A Arte Da Improvisa o de Nelson Faria Influ Ncias Na Pedagodia Da m Sica Popular Brasileira
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS UFMG ESCOLA DE MSICA
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM MSICA
Felipe Boabaid Guerzoni
A Arte da Improvisao de Nelson Faria: Influncias na pedagogia da msica popular brasileira
BELO HORIZONTE
2014
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS UFMG ESCOLA DE MSICA
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM MSICA
Felipe Boabaid Guerzoni
A Arte da Improvisao de Nelson Faria: Influncias na pedagogia da msica popular brasileira
BELO HORIZONTE
2014
Dissertao submetida como requisito
parcial para a obteno do ttulo de
Mestre em Msica.
Linha de Pesquisa: Processos analticos e
criativos.
Orientador: Professor Dr. Oiliam Jos
Lanna
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G929a Guerzoni, Felipe Boabaid
A Arte da Improvisao de Nelson Faria: influncias na pedagogia da msica popular brasileira / Felipe Boabaid Guerzoni. --2014.
173 fls., enc.; il. Dissertao (mestrado) Universidade Federal de Minas Gerais, Escola de Msica. Orientador: Prof. Dr. Oiliam Lanna
1. Improvisao (Msica). 2. Msica popular Instruo e ensino. 3. Faria, Nelson. I. Lanna, Oiliam. II. Universidade Federal de Minas Gerais. Escola de Msica. III. Ttulo.
CDD: 780.911
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Agradecimentos
Gostaria de expressar os meus sinceros agradecimentos s pessoas que estiveram ao meu
lado durante este perodo no mestrado. Aos meus pais Humberto e Christiane, minha
esposa Vanessa, meu filho Leonardo e minha sogra Lena.
Em especial, gostaria de agradecer ao meu orientador Prof. Dr. Oiliam Jos Lanna por ter
acreditado na relevncia desta pesquisa e pela didtica ao conduzir as orientaes.
Agradeo tambm ao Prof. Dr. Clifford Korman pela tutoria durante a minha fase como
bolsista, pelas conversas, troca de experincias, dicas durante a qualificao e
principalmente pela compreenso.
Gostaria de agradecer professora Edite Rocha por ter contribudo com a sua experincia e
por ter ofertado a sua disciplina, ferramentas tecnolgicas para pesquisa em msica
alavancando de forma significativa o meu trabalho.
Ao autor do objeto de pesquisa, Nelson Faria, pela presena constante durante o percurso
da pesquisa.
Aos participantes, Ian Guest e Roberto Menescal, pela colaborao com ricas informaes,
tornando possvel a realizao desta pesquisa.
Aos participantes do questionrio que se disponibilizaram a responder o mesmo
contribuindo para a realizao deste trabalho.
Aos funcionrios da EMUFMG pelo profissionalismo.
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Resumo
At a dcada de 1990 os processos de improvisao musical no campo da
msica popular brasileira ocorriam predominantemente de forma intuitiva.
Diante deste cenrio, Nelson Faria publicou o primeiro livro sobre o assunto no
Brasil mudando o conceito de improvisao vigente na poca. Busca-se nesta
pesquisa investigar quais foram os reflexos da publicao deste mtodo em
msicos que a ele tiveram acesso, analisar os processos de improvisao
sistematizados pelo autor, bem como relacionar o declnio desta prtica
ocorrido na Europa Ocidental com a realidade das Universidades brasileiras.
Palavras chave: Nelson Faria. Improvisao musical. Msica popular
Abstract
Until the 1990s, the process of musical improvisation in the field of brazilian
popular music occurred predominantly intuitively. In this scenario, Nelson
Faria published the first book about the subject in Brazil changing the
prevailing concept of time. Search this research is to investigate the processes
of improvisation systematized by the author as well as relating the decline of
this practice occurred in Western Europe with the reality of Brazilian
Universities.
Keywords: Nelson Faria. Musical Improvisation. Popular music
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Sumrio
Introduo ............................................................................................................................. 12
Metodologia .......................................................................................................................... 19
1. O que improvisao? ................................................................................................. 24
2. Breve histrico da improvisao na msica erudita da Europa Ocidental ................... 33
3. A insero do trabalho de Nelson Faria frente ao panorama geral da improvisao do Brasil. .................................................................................................................................... 51
4. Processos de improvisao na msica popular ............................................................. 59
4.1. Interao ............................................................................................................. 59
4.2. Ferramentas comuns aos processos de composio e improvisao.................. 65
4.3. Improvisao por centro tonal ............................................................................ 72
4.4. Improvisao por escala de acorde..................................................................... 85
5. Anlise do mtodo a arte da improvisao associado minha experincia. ................ 95
Concluso ........................................................................................................................... 144
Referncias bibliogrficas .................................................................................................. 147
Anexos ................................................................................................................................ 151
1. Questionrio ............................................................................................................... 151
1.1. Resultados do questionrio Grficos ............................................................. 156
2. Depoimentos ............................................................................................................... 162
2.1. Depoimento concedido por Ian Guest. ............................................................. 162
2.2. Depoimento concedido por Roberto Menescal. ............................................... 170
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ndice de tabelas
Tab. 1. Listagem de terminologias sobre improvisao ....................................................... 31
Tab. 2. Sntese de Dauelsberg a partir da listagem de terminologias de Blum .................... 31
ndice de Figuras
Fig. 1. Canto Gregoriano Gradual Verse Domine refugium und Ad annuntiandum ........ 38
Fig. 2. Exemplo de baixo contnuo. Recitativo da Cantata BWV 140 de Bach. .................. 41
Fig. 3. J.C. Bach: Cara la dolce fiamma de Adriano in Siria, com a verso embelezada por
Mozart. Fonte: Grove on-line ............................................................................................... 44
Fig. 4. Exemplo de sequncia de notas em segundas, teras e quartas. ............................... 66
Fig. 5. Exemplo de exerccios em sextas extrado do mtodo para piano Hanon. ............... 66
Fig. 6. Sujeito da Fuga da Sonata Op. 110 de Beethoven. ................................................... 67
Fig. 7. Exemplo: Bright Size Life. ....................................................................................... 68
Fig. 8. 5 Sinfonia de Beethoven. Reduo para piano. ........................................................ 69
Fig. 9. Escala executada em teras, quartas, quintas, sextas, stimas e oitavas. .................. 70
Fig. 10. Execuo a partir de fragmentos da escala.............................................................. 70
Fig. 11. Exemplo de progresso harmnica na tonalidade de D maior. ............................. 72
Fig. 12. Exemplo de progresso harmnica extrado do mtodo A Arte da Improvisao. . 73
Fig. 13. Exemplo do 1 e 4 sistema exemplificado por Faria. ............................................ 74
Fig. 14. Exemplo: Tune Up .................................................................................................. 75
Fig. 15. Exemplo dos trs campos harmnicos originados pelas trs escalas menores. ...... 77
Fig. 16. Exemplo de progresso harmnica contemplando as trs escalas menores. ........... 78
Fig. 17. Exemplo de encadeamento Im IV7 na msica A Fonte Secou de Monsueto
Menezes, Tufic Lauar e Marcelo. ......................................................................................... 79
Fig. 18. Exemplo de encadeamento Im IV7 na msica Beautiful Love de Victor Young. 80
Fig. 19. Progresso harmnica do 4 sistema da Fig. 16. ..................................................... 81
Fig. 20. Exemplo de acordes comuns aos campos harmnicos da escala menor natural e
harmnica. ............................................................................................................................ 81
Fig. 21. Campo harmnico de Si maior. ............................................................................... 82
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Fig. 22. Campo harmnico de Mi ldio ................................................................................ 82
Fig. 23. Exemplo de progresso harmnica no modo frgio. ............................................... 83
Fig. 24. Comparao entre os campos harmnicos de d menor e d frgio. ....................... 84
Fig. 25. Exemplo da escala de D maior com estrutura numrica e a estrutura de tom e
semitom. ............................................................................................................................... 85
Fig. 26. Exemplo da escala de R drico com a estrutura numrica e a estrutura de tom e
semitom. ............................................................................................................................... 86
Fig. 27. Exemplos dos intervalos em relao fundamental na escala de D maior. .......... 86
Fig. 28. Escala de Sol maior com estrutura numrica e de tons e semitons. ........................ 87
Fig. 29. Exemplo da estrutura numrica e de tons e semitons com base na escala de Sol
maior. .................................................................................................................................... 87
Fig. 30. Exemplo da escala de D maior com a estrutura numrica e de tons e semitons. .. 87
Fig. 31.Exemplo da escala de D mixoldia com a estrutura numrica e de tons e semitons.
