A arte na Pré-história do Brasil

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REVISTAS CIENTÍFICAS TIRAM A AMÉRICA tATINA DA SOMBRA

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Pesquisa FAPESP - Ed. 105

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Page 1: A arte na Pré-história do Brasil

REVISTAS CIENTÍFICAS TIRAM A AMÉRICA tATINA DA SOMBRA

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A IMAGEM DO MÊS

ELES E NÓS

O Homo floresiensis tinha apenas l metro de altura e habitou a Ilha das Flores, na Indonésia, há cerca de 15 mil anos, época em que o Homo sapiens já havia colonizado todo o planeta. A descoberta do fóssil numa caverna acrescentou mais um ramo na árvore genealógica da humanidade. Na foto, a comparação do crânio do hominídeo anão, que tinha o cérebro do tamanho do de um chimpanzé, com o do homem moderno.

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Peierecnologiaii8 l'APESP

www. revistapesq uisa. fapesp . br

80 CAPA

Livros mostram a diversidade da arte rupestre nacional e resgatam a vida na Pré-história

12 ENTREVISTA

Pesquisador, reitor, governador da Bahia, Roberto Santos fala de uma vida como observador engajado e ator da política nacional de C& T

4 · NOVEMBRO DE 2004 • PESQUISA FAPESP 105

REPORTAGENS

POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

26 PUBLICAÇÕES

Rede Sei E LO reúne 200 revistas ibero-americanas e consolida modelo de acesso livre a artigos

30 DIVULGAÇÃO

Mais de 1.800 eventos em 252 cidades agitaram a I Semana Nacional de Ciência e Tecnologia

32 BIOSSEGURANÇA

Senado autoriza pesquisas com células-tronco e devolve poderes à CTN Bio

33 BOLSAS

Programa vai apoiar estágios de longa duração no exterior para pós-doutores

34 INOVAÇÃO

Pequenas empresas terão ajuda da Finep para consolidar seus negócios

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REPORTAGENS

35 HOMENAGEM

O engajamento de Carolina Bori (1924-2004) em bandeiras da psicologia e da universidade

CIÊNCIA

42 FÍSICA

Experimento redefine o conhecimento sobre a interação de núcleos atômicos

46 BIOQUÍMICA

Dois equipamentos põem o país na linha de frente do estudo da estrutura e da ação das proteínas

50 GENÉTICA

Quase 40% dos brasileiros têm mutações que desestimulam o tabagismo

52 BIOLOGIA

Estudo registra 2.122 espécies de peixes de água doce no país, mas a maioria tem baixo valor comercial

56 USP 70

Como a pesquisa da Faculdade de Educação da USP contribuiu para um ensino público e para todos

TECNOLOGIA

68 FARMACOLOGIA

Pariparoba mostra ação antioxidante e começa a ser usada em produtos que protegem a pele contra a ação do sol

72 METALURGIA

Empresa transforma sucata em matéria-prima usada na produção de ligas de alumínio

76 AGRICULTURA

Embrapa desenvolve para a Região Nordeste amendoim de pele clara e resistente à seca

78 QUÍMICA

Faber-Castell, em parceria com a U FSCar, cria grafite de lápis mais resistente

/

HUMANIDADES

86 LITERATURA

Livro discute as razões para se aventurar no inesgotável território dos romances brasileiros

90 COMUNICAÇÃO

Estudo propõe que o texto jornalístico é a principal narrativa contemporânea

SEÇÕES

A IMAGEM DO MÊS .............. 3

CARTAS ....................... 6

CARTA DO EDITOR ............... 9

MEMÓRIA ................... . 10

ESTRATÉGIAS ................. 20

LABORATÓRIO ................. 38

SCIELO NOTÍCIAS .............. 62

LINHA DE PRODUÇÃO ........... 64

RESENHA ..................... 94

LIVROS ....................... 95

FICÇÃO ....................... 96

Capa: Hélio de Almeida Foto da Capa: Reprodução do livro Imagens

da Pré·história Tratamento de imagem: José Roberto Medda

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CARTAS [email protected]

Revista

Foi com prazer que folheei Pes­quisa FAPESP, assim que a recebi. É uma ótima revista, bem escrita e bem paginada. É uma grande contribui­ção às ciências no Brasil e às voca­ções científicas. Parabéns.

ROBERTO D UAIL!BI

DPZ São Paulo, SP

Dizer que a revista Pes­quisa FAPESP é fantástica é pouco. Todos os artigos pu­blicados são uma fonte de saber e cultura para todo ti­po de leitor, do estudante ao cientista. Quero agradecer aos belos artigos com temas por­tugueses. Como português que sou, fiquei muito feliz com os textos "Uma missão portuguesa com certeza" (edição no 95), "A mulher que amamos odiar" (no 96), "Em se plantando, dinheiro dá" e "Uma prova de quali­dade" (no 102). Com respei­to a esse último, adorei saber que o Brasil é o único país latino­americano a fazer parte do ranking das nações que mais fazem pesquisa relevante.

A NTONIO ARMANDO AMARO

São Paulo, SP

Gilberto De Nucci

A entrevista "O radical dos fár­macos" (edição no 103) apresenta aspectos contraditórios entre a ati­vidade acadêmica e a indústria far­macêutica. Quando o entrevistado aborda os efeitos do placebo e dos re­médios, afirma: "As porcentagens de pacientes que se beneficiam com os remédios é de 2% ou 3%': Quando discute os procedimentos clínicos do médico e a conversa com o paciente, diz: "Bobagem, medicamento é que realmente faz a diferença". Quando

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aborda as cirurgias, considera que "eventualmente podem ser abando­nadas, hoje se trata tumor de prósta­ta com medicamentos': Enfim, essas contradições pessoais e com o pró­prio conhecimento farmacológico acumulado em algumas décadas confundem o leitor. É de conheci­mento que, embora farmacologica­mente inativo, o placebo possui po­derosa ação terapêutica, chegando a

EMPRESA QUE APÓIA A PESQUISA BRASILEIRA

lJ) NOVARTIS Trop1Net.org

produzir com freqüência melhora em até 30% dos pacientes tratados, todavia isto não significa que os me­dicamentos atualmente no mercado não produzam benefícios. É sabido que em razão das variáveis biológicas muitos pacientes não respondem ao tratamento farmacológico, e até que muitas vezes o mesmo paciente res­ponde de forma diferente ao mesmo medicamento, mas afirmar que "para 90% da população os remédios não produzem efeito nenhum" é ignorar o estado atual da arte. Em outro mo­mento da entrevista o professor De Nucci refere que "função do médico é fazer diagnóstico e prescrever re­médio ... se o paciente pode ou não comprar o medicamento nunca foi problema médico': Nesse caso, o en­trevistado esquece que a falta de ade­são ao tratamento farmacoterapêu-

tico é hoje um dos maiores proble­mas de reinternações hospitalares. Portanto, o poder aquisitivo da po­pulação é sim problema também do médico. Outro ponto questionável da entrevista refere-se à questão dos ro­yalties e da universidade, quando o professor afirma: ''A universidade fi­cou com zero%". É importante lem­brar que a Universidade de São Pau­lo (USP) é financiada com dinheiro

público e toda a estrutura fí­sica e pessoal que o profes­sor utiliza para desenvolver seus serviços tem um alto custo. Portanto, sem entrar no mérito dessa sua dupla atividade, nada mais justo que a USP receba parte dos lucros gerados por ela.

M OACYR LUIZ AIZENSTEIN

ICB/USP São Paulo, SP

Os aspectos técnicos co­locados pelo prof. Gilberto De Nucci (edição no 103) sobre a eficácia de medica­mentos são muito interes­santes e merecem reflexão,

mas seu posicionamento ético é muito precário. Isso é, para mim, tão preocupante quanto a evidência de que apenas 10% das pessoas que fa­zem uso de remédios realmente se beneficiam com eles.

Idiomas

}ANAINA B ULHOES MIRANDA

São Paulo, SP

Li o artigo "O avesso de Narciso" (edição n° 103). Gostaria de dizer que a ilustração da página 37 deveria ter como título "Un dimanche apres­midi à l'ile de la Grande Jatte': Na re­vista o título da obra está escrito em inglês. O inglês está a cada momento tendo mais influência, sem que nada possa justificá-lo. Ainda lembro que no artigo sobre os detectores de par­tículas instalados no pé dos Andes, se

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falava de "chairman" do projeto, em lugar de presidente, por exemplo. Ci­dadão francês, estou bastante enver­gonhado de saber que a Académie des Sciences do meu país aconselha aos autores escreverem em inglês, como foi relatado num número ante­rior de Pesquisa FAPESP. No entanto acho que a revista deveria incentivar o uso do português e dar um espaço adequado para os demais idiomas.

YVES MANIETTE

Instituto de Química/Universidade Estadual Paulista

Araraquara, SP

Falta psicologia

A seriedade, qualidade e apresen­tação de Pesquisa FAPESP são indis­cutíveis. No entanto venho notando a ausência de temas relacionados às pesquisas e modalidades de aplicação da área de psicologia.

Enchentes

G ABRI EL Z AIA LESCOVAR

São Paulo, SP

Excelente a reportagem sobre as enchentes (edição no 103), demons­trando que métodos e técnicas sim­ples e de baixo custo podem ameni­zar os problemas das chuvas, evitando assim que a população de baixa ren­da fique ainda mais pobre.

SILVIA E LENA V ENTORI NI

Rio Claro, SP

Engenharia química

Foi com satisfação que pudemos ler, na edição no 100 de Pesquisa FA­PESP, a reportagem sobre a Escola Politécnica da USP (EP-USP), na série "USP 70 anos", com destaque para pesquisas desenvolvidas em algumas áreas (engenharia elétrica, engenha­ria civil, engenharia mecânica e ma­teriais). No entanto, como a reporta­gem não incluiu a área de engenharia

química, gostaríamos de mencionar algumas atividades que, a nosso ver, merecem destaque. O Departamento de Engenharia Química da EPUSP sedia o Centro de Excelência em Au­tomação de Processos da Petrobras, único centro de excelência no tema no Brasil e o único localizado em uma universidade. Tal condição é o resultado dos trabalhos de alto nível desenvolvidos pela equipe de pesqui­sa nos últimos dez anos, que resulta­ram em contribuições importantes para o setor da indústria de petróleo e petroquímica. A equipe, envolvida nas atividades de modelagem, simu­lação e otimização de processos, é uma das lideranças mundiais no tema. O Centro de Capacitação e Pes­quisas em Meio Ambiente está sen­do construído em Cubatão, a partir de um acordo de compensação am­biental entre Petrobras, Cetesb e Mi­nistério Público. Esse centro de estu­dos multidisciplinares, que será doado à USP, teve sua concepção, projeto e implementação elaborados e coorde­nados por nosso grupo do Departa­mento de Engenharia Química. Há ainda o Centro de Engenharia de Sis­temas Químicos e o fato de sermos . o laboratório principal no projeto Tidia-KyaTera na área de aplicações deWebLab.

