardoso,
1993, 1997; Cardoso e Cunha, 1995).
• O povoado de altura do Castelo dos Mouros (Rasteiro, 1897; Silva e Soares, 1986, p. 129;
Gomes, 1992, p. 107; Ferreira et al., 1993, p. 271-272; Cardoso, 2000, p. 67).
• O povoado do Bronze Final instalado na foz do Sado, na Colina de Santa Maria, na zona
urbana de Setúbal – Caetobriga (Silva e Soares, 1986; Gomes, 1992, p. 107; Cardoso,
2000, p. 67; Soares, 2000a; Arruda, 1999-2000), ocupando uma encosta baixa,
sobranceira à área lagunar e à praia fluvial da margem direita da foz do Sado, indiciando
uma ocupação de “substrato autóctone tardio da Idade do Bronze Final que beneficiou,
no século VIII a.C., das influências culturais provindas com o comércio fenício” (Gomes,
1992, p. 108).
• O Bico dos Agulhões I, sítio em fase de caracterização, entre a Serra do Risco e o
Portinho da Arrábida, que segundo a base de dados Endovélico terá manifestado
evidências correspondentes à “Idade do Bronze/Idade do Ferro”: cerâmica manual e a
torno e eventuais restos de estruturas, ou naturais afloramentos calcários e de brecha.
• De acrescentar, ainda, o Castro de Chibanes (Serra do Louro/Palmela) e a Lapa da Rotura
(Serra de São Luís/Setúbal – já destruída pela acção das pedreiras), arqueossítios onde
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parece terem sido identificadas cerâmicas de ornatos brunidos (Silva e Soares, 1986, p.
128, cf. Spindler et al., 1973-74).
A estes parcos vestígios, no conjunto bem “insinuantes” (sobretudo o monumento
funerário da Roça do Casal do meio, o povoado do Castelo dos Mouros e algumas grutas),
uma mais recente investigação, com base em prospecções sistemáticas no âmbito dos
projectos da nova Carta Arqueológica de Sesimbra (Calado et al., 2009) e da Carta
Arqueológica da Arrábida/Setúbal (em curso), conduzidos por Manuel Calado e nos quais o
signatário participa, tem vindo a averbar novas evidências de ocupação humana, enquadráveis
em cronologias do “Bronze Final arrábido”. Os “antigos” sítios também foram (re)visitados, à
luz de perspectivas mais “panorâmicas” e actualizadas.
Na verdade, há muito que curiosas sugestões de carácter poético (e, até certo ponto,
profético), relativas a um interessante “Passado de Bronze”, vinham aflorando pela região. Já
no século XVI, André de Resende e Gaspar Barreiros atribuíram o homérico topónimo às
“ruínas romanas de Tróia”, sítio que acabou por ser escavado no século XVIII, por ordem da
Rainha D. Maria I, tornando-se no primeiro episódio de intervenção arqueológica no nosso
país. Mais tarde, em 1943, desta feita pelo aparo de um “poeta visionário”, Sebastião da
Gama, num poema em memória de Florbela Espanca, e referindo-se à Arrábida, escreveu o
seguinte: “Eu tenho três mil anos: sou Poeta. Surgi dos lábios secos dum asceta, de uma
oração que Deus deixou de parte”. Em 1962, Eduardo da Cunha Serrão, na contra-capa da
sua “preambular” Carta Arqueológica de Sesimbra (Serrão, 1962), desenhou um “auspicioso”
hippoi a desembarcar na Arrábida (fig. 6). Por fim, em 1998, na sequência do projecto
Navegando pelo Império dos Mares, desenvolvido pela Associação Laitau (Preservação e
Dinamização do Património Naval e Cultural do Rio Sado), organização da qual o autor é
associado fundador e dirigente, partiu de Abul uma flotilha de três Galeões do Sal
(embarcações tradicionais do Sado), com destino a Cádiz e recuperando a antiga rota dos
Fenícios. No regresso, na boca do Sado, o “santuário de chegada” da Lapa da Cova voltou a
surgir no horizonte arrábido, prenunciando, 12 anos antes, a sua futura escavação.
A Arrábida tem vindo, assim, a revelar-se como um território praticamente virgem,
não “beneficiando” dos impulsos da pressão humana e do crescimento urbanístico, teimando
em esconder os testemunhos do seu Passado. Hoje, a descoberta de olvidados sítios depende
de uma atenta análise cartográfica, do profundo conhecimento da área e da aventura empírica
da sua exploração, onde a aspereza da vegetação e a vertigem do abismo constituem sérios
obstáculos à progressão. Neste sentido, a prospecção tem vindo a assumir-se como a principal
ferramenta da investigação arqueológica, pelo menos nesta primeira fase. A jusante, e a seu
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tempo, há que aprofundar verticalmente, e numa perspectiva integrada e comparada, os
vestígios disponíveis, de forma a desenhar um quadro mais completo da sequência de
ocupação deste território.
Se, por um lado, a prospecção arqueológica produz uma informação superficial, com
naturais limitações diacrónicas e sincrónicas; por outro, permite uma visão de largo espectro
espacial e temporal e uma interpretação mais alargada de um determinado território,
permitindo identificar uma diversidade de sítios arqueológicos, inscritos numa paisagem
envolvente – física, cultural e ritual – ficando definido o seu potencial e prioridade para
futuras escavações. De salientar a total ausência de dados de escavação para os contextos de
habitat atrás referidos, sendo a informação disponível, à data, exclusiva de acções de
prospecção.
Conhecendo o território e partindo dos sítios arqueológicos identificados, torna-se
quase intuitiva a descoberta de novos sítios, “basta ligar os pontos” – “prospectar é preciso.
Uma das temáticas emergentes na arqueologia pré-histórica portuguesa (e não só) é,
precisamente, a questão das continuidades, das sobrevivências, das reutilizações, para além
das épocas em que, por razões metodológicas, a investigação costuma segmentar o tempo”
(Calado et al., 2009, p. 31).
Fig. 9 – A Península da Arrábida e a localização de alguns dos sítios tratados. Os pontos vermelhos referem-se a sítios do Bronze Final, os pontos verdes referem-se a sítios da Idade do Ferro: 1 - povoado do Risco; 2 - povoado do Castelo dos Mouros; 3 - povoado da Serra da Cela; 4 - povoado de Valongo (I); 5 - “atalaia” de Valongo (II); 6 - “casal agrícola” da Quinta do Picheleiro; 7 - Bico dos Agulhões; 8 - Pedreiras; 9 - Roça do Casal do Meio; 10 - Lapa do Fumo; 11 - Lapa da Furada; 12 - Gruta do Médico; 13 - Lapa da Cova; 14 - Fenda; 15 - povoado da Casa Nova; 16 - povoado da Meia Velha; 17 - necrópole do Casalão; 18 - Alfarim (imagem Google Earth adaptada).
Fig. 10 – Os bronzes de Pedreiras e “Alfarim”: em cima, um machado de alvado de duplo anel lateral e uma foice de talão, identificados em Pedreiras (Sesimbra); em baixo, os dois machados de alvado presumivelmente referenciados em Alfarim (Sesimbra), um deles sem anéis e outro de duplo anel lateral (adaptado de Serrão, 1994, p. 47 e 85).
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6.1. Os sítios de habitat
“Nos pittorescos valles do Picheleiro, Gralhal, Alcube, Barris, etc., poderia pastorear os seus rebanhos; sobre os penhascos das collinas edificaria as suas habitações fortificadas e os seus castros;
poderia cultivar as varzeas, como a do Bomfim, hoje coberta de laranjaes; e nas lapas abertas nas rochas guardaria religiosamente os restos dos que passavam á eternidade”.
Ignácio Marques da Costa, 1902
Além da descrição e caracterização dos sítios de habitat abaixo elencados, pretendeu-
se compreender o seu funcionamento e os modelos de gestão praticados pelas comunidades
que os habitavam e, sobretudo, descortinar o papel que estes desempenharam na rede regional
de povoamento que presumivelmente integravam. Na caracterização dos povoados são
destacadas as suas particularidades como, também, as relações que os articulam.
6.1.1. Povoado aberto das Terras do Risco – base agro-pastoril
Na sequência dos trabalhos de prospecção (2007-2009) para a nova Carta
Arqueológica do Concelho de Sesimbra, publicada em Setembro de 2009 sob o título O
Tempo do Risco (Calado et al., 2009), foi identificado, no vale adjacente à encosta norte da
Serra do Risco (Sesimbra), na singular paisagem localmente conhecida por “Terras do Risco”
e “Terras do Meio”, um vasto povoado aberto, sem aparentes estruturas amuralhadas ou
fossos, ocupando uma área de cerca de 100 ha, “o que o coloca entre os mais vastos da
Europa” (ob. cit., p. 47).
Porém, a singular dimensão do povoado do Risco não foi imediatamente aferida. Em
2007 foi identificado um primeiro núcleo artefactual com cerca de 5 ha, denominado de
“povoado das Marmitas”, que, na verdade, representava apenas a ponta de um imprevisível
iceberg. Ulteriormente, em 2009, numa fase final dos trabalhos de prospecção, dedicados à
revisão de áreas de difícil prospectabilidade, e para grande surpresa da equipa, foi sendo
revelado, em cada clareira da vegetação, “um povoado de dimensões inauditas, descrevendo
um arco de círculo, junto ao monumento da Roça do Casal do Meio (...). O povoado – que,
entretanto, passámos a designar por povoado do Risco – estende-se por uma área, mais ou
menos contínua” (ob. cit., p. 29). Na verdade, o povoado das Marmitas e o povoado do Risco
“correm o risco” de serem uma e a mesma coisa.
Os materiais de superfície identificados, um pouco por todas as janelas de prospecção
permitidas pela densa vegetação arbustiva, muito fragmentados e em alguma abundância,
indiciaram uma cronologia relativa correspondente aos finais da Idade do Bronze. Trata-se de
um muito disperso conjunto artefactual de fragmentos cerâmicos, onde se destacam os bordos
simples, os fundos planos, algumas carenas e mamilos. De destacar, também, um elemento de
foice em sílex, recolhido nas imediações da Roça do Casal do Meio, um indício indirecto de
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
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actividades agrícolas.
O enquadramento deste(s) sítio(os) num horizonte do Bronze Final, em termos muito
amplos, deveu-se a um conjunto de observações relativas que excluíram outras atribuições
culturais. O Neolítico Antigo teria algum cabimento, apenas atendendo ao facto existir na
área um povoado do Neolítico Antigo – Casal do Meio 1 (Calado et al., 2009, p. 95).
Contudo, a inaudita dimensão da área em causa, além da total ausência de cerâmicas
decoradas e do pouco sílex identificado, descartou liminarmente esta cronologia. O Neolítico
Médio, não tendo paralelos conhecidos na região, sendo mal caracterizado ergologicamente,
implicaria, pelo menos, uma maior presença de sílex. O Neolítico Final/Calcolítico seria, de
certa forma, plausível, pelo menos em termos de implantação e de contexto, tendo em conta o
povoado do Neolítico Final/Calcolítico identificado junto ao algar dos Ouriços (ob. cit., p.
99). Porém, a ausência de formas abertas não abona em favor de cronologias neolíticas, além
de se exigir, para o efeito, uma maior ocorrência de sílex e de outros fósseis directores como
os pesos de tear, o barro de cabanas, etc. Por seu turno, o Bronze Antigo/Médio, por se tratar
de um período mal conhecido, deverá ser sempre tido em conta, tanto mais que continuam em
aberto questões genéricas relacionadas, por um lado, com a(s) crise(s) do Calcolítico, com
repercussões ao longo de praticamente todo o 2.º milénio; por outro, com a pujante
emergência do povoamento do Bronze Final, após um longo período de retracção
demográfica. Por fim, o Bronze Final: a observação da cerâmica identificada, particularmente
das suas pastas, cozeduras, tratamentos de superfície e formas (contentores fechados,
considerando a relação muito expressiva entre fragmentos de parede e bordos, a ocorrência de
diversos fundos planos e de algumas carenas), para além do referido elemento de foice,
justificaram, assim, a inclusão desta grande área de povoamento no âmbito cronológico do
Bronze Final.
Outros dados já faziam prever esta inferição temporal: a suposta reutilização do
monumento funerário neo-calcolítico da Roça do Casal do Meio, como sepultura de elites
indígenas durante o Bronze Final, conforme a proposta de Richard Harrison (Harrison, 2007),
baseada na análise de documentação inédita das escavações de Konrad Spindler (Spindler et
al., 1973-74); as reutilizações, quase sistemáticas, das cavidades cársicas durante o Bronze
Final, um fenómeno bem documentado em Sesimbra e que completa o quadro mental que
presidiu à reutilização da Roça do Casal do Meio; a descoberta do núcleo artefactual das
Marmitas (Calado et al., 2009, p. 98), vindo resolver, à partida, a questão dos “indígenas vs
intrusos”, criando um contexto local para o referido monumento funerário; o carácter
“elitista” dos dois enterramentos da Roça do Casal do Meio exigindo, naturalmente, a
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existência de um povoamento mais intenso, para além do povoado das Marmitas, com ou sem
solução de continuidade; outros claros indícios do Bronze Final verificados nas imediações,
tais como os achados metálicos das Pedreiras e, sobretudo, o povoado do Castelo dos Mouros.
O grande povoado da Terras do Risco define-se num arco de círculo, ao longo da meia
encosta das vertentes e imediações do vale do Risco (“polje”), adossado, nas extremidades, à
própria Serra do Risco. De assinalar a elevada fertilidade dos solos da base sedimentar deste
vale, potencialmente explorados desde o Neolítico, até à actualidade.
Na sua envolvente, e em presumível relação, registaram-se duas cavidades: a Lapa da
Ovelha ou da Nazaré (ou ainda da Cereja, topónimo dado pela equipa – “a Cereja no topo do
povoado”), aberta a meia encosta na vertente oriental do vale, acima da Roça do Casal do
Meio, numa perspectiva dominante sobre todo o povoado e a merecer, por tudo isto, uma
futura sondagem; e, sobre o mar, na vertente sul da Serra do Risco, na cota dos 260 m, o
arrebatador monumento natural da Lapa da Cova.
Ainda na envolvente do Risco, e além das referidas cavidades, de assinalar algumas
paisagens de elevado potencial simbólico. As Marmitas do Gigante, por exemplo, nas
imediações de vestígios reportáveis a várias épocas, designadamente do povoado da Idade do
Bronze, constituem um raro fenómeno de erosão hídrica, causado pelo milenar fluxo da
Ribeira das Marmitas nos degraus de um afloramento calcário. A torrencial hidrodinâmica,
mobilizadora de pesados seixos rolados, foi esculpindo, ao longo dos tempos, formas ímpares
na rocha, de notável identidade. Mesmo não tendo oferecido, até à data, evidências
arqueológicas, o sítio, além de proporcionar alguns abrigos “sob pala”, reveste-se de inegável
potencial enquanto “santuário natural”, bem ao jeito das paisagens de eleição da Idade do
Bronze. Nesta linha, também o ponto mais elevado da crista do Risco estampa uma eventual
paisagem ritual. O “Píncaro”, de seu nome, justifica o topónimo dominando simetricamente,
do alto dos seus 380 m, todo o vale e povoados adjacentes. Por sinal, este cume registou um
fragmento de machado de pedra polida, além de vestígios estruturais de época indeterminada
(Calado et al., 2009, p. 99). Curiosamente, a “anatomia” da Serra do Risco também é bastante
sugestiva, mesmo para os observadores menos imaginativos – a sua linha de cumeada
descreve o perfil perfeito de uma cara virada ao céu, com evidentes semelhanças com a “Peña
de los Enamorados” (fig. 17), em Antequera (Andaluzia/Espanha), local onde se comprova
uma manifesta relação com um extraordinário monumento megalítico – Cueva de Menga
(Romero e Ruiz, 2009).
De assinalar, ainda, numa cota inferior em relação ao grosso dos vestígios atribuíveis
ao Bronze Final, dois núcleos de povoamento que documentaram fragmentos cerâmicos e
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
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artefactos líticos de épocas precedentes: um povoado do Neolítico Antigo no Casal do Meio
(ob. cit., p. 95); e um povoado do Neolítico Final/Calcolítico, junto ao algar dos Ouriços (ob.
cit., p. 99). Na base do vale, nas imediações do Casal do Risco, foram registados diversos
“megalitos” alongados, de arenito e brecha, alguns ortostáticos e aparentemente alheios ao
contexto geológico (ob. cit., p. 99).
Em suma, o povoado do Risco, tendo em conta a informação disponível à data – uma
topografia de implantação de cota baixa, sem aproveitamento de condições naturais de defesa
e não revelando, aparentemente, qualquer tipo de estrutura defensiva, numa área de
excepcional dimensão, sem paralelos conhecidos no contexto peninsular, que não se traduz
numa boa densidade de materiais de superfície, pelo contrário, adivinhando-se mesmo
estratigrafias “magras” – parece apontar para um disperso conjunto de pequenos casais
agrícolas, subsidiários de outro(s) povoados(s) de altura. Outra alternativa, para a qual
existem alguns indícios, é a de se tratar de uma “aldeia”, de malha urbana pouco concentrada
(Mataloto, no prelo).
Fig. 11 – A Serra do Risco - “A serra tem o ar de uma onda que avança impetuosa e subitamente estaca e se esculpe no ar; é uma onda de Pedra e mato, é o fóssil de uma onda” - Sebastião da Gama (foto de R. Soares).
Fig. 12 – Área de implantação do povoado do Risco no extracto da folha 465 da CMP esc. 1:25000.
Fig. 13 – Os principais núcleos de povoamento do Risco e a sua relação com outras realidades da envolvente (imagem Google Earth).
Fig. 15 – Reconstituição hipotética do povoado do Bronze Final das Terras do Risco (desenho de Mariana Croft in Calado et al., 2009, p. 50).
Fig. 14 – A Serra e o vale do Risco - “polje” (foto de R. Soares).
Fig. 16 – Fragmentos de cerâmica manual observados nas prospecções da área do povoado do Risco, alguns em conexão, designadamente carenas, bordos simples e perfurações (fotos de R. Soares).
Fig. 17 – “Paisagens anatómicas”: à esquerda a Peña de los Enamorados, em Antequera/Andaluzia (foto de Manuel Calado); à direita a Serra do
Risco/Sesimbra (foto de R. Soares), cujos perfis desenham a forma de caras viradas ao céu.
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
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6.1.2. Povoado de altura do Castelo dos Mouros – povoado central (?)
O “monte fortificado” do Castelo dos Mouros, também conhecido nos textos antigos
como “Jogo dos Mouros”, foi o primeiro povoado da Idade do Bronze identificado na
Arrábida (Rasteiro, 1897), e será, até ver, o mais imponente e inexpugnável do ponto de vista
defensivo, tanto no aproveitamento das condições naturais, como nas estruturas de defensa
edificadas – “parece de uma só pedra, é nu, alveja ao longe como lençol gigante estendido
na serra” (Rasteiro, 1897, p. 33). Implantado no monte de Alvide, ou Olivide, trata-se de um
“local elevado, em crista, de difícil acesso, com óptimas condições naturais de defesa,
situado na encosta norte da Serra da Arrábida” (Silva e Soares, 1986, p. 129).
Carlos Tavares da Silva e Joaquina Soares, a partir das suas prospecções no local,
referem um fragmento cerâmico, “talvez do Calcolítico final, integrável no grupo inciso da
cerâmica campaniforme” (Silva e Soares, 1986, p. 127), além de “fragmentos de cerâmica
atribuíveis ao Bronze Final, mas desprovidos de ornatos brunidos” (ob. cit., p. 129). Em
1993, o sítio dá entrada no texto Património Arqueológico do Distrito de Setúbal – subsídios
para uma carta arqueológica, fazendo referência a uma ocupação da Idade do Bronze e,
outra, dos Finais da Idade do Ferro/Período Romano Republicano (Ferreira et al., 1993, p.
271-272), sendo de notar a ausência da anterior referência ao Calcolítico. Novas prospecções
(a partir de Dezembro de 2010), no âmbito da Carta Arqueológica da Arrábida/Setúbal, não
permitiram confirmar o Calcolítico.
Estas recentes visitas possibilitaram uma melhor e merecida caracterização do sítio. O
povoado “eriça-se” num esporão calcário de perfil assimétrico, delimitado, a sul, por um
paredão vertical que atinge vários metros de altura e, a norte, por uma encosta de rocha nua,
de acentuada inclinação. As naturais condições de defesa e domínio paisagístico foram
reforçadas por um circuito amuralhado, edificado com o recurso a aparelho ciclópico, no lado
norte. Segundo Francisco Rasteiro, “se pelo norte é inaccessivel, pelo sul protege o
terrapleno a muralha natural, que forma a crista do monte” (Rasteiro, 1897, p. 33). Na
verdade, além das condições naturais, o lado sul apresenta vestígios de uma muralha com um
1,70 m de largura, sem aparelho ciclópico, dando continuidade, na vertical, ao paredão
rochoso.
“O acesso actual ao Castelo dos Mouros mantém, provavelmente, o traçado de um
dos acessos proto-históricos. Em alguns pontos são notórios os agenciamentos” (blogue
Arqueologia da Arrábida). São visíveis três entradas no recinto fortificado:
1. No lado sul – aproveitando uma lacuna no esporão, de evidente origem tectónica. Esta
entrada apresenta também vestígios de uma estrutura defensiva.
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2. No lado norte – uma interrupção na muralha de cerca de 1 m de largura.
3. Na extremidade sueste – parece haver um acesso natural, relativamente fácil, junto ao
qual foi aparentemente construída uma estrutura defensiva.
No lado norte, num patamar ataludado e relativamente plano, a meia encosta,
resultante da construção da própria muralha, registou-se uma assinalável concentração de
fragmentos cerâmicos. De referir, ainda, um poço localizado junto da entrada sul,
apresentando um perfil ligeiramente oblíquo, parcialmente colmatado por sedimentos,
apresentando ainda uns 7/8 m de profundidade, que deverá ter funcionado como cisterna (até
à data não referenciado). Também foi identificada uma cavidade natural, aberta na base
nascente do paredão, constituindo um elemento de sugestivo potencial simbólico.
A observação da faixa de vegetação, visível na encosta norte do sítio, permitiu extrair
algumas considerações: a faixa horizontal corresponde, claramente, ao desenvolvimento da
muralha ciclópica, enquanto a faixa oblíqua condiz com a continuação da falha geológica
observada no entalhe da crista (a “porta sul”), em cujo enchimento milonítico foi aberta a
cisterna. É provável, por outro lado, que a falha tenha sido aproveitada como caminho de
acesso, pelo lado norte. Infelizmente, a muralha ciclópica encontra-se muito destruída, pelo
menos em superfície, não permitindo confirmar a existência de uma eventual entrada nesse
ponto (ob. cit.).
De acrescentar, ainda, a observação de dois grandes blocos calcários no topo da crista,
um deles visivelmente mobilizado, o outro erguido por motivos desconhecidos, o que não
deixa dúvidas quanto a uma justificação antrópica para o seu ortostatismo, sugerindo uma
monumentalização paisagística com objectivos simbólicos e/ou rituais, dentro de uma certa
continuidade para a qual existem vários paralelos relativamente à monumentalidade
megalítica.
O Castelo dos Mouros materializa, na perfeição, o agenciamento do domínio visual e
defensivo sobre a paisagem envolvente, por parte dos seus construtores, impondo-se enquanto
marco conspícuo no quadro norte da Arrábida, alcandorado sobre os campos de Azeitão e
“dominante” sobre as Terras do Risco (ob. cit.), além de um notável investimento construtivo,
até à data sem par no território da Arrábida.
Fig. 18 – Área de implantação do povoado do Castelo dos Mouros no extracto da folha 465 da CMP esc. 1:25000.
Fig. 19 – O povoado do Castelo dos Mouros e a sua relação com a envolvente paisagística e cultural (imagem Google Earth).
Fig. 20 – O Castelo dos Mouros visto de poente (foto de R. Soares). Fig. 21 – O Castelo dos Mouros visto de norte (foto de R. Soares).
Fig. 22 – O Castelo dos Mouros visto de sul (foto de R. Soares).
Fig. 23 – Entrada sul no entalhe natural (foto de R. Soares).
Fig. 24 – Aparelho ciclópico da muralha norte (foto de R. Soares).
Fig. 25 – Megálito ortostático no topo da crista (foto de R. Soares).
Fig. 26 – Poço/cisterna na base do entalhe da crista (foto de R. Soares).
Fig. 27 – O poço/cisterna visto do interior (foto de R. Soares).
Fig. 28 – Castelo dos Mouros: fragmento de cerâmica manual - bordo simples (foto de R. Soares).
Fig. 29 – Castelo dos Mouros: fragmento de cerâmica manual - fundo plano (foto de R. Soares).
Fig. 30 – Cerâmicas da Idade do Bronze provenientes do Castelo dos Mouros. O fragmento n.º 1, segundo os autores, poderá inscrever-se no grupo inciso da cerâmica campaniforme/Calcolítico Final (seg. Silva e Soares, 1986, p. 127).
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
56
6.1.3. Povoado de altura da Serra da Cela – povoado portuário (?)
Em Dezembro de 2008, na sequência de trabalhos de prospecção espeleológica da
LPN-CEAE (Liga para a Protecção da Natureza – Centro de Estudos e Actividades
Especiais), o autor teve a oportunidade de (re)descobrir um povoado no Portinho da Arrábida
– povoado da Serra da Cela. Na verdade, o arqueossítio já se encontrava referenciado
bibliograficamente como “Neolítico/Calcolítico” (Ferreira et al., 1993), interpretação
fundamentada em antigas informações de Paul Choffat e de Ignácio Marques da Costa: “no
cume da serra da Cella, no sopé da qual fica o forte da Arrabida, proximo do Portinho do
mesmo nome, encontrou o distincto geologo, o Sr. Paul Choffat, alguns pedaços de louça de
barro muito grosseiro e mal escolhido como aquelle de que era feita a louça pre-historica.
Percorri o cume da dita serra e na sua parte mais oriental, sobranceira ao forte da Arrabida,
dei com uma pequena chã fortificada naturalmente pelas camadas de rocha, que ahi se
levantam a prumo como a servirem de muralha. Nesta chã, apesar de não mandar fazer
sondagens, encontrei pelo solo muitos dos fragmentos de louça acima referidos” (Costa,
1907, p. 210).
Todavia, os materiais de superfície, agora identificados, remeteram antes para
cronologias do Bronze Final – predominância de formas fechadas, de perfil em S e ausência
de indústria lítica (Relatório de Seminário – Povoados Calcolíticos da Região da Arrábida –
Soares, 2009).
Desde 2008, o signatário tem vindo a desenvolver diversas visitas exploratórias,
preliminares trabalhos de prospecção e caracterização do arqueossítio, no âmbito da Carta
Arqueológica da Arrábida/Setúbal, sob a orientação científica de Manuel Calado.
Trata-se de um esporão calcário apresentando, no seu topo mesial, uma plataforma
aplanada, com bom suporte de implantação e excelentes condições naturais de abrigo, defesa
e controlo das paisagens adjacentes, em particular da baía do Portinho da Arrábida – porto
natural – até à entrada do Sado.
O sítio conserva ainda diversos vestígios estruturais, presumivelmente de habitat,
associados a abundantes fragmentos cerâmicos, relativamente bem conservados e com boa
informação: duas pequenas taças (uma hemisférica e uma carenada), praticamente completas
e depositadas em “nichos” rochosos; taças hemisféricas; vasos de perfil em “S”; vasos
carenados; um vaso de carena baixa; um vaso de colo estrangulado; um vaso mamilado; além
de diversos fragmentos apresentando brunimento (não ornatado), carenas, bordos simples,
fundos planos, perfurações de suspensão, perfurações de reparação, etc. De referir, ainda que
com cariz residual, a ocorrência de cerâmica a torno, de pastas claras e depuradas,
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
57
nomeadamente um bordo exvertido e um fundo em “pé de anel”, num total de quatro
fragmentos, evidências que podem indiciar algum grau de presença/contacto durante a Idade
do Ferro. No que respeita aos vestígios líticos, apenas se registaram alguns seixos e lascas
talhados em quartzito e quartzo leitoso, um grande percutor em basalto, um movente discóide
e um nódulo grosseiro de sílex, conjunto insuficiente para uma atribuição cronológica do
Neolítico/Calcolítico, não se descartando, contudo, alguma presença humana em tempos mais
antigos. De acrescentar, por fim, alguns ecofactos: vestígios malacológicos (búzios, lapas,
mexilhões, ostras e outras conchas de maiores dimensões), o que sugere uma vocação
eminentemente marítima-piscatória deste povoado, além de ossos de ovicaprinos, alguns
apresentando cortes, cujo aspecto permite pensar, também, numa cronologia subactual,
associável a uma pastorícia etnográfica, documentada por um objecto de “arte de pastor” –
uma colher esculpida em madeira.
O grosso da ocupação teve lugar na plataforma do topo do esporão, protegida, a sul,
por uma parede com cerca de 6 m de altura, formada pelas bancadas da crista do contraforte.
Também foi registada alguma ocupação no patamar inferior, em alguns dos abrigos formados
pelos paredões subverticais que delimitam a plataforma pelo lado noroeste. Além das
referidas estruturas, foram identificadas duas cavidades cársicas na plataforma do topo: uma
delas, de formação tectónica, encontrou-se aparentemente vazia de conteúdo arqueológico; a
outra, de aparente hidrogénese, apresentou-se obstruída por um cone de dejecção, repleto de
materiais arqueológicos (grandes fragmentos cerâmicos, excepcionalmente conservados e
diversos restos malacológicos), supondo uma provável lixeira do povoado.
Na vertente sul do esporão, num socalco a meia encosta, ligeiramente aplanado e
propiciando uma boa plataforma de implantação, foram identificados, além de abundantes
fragmentos cerâmicos, outro núcleo de estruturas, destacando-se um círculo que descreve
uma planta ligeiramente elipsoidal, com sensivelmente 4/5 m de maior diâmetro, rudemente
aparelhado com blocos calcários de dimensão média. A escassos metros desta estrutura, foi
observado um corte natural incrustado de material cerâmico, evidência que, associada à
referida estrutura, a poderá, eventualmente, integrar no mesmo horizonte cronológico –
Bronze Final.
O esporão documenta, ainda, uma diversidade de apontamentos geológicos e
paisagísticos de grande potencial simbólico. No seu flanco norte, abrem-se uma série de
abrigos, fendas, recantos e pequenas cavidades, algumas das quais registando a ocorrência de
cerâmica fina (duas pequenas taças, uma dela carenada). Numa grande fenda, entalhada
transversalmente na linha de cumeada, por onde se pode facilmente subir ao topo da crista e
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
58
desfrutar de uma panorâmica de excelência sobre a costa e enseada do Portinho, destaca-se
uma grande pedra, perfeitamente “entalada”, criando um “arco natural”, obrigando a uma
passagem no mínimo ousada e de provação – “a Guardiã da Fenda” ou “a Fenda de Atlas”.
O topónimo “Cela” (do latim cella(-ae) – pequeno compartimento, santuário, pequeno
quarto que um religioso ocupa no convento) joga com uma exígua cavidade natural, fechada
com uma porta gradeada, existente na extremidade nascente do sopé da Serra da Cela, na
curva junto ao Forte de Santa Maria da Arrábida.
Tendo em conta a implantação do povoado da Serra da Cela, sobranceiro e dominante
sobre a pequena baía da foz do Sado e cuja toponímia remete, naturalmente, para uma
funcionalidade portuária (“Portinho”), arqueologicamente documentada desde época Romana
(as cetárias do Creiro dependeram, necessariamente, de um porto), é de considerar a hipótese
de actividades marítimas no Portinho da Arrábida (porto de pesca e “comercial”), no decorrer
do Bronze Final. A confirmação desta conjectura não será fácil, isto porque, como se sabe,
estruturas portuárias e embarcações de épocas tão remotas constituem realidades de rara
detecção no meio arqueológico, pelo facto de serem construídas em materiais perecíveis e por
estarem expostas à constante acção erosiva e sedimentar da hidrodinâmica das marés e das
correntes, particularmente em locais afectados por uma contínua utilização.
Assim, resta-nos considerar outras evidências indirectas, além da manifesta
potencialidade e lógica “geoestratégica” do sítio. Por exemplo, na linha de praia, é fácil deter
o olhar num sugestivo alinhamento pétreo, formado por um conjunto de grandes blocos
calcários, arrumados num pequeno “pontão”, que, independentemente de ter tido uma origem
geológica ou antrópica, facilmente poderá ter servido para o apoio portuário (fig. 153). Seria
também importante promover uma campanha de prospecção subaquática na área da baía do
Portinho da Arrábida, no sentido de identificar eventuais vestígios de antigas actividades
náuticas naquelas paragens, designadamente âncoras e poitas líticas. Na base de dados
Endovélico apenas é possível encontrar duas referências a achados isolados em meio
subaquático: um conjunto de pesos de rede romanos assinalado a 4 de Novembro de 1995 e o
“avistamento de ânforas em meio aquático”.
Neste seguimento, há que admitir a probabilidade de antigas navegações indígenas,
para o hinterland sadino, ou mesmo de precoces contactos “pré-coloniais”, por via marítima,
considerando a importância “geoestratégica” do sítio, enquanto porto de excelência para um
presumível complexo de povoamento, além de porto de chegada/saída do Rio Sado, favorável
via de penetração fluvial para os territórios interiores do Alentejo, com largas referências à
mineração do cobre... mas isso são outros mares!
