A Arte Em Portugal No Século XX Trabalho Final

14
A Arte em Portugal no Século XX Rui Chaves – um olhar sobre a obra

Transcript of A Arte Em Portugal No Século XX Trabalho Final

Page 1: A Arte Em Portugal No Século XX Trabalho Final

A Arte em Portugal no Século XX

Rui Chaves – um olhar sobre a obra

Page 2: A Arte Em Portugal No Século XX Trabalho Final

A Arte em Portugal no Século XX

"A moral da arte reside na sua própria beleza."

Flaubert,  Gustave

Page 3: A Arte Em Portugal No Século XX Trabalho Final

A Arte em Portugal no Século XX

Nascido em 1966, em Lisboa, Rui Chafes, formou-se em Escultura, seguindo

depois para Dusseldorf. A escolha da cidade alemã revela desde logo o

interesse de Chafes pela cultura germânica e particularmente pelo período

Romântico. Chafes aponta mesmo como o artista preferido o escultor alemão

do gótico tardio, Tilman Riemenschneider, que considera uma referência: “…

pela exactidão com que Riemenschneider explora a linha e a precisão da

escultura.”

A

trajectória artística de Rui Chafes, inicia-se na década de oitenta, altura em que

as suas primeiras obras já apontam para certos temas que se manterão nos

anos posteriores; O domínio do material - do quase omnipresente ferro -, e as

constantes referências ao dramático, munindo a sua obra de uma componente

cenográfica que convive com um fundo conceptual. Embora clássico na

referência, Chafes é um escultor contemporâneo, na observação dos seus

trabalhos é perceptível o objecto enquanto excedente alegórico de uma

narrativa ligada ao nostálgico, ao existencial romântico.

Chafes pratica a escultura na forma de series, apropriando-se de uma lógica de

criação em que os vocábulos das denominações atribuídas – por vezes, frases

completas -, são parte integrante da obra, convocando o observador para uma

coerência poético-dramática conceptual. Palavras como «sonho», «morte»,

«manhã», «ferida», conduzem o espectador para um universo nostálgico de

referência ao Romantismo alemão.

Page 4: A Arte Em Portugal No Século XX Trabalho Final

A Arte em Portugal no Século XX

As suas esculturas incidem na dimensão humana, simultaneamente através de

uma associação directa da proporção do objecto em relação ao corpo, quer por

ausência ou substituição do mesmo.

Veja-se a série Cristal (1996), onde se concretiza de modo

explícito, a ausência do corpo, transversal em Chafes.

Esculturas de parede surgem, como máscaras de terríveis

rituais, modeladas nas tiras de ferro que as

constituem, sugerindo a formato da cabeça humana, sem que

contudo, essa modelação jamais deixe o domínio da

imaginação.

As esculturas

são formalmente

diversificadas quer no contexto, quer

no posicionamento, surgindo quer no

chão, tecto, ou penduradas nas paredes como

pinturas, ou ainda entre objectos de

decoração comum, ocupando cantos

de salas como móveis e até, em

árvores.

Neste questionamento do lugar da escultura, a

partir de várias instalações, o site-specific surge

frequentemente, no entanto e apesar da dimensão

das suas peças, a monumentalidade não surge

pela incorporação das peças na envolvente, mas

antes numa lógica em que ambiente faz parte da

peça como um todo. Este efeito subtil e discreto permite

que os seus site-specific adquiram neutralidade e

naturalidade fundindo-se como um todo.

É comum o recurso a formas

geométricas simples como sejam o

Page 5: A Arte Em Portugal No Século XX Trabalho Final

A Arte em Portugal no Século XX

cone, a esfera e o cilindro numa linha essencialmente minimalista de

conotações poéticas e antropológicas.

Apesar da utilização do mesmo material a arte de Chafes não se compara a

utilização do ferro efectuada por Richard Serra, que tende a reforçar o carácter

do material expondo a sua força monumental e poder. No caso de Chafes o

material é sublimado, parecendo por vezes recortado à tesoura, adquirindo um

carácter neutral, comparável à escrita, servindo apenas para expor ideias,

adquirindo uma certa invisibilidade material.