R O BERTO G UA RDANI, CLAUDIO A. ÜLLER

DO N ASCIMENTO, REINA LDO GJUDICJ

Professores titulares da Escola Politécnica da USP

São Paulo, SP

Correção

Na reportagem "O corpo como ficção" (edição no 104), o endereço correto do si te Opus Corpus é http:/ I opuscorpus.incubadora.fapesp.br

Car tas para esta revista devem ser enviadas para

o e-mail [email protected], pelo fax (ll) 3838-41 81

ou para a rua Pio XI, 1.500, São Paulo, SP,

CEP 05 468-~0l. As cartas poderão ser

resumidas por motivo de espaço e clareza.

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~ natura bem estar bem

Natura Ekos. Viva sua Natureza. Na linha Natura Ekos, tudo leva ao bem estar bem. A começar pelo uso de ativos da biodiversidade brasileira, que a Natura procura extrair de forma sustentável. Com benefícios que resgatam a experiência que índios, caboclos e sertanejos acumularam ao longo de séculos de convivência com as florestas. Feche os olhos, estimule os sentidos. Utilize os recursos naturais de forma que todos tenham acesso a eles. Hoje e sempre. www.natura.net

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Pesquisa CARLOSVOGT

PRESIDENTE

CONSELHO SUPERIOR

ADILSON AVANSI DE ABREU, CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ, CARLOS VOGT, CELSO LAFER,

HERMANN WEVER, HORÁCIO LAFER PIVA, JOSÉ ARANA VARELA, MARCOS MACARI, NILSON DIAS VIEIRA JÚNIOR,

RICARDO RENZO BRENTANI,VAHAN AGOPYAN, YOSHIAK1 NAKANO

CONSELHO TÉCNICO-ADMINISTRATIVO

JOAQUIM J. DE CAMARGO ENGLER DIRETOR ADMINISTRATIVO

E DIRETOR PRESIDENTE (INTERINO)

JOSÉ FERNANDO PEREZ DIRETOR CIENTÍFICO

PESQUISA FAPESP

CONSELHO EDITORIAL

LUIZ HENRIQUE LOPES DOS SANTOS (COORDENADORCIENTÍFICO), EDGAR DUTRA ZANOTTO, FRANCISCO ANTÔNIO

BEZERRA COUTINHO, JOAQUIM J. OE CAMARGO ENGLER, JOSÉ FERNANDO PEREZ,

LUIZ EUGÊNIO ARAÚJO DE MORAES MELLO, PAULA MONTERO, WALTER COLLI

DIRETORA DE REDAÇÃO MARILUCE MOURA

EDITOR CHEFE NELDSON MARCOLIN

EDITORA SÊNIOR MARIA DA GRAÇA MASCARENHAS

DIRETOR DE ARTE HÉLIO DE ALMEIDA

EDITORES CARLOS FIORAVANTI (CIÊNCIA), CARLOS HAAG (HUMANIDADES),

CLAUDIA 1Z1QUEIP0ÜTICAC4T), HEITOR SHIMIZU (VERSÃOON-UNE), MARCOS DE OLIVEIRA (TECNOIOOIA)

EDITORES ESPECIAIS FABRlClO MARQUES, MARCOS PIVETTA

EDITORES ASSISTENTES DINORAH ERENO, RICARDO ZORZETTO

CHEFE DE ARTE TÂNIA MARIA DOS SANTOS

D1AGRAMAÇÃ0 JOSÉ ROBERTO MEDDA, MAYUMI OKUYAMA

FOTÓGRAFOS EDUARDO CÉSAR, MIGUEL BOYAYAN

COLABORADORES ANA LIMA, 8RAZ, CAROL LEFÈVRE, EDUARDO GERAQUE

(ON-LINE), FRANCISCO BICUDO, JOSÉ CASTELLO, LAURABEATRIZ, LEDA BALBINO, MARCELO HONÔRIO (ON-LINE),

MÁRCIO GUIMARÃES DE ARAÚJO, MARGÔ NEGRO, NELSON DE OLIVEIRA, RUTH HELENA BELLINGHINI,

SYLVIA LE1TE.THIAGO ROMERO (ON-LINE), TIAGO CP DOS REIS MIRANDA E YURI VASCONCELOS

ASSINATURAS TELETARGET

TEL. (11) 3038-1434 - FAX: (11) 3038-1418 e-mail: íapesp@tele(arget.com.br

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Os artigos assinados não refletem necessariamente a opinião da FAPESP

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FUNDAÇÃO DE AMPARO Á PESQUISA 00 ESTADO DE SÃO PAULO

SECRETARIA DA CIÊNCIA, TECNOLOGIA, DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO ETURISMO

GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO

CARTA DO EDITOR

Visões do nosso passado

A reportagem de capa desta edição /\ de Pesquisa FAPESP parece-me

1 \_ especialmente agradável, leve, fá- cil de ler. Faz parte do trabalho da equi- pe que a cada mês prepara esta revista, é claro, mostrar em textos jornalísticos claros, inteligíveis para especialistas e leigos, alguns dos melhores projetos de pesquisas científicas e tecnológicas de- senvolvidas neste país. Muitas vezes, contudo, essa é uma missão árdua, da- da a complexidade, a dureza mesmo, das explicações e dos textos científicos, não raro atravessados por fórmulas, equa- ções e conceitos muito específicos e so- fisticados. Não neste mês, decerto, em que, na seção de Humanidades, conse- guimos juntar ciência com arte na bela reportagem do editor especial Marcos Pivetta sobre a arte rupestre nacional, a partir da página 80.

Só recentemente, pouco mais de 20 anos para cá, começou-se a dar mais atenção às imagens pré-históricas pin- tadas em cavernas ou fora delas e gra- vadas em pedras no território brasilei- ro. Antes disso, a atenção estava quase sempre mais voltada para outras for- mas de vestígio arqueológico. Uma in- justiça, como o demonstram dois livros lançados recentemente e que exploram com linguagem simples esse mundo gráfico construído por nossos antepas- sados e mostram a diversidade de téc- nicas, formas e temas que o integra na Amazônia e no Nordeste. Nesse mun- do, pinturas e gravações na pedra, fei- tas há milhares de anos, espalhadas por todas as regiões do Brasil, representam pessoas interagindo entre si e com ani- mais, em cenas de caça, dança e sexo.

Em Política Científica e Tecnológica vale destacar uma reportagem que mos- tra efeitos, para muito além do espera- do, de uma divulgação científica feita com alta competência e critério. A par- tir da página 26, a editora Claudia Izique relata como o sistema de publicação eletrônica de revistas científicas ibero- americanas de acesso aberto, a Rede SciELO, chegou à marca de 200 títulos no mês. No Brasil, são 131 revistas na base SciELO, que registra cerca de 1 milhão de acessos por mês. A rede co- meçou a funcionar com publicações brasileiras, mas evoluiu para incorpor-

rar revistas de outros países ibero-ame- ricanos. Hoje, Brasil, Chile, Cuba e Es- panha são cobertos pela rede, mas Argentina, Colômbia, México, Peru e Venezuela participarão dela em breve.

Presentes nas melhores revistas cien- tíficas do país e do exterior, os estudos sobre análise de proteínas já mobilizam mais de 200 grupos de pesquisa nessa área, batizada de proteômica. Agora se quer identificar a estrutura, a função e os modos de interação dessas moléculas, codificadas pelos genes. Em outubro, co- meçaram a funcionar dois novos equi- pamentos do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron, em Campinas, que per- mitem identificar a seqüência de ami- noácidos {página 46). Isso coloca o país entre aqueles com tecnologia para ana- lisar em detalhes a estrutura das proteínas. Grupos de qualquer parte do país, rela- tam o editor assistente de Ciência Ricardo Zorzetto e a repórter Ruth Bellinghini, poderão trabalhar com os dois espectrô- metros de massa - financiados pela FA- PESP num total de US$ 1,3 milhão -, desde que as propostas sejam aprovadas pelo laboratório. A perspectiva é que es- ses estudos ajudem a encontrar soluções na área de saúde e agricultura.

Em Tecnologia, as plantas mais uma vez merecem destaque nas páginas de Pesquisa FAPESP (página 68). Um arbus- to originário da Mata Atlântica, a paripa- roba, relata a editora assistente Dinorah Ereno, mostrou ter atividade protetora contra os raios ultravioleta do tipo UVB, os mais lesivos para a pele. A descoberta, feita por equipe da Faculdade de Ciên- cias Farmacêuticas da Universidade de São Paulo, já levou a um pedido de pa- tente e interessou a uma empresa nacio- nal, que venceu a licitação de concessão de licença para utilização do extrato da raiz no desenvolvimento de produtos de uso cosmético. Um exemplo de bom casamento entre universidade, empresa e pesquisadores.

Por fim, não deixe de ler o conto do escritor Nelson de Oliveira (página 96), uma imaginativa história sobre o nasci- mento e morte de descobertas e concei- tos científicos. Tudo discutido numa longa e demorada fila do correio.