Fig. 31 – Área de implantação do povoado da Serra da Cela no extracto da folha 465 da CMP esc. 1:25000.
Fig. 32 – O povoado da Serra da Cela e a sua relação com a envolvente paisagística e cultural (imagem Google Earth).
Fig. 33 – Dominante sobre o Portinho da Arrábida, o povoado da Serra da Cela fotografado a partir da Gruta do Médico (foto de R.
Soares).
Fig. 34 – Conjunto de estruturas pétreas na plataforma do topo do esporão da Cela (foto de R. Soares).
Fig. 35 –Estrutura circular na meia encosta da vertente sul (foto de R. Soares).
Fig. 36 – Fragmento de pequena taça carenada (foto de R. Soares). Fig. 37 – Fragmento de vaso de perfil em “S” (foto de R. Soares).
Fig. 38 – Fragmento de vaso de carena baixa (foto de R. Soares).
Fig. 39 – Fragmento de bojo com carena (foto de R. Soares).
Fig. 40 – Fragmento de taça hemisférica (foto de R. Soares).
Fig. 41 – Fragmento de pequena taça hemisférica (foto de R. Soares).
Fig. 42 – Fragmento de pote de colo exvertido (foto de R. Soares).
Fig. 43 – Fragmento de vaso de perfil em “S” (foto de R. Soares).
Fig. 44 – Fragmento de vaso de colo estrangulado (foto de R. Soares).
Fig. 45 – Fragmento de vaso mamilado (foto de R. Soares).
Fig. 46 – Fragmento de vaso de colo fechado (foto de R. Soares).
Fig. 47 – Fragmentos de cerâmica brunida (foto de R. Soares).
Fig. 48 – Fragmento com perfuração de suspensão (foto de R. Soares).
Fig. 49 – Fragmento com perfurações de suspensão (foto de R. Soares).
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
59
6.1.4. Povoado de cumeada de Valongo – “atalaia”
Seguindo uma acertada informação do arqueólogo António Carvalho, foi
recentemente confirmado (em 2010), no âmbito da Carta Arqueológica da Arrábida/Setúbal,
um inédito povoado de altura (Valongo), na cota dos 400 m e a pouca distância (cerca de 2,5
km) do ponto mais elevado da Serra – o Formosinho (499 m de altura).
Ainda em fase de caracterização, é possível adiantar tratar-se de um povoado de
cumeada, implantado ao longo de um desnivelado esporão calcário, com elevada
defensibilidade natural nos lados norte e oeste. Nos lados sul e nascente, muito menos
escarpados, conservam-se vestígios de um sistema defensivo, actualmente manifestado por
um extenso cordão de aparelho calcário desmantelado, embora ainda se conservem alguns
troços de faces de muro. Não foi possível, no estado actual da estrutura, avaliar a sua real
espessura, uma vez que só por meio de escavações será possível observar a sua face interna.
Ainda assim, torna-se aparente uma maior potência construtiva no seu extremo nascente, mais
desprotegido, onde o material desmantelado atinge um volume mais considerável. A elevada
disponibilidade do aparelho pétreo parece resultar da fracturação natural, e eventualmente
intencional, daquelas bancadas lapiazadas.
A superfície aplanada deste extremo nascente documentou alguma concentração de
materiais: fragmentos de cerâmica manual, destacando-se um perfil em “S”, além da possível
metade de um braçal de arqueiro em xisto, de superfícies perfeitamente polidas, arestas
biseladas e apresentando uma perfuração escareada nas duas faces, podendo remeter para
cronologias do Calcolítico/1.ª Idade do Bronze, mas também posteriores. Tendo em conta a
pouco expressiva amostragem de materiais de superfície assinalada neste local, o seu
enquadramento num horizonte do Bronze Final prendeu-se com a aparente ausência de
líticos; com a observação dos fragmentos cerâmicos identificados, que, pelas suas pastas,
sugestão de formas, a escassez relativa de bordos, se encaixam no padrão cultural dos
povoados vizinhos; pela própria implantação e defensabilidade (natural e edificada) do
povoado; e com a proximidade de outros povoados, indubitavelmente referentes ao Bronze
Final (Castelo dos Mouros e Serra da Cela). Tendo em conta o presumível “fóssil director” ali
encontrado (o braçal de arqueiro), a hipótese de uma ocupação mais antiga, poderia ser
considerada. Todavia, de sublinhar o facto de não existir nenhum registo atribuível ao
Calcolítico/1.ª Idade do Bronze nas imediações, devendo tratar-se, assim, de um achado
avulso, ocasional.
O povoado de Valongo, baptizado pelo topónimo mais próximo, dista cerca de 3 km
do Castelo dos Mouros (a poente), cerca de 6 km do povoado do Risco (a poente), cerca de 3
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
60
km do povoado da Serra da Cela (a sudoeste), cerca de 1.5 km do casal agrícola da Quinta do
Picheleiro (a norte) e cerca de 5 km do sítio do Bico das Agulhões (a sudoeste), controlando-
os intervisualmente e assumindo-se como o mais elevado vértice deste presumível complexo
populacional. Contudo, não goza de uma intervisibilidade directa com a Serra da Cela e o
Portinho, esta só seria possível a partir de um cabeço que surge a poente (Valongo II), a
menos de 1 km, separado por um suave vale. Esta contígua elevação, denotando elevada
defensibilidade natural, com várias cinturas ataludadas de afloramentos calcários, também
documentou alguns fragmentos de cerâmica manual, o que pressupõe uma relação directa
com o povoado de Valongo, enquanto extensão do seu domínio visual sobre a costa e a
enseada do Portinho. A par do directo contacto visual sobre os povoados associados, a
“atalaia” de Valongo controla todo o fértil vale que nasce na “Pré-Arrábida”, na Serra de São
Luís, e “desagua” nas Terras do Risco, terrenos de elevado potencial agrícola, certamente
integrados na área de influência do referido complexo populacional.
O recurso ao termo “atalaia”, apesar de historicamente desadequado, ajusta-se
funcionalmente, tanto que, e curiosamente, numa leitura posterior à experiência in loco,
verificou-se que os investigadores do povoado de Trastejón (Serra de Huelva), para uma
realidade similar, socorreram-se da mesma opção terminológica – “a este cerro lo
denominamos Atalaya” (Hurtado et al., 2011, p. 33). Também na zona de Viseu, João Carlos
de Senna-Martinez refere um povoado de “atalaia” do Bronze Final, no Cabeço do Cucão,
Pedra Cavaleira (Senna-Martinez, 1993b, p. 144-145).
Fig. 50 – Contorno da muralha do povoado de Valongo (imagem Google Earth adaptada).
Fig. 51 – Área de implantação do povoado de Valongo (I) e do seu “anexo de atalaia” (II) no extracto das folhas 454 e 465 da CMP esc. 1:25000.
Fig. 52 – O povoado de Valongo (I/II) e a sua relação com a envolvente paisagística e cultural (imagem Google Earth).
Fig. 53 – Povoado de Valongo (I) visto de sul (foto do R. Soares).
Fig. 54 – Panorâmica sobre a Pré-Arrábida e o Sado (foto do R. Soares).
Fig. 55 – Troço de muralha (foto do R. Soares). Fig. 56 – Troço de muralha (foto do R. Soares).
Fig. 57 – Valongo I visto de Valongo II (foto do R. Soares). Fig. 58 – Panorâmica de Valongo II sobre o Portinho e Serra da Cela (foto do R. Soares).
Fig. 59 – Alguns dos materiais observados à superfície no povoado de Valongo I (foto de R. Soares).
Fig. 60 – Fragmento de cerâmica manual - perfil em “S” (foto de R. Soares).
Fig. 61 – Fragmento de braçal de arqueiro (foto de R. Soares).
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
61
6.1.5. Quinta do Picheleiro – casal agrícola
A menos de 1.5 km a norte do povoado de Valongo, foi identificado um pequeno
núcleo de povoamento, definido na cota dos 70 m, sobranceiro a uma área de comprovado
potencial agrícola (ver fig. 52). Registou-se a ocorrência de cerâmica manual,
designadamente um fragmento de bojo com arranque de mamilo e um bordo simples,
associados a um elemento de foice em sílex. O sítio foi recentemente identificado no âmbito
dos trabalhos de prospecção para a Carta Arqueológica de Setúbal. Considerando as
evidências no seu conjunto, poderá tratar-se de um pequeno casal agrícola, na linha dos
povoados referidos por João Luís Cardoso para a região estremenha do Tejo (Marques e
Andrade, 1974; Gomes, 1992, p. 107).
Fig. 62 – Área de implantação do “casal agrícola” da Quinta do Picheleiro no extracto da folha 454 da CMP esc. 1:25000.
Fig. 63 – Fragmento de cerâmica manual - bordo simples (foto de R. Soares).
Fig. 64 – Fragmento de cerâmica manual com arranque de mamilo (foto de R. Soares).
Fig. 65 – Elemento de foice em sílex (foto de R. Soares).
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
62
6.1.6. Bico dos Agulhões – “atalaia” (?)
Esporão na encosta sul da Arrábida, recortado pela escarpa sobranceira ao “Bico dos
Agulhões” – um pequeno cabo definido entre a Serra do Risco e o Portinho da Arrábida. O
sítio é chamado ao presente trabalho por uma recente entrada na base de dados Endovélico. A
ficha de sítio refere uma ocupação da “Idade do Bronze/Idade do Ferro”: “Os materiais
arqueológicos foram encontrados num caminho de terra batida que dá acesso às pedreiras,
nos regos abertos pelas chuvas. Algumas cerâmicas aparecem fracturadas em conexão. No
meio da vegetação existe maior concentração de pedras que poderão eventualmente
corresponder a restos de estruturas ou apenas a afloramentos de calcário e brecha da
Arrábida. Um pouco mais a sul foi identificada uma lasca de sílex”
(http://arqueologia.igespar.pt/POC/?sid=sitios.resultados&subsid=2983934).
No intuito de confirmar esta informação, o sítio tem sido alvo de recentes visitas, no
âmbito da Carta Arqueológica de Setúbal e do presente trabalho. De facto, foi registada
abundante cerâmica a torno, sobretudo moderna, alguma passível de um muito genérico
enquadramento em cronologias da Idade do Ferro (ou mesmo Romano Republicano); além de
observados alguns fragmentos de cerâmica a torno em conexão. Somente foi identificado um
fragmento manual que, atendendo à proximidade dos povoados do Risco e da Serra da Cela,
poderia corresponder ao Bronze Final, não descartando, contudo, uma produção da Idade do
Ferro, ou mesmo calcolítica.
Tendo em conta a referida cerâmica manual e os contextos arqueológicos das
imediações, é forte a probabilidade de se tratar de um sítio do Bronze Final, com continuidade
pela Idade do Ferro, faltando, porém e por hora, a sua confirmação. Mas, assim sendo, é de
estranhar a grande desproporção entre cerâmica manual e a torno. Para estes sítios, a regra
implicaria uma maior quantidade de cerâmica manual, relativamente à cerâmica a torno.
Tendo em conta a referida desproporção, ocorrem alguns “paralelos”, particularmente no
Alentejo e para época republicana – os chamados “castella”, “recintos torre” e “recintos
ciclópicos”, muitos deles com implantações bem alcandoradas paisagisticamente. Admitindo
esta hipótese, também faltam os seus “fósseis directores” (bordos de ânfora, cerâmica
campaniense, as decorações estampilhadas, etc.).
A confirmação de um povoado ainda não foi conseguida, apesar das repetidas
tentativas, sobretudo nas poucas janelas de prospecção permitidas pela densa vegetação do
local. De facto, existe um cabeço que reúne características para a implantação de
povoamento, todavia, as prospecções têm sido inconclusivas. Seja como for, mesmo
atendendo à fraca prospectabilidade do local, tudo indica que se trata de um sítio com escassa
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
63
entidade artefactual. Assim, na falta de mais informação e considerando a sua implantação
paisagística, controlando visualmente a Serra da Cela e o Risco e com franca intervisibilidade
com a “atalaia” de Valongo, fica a hipótese de se tratar apenas de um pequeno posto com
funções de intercomunicação entre os povoados vizinhos.
Fig. 66 – Área prospectada no Bico dos Agulhões no extracto da folha 465 da CMP esc. 1:25000.
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
64
6.1.7. Caetobriga (Setúbal)
Por fim, Setúbal. Povoado vestibular da foz do Rio Sado, desenvolveu-se a partir de
um porto abrigado na sua margem direita, numa pequena elevação circundada por uma área
de sapal. A actual baixa da cidade implantou-se sobre um antropizado braço de rio, onde
desaguava a Ribeira do Livramento, entre outras linhas de água hoje canalizadas,
encontrando-se edificada num plano abaixo do nível médio das marés do Sado. As referências
clássicas à Caetobriga pré-romana (a Caetobrix de Claudio Ptolomeu, apud Fabião, 2004, p.
63), se considerarmos a actual Setúbal como a correcta herdeira deste topónimo, documentam
que o seu porto constitui um exemplo de continuidade até ao presente e relativamente à costa
portuguesa, tanto na sua posição de litoralidade, como na exploração das condições de
navegabilidade flúvio-marítimas (Blot e Blot, 2003, p. 40-42). O topónimo “Caetobriga”
sugere uma fundação proto-histórica da povoação, persistindo, contudo, apesar de algumas
suspeitas (Colina de Nossa Senhora da Saúde – Soares, 2000a, p. 117), um hiato no registo
arqueológico, entre a ocupação sidérica e a cidade romana. O topónimo “Setúbal” apenas
surgirá em 1235.
Hoje, não parece remanescer grandes dúvidas relativamente à localização da antiga
Caetobriga. Os trabalhos desenvolvidos pela equipa do MAEDS ao longo das últimas
décadas, complementados por alguns recentes achados exumados na sequência de obras no
centro histórico da cidade, têm vindo a reunir fortes elementos de prova arqueológica para
esta velha questão, corroborando “a intuição de José Marques da Costa” (Arruda, 1999-
2000, p. 92). Recorde-se que Ignácio Marques da Costa, no princípio do século XX,
identificou uma necrópole romana no decorrer da construção do túnel do caminho-de-ferro
entre Palhais e as Fontainhas, na Ladeira de São Sebastião, sendo os resultados das suas
observações publicados apenas em 1966, por Carlos Tavares da Silva. Mais tarde, a partir de
1957, José Marques da Costa teve a oportunidade de “acompanhar” as grandes obras da rede
de saneamento básico da cidade (1957-59), registando novos e inequívocos dados relativos à
ocupação romana de Setúbal (Soares, 2000a, p. 101-106).
O inestimável contributo destes pioneiros da Arqueologia da região permitiu silenciar,
em definitivo, os partidários de uma fundação medieval da cidade, sendo os seus trabalhos
prosseguidos, a partir dos anos de 1960, por Carlos Tavares da Silva. Em 1974, com a criação
do MAEDS, até à presente data dirigido por Joaquina Soares, a investigação arqueológica da
cidade ganhou uma dimensão sistemática, profissional, institucional e “editorial”,
manifestada em diversos trabalhos, achados e publicações.
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
65
Segundo Tavares da Silva e Joaquina Soares e “de acordo com o estado actual dos
conhecimentos [1986-2000 – sempre condicionados pela crónica problemática da arqueologia
urbana], Setúbal nasce como entreposto comercial marítimo, no século VIII a.C. (Soares e
Tavares da Silva, 1986), aberto aos contactos com o mundo fenício” (Soares, 2000a, p. 113).
Na realidade, trata-se da evolução de um precedente povoado indígena do Bronze Final,
revelando estreitos contactos com o mundo fenício. O povoamento proto-histórico implantou-
se na Colina de Santa Maria, uma suave elevação no quadrante nascente da actual cidade, de
cota máxima na ordem dos 19 m, formando um istmo que dominava estrategicamente a antiga
paisagem estuarino-lagunar e a foz do Sado.
Foi em 1983 que se registaram, na área urbana da cidade, os primeiros vestígios
enquadráveis na “Idade do Ferro orientalizante”, quando trabalhos arqueológicos, realizados
na Travessa dos Apóstolos, em Santa Maria (1983-85), revelaram níveis de ocupação que,
segundo os arqueólogos responsáveis (Tavares da Silva e Joaquina Soares do MAEDS),
teriam tido início no século VII a.C., em cronologia tradicional (Soares e Silva, 1986),
funcionando como porto de chegada para as frotas fenícias que então penetraram no Sado,
rumo a Abul e Alcácer do Sal (Mayet e Silva, 2000). O sal estuarino e o cobre do interior
alentejano terão constituído, muito naturalmente, mercadorias que justificaram o
empreendimento marítimo destes povos até paragens sadinas. Embora os dados arqueológicos
ainda sejam escassos e ténues, alguns indicadores de mudança, como a cerâmica, parecem
indiciar uma “rápida assimilação das inovações económicas, tecnológicas e culturais
orientalizantes” (Soares, 2000a, p. 113).
As intervenções arqueológicas na Colina de Santa Maria permitiram considerar “três
fases de ocupação sidérica” (ob. cit., p. 113-117): uma primeira fase, de primeiros contactos,
situada entre os finais do século VIII e os inícios do século VII a.C., registou pouca dispersão
material, dominado a cerâmica manual do Bronze Final regional (83.4%); uma segunda fase,
similar à “fase III” do Castelo de Alcácer do Sal, fixada entre o século VII e o século VI a.C.,
já denotou uma boa expressão espacial, sugerindo uma “plena assimilação das inovações
fenícias, oriundas do círculo do Estreito de Gibraltar” (Soares, 2000a, p. 116) –
nomeadamente “cerâmica orientalizante de engobe vermelho”; por fim, uma terceira fase,
“evolucionada”, definida entre o século V e o século IV a.C., atestada pela ocorrência de
“cerâmica ibero-turdetana e de ânforas ibero-púnicas”.
Em concordância com os investigadores do MAEDS, Ana Margarida Arruda refere
que “os resultados obtidos nas escavações da Travessa dos Apóstolos indicam que a
ocupação pré-romana da cidade de Setúbal foi marcada por um vincado orientalismo, bem
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
66
evidenciado no espólio cerâmico recolhido na totalidade das camadas correspondentes a
essa ocupação. Contudo, as quantidades de cerâmicas manuais e, sobretudo, as suas
características formais e decorativas não permitem esquecer que esse orientalismo incidiu
sobre uma população com fortes raízes no Bronze final local” (Arruda, 1999-2000, p. 95).
Por outro lado, a mesma autora, tendo em conta as naturais limitações dos dados produzidos a
partir de intervenções em contexto urbano, sublinha ser difícil uma grande precisão nas
datações relativas das diversas fases de ocupação detectadas, “assim, se a análise tipológica
dos materiais da «Segunda» e «Terceira» fases permite uma aproximação relativamente
segura sobre o âmbito temporal dessas ocupações, o mesmo não posso dizer sobre o que foi
considerado a Primeira fase de ocupação de Setúbal” (ob. cit., p. 95). “A primeira fase de
ocupação de Setúbal é, em meu entender, e com base nos materiais publicados,
completamente impossível de datar de forma absoluta (...). O que me parece, no entanto,
possível deduzir dos resultados das escavações levadas a efeito na Travessa dos Apóstolos
em Setúbal é que o sítio estava já ocupado na primeira metade do I milénio a.C. Apesar de só
existirem dados objectivos para a primeira metade do século VI a.C., não é impossível pensar
que a ocupação sidérica remonte ao século VII a.C., em cronologia tradicional, dado que a
primeira fase é anterior às camadas cujos materiais datam do século VI a.C.” (ob. cit., p.
96).
Em suma: entreposto comercial desde a Idade do Ferro, aberto aos contactos
mediterrâneos e contemporâneo do estabelecimento fenício de Abul A, fundado em meados
do século VII a.C. (Mayet e Silva; 2000), Setúbal já se impunha como um verdadeiro e
emergente centro urbano em época romana, com uma economia sobretudo assente na pesca,
na produção de sal e na indústria conserveira piscícola. A cerâmica importada, “de feição
fenícia ou paleo-púnica” (séculos VII-VI a.C. – Silva, 1990), exumada no subsolo urbano de
Setúbal, particularmente na Travessa dos Apóstolos, assim como o posterior aumento da
presença de cerâmica de características “orientalizantes”, correspondentes aos séculos VI e V
a.C. (Silva, 1990), indicam a tendente precocidade dos contactos marítimos, estabelecidos por
marinheiros provenientes do Mediterrâneo. Este comprovado interesse pela região, por parte
de gentes de proveniências tão distantes, não deverá ser alheio ao relevante papel do sal
produzido no estuário do Sado, realidade histórica e arqueologicamente bem documentada
desde época romana, valorizando-se à escala europeia a partir do século XIII (Rau, 1984).
Fig. 67 – Área de implantação do núcleo proto-histórico de Caetobriga/Setúbal no extracto da folha 454 da CMP esc. 1:25000.
Fig. 68 – Materiais cerâmicos exumados na Travessa dos Apóstolos, na Colina de Santa Maria, em Setúbal, destacando-se os três primeiros fragmentos, de produção manual (seg. Silva e Soares, 1986, p. 135).
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
67
6.2. As necrópoles e os “santuários naturais”
“... é sina a cegueira dos homens vivos não darem a conta certa de quantos fizeram o feito, mil vivos e cem mil mortos, ou dois milhões de suspiros que se ergueram do chão [...], como é que estes vivos não dão por nada, cuidam que estão sozinhos, que andam no seu trabalho de
gente viva, quem morreu enterra-se, é o que julgam, os mortos vêm muitas vezes , ora uns, ora outros, mas há dias, é certo que raros, em que saem todos, [...] e olhando nós de mais longe, de mais alto, da altura do milhano, podemos ver [...] outros de quem não sabemos os
nomes, mas conhecemos as vidas...” José Saramago, Levantado do Chão
“(...) Duvido poder ser que se desfaça
Com água clara, e branda a pedra dura Com quem assim se beija, assim se abraça.
Mas ouço queixar dentro a Lapa escura, Roídas as entranhas aparecem
Daquela rouca voz, que lá murmura (...)”. Frei Agostinho da Cruz, Elegia II
Este sub-capítulo é dedicado aos sítios de vocação mágico-simbólica. Entre estes,
individualiza-se, pela sua excepcionalidade, o monumento funerário da Roça do Casal do
Meio, pois trata-se do único edifício destinado ao culto dos mortos, até ao momento
identificado na Arrábida do Bronze. Os demais sítios, aqui tratados, enquadram-se no âmbito
das necrópoles e santuários em cavidades naturais, particularmente das “grutas-santuário”,
tendo sido produzidos por acção da Natureza e explorados pelo Homem. Esta apropriação de
uma paisagem diferenciada, notável ou exuberante, tem sido amiúde assinalada no carso da
Arrábida, particularmente nas suas cavidades, com registos de ocupação que remontam ao
Paleolítico, passando pela Idade do Bronze e chegando até aos nossos dias (a “lapa-capela” de
Santa Margarida, por exemplo).
Além da Arrábida, também algumas grutas da região da Península de Lisboa, do
Maciço Calcário Estremenho e do Barrocal algarvio têm vindo a evidenciar espólios
correspondentes ao Bronze Final, que por não se encontrarem associados a vestígios
antropológicos excluem, à partida, a classificação de espaços funerários. Segundo alguns
autores, as evidências também não permitem uma atribuição funcional
habitacional/quotidiana, tendo em conta cerâmicas, em muitos casos, de boa qualidade: pastas
bem depuradas, paredes finas, formas elaboradas e elegantes, superfícies brunidas ou
espatuladas, algumas apresentando ornatos brunidos com complexas gramáticas geométricas
bicromáticas (Gomes e Calado, 2007, p. 150). Acresce o facto de estas cerâmicas se
encontrarem, amiúde, associadas a outros materiais de carácter especial, particularmente
artefactos metálicos.
Todavia, estas considerações levantam alguns problemas, designadamente a total
ausência de vestígios antropológicos nestes contextos, mesmo após a sua escavação, não
exclui, necessariamente, a ocorrência de rituais funerários, nomeadamente de incineração ou
mesmo de “despedida”, antes do lançamento dos corpos ao abismo marinho, por exemplo.
Esta última hipótese “joga bem” com a disposição das grutas da Arrábida face ao mar, muitas
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
68
delas em planos elevados e escarpados, sobre-expostos ao Oceano. Esta possibilidade ganha
sentido se tivermos em conta o facto de, até ao momento, e na Arrábida, os vestígios
funerários não corresponderem à densidade do povoamento identificado.
Posto isto, o melhor critério para uma atribuição funcional para estes sítios, e para o
espólio neles contido, reside nos próprios sítios, isto é, locais excepcionais, de difícil acesso,
longe dos recursos básicos de suporte à subsistência, insalubres, exíguos e de limitada
mobilidade e habitabilidade, que, de per si, não parecem suportar outra classificação senão a
de “grutas-santuário”.
A procura destes locais ermos e inóspitos, para práticas de cariz mágico-simbólico,
converte-os em “santuários naturais” subterrâneos: “onde os homens procuravam o contacto
com o transcendente e as forças da fertilidade, capazes de originarem e de manterem a vida,
ou de reproduzirem a cultura, tornando-se verdadeiras grutas-santuário, continuaram longa
tradição que remonta, pelo menos, ao Paleolítico Médio, quando ali se desenvolveram os
primeiros enterramentos e outras práticas de carácter ritual” (Gomes e Calado, 2007, p.
150).
Neste sentido, o endocarso poderia configurar o “submundo uterino da fértil mãe
Natureza”, da terra geradora de vida e transformadora pela morte, um umbilical espaço
iniciático de eterno retorno, onde as águas subterrâneas simbolizariam um transcendente
poder de purificação, infiltração e comunicação com o “além” – com os estranhos mistérios
da morte. Estes ocos profundos, escuros, geralmente húmidos, exíguos e ornamentados por
formações cársicas de grande beleza, designadamente estalagmites sugestivamente
antropomórficas, documentam, desde a Pré-História, práticas mágico-simbólicas, numa
aproximação às ingénitas forças da Natureza; ou na perspectiva de outros, palcos
privilegiados da experiência xamânica (Williams, 2004 – the mind in the cave). Esta ideia
parece ter tido continuidade nas antas, nas grutas artificiais e nos tholoi – o mesmo
simbolismo em diferentes opções espaciais e arquitectónicas.
O polimorfismo cultual do final da Idade do Bronze, em particular no actual território
nacional, tem sido documentado numa grande diversidade de santuários rupestres, quer em
grutas e abrigos, quer ao ar livre, sendo materialmente perceptível por meio de gravuras,
pinturas e depósitos votivos.
As “grutas-santuário” constituem um fenómeno de largo espectro em todo o Mundo.
No contexto nacional, e até à data, tem sido a região da Península de Lisboa a registar um
maior número de cavidades subterrâneas contendo materiais atribuíveis ao Bronze Final.
Locais que, na sua maioria, e pela características já enumeradas, constituem potenciais
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
69
santuários cavernícolas. Mário Varela Gomes e David Calado referem uma série de prováveis
santuários cársicos, correspondentes ao Bronze Final da região de Lisboa (Gomes e Calado,
2007, p. 152): a gruta da Ponte da Laje, Oeiras (Cardoso e Carreira, 1996); as grutas do Poço
Velho, Cascais (Carreira, 1990-1992); a gruta do Correio-Mor, Loures; o Fojo dos Morcegos,
Assafora, Sintra (Marques, 1971; Marques e Andrade, 1974); a gruta do Cabeço do Castelo,
Maceira, Vimeiro, Torres Vedras (Zbyszewski e Viana, 1949); a Cova da Moura, Torres
Vedras; o abrigo das Bocas, Rio Maior (Carreira, 1994).
Por seu turno, o carso do Barrocal algarvio documentou, na Gruta de Ibn’Ammar
(Mexilhoeira da Carregação/Lagoa) e na Gruta da Ladroeira Grande (Moncarapacho/Olhão),
uma significativa quantidade de materiais atribuíveis ao final da Idade do Bronze. Ambas as
cavidades foram publicadas, pela primeira vez, em 1850, por Charles Bonnet – Algarve
(Portugal): description géographique et géologique de cette province.
A Gruta de Ibn’Ammar situa-se na estuarina margem esquerda do Rio Arade, a cerca
de 4 km de Portimão, tendo revelado vestígios arqueológicos de uma ocupação humana
compreendida entre o Paleolítico Médio e o Período Medieval, sendo admissível considerar
uma provável exploração sagrada durante o Bronze Final. Aberta em calcários do Jurássico, a
gruta desenvolve-se ao longo de um complexo sistema cársico, apresentando várias aberturas,
algumas das quais permitindo apertadas entradas: um sifão vertical, exposto numa depressão
a cerca de 10 m acima do nível médio das águas do Arade e, praticamente ao nível da
margem do rio, duas condutas forçadas tubulares, que nos conduzem a diversas salas bem
marcadas pela hidrogénese, algumas inundadas periodicamente pelo fluxo das marés.
Rui Mataloto, Rui Boaventura, Carl e Peter Harpsöe apresentaram, no 9.º Encontro de
Arqueologia do Algarve, em 20 de Outubro de 2011, uma comunicação sobre – A ocupação
da Idade do Bronze na Gruta de Ibn-Ammar (Lagoa). Esta investigação, ainda numa fase
preliminar, tem por base a análise do espólio cerâmico exumado pelos Harpsöe, entre 1964 e
1966, em duas galerias do piso inferior da cavidade. Segundo os investigadores, o grosso dos
materiais tratados enquadra-se num período relativo compreendido entre o Bronze Médio e os
inícios do Bronze Final (3.º quartel do 2.º milénio/segunda metade do 2.º milénio a.C.). São,
na sua maioria, cerâmicas comuns, “tigelas e vasos de pequena, média e grande dimensão,
destinados à confecção e armazenamento de alimentos”, perfeitamente enquadráveis em
contextos de habitat, não apresentando excepcionalidade que justifique uma utilidade ritual
ou votiva; sendo ainda realçada a ocorrência de grandes contentores cerâmicos, alguns dos
quais apresentando aspectos decorativos. As formas mais pequenas apresentam bom
acabamento, espatulado ou brunido, sendo o acabamento mais grosseiro com o aumento das
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
70
dimensões. As decorações escasseiam: ornatos brunidos, incisões, cepillados e pequenos
mamilos.
A hipótese de eventuais práticas de comensalidade pode explicar a ocorrência de
cerâmicas comuns, associadas a outras de melhor qualidade. Por outro lado, a utilização
daquele espaço como abrigo sazonal, de apoio à exploração de recursos marinhos
(marisqueiro), jogaria com os grandes vasos de armazenamento identificados. Ainda assim,
os referidos investigadores admitem que, por hora, e tendo em conta as características
específicas da gruta e a total ausência de restos antropológicos, a hipótese mais consensual e
verosímil assenta numa utilização enquanto “gruta-santuário”, apontando, porém, para a
necessidade de uma investigação de fundo para esta temática, particularmente nas cavidades
identificadas nas penínsulas de Lisboa e de Setúbal.
No contexto nacional, à escassez quantitativa de dados, que permitam uma melhor
aferição dos processos deposicionais nestes contextos arqueológicos, acresce a pobreza ou
total ausência de documentação publicada sobre as condições das jazidas identificadas e dos
respectivos acervos artefactuais, com algumas excepções como o meritório contributo de
Eduardo da Cunha Serrão na Lapa do Fumo (Sesimbra).
A Gruta de Ibn’Ammar, com base na observação in loco efectuada pelo signatário do
presente texto, não parece oferecer as mínimas condições de salubridade para um suporte
habitacional. Desde logo, temos entradas e corredores pouco práticos, sendo necessário
“gatinhar” para o seu interior. Depois, não nos podemos esquecer que o seu interior, com
galerias abaixo do nível médio das águas do Arade, encontra-se sujeito a regulares
inundações pelo fluxo das marés, realidade que, ao que tudo indica, também se verificaria
durante épocas proto-históricas.
No que respeita à Gruta da Ladroeira Grande, situa-se perto do cimo do Cerro da
Cabeça ou de Moncarapacho, 2,5 km a norte daquela povoação, abrindo-se para o pequeno
vale na sua vertente nascente. O Cerro da Cabeça atinge 249 m de altitude, dominando a
panorâmica envolvente, alcançando, a sul, as planícies costeiras e o mar, apenas a 8 km.
Desenvolve-se em calcários margosos e bio-compostos do Jurássico Superior, integrando um
desenvolvido complexo cársico de que fazem parte numerosas cavidades subterrâneas,
nomeadamente a Ladroeira Pequena, o Abismo Velho, o Abismo Novo, a Coluna, o Garrafão,
o Algar da Medusa e a Pechinha, entre outras. Quanto ao espólio cerâmico identificado “as
formas e o tratamento das superfícies, tal como os ambientes de cozedura e arrefecimento,
permitem a atribuição do acervo descrito à segunda metade do II milénio a.C. (Idade do
Bronze Final)” (Gomes e Calado, 2007, p. 148).
