A Arte de Resistir as Palavras
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A ARTE DE RESISTIR ÀS PALAVRAS: inserção social, engajamento político e militância múltipla
RESUMO
Foi no âmbito das interrogações sobre as condições sociais, políticas e culturais de
possibilidade de ações coletivas e movimentos sociais que, aos poucos, surgiram várias
abordagens centradas na apreensão das condições e lógicas próprias do engajamento e
do ativismo. As mudanças nas formas de abordagens, nos problemas levantados e nos
objetos vinculados à investigação do ativismo, expressam o quanto a “arte de resistir às
palavras” e aos “valores dominantes” do mundo social, político, midiático,
administrativo, intelectual e também científico. Com base nas contribuições da
antropologia da política, a ênfase recai sobre as concepções e práticas políticas que são
próprias às dinâmicas de engajamento e da militância política no Brasil, abordando dois
aspectos principais: a análise do desenvolvimento de abordagens que fazem do
engajamento individual o ponto de partida das investigações do ativismo; a relevância
da antropologia da política para o estudo das concepções culturais, da diversidade de
esferas e de redes sociais e dos respectivos recursos e vínculos sociais e políticos que
respaldam o engajamento e a participação política e possibilitam a aquisição e a
utilização instrumental da escolarização através da militância. O engajamento e a
militância múltipla, para darmos conta de fenômenos comumente associados ao
ativismo contemporâneo: institucionalização, profissionalização, expertise, formação
escolar.
Palavras- Chave: Movimentos Sociais. Inserção Social. Antropologia.
ABSTRACT
It was in the context of questions about the social, political and cultural possibility of
collective action and social movements that gradually emerged several approaches
centered in the apprehension of the conditions and own logic of engagement and
activism. Changes in forms of approaches, the issues raised and objects linked to the
investigation of activism, expressing as the "art of resisting the words" and "dominant
values" of the social world, political, media, administrative, intellectual, and also
scientific . Based on the anthropology of contributions policy, the emphasis is on the
ideas and political practices that are specific to the engagement dynamics and political
activism in Brazil, addressing two main aspects: the analysis of the development of
approaches that make the individual engagement point starting the activism of the
investigations; the relevance of political anthropology to the study of cultural
conceptions, the diversity of spheres and social networks and their resources and social
and political ties that support the engagement and political participation and enable the
acquisition and the instrumental use of the school by militancy. The engagement and
multiple militancy, to give account of phenomena commonly associated with
contemporary activism: institutionalization, professionalism, expertise, school
education.
Key -words : Social Movements . Social insertion. Anthropology.
INTRODUÇÃO
O tema dos movimentos sociais foi, inicialmente, objeto de certa
desconfiança e hostilidade, tanto no âmbito das ciências sociais como das demais
instituições democráticas. No entanto, a realidade do funcionamento da democracia
atestou, desde o início, justamente o contrário. Ou seja, uma multiplicidade de ações
reivindicativas e de contestação: é o caso dos levantes da comuna de Paris, o
movimento dos direitos cívicos nos USA durante os anos 50, as manifestações e
protestos transcorridos durante o “Maio de 68” nos EUA e na Europa, entre outros.
Foi somente com a emergência de movimentos como o dos direitos
humanos, o das mulheres, o pela paz, o contra a guerra do Vietnã, o estudantil, o
ambientalista, o antinuclear etc., que tal situação começou a mudar.
Nos últimos anos tem se observado um esforço crescente no sentido de
evidenciar as vinculações entre as abordagens que focalizam a “constituição e posição
social” dos militantes e as que se centram nas “dinâmicas interacionais e nas lógicas
processuais” do engajamento individual. Em consonância com as orientações que
criticam tanto a fixação na problemática identitária quanto a redução das disposições
que conduzem ao engajamento às situações de interação, sem descartar, ao mesmo
tempo, a multiplicidade de vinculação dos indivíduos a redes sociais como espaços de
socialização, um dos principais desafios enfrentados pela análise de carreiras, no que diz
respeito à integração da perspectiva diacrônica, consiste no exame dos processos de
socialização e de geração das disposições propícias à participação nas organizações e
movimentos sociais.