MARILUCE MOURA - DIRETORA DE REDAçãO

PES0UISA FAPESP 105 ■ NOVEMBRO DE 2004 • 9

Page 9: A arte na Pré-história do Brasil

Asas de borboleta desenhadas pelo naturalista: estudo detalhado sobre mimetismo

Um sábio na selva Há um século e meio, Fritz Müller, um dos grandes naturalistas do mundo, chegava ao Brasil-paraficar

NELDSON MARCOLIN

Delirante, já perto da morte, o naturalista Fritz Müller só pensava em bromélias. Em frases soltas, desfiava

as espécies já nomeadas e outras por estudar. Ele não falava dos crustáceos que ajudaram a firmar a teoria da evolução e encantaram Charles Darwin, nem das borboletas que imitam umas às outras para se livrar de predadores ou das orquídeas, todos objetos de intensa observação. Aos 75 anos, Müller tinha delírios febris com bromélias, donas de uma beleza selvagem que o levara a cultivá-las às dezenas em seu grande jardim à beira-rio, em Blumenau. Na Europa só era possível ver essa planta da família Bromeliaceae em herbários por ser exclusiva do continente americano (das mais Müller: à vontade na floresta

10 ■ NOVEMBRO DE 2004 ■ PESOUISA FAPESP 105

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de 3 mil espécies, somente uma delas habita a África). O final da vida desse excepcional naturalista é narrado por Moacir Werneck de Castro na biografia O sábio e a floresta - A extraordinária aventura do alemão Fritz Müller no trópico brasileiro (editora Rocco, 1992, esgotado). Castro mostra que o cientista realizou seu desejo de juventude de conhecer e desbravar uma terra nova com todo o tipo de espécies animais e vegetais, boa parte delas ainda ignorada pelos especialistas. Johann Friedrich Theodor Müller, o nome completo de Fritz Müller, era natural da região central da atual Alemanha, Turíngia. Chegou em Santa Catarina em 1852 com a mulher, Karoline, a filha Johanna e um dos irmãos, August, também casado. A imaginação do jovem Müller sempre fora excitada

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pelos relatos dos naturalistas e artistas expedicionários que ajudaram a mostrar o Brasil dos séculos 18 e 19 para o mundo, como Alexander von Humboldt (que Müller conheceu na Alemanha), Wilhelm Ludwig von Eschwege, Carl von Martius, Johann Spix, Georg Heinrich von LangsdorfF, Hermann Burmeister, Peter Wilhelm Lund, Moritz Rugendas, Aimé-Adrien Taunay e Hercule Florence, entre outros. E, claro, Charles Darwin, que detestou a escravidão então reinante

no país, mas maravilhou-se com as florestas brasileiras. Para alguém como Müller, formado em farmácia e medicina, com enorme vocação para o naturalismo, ir para o novo mundo era só uma questão de tempo. Uma vez instalado na colônia criada no Brasil pelo velho amigo Hermann Blumenau, o cientista alemão trabalhou duro com a mulher e o irmão para construir sua casa e plantar a própria comida. Ao mesmo tempo, tinha de educar pessoalmente as filhas (teve nove mulheres e um menino, que viveu

Água-viva e crustáceo em desenho meticuloso de Müller: contribuição à teoria darwinista

poucas horas), precaver-se contra os ataques de onças e índios e, ainda assim, observar bichos e plantas, coletar espécies para estudo e escrever relatórios, artigos e cartas para periódicos no exterior e no Brasil. "Ele teve 248 trabalhos publicados, entre memórias e monografias, em inúmeros periódicos científicos do mundo", diz Paulo Labiak, professor da Universidade Federal do Paraná e presidente da Mülleriana: Sociedade Fritz Müller de Ciências Naturais, de Curitiba. "Mesmo para os padrões de hoje, mais de um século depois, com todos os recursos gráficos e eletrônicos disponíveis, essa produção é impressionante." O naturalista alemão publicou apenas um livro, Fatos e argumentos a favor de Darwin, primeiro na Alemanha (para onde nunca voltou), em seguida na Inglaterra - só apareceu no Brasil depois de anos. A idéia era dar mais elementos que fortalecessem a teoria sobre evolução. O alemão usou os crustáceos como ponto de partida e comparou os tipos superiores com os inferiores - mostrou que ambos tinham passado pela mesma forma embrionária. O livro levou Müller a uma prolífica correspondência científica com o inglês e outros cientistas europeus. Impressionado com a qualidade do trabalho do alemão, Darwin passou a chamá-lo de "príncipe dos observadores".

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ENTREVISTA: ROBERTO SANTOS

Observações de um

espectador eggaja MARILUCE MOURA

O professor Roberto Figueira Santos, 78 anos, foi nas décadas de 1970 e 1980 um dos mais destacados políticos baianos, mesmo caminhando, de certa maneira, na contramão da corrente hegemônica do poder local, liderada pelo hoje senador Antônio Carlos Magalhães. Governador

do estado de 1975 a 1979, ele inclui em sua biografia políti- ca stricto sensu também um mandato de deputado federal (1996/1999), além dos cargos de presidente do Conselho Na- cional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq (1985/1986) e de ministro da Saúde (1986/1987), ambos exer- cidos durante o governo José Sarney, o primeiro do Brasil pós-ditadura militar. Tomado o termo política em sentido lato, essa biografia abarca numerosos outros cargos, a come- çar pelo de reitor da Universidade Federal da Bahia (UFBA), de 1967 a 1971. E inclina-se, sem sombra de dúvida, para os campos da educação superior e da ciência e tecnologia. Aliás, no momento ele é membro do Conselho Nacional de Ciên- cia e Tecnologia, com mandato até o próximo ano.

Pesquisador e docente da área médica em sua origem pro- fissional, Roberto Santos é, em outras palavras, quando não ator nesta cena, pelo menos um observador privüegiado da política científica e tecnológica do país desde os longínquos anos 1950. E seu olhar para o país, crítico, animado por vi- vidas memórias, parte de uma área nem central nem a mais periférica na produção contemporânea de conhecimento científico nacional - a Bahia ocupa o nono lugar no ranking da produção brasileira por estado, empatada com o Ceará, se- gundo dados de 2004 do Institute for Scientific Information (ISI)/Web of Science, baseados na publicação de artigos cien- tíficos em periódicos indexados no período de 1998 a 2002.

Filho do professor Edgard Rego dos Santos, o líder da or- ganização da UFBA em 1946 e o grande responsável pela inclusão de unidades autônomas e prestigiadas de dança, de teatro e de música na estrutura da universidade, casado há 41 anos com Maria Amélia, pai de seis filhos e avô de seis

12 ■ NOVEMBRO DE 2004 ■ PESQUISA FAPESP 105

Page 12: A arte na Pré-história do Brasil

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PESQUISA FAPESP 105 ■ NOVEMBRO DE 2004 ■ 13

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netos, Roberto Santos falou longamente à Pesquisa FAPESP em agosto passado. Dessa agradável conversa em sua bela casa na Quinta do Candeal, em Salva- dor, seguem abaixo os principais trechos.

■ Eu gostaria de começar nossa conversa pelo começo de sua vida profissional, ou seja, por sua atividade de pesquisador e professor da área médica. — Eu realmente tive uma vida com ati- vidades muito variadas, algumas delas até imprevistas, mas comecei com de- dicação total ao ensino e à pesquisa em medicina. Fiz meu curso de médico aqui na Universidade Federal da Bahia, e daí fui para o exterior. Levei quase três anos lá e quando voltei passei a trabalhar no Hospital das Clínicas da universi- dade, cujo nome oficial é Hospital Uni- versitário Professor Edgard Santos, que estava começando com condições de trabalho realmente excepcionais, e fiquei totalmente dedicado às atividades acadê- micas. Tanto que quando uns 17 anos de- pois fui encaminhado para uma ativida- de que obrigava à militância política, foi uma surpresa geral, porque eu não da- va sinais de que tivesse essa inclinação.

■ Seu período no exterior, logo após se for- mar, inclui um tempo na Universidade de Cornell. — Eu estive em três universidades de tendências diferentes, em três cidades muito diferentes. Viajei recém-forma- do - me formei em dezembro de 1949 e fui para o exterior em julho de 1950 -, numa época em que o Brasil tinha se afastado muito dos países mais avança- dos por causa da guerra, e estávamos então com um tipo de formação bas- tante fora do tempo. A guerra acabara cinco anos antes, os Estados Unidos es- tavam então muito voltados para o Pla- no Marshal, de apoio à reconstrução da Europa, e com isso o apoio a outras re- giões do mundo, inclusive a América La- tina, foi muito reduzido. Eu fui dos pri- meiros bolsistas com oportunidade de seguir para centros que eram dos mais avançados naquele momento, e com isso aprendi muita coisa que ainda não estava circulando por aqui, vamos dizer assim. Bem, sobre as universidades, fui primeiro para Cornell, em Nova York, onde fiz um curso que era uma espécie de atualização para as condições da medicina americana, que nos eram es- tranhas, porque mesmo quando o Brasil

tinha contato com os países mais avan- çados era sobretudo com os da Europa — a França, sobretudo, alguma coisa com a Alemanha e a Inglaterra. Mas justamente naquele período os Estados Unidos é que estavam despontando para uma nova concepção de atividade clínica, que era o meu rumo, e para a ênfase de suas bases científicas.

■ Quanto tempo o senhor ficou em Nova York? — Fiquei nesse curso de adaptação ape- nas por pouco mais de seis meses. Ali foi o meu primeiro contato com uma cidade do porte de Nova York. Bem, e além da medicina que eu aprendi, tive que reaprender muita coisa básica. Ex- plicando melhor: nós vínhamos de uma concepção da atividade médico-clínica muito ao estilo europeu, e sobretudo francês de antigamente, que dava ênfa- se à descrição das doenças, como elas se apresentam à observação do clínico. Os fundamentos da bioquímica, da fisio- logia, da biofísica, eram muito reduzi- dos - a anatomia patológica era mais avançada - e não tinham a ênfase que passaram a ter depois, numa reviravolta que ocorreu da guerra para diante. E então, além do que aprendi em relação a clínica no sentido tradicional, da ob- servação médica, tive que reaprender, digamos, todos esses fundamentos que estavam ainda engatinhando. E aí entra- vam novas coisas como, por exemplo, a genética, a imunologia, que tiveram um grande impulso depois da guerra. Tudo isso deu uma firmeza à atividade clíni- ca que antes era mais instintiva, com a base da anatomia patológica.

■ Para um jovem recém-formado era to- do um mundo novo que se abria. — Sim. Quando saí de Nova York fui para a Universidade de Michigan, em Ann Harbour - cidade pequena de 40 mil habitantes, dos quais 20 mil eram estudantes. Eles tinham uma excelente faculdade de medicina para o preparo clínico, mas a pesquisa, embora tivesse importância, não era a ênfase princi- pal. E aí fui residente no hospital da universidade, mas com as vistas volta- das para mais uma etapa que eu iria cumprir, como cumpri, em Boston, na Universidade Harvard, no Massachu- setts General Hospital, onde trabalhei exclusivamente em metabolismo hi- dromineral.

■ Que seria depois o tema da sua tese? — O tema da minha tese e da atividade de pesquisa que tive na Bahia quando voltei, que foi justamente o metabolis- mo de sódio, potássio, pH, hidrogênio, oxidose, alcalose, enfim, metabolismo hidromineral. Pude trabalhar, por exem- plo, em estudos de regulação renal e ex- tra-renal do metabolismo de potássio em nosso hospital universitário, que estava muito bem montado, muito bem orga- nizado, de modo que tivemos ocasião de fazer pesquisas com animais dentro do próprio hospital.

mE podia-se colocar animal no hospital?! — Sim, como aliás ocorre em vários hos- pitais fora daqui. O andar de cima do hospital era completamente isolado de qualquer atividade clínica, laboratorial. Trabalhei, por exemplo, com a verifica- ção da depressão sódica como um fator essencial para o aumento da excreção de amônia, trabalho que em parte era de fisiologia e em parte era de fisiopa- tologia, quer dizer, de alterações do me- tabolismo da água e dos eletrólitos em função de doenças. Tenho uma outra tese de livre-docência baseada num tra- balho com cirróticos portadores de es- quistossomose. Examino como a excre- ção de água está sujeita a fatores ligados ao metabolismo do hormônio antidiu- rético fabricado pela hipófise. Nessa época tinha sido lançado no mercado o fotômetro de chama, aliás, os primeiros fotômetros de chama foram testados no laboratório onde eu trabalhava no Massachusetts General Hospital. Esse equipamento deu um impulso grande ao estudo clínico do metabolismo dos eletrólitos porque uma dosagem que do ponto de vista químico até então mui- to complicada entrou para a rotina. Es- ses trabalhos foram divulgados, aceitos por revistas de circulação mundial co- mo a American Journal Phisiology.