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
71
Senna-Martinez, no que se refere ao Grupo Baiões/Santa Luzia, também admite uma
ocupação de carácter ritual na sala 20 do complexo de galerias graníticas do Buraco da Moura
de São Romão: “apresenta uma sequência estratigráfica que se estende desde um eventual
Neolítico Final à Idade Média, facto que é único para a região” (Senna-Martinez et al., 193,
p. 132); “a ‘utilização’ de BMSR-20 no Bronze Final, ao contrário do verificado no
horizonte cultural estratigraficamente antecedente, não teve cariz doméstico, podendo tê-lo
tido funerário ou ritual” (Senna-Martinez, 1993a, p. 118). Tendo sido excluída qualquer
manifestação funerária, e considerando a totalidade dos dados disponíveis, uma interpretação
de carácter ritual para os vestígios registados neste local ainda parece ser a mais coerente. De
referir, ainda, que este local documentou uma percentagem de recipientes brunidos
particularmente expressiva (83.8%), relativamente aos demais sítios estudados naquela área
regional (ob. cit., p. 113).
Também a Península de Setúbal/Arrábida tem vindo a registar algumas jazidas da
Idade do Bronze, depositadas em grutas(-santuário?). Como veremos mais à frente, à Lapa do
Fumo e à Lapa da Furada, poderão vir a acrescentar-se outras cavidades susceptíveis de uma
utilização enquanto “santuário natural”. Refira-se, mais uma vez, que a região da Arrábida
tem sido alvo, desde 2007, de uma intensa e sistemática investigação “arqueoespeleológica”,
sendo de esperar novos sítios e mais informação acerca deste tema.
Por fim, quando falamos em grutas, não nos referimos, necessariamente, a grandes
cavidades, de entradas amplas e bem destacadas na paisagem. Muitas das grutas e lapas
aludidas ao longo do presente texto foram de muito difícil detecção.
6.2.1. Monumento funerário da Roça do Casal do Meio
O monumento funerário da Roça do Casal do Meio foi identificado nos inícios dos
anos sessenta por Octávio da Veiga Ferreira e Georges Zbyszewski, sendo escavado dez anos
depois, entre Outubro e Novembro de 1972, por Konrad Spindler e Veiga Ferreira. Localiza-
se em Sesimbra, nas terras da Quinta do Calhariz (Casal do Meio/Terras do Risco), entre o
sopé ocidental da Serra da Arrábida, propriamente dita, e a encosta norte da Serra do Risco
(ver fig. 13). Foi classificado como Imóvel de Interesse Público em 1984 (Dec. N.º 29/84 de
25 de Junho).
Trata-se de um monumento funerário contendo duas inumações, datadas recentemente
por radiocarbono, resultando numa cronologia absoluta fixada entre os meados do séc. XI e
os finais do séc. IX a.C. – 1004-835 cal a.C. (Vilaça e Cunha, 2005, p. 52), num período
correspondente ao Bronze Final. De referir que estas recentes datações vieram corroborar a
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
72
datação relativa da escavação de Spindler, produzida a partir da acertada análise do espólio
exumado.
Publicada em francês e alemão (Spindler et al., 1973-74), a excepcionalidade da Roça
do Casal do Meio ganhou um estatuto de referência europeia para o Bronze Final, tendo em
conta a própria projecção internacional de Konrad Spindler, as tendências genéricas da época,
as suas particularidades arquitectónicas, inéditas para o período e região em questão (ocidente
peninsular), a sua expressiva implantação na paisagem, por apresentar um túmulo com duas
sepulturas formais (os próprios enterramentos nesta época são raros) e a riqueza do espólio
exumado.
A escavação permitiu recuperar uma planta definida por um círculo com 11,5 m de
diâmetro, com uma abertura voltada a este-sueste com 1,20 m, delimitada, exteriormente, por
um espesso muro, composto por grandes blocos ortostáticos de calcário regional, com cerca
de 2,50 m de largura e atingindo 1,20 m de altura. A abertura conduz a um estreito corredor,
com 4,20 m de comprimento, que desemboca numa câmara funerária central, de planta
subcircular e com um diâmetro de base de 3,3 m, supondo uma cobertura original em “falsa
cúpula” (Silva e Soares, 1986, p. 116). Segundo Richard Harrison (Harrison, 2007), trata-se
de um tholos calcolítico, entretanto arruinado, e que na Idade do Bronze teria sido esvaziado
dos originários destroços e conteúdos, recebendo um reboco de argila no interior para acolher
os enterramentos; a cúpula não teria sido reconstruída, sendo os enterramentos selados com
um tumulus simples, composto por terra e pedras.
Genericamente, e em termos arquitectónicos, todos os autores observaram as
semelhanças deste (re)monumento funerário com os de “falsa cúpula” calcolíticos. Ainda
assim, apesar de todas as dúvidas publicadas pelos seus escavadores, estes fixaram-se nos
paralelos então conhecidos – os protótipos do Mediterrâneo Oriental, identificados em
Chipre, no Egeu, na Sardenha e na Sicília. Os autores assumiram, assim, a hipótese da
estrutura, e do seu conteúdo antropológico e material, serem coevos e correspondentes a
cronologias do Bronze Final, sobretudo por não terem identificado materiais calcolíticos
durante a escavação. Por outro lado, Spindler considerou que os construtores e defuntos
teriam origens exógenas, tanto mais, que à época, ainda não tinha sido localizado, na
envolvente desta necrópole, um povoado contemporâneo das inumações.
As escavações revelaram dois indivíduos, estudados e publicados por G. Gallay
(1973): um primeiro na zona sudoeste da câmara, sepultado directamente sobre o solo, em
decúbito dorsal e segundo uma orientação noroeste-sueste, com a cabeça virada para sueste e
a face para norte; e um segundo, na zona noroeste da câmara, depositado sobre uma banqueta
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
73
de argila com uma altura de 25 cm, jazente sobre o seu lado direito, em posição contraída,
com a cabeça para nascente e a face virada a norte.
Os indivíduos faziam-se acompanhar de vários artefactos de prestígio,
designadamente objectos de bronze: duas pinças, um anel, um colchete de cinturão e uma
fíbula de enrolamento no arco, com braços iguais, mola simples, fuzilhão recto e descanso.
Além destes, de destacar um pente cuneiforme de marfim. Trata-se, portanto, de um conjunto
artefactual bastante homogéneo, enquadrado no horizonte da cerâmica de “ornatos brunidos”
do Bronze Final, a que se associam objectos em bronze de largo espectro cronológico e
geográfico, recorrentes por todo o Mediterrâneo e produzidos localmente (Harrison, 2007, p.
76). No que respeita à fíbula, é tipologicamente semelhante a outros seis exemplares
identificados no nosso território (no “Mundo Baiões/Santa Luzia”) – “o tipo mais antigo e
mais comum de fíbula peninsular é o de “enrolamento no arco” (ou Roça do Casal do Meio,
Sesimbra)” (Senna-Martinez, 2010, p. 19). Esta fíbula aponta para paralelos sicilianos, sendo
por vezes confundida com as “fíbulas de cotovelo” – em Cassibile datam-se,
convencionalmente, do século XII a.C. (Senna-Martinez, 2010, p. 19).
Quanto ao pente de marfim, tendo em conta o suporte material em que foi produzido,
aponta para uma feição exógena de origem mediterrânea norte-africana (Silva e Soares, 1986,
p. 121). Relativamente às pinças, têm vindo a ser identificados alguns paralelos em contextos
do Bronze Final do Ocidente Peninsular, por exemplo em povoados como o Castro dos
Ratinhos (Alentejo – Berrocal-Rangel e Silva, 2010), Monte do Frade (Beira Interior –
Vilaça, 1995; 2005) e Fraga dos Corvos (Trás-os-Montes – Senna-Martinez et al., no prelo) e
na necrópole do Casalão, em Sesimbra (Serrão, 1994, p. 58; Fabião, 1992, p. 141-143; Calado
et al., 2009, p. 31) – um conjunto de sepulturas da 1.ª Idade do Ferro, contendo alguns
objectos de bronze na tradição do Bronze Final da Roça do Casal do Meio (pinça, mola
espiralada de fíbula e anel).
As pinças e o pente remetem-nos para cuidados pessoais e de aparência do homem-
guerreiro da Idade do Bronze, provavelmente empregues na definição das suas iconográficas
barbas. De recordar que, objectos como pinças, pentes e espelhos (entre outros, de índole
marcial) surgem amiúde representados nas estelas do Bronze do Sudoeste, particularmente no
sul de Portugal. Para alguns autores, estas representações fazem eco de um modelo social
fortemente hierarquizado, de tipo “chefado”. Este modelo parece manifestar-se, da mesma
forma, na Roça do Casal do Meio, pois, além do espólio, há que sublinhar o facto de, não
obstante a monumentalidade da sepultura, apenas terem sido registadas duas inumações, o
que aponta para uma evidente distinção destes indivíduos – heróis fundadores? líderes
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
74
guerreiros? “comerciantes ou mesmo missionário”? (Cardoso, 2000, p. 65), ou homens
“pertencentes a uma classe sacerdotal em crescente afirmação”? (Cardoso, 1998, p. 31).
Também não será de estranhar a total ausência das armas e dos escudos, frequentemente
figurados nas estelas do Sudoeste. A deposição de armas, em sepulturas do Bronze Final do
ocidente peninsular, é relativamente rara, havendo uma tendência, sim, para ocorrerem em
depósitos rituais, designadamente em grutas, fendas e leitos de rio (Vilaça e Cunha, 2005, p.
55).
No que respeita ao espólio cerâmico, documentaram-se apenas três recipientes: um
vaso bicónico de fundo plano, registado no interior da câmara funerária, com 39 cm de altura,
apresentando bordo simples, sem espessamento e lábio convexo, conservando, ainda, na zona
externa do bojo, vestígios de reticula brunida de traço fino – “as características decorações
de “ornatos brunidos”, produzidas por pontas rombas, provavelmente de madeira,
constituídas por finas caneluras definindo motivos reticulados de natureza exclusivamente
geométrica” (Cardoso, 1998, p. 31); uma taça de carena de ombro, registada no corredor, à
entrada da câmara, de fundo externo ligeiramente côncavo, apresentando uma pega vertical
perfurada, aplicada entre o bordo e a carena; e oito fragmentos de uma outra taça de carena de
ombro, de fundo aplanado, apresentando mamilo perfurado verticalmente, aplicado sobre a
carena (Calado, 1993d, p. 354). Os oito fragmentos foram registados de forma dispersa sobre
o monumento, integrando os materiais da mamoa (Harrison, 2007, p. 70). Segundo Richard
Harrison, estes fragmentos não partilham das mesmas características de fabrico dos outros
dois recipientes referidos, admitindo, contudo, um estilo e produção locais para os três
exemplares identificados (Harrison, 2007, p. 71, 76). Estamos perante grandes recipientes de
armazenamento, destinados, presumivelmente, à deposição ritual de alimentos (Calado, 1993,
p. 354). Ainda acerca do espólio votivo, resta referir os vestígios osteológicos de duas cabras
e de dois carneiros, depositados com carne aderente (Spindler et al., 1973-74; Silva e Soares,
1986; Vilaça e Cunha, 2005; Harrison, 2007).
A Roça do Casal do Meio insinua, assim, o grau de diferenciação social atingido pelas
comunidades do Bronze Final da região, parte da “placa giratória” estremenha. Esta relação
regional é aparentemente documentada pela ocorrência, por um lado, de elementos de cariz
mediterrâneo, como a fíbula e o pente da Roça do Casal do Meio; e, por outro lado, por
artefactos de origem atlântica, como as peças de bronze de “Alfarim” e das Pedreiras –
machados de alvado e foice (Silva e Soares, 2006, p. 43).
João Luís Cardoso, em 2004, a partir das suas observações no tholos do Cerro do
Malhanito (Alcoutim), e na continuidade do que já vinha a ponderar há algum tempo, admite
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
75
poder tratar-se de um reaproveitamento de um monumento calcolítico, tendo em conta a
“simplicidade arquitectónica” da sua planta e por se enquadrar nos paralelos estremenhos de
tholoi (Cardoso, 2004b). Quanto à total ausência de materiais atribuíveis ao Calcolítico, é de
considerar uma provável acção de limpeza do monumento, aquando do seu reaproveitamento
(Vilaça e Cunha, 2005, p. 53, cf. Cardoso, 2004b; Harrison, 2007, p. 65). Recorde-se, a este
propósito, que já em 1986, Carlos Tavares da Silva e Joaquina Soares denunciavam
semelhanças arquitectónicas com os tholoi identificados no nosso território (Silva e Soares,
1986, p. 116); enquanto Ana Margarida Arruda também reconhece, “na sua globalidade, uma
vaga proximidade formal e de soluções construtivas com os monumentos megalíticos de tipo
tholos” (Arruda, 2008, p. 362).
Raquel Vilaça, em 2005, recupera uma questão que a investigação há muito vinha a
evitar: “será o monumento contemporâneo dos enterramentos, ou trata-se de uma estrutura
antiga reaproveitada? E, sendo-lhe anterior, que anterioridade é essa?” (Vilaça e Cunha,
2005, p. 53). A investigadora de Coimbra, embora reservadamente, não se vinculando às
hipóteses em causa, refere, por um lado, a constatação estratigráfica dos escavadores,
relativamente ao facto dos enterramentos não terem sido realizados logo após a construção do
monumento, o que abona a favor da hipótese do reaproveitamento de um tholos do
Calcolítico durante o Bronze Final; por outro lado, recorda os oito fragmentos de uma taça
carenada do Bronze Final, registados incorporando “as camadas de construção do
monumento”, um argumento importante (senão o único) para os defensores de um
empreendimento arquitectónico dos finais da Idade do Bronze (ob. cit., p. 53).
Ora, posto isto, e partindo das dúvidas e incoerências suscitadas pela investigação
desde a descoberta deste monumento, Richard J. Harrison avança com um cuidado trabalho
de revisão e de síntese de dados inéditos da escavação de Spindler, propondo uma nova
interpretação: “a new interpretation, that the graves were placed inside a much older Copper
Age Tholos after it had been cleaned out. They are not burials of immigrants from Sicily in a
mock-up of a passage grave” (Harrison, 2007, p. 65).
Harrison afirma, logo à partida, que o monumento da Roça do Casal do Meio atraiu a
atenção como um raro exemplo dos ricos enterramentos do Bronze Final, num monumento
megalítico único, permanecendo, desde 1973, como uma destacada anomalia na Idade do
Bronze atlântica (ob. cit., p. 65). A consequente discussão rapidamente sanou, com a
generalizada tendência em aceitar que o monumento, os enterramentos e o respectivo espólio
seriam todos contemporâneos e correspondentes ao Bronze Final, mesmo apesar de todas as
dúvidas equacionadas pelos próprios escavadores.
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
76
Posto isto, Harrison levanta uma questão: porquê, depois de 30 anos de investigação
arqueológica, ainda não foi identificado, até à data (2007), um efectivo paralelo para a Roça
do Casal do Meio? Cada ano que passa, este sítio torna-se ainda mais peculiar e incomum –
“these anomalies persuaded me to reconsider the site and the two burials from a new
perspective” (ob. cit., p. 65).
Após uma atenta revisão dos dados disponíveis da escavação, sobretudo dos inéditos,
e reconhecendo a relativa qualidade e rigor da escavação, mesmo segundo os padrões actuais,
Harrison identifica algumas falhas e incoerências na publicação de 1973. Assim, e
contrariando as interpretações de Spindler, avança determinado com a proposta de que “os
hierarcas que foram aqui sepultados, não eram estranhos numa terra estranha. Eram
indígenas. Elites nativas” (Calado et al., 2009, p. 28, cf. Harrison, 2007). Neste seguimento,
coloca duas hipóteses interpretativas para a génese fundacional da Roça do Casal do Meio: “a
primeira é que a singularidade do monumento se explica pelo facto de ser o
reaproveitamento de um tholos, do Neolítico Final/Calcolítico, por populações da Idade do
Bronze, o que levou à segunda hipótese que é da existência de um povoado do Neolítico
final/Calcolítico, os construtores do tholos e de que os indivíduos sepultados da Idade do
Bronze não vieram de fora mas que estavam associados a um povoado da Idade do Bronze,
na área da Roça do Casal do Meio” (Calado et al., 2009, p. 47, cf. Harrison, 2007).
Na verdade, um dos principais contributos deste autor foi ter reunido argumentos
suficientemente fortes em defesa de uma das leituras alternativas que tinha sido, à partida,
descartada pelos próprios escavadores: um tholos do Calcolítico, reutilizado pelas populações
do Bronze Final, quase 2000 anos depois da sua construção e utilização primárias – “with this
new sequence in hand, it is now possible to restore the Tholos monument to the Late Copper
Age where it belongs, and see the Late Bronze Age materials in a new light” (Harrison, 2007,
p. 75).
“Como consequência do trabalho do referido autor inglês, a questão que se colocava
era, desde logo: onde moravam então esses indígenas?” (Calado et al., 2009, p. 28). Ora, nos
já referidos trabalhos de prospecção arqueológica, desenvolvidos entre 2007 e 2009 no
âmbito da Carta Arqueológica de Sesimbra, foi possível identificar, nas imediações do
monumento funerário, um povoado do Neolítico Final/Calcolítico (o povoado dos Ouriços –
Calado et al., 2009, p. 99), achado que jogaria bem com a primeira hipótese proposta por
Harrison – “os possíveis construtores do primeiro monumento funerário” (ob. cit., p. 47).
Contudo, além desta descoberta, foi definida uma imensa área de povoamento, atribuível ao
Bronze Final, com cerca de 100 ha e descrevendo um arco de círculo junto ao monumento.
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
77
A investigação antropológica dos vestígios osteológicos exumados na Roça do Casal
do Meio permitiu caracterizar, de certa forma, e tendo em conta a amostragem, o homem que
povoou a Arrábida durante o Bronze Final – “para além dos artefactos, há, naturalmente,
homens, organizados de forma específica, vivendo num dado espaço, seguindo padrões de
comportamento mutuamente reconhecíveis, portadores de signos de identificação no
complexo comportamento social das sociedades humanas” (Gonçalves, 1993, p. 188). A
insuficiência de dados de escavação não tem permitido grandes deduções antropológicas para
a região em causa, destacando-se os trabalhos desenvolvidos a partir dos vestígios
osteológicos da Lapa do Bugio (Isidoro, 1964) e das grutas artificiais da Quinta do Anjo
(Bübner, 1979), ambos caracterizadores do Homem do Calcolítico.
No que diz respeito ao Homem do Bronze Final, Raquel Vilaça e Eugenia Cunha
publicaram, em 2005, um texto de revisão e síntese dos dados arqueológicos e
antropológicos, relativos às inumações da Roça do Casal do Meio – A Roça do Casal do Meio
(Calhariz, Sesimbra): novos contributos (Vilaça e Cunha, 2005).
Trinta anos após o primeiro estudo de G. Gallay (Gallay, 1973), as investigadoras
concluíram tratar-se de dois indivíduos adultos do sexo masculino, um mais jovem, com uma
idade entre os 20 e os 40 anos, e outro mais velho, entre os 40 e os 50 anos. Ambos os
indivíduos apresentaram severo desgaste dentário, sem patologias orais associadas. Os ossos
dos membros inferiores e superiores dos dois sujeitos indiciaram uma assinalável robustez,
com grande desenvolvimento das zonas de inserção muscular, sugerindo um esforço físico
repetido ao longo de vários anos, estimando-se uma altura de 1,70 m para um deles – uma
estatura média/alta.
No que respeita ao chamado “Síndrome do Cavaleiro”, os ossos da bacia e fémures
não ofereceram informação conclusiva, contudo, um dos indivíduos patenteou alguns indícios
de ter montado a cavalo com alguma frequência. A avaliação acerca do grupo populacional de
origem também não foi conclusiva, pelo facto dos ossos da face se encontrarem bastante
fragmentados. Parâmetros como o índice nasal e facial poderiam estimar a origem geográfica
destes indivíduos.
“Assim, os inumados não parecem ser exógenos, mas indígenas, podendo defender-se
que os próprios construtores seriam também nativos (...). Mas estes indígenas não seriam
certamente uns indígenas comuns, e poderiam fazer parte das elites locais que, de uma forma
ou de outra, participaram e tiveram papel preponderante nas redes de intercâmbios que
ligaram o Atlântico e o Mediterrâneo durante o Bronze Final” (Arruda, 2008, p. 361-362).
Fig. 69 –Localização do monumento funerário da Roça do Casal do Meio no extracto da folha 465 da CMP esc. 1:25000.
Fig. 70 – Reconstituição hipotética da fase I da Roça do Casal do Meio (seg. Artur Ramos, in Calado et al., 2009, p. 16).
Fig. 71 – A Roça do Casal do Meio virada a nascente (foto de R. Soares).
Fig. 72 – Entrada da câmara funerária (foto de R. Soares).
Fig. 73 – A Roça do Casal do Meio e a Serra do Risco (foto de R. Soares).
Fig. 74 – Reconstituição hipotética da Roça do Casal do Meio (seg. Spindler et al., 1973-74).
Fig. 75 – Em cima, plano geral de todo o monumento depois de escavado; em baixo, plano simplificado do monumento (seg. Harrison, 2007, p. 66-67).
Fig. 77 – A posição exacta dos objectos exumados junto dos dois indivíduos (seg. Harrison, 2007, p. 71).
Fig. 76 – Plano do nível inferior do monumento onde foram depositados os dois indivíduos e o respectivo espólio votivo (seg. Harrison, 2007, p. 70).
Fig. 78 – Os três recipientes cerâmicos exumados no monumento funerário da Roça do Casal do Meio (seg. Harrison, 2007, p. 72).
Fig. 79 – Vaso bicónico de fundo plano, exumado no interior da câmara funerária - in Museu Geológico (foto de R. Soares).
Fig. 80 –Taça de carena de ombro com pega vertical perfurada, exumada no corredor, à entrada da câmara funerária - in Museu Geológico (foto de R. Soares).
Fig. 81 – Reconstituição a partir de oito fragmentos de uma taça de carena de ombro, registados na mamoa do monumento - in Museu Geológico (foto de R. Soares).
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
78
6.2.2. A Lapa do Fumo e os “ornatos brunidos” – “gruta-santuário” (?)
Foi em 30 de Agosto de 1956 que Eduardo da Cunha Serrão visitou pela primeira vez
a Lapa do Fumo, reconhecendo, desde logo, o seu “grande interesse arqueológico” (Serrão,
1958, p. 177). De facto, esta foi a primeira gruta arqueológica e a primeira estação pré-
histórica, pós-paleolítica, identificada no concelho de Sesimbra. Trata-se de uma cavidade
cársica, situada cerca de 3 km a oeste de Sesimbra, na Serra dos Pinheirinhos, apresentando
uma galeria aberta em calcários do Jurássico, com sensivelmente 70 m de comprimento, na
cota dos 190 m de altitude.
Cunha Serrão, na qualidade de colaborador do Centro de Estudos de Etnologia
Peninsular, mandatado pela presidência da Câmara Municipal de Sesimbra, decide avançar
para a investigação desta importante jazida. Foi assim que, no Verão de 1957, deu início à sua
escavação – “começando por abrir um quadrado com 2 metros de lado, 8,5 metros da
entrada, que foi explorado por camadas de 20 cm (não tendo encontrado estratigrafia
suficientemente esclarecedora na primeira sondagem, procedi à escavação da parte restante
por camadas arbitradas), até encontrar um chão estalagmítico que, neste local e até onde o
pude reconhecer, se mostrou estéril” (ob. cit., p. 177).
A escavação revelou uma exemplar sequência estratigráfica e um rico e diversificado
espólio, atribuível a cronologias compreendidas entre o Neolítico Antigo e o Período
Islâmico: “além dos restos ósseos de vários indivíduos sepultados, se recolheram artefactos
de interesse, tais como vários instrumentos e armas de sílex, de pedra polida, de osso e de
cobre ou bronze, objectos de adorno e vários ídolos-placas, de ardósia. Mas a cerâmica é a
nota mais interessante desta estação, pois, nos 4 m2 de terreno explorados num só quadrado
– o n.º 1 –, encontrei cerca de 2.000 fragmentos que pertenceram a uns 200 vasos que podem
classificar-se em pelo menos 11 tipos cerâmicos distintos” (ob. cit., p. 177-178).
Entre estes fragmentos, Cunha Serrão isolou 56 fragmentos cerâmicos,
correspondentes a 20 vasos diferentes, reunindo um conjunto de características tipológicas e
decorativas até então desconhecidas – os “ornatos brunidos” – “fabricada sem recurso ao
torno rápido; superfície exterior polida (às vezes também a interior) sugerindo a aplicação
de um engobe; ornatos geométricos (praticamente nunca curvilíneos), produzidos pela
passagem de brunidores (uns mais largos do que os outros) nas paredes dos vasos, antes do
cozimento; ornamentação nas paredes exteriores em quase todos os exemplares portugueses,
e no interior em quase todos os exemplares espanhóis (curiosa diferenciação); distribuição
geográfica na P. Ibérica: principalmente ao Sul do Tejo e na Andaluzia” (Serrão, 1975, p.
214-215). Peças de excelente qualidade, de formas compósitas bastante elegantes,
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
79
apresentando, em alguns casos, um exuberante barroquismo decorativo, “consideradas
justamente o apogeu das produções cerâmicas, de fabrico manual, quando começavam a
chegar, ao nosso território, os primeiros exemplares produzidos com uma tecnologia
revolucionária, oriunda do Próximo Oriente: a roda de oleiro” (Calado et al., 2009, p. 27).
De facto, o conjunto cerâmico com ornatos brunidos da Lapa do Fumo foi o primeiro
do seu género a ser divulgado em Portugal, de forma bastante sistemática e aprofundada para
a época. Até então, apenas eram conhecidos alguns escassos fragmentos provenientes do
tholos do Monge (Sintra) e da Gruta da Maceira (Torres Vedras) (Silva e Soares, 1986, p.
127), que, pela ausência de paralelos, foram atribuídos a cronologias do Neolítico, Calcolítico
e Idade do Bronze. Na sequência da publicação dos trabalhos de Cunha Serrão na Lapa do
Fumo, e de outras escavações em jazidas do Bronze Final e da 1.ª Idade do Ferro, na
Andaluzia, na Estremadura portuguesa, no Alentejo e no Algarve, proliferaram os
arqueossítios com registos de cerâmica com ornatos brunidos.
Segundo Carlos Tavares da Silva e Joaquina Soares, é legítimo “aceitar que esta
cerâmica se tenha desenvolvido na Estremadura durante o Bronze final, entre o século IX e
os séculos VIII/VII a.C., constituindo aqui um centro paralelo ao que simultaneamente se
formara na Andaluzia. Destes centros teriam irradiado influências para outras zonas
peninsulares, nomeadamente para o Alentejo e Algarve, províncias até então ocupadas pela
Cultura do Bronze do Sudoeste” (Silva e Soares, 1986, p. 127-128). A descoberta do
monumento funerário da Roça do Casal do Meio, contendo exemplares de cerâmica com
“reticula brunida”, permitiu aferir, pela primeira vez, a cronologia relativa destas cerâmicas,
pelo menos a nível regional.
Cunha Serrão concluiu que os enterramentos da Lapa do Fumo eram enquadráveis nos
meados do 2.º milénio a.C. – “Bronze Médio” (Serrão, 1959, p. 345), todavia, as cerâmicas
correspondentes ao Bronze Final não se encontraram estruturadamente associadas a restos
antropológicos. Tendo em conta o seu reconhecido rigor metodológico, resta-nos considerar a
hipótese de estarmos perante deposições votivas numa “gruta-santuário” do Bronze Final
(Gomes e Calado, 2007, p. 152) – “ainda não pude averiguar com segurança o motivo da sua
presença, mas ocorre-me que poderia muito bem ser por razões de ritual religioso, se em
certas épocas, a Lapa do Fumo foi tida na conta de gruta sagrada onde se iriam fazer
oferendas e talvez sacrifícios” (Serrão, 1959, p. 347). Nesta linha, João Luís Cardoso entende
que as cerâmicas com ornatos brunidos da Lapa do Fumo “corresponderiam a oferendas
fúnebres ou, em alternativa, a deposições relacionadas com santuário rupestre, atendendo à
dificuldade de se poderem relacionar com quaisquer sepulturas, hipótese que, embora
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
80
carecendo de demonstração, é plausível” (Cardoso, 1998, p. 31). As razões do
(re)aproveitamento das grutas da região estremenha, durante o Bronze Final, deverão prender-
se com a utilização destas “como prováveis santuários rupestres, mais do que para
necrópoles e, muito menos, habitação” (Cardoso e Cunha, 1995, p. 55).
António Monge Soares (Soares, 2005, p. 142), com base em observações efectuadas
em treze povoados identificados na margem esquerda (portuguesa) do Guadiana, fundados
durante o Bronze Final e abandonados entre os séculos VIII e VII a.C., antes de qualquer
manifestação atribuível à 1.ª Idade do Ferro, propõe a existência de um “estilo” regional
personalizado para as cerâmicas de ornatos brunidos identificadas (ob. cit., p. 141). Ainda que
escassas, elas constituem um dos elementos da cultura material transversais aos arqueossítios
em causa, cujas gramáticas geométricas se caracterizam pelo barroquismo, variedade e
complexidade dos seus motivos. O investigador verificou que esta tipologia cerâmica é
relativamente residual no conjunto artefactual recolhido nos diversos sítios estudados, com
excepção do povoado de Santa Margarida onde foram registados cerca de 50 exemplares –
“Santa Margarida é constituído por três núcleos, separados entre si por cerca de uma
centena de metros e, em todos eles, a cerâmica, único tipo de artefacto aí recolhido, aparece
concentrado numa zona restrita” (ob. cit., p. 142). A referência a este sítio importa no
sentido em que este parece estabelecer uma relação especial com a água, pois “implanta-se
entre dois cursos de água e existe uma fonte de água permanente na sua vizinhança
imediata” (ob. cit., p. 142). Esta evidência, associada à excepcional quantidade de cerâmica
de ornatos brunidos aí recolhidas, contrariamente aos demais sítios da região, constituindo um
conjunto artefactual exclusivamente cerâmico, e tendo em consideração o que tem sido
proposto sobre a função e significado destas cerâmicas, quer para o Sudoeste espanhol
(Torres Ortiz, 2002), quer para as áreas dos estuários do Tejo e do Sado (Cardoso, 1996), será
de admitir, para o sítio de Santa Margarida, “um cunho ritual (santuário rupestre?). De igual
modo, se poderá inferir a ligação da cerâmica de ornatados brunidos a actos rituais”
(Soares, 2005, p. 142).
Por fim, de destacar o pioneirismo metodológico de Eduardo da Cunha Serrão. Em
1958, na qualidade de membro da comissão organizadora do I Congresso de Arqueologia,
Cunha Serrão deslocou-se a Inglaterra para conhecer, nos campos de trabalho ingleses, as
mais recentes teorias, técnicas e métodos de escavação, no intuito de suprir a carência de
elementos de fonte nacional. Os autores que no seu entender desenvolviam os princípios
fundamentais da boa técnica de escavação eram: Sir Mortimer Wheeler, o Professor R. J. C.
Atkinson e a Dr.ª Kathleen M. Kenyon. Estes partilhavam princípios que condenavam
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
81
abertamente o método da trincheira. Nesta passagem por Inglaterra, Cunha Serrão ainda
visitou o Council for British Archaeology, onde recolheu importante informação
bibliográfica. No regresso a Portugal, aplicou o Método de Wheeler pela primeira vez, em
1956, na exploração do povoado neolítico da Parede (Cascais). Em Agosto de 1957 recorreu
novamente a este método, desta feita em contexto de gruta, na exploração da Lapa do Fumo,
tendo obtido resultados exemplares, especialmente no que respeita à referenciação efectuada
através do registo tridimensional de todo o espólio. A escavação da Lapa do Fumo revelou
uma excepcional sequência estratigráfica, de grande riqueza arqueológica (cultural e
cronológica), permitindo aferir dados de referência para ulteriores investigações e apontando
novas abordagens de estudo.
Fig. 82 – Corte estratigráfico da Lapa do Fumo, destacando-se a camada 2 pela predominância de cerâmicas do “Bronze avançado e final” e a área “O.b” onde foi registado o grosso das cerâmicas com ornatos brunidos (seg. Serrão, 1994, p. 76).
Fig. 83 –Localização da Lapa do Fumo/Serra dos Pinheirinhos no extracto da folha 464 da CMP esc. 1:25000.
Fig. 84 – A situação da Lapa do Fumo relativamente ao Cabo Espichel (imagem Google Earth).
Fig. 85 – Interior da Lapa do Fumo (foto de R. Soares).
Fig. 86 –Área de testemunho reservada por Cunha Serrão (foto de R. Soares).
Fig. 87 – Aspectos de concrecionamento (foto de R. Soares).
Fig. 88 – Perfis de alguns recipientes com ornatos brunidos da Lapa do Fumo (seg. Serrão, 1994, p. 80).
Fig. 89 –Cerâmica com ornatos brunidos da Lapa do Fumo (seg. Serrão, 1975).
Fig. 90 –Fragmento de taça com ornatos brunidos da Lapa do Fumo (seg. Serrão, 1994, p. 79).
Fig. 91 – O fragmento da taça com ornatos brunidos da fig. 90 (foto de R. Soares).