.............................................................................................................................................. 88
Fig. 32. Comparao entre as escalas de Sol maior e Sol mixoldio. ................................... 88
Fig. 33. Exemplo dos modos gregos oriundos da escala de D maior. ................................ 89
Fig. 34. Trecho da msica Crystal Silence de Chick Corea ................................................. 90
Fig. 35.Trecho da msica Mevlevia de Mick Godrick ......................................................... 91
Fig. 36. Exemplo de trade.................................................................................................... 92
Fig. 37. Exemplo de ttrade. ................................................................................................. 92
Fig. 38. Exemplo de ttrade com notas de tenso. ............................................................... 93
Fig. 39. Exemplo da escala Drica com as extenses. ......................................................... 93
Fig. 40. Exemplo dos modos gregos a partir da tnica D. .................................................. 94
Fig. 41. Campo harmnico de D maior .............................................................................. 96
Fig. 42. Ciclo de quartas ascendente. ................................................................................... 97
Fig. 43. Progresso com a distncia de um tom entre as tonalidades ................................... 98
Fig. 44. Notas caractersticas das funes harmnicas nas tonalidades maior e menor. ...... 99
Fig. 45. Funes harmnicas nas tonalidades maior e menor. ........................................... 100
Fig. 46. Ciclo de quintas. .................................................................................................... 101
Fig. 47. Encadeamento V7sus4 V7. ................................................................................ 102
Fig. 48. Posio do trtono na escala de D maior. ............................................................ 104
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Fig. 49. Resolues do trtono. ........................................................................................... 104
Fig. 50. Equivalncia funcional dos acorde para resoluo. .............................................. 104
Fig. 51. Equivalncia SubV e V7(alt)................................................................................. 104
Fig. 52. Quadro de escalas pentatnicas aplicveis ao acorde de C7M/6. ......................... 110
Fig. 53. Ilustrao da simetria entre as escalas diminutas. ................................................. 113
Fig. 54. Escala diminuta T/ST ............................................................................................ 113
Fig. 55. Escala diminuta ST/T ............................................................................................ 113
fig. 56. Frase nmero 21 extrada do livro A Arte da Improvisao. ................................. 114
Fig. 57. Frase nmero 23 extrada do livro A Arte da Imporovisao. .............................. 114
Fig. 58. Ilustrao da equivalncia entre as escalas de tons inteiros. ................................. 115
Fig. 59. Escala de tons inteiros. .......................................................................................... 115
Fig. 60. Exemplo extrado do livro A Arte da Improvisao. ............................................ 116
Fig. 61. Exemplo de opes de escalas a serem empregadas no encadeamento IIm7 V7
I7M na tonalidade de D maior. ......................................................................................... 118
Fig. 62. Exemplos de opes de escalas pentatnicas para os respectivos acordes Dm7, G7
e C7M. ................................................................................................................................ 120
Fig. 63. Arpejos diminutos e dominantes propostos por Faria. .......................................... 122
Fig. 64. Quadro geral de opes de arpejos (ttrades) para IIm7 G7 I7M. .................. 123
Fig. 65. Quadro geral de opes de arpejos (trades) para IIm7 V7 I7M. .................... 125
Fig. 66. Exemplo de emprego do arpejo Gb (SubV) no acorde de C7(b9). ....................... 126
Fig. 67. Exemplo da nota pedal G durante o encadeamento dos arpejos. .......................... 126
Fig. 68. Quadro geral de opes de escalas para IIm7(b5) V7 Im. .............................. 127
Fig. 69. Exemplo de posicionamento das notas de tenso em escalas pentatnicas. ......... 128
Fig. 70. Quadro geral de arpejos (ttrades) para IIm7(b5) V7 Im. ............................... 130
Fig. 71. Quadro geral de opes de arpejos (trades) para IIm7(b5) V7 Im. ................ 132
Fig. 72. Frase 45. Fonte. A Arte da Improvisao. ............................................................ 133
Fig. 73. Frase 48. Fonte. A Arte da Improvisao. ............................................................ 133
Fig. 74. Progresso 14. Pgina 1. Fonte. A Arte da Improvisao. .................................... 135
Fig. 75. Progresso 14. Pgina 2. Fonte. A Arte da Improvisao ..................................... 136
Fig. 76. Msica Garota de Ipanema. Fonte. The Real Book. ............................................. 137
Fig. 77. Progresso 15. Fonte. A Arte da Improvisao. .................................................... 138
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Fig. 78. Msica Beijo Partido. Fonte. Songbook 4, p. 53. ................................................. 139
Fig. 79. Msica Beijo Partido. Fonte. Songbook 4. p. 54 .................................................. 140
Fig. 80. Exemplo do Solo 1. Fonte: A Arte de Improvisao. ........................................... 141
Fig. 81. Frase sobre a escala de Ab diminuta. .................................................................... 141
Fig. 82. Frase com notas de aproximao cromtica. ......................................................... 142
Fig. 83. Exemplo de motivo com a distncia de uma tera menor. .................................... 142
Fig. 84. Exemplos de arpejos de G e Db intercalados. ....................................................... 142
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Introduo
Em minha trajetria como msico, a necessidade de analisar e compreender como ocorriam
os processos de improvisao no campo da msica popular sempre foi uma constante.
Durante o meu convvio com colegas de trabalho, predominava a ideia de que a habilidade
de se improvisar era algo que nascia com o msico. Segundo Roberto Menescal, um
privilgio para poucos. Durante a minha formao, procurei ter uma base ampla, que
contemplasse tanto a msica popular quanto a erudita, acreditando que uma
complementasse a outra e que a base de qualquer formao musical deveria partir da
formao erudita, com a ideia de que o virtuosismo resolveria qualquer questo musical. A
partir deste pensamento, fui influenciado pelo meu pai e tambm pelo meu professor de
violo com experincia tanto na msica popular quanto erudita. No h dvidas o quo
minucioso a forma que os msicos eruditos se dedicam questo tcnica, mas fui
percebendo algumas lacunas que sero relatadas logo a seguir. Passado algum tempo, meu
prprio professor chegou concluso de que eu deveria continuar os meus estudos em uma
escola de msica de modo que eu deveria me envolver com outras disciplinas entre elas
apreciao musical, percepo, canto coral entre outras, com objetivo de ampliar o meu
conhecimento uma vez que essas disciplinas so comuns nas universidades. Sabendo
tambm sobre o meu gosto pela msica popular, o mesmo me indicou outra escola de
msica com este perfil. Sendo assim, me matriculei em duas escolas de msica em Belo
Horizonte, sendo elas a Fundao de Educao Artstica e a Promusic escola de msica,
sendo que a primeira tinha a metodologia voltada para o perfil erudito e a outra para o
popular. Passado certo tempo, constatei duas situaes metodolgicas em cada uma das
instituies em que eu estava inserido. A primeira considerava apenas aspectos tcnicos e o
repertrio no que se refere ao ensino do instrumento. Os tipos de anlise predominantes
eram aquelas voltadas apenas para a performance entre elas, fraseado, dinmica,
articulaes entre outras. As anlises voltadas para harmonia, no eram consideradas. A
segunda tratava dos aspectos da msica popular, porm de forma assistemtica
principalmente no que se refere prtica da improvisao. Apesar da existncia do ensino
da harmonia nesta segunda, a relao entre improvisao e harmonia, algo indissocivel,
no ocorria de forma conjunta e sistemtica. Desta forma, me vi em uma situao onde um
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perfil metodolgico visava questes estticas, repertrio e tcnica e o outro que tratava das
questes voltadas para a msica popular, porm de forma superficial e muitas vezes
nebulosa de forma que at mesmo o professor tinha dificuldades em justificar determinados
procedimentos e escolhas no campo da improvisao. Diante deste contexto, tive acesso ao
mtodo a Arte da Improvisao que contemplava as lacunas que eu percebia nas
instituies de ensino de msica. Outra questo percebida foi que a maioria dos msicos
populares que decidiam se aprofundar no campo da improvisao, recorriam a este mtodo.
Decidido a ingressar no curso superior de msica na escola de msica da UFMG ou da
UEMG verifiquei que o ensino da msica popular bem como os seus complementos tais
como improvisao e harmonia voltada para a msica popular no eram contemplados. Em
vez de cursar uma universidade de msica no Brasil, segui a orientao de Nelson Faria e
optei por um curso de msica que contemplasse a msica popular. Assim, decidi ingressar
em uma escola de msica nos EUA denominada Los Angeles Music Academy (LAMA),
com o objetivo de me aprofundar mais no campo da msica popular em especial o jazz
sendo este, um gnero que aborda com profundidade, questes relacionadas
improvisao. Aps o meu retorno, passei a ministrar cursos contemplando diversos temas
entre eles improvisao. Verifiquei que as dificuldades vivenciadas por mim eram tambm,
experincias vividas pelos meus alunos. Estabelecer as relaes entre harmonia e
improviso, saber analisar para empregar determinadas escalas em progresses harmnicas
ou estabelecer as relaes entre escala e acorde ou simplesmente saber o momento de
modular durante a improvisao, eram algumas das questes levantadas pelos alunos. O
que pude perceber tambm ao longo de dezesseis anos lecionando foi que a grande maioria
dos msicos brasileiros que iniciaram os seus estudos no campo da improvisao, tiveram
como ponto de partida o mtodo A Arte da Improvisao. Diante deste contexto decidi me
aprofundar no campo da musicologia e pesquisas que tratavam sobre o tema improvisao
com o objetivo de desenvolver uma pesquisa sobre o mtodo A Arte da Improvisao e as
suas contribuies, ainda nos dias atuais, apesar do acesso internet a mtodos nacionais e
importados, este livro continua sendo uma referncia para os msicos brasileiros no que se
refere ao aprendizado sistematizado da improvisao. Ao ingressar no mestrado, fui
contemplado com uma bolsa de estudos concedida pela CAPES/REUNI e tive o privilgio
de acompanhar durante a minha ps graduao o professor Clifford Korman, sendo este um
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dos responsveis pela disciplina fundamentos de harmonia. Dentre as diversas atividades
como bolsista, uma delas consistia em assistir as aulas ministradas por ele. Quando o
assunto era improvisao, presenciei questionamentos por parte dos alunos sobre o tema
improvisao. Para alguns, a improvisao partia da inspirao do msico no havendo
qualquer tipo de estudo sistemtico sobre o assunto. O prprio professor justificava a
necessidade da compreenso e estudo aprofundado sobre o tema alegando da seguinte
forma. No tenho nada contra a intuio, acho at bom. Mas quando sabemos o que
estamos fazendo fica mais interessante e as chances de erro so menores. Apesar da
histria de Faria ser semelhante minha, a de Faria tem grande relevncia pelo fato de
ningum ter explorado a lacuna que existia no ensino e na literatura da improvisao
musical no campo da msica popular.
A improvisao musical caracterizada pela criao ou composio musical durante o ato
da performance. Assemelha-se composio musical escrita no que se refere concepo
das ideias musicais. Segundo Nettl, A improvisao e a composio no so processos
opostos, mas sim dois pontos de um mesmo contnuo, separados pelo estgio de
espontaneidade, podendo ser vistos tambm como o tempo de durao entre criao
execuo (NETTL; RUSSEL, 1998, pp. 7071).