■ Em paralelo às atividades de pesquisa, o senhor logo começou a ter uma influên- cia forte no ensino da Faculdade de Me- dicina da UFBA, não? — Sim, eu comecei já também com uma atividade intensa na área de ensino, e em 1956 instituí o programa de residência, que, na época, só dois hospitais no Bra- sil tinham: o Hospital das Clínicas de São Paulo, o pioneiro, e o dos Servido- res do Estado no Rio de Janeiro, um ex- celente hospital que depois teve dificul-

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dades imensas. A residência modificou completamente os padrões de assis- tência em todo o Norte e Nordeste.

■ O senhor voltou aos Estados Unidos na década de 1960, não? — Sim, em 1961,1962, fui de novo pa- ra o hospital de Massachusetts, e lá montei uma técnica para dosar hormô- nio diurético na circulação sangüínea. Agora era uma dosagem direta, quando antes eu tinha trabalhado com resulta- dos indiretos da ação de hormônios diuréticos nos cirróticos, como falei.

■ O nome do professor Edgar Santos já apareceu, mas não falamos dele. Além de primeiro reitor, ele foi o grande organiza- dor da UFBA, e com uma sensibilidade muito forte para o espaço das artes den- tro da universidade. Como o senhor o vê a distância? — Ele é um líder na organização da universidade, e a sensação que a gente tem é exatamente que, embora fosse formado em medicina, ele tinha uma sensibilidade toda especial para a cultu- ra, para a área das artes. Essa sensibili- dade é que teria permitido à Universi- dade Federal da Bahia ter, por exemplo, a primeira escola superior de dança con- temporânea, ter uma escola superior de teatro. Ter uma escola de música, por exemplo, que começou como seminá- rios livres de música, numa reação ao estilo de conservatório daquela época, com muito menos formalismo, com a oportunidade de grandes músicos e professores de música do exterior e do Brasil virem para cá, a princípio duran- te os meses de julho, por alguns anos, em atividades que não eram permanentes, e depois em trabalho regular. Enfim, sua sensibilidade ajudou a UFBA a ter todo um lado cultural mais sólido do

que outras universidades federais, já de cara. E isso mais um pendor próprio do baiano para as artes fez com que em poucos anos se desenvolvessem aqui vo- cações, que terminaram buscando mer- cados maiores e se firmando. Acho que isto é um dado importante quando con- frontamos com o desenvolvimento da ciência, em que o pendor do baiano não me parece tão forte.

■ Dá para o senhor falar um pouco sobre como essa visão do professor Edgar San- tos influencia sua formação? — Eu vou acrescentar só o seguinte: em- bora seu nome tenha se tornado muito conhecido em função da ênfase que ele deu às escolas de arte de nível superior, acho que o trabalho de meu pai em re- lação à saúde foi tão ou mais importan- te pelo fato de ele ter, com dificuldades enormes, implantado um hospital uni- versitário que representa a medicina mo- derna, e que levou 11 anos para ser cons- truído. A construção começou em 1937, ele foi inaugurado em novembro de 1948 e entrou em funcionamento em 1949.

■ Ele tem alguma semelhança como Hos- pital das Clínicas de São Paulo, não? — Sim, porque Ernesto Souza Campos, professor de microbiologia na medici- na de São Paulo, que depois foi minis- tro da Educação, teve muita influência no projeto de São Paulo e, anos mais tarde, no daqui. Assim, a planta com a forma de H, em que as enfermarias fi- cam nas alas laterais e os serviços gerais no traço do H, é muito semelhante à de São Paulo. Tudo em tamanho menor.

Souza Campos foi um dos brasileiros que fez um famoso curso de saúde pú- blica na Universidade John Hopkins no fim da década de 1920 e década de 1930, que teve influência praticamente no mundo todo, e muita influência no Brasil. Muitos dos sanitaristas destaca- dos do Brasil fizeram este curso a título de pós-graduação. Assim, Souza Cam- pos trouxe duas influências muito im- portantes para a área médica: a admi- nistração hospitalar, que praticamente não existia na época, e a enfermagem, como profissão de nível superior e ati- vidade importantíssima no processo da saúde.

■ Vamos dar um salto no tempo: como é que o senhor transitou das funções de pes- quisador e professor para a área da polí- tica da universidade? — Eu vou fazer uma digressão para mostrar essa transição. Além dessa ati- vidade de pesquisa, nos meus primei- ros anos como professor catedrático (equivalente ao titular dos dias atuais) me dediquei muito a modernizar o en- sino da medicina. No padrão tradicio- nal era muito freqüente, quase regra, a especialização precoce. O estudante de medicina começava a trabalhar desde os primeiros anos da sua formação num serviço e ali, por questão de amizade, às vezes de parentesco, ele ia criando res- ponsabilidades crescentes e ia se aper- feiçoando em algumas práticas daque- la especialidade e acabava exercendo a profissão dessa maneira, sem visão de conjunto. Alguns que pretendiam ir para o interior, por conta própria, sem

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responsabilidade da escola, freqüenta- vam dois, três serviços, para poder de- pois, no exercício profissional, dar co- bertura a tudo que era carência. A idéia então foi oferecer um programa que se estendesse à totalidade dos estudantes e que fizesse com que o estudante, mes- mo dentro do formalismo de um currí- culo, criasse aquela idéia geral da me- dicina. O que é muito importante em outras carreiras, mas é particularmente importante em medicina, porque você lida com o ser humano, você não lida com um fígado ou com um coração. Esse esforço de modernização se estendeu a outras escolas e resultou na criação da Associação Brasileira de Escolas de Me- dicina, entidade que teve uma influên- cia muito grande tanto neste aspecto de estabelecer currículos, normas pedagó- gicas e organização hospitalar ajustada ao ensino, quanto no de inserir no ensi- no da medicina uma noção da medici- na coletiva, da saúde pública, que antes era extremamente precária.

■ E depois desse esforço para a moderni- zação do ensino? — Quando eu estava empolgado com esse programa de reforma do ensino médico, houve uma eleição de reitor aqui. Em 1967 estava havendo uma certa competição entre alguns dos pro- fessores do conselho universitário para a substituição de Miguel Calmon. Aí Miguel morreu subitamente nas véspe- ras da eleição.

■ Mas nesse momento o senhor era secre- tário da Saúde do Estado. — Exatamente. É que quando eu esta- va no programa de reforma do ensino médico, um dos meus empenhos era criar também fora do hospital universi- tário oportunidade para os estudantes freqüentarem serviços nos postos de saú- de, que eram precaríssimos. Nesse mo- mento o novo governador, Luiz Viana Filho, me convidou para ser secretário de Educação. Eu disse a ele que aceita- ria ser secretário de Saúde e assumi em 7 de abril. Em junho houve eleição para reitoria e o nome natural era Orlando Gomes, jurista, professor da Faculdade de Direito, vice-reitor de quase todo o mandato de meu pai, de 1946 a 1961. Mas havia muita disputa e nesse clima o governo federal foi contaminado por uma resistência ao nome de Orlando, porque ele fora do Partido Socialista, na

década de 1930. E o governo militar recusou Orlando. Nas vizinhanças da eleição eu entrara como o nome mais votado no segundo escrutínio. Em de- terminada altura o ministro da Educa- ção, Tarso Dutra, mandou me chamar, e numa conversa juntamente com Adria- no Ponde, o então reitor em exercício, disse que havia resistência com o pri- meiro nome da lista e, como eu era o segundo, estavam cogitando meu no- me para reitor. Eu disse que não pode- ria aceitar, considerando inclusive a amizade de minha família com Orlan- do Gomes, e ele disse que então teria que devolver a lista para a universidade, pe- dir que organizasse outra, enfim, uma crise. Naquele tempo em que se temiam muito as retaliações políticas, pedimos tempo para consultar por telefone (es- távamos no Rio com o ministro) o con- selho universitário e o próprio Orlando Gomes, que foi taxativo no sentido de que eu aceitasse para evitar crise na uni- versidade. Bom, o resultado é que eu, que tinha tido no começo do governo de Luiz Viana um trabalho enorme pa- ra me preparar para ser secretário, com menos de três meses estava saindo para a reitoria.

mEna reitoria o senhor teve que encarar a questão da reforma universitária. — No final do governo Castelo Branco, Luiz Viana, então chefe da Casa Civil de Castelo e que também era professor de direito da universidade, embora ficasse na política quase que o tempo todo, con- seguiu convencer o presidente de que tinha que haver uma reforma das uni-

versidades. E Castelo baixou um decreto- lei em 1966. Não existia então nenhuma comissão MEC-Usaid (Usaid é a agência norte-americana para o desenvolvi- mento internacional), que só aconteceu quando Muniz de Aragão era ministro, uns dois ou três anos mais tarde. Ao contrário do que o movimento estudan- til difundiu, aqui se cuidava só da rees- truturação da universidade, e numa con- cepção desenvolvida por educadores brasileiros. O mais importante dessa re- forma é que os setores básicos do co- nhecimento, que tinham pouco relevo na organização original das universida- des, passavam a ter uma importância muito maior - algo que eminentes edu- cadores brasileiros defendiam desde a década de 1930 e que só a Universidade de São Paulo experimentara, na Facul- dade de Medicina e na Faculdade de Fi- losofia, e depois a Universidade de Bra- sília, em 1960. Pois bem, o decreto-lei que generalizou este princípio foi de 1966 e não teve nada que ver com o acordo MEC-Usaid. As coisas se confundem por causa dos complementos à reestru- turação feitos para enfrentar o movi- mento estudantil, e que pegam particu- larmente na questão da representação

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estudantil. O diretório acadêmico ficou impossibilitado de funcionar nos mol- des que funcionou até 1967 e o diretório central dos estudantes, mais as uniões estaduais, tudo foi cancelado, enfim... Tanto na representação estudantil co- mo no governo da universidade as coi- sas foram muito alteradas e a isso é que chamam de reforma universitária. Mas o que nos importa, do ponto de vista do desenvolvimento científico da uni- versidade, é que a reestruturação de que falo implantou o ensino das ciên- cias na generalidade das universidades. O que a reestruturação gerou, portan- to, foi a possibilidade da pesquisa cien- tífica dentro das universidades.