É no decorrer das diferentes etapas do processo de socialização que os
militantes vão aprendendo as técnicas requeridas para militar como lhe convêm,
percebendo e reconhecendo as possibilidades e os efeitos de suas práticas militantes e,
enfim, adquirindo um sistema estável de categorias de percepção que estruturam a
percepção e o gosto pelas sensações, efeitos e resultados que a participação em
mobilizações e organizações ambientalistas lhe proporciona.
Essa análise relacional das distintas “ordens de experiência” nas quais os
atores se encontram inseridos permite apreender as lógicas que conduzem ao
engajamento e à permanência na militância como resultado de constrangimentos
específicos relacionados aos locais, aos itinerários individuais e aos espaços sociais
dentro dos quais os atores estão inseridos.
DESENVOLVIMENTO
O grande desafio inserido nos estudos da militância política é muito
semelhante ao enfrentado pelos antropólogos no estudo de fenômenos políticos em
diferentes situações sociais, políticas e culturais.
Nesse sentido, coube inicialmente à antropologia estudar as sociedades ditas
“primitivas”, às quais eram amplamente definidas pela ausência ou “falta” de
características tidas como essenciais ao funcionamento e ao progresso da
“humanidade”, como era o caso da existência de “classes sociais” e do “Estado
Moderno”, entre outros. Porém, em meio a esse percurso, não muito diferente do que
ocorreu na sociologia e na ciência política, os estudos antropológicos sobre a política
trouxeram contribuições relevantes à investigação do fenômeno político.
Um dos pontos que merece destaque em tais iniciativas é a busca de
apreensão da “política” “seguindo as percepções dos agentes”, assim como a
preocupação em não tomar como ponto de partida (e de chegada) de “recorte da
política, instituições e representações estatais”, as “formulações e delimitações formais
do Estado”.
Em consonância com a prioridade da dimensão institucional, pode-se
destacar um conjunto de pressupostos “estrategistas” que reduzem as finalidades e ações
das organizações e ativistas ao “direcionamento às autoridades políticas e estatais”.
Com isso, o estudo dos processos e formas de participação foi reduzido à
sua dimensão institucionalizada, negligenciando categorias sociais e espaços de
participação que não estavam enquadrados institucionalmente na perspectiva de
funcionamento legítimo do chamado “Estado democrático”. De modo que só apenas
recentemente é que diferentes trabalhos têm procurado resgatar a importância de
compreender a “participação política” em sua conexão com diferentes grupos e espaços
sociais. Isso implicou a refutação de certas “categorias estigmatizantes” a partir das
quais as perspectivas políticas de certos grupos são apreendidas e a tentativa de
apreender numa diversidade de práticas e concepções expressas por tais camadas,
manifestações particulares de ação política.
Ora, se a análise estratégica possibilita dar conta dos “recursos que dispõem” os
militantes e que os torna “politicamente competentes”, bem como das “retribuições
materiais e simbólicas” que retiram de seu engajamento, quando ouvimos o que nos diz
nosso objeto a respeito de sua relação com a política instituída, a análise estratégica se
mostra insuficiente, pois o sentido de seu engajamento, seus percursos sociais, carreiras
militantes e suas diferenças geracionais evidenciam diversas formas de resistência,
recusa e contestação ao espaço político instituído.
Por isso, faz sentido pensar que mais do que simplesmente influenciar o espaço
político, trata-se de contestar em certa medida o “jogo de tomada do poder” do campo
político institucionalizado.
A respeito disso vale salientar que as análises produzidas a partir da investigação
do militantismo na defesa dos direitos humanos, de causas humanitárias, sindicais,
ambientalistas, entre outros, têm demonstrado que a importância crescente dos recursos
escolares e da legitimidade de expertise nas mobilizações coletivas pode ser tomada
como uma característica principal dos mais diferentes tipos de militantismo.
A valorização do trabalho de campo, como forma de apreensão do que nos
dizem concretamente nosso objeto (ativismo), não constitui um valor em si mesmo,
senão na medida em que está a articulado diferentes níveis de realidade. Nesse sentido,
coloca-se a necessidade de considerar diferentes formas de configuração da atividade
militante e de sua relação com outros espaços sociais.