A prtica da improvisao musical uma habilidade comum nas prticas musicais, tanto do
msico popular quanto do msico erudito. Anterior escrita musical tais prticas se davam
atravs da transmisso oral estando associada no apenas s prticas musicais conforme
veremos no captulo 2. A esse respeito, Moore sustenta que a prtica da improvisao
estaria ligada no apenas msica, mas tambm a outros comportamentos criativos
culturalmente estruturados tais como conversas do dia a dia, esboos pontuais ou prosa
(MOORE, 1992a, p. 64). A prtica da improvisao foi amplamente valorizada e praticada
por msicos como Bach, Mozart e Beethoven. Dentre os diversos motivos que contriburam
para o declnio da improvisao, um deles se deve volatilidade de seu resultado, de modo
que, anterior era da fonografia, era impossvel o seu registro. Assim sendo, a
improvisao foi perdendo espao no campo da msica erudita para a composio, uma vez
que, ao contrrio da improvisao, a composio, atravs da notao, passvel de ser
reproduzida com fidelidade. Diversos autores (IAZZETTA, 2001: MARTIN, 2001:
NACHMANOVITCH: 1993, ROCHA, 2001) admitem que a improvisao comea a
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desaparecer no Ocidente medida que o sistema de notao se desenvolve (ALBINO,
2009, p. 69). Tirro sustenta que, embora os produtos da criao artstica sejam
reverentemente estudados e saboreados, o processo da criao artstica recebe muito menos
ateno, pois raramente documentada (TIRRO, 1974, p. 285).
Em meados do sculo XIX o declnio da prtica da improvisao ocorreu, de forma
marcante, na Europa Ocidental, paralelamente implementao do primeiro curso superior
de msica no Brasil, em 1848. As prticas musicais para compor a grade curricular da
UFRJ eram, em sua totalidade, de origem europeia seguindo o modelo do Conservatrio de
Paris (PAOLA; GONSALEZ, 1998, p. 44). Sendo assim, foram importadas diversas
prticas musicais consideradas relevantes na poca, exceto o ensino e a prtica da
improvisao. Esta situao prolonga-se, no sculo XX, at o a dcada de 1980 quando se
criou o primeiro curso superior de msica popular no Brasil, no Rio de Janeiro na
Universidade Estcio de S.
As Universidades so consideradas como um rgo detentor e transmissor do
conhecimento. O conhecimento musical que parte das universidades tem reflexos
importantes nos conservatrios e escolas livres de msica. Dessa forma, os conservatrios
so a rplica do que se ensina nas Universidades no que se refere s prticas musicais, ou
seja, a prtica da msica erudita e a ausncia da improvisao so comuns e uma constante.
Em escolas livres de msica, por sua vez, o ensino da msica popular comum, opondo-se
s Universidades e Conservatrios, porm como o tipo de docente atuante nessas
instituies tem a formao erudita dessa forma, pode-se afirmar com segurana que o
nico diferencial entre o estudo de msica popular e msica erudita na poca1 era o
repertrio a didtica era praticamente a mesma (ALBINO, 2009, p. 25). Pode-se
salientar que o ensino da improvisao em escolas livres de msica dava-se de forma
assistemtica, uma vez que no havia o ensino desta habilidade em universidades e
conservatrios.
Nelson Faria vivenciou esta realidade ao procurar de maneira formal o ensino desta
habilidade. A alternativa encontrada por Faria foi procurar por msicos renomados para
aprender de maneira informal como se dava o processo de improvisao musical uma vez
que as instituies no contemplavam este ensino e se contemplavam, ocorria de forma
1 Albino est tratando da dcada de 1980.
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assistemtica. Faria teve a mesma postura dos msicos de jazz norte americanos. Berliner
aponta em seu livro Thinking in Jazz que se algum deseja aprender os meandros da
improvisao jazzstica isso deve ser feito diretamente com os msicos2 (BERLINER,
1994, p. 5). O resultado dessa busca foi mais uma vez frustrada. Faria constatou que os
msicos renomados da poca aprendiam a improvisar em uma base inteiramente emprica,
predominantemente intuitiva e assistemtica.
Antes de ir para os EUA eu procurei diversos professores no Brasil, bons
improvisadores, que pudessem me ensinar a improvisar. Na verdade, em sua
totalidade, os professores que procurei, apesar de excelentes msicos, no tinham
uma boa didtica para ensinar este assunto, e na maioria dos casos, acredito, nem
eles mesmos sabiam como aprenderam essa matria. Acredito que todos vinham
da escola da prtica, onde se aprende com os prprios erros3.
Requio compartilha a mesma opinio de que o msico popular brasileiro aprendia de
forma predominantemente intuitiva ao entrevistar Sergio Benevenuto, um dos primeiros
msicos a se formar na renomada escola de msica popular norte americana denominada
Berklee College of Music. A partir do relato de Benevenuto sobre sua trajetria como
estudante de msica, percebemos como, na poca, era difcil para o msico que desejasse
trabalhar com a msica popular o acesso a informaes que lhe facilitassem o estudo
(REQUIO, 2002, p. 63).
Se eu quisesse aprender um pouco de jazz eu teria de ter a sorte de encontrar
algum, rarssimo, que tivesse o conhecimento, e geralmente aqui no Brasil,
como tambm no tinha ensino em torno disso, eram pessoas muito intuitivas. s
vezes aqueles criadores natos que criam uma barbaridade, mas no sabem colocar
essa questo pro aluno (BENEVENUTO in REQUIO, 2002, p.63).
O ensino da msica popular e tambm o da improvisao j estavam sistematizados e
estruturados nas escolas de msica norte americanas. Assim, Faria decide ingressar em um
curso intensivo em uma escola de msica norte americana Musicians Institute em Los
Angeles, com o objetivo de aprender esta habilidade.
2 If one wants to learn the intricacies of jazz improvisation, one must learn them directly from musicians
(BERLINER, 1994, p. 5). 3 Comunicao pessoal de Nelson Faria.
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Quando fui para os EUA, l encontrei uma situao bastante diversa desta,
onde os grandes msicos improvisadores sabiam claramente o que
estavam fazendo e melhor, sabiam qual o caminho deveria ser percorrido
para se atingir aqueles objetivos 4.
Retornando ao Brasil, Faria relata que recebeu convites para ministrar cursos, workshops e
tambm para lecionar na Universidade Estcio de S, a primeira instituio brasileira a
oferecer cursos voltados para a msica popular. Na poca ter a formao em msica
popular era algo que no passava pela mente das pessoas, pois a referncia era a msica
erudita ensinada em universidades seguindo o modelo europeu. Com base no acima
exposto, o msico tinha a formao acadmica erudita ou era autodidata. Como havia
pouco material escrito para msica popular e no existiam mtodos voltados para o ensino
da improvisao no Brasil, Faria teve que confeccionar apostilas para atender ao pblico da
poca. A compilao deste material se transformou no primeiro livro sobre improvisao a
ser publicado no Brasil. O livro intitulado A Arte da Improvisao foi lanado em 1991
pela editora Lumiar, hoje transferido para a editora Irmos Vitale.
Faria conhecido por difundir no Brasil, de forma sistemtica, o ensino da improvisao
em uma poca onde a prtica da improvisao ocorria de forma predominantemente
intuitiva ou assistemtica. Mais de vinte anos aps o lanamento do mtodo A Arte da
Improvisao, o mesmo continua sendo uma referncia para os msicos brasileiros no que
se refere ao aprendizado e prtica da improvisao. Diversos msicos entre eles,
profissionais, amadores, populares e eruditos o tm como referncia. Pesquisas acadmicas
sobre o tema improvisao so muito escassas no apenas no Brasil, mas tambm no
exterior. Segundo Nettl, por volta da dcada de 1960, houve uma expanso com relao s
pesquisas voltadas para a improvisao, porm o que se tem de pesquisas neste campo em
relao s outras reas da msica, permanece bem modesto. (NETTL; RUSSEL, 1998, pp.
12)
Considerando todo o contexto aqui exposto, torna-se oportuno um trabalho que permita
verificar os reflexos que o mtodo A Arte da Improvisao exerceu nos processos de
improvisao de msicos brasileiros que a ele tiveram acesso, bem como analisar os
processos didticos elaborados pelo o autor, presentes no livro, que permitiram a difuso
deste conhecimento no campo da improvisao da msica popular.
4 Comunicao pessoal de Nelson Faria
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O objetivo geral desta pesquisa investigar os reflexos e contribuies do livro A Arte da
Improvisao nos processos de improvisao musical em msicos brasileiros. Os objetivos
especficos procuram relacionar o declnio da prtica da improvisao ocorrido na Europa
Ocidental, com a ausncia do ensino desta habilidade em universidades e conservatrios
brasileiros bem como a precariedade deste ensino em escolas livres de msica. Visa
tambm ilustrar o panorama geral da prtica da improvisao no Brasil, demonstrar como
se do os processos de improvisao na msica popular, verificar as semelhanas entre
improvisao e composio e por fim, analisar os processos propostos no mtodo A Arte da
Improvisao de maneira pormenorizada.
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19
Metodologia
A metodologia desta pesquisa contempla duas abordagens em diferentes estgios.
No primeiro momento, a pesquisa adota uma abordagem quantitativa que, segundo
Menezes, considera que tudo pode ser quantificvel, o que significa traduzir em nmeros
opinies e informaes para classific-las e analis-las (SILVA; MENEZES, 2001, p. 20).
Neste momento, a pesquisa tem um objetivo descritivo que, segundo Gil,
visa descrever as caractersticas de determinada populao ou fenmeno ou o
estabelecimento de relaes entre variveis. Envolve o uso de tcnicas
padronizadas de coleta de dados: questionrio e observao sistemtica. Assume,
em geral, a forma de levantamento (GIL, 1991 in SILVA; MENEZES, 2001, p.