■ Então, para o senhor, a pesquisa de ciên- cias nas universidades brasileiras tem uma certidão de nascimento com data precisa? — Sim. Em fevereiro de 1966 veio o pri- meiro decreto que traçou realmente a linha, a diretriz essencial, diretrizes ra- cionais, intelectuais e tal, mas que as uni- versidades acharam que era um pouco vago do ponto de vista da implementa- ção. Então no ano seguinte houve um segundo decreto, tudo elaborado por educadores brasileiros dentro do Con- selho Federal de Educação. Sei que essa verdade não será restabelecida, tenho falado disso em mil oportunidades e ou- tros companheiros também, mas a co- notação política que cerca essa questão é muito forte.

■ Para o senhor, somos ainda muito jo- vens em pesquisa científica? — Sim, tivemos alguma pesquisa desde o século 19 e começo do século 20 com os laboratórios soroterápicos, Mangui- nhos, o Instituto Biológico de São Pau- lo, o Instituto Agronômico de Campinas etc. Entre a agricultura e a saúde públi- ca houve pesquisas no Brasil. Aqui tive- mos a Escola Tropicalista Baiana, mas tudo fora das faculdades.

■ Bem, por que o senhor defende aquela reestruturação da universidade como ab- solutamente necessária? — É o seguinte: até a Universidade de Brasília, todas as universidades resulta- vam da aglomeração de faculdades iso- ladas. Com isso os setores básicos do conhecimento, como matemática, física, química, biologia básica, ciências hu- manas também, existiam dentro das fa- culdades profissionais como uma fase

preliminar, preparatória. E por isso os setores básicos do conhecimento eram fragmentados dentro das universidades. Existia uma matemática na Politécnica, uma matemática na Arquitetura, e por aí afora, mas não existia a matemática como uma unidade mais abrangente que cultivasse todos os aspectos de ensino e de pesquisa e com uma concentração dos recursos humanos, materiais e financei- ros. Estava tudo pulverizado. Isso se apli- ca à física, à química, à biologia básica, às ciências humanas, e a motivação maior da reetruturação foi justamente pegar esses bocadinhos e concentrar numa gran- de unidade de matemática, ou de física, ou de química. Isso é que foi fundamen- tal, passou a existir uma matemática, uma física, uma química com a concentração dos meios de pesquisa que estavam pul- verizados. E eu estou certo de que foi por causa disso e mais da dedicação exclusi- va que a pesquisa veio a florescer.

■ Mas o senhor mesmo diz que na Bahia a pesquisa não floresceu como o senhor sonhava. — Acho que houve uma certa timidez do pessoal dos setores básicos do co- nhecimento e as faculdades tradicio- nais continuaram dominando o gover- no das universidades. O pessoal não se sentiu com poder, não se sentiu apoia- do nem internamente, na instituição, nem na comunidade em geral para en- frentar o prestígio dos setores tradicio- nais. Setores que não tinham dedicação exclusiva, que é uma coisa que veio bem mais recentemente, e por isso produziam pouco do ponto de vista científico. Na verdade eles eram médicos que ensina- vam fisiologia, bioquímica etc. e ao mes- mo tempo dispunham de horas do dia para exercer a profissão médica, como profissionais generalistas ou especia- listas. Mas importa que a universida- de brasileira foi adiante apesar de todas as dificuldades, toda a falta de dinheiro e tudo o mais. O que a universidade tem hoje de mestrandos e doutorandos, de produção de teses e transformação des- ses trabalhos em artigos de revistas e pe- riódicos bem aceitos, e assim por dian- te é impressionante. E não resta dúvida que a formação e a qualidade dos pro- fessores melhoraram muito.

uBem, se o sistema brasileiro de pós-gra- duação, hoje, forma 7 mil doutores por ano, só pode ter efeitos nesse sentido.

— Pois é, isso não existia antes. O mo- do como a pessoa chegava ao topo da carreira era muito na base das relações pessoais, aquela coisa de mestre e apren- diz, sem o caráter formal, sem nenhum critério de aceitação, nada. Havia o con- curso, mas o concurso é um momento na vida do cidadão e a forma como as provas eram feitas antigamente favore- cia mais quem decorava e repetia as coi- sas. Hoje há avaliação da capacidade de criação e realização de trabalhos. A questão de que também em parte por causa disso a nossa pesquisa é pouco inovadora, então daí vem aquele ranso que vem do tempo da educação jesuís- tica, da herança escolástica, esta histó- ria que vem de muito longe que os por- tugueses nos trouxeram. Então a gente sabe que até poucas décadas a história era mais na base de decorar. E não de transmitir os conceitos da ciência como uma coisa que está sempre sob cautela, sob reexame.

■ Vamos dar novo salto e ver como o se- nhor tratou ciência e tecnologia quando se tornou governador da Bahia, em 1975. — Há pouco falávamos de cultura cien- tífica e quero lembrar que uma das coi- sas que fiz com maior carinho no go- verno, embora não tivesse maior porte do ponto de vista material e financeiro, foi um museu de ciência e tecnologia em Pituaçu para promover os conceitos científicos junto às gerações mais no- vas. Havia uma oportunidade especial para isso, porque a Bahia estava se in- dustrializando rapidamente, primeiro com o Centro Industrial de Aratu e, mais adiante, com o Pólo Petroquímico de Camaçari, que representou um in- vestimento de US$ 4 bilhões em um intervalo de quatro anos. Era uma coi- sa nova e pensamos em preparar o mu- seu para apresentar as coisas às crianças de forma dinâmica e viva. Inauguramos o museu no final de 1978 e em março de 1979 eu deixei o governo. Resultado: o museu de ciência e tecnologia sumiu. Era um projeto que envolveu inclusive uma participação inglesa - os ingleses são bons em fazer essas coisas com pouco dinheiro -, a cooperação da Pe- trobras, com modelos de torres de pe- tróleo, modelos tridimensionais de moléculas de produtos petroquímicos, e por aí afora. Criamos uma operação museu-escola, que envolvia ônibus pa- ra pegar alunos da escola pública pri-

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mária e levá-los aos museus, inclusive o de ciência e tecnologia. Então os profes- sores iam antes ao museu para saber o que era aquilo, preparavam sua classe, e é impressionante como isso tudo morreu.

■ Mas, para não sermos injustos, é preci- so lembrar que em algumas áreas existe uma tradição respeitável de pesquisa na Bahia. Eu me refiro, por exemplo, às pes- quisas na área de medicina tropical. O senhor poderia comentar um pouco por que essa área tem sucesso enquanto físi- ca, mesmo bioquímica etc. permanecem atrasadas? — A medicina, a saúde, teve realmente um passado que foi sustentado pela presença da faculdade de medicina no ambiente baiano. No entanto, a facul- dade de medicina não foi o fator fun- damental para as pesquisas que foram realizadas na segunda metade do sécu- lo 19, por exemplo. Os pesquisadores mais expressivos não se entendiam com a faculdade. Já no século 20, com o Hos- pital das Clínicas, a Bahia continuou sendo um ambiente muito valorizado pelos pesquisadores porque continuava com uma pobreza intensa, rica para a pesquisa, e ao mesmo tempo passava a ter uma nova condição tanto laborato- rial como clínica. Então, além de alguns baianos mesmo, vieram muitos pesqui- sadores de fora nessa área das doenças infecto-contagiosas, doenças transmis- síveis. Mesmo na década de 1930 e um pouco depois, Otavinho Mangabeira, que era pesquisador de Manguinhos, entomologista, aproveitou alguns talen- tos locais e depois trouxe, entre outras pessoas, Samuel Pessoa, professor de pa- rasitologia da USP, para realizar traba- lhos bastante importantes e formar bas- tante gente. Tudo isso num instituto que se chamava Oswaldo Cruz, depois passou a Fundação Gonçalo Muniz e, depois, já nos anos 1990, tornou-se outra vez um centro da Fundação Oswaldo Cruz, com um grupo de pesquisadores da melhor categoria, entre eles Bernar- do Galvão, excelente pesquisador. Ele é baiano, ficou muitos anos no Rio, e nos anos 1980 passou a estudar bastante a AIDS. Quando eu estava no Ministério da Saúde ele estava lá, estavam mon- tando um laboratório de biologia bas- tante especializado.

■ Existe algum campo específico onde as coisas agora estão andando bem, alguma

doença específica mais bem pesquisada em Salvador do que em outras cidades brasileiras? — Além de Chagas e esquistossomose, que são, digamos, as coisas tradicionais, tem a leptospirose, tem a AIDS e sobre- tudo doenças virais menos divulgadas, menos conhecidas, que eles estão estu- dando e com bastante resultados bons, e com a aceitação na literatura médica que seleciona essas coisas.

■ Como o senhor percebe o conjunto do país hoje em matéria de pesquisa? — Bem, São Paulo é um caso à parte. No país em geral acho que com a pós- graduação as oportunidades de fixação de pessoal em programas regulares nas universidades e o regime de dedicação exclusiva, houve uma evolução muito grande da produção científica, demons- trada inclusive pelo número de publi- cações de artigos nas revistas internacio- nais que estão em bases indexadas. Há um despertar, uma mudança muito rá- pida, ainda que muito mais na área científica do que na tecnológica. Quem manteve acesa a chama da pesquisa científica e tecnológica com perspectiva, embora reduzida, de inovação, foram as universidades. As empresas foram mui- to mais lentas em despertar para isso, e estão despertando ultimamente muito em função da necessidade de exportar.

■ Nessa questão do suporte para um am- biente propício ao desenvolvimento tanto científico quanto tecnológico, há um pro- blema curioso na Bahia que é a longa re- sistência oficial à implantação de uma fundação estadual de amparo à pesquisa. Quando o senhor governou o estado, não havia clima para criar essa fundação? — Em meu período de governo o es- forço de investimento de recursos se concentrou no Ceped, Centro de Pes- quisas e Desenvolvimento, que foi fun- dado no governo de Luiz Viana. O Ce- ped desenvolveu muito trabalho na área de petroquímica, em aperfeiçoamento de processos petroquímicos, porque o pólo petroquímico estava começando. Fez muito trabalho em agronegócios, em agroindústria. Em metalurgia, como o cobre estava começando a ser produzi- do aqui, houve necessidade de o Ceped se dedicar à metalurgia de não-ferro- sos. Portanto, o Ceped teve um papel muito importante durante muitos anos. E morreu. Acabou.

mMaspor que não se criou logo uma fun- dação de amparo à pesquisa? — Na ocasião das constituintes esta- duais, em 1989, muitos estados criaram fundações de amparo, inclusive a Bahia, pelo menos na lei. Mas, depois de al- gum tempo, um ou dois anos, a funda- ção deixou de existir. Ela era dirigida por um conselho que tinha participa- ção de outros órgãos da comunidade, e se transformou num conselho com me- canismo de nomeação muito mais vin- culado ao próprio governo do estado.