Fig. 92 – Machado de bronze da Lapa do Fumo – “Bronze Médio” (foto de R. Soares).
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
82
6.2.3. Lapa da Furada – “gruta-santuário” (?)
Trata-se de uma cavidade cársica situada na Serra da Azóia, em Sesimbra, na
paisagem sul do Cabo Espichel, a cerca de 600 m da aldeia da Azóia. Também é localmente
conhecida pelo microtopónimo de “Lapa do Piolho”. Aberta na cota dos 159 m, em unidades
sedimentares do Jurássico Médio (J2 pe), esta cavidade fóssil desenvolve-se ao longo de uma
junta de estratificação, com um desnível semi-vertical de - 43 m, segundo uma orientação na
tendência dos 210º, ocupando uma área total de aproximadamente 409 m2 e arrumando-se em
várias galerias dispostas em pelo menos três patamares de profundidade. O primeiro
patamar/galeria comunica com o exterior através de uma pequena entrada vertical “bífida”,
com cerca de 1 m x 1,50 m, produzida pelo cruzamento de uma diaclase com a junta de
estratificação. A descida conduz à penumbra de uma pequena sala vestibular, com
aproximadamente 50 m2, área onde se realizou a escavação arqueológica. Esta sala de entrada
comunica, por sua vez, com uma outra, de maiores dimensões, por onde se pode descer para o
nível inferior da cavidade, através de um tramo vertical de 12 m. Neste patamar inferior abre-
se a maior galeria da cavidade, com uma área aproximada de 110 m. A gruta continua a
desenvolver-se até aos 43 m de profundidade, estreitando ao longo de uma fenda que acaba
por impossibilitar a progressão.
A primeira referência bibliográfica à Lapa da Furada deve-se a Eduardo da Cunha
Serrão (Serrão, 1962), partindo da informação dos seus “achadores”: Rafael Monteiro, Duarte
Mafra e Manuel Cabrita Ribeiro Cruz. O autor atribui à estação uma cronologia do Bronze
Médio. Mais tarde, na sua Carta Arqueológica de Sesimbra (Serrão, 1973; 1994), Cunha
Serrão faz referência a trabalhos de prospecção, desenvolvidos entre 1957 e 1958, nos quais
foram registados diversos fragmentos cerâmicos atribuíveis ao Calcolítico e à Idade do
Bronze, além de um importante espólio antropológico. Contudo, apenas em 1992, com João
Luís Cardoso, foram encetados trabalhos de escavação arqueológica, limitados à sala de
entrada (Cardoso, 1993). Estes trabalhos justificaram uma nova campanha de escavação, em
1994, possibilitando, segundo o autor, a integral conclusão da exploração arqueológica da
referida área (Cardoso e Cunha, 1995).
A estratigrafia antrópica permitiu isolar 4 Camadas, descritas em 3 cortes, numa área
quadricular de 20 m2, destacando-se, na Camada 2, com 20 cm, um depósito contínuo e
homogéneo de ossos humanos desconexos, associados a materiais neolíticos e do “Bronze
Médio”. Tal evidência sugeriu, segundo os autores, um único e rápido momento de deposição
secundária, de ossos provenientes de outro local, resultando num aparentemente pouco
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
83
importante ossuário. Esta interpretação ganhou substância no facto de, à abundância de ossos
corresponder uma desproporcional e “desinteressante” quantidade de espólio votivo,
insinuando, no momento da transladação, uma selecção de peças ainda com interesse ritual ou
funcional. Posto isto, apenas restaram residuais fragmentos cerâmicos sem proveito e
pequenos artefactos líticos, dificilmente visualizáveis (algumas lâminas, pontas de seta e uma
conta de colar). Também foram documentados alguns materiais que remetem para uma
ocupação do Neolítico Final (Camada 3): um machado e uma enxó, registados à entrada da
cavidade, completamente isolados do posterior depósito antropológico e que podem indiciar
práticas funerárias durante o Neolítico Final, à imagem do verificado na Lapa do Bugio
(Cardoso, 1992).
Porém, a integração dos materiais exumados no depósito funerário revela incoerências
e disparidades crono-culturais. Os autores propõem uma cronologia absoluta do ossuário
fixada “entre cerca de 2700 e 2450 anos a.C., a que corresponde o Calcolítico pleno da
Estremadura”, e uma cronologia relativa dos materiais cerâmicos da Idade do Bronze,
“coevos da remobilização daquele conjunto, no qual se encontravam amalgamados”, situada
entre 1700 e 1300 a.C., “na transição do Bronze pleno (horizonte do Catujal) para os
primórdios do Bronze Final” (Cardoso e Cunha, 1995, p. 55) – “consequentemente, pode
concluir-se que foram populações da Idade do Bronze as responsáveis pela acumulação do
ossuário, mas não à custa dos despojos dos seus próprios elementos” (ob. cit., p. 51).
Posto isto, os autores consideram possível que tenha ocorrido, em “plena” Idade do
Bronze, uma acção de limpeza de um depósito osteológico primário das proximidades, 1000
anos após a sua deposição calcolítica, provavelmente para uma reutilização funerária e/ou
ritual da cavidade vizinha. Entretanto, nesse mesmo espaço, terá sido produzida uma camada
com materiais da Idade do Bronze, sobreposta à camada do nível sepulcral calcolítico, antes
de ambos serem totalmente misturados aquando da sua transladação para a Lapa da Furada.
Por fim, após uma acção de limpeza ritualizada, dá-se uma única deposição destes materiais
na Furada, respeitando o pré-existente nível do Neolítico Final (machado e enxó). O momento
de transladação dos despojos da necrópole primária para a Lapa da Furada deverá ter sido
ritualizado em cerimónias fúnebres que incluiriam, provavelmente, fogueiras de purificação.
Esta sugestão, além dos paralelos documentados para o Neolítico e Calcolítico do Centro do
País, é deduzida pela ocorrência de numerosos carvões misturados com os ossos humanos.
Os autores também descartam a hipótese de um depósito primário de origem na
vizinha Lapa do Bugio (Cardoso, 1992), pelo facto de as suas tumulações remontarem,
sobretudo, ao Neolítico Final, mais antigas, portanto, que a cronologia absoluta obtida para a
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
84
Furada.
A respeito dos materiais datáveis da Idade do Bronze, estes ocorreram na Camada de
superfície (Camada 1), associados a cerâmicas medievais e modernas, e na Camada 2,
acompanhando os restos antropológicos (Cardoso e Cunha, 1995, p. 18). Estão em causa,
além de numerosos fragmentos cerâmicos, uma conta de osso tubular, com perfuração
cilíndrica obtida com recurso a furador metálico, e de dois artefactos de “cobre”: um
fragmento de anzol de secção quadrangular (fig. 148) e uma pequena lâmina curva, com dois
entalhes de fixação opostos. Se para o primeiro é possível considerar uma cronologia ainda do
Calcolítico, o segundo remete para tipologias já da 1.ª Idade do Bronze, em consonância com
muitos dos materiais cerâmicos. As reduzidas dimensões do “punhal” não apontam para
qualquer funcionalidade que não a “votiva”, de cariz marcadamente simbólico.
A cerâmica da Idade do Bronze da Furada caracteriza-se por uma boa variedade de
recipientes: grandes vasos em forma de saco, de paredes verticais na parte superior, ou
suavemente introvertidas, bordos, com ou sem espessamento, e fundos planos; recipientes de
menores dimensões, mas formalmente idênticos aos anteriores, os chamados “tronco-cónicos”
da Idade do Bronze (fig. 99), “sucedâneos dos “copos” do Calcolítico inicial da
Estremadura” (Cardoso e Cunha, 1995, p. 19); taças carenadas (fig. 99), apresentando
carenas bem definidas ou esbatidas; fundos planos com ligação esbatida à pança (fig. 100);
numerosas taças de calote, de fundo mais ou menos achatado e de bordos com ligeiro
espessamento externo; esféricos médios, de bordo não espessado ou ligeiramente exvertido,
análogos às cerâmicas do Neolítico. “De salientar que todas as formas citadas se encontram
representadas em contextos do Bronze médio da bacia do médio e Alto Mondego” (Cardoso e
Cunha, 1995, p. 19). No que se refere às pastas, estas apresentam-se, regra geral, grosseiras a
muito grosseiras, incorporando volumosos grãos de quartzo e de feldspato, além de menos
expressivas micas.
Apesar de residuais, algumas das formas decoradas, isoladas de um conjunto
predominantemente liso, permitem-nos propor uma parcial integração em momentos já do
Bronze Final. Na escassa amostra, foi possível observar fragmentos com acabamento
cepillado; potes de colo estrangulado e de bordo ligeiramente exvertido, em aba,
apresentando impressões espatuladas no lábio (fig. 98), produzindo um bordo denteando (com
paralelos na Tapada da Ajuda); peças decoradas com cordões plásticos, pouco proeminentes e
verticais, das quais se destaca um grande vaso negro brunido. É de salientar o facto de estes
aspectos decorativos implicarem uma longa diacronia.
Tendo em conta a análise da cultura material e do próprio contexto, fica no ar a
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
85
possibilidade de algum grau de continuidade na utilização desta cavidade até ao Bronze Final,
não obstante as conclusões cronológicas dos autores. Esta utilização seria de carácter sagrado
e não funerário, na linha do verificado noutras cavidade por aqui tratadas – “grutas-
santuário”. Aliás, também parece razoável admitir que os fenómenos interpretados pelos
autores tenham ocorrido todos no mesmo palco – na própria gruta da Furada.
Resta recordar que a escavação da Lapa da Furada resumiu-se à primeira sala, a
vestibular sala de entrada, remanescendo outros espaços com evidente potencial
arqueológico. A este propósito, em recentes visitas realizadas ao local pelo signatário, foram
assinalados vestígios antropológicos e cerâmicos noutros espaços não intervencionados, na
mesma cota da área da escavação.
Fig. 93 – A entrada da Lapa da Furada vista de dentro (foto de R. Soares).
Fig. 94 –Localização da Lapa da Furada/Serra da Azóia no extracto da folha 464 da CMP esc. 1:25000.
Fig. 95 – A situação da Lapa da Furada relativamente ao Vale das Lapas e às suas cavidades (imagem Google Earth).
Fig. 96 – Topografias da Lapa da Furada (seg. Rui Francisco – Associação Arrábida Antiga).
Fig. 100 – Fragmentos de fundos planos, alguns com ligação à pança esbatida (seg. Cardoso e Cunha, 1996, p. 23).
Fig. 99 – Fragmentos de recipientes “tronco-cónicos” e de taças carenadas (seg. Cardoso e Cunha, 1996, p. 21).
Fig. 97 – Planta da área escavada em 1994 na Lapa da Furada (seg. Cardoso e Cunha, 1996, p. 48).
Fig. 98 – Fragmento de pote de colo estrangulado e de bordo ligeiramente exvertido, em aba, apresentando impressões espatuladas no lábio (seg. Cardoso e Cunha, 1996, p. 34).
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
86
6.2.4. Gruta do Médico – necrópole (?), “gruta-santuário” (?)
A Gruta do Médico localiza-se na vertente norte do Vale do Solitário (mata coberta),
em pleno “coração” da Serra da Arrábida/Setúbal (ver fig. 32), na meia encosta do Monte
Abraão, no topo do qual se elevam as “icónicas” três cruzes da Arrábida. A entrada vertical é
feita por uma estreita abertura no chão do seu átrio de entrada, por onde se desce cerca de 3
m. Desenvolve-se na cota dos 210 m, em unidades sedimentares do Jurássico, segundo uma
progressão semivertical de orientação oeste-este, com um desnível de cerca de 21 m de
profundidade. O desenvolvimento dá-se ao longo de uma junta de estratificação, organizando-
se em galerias ricas em fenómenos de concrecionamento, sobrepostas em três patamares,
numa área total de aproximadamente de 174 m.
Terá sido descoberta por um pastor por volta de 1856, sendo referida, pela primeira
vez, por Manuel Maria Portela no folheto Gazeta Setubalense n.º 218, de 27 de Junho de
1873, onde se pode ler: “El logar eminente, e não distante do vale que chamam da Mata
Coberta, por ser de espessura impenetrável aos raios de sol, vêm-se ainda os restos da
parede que resguardam o concavo da rocha onde habitou um médico, do qual a tradição nos
refere apenas que foi notável pelos seus conhecimentos científicos, e que ali se recolheu,
depois de haver percorrido vários países em dilatadas viagens”. Em 1897, Joaquim Rasteiro
publica uma breve descrição da cavidade no Arqueólogo Português: “a lapa do Médico, na
meia encosta do monte Abraão, á esquerda do caminho que vae da fonte do Solitário para o
mosteiro pelo valle de S. Paulo. Tinha formosas estalactites e estalagmites, que foram
destruidas na maioria pelos visitadores. A parte superior foi habitação de um cenobita; o
subterrâneo foi descoberto ahi por 1850 devido á queda de uma pedra, que fechava a
entrada” (Rasteiro, 1897, p. 3).
O átrio de entrada ainda conserva vestígios de uma antiga construção adossada à rocha
(a estrutura de pedra seca das ombreiras da porta e os arranques de uma cobertura
alpendrada), provavelmente de função religiosa, tendo em conta a proximidade da “lapa-
capela” de Santa Margarida e do Convento da Arrábida e por ali passar um secular caminho
que o liga ao ermitério de El Cármen. De assinalar, também, a proximidade ao Portinho e à
Serra da Cela, a cerca de 1 km.
Em recentes visitas ao local, no âmbito da Carta Arqueológica de Setúbal, foi possível
registar, além de diversos vestígios de época medieval/moderna e de alguma indústria lítica
em sílex, dois fragmentos de cerâmica negra brunida, não ornatados, e que apesar de não
proporcionarem colagem, parecem corresponder ao mesmo recipiente. Curiosamente, estes
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
87
dois fragmentos encontravam-se bastante distanciados entre si: um no interior da cavidade,
em excelente estado de conservação; o outro no exterior, mais erodido, mas que pelo facto de
ainda conservar algum brunimento e brilho supõe uma mobilização relativamente recente.
Recorde-se, para o efeito, que a referida cavidade, embora nunca tenha sido alvo de estudos
arqueológicos, é bem conhecida localmente, recebendo frequentes visitas, nem sempre de
visitantes com sensibilidade arqueológica e espeleológica. Além destes dois exemplares
brunidos, foram observados outros fragmentos de cerâmica manual, designadamente um
fundo plano.
No interior da gruta, na base da entrada vertical, abre-se um estreito recanto,
colmatado por dejecções sedimentares que o preenchem quase na totalidade. Depois de um
apertado rastejamento, o signatário identificou um fragmento de cerâmica manual (bordo
simples), associado a duas vértebras que, segundo uma informal consulta antropológica, são
lombares, além de alguns dentes humanos. Estes achados constituem um forte indício de uma
necrópole que poderá pertencer ao Bronze Final, tendo em conta o registo artefactual
associado e os arqueossítios da envolvente. Por outro lado, atendendo ao contexto regional,
que prima pela ausência de restos humanos da Idade do Bronze em ambientes de gruta, pode
sim tratar-se de uma necrópole de época anterior à Idade do Bronze (Neolítico/Calcolítico?).
A utilização desta cavidade enquanto “gruta-santuário”, durante a Idade do Bronze, constitui
uma forte hipótese, em aberto.
Fig. 101 – Localização da Gruta do Médico, em plena área de “culto arrábido”, no extracto da folha 465 da CMP esc. 1:25000.
Fig. 102 – Topografias da Gruta do Médico (adaptado de Rui Francisco, Associação Arrábida Antiga).
Fig. 104 – Uma das galerias da Gruta do Médico (foto de R. Soares).
Fig. 103 – Entrada da Gruta do Médico (foto de R. Soares).
Fig. 105 – Passagem para o recanto presumivelmente utilizado como necrópole (foto de R. Soares).
Fig. 106 – Prospecções no interior do “nicho-necrópole?” (foto de Sara Navarro).
Fig. 107 –Vértebra lombar humana (foto de R. Soares).
Fig. 108 – Dente humano (foto de R. Soares).
Fig. 109 – Fragmento de cerâmica brunida (foto de R. Soares). Fig. 110 – Fragmento de cerâmica brunida (foto de R. Soares).
Fig. 111 – Fragmento de cerâmica manual (foto de R. Soares).
Fig. 112 – Fragmento de cerâmica manual (foto de R. Soares).
Fig. 113 – Fragmento de fundo plano (foto de R. Soares).
Fig. 114 – Fragmento de bordo simples registado em associação aos restos antropológicos (foto de R. Soares).
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
88
6.2.5. Lapa da Cova – “gruta-santuário”
O geomonumento da Lapa da Cova localiza-se na vertente sul da Serra do Risco, em
Sesimbra, perto da povoação de Pedreiras, a cerca de 3 km do “epicentro” do povoado do
Risco. Apresenta-se na cota dos 260 m da mais elevada arriba calcária da Europa continental.
Trata-se de uma cavidade cársica fóssil, constituída por duas salas, abertas em unidades
sedimentares do Jurássico Médio (J2 pe) pela suposta combinação da actividade tectónica
com a acção hídrica. A cavidade desenvolve-se ao longo de uma diaclase principal,
longitudinal à sala de entrada, de orientação aproximada sudeste-noroeste (da entrada para o
interior), sendo cruzada por outras diaclases secundárias.
Morfologicamente, e muito genericamente, a Lapa da Cova caracteriza-se por uma
galeria principal ascendente, com um irregular desnível do chão com cerca de 10 m, ao longo
de cerca de 30 m de profundidade. Tem cerca de 10 m de largura média, 15 m de altura à
entrada e 2 m no topo. No topo existe uma plataforma que comunica, à direita, através de uma
rampa descendente, com uma pequena galeria apendicular, alvo prioritário da escavação a
que foi sujeita. A galeria principal apresenta um desarranjo estrutural, um caos de blocos de
grandes dimensões, colmatados, no topo da sala, por “recentes” (na Era geológica) depósitos
sedimentares margo-argilosos, fenómeno que também contribui para a difícil interpretação da
sua génese geomorfológica. De acrescentar, ainda, a pobreza de fenómenos de
concrecionamento.
Em termos ambientais, estamos perante uma cavidade senil e muito seca. À medida
que se penetra no seu interior, subindo o seu desnível, a temperatura aumenta e estabiliza
gradualmente (+/- 20/22º de temperatura – média anual da envolvente do sítio), enquanto a
luz se perde na penumbra, dando lugar à total escuridão no interior da pequena galeria no
topo.
O seu microtopónimo é interessante, pelo facto de ser redundante: “Lapa da Cova”. O
acesso ao sítio não é fácil, pela sinuosidade, inclinação e vegetação da escarpa onde se
localiza, podendo ser feito por baixo, a partir do mar, subindo penosamente pela enseada da
Cova/Calhau da Cova (Cabo de Ares); ou por cima, a partir do topo da arriba, por uma rampa
natural, ou pela meia encosta poente, aproveitando o ligeiro degrau proporcionado pelo topo
de um cone de dejecção.
A manifesta relação desta gruta com o mar merece realce, partindo-se de um conjunto
de observações realizadas in loco. Desde logo, o contacto visual com a Cova só é possível a
partir do mar – um “grande buraco negro” em fundo calcário claro. Proveniente de sul,
qualquer embarcação consegue facilmente vislumbrar o “buraco” da Cova a uma distância
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
89
considerável, revelando-se, esta, como uma boa referência visual. Na verdade, as
embarcações oriundas de sul (designadamente do Mediterrâneo), após dobrarem o Cabo de
São Vicente/Sagres, e seguindo uma rota aos 0º (norte), podem, em dias de boa visibilidade,
descortinar a silhueta da Arrábida a partir de Sines, na forma de um verdadeiro marco
paisagístico para a entrada no estuário do Rio Sado, transversal à linha de costa. A própria
Lapa da Cova é visível a longa distância, o que contribui para a sua natural relevância no
horizonte de eventuais “rituais de chegada” – antigos navegantes que agradeceriam o sucesso
das suas épicas viagens, gratificando os seus deuses com cultos, oferendas e rituais de
comensalidade. Neste sentido, torna-se possível imaginar esta cavidade enquanto “santuário
natural de chegada”, nomeadamente para marinheiros fenícios. Ainda a este propósito, será
oportuna a referencia ao episódio homérico de Odisseu na Gruta do Ciclope.
A partir de dentro, do seu “altar” no topo, e olhando para o exterior, apenas se avista o
azul do mar – “ouro sobre azul!”. Da sua monumental entrada, em “arco gótico”, é possível
controlar visualmente a desembocadura do Sado, os recortes do seu estuário e a “ponta” de
Abul, sendo praticável algum grau de intercomunicação com este estabelecimento (fogo e
fumo). Em dias de excepcional visibilidade, o olhar pode percorrer toda a costa sul, a partir de
Tróia, e, no limite do alcance visual, torna-se mesmo possível vislumbrar a Serra de
Monchique (a grande referência paisagística para o Promontorium Sacrum).
No que diz respeito à Arqueologia, a sua caracterização foi realizada no contexto dos
trabalhos de prospecção para a nova carta arqueológica do concelho de Sesimbra (2007-
2009). A preliminar interpretação cronológica, apenas baseada em materiais cerâmicos de
superfície, acabou por ser corroborada, em Outubro de 2009, pela descoberta ocasional de um
brinco de ouro, correspondente a cronologias relativas da 1.ª Idade do Ferro. Neste contexto,
e face às recentes notícias de destrutivas actividades detectoristas, foi interposto um pedido de
escavação à entidade tutelar (IGESPAR) que, sendo deferido, enquadrou legalmente os
trabalhos de limpeza e escavação, iniciados em Janeiro de 2010. Ao abrigo de um protocolo
com a Câmara Municipal de Sesimbra, a escavação tem sido dirigida, desde então, pelo Dr.
Mário Carvalho, sob a coordenação científica do Professor Doutor Manuel Calado, contando
na equipa com os alunos de mestrado em Arqueologia da FLUL, Miguel Amigo e Ricardo
Soares. Optou-se por uma equipa reduzida, com experiência e formação espeleológica, tendo
em conta as especificidades do sítio e as limitações espaciais e logísticas.
A interpretação das estratigrafias em contexto de gruta constitui, por vezes, um
processo particularmente complexo, por estas se apresentarem afectadas por intensos
fenómenos de bioturbação. No caso da Lapa da Cova, observou-se uma estratigrafia pouco
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
90
espessa e bastante perturbada, pelo facto de ter sido intensamente utilizada, em época recente,
como curral de caprídeos (facto documentado artefactualmente por objectos de “arte de
pastor”) e, até à actualidade, por um “bando” de cabras assilvestradas, além dos habituais
pequenos roedores e texugos, amplamente documentados por restos ósseos. Ainda assim, tem
sido possível avançar alguns considerandos.
Os dados preliminares da escavação foram, em parte, partilhados no seu blogue
(SAFA - Santuários Fenícios da Arrábida – http://lapadacova.blogspot.com), apontando,
segundo os responsáveis, para uma ocupação mágico-religiosa no decorrer da 1.ª Idade do
Ferro. De salientar o facto de não ter sido identificado qualquer vestígio antropológico
durante a escavação, o que remete para uma utilização exclusivamente sagrada enquanto
santuário, ficando excluída a hipótese funerária. Acresce o registo, no patamar superior da
galeria principal, de um grande depósito de cinzas, insinuando um provável “altar de fogo”,
dejectando, em cone, para a pequena sala apendicular, que parece ter servido de espaço de
amortização da maior parte dos materiais registados (depósito votivo? restos de rituais de
comensalidade?).
Esta atribuição crono-funcional foi documentada por abundantes artefactos de origem
mediterrânea: uma boa quantidade de cerâmica a torno, correspondente a um diversificado
conjunto de recipientes (cerca de 30/40), na sua maioria contentores (ânfora e pithoi); um
cossoiro; cerca de duas centenas de contas de colar (cornalina, pasta vítrea e outras matérias-
primas mais residuais – quartzo hialino, olivina e osso); objectos de bronze (uma fíbula muito
fragmentada e de difícil caracterização, um botão cónico com duplo apêndice de preensão,
um espeto/obelos, uma “mãozinha”, possivelmente proveniente de uma pega de braseira, e
dois pequenos presumíveis ponderais); e peças de adorno em ouro (um brinco, uma arrecada e
uma pequena conta esférica).
Além destes materiais, na globalidade remetendo para proveniências mediterrâneas,
também foram exumados residuais fragmentos de cerâmica manual, de aparente produção
local/indígena e atribuíveis ao Bronze Final. No caminho de acesso à cavidade, a partir do
mar, também foi registada a ocorrência de alguns fragmentos de cerâmica manual, tal como
no acesso poente, a partir da Serra da Achada (nomeadamente um mamilo alongado).
Atendendo ao isolamento e dificuldade de acesso ao sítio, talvez não seja de estranhar que os
vestígios detectados se limitem exclusivamente à ocupação proto-histórica e à ocupação
pastoril, já em época actual ou subactual. Na verdade, considerando o facto de a cavidade
apenas poder ser vista do mar, sendo o seu acesso bastante “afoito”, é de admitir que a sua
descoberta tenha sido feita por marinheiros.
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
91
Relativamente ao supracitado “botão de bronze”, às suas mais (re)correntes
interpretações, enquanto acessório de vestuário ou de arreio de cavalo (sublinhando, neste
caso concreto, que os seus orifícios não permitem passar tiras de couro), poderá acrescentar-
se uma eventual função enquanto ponderal (suspensão pendular?), em associação à ocorrência
de dois presumíveis ponderais de bronze no mesmo contexto. Esta possibilidade parte da
interpretação dada a objectos em tudo similares, abundantemente registados em Cancho
Roano1 (finais do século VI/inícios do século IV a.C.).
Segundo Manuel Calado2, tendo em conta que os materiais ainda se encontram em
fase de estudo, “a genérica apreciação do conjunto artefactual propõe uma ocupação de
razoável diacronia (alguns séculos), iniciada numa fase precoce da colonização fenícia”,
considerando, designadamente, a existência de uma ânfora produzida em torno, apresentando
uma cozedura redutora e ornatos brunidos, replicando o “gosto” da cerâmica indígena e
sugerindo, por isso, um momento antigo do contacto – “santuário de chegada” (no duplo
sentido). Porém, também parece claro que o grosso dos materiais exumados se enquadra num
âmbito cronológico mais tardio e ajustado ao genérico panorama actualmente estabelecido,
designadamente os pithoi e o “botão” metálico, com paralelos dentro dos séculos VI-V a.C.
(por exemplo, Celestino Pérez, 2003; Arruda, 1999/2000).
Será neste contexto pertinente referir a eventual relação do “santuário natural” da
Cova com o estabelecimento fenício de Abul, fundado ex novo em meados do século VII a.C.
(Mayet e Silva, 2000) na margem direita do Sado, a meio caminho entre Setúbal e Alcácer.
Trata-se de um edificado com alguns atributos funcionais de ordem sagrada, curiosamente
alicerçado sobre um embasamento fundacional de brecha da Arrábida, constituído por peças
na sua maioria de textura rolada (Mayet e Silva, 2000, p. 134). Este aspecto é interessante
pelo facto de sugerir a recolha deste conglomerado geológico em algumas praias, em
determinados pontos de ocorrência da costa da Arrábida – designadamente nas proximidades
da Lapa da Cova.
Em suma, além da marcada ocupação durante a Idade do Ferro, será de considerar o
conhecimento desta cavidade pelas comunidades indígenas, durante o Bronze Final, tendo em
conta a sua proximidade relativamente ao(s) povoado(s) das Terras do Risco e ao monumento
funerário da Roça do Casal do Meio. Isto pode implicar, por um lado, uma utilização anterior
1 “En definitiva, después de dar continuas vueltas a la cuestión y con los datos que nos ha proporcionado un nuevo análisis de estos botones, donde hemos tenido en cuenta su dispersión, medidas, peso y, fundamentalmente, su asociación con otros elementos aparecidos en el entorno donde fueron hallados, hemos concluido que los mismos podrían haber correspondido a los diferentes conjunto del sistema ponderal que tan bien representados están en el yacimiento” (Celestino Pérez e Zulueta, 2003, p. 67). 2 Informação pessoal que se agradece, em parte publicada no referido blogue da escavação.
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
92
à Idade do Ferro (muito residualmente manifestada pela ocorrência de escassos fragmentos de
cerâmica manual); por outro, durante a ocupação da Idade do Ferro, a provável convivência e
partilha deste espaço e algum grau de participação nos rituais ali praticados, por parte dos
indígenas do Risco, admitindo-se, mesmo, uma fundação exógena, relembrando o difícil
acesso e a visibilidade exclusiva a partir do mar. Por fim, de referir, a cerca de 1.5/2 km para
poente da Lapa da Cova, duas estações de ar livre enquadráveis na 1.ª Idade do Ferro,
recentemente identificadas no âmbito dos trabalhos para a Carta Arqueológica de Sesimbra –
Meia Velha e Casa Nova (vide infra).
Fig. 115 – Topografias da Lapa da Cova (adaptado de Rui Francisco, Associação Arrábida Antiga).
Fig. 116 –Localização da Lapa da Cova/Serra do Risco no extracto da folha 464 da CMP esc. 1:25000.
Fig. 117 – A situação da Lapa da Cova relativamente ao povoado do Risco e à Roça do Casal do Meio (imagem Google Earth).
Fig. 118 – O “arco da Cova” - um santuário sobre o mar (foto de R. Soares).
Fig. 119 – Trabalhos de crivo com “a vista no oriente” (foto de R. Soares).
Fig. 120 – A Lapa da Cova vista do Mar (foto de R. Soares).
Fig. 121 – Entrada monumental da Lapa da Cova (foto de R. Soares).
Fig. 122 – Instalação do crivo (foto de R. Soares).
Fig. 123 – The mind in the cave (foto de R. Soares).
Fig. 124 – Acesso à Lapa da Cova pelo topo da arriba (foto de R. Soares).
Fig. 125 – Trabalhos de implantação topográfica (foto de R. Soares).
Fig. 126 – Trabalhos no interior da sala apendicular (foto de Manuel Calado).
Fig. 127 – Montagem de fragmentos cerâmicos na base logística (foto de R. Soares).
Fig. 128 – Botão cónico de bronze (foto de R. Soares).
Fig. 129 – Duplo apêndice de preensão no verso do botão de bronze (foto de R. Soares).
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
93
6.2.6. A Fenda – “santuário natural” (?)
A Fenda constitui um geomonumento de rara beleza natural, relativamente bem
conhecido localmente, mas sem informação arqueológica publicada. A verticalidade e dureza
das suas paredes têm proporcionado uma verdadeira “Meca” para os amantes da escalada, que
têm vindo a equipar aquela arquitectura natural com várias vias de diferentes graus de
dificuldade. Como o próprio microtopónimo indica, trata-se de um acidente tectónico, aberto
ao longo de aproximadamente 700 m, na encosta sul da Serra da Arrábida, sobranceiro e
paralelo à linha de praia do Portinho, proporcionando, à exploração humana, uma potencial
área de abrigo e, sobretudo, de grande vocação ritual.
Porém, a sua prospectabilidade é de manifesta dificuldade, pelo facto de a área se
desenvolver como um imenso colector de dejecções sedimentares, culminada por uma
espessa camada de manta morta em constante produção. Se, por um lado, os sedimentos
escondem por completo os presumíveis vestígios arqueológicos; por outro, selam-nos,
preservando a sua latente informação que vai assim aguardando uma oportuna intervenção de
sondagem. Ainda assim, foram identificados alguns fragmentos de cerâmica manual, além de
um grande búzio (“buzina”), curiosamente depositado numa pequena anfractuosidade, entre
um caos de blocos. A referida cerâmica foi identificada no sector poente, onde se abrem as
áreas mais amplas, de mais fácil circulação e com melhor suporte de implantação. O extremo
oposto, a nascente, extingue-se num progressivo estreitamento, aprofundando numa fenda
subterrânea. As prospecções deverão ser dirigidas para os recantos subterrâneos,
particularmente por entre os caos de blocos, espaços que reproduzem os ambientes de gruta,
supostamente utilizados, em contexto ritual, pelas comunidades da Idade do Bronze regional.
Esta abordagem encontra-se agora em fase inicial.
Considerando as singulares particularidades deste geomonumento e a sua insinuante
integração na presumível rede de povoamento local do Bronze Final, destacando-se a
“umbilical” proximidade e intervisibilidade com o povoado da Serra da Cela (a escassos 500
m), torna-se possível antevê-lo como um “santuário natural”, propício a actividades de
propensão mágico-religiosa.
Fig. 130 – Localização da Fenda no extracto da folha 465 da CMP esc. 1:25000.
Fig. 131 – A Fenda e a sua relação com a envolvente paisagística e cultural, destacando-se a proximidade à Serra da Cela (imagem Google Earth).
Fig. 132 – A Fenda sobre a praia do Portinho (foto de R. Soares).
Fig. 133 – A Serra da Cela vista da Fenda (foto de R. Soares).
Fig. 134 – Uma “buzina” recolhida no interior de um nicho natural (foto de R. Soares).
Fig. 135 – Extremidade poente da Fenda (foto de R. Soares).
Fig. 136 – “Intramuros” (foto de R. Soares).
Fig. 137 – Janela sobre a Serra da Cela (foto de R. Soares).
Fig. 138 – Troço mesial (foto de R. Soares).