21).
Feito o levantamento de msicos e improvisadores que tiveram acesso ao mtodo A Arte da
Improvisao, as respostas a um questionrio fechado procuram relacionar o contedo da
pesquisa com os depoimentos de Ian Guest e Roberto Menescal, participantes
contemplados na segunda etapa desta pesquisa.
O questionrio consiste de 15 perguntas, aplicadas a 127 msicos. Enviado atravs do
Googledocs, o questionrio tem os dados obtidos e analisados de forma estatstica.
A amostragem foi obtida a partir de contato pessoal, telefnico, e-mail e redes sociais. A
partir de cada msico contatado perguntei se ele conhecia outro(s) msico(s) que tambm
tiveram acesso ao mtodo. A partir desse procedimento a amostragem foi sendo
estabelecida. Segundo Drnyei,
Amostragem por convenincia uma espcie de no-probabilstica ou de
amostragem no aleatria em que os membros da populao-alvo, como Drnyei
(2007) menciona, so selecionados para o propsito do estudo se cumprirem
determinados critrios prticos, tais como a proximidade geogrfica, a
disponibilidade em um determinado momento, a fcil acessibilidade, ou a
vontade de se voluntariar5 (FARROKHI; MAHMOUDI-HAMIDABAD, 2012, p.
785).
5 Convenience sampling is a kind of non-probability or nonrandom sampling in which members of the target
population, as Drnyei (2007) mentions, are selected for the purpose of the study if they meet certain practical
criteria,such as geographical proximity, availability at a certain time, easy accessibility, or the willingness to
volunteer (FARROKHI; MAHMOUDI-HAMIDABAD, 2012, p. 785).
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20
Neste caso, os critrios utilizados para a participao dos voluntrios a responderem a este
questionrio foram:
Ser improvisador
Ter utilizado o mtodo A Arte da Improvisao
Por outro lado, Mackey e Gass (2005) apontam que a desvantagem bvia de amostragem
por convenincia que susceptvel de ser tendenciosa. Eles advertem os pesquisadores
que a amostragem por convenincia no deve ser tomada como representativa da
populao6 (FARROKHI; MAHMOUDI-HAMIDABAD, 2012, p. 785).
Assim, a amostragem ser apenas ilustrativa e no conclusiva.
No segundo momento desta pesquisa, a abordagem utilizada tem carter qualitativo com o
objetivo exploratrio a partir de um estudo de caso. Segundo Menezes,
a pesquisa qualitativa considera que h uma relao dinmica entre o mundo real
e o sujeito, isto , um vnculo indissocivel entre o mundo objetivo e a
subjetividade do sujeito que no pode ser traduzido em nmeros. A interpretao
dos fenmenos e a atribuio de significados so bsicas no processo de pesquisa
qualitativa (SILVA; MENEZES, 2001, p. 20).
Gil aponta que,
a pesquisa exploratria visa proporcionar maior familiaridade com o problema
com vistas a torn-lo explcito ou a construir hipteses. Envolve levantamento
bibliogrfico; entrevistas com pessoas que tiveram experincias prticas com o
problema pesquisado; anlise de exemplos que estimulem a compreenso.
Assume, em geral, as formas de Pesquisas Bibliogrficas e Estudos de Caso
(GIL, 1991 in SILVA; MENEZES, 2001, p. 21).
Inicialmente idealizou-se a coleta dos dados a partir das entrevistas que seriam concedidas
por Roberto Menescal e Ian Guest. Pelo fato dos participantes estarem constantemente com
a agenda cheia e o deslocamento do mestrando ao encontro deles contribuiria para o atraso
no processo de coleta e interpretao dos dados, optou-se pela coleta de dados a partir da
6 Mackey and Gass (2005) point out that the obvious disadvantage of convenience sampling is that it is likely
to be biased. They advise researchers that the convenience sampling should not be taken to be representative
of the population (MACKEY e GASS, 2005 in FARROKHI; MAHMOUDI-HAMIDABAD, 2012, p. 785).
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21
troca de correspondncias via correio eletrnico (e-mail). Dessa forma ambos, mestrando e
convidados, concordaram com esta modalidade de entrevista.
Busca-se, no segundo momento, relacionar todo o contedo da pesquisa com o depoimento
de dois importantes nomes da msica popular brasileira sendo que ambos se encontraram
em contextos distintos. Ian Guest Hngaro radicado no Brasil desde 1957, msico,
compositor, arranjador e educador, autor de diversos livros didticos relacionados
harmonia na msica popular e arranjo. Foi diretor da escola CIGAM onde Nelson Faria foi
convidado a ministrar o curso de improvisao na dcada de 1990. Guest formou-se na
UFRJ na dcada de 1970 e no exterior pela Berklee College of Music em Massachussets
nos Estados Unidos. Foi precursor, no Brasil no ensino da msica popular (GUEST,
2013) vivenciou de perto os preconceitos da msica popular brasileira em especial nas
academias e teve acesso a uma Universidade que valorizava em sua totalidade a msica
popular. Participou diretamente na elaborao dos Songbooks, junto com Almir Chediack,
contribuindo de forma significativa para os registros que foram concomitantes com a
difuso comercial das msicas populares brasileiras. Foi introdutor do mtodo Kodaly de
musicalizao no Brasil.
Roberto Menescal msico, compositor, arranjador e produtor. Teve a sua formao
voltada mais para a prtica do que para a formao acadmica. Atuou ao lado dos nomes
mais importantes da msica popular brasileira entre eles Tom Jobim, Elis Regina, Carlos
Lyra, Caetano Veloso, Joo Bosco entre tantos outros. Presenciou de perto os processos de
composio e improvisao na poca em que a bossa nova e o jazz estavam se fundindo do
ponto de vista esttico na dcada de 1950. Contribuiu de forma significativa para a difuso
da msica popular brasileira no exterior. Segundo o site oficial de Menescal,
a batida diferente do seu violo afinado tornou-se mundialmente conhecida. Autor de canes como O Barquinho, Voc, Ns e o Mar, Bye, Bye Brasil, Telefone e outros clssicos, Menescal ajudou a levantar a bandeira do Brasil em todo mundo. Enquanto nos EUA se produzia jazz, o Brasil exportava o
swing da Bossa Nova. Em 1962, Menescal participou do famoso Concerto de
Bossa Nova no Carnegie Hall, em Nova York, ao lado de nomes como Tom
Jobim, Carlos Lyra, Joo Gilberto, dentre outros. Este concerto significou a
entrada oficial da bossa nova no exterior7 (MENESCAL, 2014).
7 http://www.robertomenescal.com.br/wpress/
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Vivenciou tambm, as investidas no campo da improvisao dos compositores e msicos
brasileiros que viam a fluncia com que os jazzistas norte-americanos improvisavam.
Algumas perguntas do questionrio foram endereadas para Menescal. No decorrer de seus
depoimentos ele nos fornecer o relato sobre a sua experincia no campo da improvisao e
a relao desta habilidade com as outras reas da msica.
A escolha desses msicos se deve, ainda, ao fato de que Ian Guest foi pioneiro no ensino da
msica popular no Brasil em um perodo onde as prticas da msica popular brasileira e
universal no eram valorizadas e havia escassez de material didtico para o aprendizado no
campo da msica popular. Roberto Menescal por sua vez, contribuiu para a difuso da
msica popular brasileira no exterior em um perodo em que o jazz e a bossa nova se
fundiam do ponto de vista esttico. Ambos, Guest e Menescal conhecem Nelson Faria bem
como os seus trabalhos inclusive o mtodo A Arte da Improvisao.
O fato de o livro A Arte da Improvisao ter sido publicado em uma poca onde os
processos de improvisao ocorriam de forma assistemtica pelos msicos populares, as
universidades e conservatrios no contemplarem esta habilidade, as escolas livres de
msica abordarem o ensino deste tema de forma assistemtica e por fim, a literatura do
ensino da improvisao no Brasil inexistir, levanta-se a questo:
O livro A Arte da Improvisao contribuiu para a sistematizao dos processos de
improvisao do msico popular?
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23
Elaborao dos captulos da dissertao
Aps a Introduo, procuro explicar no Captulo I o significado do termo improvisao fora
e dentro do contexto musical com base em dicionrios da lngua portuguesa, dicionrios de
msica e textos de musiclogos procurando expor as diferenas quando o termo
empregado em contextos distintos. No Captulo II ser exposta uma breve histria da
improvisao musical na msica erudita europeia Ocidental, a fim de expor o declnio desta
prtica na Europa, relacionando com a realidade do ensino e prtica da improvisao no
Brasil. No Captulo III, busca-se ilustrar o panorama geral da improvisao no Brasil e a
insero do mtodo de Faria neste contexto. O captulo IV busca ilustrar como se d o
processo de improvisao na msica popular. Este captulo se subdividir em quatro sees.
A primeira trata da forma de como os msicos se interagem durante o momento da
improvisao. A segunda procura ilustrar as ferramentas comuns existentes nos processos
de composio e improvisao. A terceira busca explicar como se d o processo de
improvisao por centro tonal e a quarta e ltima explica como se d a improvisao
atravs da relao entre escala e acorde. No Captulo 5 ser feita uma anlise
pormenorizada do mtodo A Arte da Improvisao, relacionando o contedo abordado com
a minha experincia como professor e estudante. Como metodologia de pesquisa, os dados
quantitativos do questionrio sero cruzados com os dados qualitativos dos depoimentos.
Nas consideraes finais, verificar-se- se a problemtica e os objetivos propostos foram
atendidos.
Logo aps sero apresentadas as referncias bibliogrficas.
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1. O que improvisao?
As respostas para esta pergunta so variadas. O termo improvisao pode estar vinculado
ou no, s prticas musicais e, mesmo assim, podem existir diversas acepes dentro de um
mesmo contexto. Segundo Blum, Apesar do substantivo e seus cognatos serem palavras
relativamente novas nas lnguas europeias, elas se tornaram rapidamente termos
indispensveis relacionados msica e muitas outras reas da vida social8 (BLUM, 1998,
p. 27).