■ O senhor acha então que está pronto o arcabouço formal para que se apoie efe- tivamente a pesquisa? — Sim, ele já existe. Seguramente, de- pois de um atraso, de uma redução mui- to grande de impulso em relação ao que tinha começado, mas no momento está existindo.

■ Quando o senhor ocupou a presidência do CNPq, tentou de alguma maneira mo- bilizar os sistemas de pesquisa nos esta- dos fora da Região Sudeste? — Eu fiquei somente um ano no CNPq. Mas, se eu já tinha uma inclina- ção para esse tipo de atividade, a partir daí realmente me empolguei e desde então muito do que eu tenho exercido, ou escrito ou falado se relaciona a essa questão da ciência e tecnologia como um fator absolutamente decisivo, ina- diável e irrecusável do desenvolvimen- to do país. No CNPq havia, quando eu assumi, uma desconfiança muito gran- de da comunidade científica em relação às instituições de governo. Era uma co- munidade que tinha feito uma grande resistência ao governo militar e na transição ainda havia muito do que se chamou "entulho autoritário". Então eu tive de enfrentar e atravessar isso. Mas do ponto de vista do trabalho propria- mente, em primeiro lugar, tive muita preocupação com a pulverização dos recursos do CNPq. Eu fazia uma conta na época que se você tomasse, numa contabilidade meio portuguesa, o total de recursos captados pelo CNPq pelo número de projetos que ele financiava, na média daria entre US$ 5 mil e US$ 10 mil por projeto. Ou seja, quase nada. O que você faz com US$ 5 mil? Isso não existe. Ao mesmo tempo havia uma pra- xe que era: quem entrou para ser finan- ciado não sai mais. Havia também o que se pode chamar de bom-mocismo,

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quer dizer, não recusar o projeto veio do pesquisador. O resultado foi essa pulve- rização. Bem, é claro que o argumento era que o problema é que o dinheiro é pouco, sem dúvida era e continua sen- do pouco e será sempre pouco, mas isso era também um pretexto para não con- trariar, não enfrentar a comunidade científica. Eu procurei encaminhar as coisas para reduzir isso, mas como o tempo foi curto... Bom, a outra coisa é que, apesar de todo o meu empenho pelo desenvolvimento das ciências bá- sicas, que foi muito bem demonstrado na prática da minha vida, o pessoal das ciências básicas tinha uma desconfian- ça muito grande em relação à divisão de recursos com a parte tecnológica. Mas o conselho é de desenvolvimen- to científico e tecnológico... Houve um momento em que se imaginou separar um pouco isso, na idéia de que se o CNPq fosse só da ciência seria melhor. Isso é ilusório. Não se pode dividir e terminar deixando a tecnologia sem nada. Bem, e por fim havia a famosa questão da distribuição regional. Mas, na verdade, era preciso reconhecer que este problema de distribuição regional também decorria muito da falta de ini- ciativa de muitas das unidades dessas regiões mais pobres.

■ O senhor não está comprando uma bri- ga com a comunidade científica com essa avaliação? — Sabemos que a predominância de pessoas do Leste, do Sul, nos órgãos de decisão também teve importância para a má distribuição. Havia um certo me- nosprezo pela qualidade do que vinha do Nordeste, do Norte, isso é verdade. Mas de outro lado havia também mui- ta falta de iniciativa. Eu digo daqui da minha terra. Eu procurei estimular a apresentação de propostas, sobretudo em certas áreas de cuja importância eu tinha convicção, como a área agronô- mica, mas o pessoal andava devagar.

■ Eles não mandavam os projetos? — Com exceção de algumas poucas unidades que já tinham tradição, de um modo geral os pedidos eram mais fra- cos. Procurávamos equilibrar, acomo- dar, estimular o que vinha das regiões mais pobres, mas sabendo que a grita de que são perseguidos, não são devi- damente valorizados etc. não é exata- mente verdadeira.

■ E no Ministério da Saúde? — A saúde praticamente só cuidava de prevenção de doenças transmissíveis. As doenças da pobreza, as doenças in- fecto-contagiosas. E era um ministério muito pequeno. E a população em ge- ral tinha assistência na área de infecto- contagiosas, mas fora daí não tinha as- sistência, a saúde não tinha o que fazer, não tinha dinheiro, não tinha pessoal suficiente, enquanto o Ministério da Previdência naquela época nadava em dinheiro. Bom, houve um movimento dos chamados sanitaristas, que é uma expressão até imprópria, para juntar a parte de saúde que estava no Ministério da Previdência burocraticamente, com a saúde propriamente dita. Aí, o Minis- tério da Saúde, que era uma coisinha de nada, ficou enorme, com um dinheiro que era da Previdência. Isso gerou uns problemas iniciais, houve até um mo- mento em que as coisas pioraram, mas depois ficaram mais racionais.

■ Mas não tinha muito como o Ministé- rio da Saúde se articular com a área de pesquisa voltada para saúde? Não existia mecanismo possível para isso? — Já existia na estrutura a Fiocruz, tra-

dicionalmente ligada ao Ministério da Saúde. A força da pesquisa do Ministé- rio da Saúde estava e continua na Fio- cruz, apoiamos muito isso. Bem, sempre restritos naquele momento às doenças infecto-contagiosas, houve naquele mo- mento uma explosão de malária, na re- gião amazônica. O que foi uma questão interessante. Porque durante a Segunda Guerra haviam surgido uns inseticidas muito potentes para acabar com o mos- quito, e surgiu o "aralem", a cloroquina, o primeiro dos antimaláricos mais efi- cazes. Antes mesmo disso, a Sucam, Su- perintendência das Campanhas de Saú- de Pública, foi constituída e fez um excelente trabalho que acabou com a malária nesta metade do Brasil leste. Mas na Amazônia as mesmas coisas e as mes- mas pessoas falharam. A Amazônia tem uma coisa que eu acho que ainda está para ser descoberta, algo que alimenta o mosquito. Naquela época em que eu che- guei ao ministério estava havendo uma grande migração, sobretudo de agricul- tores do Rio Grande do Sul, de Santa Ca- tarina, Paraná etc. para a Amazônia. Es- sa gente chegava sem nenhuma defesa imunológica, virgens, prontos para ser atacados pelos mosquitos. Então, era uma devastação. Aí trabalhamos muito com essa questão de malária, trabalha- mos muito também nas febres maculo- sas, em Chagas, em esquistossomose, en- fim, havia problemas, grandes, nessa área de transmissíveis, sobretudo nas regiões pobres e havia também instrumentos, embora um pouco antiquados, que eram a Sucam e a Fundação Cesp, que eram parte do Ministério da Saúde. •

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I POLÍTICA CIENTIFICA E TECNOLÓGICA

ESTRATéGIAS MUNDO

A safra 2004 do Nobel Sete norte-americanos, dois israelenses, uma queniana, uma austríaca e um norueguês foram contemplados nas seis categorias do Nobel 2004. Pela primeira vez o Prêmio da Paz coube a uma militante da cau- sa ecológica. As descobertas de mecanismos do olfato, da força que une os átomos e de um controle de qualidades das células levaram os prêmios científicos.

■ Fluxo de vozes e contravozes

Elfriede Jeiinek, austríaca de 58 anos, ingressou no clube de escritores quase desconhe- cidos que conquistaram fama planetária ao arrebatar o No- bel de Literatura. Autora de romances, livros de poesia e peças teatrais, foi agraciada graças ao "fluxo musical de vozes e contravozes em seus romances que revelam o ab- surdo dos clichês da socieda- de e seu poder dominador", como informou a Academia Sueca. Um de seus romances foi levado às telas em 2001, com o título A professora ãe piano. A história autobiográ- fica narra o envolvimento de uma professora com um jo- vem aluno. •

■ A sagração da "mulher-árvore"

A queniana Wangari Maathai, de 64 anos, tornou-se a pri- meira mulher africana a ga- nhar o Nobel da Paz. Doutora em biologia pela Universida- de de Pittsburg (feito raríssi-

\^m A escritora Elfriede Jeiinek: contra clichês

Wangari Maathai: Nobel da Paz para a causa

ecológica

m

mo para uma mulher nasci- da no meio rural africano), Maathai é vice-ministra do Meio Ambiente e dos Recur- sos Naturais do Quênia. Há 27 anos, fundou o Movimen- to Cinturão Verde (Greenbelt Movement), que trabalha pa- ra preservar as selvas do con- tinente, evitar a desertificação e manter atividades extrati- vistas que dão sustento à po- pulação rural. Conhecida em seu país como a "mulher-ár- vore", também ajudou a fun- dar o Partido Verde local. O

Movimento Cinturão Verde é responsável pelo plantio de mais de 30 milhões de árvores no continente. É a primeira vez que o prêmio é concedi- do à causa ecológica. •

■ Proteínas marcadas para morrer

Um trio de pesquisadores que desvendou um mecanismo de "controle de qualidade" das cé- lulas conquistou o Prêmio No- bel de Química. Os israelenses Aaron Ciechanover e Avram

Hershko, e o norte-america- no Irwin Rose descreveram um dos mecanismos-chave por meio dos quais as células des- troem proteínas descartáveis e preservam outras, numa fa- xina seletiva. Graças ao tra- balho dos três laureados, é possível entender como a cé- lula controla vários processos centrais, decompondo deter- minadas proteínas, e não ou- tras. Quando esse mecanismo falha, pode abrir caminho para a eclosão de doenças co- mo câncer e fibrose cística. A compreensão desse mecanis- mo pode ajudar a criar re- médios contra moléstias de- generativas. •

■ A cola que une os átomos

Os norte-americanos David J. Gross, H. David Politzer e Frank Wilczeck foram laurea- dos com o Nobel de Física, por suas contribuições na des- coberta e na compreensão da força nuclear forte, que man- tém as partículas unidas no núcleo dos átomos. Dois ar- tigos publicados em 1973, um pela dupla Gross e Wilc- zek, outro por Politzer, pro- punham que a força a unir os tijolos construtores de pró- tons e nêutrons aumentava com a distância, em vez de diminuir, como indicava o senso comum. A descoberta da cola atômica serviu de ba- se à cromodinâmica quânti- ca, teoria que descreve o com- portamento das partículas que compõem prótons e nêu- trons, os quarks. •