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
94
6.2.7. Outras cavidades
Além das cavidades acima descritas, outras tantas registaram características e
aparentes indícios de ocupação durante o Bronze Final da Arrábida, entre elas algumas a
aguardar uma melhor investigação por terem documentado fragmentos de cerâmica manual
de época indeterminada, ficando ainda por descobrir, seguramente, novas “covas”,
colmatadas pelo tempo ou intencionalmente encriptadas pelos seus “cultores”.
Junto a Sesimbra, a Lapa do Forte do Cavalo A assinalou a ocorrência de cerâmica
manual atribuível à Idade do Bronze, além de cerâmica a torno correspondente à Idade do
Ferro (Calado et al., 2009, p. 119). No Vale das Lapas (local bem visível do mar e que
“desagua” no Oceano, a sul), na Serra da Azóia (Sesimbra), a Lapa da Janela I documentou
inequívocos materiais de superfície atribuíveis ao Bronze Final e, sobretudo, da Idade do
Ferro – cerâmica brunida e bordos exvertidos (Calado et al., 2009, p. 115). Na vertente oposta
deste vale, de frente para a Janela I, “abrem-se” as Janelas II e III, no total de cinco cavidades
que estão na origem do microtopónimo “Vale das Lapas”. Nas vertentes e linha de água do
vale também foram recolhidos diversos fragmentos de cerâmica manual, atribuíveis aos finais
da Idade do Bronze, sendo de admitir algum grau de presença proto-histórica nas restantes
cavidades, que não apresentaram artefactos de superfície directores para as cronologias em
causa. Na Lapa do Mosquito, na Serra dos Pinheirinhos (Sesimbra), os achados de superfície
não permitiram determinar timings de ocupação, contudo, tendo em conta os fragmentos de
cerâmica manual identificados, fica uma baliza provisória entre a Pré e a Proto-História
(Calado et al., 2009, p. 121). Na própria “cara” do Cabo Espichel (Sesimbra), em dois
pequenos abrigos na falésia, foram assinalados fragmentos de cerâmica manual e a torno,
estes últimos passíveis de cronologias da Idade do Ferro (Calado et al., 2009, p. 105). Tendo
em conta a força paisagística e o potencial simbólico do local, será válido admitir a presença
de “grutas-santuário” ou de necrópoles – “o cabo era um enorme barco de pedra que
transportava, no seu interior, os defuntos, em direcção ao mar onde o Sol se esconde.
Metáforas perfeitas da condição humana” (Manuel Calado num texto de carácter poético que
serviu de guião para um trabalho videográfico sobre a região da Arrábida). Num pequeno
Abrigo no Cabo de Ares (Sesimbra), no acesso poente à Lapa da Cova, a partir da Serra da
Achada, registaram-se diversos fragmentos de cerâmica manual que, tendo em conta as suas
características e a proximidade ao contexto da Cova e ao povoado do Risco, deverão
enquadrar-se no mesmo âmbito cronológico – Bronze Final. O Algar das Aranhas (Setúbal),
não obstante ainda não ter registado qualquer informação arqueológica, mas atendendo à sua
íntima proximidade com o povoado de Valongo, permite expectar algum tipo de relação com
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
95
este, tendencialmente mágico-religiosa. Trata-se de uma cavidade de entrada vertical, com
um desnível de cerca de 6 m, proporcionando, a partir da base, uma progressão semivertical
descendente, de sensivelmente 15 m. Situa-se à beira da estrada, no topo da serra, a escassos
3 km do povoado de Valongo. Actualmente em fase de desobstrução espeleológica, com
acompanhamento arqueológico, o seu interior apresenta-se colmatado por estorvo pétreo,
lixos diversos e dejecções sedimentares, ocultando expectáveis vestígios arqueológicos.
Ainda na área de influência do povoado de Valongo, numa área de vertente de difícil acesso,
foi identificada outra cavidade, desta feita com legado arqueológico de superfície – o Abrigo
de Valongo. Trata-se de um pequena reentrância, aberta na encosta exposta a norte, onde foi
registado um fragmento de cerâmica manual apresentando decoração indefinida, que por não
se encontrar associada a cultura lítica, e considerando a proximidade ao povoado de Valongo,
propõe um horizonte proto-histórico.
Fig. 139 – O Vale das Lapas (foto de R. Soares).
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
96
6.3. Cultura material
“Como sabemos, os cacos não falam: é preciso falar por eles, servir de intérprete, interpretá-los”. Manuel Calado
Não constituindo o presente trabalho um estudo de cariz artefactual, os artefactos não
deixam de representar uma fonte fundamental para a caracterização cultural e cronológica das
comunidades tratadas. Nesta abordagem de superfície – sobretudo direccionada para os
contextos da Idade do Bronze, mas não perdendo de vista os sinais “orientalizantes” e da
transição para a Idade do Ferro – e na ausência de significativa cultura material lítica, as
cerâmicas assumem-se como os principais (na maior parte dos casos os únicos) “fósseis
directores” para uma atribuição cronológica proto-histórica.
Os artefactos, e os respectivos contextos, encerram em si uma determinada opção
humana, revelando uma série de decisões e de comportamentos, desde a selecção da matéria-
prima à produção de um determinado objecto, passando pela sua utilização, circulação,
distribuição e tempo de vida.
Na ausência de fontes escritas, a cultura material permite “auscultar” os processos
sociais, económicos e políticos de determinado momento histórico. Nesta perspectiva,
entende-se por “cultura material” um pacote de informações contidas nos artefactos
cerâmicos e torêuticos, bem como nas arquitecturas, “urbanismo”, etc.
Para o presente estudo, e na medida das necessidades, apenas se procedeu a uma
elementar abordagem classificativa e descritiva, com base em primárias observações
macroscópicas, empíricas, sobretudo comparativas, a partir das diferenças e similitudes das
propriedades formais, técnicas e funcionais dos vestígios identificados nos diversos contextos
tratados, ficando o seu aprofundado estudo tipológico premeditado para trabalhos ulteriores.
Ao longo do texto, e em sede própria, estes materiais foram merecedores de uma mais
desenvolvida caracterização, em associação ao contexto arqueológico onde foram observados.
No que respeita aos materiais exumados em escavação, objecto de publicação por outros
autores, foi feita a sua descrição conforme a bibliografia disponível. No caso da Lapa da
Cova, pelo facto do processo de escavação ainda não se encontrar encerrado e dos respectivos
materiais se encontrarem em fase de estudo, a informação adiantada partiu da experiência do
signatário no projecto e da cortesia dos responsáveis.
Os materiais entendidos como excepcionais, ou revestindo-se de particular
importância informativa, na falta de desenhos próprios, são apresentados em registo
fotográfico ou por adaptação de outra iconografia disponível.
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
97
As cerâmicas, o grupo artefactual por excelência no contexto do presente estudo,
particularmente pela sua expressão quantitativa e informativa, constituem, numa primeira
análise, instrumentos de formulação de tipologias crono-culturais, tidas, pela Arqueologia dita
“tradicional”, como “agentes de difusão” (Childe, 1973, p. 90). A partir de uma descritiva
abordagem positivista, foram propostas diversas classificações tipológicas “na suposição de
que as cerâmicas (e a restante cultura material) poderiam espelhar directamente as
mudanças culturais das sociedades” (Vilaça, 1995, p. 45). Por outro lado, entendia-se que as
semelhanças tipológicas e estilísticas testemunhavam manifestações de migrações e de trocas
comerciais.
Porém, o estudo das cerâmicas arqueológicas não se pode consumir exclusivamente
em questões adaptativas, evolutivas ou funcionais, não devendo estas ser encaradas somente
enquanto resultado de interacções entre grupos humanos, nem como condicionado reflexo de
sistemas culturais. Hoje, tornou-se claro que as cerâmicas também nos permitem responder a
outras questões, nomeadamente de natureza tecnológica, sócio-económica, política,
ideológica, simbólica, entre outras.
Neste sentido, o meio ambiente foi impondo-se como uma variável determinante, um
contexto natural específico que afecta as características constituintes da cerâmica, desde a
selecção das matérias-primas necessárias à sua produção, conforme os recursos disponíveis, o
seu transporte até ao local de fabrico, o seu tratamento, armazenamento, conservação e
transformação, passando pela sua utilização e distribuição local, regional ou trans-regional.
Assim, as antigas oleiras terão sido condicionadas pelo meio natural que as acolheu, nas suas
escolhas, decisões e comportamentos, no grau de especialização e qualidade que imprimiram
à sua criação. A esta interacção entre o contexto ambiental e a cultura material, Matson
chamou de “ceramic ecology” (Matson, 1965, p. 203).
Com a Idade do Bronze, a partir dos finais do 3.º milénio a.C. e ao longo do seguinte,
surge uma série de novas formas e estilos no reportório cerâmico conhecido, destacando-se,
entre outras: formas troncocónicas, com e sem asas, lisas ou com mamilos, particularmente
expressivas na Beira Alta; e as cerâmicas alentejanas carenadas de tipo “Atalaia”, “Odivelas”
e “Santa Vitória”. Já no Bronze Final, nos finais do 2.º milénio a.C. e na transição para o
seguinte, multiplicam-se as formas produzidas, surgindo as características taças de carena de
ombro, mais ou menos, por vezes bastante angulosas. Também ganham expressão os
acabamentos de superfície, polidos ou brunidos, por vezes decorados – os ornatos brunidos do
tipo “Lapa do Fumo” (Estremadura, Beira Baixa e Alentejo) e as finas incisões do tipo
“Baiões” (Beira Alta/região de Viseu).
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
98
Insistindo no supracitado, os artefactos referenciados no presente trabalho resultaram,
sobretudo, de recolhas de superfície, à excepção dos materiais exumados nas escassas
escavações realizadas em contextos rituais da Idade do Bronze da Arrábida, reportando-se à
necrópole da Roça do Casal do Meio e aos “santuários naturais” da Lapa do Fumo, Lapa da
Furada e Lapa da Cova.
Relativamente aos contextos de habitat, os fragmentos cerâmicos registados à
superfície apresentaram-se genericamente muito fragmentados e erodidos, com pastas pouco
compactas e de qualidade média a grosseira, compostas, na sua maioria, por argilas de
aparente proveniência local. Esta observação resulta de uma evidente homogeneidade do seu
aspecto geral e da ocorrência, na sua composição, de pequenas “pepitas ferruginosas”,
sobretudo esféricas, uma característica geológica dos solos da região, particularmente da zona
das Terras do Risco. Além deste elemento não plástico, as pastas apresentaram outros
desengordurantes, designadamente grãos de quartzo e micas, cuja frequência e granulometria
aumentam conforme a espessura dos fragmentos e a dimensão dos recipientes.
As pastas denotaram cozeduras irregulares, afigurando-se de tonalidades
tendencialmente escuras (negro, cinzento-escuro, castanho-escuro e castanho), o que indicia
cozeduras em ambientes redutores. Também foram observadas pastas oxidantes, de
tonalidades mais claras, entre o castanho-claro, o castanho-avermelhado, os tons de laranja e
beijes. De referir alguns exemplares apresentando sinais de exposição ao fogo nas paredes
exteriores, sugerindo funções utilitárias de preparação e consumo de alimentos.
As características formais podem ser aferidas a partir de alguns escassos fragmentos
com informação, destacando-se uma grande percentagem de bordos simples, não espessados,
e de fundos planos, além de alguns perfis em “S” e carenas de ombro. O expressivo ratio
entre os poucos perímetros de bordo identificados e a esmagadora maioria de fragmentos de
bojo de peças, sugere tratar-se de uma amostra global de formas fechadas que, na ausência de
“fosseis directores” e em associação a outros indícios, aponta para cronologias da última fase
da Idade do Bronze.
No que se refere ao tratamento/acabamento das superfícies, não foi possível tecer
grandes considerandos, pelo facto de se tratar de achados de superfície, sujeitos a prolongada
exposição a fenómenos erosivos e de mobilização por rolamento. Ainda assim, foram
identificados alguns fragmentos de cerâmica brunida, não decorada. Nas grutas, contextos
mais estáveis e com melhores condições de preservação dos materiais, os brunidos foram
melhor documentados. A Gruta do Médico registou dois fragmentos de superfícies negras,
apresentando brunimento exterior, sem ornatos, que, apesar de não oferecerem colagem,
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
99
parecem pertencer ao mesmo recipiente. Na Lapa da Cova, durante a sua escavação, foram
identificados alguns recipientes cerâmicos fracturados denotando tratamentos brunidos, quer
produzidos manualmente, quer a torno lento.
Quanto aos aspectos decorativos e/ou funcionais, de referir somente pequenos
mamilos simples e um alongado. Também foram verificados alguns fragmentos cerâmicos
apresentando perfurações paralelas ao bordo, imediatamente abaixo deste, sendo discutível a
sua função (suspensão, fecho ou decoração), optando-se, aqui, por uma utilidade de
suspensão. De referir ainda outras perfurações, maiores e escareadas, destinadas à reparação
de fracturas – “gatos”.
No imenso povoado das Terras do Risco, os materiais apresentaram-se
homogeneamente dispersos ao longo de uma área de cerca de 100 ha. A regra da dispersão
superficial foi contrariada por uma recente “decapagem” natural, provocada pelas águas da
chuva, permitindo observar uma boa quantidade de fragmentos cerâmicos, em razoável estado
de conservação, alguns em conexão e com informação, designadamente carenas, bordos
simples, fundos planos e perfurações junto ao bordo (ver fig. 16).
Por seu turno, o povoado da Serra da Cela, relativamente aos demais contextos de
habitat analisados, diferencia-se, qualitativamente e quantitativamente, do padrão acima
descrito, tendo revelado à superfície uma interessante jazida artefactual, com boa
concentração de fragmentos cerâmicos, bem conservados, de maiores dimensões e com maior
riqueza formal e informativa. O sítio é pouco exposto, protegido pela vertente sul da serra e
pela própria vegetação da mata coberta, encontrando-se a sua área “intramuros” pouco ou
nada perturbada. De entre os fragmentos cerâmicos observados, de produção manual e com
informação formal, de destacar: duas pequenas taças (uma hemisférica e uma carenada), taças
hemisféricas, vasos de perfil em “S”, vasos carenados, um vaso de carena baixa, um vaso de
colo estrangulado, um vaso mamilado, diversos fragmentos apresentando brunimento, bordos
simples, fundos planos, perfurações de suspensão, perfurações de reparação, etc. Também foi
registada cerâmica a torno, de pastas claras e depuradas, particularmente um bordo exvertido
e um fundo com “pé de anel”, denunciando algum grau de presença durante a Idade do Ferro.
Foi naturalmente escasso o conjunto artefactual lítico observado nos trabalhos de
prospecção e com interesse cronológico para o presente estudo: dois elementos de foice
denticulados de sílex (Terras do Meio/Risco e casal agrícola do Vale da Rasca), objectos que
resultam de uma longa tradição e continuidade, denotando, na sua observação macroscópica,
o chamado “lustre de cereal”; um percutor de basalto e um movente de mó discóide, dois
utensílios de largo espectro cronológico registados na Serra da Cela; um fragmento de braçal
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
100
de arqueiro identificado em Valongo (I), interpretado como um achado ocasional,
abandonado em contexto de uso num qualquer momento entre os finais do Calcolítico e os
inícios da Idade do Bronze.
No que diz respeito aos artefactos metálicos identificados, resultaram,
exclusivamente, de trabalhos de escavação em contextos sagrados, à excepção dos bronzes
descontextualizados de Alfarim (dois machados de alvado, um deles sem anéis e outro de
duplo anel lateral) e dos bronzes de Pedreiras (um machado de alvado de duplo anel lateral e
uma foice de talão de tipo “Rocanes”), todos de influência “atlântica”.
Acompanhando os dois indivíduos depositados no monumento funerário da Roça do
Casal do Meio, entre outros artefactos de prestígio, foram assinalados alguns objectos de
bronze: um colchete de cinturão, uma fíbula de enrolamento no arco, um anel e duas pinças.
Trata-se de um homogéneo conjunto artefactual de origem mediterrânea, documentando
precoces contactos “orientalizantes”. Recorde-se, para o efeito, que os dois enterramentos da
Roça do Casal do Meio foram recentemente datados por radiocarbono – 1004-835 a.C.
(Vilaça e Cunha, 2005, p. 52).
Na necrópole do Casalão, Eduardo da Cunha Serrão escavou um conjunto de
sepulturas da “Idade do Ferro”, exumando alguns objectos de bronze (fuzilhão de fíbula, anel
e pinça) e de ferro (faca afalcatada).
Na Lapa da Cova também foi exumado um interessante conjunto artefactual metálico,
atribuível à 1.ª Idade do Ferro. Este espólio encontra-se em fase de estudo, ainda assim é
possível deixar as seguintes referências: objectos em ouro (um brinco, uma arrecada e uma
pequena conta esférica) e bronze (um obelos, uma “mãozinha” presumivelmente pertencente
a uma pega de braseira, um botão cónico com duplo apêndice de preensão ou suspensão como
ponderal, dois presumíveis ponderais e uma fíbula de difícil caracterização).
Ainda na Lapa da Cova, de acrescentar um numeroso e diversificado conjunto de
contas de colar de proveniência oriental (cerca de 200), produzidas em pasta vítrea, cornalina,
quartzo hialino (“baga de romã”), olivina e osso.
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
101
6.4. A rede de povoamento: sincronias (?), hierarquia (?) e inter-relações
“O mais difícil não é ir à Arrábida, porque no Verão há carreiras de camionetas, no Inverno há em Azeitão táxis ou carroças ou jeriquinhos tão prestáveis; como os da Cacilhas de antigamente, e de Janeiro a Dezembro, para muita e muito boa gente, há duas pernas
vigorosas e de boa vontade que fazem transpor, a Serra pelo Vale do Picheleiro. Difícil, difícil, é entendê-la (...)”. Sebastião da Gama, O Segredo é Amar
Chegados aqui, e feito o “ponto da situação” no estado da investigação para a Idade
do Bronze da Arrábida, mesmo na falta de informações cronométricas que permitam
confirmar presumíveis sincronias, torna-se possível, a partir dos dados coligidos, realizar uma
análise inter-relacional dos povoados entre si, destes com os seus locais de culto e com o
meio paisagístico em que se integraram – um conjunto de observações que permitem
considerar um complexo populacional, durante os finais da Idade do Bronze (em sentido
muito amplo), com algum grau de diferenciação e de ordenamento político-administrativo.
Desde logo destaca-se, na história da investigação e pela própria singularidade, o
monumento funerário da Roça do Casal do Meio, a que faltava, contudo, uma efectiva
compreensão fundacional, ou seja, um povoado (ou povoados) que tenha justificado este
empreendimento dos vivos, dedicado aos seus mortos. Com as recentes campanhas de
prospecção na Arrábida, foi finalmente revelado este lacunar mundo quotidiano: os
presumíveis construtores do monumento original, as gentes do Neolítico Final/Calcolítico
(povoado dos Ouriços – Calado et al., 2009), e os seus reconstrutores/reutilizadores do
Bronze Final – povoado das Terras do Risco (ob. cit.).
Mas qual seria o papel do (re)monumento funerário da Roça do Casal do Meio,
erigido entre as Terras do Risco e o Castelo dos Mouros? Quem seriam aqueles homens,
notavelmente diferenciados na morte, sepultados a meio caminho entre o seu “Castelo” e as
suas “Terras”, dominando-as mesmo além morte?
É de admitir, à imagem do modelo de povoamento proposto para o Alentejo Central,
que este grande povoado aberto nas Terras do Risco se encontraria associado a um vasto
complexo geoestratégico de povoamento, do qual fariam parte outros sítios arqueológicos
atribuíveis ao Bronze Final: os “clássicos” povoados de altura e de cumeada (Castelo dos
Mouros, Serra da Cela e Valongo) e as respectivas necrópoles/santuários (a Roça do Casal do
Meio e as “grutas santuário”), além de outros expectáveis sítios, ainda por descobrir,
estrategicamente implantados ao longo do território da Serra da Arrábida. Nesta conjuntura,
há que ter em conta, ainda, o pequeno casal agrícola da Quinta do Picheleiro, o sítio do Bico
dos Agulhões e o povoado instalado na foz do Sado (Caetobriga), além da sua relação com o
rio – povoado a carecer de melhor caracterização, tanto na sua dimensão, como no seu papel
relativamente ao sistema de povoamento regional (Arrábida, Abul e Alcácer). Todos estes
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
102
indícios de povoamento podem ser ponderados numa rede de povoamento coerente, em que
os elementos mais destacados são, evidentemente, o Castelo dos Mouros, pelo seu
investimento construtivo e inexpugnável defensabilidade, o grande “povoado aberto” do
Risco, ocupando uma área excepcionalmente ampla (cerca de 100 ha) e a Serra da Cela,
controladora da “porta do mar”.
Por um lado, os dados tendem a favorecer a centralidade regional do povoado do
Risco, atendendo à sua excepcional dimensão, à evidente relação com a Roça do Casal do
Meio e à sugestiva proximidade com outros povoados de altura, dos quais se destaca a
intervisibilidade com o Castelo dos Mouros.
Todavia, o Castelo dos Mouros também revela características únicas para se impor
como justo candidato à centralidade da rede de povoamento. As suas muralhas não têm rival
no contexto regional. Aprumadamente erguidas em aparelho ciclópico, aproveitando a
geologia local do declive escarpado a norte, de onde terão sido desmontados os blocos para a
sua construção, documentam um ímpar investimento, só justificável por um carácter muito
especial na rede de povoamento.
Também a Serra da Cela, tendo em conta a sua implantação, relativamente ao mar e
ao fundeadouro natural do Portinho, poderá ter assumido um papel de povoado central. Mais,
se tomarmos em conta o seu perímetro fortificado, com uma maior área de implantação em
comparação com o Castelo dos Mouros, o povoado da Cela poderia albergar um maior
número de habitantes, confrontação que pode ser tida em conta na hierarquização dos
povoados conhecidos. Porém, a Cela perde alguns pontos no “ranking” da centralidade, por
se encontrar mais distante e sem intervisibilidade relativamente à Roça do Casal do Meio e às
Terras do Risco. Assim, parece mais razoável atribuir-lhe apenas um destaque funcional na
rede de povoamento, enquanto estabelecimento controlador do presumível porto piscatório e
“comercial”.
Quanto à lógica de centralidade das Terras do Risco, “salta à vista” a aparente
desprotecção dos seus flancos poente e norte, não tendo sido identificados, até ao momento, e
apesar das sistemáticas e direccionadas prospecções, quaisquer sinais de dispositivos
defensivos ou de associáveis povoamentos de altura. Esta aparente ausência não invalida,
contudo, a possibilidade de eventuais sistemas de protecção, como fossos e/ou paliçadas,
situação a clarificar em futuras escavações. A norte, apenas foram identificados povoados de
altura de cronologia calcolítica (Cabeço dos Caracóis e Casal do Bispo – Setúbal), e a poente
o mesmo cenário (Outeiro Redondo/Castro de Sesimbra e Zambujal – Sesimbra). O morro do
Castelo de Sesimbra surge no horizonte poente como um lógico local de implantação de um
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
103
povoado da Idade do Bronze, porém, após várias e teimosas prospecções em toda a sua
cintura, nem um indício dessa expectável ocupação. Importa acrescentar uma série de cursos
de água, dos quais se destaca a Ribeira das Marmitas, correndo de norte para sul, que
associada à rede hidrográfica colectada pela Lagoa de Albufeira e dominada pela Ribeira de
Coina, constituem, no conjunto, uma natural barreira de difícil transposição, definindo um
oportuno perímetro defensivo a completar o segmento em falta (a norte). De resto, a norte
desenvolvem-se desinteressantes paisagens – as planuras arenosas da margem esquerda do
Tejo – enquanto a poente a península da Arrábida é circunscrita pelo Oceano.
Posto isto, torna-se bastante razoável considerar o povoado do Castelo dos Mouros
como a poderosa “capital” desta presumível rede de povoamento do Bronze Final, a morada
das suas dominantes elites – os “proto-latifundiários” controladores das subsidiárias
paisagens adjacentes, particularmente das Terras do Risco. Neste sentido, e justificando a sua
inaudita área (100 ha), o povoado do Risco poderá ter sido constituído por uma solidária rede
“cooperativa” de pequenos casais agrícolas, todos regidos por uma subordinação imposta pela
eventual sede de chefatura no Castelo dos Mouros – um “todo” organizado simbolicamente
em redor dos “cavaleiros” depositados na Roça do Casal do Meio, impondo o seu domínio
mesmo depois da morte. Resta saber se o poder destes homens era imposto pelas armas e pela
cavalaria, ou por uma liderança de cunho espiritual. Na verdade, as duas hipóteses serão
eventualmente associáveis e complementares.
A este propósito, refira-se que em Monsaraz têm vindo a ser exumadas evidências que
concorrem para um modelo semelhante, isto é, uma malha de pequenos núcleos de
povoamento dependentes de um único povoado central – “sítios que, atendendo à área de
dispersão dos materiais de superfície (...), sugerem uma estrutura agrária com unidades de
pequena dimensão, eventualmente de carácter familiar, de tipo quintas ou casais, onde se
pode entrever alguma riqueza diferencial. Parece, no contexto da época em que se inserem,
bastante razoável defender a contemporaneidade de boa parte destes pequenos núcleos, que
teriam óbvias vantagens em funcionar articulados numa rede de povoamento disperso, com
relações de vizinhança de diversos tipos” (Calado et al., 1999, p. 20-21).
Também Senna-Martinez, para o Bronze Final da região centro-norte de Portugal,
refere um sistema de povoamento “de marcada visibilidade arqueográfica, denotando uma
clara preocupação com o controle da paisagem sem que tenhamos alguma evidência de
tensões bélicas entre os povoados de nível mais alto” (Senna-Martinez, 2010, p. 14). Os
sítios de habitat denotam uma frequente intervisibilidade (Senna-Martinez, 2002, p. 111) e
apresentam dimensões reduzidas, apenas dois têm mais de um hectare, com dimensões
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
104
médias dos restantes na ordem do meio hectare e ainda casais agrícolas. Além de pequenos,
manifestam pobreza arquitectónica, sem plantas ou equipamentos domésticos diferenciadores
de estatutos sociais de excepção, o que sugere “nodos de importância equivalente em cada
uma das redes respectivas e seguramente cooperantes, possibilitando a manutenção da
circulação de pessoas e bens” (Senna-Martinez, 2010, p. 14). Feito um cálculo a partir de
estimativas para as áreas úteis dos povoados identificados, foi possível admitir uma densidade
populacional, para o Bronze Final, de 1 a 2,5 habitantes por km². “Desta forma resultaria
impossível que cada unidade territorial constituída por um sítio de primeiro nível e os casais
agrícolas adjacentes fosse independente como unidade de reprodução social” (ob. cit., p.
14).
Mais acima, no topo da Arrábida, de assinalar a franca intervisibilidade, a partir do
povoado de cumeada/“atalaia” de Valongo (I e II), sobre os povoados do Castelo dos Mouros
(a poente), das Terras do Risco (a sudoeste) e da Serra da Cela (a sul). Estes povoados
parecem, assim, integrar uma complexa e estruturada “geoestratégia” de povoamento, uma
vez que ocupam posições aparentemente complementares.
O povoado de Valongo instalou-se no topo da Arrábida, assumindo-se como um
“vértice de atalaia”, visualmente dominante sobre o litoral (Serra da Cela) e o interior
(Castelo dos Mouros, Terras do Risco e Quinta do Picheleiro), bem como a norte, sobre o
fértil vale do Picheleiro. O esporão do Castelo dos Mouros domina por inteiro o mesmo vale,
paralelo e a norte da Serra, que, vindo da “Pré-Arrábida”, desemboca no polje do Risco. A
Serra da Cela, num esporão que se destaca na vertente oposta, sobre o mar, assume-se
claramente como o “guardião” da excelente enseada portuária do Portinho. O Bico dos
Agulhões, ainda em fase de caracterização, e considerando uma ocupação durante o Bronze
Final, aponta para uma pequena “atalaia” de intercomunicação entre o Risco e a Cela,
permitindo, ainda, um franco contacto visual com Valongo. O discreto povoado da Quinta do
Picheleiro, de eminente vocação rural, permite antever outros suspeitáveis casais agrícolas
naquelas férteis imediações.
À imagem das alvas muralhas do Monte Alvide (Castelo dos Mouros), também o
monumento funerário da Roça do Casal do Meio, (re)construído pelas gentes do Bronze
Final, reveste-se de uma poderosa carga simbólica, marcando a paisagem envolvente. Se do
alto do Castelo dos Mouros é possível controlar visualmente toda a área das Terras do Risco,
a partir deste extenso povoado, aberto nas terras baixas, a silhueta do monte em crista do
Castelo dos Mouros surge no horizonte como uma incontornável marca de poder. A sua
elevada defensabilidade, além de símbolo paisagístico, constituiria, seguramente, um baluarte
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
105
para as elites governantes, um recinto defensivo contra ataques exteriores e, sobretudo, contra
o próprio campesinato subsidiário – “um arquitectónico discurso de poder”. Noutra
perspectiva, “a instalação dos grandes aglomerados em destacadas cristas, para além de
representar a extrema necessidade de defesa, poderia estar associada justamente à
manutenção desse sentido identitário pois, mais do que ver, estes povoados são vistos,
assumindo-se a distância, e a altura, como a superação da realidade terrena e a
aproximação às realidades celestes” (Mataloto, no prelo).
Além disso, a implantação dos principais povoados, “eriçados” nas mais destacadas
elevações (“para verem e serem vistos”) e junto de importantes cruzamentos de caminhos
naturais, permitia-lhes controlar e “portajar” os circuitos de transitabilidade, possibilitando
um desenvolvimento regional sobretudo assente na gestão da circulação de pessoas e bens.
Esta estratégia terá implicado o “reforço das sinergias regionais e inter-regionais,
estimulando o aparecimento de alianças intergrupais que controlariam os fluxos de
circulação. Deste modo, acabariam por sair reforçados os laços de uma comunidade com um
território e uma identidade, dando origem a processos de territorialização e consolidação
dos elementos sociais nelas envolvidos” (Mataloto, no prelo, cf. Vilaça, 1998).
A aparente curta duração do povoamento do Risco e a sua pouco expressiva ocupação
nos inícios da Idade do Ferro poderá ser explicada pela profunda reorganização do modelo de
povoamento indígena vigente, face aos novos impulsos sociais, culturais e políticos,
gradualmente aportados do Mediterrâneo, à imagem do verificado no Alentejo Central – os
grandes povoados eriçados na paisagem foram, na sua maioria, abandonados, dispersando-se
as populações por pequenos casais agrícolas, sem preocupações defensivas, numa aparente
antecipação da Pax Romana (Calado et al., 2009, p. 30).
Em suma, estamos perante uma vasta área, contida entre o Cabo Espichel e Setúbal,
entre o Tejo e o Sado, com férteis vales, excelentes áreas de pastoreio, uma grande
diversidade e abundância de recursos cinegéticos, de fácil acesso aos recursos hídricos e
marinhos, com algumas baías favoráveis à implantação de eventuais estabelecimentos
portuários, bem localizada relativamente às grandes vias de circulação inter-regional, além de
manifestar excelentes condições topográficas de defesa, domínio paisagístico e de protecção
das elites locais. Um “conveniente” território que poderá ter assumido contornos de um
“chefado complexo”.
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
106
6.5. Recursos, vias e circulação: algumas questões e a “rota do sal”
“(...) Vita humanior sine sale non quit degere: adeoque necessarium elementum est, ut transierit intellectus ad voluptates animi quoque. Nam ista sales appelantur (...)”.3
Plínio “o Velho”, Naturalis Historia, liv. XXXI
A disponibilidade e acesso aos recursos naturais e às vias de comunicação constituem,
como tem sido amiúde referido, requisitos de vital importância para a fixação e
desenvolvimento civilizacional. Se a exploração de recursos varia, no espaço e no tempo,
conforme a sua disponibilidade ou de acordo com as opções estratégicas de cada época e de
cada comunidade, já as principais vias de comunicação e circulação, de gentes e de bens,
denotam uma maior estabilidade, encontrando-se bem definidas desde que foram trilhadas
pela primeira vez – “de facto, foi a partir das principais rotas que se estruturaram territórios
e no seu cruzamento nasceram muitas das grandes cidades do passado”; “numerosas
estradas constituintes da complexa rede viária construída sob o domínio romano decalcam
os percursos de antigos caminhos, também utilizados durante a Proto-História” (Gomes,
1992, p. 111).
As opções de transitabilidade durante a Pré e a Proto-História terão sido determinadas,
sobretudo, pelo próprio meio físico – as grandes vias naturais: planícies, festos, vales,
portelas, pontos de travessia, lagos, rios navegáveis e mares calmos. O agenciamento dos
caminhos de “pé-posto” materializou-se conforme a própria evolução das sociedades, de
acordo com as suas necessidades e estratégias de subsistência, económicas e político-
administrativas.