Para o Dicionrio Aurlio9 (verso online), improvisar significa algo repentino, sbito ou
sem preparo. J o dicionrio Priberam (verso online), amplia o significado para termos
como fingir, mentir ou citar falsamente. A palavra improvisao vem do latim improvius,
que se refere a algo no previsto, no visualizado, no programado, algo que no tenha
sido visto com antecedncia10 (ALTERHAUG, 2004, p. 98).
A improvisao equivalente ao grego autoshediazzo, significa trazer superfcie aquilo que lhe prprio. Auts significa eu prprio. Automatizar equivale a tornar espontneo, fazer espontaneamente a partir do seu prprio movimento. Como a automatizao um processo implcito na improvisao, o automtico ento seria aquele que responde a
partir de si os fundamentos (JARDIM, 1999 in DAUELSBERG, 2001,
p.60).
Os fundamentos a que Jardim se refere, esto relacionados ao automatismo e
espontaneidade, presentes na prtica da improvisao.
Com relao ao termo autoshediazzo, Aristteles utiliza autoschediasmton para
relacionar a improvisao poesia, afirmando:
Como nos natural, a tendncia imitao, bem como o gosto da harmonia e do
ritmo (pois evidente que os metros so partes do ritmo), na origem, os homens
mais aptos por natureza foram aqueles que eram dotados de uma capacidade
especial natural, que atravs de um processo lento e gradual trouxeram a
improvisao poesia [autoschediasmton] (BLUM, in NETTL, 1998, p.35).
8Although the noun improvisation and its cognates are relatively new words in European languages, they have quickly become indispensable terms for talking about music and about many other areas of social life
(BLUM, 1998, p. 27). 9 Improvisar (Significado de Improvisar, dicionrio de portugus, 2013).
10 Something which has not been seen in advance (ALTERHAUG, 2004, p. 98).
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Nos dicionrios de lngua portuguesa Houaiss e Michaelis (verses on-line) a palavra
improviso est ligada ideia de uma adaptao emergencial, um quebra-galho, uma
soluo provisria entre outras acepes. Remete a um momento urgente, o agora, e exige
uma soluo instantnea que, por sua vez, requer uma capacitao intelectual e criativa.
Como relatado acima, improvisao fora do contexto musical, est relacionada
predominantemente a algo que est errado e precisa ser imediatamente reparado.
Segundo Albino,
Na lngua portuguesa o termo improviso est muito mais ligado ao imprevisto, ao
no esperado, ao no planejado, do que propriamente arte de improvisar.
Carrega uma imagem de ineficincia, de erro, algo que no deu certo, que fora
mal feito ou mal planejado e que precisa ser corrigido imediatamente (ALBINO,
2009, p. 75).
No contexto musical, a palavra improvisao tem um significado mais positivo, estando
relacionada a uma habilidade de criatividade musical instantnea. A semelhana existente
entre o termo improvisao, no contexto da lngua portuguesa e no contexto musical est na
urgncia de tomada de decises em um momento especfico e que requer uma soluo
imediata e criativa. A diferena existente entre a improvisao fora do contexto musical e
dentro de um contexto musical est na inteno de se improvisar. Na vida cotidiana o
inesperado algo que deve ser contornado e comumente visto como algo desagradvel.
Por sua vez, nas prticas musicais, na maioria dos casos, a improvisao no ocorre de
forma inesperada ou improvisada. Ao contrrio, h uma sistematizao na performance
baseadas em treinos constantes, que vai contra vrias conotaes na lngua portuguesa.
A explicao de Rhamess torna claro que o conceito popular de improvisao
como performance sem uma prvia preparao fundamentalmente enganosa. H, de fato, uma vida inteira de preparao e conhecimento por traz de cada ideia
que o improvisador executa11
(BERLINER, 1994, p. 17).
Mesmo a improvisao musical sendo um processo instantneo, onde existe a possibilidade
de acidentes de percurso, o desenvolvimento desta habilidade baseia-se na tentativa/ erro,
em busca de aprimoramento. A inteno de tomar decises, porque algo deu errado, no
11
Rhamess explanation makes clear that the popular conception of improvisation as performance without previous preparationis fundamentally misleading. There is, in fact, a lifetime of preparation and knowledge behind every idea that an improvise performs (BERLINER, 1994, p. 17).
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contexto da lngua portuguesa, transmite uma imagem negativa, no sentido de que, se algo
deu errado a soluo improvisar. No contexto musical, dependendo do estilo e poca, a
improvisao est ligada s prticas musicais, havendo clara inteno de se valorizar essa
prtica.
Questes relacionadas s formas de improvisao em cada perodo da msica ocidental
europeia, sero tratadas no captulo subsequente, que aborda uma breve histria da
improvisao na Europa Ocidental, de maneira sucinta, com o objetivo de expor indcios
desta prtica bem como a sua decadncia na msica erudita desde o perodo renascentista
at o sculo XX. A prtica da improvisao na msica popular, nos perodos supracitados,
no ser abordada, uma vez que objetiva-se relacionar a decadncia da prtica da
improvisao na Europa, ocorrida em meados do sculo XIX e os reflexos desta queda,
com a implementao do ensino superior de msica no Brasil ocorrido no mesmo espao de
tempo. O msico que possui o conhecimento da improvisao, geralmente tem conscincia
e previso da sua criao musical. certo que podem existir acidentes de percurso, mesmo
porque, no princpio do aprendizado da improvisao musical, o msico vivencia mais os
erros do que os acertos no apenas com relao execuo musical, mas com relao aos
mtodos que envolvem o aprendizado da habilidade de improvisar. Segundo Berliner,
improvisao
demanda uma constante absoro, interpretao e sntese de poucas informaes
obtidas de diferentes fontes de diversos mtodos. Determinando o mtodo
apropriado, invariavelmente envolve verificar os benefcios e limitaes de cada
um geralmente por tentativa e erro12 (BERLINER, 1994, p. 3).
A improvisao s pode ser desenvolvida durante a sua prtica, na performance, enquanto
que em outros processos musicais, os mesmos so desenvolvidos atravs da assimilao do
contedo e posteriormente maturados pelo msico. A arte da composio, por exemplo,
contm muitos elementos: entre eles, o planejamento e a organizao geral do trabalho e
sua orquestrao13 (DOERFFER, 1969, p. 236).
12
it demands constant absorption, interpretation, and synthesis of bits of information obtained from different
sources by various methods. Determining the appropriate methods invariably involves finding the benefits
and limitations of each often by trial and error (BERLINER, 1994, p. 3). 13
The art of composition contains many elements: among them the planning and the general layout of a work
and its orchestration (DOERFFER, 1969, p. 236).
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27
Na improvisao musical, o erro faz parte do processo. A prpria ideia de erro assume
outro carter, mais identificado com a busca curiosa do desconhecido. O erro est, para a
improvisao, mais para um fazer em construo (ALBINO, 2009, p. 60).
A partir de conversas com msicos e no-msicos, Larson percebeu que os mesmos
sugerem que os improvisadores devem aproveitar os seus erros. De fato, esses erros
desempenham um papel importante e responder a tais erros e incorpor-los em suas
improvisaes fundamental para o processo da improvisao14 (LARSON, 2005, p. 263).
Antes de definirmos improvisao musical, parece-nos relevante a verificao dos termos
em dicionrios de msica bem como a opinio dos pioneiros que se dedicaram ao estudo e
prtica desta habilidade.
Segundo o dicionrio de msica Grove, improvisao a criao de uma obra musical, ou
de sua forma final, medida que est sendo executada (SADIE, 1994, p. 450). No Harvard
Dictionary of Music, o termo improvisao ou extemporizao definido como a arte de
executar a msica de forma espontnea, sem o auxlio do manuscrito, esboos, ou de
memria15 (APEL, 1969, p. 404).
Apesar do Harvard Dictionary of Music relatar que tal prtica ocorre sem o auxlio de
manuscrito, existe a possibilidade de se improvisar a partir de uma estrutura musical fixa
escrita, podendo esta ser harmnica ou meldica. Tal procedimento ocorre a partir de
associaes, substituies, superposies, alteraes e preenchimento e sero relatados com
detalhes nos captulos subsequentes. Tirro faz uma outra observao com relao
definio que consta no dicionrio supracitado.
A definio de improvisao do Dicionrio de Harvard, "A arte de executar a
msica como uma reproduo imediata de processos mentais simultneos, ou
seja, sem o auxlio de manuscrito, esboos, ou de memria, um pouco enganadora, pois, embora a memria no seja usada para lembrar em detalhes a
composio notada uma vez aprendida, durante o desempenho, a memria
usada para lembrar os detalhes do estilo em que o improvisador est realizando; e
ser demonstrado o que a memria recorda, consciente ou inconscientemente,
14
in fact, that mistakes are an important part of improvisation and that responding to such mistakes and
incorporating them into one's improvisation is central to the process of improvisation (LARSON, 2005, p.
263). 15
The art of performing music spontaneously, without the aid of manuscript, sketches, or memory (APEL,
1969, p. 404).
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28
eventos musicais, padres, e combinaes de som que se tornaram uma parte da
maneira pessoal de se improvisar 16
(TIRRO, 1974, p. 287).
O Oxford Music Online define improvisao como a criao de uma obra musical, ou a
forma final de uma obra musical, durante a sua realizao. Pode envolver a composio do
trabalho imediato, por seus artistas, ou a elaborao ou adaptao de uma estrutura
existente, ou qualquer coisa entre os dois17 (BRUNO NETTL, 2013).