Pelo contrário, muito mais do que a formação em si o que importa é a vinculação
da mesma com a “experiência vivenciada”, com a “realidade” e com a “prática”. Trata-
se de um engajamento que é apresentado como uma forma de exercício profissional,
pois aquilo que eles entendem por “profissão” já está desde o início impregnado por
uma “conotação política”, na medida em que se trata da realização de um
“compromisso” com uma “realidade” que é sempre “política”.
As definições que respaldam a militância na defesa de causas ambientais estão
fundamentadas em concepções politizadas da formação profissional, no sentido de que
ela resulta da capacidade de submeter à formação escolar e universitária ao engajamento
e à participação política em diversos tipos de organizações e de “movimentos sociais”.
Nesse sentido, pode-se dizer que, para o conjunto dos dirigentes, o engajamento
e a participação política constitui um dos ingredientes principais de sua formação e
exercício profissional e não algo que é simplesmente “complementar” ou “adicional” ao
seu trabalho e à sua ocupação. É por isso que o engajamento e a militância política, mais
do que significar “ruptura” ou “distanciamento” das atividades profissionais, constituem
sempre uma forma de “realização profissional”, de “comprometimento” e de não
distanciamento da “realidade”.
Por isso, independente do tipo de formação universitária adquirida (educação
física, biologia, geologia, direito, ciências sociais, jornalismo, etc.), é esse ativismo em
relação à escolarização e à atividade profissional que constituem a tônica principal do
relato dos entrevistados e que delimitam suas perspectivas de inserção e de ocupação de
postos no mercado profissional.
Como se sabe, pelo menos no caso brasileiro, uma das características das
dinâmicas de participação política é que os militantes estejam inseridos
simultaneamente em diversos tipos de organizações políticas e movimentos sociais
(MISCHE, 1997): partidos políticos, universidades, ONGs, organizações religiosas,
burocracia governamental, etc.
Desse modo, a apreensão das condições e dinâmicas do ativismo e das formas de
participação política decorre, principalmente, do desafio colocado em diferentes estudos
das formas de participação política, de realização de uma investigação que não parta de
“conceitos congelados sobre o pensamento e a ação política” e que tenha como desafio
evidenciar a “complexidade dos contextos analisados e das múltiplas perspectivas
implicadas” nos diferentes espaços sociais de participação política.
CONCLUSÃO
Os movimentos sociais emergiram nas ciências sociais Brasileiras durante o
processo de redemocratização, o qual se caracterizou por uma grande proliferação de
organizações e “movimentos sociais” vinculados às mobilizações pela
“democratização”.
Em consonância com isso, as apropriações da literatura internacional e, mais
especificamente, das teorias dos “Novos Movimentos Sociais” foi orientada pela
preocupação teórico-normativa de defender a novidade e pela defesa da autonomia e
resistência dos movimentos populares na “luta contra o Estado”.
Tais considerações nos colocam diante de perspectivas diferenciadas daquelas
que caracterizam a institucionalização do militantismo ambientalista como um processo
linear que resultaria de sua participação regular em instâncias formais de proteção
ambiental e da imposição da formação escolar e universitária como requisito principal
para o ingresso e o exercício da atividade militante.
Observa-se que, no caso em pauta, as retribuições ou os postos alcançados
através da militância na defesa de causas ambientais podem ser obtidos pela
reconversão da formação e do exercício profissional em diferentes esferas de atividade
com base nos vínculos estabelecidos pelos ativistas durante seus itinerários escolares e
profissionais com “movimentos sociais”, sindicatos, partidos políticos, universidades,
etc.
Com base em tais perspectivas, outro aspecto que torna pertinente os estudos
desse tipo diz respeito à possibilidade de análise do conjunto de atores e de recursos
mobilizados nas dinâmicas de constituição de manifestações e protestos públicos e de
suas implicações para a ampliação das possibilidades de discussão e avaliação do
associativismo e de suas relações com a política partidária.
REFERÊNCIAS
MISCHE, A. De Estudantes a Cidadãos. Redes de Jovens e Participação Política. In: Revista Brasileira de Educação, nº. 5 e 6, 1997, p. 134-150.
OLIVEIRA, W. J. F. A arte de resistir às palavras: inserção social, engajamento político e militância múltipla. In: SEIDL, E; GRILL, I. G. (Orgs) As Ciências Sociais e os espaços da política no Brasil. RJ: FGV, 2013.