As obras tendem a observar-nos e mantêm consigo uma distância discreta,

exigindo do observador uma

convergência para entendimento da

“linguagem da obra”.

A obra exige por isso concentração e

introspecção por parte do espectador,

parecendo inicialmente fechada,

revela-se aberta com uma vida

própria. Deixando pressentir um espaço interior à margem do espectador.

É assíduo na sua obra, o recurso a um dualismo paradoxal, na exploração de

conceitos como interior e exterior, leveza e

peso, presença e ausência, matéria e ideia.

Veja-se o caso de “lições das trevas”

(2001), onde Chafes cria modelações

antropomórficas imperativas, que nos

sugerem quer corpos, quer edifícios altos de

uma cidade, numa verticalidade justaposta

onde explora um dualismo

interior/exterior: orifícios deixam pressentir a existência de um espaço interior,

Page 6: A Arte Em Portugal No Século XX Trabalho Final

A Arte em Portugal no Século XX

abrindo-se do lado oposto numa vida nova, secreta. O lado oculto surge de

forma “voyeurista” pelo espectador que tem a oportunidade de explorar o lado

interior e exterior simultaneamente.

A transferência e integração de peças em novos espaços, surge

frequentemente, na sua busca de novos conceitos. Chafes recorre

frequentemente à apropriação de esculturas anteriormente projectadas, para

através de novo alinhamento e montagem transformar as peças numa

instalação, metamorfoseando-as numa nova unidade.

No site-specific, “Lições de

Trevas”, Chaves reforça as

particularidades antropomórficas

das suas peças ao surgirem

numa Catedral. Quais vultos

monásticos, emergem no

contacto com um espaço que

invadem brotando consigo, a

dúvida se o espaço as apropriou

ou se as mesmas nele,

discretamente, se dissimularam. Chafes reforça assim o carácter alegórico do

objecto, numa narrativa artística aliada ao existencial nostálgico romântico.

Desafiado a intervir directamente num

bosque holandês, Chafes criou

“Unborn”, um site-specific onde o

efeito gravitativo do conjunto

composto, com os jogos de pesos

invertidos, confere um ambiente de

conotação melancólica, fortalecida

pela integração da escultura no

espaço natural. Os enormes

“Alfinetes negros” encostam-se a árvores devido a sua instabilidade “natural”, e

na sua colocação, compõem uma paisagem onde a ausência de reflexos, se

contrapõem com o suporte, que por oposição se ergue na procura de luz.

Page 7: A Arte Em Portugal No Século XX Trabalho Final

A Arte em Portugal no Século XX

O corpo enquanto presença ausente, imaginada ou

substituída é – como já referido - uma

constante na sua obra. Esta incidência na

dimensão humana, é manifesta na obra

“Não Quando os Outros Olham”, de 1996, que

apresentava um par de sapatos infrutíferos a um

possível uso e simultaneamente sugestivos de

uma ausência.

O corpo é intuído, quando com recurso à malha de ferro,

cria peças de vestuário, que acentuam o desequilíbrio

entre as referências do espectador e a ausência de

utilidade prática da escultura. É também o corpo que

determina em 2000 a dimensão da obra Secreta

soberania (quando te vejo o mundo cessa por

momentos de existir), e (até ao momento do nosso

doce encontro), onde o tamanho da gaiola interior é determinado pelo corpo do

artista, enquanto a exterior é determinada pelo corpo de sua mulher.

Esta incidência do corpo é partilhada ao longo

de certas obras, onde se intromete a

dimensão humana na escultura. A partir de

performances ou de outros domínios de

criação, como a dança, as esculturas

revelam uma simbiose entre dois espaços

aparentemente divergentes.

Neste contexto os projectos

concretizados em parceria com autores procedentes de outros domínios de

criação como a dança ou o cinema adquirem especial relevo. Destaco aqui a

obra “comer o coração” que Rui Chafes e Vera Mantero criada para a 26.ª

edição da Bienal de Artes de São Paulo.