Antes de verificarmos o ponto de vista dos musiclogos sobre o significado da
improvisao, vale resaltar que este tema foi pouco abordado nas academias da primeira
metade do sculo XX, uma vez que, neste perodo, tal prtica era considerada de menor
importncia em relao s outras prticas musicais18
. Nettl faz, a esse respeito, a seguinte
observao. surpreendente que ningum antes de Ferand tentou escrever um livro sobre
o assunto19 (NETTL; RUSSEL, 1998, p. 1).
Ernest Ferand (1887-1972) foi o nico acadmico que se dedicou
substancialmente ao estudo da msica improvisada e improvisao. Destacou-se
como especialista por excelncia. Seu livro, Die Improvisation in der Musik
(1938) dedicou amplamente (mas no exclusivamente) msica Ocidental, foi
ento, o nico trabalho substancial20
(NETTL, 1998, p.1, MENEZES, 2010, p.9).
Segundo Nettl,
Por volta de 1960 houve um crescimento significativo de pesquisas relacionadas
improvisao, sobretudo em funo da expanso dos estudos de jazz, estudos
etnomusicolgicos das culturas do Sul, Oeste e Sudeste asitico e o
desenvolvimento de tcnicas improvisatrias em msica experimental e em
16
The Harvard Dictionary's definition of improvisation, "The art of performing music as an immediate
reproduction of simultaneous mental processes, that is, without the aid of manuscript, sketches, or memory,"5
is somewhat misleading, for although memory is not used to recall in detail a once-learned, notated
composition for a present-time performance, memory is used to recall the details of the style in which the
improviser is performing; and it will be demonstrated that memory recalls, consciously or sub-consciously,
musical events, patterns, and sound combinations that have become a part of the improviser's musical self
(TIRRO, 1974, p. 287). 17
The creation of a musical work, or the final form of a musical work, as it is being performed. It may involve the work's immediate composition by its performers, or the elaboration or adjustment of an existing
framework, or anything in between (BRUNO NETTL, 2013). 18
Essa afirmao confirmada por diversos autores entre eles Netll, Bailey, Moore articulados fala de Ian
Guest. 19
It is surprising that no one since Ferand has tried to write a general book on the subject (NETTL; RUSSEL,
1998, p. 1). 20
Ernest Ferand (1887-1972) was one scholar who devoted himself mainly to the study of improvised music
and improvisation. Stood out as the as the quintessential specialist. His book, Die Improvisation in der Musik
(1938) devoted largely (but not exclusively) to Western music, was then the only substantial work.
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29
educao musical. Apesar disso, ainda hoje, o que se tem de pesquisa sobre
improvisao em relao s outras reas da msica bem modesto21
(NETTL,
1998, p.1-2).
O acima exposto aponta para a expanso da prtica da improvisao em diversas reas da
msica. Vale resaltar que tal expanso se deu tanto na msica Ocidental popular quanto na
msica erudita do sculo XX. Podemos considerar um grande hiato entre meados do sculo
XIX e meados do sculo XX em relao ao ensino da improvisao. Como prtica, a
improvisao ocupa lugar de destaque em algumas estticas composicionais da chamada
msica contempornea, no sculo XX. Por outro lado, na msica popular a improvisao
tornou-se uma prtica predominantemente popular no mesmo sculo. Nesta ltima
comum encontrar trechos em que os compositores faziam indicaes para improvisaes
por parte dos intrpretes. No entanto como afirma Netll as pesquisas sobre improvisao
no mereceram ainda a mesma ateno quando comparadas s pesquisas em outras reas
dos estudos musicolgicos.
Pelo fato da improvisao estar relacionada a diversas reas da msica, em especial com a
composio, a definio do termo improvisao torna-se complexo em funo dos limites
entre composio e improvisao, uma vez que ambas possuem elementos comuns em sua
concepo.
A dcima segunda edio do Riemann Musiklexikon (Gurlitt and Eggebrecht,
1967, p.390) estabelece distines ntidas entre precomposio e improvisao, e
tambm improvisao e uma simples variao de um trabalho resultante de
prticas de performance individual: improvisao consiste na inveno
simultnea e sonora da msica excluindo escritas fixas e tambm trabalhos
existentes como por exemplo performance, reproduo e interpretao22
(NETTL,
1998, p.10).
21
About 1960, scholarship on improvisation has increased greatly, with the expansion of jazz studies and
ethnomusicological studies of South, West, and Southeast Asian cultures, and with the growth of
improvisatory techniques in experimental music and music education. And yet, even now, the syntheric
literature on improvisation in contrast to studies of individual musics remains modest (NETTL, 1998, p. 1-2). 22
The twelfth edition of Riemann Musiklexikon (Gurlitt and Eggebrecht, 1967, p.390) draws sharp
distinctions between precomposition and improvisation, and also between improvisation and the simple
variation of a work that results from the character of individual performance practices: Improvisation consists of the simultaneous invention and sonic realization of music; it excludes work fixed in writing as well
as the realization of an extant work, i.e., performance reproduction, interpretation (NETTL; RUSSEL, 1998,
p. 10)
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30
Apesar dos diversos aspectos da prtica da improvisao, no contexto musical e da
dificuldade em se definir os limites existentes entre composio e improvisao, h um
consenso entre pesquisadores, escritores e msicos que abordam o assunto.
Veit Erlmann a define como a criao da expresso musical ou forma final de um discurso
j composto no momento da realizao da performance. Michael O Suilleabhain define
improvisao como o processo de interao criativa entre o msico performtico e o
modelo musical, que pode ser mais ou menos fixo. Tambm enfatiza que o processo de
interao criativo (em pblico ou solitrio; consciente ou inconsciente) entre o msico
executante e um modelo musical o qual pode ser mais ou menos fixado (NETTL;
RUSSEL, 1998, p. 11). John Bailey em uma conferncia23
sobre improvisao em 1987,
ressalta que improvisao a inteno de criar uma expresso musical nica no ato de
performance (NETTL; RUSSEL, 1998, p. 11).
Stephen Blum realizou uma ampla pesquisa, de grande contribuio, sobre o surgimento do
termo improvisao e seus cognatos, ilustrando a relao entre o substantivo e o verbo.
Segundo Blum, as razes obrigatrias para se falar sobre improvisao, incluem no apenas
o interesse em como os msicos adquirem a competncia para improvisar, mas tambm um
desejo de imaginar o desenvolvimento histrico das artes performticas. Ao longo dos
sculos XVI, XVII e XVIII, os termos europeus para fazer msica improvisada dividiam-se
em dois grupos bem distintos: as prticas vocais e as instrumentais24
. A essas prticas se
faziam aluses por meio de diversas locues adverbiais que se relacionavam s diversas
prticas de improvisao. As locues eram utilizadas para classificar os tipos de improviso
que seriam; cantando de improviso, tocando de improviso ou compondo de
improviso. Como se pode perceber, a mesma prtica pode receber subclassificaes
especficas de acordo com a atividade: canto, composio ou execuo instrumental.
Alguns verbos referem-se a tipos especficos de acordo com a atividade: cantos
improvisados (por exemplo, o sortisare do latim) ou performance instrumental
improvisada (por exemplo, fantasieren e capriciren do alemo, ricercare do italiano,
rechercher e prluder do francs). Substantivos relacionados aos verbos designam os
23
A sntese da conferncia sobre improvisao foi incorporada em um pequeno captulo da edio Lortat-
Jacob (1987:67-69) com diversas definies formuladas por quatorze participantes. Como este exemplar
consiste de uma srie de estudos que lidam com improvisao em considervel diversidade de pontos de vista,
nos parece essencial apresentar algumas dessas definies (DAUELSBERG, 2001, p.65). 24
Ver Blum apud Nettl, 1998, p. 36 37
-
31
resultados de uma atividade (como exemplo uma fantasia instrumental, capriccio, preldio,
sortisatio) (BLUM, 1998, pp. 3638).
Tab. 1. Listagem de terminologias sobre improvisao
Latin Italian French German English
ex improviso de improviso limpourvue unvorsehender Weise
Unexpected
ac improvisa all improviso limproviste unvershens
all improvist
alla sproveduta
Sprovedutamente
ex tempore Estemporaneamente
all impronto impromptu
ex sorte a caso sur-le-champ auf der Stelle
aus dem Stegereif on the spur of the moment
auf zufllige Art by chance
on the sudden
Accidently
Repente
alla mente de tte aus dem Kopfe
ad placitum a piacere a plaisir
ad libitum
ad arbitrio
di fantasia phantasie
sine arte senza arte
sine meditatione unbedachtsam
Fonte:(BLUM, 1998, p. 37)
Tab. 2. Sntese de Dauelsberg a partir da listagem de terminologias de Blum
Locuo Adverbial (modifica o verbo denotando uma circunstncia)
Verbos Substantivo
di fantasia fantasiar Fantasia
al capriccio capricciare Capriccio
Define a forma com que se deveria tocar (estado de esprito)
A ao. O processo da
realizao, a criao
durante a execuo em
tempo real
Resultado. O produto
decorrente da ao criativa.
Fonte:(DAUELSBERG, 2001, p. 62)
De acordo com o quadro de Blum na figura 1, pode-se perceber que existia um grande
nmero de termos sobre a mesma prtica. Dauelsberg, em sua dissertao, procurou
sintetizar na figura 2, os significado do termo improvisao e sua relao locuo
adverbial, verbos e substantivos chegando seguinte concluso com base nas informaes
de Blum. (DAUELSBERG, 2001, p. 62)
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Pode-se observar no quadro 2, diferentes resultados da improvisao quando relacionada
locuo adverbial, verbo e substantivo respectivamente. Conclui-se, portanto, quando o
termo improvisao relaciona-se locuo adverbial expressa a forma e com que estado de
esprito se deveria tocar. Quando a improvisao est relacionada verbos, denota a ao, o
processo da realizao, criao durante a execuo em tempo real. Quando a improvisao
refere-se substantivo expressa o resultado, o produto decorrente da ao criativa
(DAUELSBERG, 2001, p. 63).