20 ■ NOVEMBRO DE 2004 ■ PESQUISA FAPESP 105

Page 20: A arte na Pré-história do Brasil

■ A memória dos aromas

A descoberta de uma famí- lia de cerca de mil genes que formam proteínas relacio- nadas ao sentido do olfato rendeu aos norte-america- nos Richard Axel e Linda B. Buck o Nobel de Fisiologia e Medicina de 2004. Axel, do Howard Hughes Medi- cai Institúte, em Nova York, e Buck, da Fred Hutchinson Câncer Research Center, em Seatlle, constataram que tais proteínas, produzidas pelos genes dos receptores olfati- vos, estão presentes em cé- lulas do nariz capazes de se comunicar com o cérebro. O mecanismo ajuda a expli- car como o sistema olfativo humano é capaz de reco- nhecer 10 mil odores dife- rentes - e recordar-se deles até mesmo anos depois do último contato. "Há muita coisa ainda por descobrir. Embora nós estejamos tra- balhando nesse problema há 16 anos, mal tocamos a su- perfície", disse Buck. O tra- balho da dupla que descre- ve os genes data de 1991. •

■ Independência ou estagnação

Agraciados com o Nobel de Economia, o norueguês Finn Kydland e o norte- america- no Edward Prescott inspira- ram uma profícua produção acadêmica sobre a impor- tância da independência dos bancos centrais e do es- tabelecimento de metas para a inflação. Um artigo publi- cado pela dupla em 1977 pro- pôs que políticas monetá-

Quando a ciência faz rir Pesquisadores às vezes de- param com achados tão inúteis quanto engraçados. Para compartilhar as risa- das com o público, a revis- ta Annah oflmprobable Re- search criou o Prêmio Ig Nobel, o Nobel da ciência excêntrica. A 14a edição do prêmio, entregue em 30 de setembro na Universidade Harvard, manteve a verve galhofara. O troféu na cate- goria Medicina foi concedi- do a dois norte-america- nos, Steven Stack e James Gundlach, que estabelece- ram um vínculo entre a in- cidência de suicídios e o gosto pela depressiva mú- sica country. O de Biologia foi dividido por cientistas da Suécia, Estados Unidos, Dinamarca e Canadá, que, em pesquisas paralelas, che- garam a uma mesma con- clusão: misteriosos sons

Um pensador decaído é o símbolo do prêmio

captados no mar são pro- vocados pela flatulência dos arenques, cujos cardu- mes comunicam-se por meio da exótica sinfonia submarina. Daniel Symons e Christopher Chabris leva- ram o troféu de Psicologia. Mostraram que pessoas con- centradas assistindo a um jogo de basquete raramen-

te percebem a entrada de um homem vestido de go- rila na quadra, batendo no peito. O Ig Nobel da Paz coube ao japonês Daisuke Inoue, inventor do karaokê, "ao estabelecer uma forma original de ensinar as pes- soas a tolerar as outras", se- gundo os organizadores do concurso. •

rias duradouras fortalecem as economias e que gover- nos que mudam as regras do jogo para obter ganhos imediatos produzem prejuí- zos tanto a empresas como a consumidores. Em outro artigo que deu lastro à pre- miação, publicado em 1982, a dupla propôs que trans- formações tecnológicas e oscilações repentinas no preço do petróleo têm mais influência nos ciclos de cres- cimento ou estagnação do que as demandas dos con- sumidores e a capacidade das empresas de produzir. Kyd- land, de 60 anos, é professor da Universidade Carnegie Mellon. Prescott, de 63 anos, dá aulas na Universidade Es- tadual do Arizona. •

■ Estímulo à ética na pesquisa

A Unesco, braço das Nações Unidas para Educação, Ciên- cia e Cultura, prepara o lan- çamento do Observatório Glo- bal de Ética, uma coleção de bancos de dados on-line vol- tada para estimular a ética na pesquisa. O serviço dará aces- so a especialistas e institui- ções, assim como a informa- ções sobre programas de ensino de ética, legislações e normas ligadas ao tema. "Será uma re- ferência sobretudo para os paí- ses em desenvolvimento", diz Henk ten Have, diretor da Di- visão de Ética da Ciência e Tecnologia da Unesco. A base do observatório, com infor- mações em inglês e francês, ficará em Paris, mas centros

regionais estão sendo instala- dos no Grupo de Pesquisa e Pós-Graduação do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (com informações em portu- guês e espanhol) e em Vilna, na Lituânia (dados em russo). Uma iniciativa semelhante está surgindo no mundo ára- be. Trata-se do Grupo Árabe de Ética na Ciência e Tecno- logia. Ao anunciar o lança- mento do grupo, Ismail Sera- geldin, diretor da Biblioteca Alexandrina do Egito, expli- cou que a iniciativa busca es- tabelecer padrões e constru- ção de competências acerca de aspectos éticos da ciência e da tecnologia em todo mun- do árabe. O grupo vai articu- lar-se com o observatório da Unesco. (SciDev.Net, 20 de outubro) •

PES0UISA FAPESP 105 ■ NOVEMBRO DE 2004 ■ 21

Page 21: A arte na Pré-história do Brasil

ESTRATéGIAS MUNDO

O homem que viu a dupla hélice

Richard Wilkins: o DNA no raio X

Um dos pais da genética mo- derna, o neozelandês Mauri- ce Wilkins, morreu no dia 5 de outubro, aos 88 anos. Foi ele quem mostrou a James Wat- son, em 1950, uma imagem de raio X em que se via a for- ma de dupla hélice do DNA. A imagem inspirou Francis Crick e Watson a montar o modelo definitivo do código da vida que, em fevereiro de 1953, estabeleceu as bases da biologia molecular. Os nomes de Crick e Watson ficaram vinculados à descoberta do DNA, mas a dupla dividiu com Wilkins o Nobel de Me- dicina de 1962. A imagem do DNA fora obtida por Wilkins e pela biofísica Rosalind Fran- klin, que morreu em 1958. Durante a Segunda Guerra Mundial, Wilkins participou do Projeto Manhattan, o pro- grama norte-americano para a fabricação da bomba atômi- ca. Depois tornou-se um críti- co das armas nucleares. Tro- cou os Estados Unidos pela Universidade de Saint An- drews, na Escócia, e passou a ensinar na King's College, on- de trabalhou até sua morte. •

■ 0 mensageiro da desconstrução

Jacques Derrida, influente fi- lósofo francês, morreu em Paris no dia 11 de agosto, aos 74 anos, vítima de câncer no pâncreas. Último representan- te da geração de pensadores de 1968 (ao lado de Louis Al- thusser, Jacques Lacan, Mi- chel Foucault, Roland Barthes e Gilles Deleuze), tornou-se célebre como o pai da "des- construção", método empres- tado a toda gama de ciências sociais e à teoria artística, in- cluindo a lingüística, a an- tropologia, a ciência política e a arquitetura. Nascido em El Biar, na Argélia, lecionou na Escola Normal Superior de Paris, ocupando o cargo de diretor de estudos. Profes- sor em universidades como a Sorbonne e a Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais, na França, e a de Yale, nos Es- tados Unidos, Jacques Derri- da foi um escritor prolífico, com mais de 80 livros tradu- zidos para diversos idiomas, entre os quais Gramatologia, A escrita e a diferença, Mar- gens da filosofia, Espectros de Marx e Resistências da psica- nálise. •

Jacques Derrida: escritor prolífico

Ciência na web Envie sua sugestão de site científico

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. MoWon AftBKffect - aiso known as -naterfoll effert»

www.michaelbach.de/ot 0 site, organizado pelo neurocientista alemão Michael Bach, oferece uma coleção de 46 imagens com ilusões ópticas - e explica o mistério de cada uma.

JThe Night Sky Live

■!■■■■.■ ■■ 1

%■£*-

http://nightskylive.net/ Imagens do Armamento são captadas em tempo real por dez câmeras espalhadas pelo mundo. 0 projeto é organizado pela Universidade Tecnológica de Michigan.

22 • NOVEMBRO DE 2004 ■ PESOUISA FAPESP 105

Page 22: A arte na Pré-história do Brasil

■ Participação da sociedade

O envolvimento e a visão crí- tica da sociedade em proces- sos decisórios no campo da Ciência e da Tecnologia são o foco do "Seminário interna- cional ciência, tecnologia e sociedade: novos modelos de governança" que será realiza- do em Brasília entre 9 e 11 de dezembro. A promoção é do Centro de Gestão e Estudos Es- tratégicos (CGEE) - associa- ção privada sem fins lucrativos vinculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia - em con- junto com a FAPESP, a Em- presa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e a Universidade Federal de Santa Catarina. "Queremos discutir uma participação mais críti- ca da sociedade em assuntos como a gestão de investimen- tos, por exemplo", diz Márcio de Miranda Santos, diretor do CGEE. No seminário serão discutidas também possíveis estratégias para as instituições divulgarem suas informações sobre riscos e benefícios das novas tecnologias. "São me- canismos para fortalecer a di- vulgação do conhecimento com método e ética", comen- tou Carlos Vogt, o presidente da FAPESP.

Comitê anuncia os candidatos

O Conselho Superior da FAPESP recebeu, no dia 20 de outubro, as listas dos can- didatos aos cargos de dire- tor-presidente do Conse- lho Técnico-Administrativo (CTA) e de diretor científi- co, encaminhadas pelo Co- mitê de Busca e Seleção constituído especialmen- te para o processo seletivo. São 10 candidatos a dire- tor-presidente do CTA - cargo desempenhado interi- namente pelo diretor admi- nistrativo Joaquim J. de Camargo Engler desde a morte de Francisco Romeu Landi, em abril - e 11 ao de diretor científico, para o lu- gar de José Fernando Perez, que vai atuar na iniciativa privada. Agora o Conselho Superior irá analisar os do- cumentos reunidos pelo comitê - os currículos de cada candidato, textos des- crevendo a visão de futuro para a FAPESP e o resumo de cada projeto de gestão - e, em reunião no dia de 10 de novembro, constituir as listas tríplices que serão en- viadas ao governador Ge- raldo Alckmin, a quem cabe indicar os diretores. No dia 10 de novembro as listas serão divulgadas nos sites da FAPESP (www.fa- pesp.br), da Agência Fa- pesp (www.agencia.fapesp. br) e da revista Pesquisa FA- PESP (www. revistapesqui- sa.fapesp.br).