Através da construção imaginada por Rui Chafes, o corpo de

Vera Mantero escapa-se do chão e animado pelos desenhos que

o redesenham a escultura e o corpo vivo coexistem

Page 8: A Arte Em Portugal No Século XX Trabalho Final

A Arte em Portugal no Século XX

contíguos numa concepção habitual no autor, a apropriação do corpo no meio

do ferro.

Obras há, em que a escultura surge como substituta do

corpo, revezando numa aparente

“normalidade”, o espaço do corpo, com

recurso a alusões cenográfica/dramáticas

que conduzem o observador a

percepcionar por contestação tal

transferência.

Chafes procura o absoluto, a pura essência, figurado na forma de uma

bola de ferro perfeita que funciona como um dupla

máscara: sol negro que simultaneamente levita e

atrai o nosso estupefacto olhar para uma

impossibilidade física.

A bola de ferro sustida como um sol negro sobre fitas, sem peso aparente, é

uma obra que emerge sob diferentes títulos: Amanhecer, Sol, Suave Medo

Escuro, Um Sopro, A Tua Sombra, Entre o Dia e o Sonho, Respiração, Perder

a Sombra, Durante o Sono - até A Alma, Prisão do Corpo. Dadas as

características das peças, cria-se a ilusão de suspensão,

dissimulando o material utilizado, assim e embora

Chafes assuma o material nas suas obras, ao expor as soldaduras,

o efeito gravitativo do conjunto, com os jogos de pesos invertidos,

confere-lhe uma conotação melancólica e cria um paradoxo.

Page 9: A Arte Em Portugal No Século XX Trabalho Final

A Arte em Portugal no Século XX

Construir obras de arte

contemporânea que

contrariem a habitual falta

de qualidade da escultura

monumental que se vai

estabelecendo por

cidades e rotundas é

sempre de louvar, no

caso de Chafes a sua

produção contínua tem transportado para o espaço exterior alguns elementos

de destaque. A integração de peças no espaço urbano ou natural é comum a

Chafes desde o início de carreira, das várias obras passíveis de análise

destacarei a obra “Despertar”, realizada em 2003, a pedido do Hospital de

Santa Maria, aquando da comemoração dos cinquenta anos da instituição

hospitalar.

A obra apresenta duas hastes cilíndricas e lisas elevando-se no espaço,

paralelas. No topo reconhecem-se as formas esféricas de duas flores, uma

fechada em botão, mas já a anunciar abrir-se, e uma outra aberta, com um

sequência regular de lâminas ou pétalas num movimento que parece querer

resistir ao fim do seu ciclo de vida. Construída sobre umas frágeis colunas,

num jogo de equilíbrios de pesos invertidos. “Despertar”, associa a ideia de

nascimento e de acordar, de regresso à vida, correspondente à escolha do

lugar de inserção, o caminho da Maternidade e das Urgências. Apesar da

Horas de chumboDespertar -2004

Page 10: A Arte Em Portugal No Século XX Trabalho Final

A Arte em Portugal no Século XX

dimensão a escultura afirma-se não pela monumentalidade mas pela

intensidade.

Conclusão

Há na obra de Rui Chafes, uma reflexão teórica, um cuidado contemplativo de

quem percebe e entende o lugar do silêncio; uma severidade e resistência a

um mundo que tende para a superficialidade, emergindo uma poetização que

nos faz parar para pensar.

Page 11: A Arte Em Portugal No Século XX Trabalho Final

A Arte em Portugal no Século XX

Chafes expõe conceitos poético-românticos com recurso a esculturas pesadas

sugestivas de leveza, por vezes flutuando fazendo-nos repetidamente elevar o

olhar, num exercício gótico - opondo-se nessa elevação à horizontalidade da

escultura minimalista, mas mantendo desta o seu rigor.

Bibliografia

Hoet , Jan, Maes, Frank, Drathen, Doris Van “Rui Chafes - Um Sopro”

galeria Graça Brandão, Porto, 2003