No sul de Portugal, a vasta peneplanície alentejana, balizada entre o Tejo e o
Guadiana, pela sua suave geomorfologia e acessível potamografia (rios Sado, Mira, Arade e
Guadiana), propiciou, sobremaneira, a natural circulação de pessoas e de bens. Por sua vez, os
caminhos do mar uniram, sobretudo a partir do período “Orientalizante”, o sul peninsular ao
Mediterrâneo; enquanto outras formas de navegação, mais precárias e pontuais, ligavam já as
costas continentais da Mancha e Mar do Norte à Irlanda e Grã-Bretanha, conforme
demonstram os inúmeros traços culturais e materiais comungados entre estas regiões desde a
Pré-História, particularmente detectáveis na arte rupestre, nas armas metálicas, nos objectos
de adorno, nas cerâmicas e nos radicais toponímicos e onomásticos, não esquecendo os
3 “(...) Uma vida mais civilizada, não é possível levá-la sem o sal; é um produto de tal modo necessário que constituiu uma metáfora até para os prazeres do espírito. A isso se chama de facto sal (...)”. O texto de Plínio continua da seguinte forma: “mas também todo o encanto da vida, a alegria plena e o repouso das canseiras não encontram uma palavra que os exprima melhor” – amável tradução do Professor Doutor Amílcar Guerra, enriquecendo-a com o seguinte comentário: “Enfim, Plínio fala do valor metafórico da palavra, do ‘sal da vida’” (obrigado!).
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
107
“barcos de pranchas”, tendencialmente a partir do Bronze Médio regional (Wright, 1990;
Wright et al., 2001; Clark, 2004a e 2004b; MacGrail, 1997).
Na Península da Arrábida, território “entre águas” bem definido e circunscrito pelo
Tejo, Sado e Atlântico, as opções de transitabilidade e circulação foram manifestamente
desenhadas pela própria natureza – “as desembocaduras dos dois grandes rios que limitam a
nossa região, constituindo excelentes portos, foram inegáveis pontos de atracção” (Silva e
Soares, 1986, p. 130-131). As ingénitas particularidades geográficas e climáticas desta região
proporcionaram um conjunto de características determinantes para a fixação de grupos
humanos e para a confluência de rotas comerciais (terrestres, fluviais e marítimas), com
evidentes consequências geoestratégicas.
Porém, as propriedades orógenas da Arrábida resumiram as possibilidades de
circulação interna ao mínimo essencial – às veredas de “pé-posto” ou de transporte montado
que a Serra permitiu e que ainda hoje podem ser em parte trilhadas, algumas entretanto
perdidas, outras alargadas, asfaltadas ou encurtadas pela engenharia das estradas. Muitos dos
mais ermos e improváveis povoados da Arrábida, as suas grutas e “santuários naturais”,
perderam-se no tempo e na vegetação, tanto pelas circunstâncias naturais, como culturais,
esquecendo-se também os seus acessos.
Neste sentido, poder-se-á dizer que “qualquer caminho tem sempre dois sentidos”.
Independentemente da motivação prática e funcional dos seus utilizadores, ou da teórica
perspectiva da investigação arqueológica, as vias inter e trans-regionais encurtaram distâncias
e lançaram efectivas pontes entre diferentes territórios, povos e culturas... sempre com “duplo
sentido”. Então, que “sentido(s)” teriam os grandes caminhos confluentes na encruzilhada da
Arrábida? Estamos perante um território emissor, receptor ou aglutinador? Um território
autónomo ou subsidiário?
A região da Arrábida tem sido estimada como uma dependente “ocidental praia
alentejana”, um “desaguadouro” de influências provenientes do montante interior, a partir dos
grandes pólos dominantes do Alentejo Central. Por outro lado, a Arrábida pode ser entendida
como um território culturalmente livre, um ponto de aportagem de novos estímulos materiais,
tecnológicos, culturais e sociais, integrados e retransmitidos ao hinterland pelas vias de
penetração. Ora, se a Arrábida for apercebida como o limite sul da grande “placa giratória”
estremenha, como um natural território de charneira geográfica e cultural, entre o norte e o
sul, entre o Atlântico e o Mediterrâneo, entre o litoral e o interior, como um território de
confluência de propícias linhas naturais de transitabilidade e circulação – terrestres (os
grandes festos), fluviais (o Tejo e o Sado) e marítimas (o Atlântico) – poderá ter-se
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
108
emancipado enquanto região colectora de estímulos, com provas dadas desde o Calcolítico
regional, particularmente numa diferenciada cultura material de matriz autóctone ou
livremente evolucionada a partir de impulsos provenientes de outras paragens.
A este propósito, Manuel Calado e Rui Mataloto admitem que falta definir as rotas
comerciais e culturais que fizeram chegar ao interior alentejano as inovações oriundas das
dinâmicas do mediterrâneo oriental. “Neste aspecto, merecem, por enquanto, ser
consideradas duas alternativas que, mais do que contraditórias, podem ser complementares:
o foco orientalizante do Guadiana Médio, com acessos próprios ao litoral meridional, ou o
foco dos estuários do Tejo e do Sado, para os quais o Alentejo Central, por razões de
transitabilidade natural, constituiria naturalmente um território de interacção privilegiado”
(Calado et al., 2006, p. 171).
A par dos já referidos determinismos naturais, o acesso e circulação de recursos
determinou o traçado das grandes vias, quer a nível regional, quer a nível inter e trans-
regional, materializando-se numa rede viária que, evoluindo conforme as conjunturas do
tempo, chegou aos nossos dias num palimpsesto de troços, mais ou menos preservados e
activos. Na Antiguidade já se encontravam bem definidas as duas principais rotas que
cruzavam a Península Ibérica: a grande via continental, vinda de além-Pirenéus pela bacia do
Ebro, debruando a vertente sul da Cordilheira Central, chegando aos médios vales do Tejo e
do Guadiana, por onde penetrava no sudoeste; e a “Via da Prata”, de desenvolvimento norte-
sul, partindo dos planaltos de Astorga e Leão, atingindo Cádis. Por meio de longitudinais
ramificações secundárias, atingia, a nascente, o interior mesetenho e andaluz, e a poente, o
Alentejo e a costa oceânica (Gomes, 1992, p. 111).
Também os cursos dos grandes rios, propícios à navegação, cedo se revelaram como
importantes vias de penetração para o interior, ou de forma inversa, como excelentes canais
de escoamento para os territórios marginais e litorais – o Tejo, o maior rio ibérico, constitui
um excelente exemplo disso mesmo. Muitos dos actuais e mais expressivos aglomerados
urbanos das margens do Tejo foram fundados, senão anteriormente, pelo menos durante a
Proto-História: o oppidum de Olisipo (Lisboa), Ierabriga (Alenquer), o oppidum de Scallabis
(Santarém), o povoado fortificado do Alto do Castelo (Alpiarça) e Móron (Vale de Figueira).
Mais a montante, nas Portas do Ródão, registou-se um extenso santuário rupestre associado a
grandes povoados proto-históricos, de onde partiam os itinerários que os ligavam, na zona
fronteiriça de Alcântara e Cáceres, à grande “Via da Prata”, entroncamento onde foi
identificado o mais recuado núcleo de necrópoles com estelas decoradas do Bronze Final (ob.
cit., p. 112).
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
109
Avieno, na sua Ora Marítima, refere um itinerário terrestre que, no século VI a.C.,
ligaria a foz do Tejo a Tartessos em quatro dias. Atravessando o Tejo de barco, a partir de
Olisipo, o viajante seguia um percurso que passava por Aquabona (Coina-a-Velha?), até
chegar a Caetobriga (Setúbal), na margem direita da foz do Sado, seguindo pela margem
norte do seu estuário até Salacia (Alcácer do Sal), por onde se entrava no Baixo Alentejo,
passando a Vipasca (Aljustrel) e chegando a Pax Julia (Beja), capital do Conventus Pacensis
(ob. cit., p. 112).
Recuando alguns milénios, há cerca de sete mil anos, foram erguidos no Alentejo
Central alguns dos primeiros grandes monumentos do continente europeu – os menires. No
Cabo Espichel terminava (ou começava?) um dos mais importantes itinerários naturais da
Península Ibérica: a linha que separa as bacias hidrográficas do Tejo e do Sado e que, em
Évora, conflui com as que separam as bacias destes rios da bacia do Guadiana. Ao longo
desta destacada via circularam, em praticamente todas as épocas, homens, bens, ideias e
símbolos. De um lado os menires, hirtos e mudos na planície alentejana; do outro, na sua
finisterra atlântica, de igual modo sugerindo uma iconografia antropomórfica, as
estalagmites, cristalizadas pela paciência do tempo nas grutas da Arrábida. Mais tarde, há
cerca de seis mil anos, as grutas-necrópole foram reproduzidas nas antas do Alentejo Central,
enquanto, mais algum tempo depois, a “meio caminho” entre as grutas naturais da Arrábida e
as antas do Alentejo e combinando características intermédias, foram construídos outros
monumentos funerários – as grutas artificiais. Nesta lógica, e por fim, as placas de xisto. De
origem alentejana, revelam-se como um dos mais interessantes elos de ligação entre os
universos simbólicos do Alentejo e da Serra da Arrábida. Apesar das suas inúmeras variantes,
genericamente de aspecto antropomórfico – “uma representação mais ou menos
geometrizada da Deusa Mãe, força de vida e, por isso mesmo, companhia dos mortos”
(Gonçalves, 2004, p. 57) – é fácil reconhecer-lhes “um certo ar familiar” (Manuel Calado in
blogue Sesimbra Arqueológica). Moral da História: “os caminhos têm sempre dois sentidos”.
Relativamente aos seus recursos, é importante realçar o facto de a Arrábida não
apresentar qualquer potencial mineiro. Mesmo descontando a falta de escavações nos
arqueossítios conhecidos, incluindo o Calcolítico, período em que a investigação atingiu um
conhecimento mais aprofundado, a Arrábida não parece evidenciar uma significativa
actividade metalúrgica, sendo residuais as manifestações desta tecnologia, resumidas a
contextos familiares e de autoconsumo. Ora, se admitirmos o metal como uma das principais
fontes do poder das emergentes elites do Bronze Final, resta para a Arrábida um papel de
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
110
importador, de consumidor e, sobretudo, de intermediário nesta cadeia, usufruindo da sua
dominante situação face a importantes vias de comunicação.
Mas será que os dividendos obtidos com a circulação de bens foram suficientes para
justificar o grau de desenvolvimento atingido pelas comunidades do Bronze da Arrábida?
Não será de considerar outras “moedas de troca”, designadamente a expedição de algum
excedente cerealífero? – “talvez os únicos bens susceptíveis de serem produzidos
excedentariamente na Baixa Estremadura” (Cardoso, 2000, p. 67). Pouco credível! Tirando a
potencial produtividade agrária do Baixo Sado, de que a Arrábida não beneficiaria
directamente, os férteis vales da Serra apenas poderiam satisfazer as necessidades locais, sem
áreas suficientemente capazes de produzir excedentes para trocas. Posto isto, resta-nos
admitir um “ex-líbris” regional, produzido em quantidade remanescente e de valor suficiente
para ser trocado por outros bens lacunares – o sal!
De facto, o sal constitui um produto da natureza indispensável à vida humana,
desempenhando um relevante papel na vida económica de qualquer sociedade, de tal forma
que chegou a ser denominado de “ouro branco”4. Ao longo da História a salicultura tem
constituído uma actividade de “vital” importância, pois o sal, além das suas múltiplas
aplicações, é, sobretudo, um bem essencial. Por outras palavras, além das suas
particularidades vitais, condimentares e conservantes (peixe, carne, azeitonas, etc.), o sal é
indispensável em actividades como a produção de queijo e o curtimento de peles, sendo
também utilizado como supletivo na engorda do gado, como complemento na farmacopeia e
tratamento na medicina tradicional. Acrescente-se, ainda, o seu “poder espiritual”,
documentado em diversas culturas e religiões como elemento purgatório.
Genericamente, o sal pode ser obtido a partir de duas fontes de extracção: pela
mineração de jazidas de sal-gema e pela evaporação de água salgada. Relativamente ao sal
marinho, são hoje conhecidos dois antigos métodos de extracção, diferenciados tecnicamente
mas com o mesmo objectivo – a decantação e evaporação da água salgada com vista à
cristalização do cloreto de sódio.
O método mais conhecido, ainda hoje utilizado, recorre à evaporação natural por
insolação, levando à concentração da salmoura pela prolongada exposição solar, permitindo
rentáveis explorações extensivas, organizadas e “marinhas”. Porém, este método depende de
uma série de condições e especificidades meteorológicas e geográficas, implicando a escolha
de áreas estuarinas, beneficiando de grande exposição solar anual, vento relativamente seco e 4 “Em Portugal, durante muitos séculos, a indústria extractiva do sal ocupou uma posição cimeira entre as actividades destinadas a activar quer o comércio interno quer o externo. Ela dinamizou de forma clara a vida de vários sectores populacionais em múltiplas regiões do litoral” (Rau, 1984, p. 9).
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
111
pouca precipitação. Trata-se, portanto, de um método circunscrito a determinadas áreas de
influência climática mediterrânea (Sul europeu e Norte de África).
O outro método documentado recorre ao fogo, enquanto fonte térmica artificial para a
evaporação da água salgada. À partida menos produtivo, implicando um maior investimento
laboral e grandes quantidades de combustível, tem a vantagem de não depender dos
imponderáveis determinismos climáticos e beneficiar de uma maior “liberdade” geográfica.
Segundo as evidências arqueológicas disponíveis, este seria o método mais utilizado para a
obtenção de sal em épocas Pré e Proto-Históricas (Escacena Carrasco, 1996; Valera et al.,
2006; Soares, 2008) – “no registo arqueológico pré-histórico, esta prática manifesta-se
através de entulheiras de fragmentos de recipientes cerâmicos (‘briquetage’), associadas a
lareiras” (Soares, 2008, p. 361).
A técnica extractiva da briquetage encontra-se documentada, na Europa Central,
desde o 5.º milénio a.C., e desde os finais do 4.º milénio no litoral ocidental de França
(Weller, 2004; Gouletquer, 1969; Bertaux, 1981, apud Valera et al., 2006, p. 292). Esta
técnica implica três fases: na primeira, a água salgada era concentrada e decantada pelo
aquecimento ao fogo em recipientes cerâmicos, até ser produzida uma salmoura. Os
recipientes utilizados eram geralmente grandes, de formas abertas e fundos planos,
produzidos com pastas grosseiras, com descuidado tratamento de superfícies e denotando
marcas de grande exposição ao fogo. Numa segunda fase, a salmoura era modelada em
pequenos recipientes de argila crua. Estes “tabuleiros” eram então dispostos em braseiros,
provavelmente assentes sobre suportes cerâmicos (corniformes?), até a salmoura cristalizar de
forma padronizada, em medidas e volumes, conforme o molde do contentor. Por fim, os
tabuleiros/moldes eram partidos de modo a libertar os blocos de sal, resultando em volumosas
entulheiras de fragmentos cerâmicos. Esta cadeia operatória era subsidiada por um conjunto
de actividades paralelas: recolha e transporte de água salgada, do combustível e da argila
necessária à produção dos diferentes recipientes (Valera et al., 2006, p. 292).
Ainda que não se deva subestimar a possibilidade das sociedades paleolíticas
aproveitarem, pontualmente, a natural cristalização do sal, as primeiras evidências relativas à
sua produção remontam ao Neolítico, “en concreto del VI milenio en el yacimiento rumano
de Poiana-Slatinei, en Lunca, Vânatori-Neamt” (Weller e Dumitroia, 2005, apud Terán,
2011, p. 74). Para a Península Ibérica, os dados mais remotos reportam-se ao Neolítico Médio
(4500-3500 a.C.) da Muntanya de Sal de Cardona, a 80 km de Barcelona. Este arqueossítio
permitiu identificar uma série de instrumentos líticos, produzidos especificamente para a
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
112
extracção de sal-gema do referido afloramento – diapiro salino (Fíguls et al., 2007; Fíguls et
al., 2010).
A produção de sal em épocas pré-romanas tem vindo a ser proposta, com algumas
reservas, em alguns arqueossítios do nosso país, designadamente no povoado do Neolítico
Médio/Final da Praia do Forte Novo, em Quarteira/Loulé (Rocha e Barros, 1999); no povoado
do Neolítico Final/Calcolítico inicial (primeira metade do 3.º milénio cal a.C.) da Ponta da
Passadeira (Soares, 2000b; 2001; 2008), implantado na margem esquerda do Tejo, sobre uma
restinga arenosa da margem sul da desembocadura do esteiro da Moita “e dedicado, muito
provavelmente, à exploração de sal, por evaporação ao fogo da água estuarina e
cristalização do sal em recipientes cerâmicos, que uma vez fragmentados originaram
extensas entulheiras” (Soares, 2008, p. 356), “a vocação do local para a salicultura
remonta, pelo menos, aos finais do IV milénio BC, como indicam os resultados da análise
polínica do paleossapal, ao revelarem a existência de um meio de elevada salinidade” (ob.
cit., p. 361); no povoado do Neolítico/Calcolítico do Monte da Foz 1 e 9, em
Benavente/Santarém (Coelho, 2005); e no povoado do Neolítico Final/Calcolítico (finais do
4.º/inícios do 3.º milénio a.C.) do Monte da Quinta 2, na margem esquerda do vale do Sorraia,
em Benavente, implantado num braço da ria flandriana do paleoestuário do Tejo, sob a
influência, à época, de águas salgadas. Mais uma vez, a briquetage foi a técnica extractiva
documentada neste sítio (Valera et al., 2006).
Também em territórios espanhóis têm sido exumados indícios de actividades
salineiras pré-romanas, particularmente no já referido sítio do Neolítico Médio (4500-3500
a.C.) de Cardona, Barcelona (Fíguls et al., 2007; Fíguls et al., 2010); no povoado do
Neolítico Final (3000 a.C.) de La Marismilla, em Sevilha (Escacena Carrasco et al., 1996); no
povoado calcolítico/campaniforme (2500-2150 a.C.) de Molino Sanchon II, no complexo
lacustre de Villafáfila, em Zamora (Delibes de Castro et al., 2007); no sítio calcolítico de Las
Salinas de Espartinas (Ciempozuelos/Madrid), onde foram registadas três pequenas estruturas
elípticas de argila endurecida, com aproximadamente 1 x 1,20 m de diâmetro, interpretas
como “balsas” de decantação por se encontrarem associadas a estruturas de combustão e a
grandes vasos cerâmicos troncocónicos, presumivelmente utilizados como contentores de
água salgada (Valiente Cánovas e Ramos, 2009); no povoado calcolítico/campaniforme de
Fuente Camacho (Granada), onde foram registados diversos recipientes cerâmicos de grande
capacidade e perfil aberto, produzidos com pastas grosseiras e acabamentos pouco cuidados,
associados a abundante material orgânico carbonizado e densos níveis de cinzas, evidências
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
113
que, no seu conjunto, sugerem a produção de sal pela técnica da briquetage (Terán e
Morgado, no prelo, apud Terán, 2011, p. 79).
Relativamente a cronologias da Idade do Bronze e no âmbito peninsular, até à data
apenas foi identificado um presumível arqueossítio dedicado à produção salineira. Trata-se do
povoado da 1.ª Idade do Bronze de Santioste, no Otero de Sariegos, em Zamora, Espanha
(Delibes de Castro et al., 1998). O sítio registou três fases. A primeira (2460-2200 a.C.)
caracterizou-se pela produção de sal pela evaporação térmica da água salgada, contida em
grandes recipientes cerâmicos expostos ao fogo, bem documentado pela presença de densos
níveis de cinzas. Segundo os investigadores, também será de admitir a hipótese de decantação
da água salgada em covas impermeabilizadas com argila. Durante a segunda e a terceira fase
(entre os finais do 3.º e os meados do 2.º milénio a.C.), foram registadas estruturas de
combustão mais complexas – verdadeiros fornos. Estão em causa três câmaras de combustão
rectangulares, com aproximadamente 1,5 x 0,5 m, escavadas paralelamente em solo margoso,
revestidas com argila e cujo interior apresentou abundantes cinzas e carvões.
Contrariamente ao mundo centro-europeu, onde se tem vindo a documentar um
verdadeiro boom na produção de sal ao longo do 1.º milénio a.C. (particularmente na Áustria,
Alemanha e França), na Península Ibérica, além dos residuais ecos da literatura clássica, os
indícios para a exploração do sal durante a Idade do Ferro são muito escassos. Esta estranha
incoerência, relativamente à natural evolução e complexificação das sociedades proto-
históricas, além das indirectas mas exuberantes evidências a partir do século I d.C.
(complexos de salga de preparados piscícolas), deverá ser explicada pela própria mudança nas
estratégias de extracção do sal – abandono das técnicas de evaporação ígnea, de pequena
escala e com carácter de consumo local, em favor da insolação, a par da concentração
produtiva em especializados centros produtores, beneficiando de condições mais favoráveis e
com áreas de exploração mais extensas, permitindo mesmo o aforro de excedentes
produtivos.
Em determinadas áreas estuarinas, com melhor potencial extractivo, a exploração do
sal em salinas poderá ter tido manifestações mais precoces e rudimentares, particularmente ao
longo da Idade do Bronze. Contudo, esta mudança, não obstante reflectir-se na produção de
maiores quantidades de sal, implica uma menor expressão no registo arqueológico, pois as
salinas implantam-se em zonas estuarinas, expostas a dinâmicas de marés, sendo as suas
precárias “estruturas” rapidamente dissolvidas pela erosão ambiental e “temporal” – muros de
terra batida, eventualmente contida em caixilhos de madeira.
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
114
Em suma, e no que respeita às envolventes da área de estudo do presente trabalho, o
sal encontra-se comprovadamente explorado no paleoestuário do Tejo desde o Neolítico Final
e, de forma indirecta, no Sado, pelo menos desde Época Romana, não sendo de excluir uma
produção, mais rudimentar e de menor escala, em épocas anteriores, tendo em conta a sua
particular qualidade e facilidade de extracção nestas paragens. Relativamente à Idade do
Ferro e à produção de ânforas pré-romanas (admitindo a sua eventual conexão com as
primeiras salgas), “para o actual território português, só temos indícios, ainda pouco claros
e de incerta datação, do fabrico de ânforas e, consequentemente, da exportação de um
qualquer produto, em Alcácer do Sal” (Fabião, 1993, p. 126).
Também neste particular, a Arrábida parece constituir uma realidade periférica,
relativamente aos grandes centros de desenvolvimento, todavia com acesso directo ao mar e
aos seus recursos. Por outro lado, mesmo que lateral em relação à via de circulação entre o
Sado e o Tejo (mais interior), a Arrábida beneficiaria, contudo, da sua evidente proximidade,
dominando efectivamente a entrada (e saída) do Sado.
Ora, se seguirmos uma lógica histórico-evolutiva, considerando a importância e
expressão arqueológica da produção de preparados piscícolas na viragem para a nossa Era,
contando que se tratava de uma indústria necessariamente dependente de grandes quantidades
de sal (insubstituível ingrediente conservante), e mesmo na total ausência de suporte
arqueográfico da sua extracção, será de admitir que a salicultura já constituiria uma efectiva
realidade nos finais da Idade do Bronze, desenvolvendo-se com a complexificação das
sociedades indígenas e dos seus esquemas produtivos, atraindo, mais tarde, outros
reconhecidos “investidores” – “como é óbvio, só um conhecimento prévio da região e
contactos anteriores com a população indígena pode justificar esta presença de fenícios do
«Círculo do Estreito» no estuário do Sado” (Arruda, 1999-2000, p. 98). Segundo Ana
Margarida Arruda, terá sido na Idade do Bronze e Idade do Ferro que a actividade salineira se
estabeleceu em definitivo, concomitantemente com a crescente importância da criação de
gado e da conservação da sua carne (Arruda e
Vilaça, 2006, p. 47).
Fig. 140 – O Galeão do Sal “Zé Mário” na estacada palafítica de
Abul (foto de R. Soares).
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
115
6.6. Transição Bronze Final/Idade do Ferro: os novos dados
“Estranhos numa terra (quase) estranha”. Ana Margarida Arruda, 2008
No contexto da transição Bronze Final/Idade do Ferro, torna-se essencial a detecção
de elementos atribuíveis aos primeiros contactos “orientalizantes” e, num segundo momento,
à fixação de populações exógenas, nomeadamente fenícias. Em regiões onde estes elementos
não são tão evidentes, ou se encontram totalmente ausentes, os investigadores vão resistindo
com expressões compostas como “Bronze Final/Ferro Inicial”. Porém, autores como
Almagro-Gorbea fazem recuar a evidência dos contactos pré-fenícios, particularmente de
origem greco-micénica, introduzindo expressões como “Proto-Orientalizante” e “Pré-
colonial”, reportando-se a um momento prévio ao período “Orientalizante” (Aubert, 1992;
Almagro-Gorbea, 1993).
“Estranhamente, ou talvez não”, é do Centro de Portugal, mais especificamente do
seu interior, que são provenientes os mais numerosos artefactos de origem mediterrânea,
relacionáveis com os primeiros contactos pré-coloniais (Arruda, 2008, p. 357). Esta manifesta
assimetria, entre os dados disponíveis para o Bronze Final do Centro-Norte e do Sul de
Portugal, pode explicar-se pela própria “geografia da investigação”, encontrando-se o sul, até
à data, mais deficitário de sistemáticos projectos de investigação. De facto, e contrariando
uma lógica de contiguidade geográfica e cultural, a proximidade do extremo oriental do
Algarve, relativamente à região da Ría de Huelva, ainda não se consubstanciou no registo
arqueológico português.
No que diz respeito à Península de Setúbal, há muito que esta região vinha a
denunciar alguns garantidos indícios “orientalizantes” em contextos da fase final da Idade do
Bronze, a par de indirectas evidências para “navegações mediterrâneas para o Atlântico
durante o Bronze Final. Um dos sítios é particularmente famoso, sendo sistematicamente
trazido à colação na discussão do fenómeno pré-colonial” – trata-se do “clássico”
monumento funerário da Roça do Casal do Meio (Arruda, 2008, p. 360). Por outro lado, “as
realidades detectadas em Alcácer do Sal, Setúbal e Abul são testemunhos indesmentíveis da
presença de populações de origem oriental nesta região. O estuário do Sado pode assim ser
considerado um espaço colonial fenício por excelência” (Arruda, 1999-2000, p. 97).
Se por um lado, estes indícios pré-coloniais são tendencialmente residuais,
relativamente à totalidade dos artefactos exumados, por outro, correspondem,
maioritariamente, a objectos de adorno (contas de pasta vítrea, pinças e, sobretudo, fíbulas).
Estes materiais, associados a datações radiocarbónicas, têm permitido aferir cronologias em
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
116
torno dos séculos XI-X a.C. (Arruda, 2008, p. 357) – “com efeito, não existem, nem no
Alentejo interior nem no Algarve, quaisquer materiais que possamos relacionar com
presenças orientais ou mesmo atlânticas em época anterior ao século IX a.C. E mesmo no
litoral ocidental, concretamente no estuário do Tejo (Quinta do Marcelo) ou na Península de
Setúbal (Roça do Casal do Meio) o que existe deixa antever que foi apenas no século X que
houve vinculação aos circuitos de intercâmbio que em grande parte formataram o final da
Idade do Bronze” (ob. cit., p. 366-367), situação também verificada na região da Andaluzia
Ocidental. “A presença de artefactos de âmbito mediterrâneo no Sul do território
actualmente português em momento anterior à instalação de colonos fenícios na fachada
atlântica peninsular é actualmente indiscutível” (ob. cit., p. 367).
Segundo Ana Margarida Arruda, considerando os dados cronométricos de Huelva,
tudo indica que os materiais orientais verificados no sul da Península Ibérica se inscrevem
num modelo “MCS” – Modo de Contacto Sistemático (Arruda, 2008, p. 357, cf. Alvar, 2000,
p. 28), e que as gentes instaladas em Huelva teriam origem na fachada sírio-palestiniana,
tendo sido, no caso português, o Rio Tejo o primeiro pólo de aportagem de colonos orientais
durante a Idade do Ferro (Arruda, 2005a e b).
Se considerarmos as circunstâncias da investigação e se entendermos a Península da
Arrábida (e o próprio Sado) como o primeiro acidente geográfico na rota do sul, a partir do
eixo Mediterrâneo-Atlântico de Sagres, “a maior quebra de direcção do litoral ocidental
português” (Ribeiro, 2004, p. 55), é de admitir que a região tenha beneficiado de precoces
contactos exploratórios, anteriores aos tenuemente verificados no baixo curso do Tejo – “esta
tardia e pouco intensa presença traduzirá alguma marginalidade, mas deverá esperar-se que
os novos projectos em curso na região possam iluminar muitos pontos obscuros do Bronze
Final do Sul de Portugal” (Arruda, 2008, p. 368).
A questão tartéssica tem sido recorrentemente trazida à colação como modelo de
interpretação para a formação social do Bronze Final do Sudoeste peninsular e das mudanças
verificadas nas sociedades indígenas, face às novas realidades emergentes da instalação
colonial fenícia. Assim, foram surgindo propostas que concebem a realidade tartéssica como
o resultado de um intenso processo de hierarquização social e de complexificação do
povoamento nas sociedades indígenas, “galopante” no sentido de um novo mundo urbano de
fundo estatizante (Mataloto, no prelo, cf. Aubet, 1991; 1995; Almagro, 1996; Mederos e
Harrison, 1996; Parreira, 1998; Soares e Silva, 1998; Torres, 2002). Outros, focados
sobretudo nos dados da Andaluzia, sublinham, talvez com algum exagero, o papel da
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
117
colonização fenícia como catalisador do desenvolvimento das sociedades indígenas
(Mataloto, no prelo, cf. Barceló, 1995; Escacena, 1995, 2005; Wagner, 1993).
Na verdade, a transição Bronze Final/Idade do Ferro continua mal esclarecida um
pouco por todo o Sudoeste Peninsular. A região da Arrábida não foge à regra, antes pelo
contrário: os dados aqui apresentados, por terem sido produzidos, quase exclusivamente, em
prospecções de superfície, dificilmente poderiam resolver esta questão. Ainda assim, recentes
descobertas de evidências correspondentes à 1.ª Idade do Ferro podem vir a fornecer
informações que nos permitam melhor compreender esta transição e os eventuais circuitos
orientalizantes que a precederam, designadamente nos contextos do estuário do Sado.
Relativamente aos estímulos “orientalizantes”, a região da Arrábida há algum tempo
que havia documentado precoces contactos com o mundo mediterrâneo, particularmente no
espólio metálico do “(re)monumento” funerário da Roça do Casal do Meio (Spindler et al.,
1973-74). Recorde-se que a fíbula exumada nesta necrópole, de inspiração mediterrânea, foi
datada de 1004-835 a.C. (Senna-Martinez, 2010, p. 19, cf. Vilaça e Cunha, 2004, p. 52). Mais
recentemente, nos trabalhos de prospecção realizados no âmbito da nova Carta Arqueológica
de Sesimbra (Calado et al., 2009), foram identificados, finalmente, os primeiros e
inequívocos indícios de presença humana atribuível à 1.ª Idade do Ferro.
Em boa verdade, a Idade do Ferro sesimbrense já tinha sido comprovada na necrópole
do Casalão, por Eduardo da Cunha Serrão. À época, o autor enquadrou o achado na 2.ª Idade
do Ferro (Serrão, 1994, p. 58), mas tendo em conta as características formais das sepulturas e
o espólio artefactual exumado, constituído por um conjunto de objectos de bronze na tradição
do Bronze Final da Roça do Casal do Meio (mola espiralada de fíbula, anel e pinça), além de
uma lâmina de faca afalcatada em ferro e de alguns fragmentos de hematite (minério de
ferro), tudo parece indicar uma fase mais antiga, dentro da 1.ª Idade do Ferro (Fabião, 1992,
p. 141-143; Calado et al., 2009, p. 31). Trata-se de um conjunto de cinco sepulturas
independentes, de planta sub-rectangular, estruturadas com grandes e toscas lajes de calcário,
“em tudo idênticas às tumulações do Bronze Final” (Fabião, 1992, p. 141). Também na
Arrábida, a fase pré-romana parece totalmente ausente. Apesar de, normalmente, serem de
fácil identificação, ainda não foram documentados quaisquer vestígios correspondentes à 2.ª
Idade do Ferro.
Os sítios agora identificados, de cronologias relativas enquadráveis na 1.ª Idade do
Ferro, manifestaram-se, sobretudo, em ocupações de grutas, abertas ao mar e com entradas
conspícuas na paisagem: a Lapa da Cova (vertente sul da Serra do Risco) – uma grande
cavidade de acesso ascendente, aberta na cota dos 260 m da mais elevada arriba calcária da
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
118
Europa continental; a Lapa da Janela I (Vale das Lapas/Serra da Azóia) – conjunto de
pequenas cavidades, algumas interligadas, de acesso ascendente segundo uma orientação
preferencial de 225º, com cerca de 20 m de profundidade máxima e cerca de 3 m de altura
média. Registou cerâmica brunida e bordos exvertidos (Calado et al., 2009, p. 115). A sua
implantação, morfologia e materiais de superfície admitem, provisoriamente, uma vocação
sagrada, na linha da Lapa da Cova. Nas vertentes e fundo de vale do Vale das Lapas também
foi reunido um conjunto de materiais cerâmicos de cor clara, bastante erodidos, nos quais se
pôde isolar duas asas de rolo; a Lapa do Forte do Cavalo A (Sesimbra) – ampla cavidade de
acesso descendente, com cerca de 30 m de comprimento, por 20 m de largura e 8 m de altura
máximas, onde foram assinalados fragmentos de cerâmica manual e a torno, incluindo bordos
(Calado et al., 2009, p. 119); a “Cara do Cabo” (Cabo Espichel) – dois pequenos abrigos
abertos na falésia do Espichel, onde foram registados fragmentos de cerâmica manual e a
torno (Calado et al., 2009, p. 105). De estranhar o facto de, na notável jazida arqueológica da
Lapa do Fumo (Serra dos Pinheirinhos), onde foi registada uma quase completa sequência de
ocupação, desde o Neolítico Antigo “até hoje”, não ter sido observado qualquer indício de
presença humana atribuível à 1.ª Idade do Ferro (Serrão, 1958, 1973, 1975).