Este captulo procurou ilustrar os diferentes significados do termo improvisao fora e
dentro do contexto musical explicitando a problemtica do emprego deste termo em funo
do significado antagnico quando empregado em contextos distintos. Mesmo no contexto
musical, o termo improvisao possui significados sutilmente distintos quando relacionado
locuo adverbial, verbos e substantivos.
Apesar das dificuldades em se definir o termo improvisao pelos musiclogos, sendo
necessrias conferncias para se chegar a uma concluso, uma grande parcela de estudiosos
sobre o assunto chega a um consenso semelhante onde improvisao pode ser definida
como ato de se criar (compor) durante a performance.
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2. Breve histrico da improvisao na msica erudita da Europa Ocidental
Neste captulo, procuro relacionar o declnio da prtica e ensino da improvisao ocorrido
na Europa com a ausncia do ensino sistematizado desta prtica no Brasil quando
implementou-se o curso superior de msica nas universidades e o ensino da improvisao
no foi importado, ao contrrio das demais prticas.
Diante desse contexto, Nelson percebeu esta lacuna e tentou buscar em instituies o ensino
sistematizado deste assunto, porm sem sucesso uma vez que as universidades e
conservatrios no contemplavam esta habilidade e as escolas livres de msica tinham dois
tipos de docentes: o acadmico, com formao erudita, que se arriscava a ensinar uma
habilidade sem t-la aprendido e com linguagem imprpria (sem ser a popular) e o msico
autodidata que executava improvisaes, mas muitas vezes no tinha clareza do que estava
fazendo.
Desde os tempos imemoriais, as prticas musicais estiveram presentes nas atividades da
humanidade. Diversas culturas adotavam e ainda adotam tal prtica com finalidades
variadas, entre elas as litrgicas, comemorativas, de entretenimento, ou como parte da
formao da personalidade individual. Ao longo dos sculos, a msica foi sendo, cada vez
mais, considerada como uma prtica relevante, sendo-lhe conferido o mesmo grau de
importncia em relao a outras atividades consideradas tambm relevantes na poca entre
elas aritmtica, geometria e astronomia.
Durante a Idade Media, o ensino de musica cresceu em imponncia e alcanou
proeminncia nas universidades ao lado de disciplinas como aritmtica, geometria
e astronomia, construindo com elas a estrutura curricular do Quadrivium. A Igreja
Cat1ica demonstrava interesse no estudo de trs disciplinas do Quadrivium:
aritmtica, astronomia e musica. O interesse da igreja foi decisivo no sentido de
encorajar o ensino e o estudo da msica como uma disciplina terica no domnio
das cincias matemticas (GUNTHER, 1887, p.14 apud MARTINS, 1992, p. 8).
Conforme a citao acima, o ensino da msica foi conquistando o seu espao ao longo da
histria, recebendo o suporte da Igreja, a instituio mais importante da poca.
As prticas musicais englobam uma srie de competncias que envolvem no apenas a
performance, mas outras que se expressam atravs da performance. Entre elas, destacam-se
as tcnicas de execuo, composio, orquestrao, anlise, educao e a improvisao, que
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podem ter maior ou menor nvel de importncia perante o pblico ou aqueles que a
praticam, dependendo da cultura da poca. A exemplo disso, h uma enorme valorizao da
msica escrita na msica ocidental, enquanto que a prtica da improvisao vista como
uma prtica de menor importncia. No Oriente ao contrrio, existe uma extrema
valorizao da msica improvisada e da prtica da improvisao, enquanto a msica escrita
menos valorizada. No Iran, a msica mais desejada e aceita a improvisada (NETTL;
RUSSEL, 1998, p. 7).
A diminuio da prtica da improvisao, ao longo dos sculos, no Ocidente, contribuiu
para o surgimento de dvidas sobre como ocorriam esses processos, bem como o
preconceito a respeito desta habilidade. O conceito da improvisao mal visto em alguns
contextos musicais principalmente por no haver um maior entendimento sobre o assunto, e
o desconhecimento, muitas vezes, gera preconceito. Berliner sustenta que
Apesar da contribuio do jazz como uma linguagem musical nica uma das mais sofisticadas do mundo a existncia margem dos msicos de jazz e o feedback negativo de sua comunidade, fez com que aqueles que escreveram sobre
o jazz, deixassem muitos dos seus praticantes com a percepo de que suas
habilidades eram mal compreendidas (BERLINER, 1994, p. 5).
Mesmo a improvisao sendo vista como uma prtica menos importante no Ocidente, nos
dias atuais, por parte de muitos maestros, compositores e msicos de formao erudita, tal
habilidade paradoxalmente admirada e at mesmo invejada por msicos eruditos. No
entanto, h uma tendncia entre compositores eruditos, a partir do sculo XX, em estimular
a prtica da improvisao e integr-la linguagem composicional.
A ideia de que existem msicos que fazem o que querem no momento da
performance estranho para os msicos eruditos que se escandalizam por essa
falta de disciplina mas se sentem atrados pela sua suposta liberdade25
(NETTL;
RUSSEL, 1998, p. 7).
Mesmo com este repdio, inegvel a presena da prtica da improvisao em
praticamente todas as reas da msica, durante toda a sua histria. Ernest Ferand talvez
tenha sido o primeiro acadmico do sculo XX a se dedicar ao estudo da prtica da
25
The notion that there are musicians who, as it were, can do anything they want on the spur of the moment is strange to the classical musicians, who is scandalized by such lack of discipline but also attracted by its
presumed liberty (NETTL, 1998, p.7).
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improvisao, em uma poca onde esta habilidade havia sido praticamente extinta.
(NETTL; RUSSEL, 1998, p. 1)
Essa alegria de improvisar enquanto se canta e se toca um instrumento evidente
em quase todas as fases da histria da msica. Essa foi sempre uma fora
poderosa na criao de novas formas, e todo o estudo histrico que se limita
prtica ou s fontes tericas que nos foram deixadas de forma escrita ou impressa,
sem levar em conta o elemento de improvisao e a vivncia da prtica musical,
deve ser considerado necessariamente como algo incompleto, certamente um
retrato distorcido. Pois quase no h um nico campo na msica que no tenha
sido afetado pela improvisao, nem uma nica tcnica musical ou forma de
composio que no tenha tido origem na prtica improvisadora, nem que no
tenha sido influenciado essencialmente por ela. Toda a histria do
desenvolvimento da msica acompanhada por manifestaes de impulsos para
se improvisar26
(FERAND, 1961 apud BAILEY, 1993, p. ix e x).
A partir da citao acima, Berliner confirma que diversos gneros entre eles, spirituals,
marchas, rags, e msicas populares contriburam para o repertrio do artista no
estabelecimento de composies ou Standards (BERLINER, 1994, p. 63).
Apesar de a improvisao se relacionar a diversas reas, entre elas performance,
composio, harmonia, educao e tcnica, na composio que encontramos um maior
grau de semelhana no que se refere aos processos de concepo das ideias musicais. Sendo
assim, neste captulo e no captulo subseqente nos atentaremos mais na relao entre
composio e improvisao.
A composio de uma obra algo elaborado e maturado ao longo do tempo, podendo levar
dias, meses, anos ou dcadas at a sua concluso. No processo da composio musical, o
tempo muitas vezes um importante fator no que se refere maturao da ideia musical.
Rascunhos de Beethoven revelam anos de transformaes motvicas27 (TIRRO, 1974, p.
26
This joy in improvising while singing and playing is evident in almost all phases of music history. It was always a powerful force in the creation of new forms and every historical study that confines itself to the
practical or theoretical sources that have come down to us is writing or in print, without taking into account
the improvisational element in living musical practice, must of necessity present an incomplete, indeed a
distorted picture. For there is scarcely a single field in music that has remained unaffected by improvisation,
scarcely a single musical technique or form of composition that did not originate in improvisatory practice or
was not essentially influenced by it. The whole history of the development of music is accompanied by
manifestations of the drive to improvise (FERAND,1961 apud BAILEY, 1993, p. ix e x). 27
The passage of time is often an important factor in the maturation
of a musical idea. Beethoven's sketchbooks sometimes reveal years of motivic transformation (TIRRO, 1974,
p. 297).
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297). O germe musical da composio est no motivo28
, que pode ser meldico, rtmico,
melo-rtmico ou pode ocorrer a partir de uma sequncia harmnica. A partir do motivo,
gera-se o tema, a semi-frase, frase, perodo, sentena e a forma ou estrutura da pea. Todo
esse processo elaborado com um grau mnimo de espontaneidade. As ideias musicais so
testadas e descartadas constantemente, at que o produto final, no caso, a composio, seja
concludo.
A improvisao por sua vez, utiliza exatamente os mesmo processos da composio, porm
de forma instantnea, ou seja, no ato da performance. Segundo Sloboda,
a tnica do processo composicional parece ser o trabalho de moldar e
aperfeioar ideias musicais. Embora uma ideia possa surgir
espontaneamente, sem ser chamada, e instantaneamente, seu desenvolvimento subsequente pode levar anos. Na improvisao, o
compositor no tem a oportunidade de moldar e aperfeioar seu material.
Sua primeira ideia precisa funcionar (SLOBODA, 2008, p. 180).
Stephen Machmanovitch compartilha a mesma opinio afirmando que,
na improvisao, h apenas um momento. A inspirao, a estruturao e a
criao da msica, a execuo e a exibio perante uma plateia ocorrem
simultaneamente num nico momento em que se fundem memria e
inteno (que significam passado e futuro) e intuio (que indica o eterno
presente). O ferro est sempre em brasa29
(NACHMANOVITCH, 1993, p.
28)
Em suma, o que difere a composio da improvisao o grau de espontaneidade em
relao concepo e desenvolvimento da ideia musical no seu estgio final. O ato de se
criar a msica instantaneamente se faz necessrio para que a improvisao ocorra. Nettl
afirma que o conceito de improvisao de fato mais amplo, e engloba diversos tipos de
atividades criativas paralelas ao conceito de composio. A improvisao e a composio
no so processos opostos, mas sim dois pontos de um mesmo contnuo, separados pelo
estgio de espontaneidade, podendo ser vistos tambm como o tempo de durao entre
criao e execuo (NETTL; RUSSEL, 1998, pp. 70 71).
28
Motivo: Ideia musical curta, podendo ser meldica, harmnica ou rtmica, ou as trs simultaneamente.
Independente de seu tamanho geralmente encarado como a menor subdiviso com identidade prpria de um
tema ou frase (SADIE, 1994, p. 624). 29
A esse respeito ver tambm Albino p.65.
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37
Sarath explicita bem as diferenas existentes entre composio e improvisao indo alm
dos elementos musicais tais como o meio em que ambos, improvisador e compositor esto
inseridos.
Improvisao envolve a singularidade da performance e criao, de tocar e ouvir,
e uma gama de foras do ambiente em determinado tempo e lugar afetando
ambos os comportamentos do artista e da audincia. A composio ocorre em
uma estrutura temporal descontinuada, criao no apenas temporalmente, mas
tambm espacialmente separada da performance e a pea geralmente criada por
um indivduo e executada por outro30
. (SARATH, 1996, p. 31).
A prtica da improvisao nem sempre foi dissociada das outras prticas musicais. Aps a
queda da civilizao Greco-Romana, a msica Ocidental Europeia foi preservada atravs da
memria, ou supostamente elaborada atravs da performance, ou ainda, criada
espontaneamente em improvisaes31
(HORSLEY, 2013).
A msica europeia ocidental, na Idade Mdia e Renascena era praticada em diversos
setores da sociedade. arriscado afirmar que havia a prtica da improvisao nos processos
de criao musical, apesar de haverem indcios de espontaneidade em algumas prticas
musicais. Moore relata que a discusso sobre o termo surge pela primeira vez em uma
viso geral do sculo XVII (MOORE, 1992, p. 63).
Leonardo da Vinci e seus amigos se reuniam na corte de Milo para apresentar peras
inteiras em que a msica, o libreto e a encenao eram criados espontaneamente durante a
apresentao (NACHMANOVITCH, 1993, p. 94).
Dessa forma, Moore sustenta que o ato de improvisar estaria ligado no apenas msica,
mas tambm a outros comportamentos criativos culturalmente estruturados tais como
conversas do dia a dia, esboos pontuais ou prosa32 (MOORE, 1992, p. 64).
Um dos primeiros indcios de improvisao espontnea foi o Jubilus33
. Este tem como
caracterstica um floreio melismtico34
encontrado nas ltimas slabas de certos tipos de
30
Improvisation involves a singularity of performance and creation, of playing and listening, and of a range of
environmental forces at a particular time and place affecting both artist and audience behaviors. Composition
occurs in a discontinuous temporal framework; creation is not only temporally but also spatially separate from
performance, and a piece is often created by one individual and played by another. 31
After the breakdown of Greco-Roman civilization, music in western Europe was preserved by rote memory,
and new music was presumably worked out in performance or created spontaneously in improvisation
(HORSLEY, 2013). 32
the act of musical improvisation might be likened to other creative and yet culturally structured behaviors
such as everyday conversation, ad hoc comedy sketches, or prose writing (MOORE, 1992, p. 64).
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aleluias preservados na antiga liturgia crist que, devido s sucessivas execues, sofriam
sutis alteraes. Nos dias atuais tais alteraes espontneas em estruturas musicais fixas
caracterizam-se como improvisao.
Os cnticos ambrosianos (dos anos 333 a 397 D.C.) e gregorianos (anos 540 a
604 D.C.), segundo Ferand, insinuavam elementos de improvisao nos adornos
melismticos. Todas as formas de canto litrgico como Aleluia, Ofertrio,
Graduais e Jubilus revelavam as diversas transformaes e elaboraes de sua
linha meldica fundamental atravs da prtica improvisadora. As formas de canto
gregoriano tambm eram executadas de maneira variada devido impreciso da
notao neumtica (DAUELSBERG, 2001, p. 21).
Fig. 1. Canto Gregoriano Gradual Verse Domine refugium und Ad annuntiandum
Fonte: Dauelsberg, 2001, p.21 apud Ferand, 1961:25. Considere os termos old Roman e Frankish como nomenclaturas utilizadas naquele perodo, que evidenciavam diferentes tradies. Estes termos j no mais
existem.
Os cantos litrgicos so outra evidncia de uma tcnica improvisatria mais controlada que
sugerem uma estrutura com movimentos meldicos especficos. Tais movimentos criaram
uma identidade nas prticas musicais litrgicas em funo do modelo da estrutura
meldica. Para exemplificar, aceitavam-se mais os movimentos por graus conjuntos do que
os disjuntos. Como alguns cantos apresentavam praticamente o mesmo tipo de contorno
33
Jubilus: Nos Aleluias Gregorianos, os melismas cantados ao final da vogal da primeira palavra Aleluia fica invariavelmente no incio do canto. O melisma do jubilus muitas vezes reaparece ao final do verso.
Muitas vezes reaparece em formas tais como a a b, a a b b c, etc. Aps o verso a palavra Aleluia com o jubilus repetida (APEL, 1969, p. 448). 34
Melisma: Um grupo de mais de cinco ou seis notas cantadas sobre uma nica slaba, especialmente no
canto litrgico. uma caracterstica de graduais, tratos, responsrios e aleluias no repertrio gregoriano. No
antigo canto medieval, um melisma podia ser inserido ou removido de um cntico, adquirindo com isso
caractersticas meldicas estereotipadas. Os melismas gregorianos eram usados como cantus firmus na
polifonia, do sc. XII ao XV; o estilo melismtico foi usado com regularidade na msica vocal polifnica a
partir do sc. XIV(SADIE, 1994, p. 591).
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meldico, estabelecia-se ento uma estrutura meldica a ser seguida e que aconteciam de
forma recorrente. Fica claro tambm que a semelhana entre os cantos praticados nas
Igrejas gerou um vocabulrio caracterstico, com estrutura prpria. Sendo assim, pode-se
perceber um indicativo de prtica improvisatria, pois a linguagem, tipos de movimentos
meldicos e o uso dos motivos so ferramentas tambm utilizadas em outros estilos
musicais que possuem a improvisao como uma de suas prticas. A exemplo disto, no
Oriente, o raga35
indiano, tambm inclui materiais temticos prprios da sua cultura como
forma de registro de sua identidade.
A melodia improvisada uma prtica que sempre foi preservada na cultura da msica
Ocidental desde o seu surgimento. Os materiais dessas melodias passaram a ser
desenvolvidos e estudados, aparecendo em tratados instruindo o cantor, por exemplo, a
adicionar uma linha meldica ao canto litrgico, durante a performance.
Segundo Horsley, no dvidas de que o primeiro organum36 derivou das prticas
populares. Um dos problemas existentes na execuo de uma melodia improvisada em um
canto dado se devia ao desconhecimento tcnico de consonncias e dissonncias
harmnicas do sistema diatnico da poca37 (HORSLEY, 2013).
Sendo assim, dificilmente poder-se-ia fazer determinadas escolhas nos procedimentos
musicais praticados nesta poca uma vez que no havia fundamentos tericos slidos para
justificar essas escolhas. Nos recitativos italianos do sculo XVIII, Hansell exemplifica as
dificuldades encontradas para essas escolhas a partir da seguinte citao.
At bem recentemente os recitativos secco costumavam ser abarrotados de
constantes mudanas harmnicas em suas resolues e mudanas enarmnicas. A
beleza especial foi procurada nessas extravagncias harmnicas, muitas vezes
sem a mnima razo, e as progresses harmnicas naturais eram consideradas
muito simples para o recitativo. Nos dias de hoje, graas ao nosso gosto mais
35
Raga: Termo indiano, geralmente traduzido como modo, escala, ou melodia-tipo; um raga representa uma serie de notas, apresentadas em formas ascendente e descendente. Cada raga est associado a um estado
de esprito e a um momento particular do diaou do ano; o raga usado como base para improvisao na
msica indiana (ver INDIANA, MSICA) (SADIE, 1994, pp. 761762). 36
Organum: Termo originalmente relacionado ao rgo, porm mais tarde msica consonante, usado para a polifonia medieval; a partir do sc.XII, referia-se especificamente a msica cantus firmus (o tenor) em notas
sustentadas (em geral baseado em uma nota preexistente) e parte(s) superior(es) em movimento mais rpido.
A partir do sc.XIII foi usado para o cantocho em geral, distintamente do moteto e do conductus (SADIE,
1994, p. 679). 37
This is no doubt due to the fact that, although this early organum may have been derived from folk practice,
the problem of improvising a melody to fit with a given chant required a technical knowledge of vertical
consonance and dissonance and of the melodic materials available in the diatonic system (HORSLEY, 2013).
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40
inteligente, esquisitices harmnicas so raramente usadas e s so apenas
utilizadas com justificativas adequadas38
(HANSELL, 1968, p. 245).
No incio do perodo Barroco perpetuaram-se as duas formas de improvisao praticadas no
perodo Renascentista sendo elas, o embelezamento de uma linha meldica j existente e a
criao de outra nova. Com o desenvolvimento da escrita musical, passou a haver um
controle maior sobre as ornamentaes por parte dos compositores que exerciam tais
controles da seguinte forma: escrevendo os ornamentos em trechos especficos da pea e/ou
adicionando abreviaturas ou smbolos.
Uma das caractersticas que marcou o perodo barroco foi a criao do baixo contnuo,
ocorrido em meados dos anos 1600. O baixo contnuo, como o prprio nome diz, a parte
do baixo que percorre toda a obra concertante de peas deste perodo (SADIE, 1994, p.
66). Indcios desse procedimento esto presentes no Renascimento tardio e tambm no
primeiro perodo do Classicismo. A forma reduzida do termo, continuo, tem o mesmo
significado.