Estes vestígios cavernícolas, tendencialmente rituais, foram complementados por
inéditas notícias do “quotidiano dos vivos”. Em causa, um conjunto de achados identificados
na Serra da Achada, na vertente nascente do vale de Sesimbra, mais concretamente no sítio da
Meia Velha. Trata-se de uma extensa rechã, cortada por falésias abruptas, com uma série de
abrigos na base. Da sua extremidade sul é possível controlar toda a baía de Sesimbra. A sua
caracterização cronológica partiu de um conjunto de observações: restos de muros de
aparelho calcário à face do solo actual, desenhando um ângulo recto, a que se associaram
fragmentos de cerâmica manual e a torno, nomeadamente uma asa de rolo e bordos exvertidos
(Calado et al., 2009, p. 123). Também na povoação de Pedreiras (Sesimbra), no sítio da Casa
Nova, foi identificado um conjunto artefactual com cerâmica manual, eventualmente
atribuível ao Bronze Final (bordos simples e fundos planos) e abundante cerâmica a torno, de
pastas claras, destacando-se um bordo exvertido (1.ª Idade do Ferro? – Calado et al., 2009, p.
89). Estas duas estações de ar livre implantam-se em plataformas abertas e com potencial
agrícola, enquadrando-se, “sem dificuldades, no padrão bem representado nas áreas
limítrofes, como a Península de Lisboa ou o Alentejo Central” (ob. cit., p. 30). De
acrescentar, ainda, que estes dois sítios de habitat implantaram-se nas imediações da Lapa da
Cova, a sensivelmente 1.5/2 km deste “santuário natural”.
Aprioristicamente, e tendo em conta os dados disponíveis, a menor intensidade da
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
119
presença humana nos inícios da Idade do Ferro da Arrábida, relativamente à exuberância
verificada nos finais da Idade do Bronze, é compatível com a falência do modelo sócio-
económico e político-administrativo vigente (Calado et al., 2009, p. 30). Este colapso, que
marcou o fim da Idade do Bronze, também foi registado no Alentejo Central, onde
“verificamos que a chegada do comércio fenício (e, certamente, de novos valores culturais e
novas realidades políticas) implicou uma profunda reorganização do povoamento. Os
grandes castros de altura, esvaziaram-se, na sua maioria. A população parece ter-se
fragmentado em pequenas unidades de produção, dispersas pelos territórios, em instalações
abertas, sem condições naturais nem artificiais de defesa. Uma aparente antecipação da Pax
Romana. Falta, porém, determinar os mecanismos de coesão desse novo modelo de
povoamento que, aliás, prosperou e floresceu durante alguns séculos” (ob. cit., p. 30).
Por fim, a Arrábida poderá ser apercebida como a última manifestação, a ocidente,
dos cânones paisagísticos do Mediterrâneo, significando uma cénica “finisterra”, uma
verdadeira “muralha” natural entre o mundo mediterrâneo e o mundo atlântico, um território
de charneira paisagística e ambiental, razoavelmente bem definida, designadamente no seu
clima e coberto vegetal. É de presumir que este quadro não tenha passado indiferente aos
primeiros visitantes orientais, que naturalmente se terão identificado com esta paisagem de
referência, com a sua ambiência e com a sagrada quietude das suas paragens (“Estranhos
numa terra (quase) estranha” – Arruda, 2008) – “com os enrugamentos calcários
cavalgantes sobranceiros ao litoral, despenhando-se por escarpas brutais num mar de rara
serenidade, franjada de baías luminosas fechadas por promontórios intransponíveis, ela é o
único troço verdadeiramente mediterrâneo da costa portuguesa, tanto pela arquitectura do
terreno, dobrado e cortado de grandes deslocações, como pelas águas tépidas, tranquilas e
abrigadas, que mais parecem um mar interior” (Ribeiro, 1986, p. 125).
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
120
7. A Arrábida: entre o Tejo e o Sado, entre Atlântico e o Mediterrâneo, entre o litoral e o
interior
“(...) ela é o único troço verdadeiramente mediterrâneo da costa portuguesa, tanto pela arquitectura do terreno, dobrado e cortado de grandes deslocações, como pelas águas tépidas, tranquilas e abrigadas, que mais parecem um mar interior”.
Orlando Ribeiro, 1986
No Ocidente, o desenvolvimento civilizacional processou-se na região circum-
mediterrânea e de forma intrinsecamente ligada ao mar... tal não aconteceu por acaso.
Efectivamente, os processos de geodinâmica interna foram progressivamente promovendo
condições para o florescimento de “espaços vitais”, verdadeiros “ninhos” de desenvolvimento
populacional, servindo de berço a sucessivas civilizações, de certa forma herdeiras umas das
outras e com limitadas influências exteriores (Braudel, 1998). Desde cedo, estas civilizações
aprenderam a olhar o mar, não como um elemento separador, mas antes como uma via de
comunicação por excelência. Assim, torna-se possível afirmar que o mar foi o principal
denominador comum destas gentes e que o desenvolvimento civilizacional se processou a par
da intensificação da exploração do meio marinho.
7.1. Navegando em “Mares de Bronze” – o “síndrome do marinheiro”
“São maus descobridores os que pensam que não existe terra porque só podem ver o mar”. Francis Bacon, O Progresso do Conhecimento
“Desde a noite dos tempos que o homem se perdeu na água,
porque ela é, por definição, alimento, fonte de subsistência e desafio à separação. Isto é, campo e estrada – o barco ou o navio sendo, mais do que metaforicamente, o arado do mar”.
Francisco Alves O meio aquático constitui um verdadeiro paradoxo cultural e ambiental. Ainda hoje,
numa época de navegação global, o espaço aquático é tido como uma imponderável barreira
física, um ambiente não controlado e pleno de surpresas, perigos e tragédias. No Passado, o
alcance deste sentimento seria exponencialmente superior, todavia, rios, lagos e mares
significaram uma potencial via de comunicação e de aproximação entre as sociedades, ao
invés de as dividir (Tranoy, 1995).
O acto pelo qual o Homem se “fez ao mar” constituiu um verdadeiro exercício de
selecção cultural, um empreendimento de recursos que não se esgotou, tão-somente, na
construção de uma embarcação adequada a um determinado objectivo. O advento e evolução
da navegação inspirou-se e repercutiu-se na subsistência, na indústria, no comércio ou na
guerra, produzindo uma variedade de materiais e artefactos altamente específicos desta
empresa – cultura material especializada. O grau de especialização é também variável ao
longo do tempo e conforme as culturas.
Para aferir o verdadeiro alcance e importância das navegações, em cada época e
sociedade, o registo arqueológico tem vindo a revelar indubitáveis provas destas actividades,
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
121
particularmente relativas às primeiras grandes viagens marítimas, verdadeiras pontes
tecnológicas onde o contacto terrestre era, por vezes, fisicamente impraticável. Neste ponto,
além das matérias-primas, dos artefactos (e/ou dos seus modelos) e dos seus circuitos de
circulação, há que considerar, em definitivo, os homens que os transportavam – os
marinheiros, os verdadeiros interlocutores deste processo de contacto e comunicação que foi
muito além dos bens materiais, promovendo o trânsito de um amplo pacote de impulsos e
influxos: mentais, culturais, tecnológicos e genéticos.
Desde cedo, as primárias actividades piscatórias foram dando entrada no registo
arqueológico, indirectamente pelos indícios de consumo alimentar, pela descoberta de raras
embarcações e, sobretudo, de artefactos como pesos de rede e poitas, arpões e anzóis. Estes
últimos, inicialmente simples, talhados em osso, madeira ou conchas, tornaram-se
progressivamente mais sofisticados, designadamente com o recurso a materiais metálicos.
Destes, merecem aqui destaque os conhecidos para o Calcolítico regional da Arrábida: um
fragmento de anzol de “cobre”, de secção quadrangular, identificado na escavação da Lapa da
Furada (Cardoso e Cunha, 1995), e, mais para oriente, na Pré-Arrábida de São Luís, os vários
anzóis de “cobre” identificados no povoado da Rotura (Gonçalves, 1971).
Dominando visualmente um vale de solos férteis e uma portela para o mar, aberta ao
longo da várzea da Comenda (o “caminho do peixe” – Gonçalves, 1966, p. 9), este sítio de
habitat revelou uma significativa actividade piscatória e de recolecção de recursos marinhos,
sobretudo malacológicos – «o Castro, em si, é oculto por uma vegetação rasteira e forte,
cheio de pequenas barreiras, naturais ou artificiais, e quase completamente coberto por
inúmeros restos de animais marinhos» (ob. cit., p. 9), sobretudo conchas de moluscos, na sua
grande maioria de amêijoas, mas também mexilhões, navalhas e lapas, além de diversas
vértebras e osteólitos de peixes (dourada e pargo) e segmentos de crustáceos (lagosta, santola
e outros) (Gonçalves, 1971, p. 40). De referir, ainda, a ocorrência de “restos de cetáceos não
identificados” (ob. cit., p. 79), realidade que, a par dos grandes anzóis observados, atesta a
importância da pesca de mar – “corvinas, atuns ou toninhas, atendendo às dimensões,
excessivas para pargos ou douradas” (Cardoso, 2000, p. 57).
Por enquanto ausentes em contextos da Arrábida, mas bem documentados em diversos
sítios do Bronze Final do Ocidente Peninsular, os pesos de rede sobre seixos, com entalhes
laterais e de expedita facilidade de execução, poderão vir a ser documentados em expectáveis
escavações.
Esta manifesta “relação com o mar” e os meios estuarinos do Calcolítico da
Estremadura Portuguesa, aparentemente atenuada durante a 1.ª Idade do Bronze (Daveau,
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
122
1980; Senna-Martinez, 1994a), poderá ter sido retomada no Bronze Final, até por via da
circulação dos “modelos metálicos atlânticos”.
Relativamente às embarcações, estas implicam estruturas projectadas e construídas
para resistir a forças muito mais complexas do que os transportes terrestres. Neste sentido, os
métodos e as técnicas de construção naval representam, muitas vezes, a vanguarda
tecnológica de uma sociedade, tão simplesmente pelo facto de não haver paralelo para tão
grande exigência criativa – veja-se os casos fenício e grego.
Enquanto cultura material especializada, as embarcações constituem uma copiosa
fonte informativa acerca das sociedades que as produziram, enquanto a construção naval
implica uma complexa actividade social que envolve desenvolvimento, organização,
cooperação e investimento no longo prazo. Por outro lado, as embarcações também devem ser
consideradas enquanto “símbolos”, transmissores por excelência de ideologias e expressões
sociais, incluindo a tradição dentro da qual foram construídas.
A génese e evolução tipológica das embarcações e das respectivas técnicas de
construção e de navegação dependeram, na maior parte dos casos, dos condicionalismos
geográficos e ambientais, dos recursos disponíveis, do grau de evolução técnica e económica
das sociedades e do fim a que se destinavam. A transição da utilização de barcos de pesca
para barcos de transporte e comunicação foi, muito provavelmente, um passo natural de um
longo devir que se manifesta até à actualidade.
Em âmbitos mediterrâneos, nos finais da Idade do Bronze e na Idade do Ferro, a
navegação de cabotagem era seguramente complementada por uma “regular” navegação de
“alto-mar”, implicando mareações nocturnas, realidades comprovadas, por exemplo, pela
presença fenícia nas ilhas de Sicília, Sardenha e Ibiza – “de facto, tanto Hesíodo como
Homero descrevem viagens de vários dias sem escalas intermédias e, mais tarde, Estrabão
menciona que no Mediterrâneo se navegava no mar alto” (Arruda, 1999-2000, p. 27).
Relativamente à navegação nocturna, além das referências luminosas em terra (faróis) e da
iluminação das próprias embarcações, é justo recordar que os fenícios já conheciam a Ursa
Maior, recorrendo naturalmente à Estrela Polar nas suas viagens (Arruda, 1999-2000, p. 27),
pelo que os gregos conheciam esta estrela por “Kochab” – a estrela fenícia (Arruda e Vilaça,
2006, p. 36).
Contudo, a exposta costa atlântica, recortada ao longo da fachada ocidental da
Península Ibérica, reúne características bem diferenciadas dos mares interiores do
Mediterrâneo. Em Portugal, as actuais condições do ambiente marítimo não serão muito
diferentes das verificadas em tempos mais remotos. Hoje, regista-se uma considerável
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
123
agitação marítima, com uma predominância dos quadrantes norte-noroeste, que a sul do Cabo
Espichel, durante 70% do ano, produz uma ondulação média na ordem de 1 m de altura,
atingindo cerca de 4 m durante 2% do ano.
Quanto aos ventos, no presente predomina a “nortada”, ou seja, um regime de ventos
que sopram do quadrante norte-noroeste, particularmente intensos a partir do fim da tarde,
amainando de madrugada, tanto no Inverno como no Verão, sendo especialmente intensos na
zona dos cabos (Carvoeiro, Roca, Espichel e São Vicente). No Inverno, pela influência dos
sistemas frontais, sentem-se as rajadas de sudoeste. As correntes, na actualidade, correm
predominantemente de norte para sul, com velocidades médias na ordem dos 0.2-0.5 nós, não
afectando significativamente a navegação, sendo que, na desembocadura do Tejo e do Sado,
as correntes variam com a influência das marés. As condições de visibilidade na navegação
são muito condicionadas pelas neblinas de condensação das madrugadas e manhãs de Verão,
dissipando-se com o gradual calor do dia (Arruda, 1999-2000, p. 23-25).
Todavia, parte destas genéricas condições pode ter sido desigual durante a Pré e a
Proto-História, tendo em conta a natural evolução e as transformações climáticas,
designadamente a provável diminuição no efeito de upwelling costeiro, traduzida na não
existência de um regime de “nortada” e em diferenças nas correntes marítimas (Soares, 1997).
Assim, se o Mediterrâneo facilitou uma navegação “motrizada” por velas e remos, já
os vigorosos mares do Norte e Atlântico implicaram, sobretudo, uma navegação à vista, de
cabotagem larga (Arruda e Vilaça, 2006, p. 35-36), onde a vela terá assumido uma
preponderância vital. Porém, na costa ocidental da Península, considerando a predominância
dos ventos do quadrante norte durante praticamente todo o ano, a navegação à vela (panos
quadrangulares) apenas é beneficiada nas rotas provenientes de norte. Recorde-se que, só com
o advento da bolineira vela triangular (latina) se tornou possível navegar contra o vento –
mareações em bordos diagonais (“bolinas”) que afrontam os ventos até perto dos 12º, ou com
“largos” laterais, perpendiculares à linha proa-popa. Assim, a propulsão combinada de velas e
remos seria obrigatória na navegação em épocas proto-históricas, sobretudo nas rotas
provenientes de sul, contudo extremamente beneficiadas no trajecto de retorno.
Em zonas estuarinas e ribeirinhas, além das correntes, as embarcações (de baixo
calado, monóxilas e jangadas), moviam-se por meio de remos, pagaias, varas e pela sirga –
técnica de reboque de uma embarcação por meio de cabos puxados das margens, através da
força de homens e/ou animais.
A informação relativa às navegações proto-históricas, sobretudo de origens
mediterrâneas, aos seus promotores e às suas progressivas manifestações em paisagens
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
124
ibéricas, fundamentou-se, à partida, nas fontes clássicas – Hesíodo, Homero, Heródoto,
Avieno, entre outros. Ulteriormente, estes residuais ecos bibliográficos foram
complementados por abordagens toponímico-etimológicas e, em parte, confirmados pela
Arqueologia, materializando-os pela exumação de vestígios físicos. Todavia, os dados
arqueológicos coligidos são na globalidade escassos e insuficientes para compreender a real
dimensão e alcance social destas manifestações náuticas.
Acresce o facto de a tradição arqueológica, dita “terrestre”, não considerar,
geralmente, a influência dos marinheiros nas trocas de longa distância, sobretudo de produtos
de prestígio, e na disseminação de conceitos intelectuais, sendo que, os homens do mar
constituem, em boa verdade, os directos responsáveis por esses processos.
Por outro lado, há que considerar, em definitivo, o estudo da paisagem marítima
(seascape), ou seja, paisagem de mar e costa, associando a navegação marítima à arqueologia
da paisagem, no sentido de compreender como é que o mar foi apercebido a partir de terra e
vice-versa – a paisagem marítima como um conceito ideológico (Cosgrove, 1998, p. 15).
Além da carência de uma investigação sistemática e dirigida, particularmente lacunar
no caso português, pesa a natureza de curta preservação no tempo e no espaço dos materiais
empregues nestas actividades: madeiras, cordame de fibras vegetais entrançadas, barro,
musgo prensado, peles, ossos, bexigas de animais, têxteis, etc. Contudo, as mesmas forças
ambientais que causam uma constante sequência de perdas no registo arqueológico,
conjuram-se muitas vezes para preservá-lo em condições extraordinárias – material cultural
assimilado em sedimentos anaeróbios de leitos de rios, lagos ou mares. Estas especiais
condições podem revelar uma imagem de alta resolução das actividades do Passado.
Nas Ilhas Britânicas, e para ambientes atlânticos, as excepcionais descobertas e
consequente investigação dos “barcos de pranchas” tem vindo a revelar-se fundamental, tanto
mais que a informação disponível, relativa às características das proto-embarcações da Idade
do Bronze, terá sido sobretudo registada em suportes iconográficos (Bradley, 1997;
Kristiansen, 2004; Van de Noort, 2006). Parte daqui a razão pela qual, no âmbito do presente
trabalho, foi dado particular enfoque à temática dos “sewn-plank boats” britânicos (Wright,
1990; Wright et al., 2001; Clark, 2004a; 2004b; MacGrail, 1997), as principais referências
materiais para as embarcações da Idade do Bronze atlântico no actual panorama da
investigação.
Justamente, na Grã-Bretanha, as últimas décadas têm sido profícuas em trabalhos
arqueológicos relativos às antigas navegações oceânicas, particularmente no decorrer da
Idade do Bronze, numa linha de investigação necessariamente independente da seguida para o
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
125
espaço mediterrâneo – diferentes mares, diferentes realidades e opções. Estes trabalhos têm
vindo a explorar alguns dos raros vestígios de embarcações deste período, além de
revisitaram os respectivos contextos arqueológicos e paisagísticos. Assim, importa referir um
conjunto de achados, sobretudo localizados no estuário e foz do Rio Humber, no nordeste de
Inglaterra: os cinco barcos de casco empranchado identificados em North Ferriby, a partir de
1937, cronologicamente enquadráveis entre a 1.ª Idade do Bronze e os inícios da Idade do
Ferro (Wright, 1990; Wright et al., 2001); a prancha isolada de Kilnsea, do Bronze Médio
(Van de Noort et al., 1999); e os vestígios de outra embarcação descoberta em Brigg, esta
datada do Bronze Final (McGrail, 2001, p. 190).
A par dos achados do Rio Humber, foram assinaladas outras embarcações desta
tipologia em Inglaterra, destacando-se o barco de Dover, identificado em 1992 e datado do
Bronze Médio – 1575-1520 cal a.C. (Clark, 2004a; 2004b), além de outros vestígios
assinalados em Caldicot (Bronze Médio) e Goldcliff, no País de Gales, estes últimos
enquadráveis em cronologias do Bronze Final (MacGrail, 2001, p. 190). Em Caergwrle
(Clwyd), também foi registada uma pequena embarcação da Idade do Bronze, interpretada,
por alguns autores, como um modelo de uma embarcação maior (Denford e Farrell, 1980).
Relativamente à mais recente descoberta – o barco de Dover – esta gerou um projecto
de recriação à escala, recorrendo a técnicas e ferramentas antigas, como machados e enxós de
bronze, com a supervisão técnica de um experimentado carpinteiro naval, Brian Cumby. O
projecto de construção ao vivo e com a participação “hands-on” do público, a iniciar em
Abril de 2012, tem sede numa oficina do National Maritime Museum Cornwall, em Falmouth
(Inglaterra), durará cerca de cinco meses e é coordenado cientificamente pelo Professor
Robert Van de Noort, da Universidade de Exeter, ao abrigo do Arts and Humanities Research
Council, financiado pelo Conselho da Europa, e a culminar na exposição 2012BC: Cornwall
and the Sea in the Bronze Age at the National Maritime Museum Cornwall (13 de Abril - 30
de Setembro, 2012). O projecto conta, ainda, com uma equipa multidisciplinar de
arqueólogos e engenheiros da Universidade de Southampton e da Oxford Brookes University.
Além de recuperar o processo construtivo, o projecto de investigação pretende explorar e
experimentar a navegabilidade destas embarcações em alto-mar (http://boat1550bc.meshs.fr).
Recorde-se que, em Hjortspring, na Dinamarca, um projecto análogo, desenvolvido
entre 1997 e 2008, reconstruiu e experimentou uma embarcação, se bem que muito mais
tardia (350 a.C.), mas essencialmente similar, demonstrando que estes barcos estariam
adaptados a concretizar viagens marítimas (http://www.hjortspring.dk).
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
126
Por seu turno, as três primeiras embarcações identificadas em North Ferriby (F1, F2 e
F3) foram recentemente re-datadas pela desconfiança nos anteriores resultados,
presumivelmente contaminados pelo “cocktail” químico de conservação administrado nas
últimas décadas. Assim, a original datação correspondente ao “Bronze Médio”, recuou para
os inícios do 2.º milénio a.C., no dealbar da Idade do Bronze, sendo a datação da embarcação
F3 a mais antiga obtida, até então, para os barcos construídos em pranchas conhecidos na
Europa Ocidental – 2030-1780 cal a.C. (Wright et al., 2001). Entretanto, um dos mais
recentes exemplares identificados (F4) foi datado dos inícios da Idade do Ferro (Switsur e
Wright, 1989), o que atesta uma contínua exploração geoestratégica daquelas águas e portos.
Os referidos achados têm sido capitais para a percepção do real alcance das
embarcações nas transformações sócio-económicas, particularmente registadas nos alvores da
Idade do Bronze, designadamente pelo seu impacto nas trocas de longa distância em torno de
2000 cal a.C.
Estamos perante embarcações assinaladas, sobretudo, em Inglaterra e no País de
Gales, tendo paralelos na Noruega, Finlândia e em algumas regiões da Índia. São construídas
em longas tábuas de carvalho e de bétula, provenientes de árvores actualmente já extintas,
com perfurações chanfradas e “costuradas” por meio de entrançados de fibras vegetais de
salgueiro e teixo, travadas por cunhas de madeira e calafetadas com musgo prensado. Esta
técnica supera a ausência de pregos, há época ainda não inventados. As pranchas eram
assentes num sistema integral de quilha e travessas que conferia rigidez ao casco, que poderia
atingir os 16 m de comprimento (MacGrail, 2001). Algumas destas embarcações
apresentaram inequívocos estigmas de ferramentas metálicas, como machados, enxós e
escopros (Van de Noort, 2003, p. 405).
No que respeita à sua génese e utilização, a discussão encontra-se em aberto.
Inicialmente, estas embarcações deverão ter sido utilizadas apenas como transporte ribeirinho
e inter-estuarino, sendo posteriormente aperfeiçoadas para uma navegação mais
“aventureira”, de costa e alto-mar. Não sendo consideradas, aprioristicamente, embarcações
de mar, os barcos de casco empranchado reúnem suficientes características para admitir uma
navegação mais afoita, tirando partido de condições meteorológicas favoráveis,
nomeadamente na travessia de grandes canais e em viagens pelo Mar do Norte. E. V. Wright
(1990), partindo do modelo de F1, sugere uma travessia do canal de Dover em menos de
cinco horas, com uma velocidade média de 5 nós, ou uma viagem até à costa holandesa em
pouco mais de 24 horas, partindo de Spurn Point, na desembocadura do estuário do Rio
Humber. O mesmo autor calcula uma capacidade de carga máxima da ordem das 11
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
127
toneladas, provavelmente utilizada no transporte de mercadorias a granel, incluindo animais e
passageiros.
É de notar que, a maior parte destas embarcações foi identificada perto da costa, em
ambientes estuarinos, em contextos “entre-marés”, contrastando com a distribuição dos
vestígios de embarcações pré-históricas (sobretudo monóxilas), preferencialmente
identificadas em interiores braços de rio, mais a montante (Van de Noort, 1996). Esta
realidade também foi proposta para o contexto português, relativamente à comparação entre
as pirogas monóxilas identificadas no nosso país, talhadas para navegar nos rios e esteiros de
estuários, e os hippoi e gauloi, mais adequados para marear nos grandes estuários e costa
(Carvalho e Freire, 2007, p. 7).
As escavações levadas a cabo em Ferriby, entre 1978-1980, registaram uma
considerável quantidade de lascas de madeira de carvalho com marcas de ferramentas de
bronze, além de uma grande peça de madeira de carvalho, salgueiro e bétula, cujas datações
apontaram para um período entre o 3.º e o final do 2.º milénio a.C. (McGrail 1997, p. 58).
Estas evidências sugerem que as embarcações foram construídas e/ou remodeladas/reparadas
em North Ferriby, o que torna o sítio no mais antigo estaleiro conhecido no mundo. Neste
contexto, torna-se justo propor que a construção naval, a manutenção/reparação e, sobretudo,
a própria marinharia, requeriam habilidades tecnológicas muito específicas, tão ou mais
especializadas que a metalurgia. Este é um ponto tido como importante no presente discurso.
Tendo em conta a importância geoestratégica do sítio de Kilnsea, enquanto porto de
excelência na desembocadura do estuário do Humber, importante via fluvial de penetração
para os territórios do interior e, sobretudo, ponto de partida (e de chegada) da travessia para a
Europa continental, torna-se admissível considerar que a sua paisagem costeira terá adquirido
uma dimensão e um especial significado simbólico-ritual no quotidiano daquelas gentes
marítimas da Idade do Bronze – o mar como limite físico, marco paisagístico, fronteira social,
cultural, política e religiosa, um autêntico mare clausum somente passível de ser transposto
por meio das embarcações de pranchas. Cruzar esta barreira poderá ter significado uma
viagem espiritual, um ritual iniciático para os jovens membros das elites da Grã-Bretanha.
Assim sendo, as tripulações das embarcações, enquanto comitivas altamente especializadas,
ganhariam um distinto estatuto de prestígio social por via dos laços de lealdade desenvolvidos
no mar, essenciais na estabilidade do futuro poder político (Van de Noort, 2003, p. 412). As
frotas e os seus marinheiros afirmar-se-iam como destacados agentes na veiculação de
mercadorias de prestígio, de impulsos culturais, de conhecimentos de vanguarda e de
legitimação do poder das elites.
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
128
Porém, navegar o mar não constitui um empreendimento necessariamente mais
arrojado e perigoso que navegar o rio. Por exemplo, ainda hoje, o Rio Humber é tido como
um dos mais traiçoeiros do mundo. Com uma largura máxima de 14 km, um traçado
labiríntico e de difícil praticabilidade, com fortes correntes e bancos de areia em constante
mutabilidade, o Humber requer uma pilotagem precisa e experimentada (Pethick, 1990). A
paisagem terrestre torna-se, assim, capital para uma navegação à vista, propiciando
referências visuais para a pilotagem e para a marcação dos canais navegáveis do labirinto
estuarino. Neste sentido, a literatura clássica foi sugerindo o posicionamento de monumentos
enquanto útil ferramenta para os processos de navegação e pilotagem durante a Idade do
Bronze do Mediterrâneo (Severin, 1987).
Em suma, o registo artefactual das Ilhas Britânicas valida a indiscutível realidade da
navegação marítima nas trocas de longa distância, desde o Neolítico Final/Calcolítico e, em
particular, durante a Idade do Bronze, propiciando a dispersão de modelos culturais. Estes
itens exógenos têm vindo a ser frequentemente exumados, nomeadamente na região de
Wessex, mas também noutros lugares da Grã-Bretanha e Europa Continental, em ambas as
costas do Mar do Norte e Mar da Irlanda, sobretudo em ricos contextos funerários. Trata-se
de um valioso pacote de artefactos importados, associados à ascensão social de elites em
comunidades pré e proto-históricas, estabelecendo e legitimando o seu emergente poder, além
de significarem uma clara manifestação do desenvolvimento sócio-económico e da respectiva
cultura material (Bradley, 1984).
Torna-se pois plausível que o novo tipo de barco, surgido nas Ilhas Britânicas em
torno de 2000 cal a.C., tenha permitido a manutenção e expansão das elites e das suas redes
de troca de bens de prestígio, através do Canal Inglês, Mar da Irlanda e em todo o Mar do
Norte. Estas embarcações terão proporcionado novas janelas de oportunidade para o acesso
aos bens, ideias e conhecimentos, estimulando novas expressões de status social, político,
religioso e tecnológico, numa ruptura com as seculares sociais tribais.
Os resultados dos estudos sobre as embarcações norte-atlânticas da Idade do Bronze
configuram, deste modo, uma situação muito distante, quer em termos técnicos, quer de
eficácia, relativamente aos modelos conhecidos para o Mediterrâneo, nomeadamente para os
incontornáveis dados dos naufrágios turco dos cabos de Ulu Burun (século XIII a.C. – Pulak,
1988; 1994; Bass et al. 1989) e Gelidonya (século XII a.C. – Bass, 1967, 2005), e do
naufrágio do Cabo Giglio, na Etrúria (século VII a.C. – Bound e Vallintine, 1983).
Por outro lado, se o Mediterrâneo da Idade do Bronze se encontra relativamente bem
estudado, numa perspectiva sobre as antigas navegações (Aubet, 1994), descontando as
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
129
naturais limitações desta investigação, já as peninsulares costas atlânticas continuam
deficitárias de trabalhos direccionados para estas realidades.
Ainda assim, para a Idade do Ferro e em Portugal, de referir a descoberta, na “Baixa
Pombalina” de Lisboa, na Rua dos Correeiros, de um fragmento cerâmico apresentando uma
representação estilizada de uma embarcação de proa e popa proeminentes, com um leme
traseiro e um mastro central, passível de enquadramento na tipologia dos hippoi fenícios (ver
fig. 145 – Amaro, 1995, apud Arruda, 1999-2000, p. 28; Arruda e Vilaça, 2006, p. 39).
Também na Quinta do Almaraz, em Almada, foram exumados dois fragmentos cerâmicos
apresentando representações iconográficas de embarcações presumivelmente enquadráveis
nesta tipologia (ver fig. 145 – Barros in Cardoso, 2004, apud Arruda e Vilaça, 2006, p. 39).
Os hippoi tinham como principal característica identificativa a sua proa esculpida
(prótomo) numa “carranca” em forma de busto de cavalo – a origem do nome “hippoi”.
Podendo atingir os 8-10 m de comprimento, estas embarcações “redondas” eram
propulsionadas pela força braçal (remos) e pelo vento (velas quadradas), sendo
presumivelmente utilizadas na pesca e navegação costeira; enquanto os gauloi podiam atingir
os 25 m de comprimento e “calar” até aos 2 m (Arruda, 1999-2000, p. 26; Arruda e Vilaça,
2000, p. 38).
Mais a sul, no Esteiro da Galé, a 2 km para montante da foz do Rio Mira, Estácio da
Veiga terá documentado uma “piroga” monóxila5 (Veiga, 1891, p. 142) a que atribuiu uma
cronologia romana ou pré-romana. Porém, o achado foi totalmente destruído antes de poder
ser removido, nada chegando aos nossos dias, o que poderia ter permitido o seu melhor
esclarecimento tipológico e cronológico. O mesmo investigador também refere achados deste
tipo em Peniche, sendo de igual modo inconclusivos (Arruda e Vilaça, 2006, p. 41). No Rio
Lima, perto de Lanheses, foram registadas, entre 2002 e 2003, duas pirogas monóxilas
datadas entre o século 4.º e o século 2.º a.C. (Alves e Rieth, 2007). Perto do Castro Gueifães
(Matosinhos), mais uma notícia de um destes “avistamentos” (Filgueiras, 1980, apud Arruda
e Vilaça, 2006, p. 41). Estas embarcações, não obstante o seu primitivismo, manifestam um
amplo espectro crono-geográfico. “As Gauloi e as Hippoi deveriam ter sido as naves
utilizadas com maior frequência na navegação costeira e em altura, e os barcos de pele e as
canoas monóxilas na navegação costeira e fluvial” (Carvalho e Freire, 2007, p. 7).
Posto isto, e na ausência de evidências directas para remotas actividades marinheiras,
há que procurar outros indícios, nem sempre tão óbvios. Por exemplo, antes e após o advento
5 Apontamento facultado por Rui Parreira, o qual se agradece.
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
130
dos metais, o Homem recorreu a poitas e âncoras de pedra para fixar as embarcações nas suas
primárias actividades. Estão em causa blocos de pedra, geralmente de grosseira forma
trapezoidal, circular ou triangular, apresentando perfurações no lado menor (1, 2 ou 3) ou
entalhes laterais para a passagem do cordame de fixação.
O recurso ao metal em âncoras só se encontra documentado a partir do séc. VII a.C.,
enquanto a utilização da pedra é registada de forma continuada até aos dias de hoje, com
variadíssimos casos de reutilização como poitas de fundeadouro, o que levanta grandes
dificuldades de contextualização e datação.
Consciente da sua importância, Honor Frost elaborou uma tipologia para as âncoras
líticas recuperadas por toda a orla do Mediterrâneo, procurando esboçar um mapa das rotas
percorridas por embarcações desde a Idade do Bronze (Frost, 1972; 1985). O estudo destas
peças líticas permite identificar os fundeadouros e os “proto-portos” dos primeiros
navegantes, oferecendo dados fundamentais acerca da dimensão das embarcações que
fixavam, da sua proveniência e do carácter das navegações que praticavam – cabotagem ou
alto-mar. A utilização de âncoras de pedra encontra-se documentada, por exemplo, no já
referido naufrágio do Bronze Final do promontório de Ulu Burun (Turquia), onde foram
assinaladas sete grandes âncoras líticas (Pulak, 1994).
Também em Portugal têm sido identificados diversos casos, sobretudo trazidos “à
tona” por pescadores e mergulhadores. Foi o caso do exemplar recuperado por mergulhadores
ao largo do Farol da Guia, em Cascais (fig. 149). Trata-se de uma âncora lítica de dois
orifícios, de forma trapezoidal bastante alargada, que pela sua tipologia foi enquadrada na
segunda metade do 1.º milénio a.C. (Carvalho e Freire, 2007, p. 6, cf. Frost, 1970). No Museu
do Mar Rei D. Carlos (Cascais), onde foi depositada, também se pode observar outro
exemplar, de forma triangular e um orifício, recuperada no Algarve nos anos de 1980 (fig.
150 – Carvalho e Freire, 2007, p. 6). De facto, até à data, parece ter sido nas costas algarvias
que se identificou o maior número destas peças, designadamente em Albufeira (Simplício,
1999, p. 8-9). Ainda que muitas vezes descontextualizados, lá vão surgindo diversos
exemplares expostos em alguns museus. Também no Sado (Carvalho e Freire, 2007, p. 7) e
na Arrábida (mergulhos promovidos pela Câmara de Sesimbra) têm surgido notícias acerca
destes objectos, porém não foi possível, até ao momento do fecho do presente texto, precisar
melhor estas últimas informações orais.
A par das âncoras líticas, também as pedras de lastro podem oferecer uma imagem das
dimensões, envergadura e capacidade de carga de uma embarcação. Em casos de naufrágio,
nada restando da estrutura decomposta de uma nave, o conjunto lítico de lastro pode esboçar,
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
131
ainda que muito tenuemente, o seu negativo morfológico. Por outro lado, a análise das
características geológicas das pedras de lastro pode indicar, pelo menos, o último porto em
que a embarcação descarregou, pois a carga útil, após o desembarque e na ausência de nova
carga, era substituída por uma carga de lastro, permitindo estabilidade na viagem de regresso.
Estes conjuntos líticos eram frequentemente abandonados junto dos portos, facto que pode
constituir uma boa base de trabalho para futuras prospecções, tanto na linha de praia, como no
leito subaquático do Portinho da Arrábida, com vista à identificação de pedras roladas, de
volumetria média e fora de contexto geológico, expectáveis evidências que, sendo atestadas
pela Geologia, poderiam indicar origens exógenas.
Por seu turno, temos os portos e as respectivas estruturas portuárias: estacadas,
passadiços e cais palafíticos, molhes e pontões de pedra, etc. Um porto é, por definição, um
local de abrigo, surgidouro, ancoradouro e varadouro de embarcações, podendo também
designar, por extensão, a povoação estabelecida a partir deste – “pensamos que as
características morfológicas de um porto são de tal modo importantes que a análise de tipo
arqueológico que delas se possa fazer transcende os contextos culturais e geográficos” (Blot
e Blot, 2003, p. 54-61).
Para épocas pré e proto-históricas, são escassos os vestígios directos que tenham
perdurado até aos nossos dias, tanto pela própria natureza dos materiais empregues na sua
construção, como pela acção da hidrodinâmica fluvio-marítima, causadora de destruição pela
erosão e ocultação pela sedimentação. No entanto, a utilização náutica de um sítio
naturalmente abrigado deixa sempre vestígios no fundo aquático, desde a simples poita,
âncora, pedras de lastro ou total naufrágio, passando por objectos acidentalmente perdidos ou
deliberadamente lançados “borda fora”.
O facto de um sítio ter funcionado como desembarcadouro não implica,
necessariamente, a presença de estruturas, não lhe retirando, ainda assim, a identidade
fundacional de um futuro porto. “Nestes casos o que o arqueólogo busca é por vezes uma
memoria atestando a demanda sistemática desse local, quer como apoio (aguada, provisões
alimentares, escala técnica para reparações), quer em termos de trocas, isto é, de comércio,
de contactos de gente” (ob. cit., p. 51).
Na detecção destes “proto-portos” há que procurar, “não elementos construídos, mas
sim “talhados” na rocha de abrigos costeiros, ou, ainda, aproveitando rochas à flor das
águas, recifes paralelos à costa e até ilhas costeiras, funcionando como abrigos susceptíveis
de receber este tratamento rudimentar” (Blot e Blot, 2003, p. 61, cf. Frost, 1972). Esta
lógica, aplicada à costa portuguesa, poderá ser válida para sítios como a Ilha do Pessegueiro
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
132
(Sines) e praia do Martinhal (Sagres/Vila do Bispo) onde, ainda hoje, as suas cénicas ilhas
rochosas continuam a proporcionar abrigo ao ancoradouro (Blot e Blot, 2003, p. 54). Este
modelo também poderá ser extensível à Arrábida, se associarmos a Pedra da Anicha ao
Portinho da Arrábida (ver figs. 152-156).
Se na Idade do Bronze navegamos em “mares de conjecturas”, ainda assim a
investigação arqueológica assinalou alguns prováveis vestígios de estruturas portuárias pré-
romanas no nosso território: em Santa Olaia, na foz do Mondego (Figueira da Foz – Rocha,
1905, apud Arruda, 1999-2000, p. 30; Arruda e Vilaça, 2006, p. 43); em Abul, na margem
direita do Sado, entre Setúbal e Alcácer do Sal, onde foram descobertas estruturas
interpretadas como arquitecturas portuárias datadas da segunda metade do séc. VII a.C.
(Mayet e Silva, 2000; Arruda e Vilaça, 2006, p. 43); a que poderão ainda acrescentar-se as
evidências verificadas em Cacilhas, na base de Almaraz (Barros, 1998, apud Arruda, 1999-
2000, p. 30; Arruda e Vilaça, 2006, p. 44).
Com a intensificação das rotas marítimas, as tradicionais técnicas de orientação
tornaram-se insuficientes. À orientação visual pelas naturais referências físicas da costa
(eventualmente cromatizadas), por corpos celestes, pelo avistamento de aves, por sinais de
fumo e por reflexos solares, o engenho humano acrescentou os “ciclopes de luz” – os faróis (e
outras estruturas de sinalização à navegação).
Em Portugal, mais precisamente em Alcabideche (Cascais), alguns autores (Arruda,
1999-2000, p. 29; Arruda e Vilaça 2006, p. 44-45; Fabião, 2009, p. 66) admitem a existência
de uma destas antigas estruturas de sinalética náutica – o Espigão das Ruivas. Trata-se de um
alto rochedo situado a sul do Cabo da Roca, proporcionando uma pequena plataforma de
implantação onde foram registados indícios de ocupação enquadráveis na Idade do Ferro e
Período Romano (base de dados Endovélico). O sítio registou a ocorrência de cerâmica
diversa, nomeadamente sigillata, uma argola de bronze e um anel, além de uma sepultura
violada de tipo “cista” (ob. cit.), o que nos pode remeter para cronologias da Idade do Bronze.
Os trabalhos realizados (Cardoso, 1991; Cardoso e Encarnação, 1993) revelaram uma
invulgar estrutura de planta rectangular e discreta entidade, associada a abundantes vestígios
de fogo (carvões). A reduzida dimensão da plataforma, praticamente ocupada pela referida
estrutura (mesmo descontando alguma erosão a que terá sido sujeita), as características e cota
de implantação da estrutura e a abundância de carvões associados, constituem características
que, no seu conjunto, não permitem outras leituras senão a sua função enquanto estrutura de
apoio à navegação nocturna, contrariando a original interpretação dos escavadores: um
templo dedicado ao sol e à lua, em relação com o pequeno porto de abrigo na sua adjacência –
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
133
Porto Touro (Arruda, 1999-2000, p. 29; Arruda e Vilaça, 2006, p. 44-45).
Na Arrábida, precisamente no Cabo Espichel, Estrabão, na sua Geographia, faz
referência, no século I a.C. (podendo ser eventualmente anterior), a uma torre com funções de
farol (Blot e Blot, 2003, p. 60). Também no pequeno cabo do Outão, em Setúbal, promontório
que “defende” a linha da barra do Sado, “Jorge de Alarcão, ao que parece guiado por
sugestão de V. Mantas (Mantas, 1996), chamou a atenção para a provável existência de um
elemento de sinalização desse tipo na zona do Outão, marcando a entrada do estuário do
Sado” (Alarcão, 2004, p. 317-325, apud Fabião, 2009, p. 66).
Fig. 141 – A hipotética reconstituição da chegada de uma embarcação de casco empranchado (F1) a North Ferriby/Inglaterra (seg. John Craig, in Wright, 1990).
Fig. 142 – Planos dos barcos de Dover, Ferriby e Brigg para comparação (in Clark, 2004b).
Fig. 143 – Localização das embarcações de casco empranchado em Inglaterra e Gales (in Clark, 2004b).
Fig. 144 – The Dover boat under sail? (in Clark, 2004b).
Fig. 145 – Representações estilizadas de embarcações da 1.ª Idade do Ferro assinaladas em Portugal: a 1.ª e a 2.ª imagem referem-se a um fragmento cerâmico identificado na Rua dos Correeiros, em Lisboa (seg. Amaro, 1995, apud Arruda, 1999-2000, p. 28; Arruda e Vilaça, 2006, p. 39); a 2.ª e a 3.ª imagem reportam-se a dois fragmentos cerâmicos registados na Quinta do Almaraz, em Almada (seg. Barros in Cardoso, 2004, apud Arruda e Vilaça, 2006, p. 39).
Fig. 146 – Tabela de âncoras líticas mediterrâneas (seg. Linder e Raban, 1975, in Simplício, 1999, p. 7).
Fig. 147 – Poita do norte de Portugal (seg. Baldaque da Silva, 1891, in Simplício, 1999, p. 8).
Fig. 148 – Anzol de “cobre” da Lapa da Furada (seg. Cardoso e Cunha, 1995, p. 16).
Fig. 149 – Âncora lítica de 2 orifícios recuperada na Guia, em Cascais (seg. Carvalho e Freire, 2007, p. 6).
Fig. 150 – Âncora lítica de 1 orifício recuperada no Algarve (seg. Carvalho e Freire, 2007, p. 6).
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
134
7.2. O Sado e o “Porto(inho)” da Arrábida
“A Arrábida é a maior quebra de direcção do litoral ocidental português”. Orlando Ribeiro, 2004
De facto, considerando a incontornável realidade decorrente da epígrafe supracitada,
ou seja: que qualquer embarcação proveniente de sul, depois de dobrar o Cabo de São
Vicente/Sagres e seguindo para norte, necessariamente à vista da costa, incorre na
inevitabilidade de “esbarrar” no litoral da Arrábida – acidente orógeno que conduz
naturalmente os marinheiros para a convidativa placidez das águas do Sado6.
À margem desta “intemporal” observação, e por hora, ainda não existem dados
arqueológicos, na forma de directos indicadores, relativos a antigas embarcações ou estruturas
de apoio à navegação na costa da Arrábida. Contudo, a sua aparente ausência não deverá
implicar uma total inexistência. A actual “invisibilidade arqueográfica” destas actividades
deverá prender-se com a falta de uma investigação dirigida, que por muito aprofundada que
seja, nunca poderá garantir sucesso nestas submersas matérias.
Tendo em conta os seus progressivos fenómenos de assoreamento, o paleoestuário do
Rio Sado terá conhecido uma antiga e muito mais vasta configuração, cuja navegabilidade
propiciou, seguramente, actividades náuticas, nomeadamente durante a Proto-História,
melhor documentadas (ainda que de forma indirecta) no decorrer da Idade do Ferro e época
romana. Os dados disponíveis parecem indicar que, no decorrer da Idade do Ferro, a foz do
Sado se fixaria nas margens da Herdade do Pinheiro (Silva, 1990, p. 121), enquanto a
península de Tróia seria menos prolongada, terminando no seu núcleo romano – “Caldeira”.
Até aos anos de 1970, o Sado foi navegável até ao interior alentejano, tendo em Porto
de Rei o seu porto-limite de navegabilidade, a cerca de 46 km da foz atlântica. Constitui um
vasto complexo hidrográfico, com cerca de 70 km de extensão no seu troço vestibular,
intimamente relacionado com a Serra da Arrábida que o limita a norte (Arruda, 1999-2000, p.
21). Na sua antiga configuração litoral, de estuário mais vasto, Alcácer do Sal terá assumido
funções de terminus fluvio-portuário, com navegação directa até ao litoral (à imagem de
Santarém para o paleoestuário do Tejo). Na sua desembocadura, Caetobriga (Setúbal) e a
Tróia romana terão assumido um papel de terminus oceano-portuário.
Nas décadas de 60/70 do século passado, ainda era possível observar a regular
circulação de grandes embarcações tradicionais, de considerável calado e aparelhando velas
“caranguejas” (quadrangulares), designadamente Hiates, Laitaus e, sobretudo, Galeões do 6 Caso o destino seja o Tejo, e em alternativa à entrada no estuário do Sado, a Arrábida proporciona excelentes pontos de escala com abrigados fundeadouros, particularmente nas suas duas principais baías – Sesimbra e Portinho da Arrábida. De facto, entre o Cabo de São Vicente/Sagres e a Arrábida são escassos os possíveis pontos de escala e abrigo: Foz do Mira, Ilha do Pessegueiro, Sines, Melides (provável porto no interior de um antigo braço de mar, hoje transformado em lagoa).
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
135
Sal. Estas serviam as grandes herdades do Baixo Sado e asseguravam o transporte fluvial e a
comunicação entre estes centros produtores e os entrepostos portuários de Alcácer e de
Setúbal, entretanto e progressivamente condenadas à substituição pela camionagem e
caminhos-de-ferro. De entre as cargas que transportavam destaca-se o sal e os cereais,
sobretudo o arroz. Este modelo poderá ter tido uma génese bem remota, à imagem do
documentado noutras paragens, designadamente no Rio Humber, na Grã-Bretanha (vide
supra).
Estudos paleoambientais, nomeadamente palinológicos, proporcionaram importantes
informações para a interpretação do sítio inter-estuarino de North Ferriby. Tendo em conta
que o pólen arbóreo já se manifestava relativamente raro durante a Idade do Bronze, a área
deverá ter sido desmatada para pastagem e cultivo extensivos, o que demonstra que a
exploração agropecuária do sapal e do seu ambiente estuarino já era uma realidade durante
este período (Wright e Churchill, 1965). Na área de North Ferriby, também foram
identificadas numerosas pegadas “fossilizadas” de animais, atribuídas a uma extensa
actividade de pastoreio nas suas ricas pastagens (Van de Noort e Fletcher, 2000).
Posto isto, e regressando em definitivo à Arrábida e à sua envolvente, o Sado e o
Portinho ter-se-ão afigurado, desde cedo e muito naturalmente, como privilegiados pontos de
contacto com o Oceano, a meio caminho entre o mundo mediterrâneo e o mundo atlântico,
ligando-os numa efectiva “placa giratória”, colectora, aglutinadora e (re)distribuidora de
novos modelos/valores culturais e tecnológicos.
Mesmo na ausência de provas directas, o Portinho da Arrábida oferece-nos um
conjunto de sugestivos indícios para uma remota actividade portuária. Desde logo o próprio
topónimo “Portinho” e as suas características naturais e geomorfológicas; o fácil acesso a
uma franca disponibilidade loco-regional de recursos naturais, destacando-se a proximidade
de fontes de água, boa capacidade de solos, boas áreas de pastoreio, facilidade na recolecção
marisqueira e abundância e diversidade pesqueira e cinegética; o povoado do Bronze Final da
Serra da Cela, implantado de forma demasiado óbvia enquanto presumível estrutura de apoio,
domínio e controlo sobre o ancoradouro e as suas vias de aproximação; a proximidade à
grande via do Sado e às ribeirinhas implantações orientalizantes de Abul e Alcácer (e
Caetobriga?), além das suas suspeitáveis áreas de produção agro-pecuária e salineira; por
último, as evidências arqueológicas do complexo de salga de produtos piscícolas do Creiro
(estabelecimento de fundação romana, laborando entre o século I e o século V d.C.,
reactivado no século XII, já em época islâmica – Silva e Coelho-Soares, 1987), arqueossítio
que comprova a actividade portuária no Portinho desde, pelo menos, época romana.
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
136
Assim, o Portinho, controlado pelo povoado da Serra da Cela, e a presumível rede de
povoamento da Idade do Bronze no seu hinterland, deveriam ser beneficiados por contactos
que a relativa marginalidade das suas gentes doutro modo dificilmente aspiraria – a
excepcionalidade do caso da Roça do Casal do Meio pode ser vista agora desta perspectiva.
Neste sentido, o Portinho surge como o melhor candidato a um “porto” do Bronze
Final, em directa relação, qual “porta do mar”, com a principal zona de povoamento coevo
identificada na Arrábida, implantado ao longo de uma área definida entre este, a Serra do
Risco e Pedreiras. Esta “porta”, aberta a sul, ligava a Arrábida à grande via fluvial do Sado,
ao Atlântico e, através deste, ao Mediterrâneo. Era defendida directamente pela Serra da Cela
e controlada pela “atalaia” de Valongo, no topo da Arrábida. Papel análogo e complementar,
mas já para a Idade do Ferro, poderá ter sido desempenhado pela baía de Sesimbra, em cujo
hinterland aparentemente se desenvolveu o principal povoamento atribuível a este período.
Justamente e a este propósito, parece aflorar uma verdadeira “diferenciação
territorial”, marcada a partir dos dois principais pólos portuários da Serra da Arrábida – a baía
de Sesimbra e a baía do Portinho (ver fig. 9). Desenvolvendo esta ideia, tendo por base os
dados disponíveis, parece que o povoamento indígena do Bronze Final se relacionou
claramente com o Portinho da Arrábida (a “porta do mar”, o “caminho do peixe”); enquanto,
na 1.ª Idade do Ferro, os dois núcleos de povoamento identificados parecem concentrar-se na
vertente nascente do vale de Sesimbra, sobre a sua baía: um primeiro no sopé da Serra da
Achada, no sítio da Meia Velha, dominando visualmente a baía e distando perto de 3 km da
necrópole de cistas da “1.ª Idade do Ferro” (?) do Casalão, no topo da “nascente” do vale; e o
segundo, mais interior, nas Pedreiras – Casa Nova.
De acrescentar que ambos os sítios fixaram-se a pouco mais de 1 km da Lapa da
Cova. Nesta ordem de ideias, de referir, ainda, que no “povoado portuário” da Serra da Cela,
os materiais identificados à superfície, passíveis de enquadramento em cronologias da Idade
do Ferro, são muito residuais (um bordo exvertido e um fundo em “pé de anel”, no total de
quatro fragmentos), face à totalidade de uma boa amostra de materiais relativos ao Bronze
Final.
Segundo Ana Margarida Arruda, alguns sítios da costa portuguesa apresentam boas
condições portuárias de ordem natural, com baías e enseadas onde as embarcações podiam
fundear ou atracar, protegidas dos ventos e correntes marítimas. Estas favoráveis condições
seriam naturalmente exploradas pelas comunidades indígenas, sobretudo nas suas actividades
mais primárias, restando-nos saber se estes potenciais portos se associam a áreas com
interesse económico, particularmente para os comerciantes fenícios (Arruda, 1999-2000, p.
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
137
30).
Em épocas em que os transportes terrestres eram lentos, onerosos, inseguros ou
totalmente impraticáveis ou inexistentes, os pequenos portos terão assumido, assim, uma
fundamental importância para as locais economias de subsistência. É neste contexto, e
segundo esta perspectiva, que o presente discurso pretende enquadrar o “Porto(inho) da
Arrábida” – “dada a importância dos portos no abastecimento dos centros urbanos mais
próximos, não podíamos deixar de lado esses enclaves costeiros que, tanto em contexto
fluvial, como oceânico numa versão estuarina, funcionam como órgãos vitais para o
desenvolvimento, ou mesmo para a formação dos centros urbanos” (Blot e Blot, 2003, p. 55).
Porém, o assoreamento da foz do Sado, em marcha desde o Neolítico Médio,
intensificado em picos de desenvolvimento populacional documentados em época romana e
perto do século XV (Blot e Blot, 2003, p. 40-42), terá sedimentado os presumíveis vestígios
arqueológicos precedentemente produzidos ao longo das margens estuarinas e foz deste rio.
Este fenómeno é bem evidente na praia do Portinho. Hoje, é fácil observar, a partir dos
panorâmicos miradouros da encosta sul da Arrábida, uma extensa e alongada língua de areia
que se arrasta de montante, a partir da praia da Figueirinha, até ao “golfo” do Portinho, e que
ao longo dos últimos anos tem visivelmente crescido, aflorando na maré-baixa sob a forma de
ilha (“cabeço”). Assim, quaisquer indícios de antigas actividades náuticas na praia do
Portinho, a existirem, encontram-se bem ocultos pelas areias transportadas da bacia do Sado.
Ainda assim, e recuperando uma sugestiva observação que, por muito remota que seja,
merece neste contexto um futuro esclarecimento: na linha de praia do Portinho desenha-se um
“conveniente” alinhamento pétreo, formado por um conjunto de grandes blocos calcários que,
independentemente de ter tido uma origem geológica (rolamento da vertente da Serra) ou
antrópica, facilmente poderá ter servido para o apoio portuário – pequeno “pontão” (fig. 153).
Em suma, o Portinho da Arrábida (e provavelmente, numa segunda fase, também
Sesimbra), terá constituído, não só um privilegiado “caminho do peixe” (Gonçalves, 1966, p.
9) dirigido ao interior da “Península da Arrábida”, mas também, e sobretudo, um pólo de
contactos e dinâmicas que a ainda ténue evidência arqueológica começa a revelar.
Os bem documentados contactos orientalizantes, direccionados prioritariamente ao
estuário do Sado (Arruda, 1999-2000, p. 98), podem bem ter começado pelo litoral da
Arrábida, ainda que de forma “silenciosa” em termos de registo arqueológico, tanto mais que
as características tipológicas dos bronzes da Roça do Casal do Meio parecem remeter para um
precoce contacto mediterrâneo. Uma primeira contribuição para o esclarecimento desta
questão pode bem passar pelo estudo arqueometalúrgico das ligas constituintes destas peças,
A Arrábida no Bronze Final – a Paisagem e o Homem
138
o que poderá permitir diferencia-las, quer como cópias indígenas, quer como importações
(Valério, et al. 2012).
Fig. 151 – A presumível rota das navegações proto-históricas Mediterrâneo-Arrábida-Sado (imagem editada em Google Earth).
Fig. 152 – Vista nascente da linha de praia do Portinho da Arrábida e Pedra da Anicha (foto de R. Soares).
Fig. 153 – Vista poente da linha de praia do Portinho, com a Serra da Cela à direita e um sugestivo alinhamento pétreo, bem visível no canto inferior esquerdo da imagem (foto de R. Soares).
Fig. 154 – Praia da Ilha do Pessegueiro/Sines (foto de R. Soares). Fig. 155 – Praia do Martinhal/Sagres (foto de R. Soares).
Fig. 156 – Vista poente da enseada do Portinho da Arrábida, com a Serra da Cela ao centro da imagem e o actual fundeadouro na sua “sombra” (foto de R. Soares).
Designação do Sítio Tipo de sítio Cronologias Vestígios Bibliografia Coordenadas geográficas
Terras do Risco/Meio Marmitas Pedreiras (Serra do Risco/Sesimbra)
Grande povoado aberto/complexo de “casais-agrícolas”
- Bronze Final - Cerâmica manual: bordos simples, fundos planos, carenas, mamilos, perfurações - Elemento de foice em sílex
- Calado et al., 2009 38°27'38.05"N 9° 2'5.54"W
Castelo dos Mouros (Serra da Arrábida/Setúbal)
Povoado fortificado de altura
- Calcolítico Final(?) - Bronze Final - “Finais da Idade do Ferro/Período Republicano(?)”
- Cerâmica campaniforme com decoração incisa(?) - Cerâmica manual do Bronze Final: bordo simples, fundos planos, carenas e mamilos
- Rasteiro, 1897 - Silva e Soares, 1986 - Silva e Gomes, 1992 - Ferreira et al., 1993 - Cardoso, 2000 - Calado et al., 2009
38°29'17.32"N 8°59'50.54"W
Serra da Cela (Serra da Arrábida/Setúbal)
Povoado fortificado de altura/“portuário”(?)
- Bronze Final - Idade do Ferro
- Seixos e lascas talhados em quartzito e quartzo leitoso, percutor em basalto, movente discóide - Cerâmica manual: bordos simples, fundos planos, perfis em “S”, taças carenadas, mamilos, perfurações, brunidos não ornatados - Cerâmica a torno: pastas claras, depuradas, um bordo exvertido e um fundo em “pé de anel”
- Costa, 1907 - Ferreira et al., 1993 - Ricardo Soares, 2009
38°28'22.77"N 8°59'12.54"W
Valongo I (Serra da Arrábida/Setúbal)
Povoado fortificado de cumeada
- Bronze Final - Cerâmica manual: carenas, perfil em “S” - Fragmento de braçal de arqueiro (ocasional)
- Inédito 38°29'39.93"N 8°58'20.05"W
Valongo II – “Atalaia” (Serra da Arrábida/Setúbal)
“Posto de atalaia” - Bronze Final - Cerâmica manual - Inédito 38°29'31.85"N 8°58'27.94"W
Bico dos Agulhões (Serra da Arrábida/Setúbal)
“Posto de Atalaia”(?) Povoado?
- Bronze Final(?) - Idade do Ferro(?) - Republicano(?)
- Cerâmica manual - Cerâmica a torno: bordos exvertidos - Estrutura(?)
- Base de Dados Endovélico
38°27'29.97"N 9° 0'37.84"W
Quinta do Picheleiro (Serra da Arrábida/Setúbal)
“Casal agrícola” - Bronze Final - Cerâmica manual: fragmento de bojo com arranque de mamilo, bordo simples - Elemento de foice em sílex
- Inédito 38°30'26.79"N 8°58'31.78"W
Ouriços 2 (Terras do Risco)
Povoado - Neolítico Final/Calcolítico
- Fragmentos de cerâmica manual - Lascas de quartzo e quartzito
- Calado et al., 2009, p. 99
38°27'29.06"N 9° 1'33.20"W
Meia Velha (Serra da Achada/Sesimbra)
Estação de ar livre - Bronze Final - 1.ª Idade do Ferro
- Cerâmica manual - Cerâmica a torno: asa de rolo e bordos exvertidos - Restos de muros de aparelho calcário, desenhando um ângulo recto
- Calado et al., 2009, p. 123
38°26'31.18"N 9° 5'1.52"W
Casa Nova (Pedreiras/Sesimbra)
Estação de ar livre - Bronze Final - 1.ª Idade do Ferro
- Cerâmica manual: bordos simples e fundos planos - Cerâmica a torno de pastas claras: bordos exvertidos - Estrutura pétrea de cronologia e função indeterminadas
- Calado et al., 2009, p. 89
38°27'4.60"N 9° 3'50.29"W
Caetobriga (Setúbal) – Colina de Santa Maria (área urbana)
Povoado - Bronze Final - 1.ª Idade do Ferro
- Cerâmica manual de feição indígena - Cerâmica “orientalizante” de engobe vermelho - Cerâmica ibero-turdetana e ânforas ibero-púnicas
- Silva e Soares, 1978; 1986 - Silva, 1990 - Silva e Gomes, 1992 - Ferreira et al., 1993 - Arruda, 1999-2000 - Cardoso, 2000 - Soares, 2000
38°31'26.05"N 8°53'13.50"W
Roça do Casal do Meio (Terras do Risco/Sesimbra)
Necrópole Tholos
- Neolítico Final/Calcolítico - Bronze Final
- Dois enterramentos - Três recipientes de cerâmica manual: vaso bicónico com reticula brunida e duas taças carenadas - Objectos de bronze: fíbula, anel, colchete de cinturão e duas pinças - Pente de marfim - Duas cabras e dois carneiros (depósito votivo)
- Spindler et al., 1973-74 - Silva e Soares, 1986 - Serrão, 1994 - Silva e Gomes, 1992 - Arruda, 1999-2000 - Vilaça e Cunha, 2005
38°27'46.29"N 9° 2'13.12"W
- Harrison, 2007 - Calado et al., 2009
Lapa do Fumo (Serra dos Pinheirinhos/ Sesimbra)
Gruta-santuário(?) Necrópole
- Neolítico Antigo - Neolítico Final - Calcolítico - Bronze Médio - Bronze Final - Medieval
- Espólio osteológico - Cerca de 20 vasos com “ornatos brunidos”
- Serrão, 1958, 1973, 1975, 1994 - Silva e Soares, 1986 - Calado et al., 2009
38°26'2.07"N 9° 8'39.56"W
Lapa da Furada/Piolho (Serra da Azóia/Sesimbra)
Gruta-santuário(?) Necrópole
- Calcolítico - Bronze Médio - Bronze Final(?)
- Ossuário de deposição secundária - Cerâmica manual da Idade do Bronze: taças carenadas, perfis em “S”, fundos planos, “tronco-cónicos”, “cepilhados”, bordos exvertidos, lábios digitados, cordões plásticos
- Serrão, 1962, 1994 - Cardoso, 1993, 1997 - Cardoso e Cunha, 1996 - Calado et al., 2009
38°25'45.88"N 9°10'28.24"W
Gruta do Médico (Vale do Solitário/Serra da Arrábida/Setúbal)
Gruta-santuário(?) Necrópole
- Bronze Final - Cerâmica manual: bordo simples, fundo plano e brunidos - Vestígios osteológicos humanos (duas vértebras lombares e dentes)
- Inédito 38°28'6.57"N 8°59'50.89"W
Lapa da Cova (Serra do Risco/Sesimbra)
Gruta-santuário - Bronze Final - 1.ª Idade do Ferro
- Cerâmica manual, incluindo um mamilo alongado no acesso poente - Cerâmica a torno, sobretudo grandes recipientes - Artefactos de bronze e ouro - Contas de colar em diversos materiais
- Inédito 38°26'25.66"N 9° 3'51.44"W
Abrigo do Cabo de Ares (Serra da Achada/Sesimbra)
Lapa/abrigo - Bronze Final - Cerâmica manual - Inédito 38°26'24.45"N 9° 3'53.24"W
Lapa do Forte do Cavalo (A) (Sesimbra)
Gruta-santuário(?) Necrópole(?)
- Bronze Final - 1.ª Idade do Ferro
- Cerâmica manual - Cerâmica a torno, incluindo bordos
- Calado et al., 2009, p. 119
38°26'6.62"N 9° 7'15.42"W
Lapa da Janela I (Vale das Lapas/ Serra da Azóia/Sesimbra)
Gruta-santuário(?) - Bronze Final - 1.ª Idade do Ferro
- Cerâmica brunida - Cerâmica a torno: bordos exvertidos e asas de rolo
- Calado et al., 2009, p. 115
38°25'36.26"N 9°10'33.31"W
Lapa da Janela II (Vale das Lapas/ Serra da Azóia/Sesimbra)
Gruta-santuário(?) - Pré/Proto-História (?)
- Lascas de sílex e quartzito - Cerâmica manual
- Calado et al., 2009, p. 115
38°25'39.40"N 9°10'33.14"W
Lapa do Mosquito (Sesimbra)
Gruta-santuário(?) - Pré/Proto-História - Cerâmica manual - Calado et al., 2009, p. 121
“Cara do Cabo - Cabo Espichel (Azóia/Sesimbra)
Abrigos - Bronze Final(?) - 1.ª Idade do Ferro (?)
- Cerâmica manual - Cerâmica a torno
- Calado et al., 2009, p. 105
Algar das Aranhas (Serra da Arrábida/Setúbal)
Algar/gruta-santuário(?)
- Em desobstrução: cronologia desconhecida mas em provável relação como o povoado de Valongo
(?) - Inédito 38°29'38.64"N 8°58'4.25"W
Abrigo de Valongo (Serra da Arrábida/Setúbal)
Abrigo - Bronze Final(?) - Cerâmica manual decorada - Inédito
Tabela dos sítios tratados no âmbito do presente trabalho.
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