■ Os candidatos ao cargo de

diretor-presidente do Conselho

Técnico-Administrativo são:

Cláudio Rodrigues, superin-

tendente do Instituto de Pes-

FAPESP: processo de escolha de dois diretores

quisas Energéticas e Nuclea-

res (Ipen); Marco Antônio

Zago, da Faculdade de Me-

dicina de Ribeirão Preto da

Universidade de São Paulo

(USP); Oswaldo Massam-

bani, do Instituto de Astro-

nomia, Geofísica e Ciências

Atmosféricas da USP; Paulo

Eduardo de Abreu Machado,

diretor científico do Hemo-

centro de Botucatu (Unesp);

Regina Pekelmann Markus,

do Departamento de Fisio-

logia do Instituto de Bio-

ciências (USP); Ricardo

Renzo Brentani, diretor do

Instituto Ludwig de Pesqui-

sa sobre o Câncer, diretor-

presidente do Hospital do

Câncer A.C. Camargo e

membro do Conselho Supe-

rior da FAPESP; Ruy Lau-

renti, da Faculdade de Saú-

de Pública (USP); Umberto

G. Cordani, do Instituto de

Geociências (USP); Walter

Colli, do Instituto de Quími-

ca (USP); e Willy Beçak, do

Laboratório de Genética do

Instituto Butantan.

■ Os candidatos ao cargo de

diretor científico são:

Carlos Alfredo Joly, profes-

sor do Instituto de Biologia

da Universidade Estadual

de Campinas (Unicamp);

Carlos Henrique de Brito

Cruz, reitor da Unicamp e

membro do Conselho Supe-

rior da FAPESP; Ederio

Dino Bidoia, do Instituto de

Biociências de Rio Claro

(Unesp); Edgar Dutra Za-

notto, da Universidade Fede-

ral de São Carlos (UFS-

Car); Glaucius Oliva, do

Instituto de Física de São

Carlos (USP); Hernan Chai-

movich Guralnik, do Institu-

to de Química (USP); Hugo

Aguirre Armelin, do Institu-

to de Química (USP); José

Roberto Guedes de Oliveira,

do Centro de Estudos de

Economia Sindical e do Tra-

balho da Unicamp; Luiz Nu-

nes de Oliveira, pró-reitor de

pesquisa da USP e professor

do Instituto de Física da

USP em São Carlos; Pedro

Manoel Galetti Júnior, do

Centro de Ciências Biológi-

cas e da Saúde da UFSCar;

e Willy Beçak, do Laborató-

rio de Genética do Instituto

Butantan. •

PESQUISA FAPESP 105 • NOVEMBRO DE 2004 • 23

Page 23: A arte na Pré-história do Brasil

ESTRATéGIAS BRASIL

Parceria na órbita do Equador

Os governos do Brasil e da Rússia deverão assinar acor- dos de cooperação no campo

a tecnologia espacial, na vi- ita que o presidente russo ladimir Putin fará ao Bra-

sil neste mês. As parcerias devem incluir a fabricação conjunta de foguetes, o lan- çamento de satélites e o uso do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA), no Mara- nhão. O Brasil já conta com assessoria de especialistas russos na preparação da no- va tentativa de mandar ao espaço o Veículo Lançador de Satélites (VLS), depois da tragédia que matou 21 pes- soas no CLA há um ano. Um dos principais interes- les do Brasil são os satéli-

tes geoestacionários, cuja tecnologia de produção a Rússia detém. A órbita geo- estacionária, que fica na li- nha do Equador a mais 35 mil quilômetros de altitu- de, é estratégica para diver- sas aplicações. Mais pesados que outros satélites, os geo- estacionários ficam voltados para o mesmo ponto da su-

perfície da Terra e são apro- priados para fazer controle de vôos e de desmatamen- to, além de ter uso em tele- comunicações. Há pelo me- nos três possibilidades na parceria: a compra de um satélite russo, o aluguel ou o desenvolvimento no país com transferência da tec- nologia. Os russos pode-

,,

riam cooperar, ainda, n; produção de um foguete capaz de lançar o satélite - os lançadores da Ucrânia, país com que o Brasil tam- bém tem celebrado parceri- as, não comportariam esse tipo de satélite. As discus- sões preliminares ocorreram em outubro, em Moscou, na visita que o vice-presi- dente da República, José Alencar, fez ao primeiro-mi- nistro da Federação Russa, Mikhail Fradkóv. Os açor dos dão prosseguimento dois outros que Brasil e Rússia firmaram em 1997, um sobre cooperação em ciência e tecnologia, outro sobre o uso do espaço para fins pacíficos. •

■ 0 resgate de Adolpho Lutz

A Editora Fiocruz acaba de lançar os quatro primeiros vo- lumes da obra completa de Adolpho Lutz, com o legado do precursor de campanhas sanitárias e estudos epidemio- lógicos envolvendo moléstias como a cólera, a febre tifóide, a peste bubônica e a febre amarela. A série terá, ao todo, 21 volumes. O lançamento reúne os livros Primeiros tra- balhos: Alemanha, Suíça e Bra- sil (1878-1885); Hanseníase; Dermatologia & micologia; e um suplemento com glossá- rio, índices e resumos. O tra- balho foi organizado pelo historiador Jaime Benchimol e pela bióloga e historiado- ra Magali Romero Sá, ambos da Fundação Oswaldo Cruz.

Eles se debruçaram sobre o arquivo pessoal do cientista, reunido, décadas atrás, pelos filhos Bertha e Gualter Lutz. Sob a guarda do Museu Na- cional, o acervo de Adolpho Lutz é constituído por rela- tórios, protocolos de ne- crópsias, receitas, anotações e quase 4 mil cartas. A cor- respondência será reunida

em cinco volumes da série, com lançamento previsto pa- ra 2005. •

■ Intercâmbio trará norte-americanos

A FAPESP e a Comissão para o Intercâmbio Educacional entre os Estados Unidos da América e o Brasil (Comissão

Fullbright) firmaram um me- morando de entendimento sobre a participação de pro- fessores e pesquisadores nor- te-americanos em projetos temáticos e/ou nos Centros de Pesquisa, Inovação e Difu- são (Cepid) financiados pela FAPESP. Os principais objeti- vos do programa são destacar a atuação do Brasil e do Esta- do de São Paulo na ciência e a tecnologia no meio de pes- quisa norte-americano e es- tabelecer novas linhas de pes- quisa. As duas organizações deverão selecionar, anualmen- te, em competição aberta, até oito professores ou pesqui- sadores norte-americanos de excelência para participar de investigações em projetos te- máticos ou nos Cepid, por um período de dois a quatro meses. •

24 ■ NOVEMBRO DE 2004 ■ PESQUISA FAPESP 105

Page 24: A arte na Pré-história do Brasil

■ A redescoberta do rio Amazonas

Em julho de 2005, um grupo de 52 pesquisadores do Brasil e outros nove países sul-ame- ricanos partirão da nascente da bacia do rio Amazonas, nos Andes peruanos, para cumprir, em quatro meses e meio, uma expedição até a foz, no oceano Atlântico. A viagem será feita por terra e pela água, com apoio de ca- minhões, um barco com bal- sa, caiaques, animais de carga e até um helicóptero. O obje- tivo é medir a extensão do rio - sistemas de georreferencia- mento sugerem um tamanho maior do que o oficial. Também se buscará avaliar até que pon- to as mudanças climáticas es- tão alterando as condições de degelo dos Andes e de chuva na bacia do Amazonas e, com isso, modificando o perfil de sedimentos lançados no curso d'água. A equipe contará com geólogos, geógrafos, biólo- gos e até um arqueólogo. A Expedição Andes-Amazonas é uma iniciativa da Organiza- ção Sócio-Ambiental e Expe- dições Científicas, com o apoio da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica, que reúne oito países da re- gião, e do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa),

universidades federais do Ama- zonas e do Acre, entre outros. Os resultados da viagem serão convertidos em vídeos, livros e uma exposição. •

■ Hegemonia feminina

As mulheres monopolizaram o 20° Prêmio Jovem Cientis- ta, cujo tema foi a busca de soluções para a fome. Floren- cia Olivera, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, venceu a categoria Gradua- dos. Ela desenvolveu uma for- ma de conservação da batata por meio de um bactericida. O segundo lugar foi de Cyn- thia Ditchfield, da Escola Po- litécnica da USP, com um pro- jeto sobre produção de purê a partir de bananas rejeitadas

para comercialização. O ter- ceiro lugar coube a Priscila Rangel, da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, com um estudo sobre uma promis- sora espécie de arroz. A hege- monia feminina se repetiu na categoria Estudantes. Vence- ram Marcela Chiumarelli, da Universidade Estadual de Cam-

pinas, Danielle Lima e Polly- anna Rangel, da Universidade Federal de Viçosa. Na catego- ria Cientista do Futuro, dis- putada por alunos do ensino médio, os destaques foram Magno Santos, de Montes Claros (MG), Danielle Perei- ra, de Recife (PE), e Ronaldo Brito, de Caucaia (CE). •

Muito além do caranguejo

A Embrapa Meio-Norte, unidade da Empresa Bra- sileira de Pesquisa Agro- pecuária no Piauí, vai implementar um projeto para o desenvolvimento sustentável de uma das comunidades mais mise- ráveis do país: os catado-

t<WAaJ)j4jJÂty

res de caranguejo de Car- naubeiras, no delta do rio Parnaíba. O povoado per- tence ao município de Araioses, no Maranhão, que ostenta o quinto pior índice de Desenvolvimen- to Humano do país. Em parceria com o Ibama, a Universidade Federal do Piauí e organizações não- governamentais, a Em- brapa propõe, entre ou- tras ações, a introdução de sistemas de fabricação de mel de abelhas nativas; de agricultura familiar e de beneficiamento do caranguejo. O objetivo é gerar renda, melhorar o estado nutricional de 553 famílias beneficiadas e criar atividades produti- vas opcionais que tornem sustentável a pesca do ca- ranguejo. •

PESQUISA FAPESP 105 ■ NOVEMBRO DE 2004 • 25

Page 25: A arte na Pré-história do Brasil

POLíTICA CIENTIFICA E TECNOLóGICA

PUBLICAÇÕES

^ Vitrine da

ciência ibero-americana

Rede Sei ELO atinge a marca de 200 títulos e consolida modelo de acesso livre a artigos on-line

CLAUDIA IZIQUE

A Rede SciELO, um sistema de publicação eletrô- I^L nica de revistas científicas ibero-americanas LJI de acesso aberto, comemorou a marca de i ^L 200 títulos num encontro em Mérida, no

■A. ^^^ México, em outubro. Representantes da rede em oito países atestaram o sucesso desse modelo, que ampliou a visibilidade da ciência e o número de cita- ções de artigos de pesquisadores e ainda contribuiu para melhorar a qualidade das revistas. A meta agora é conso- lidar a rede por meio da incorporação de publicações de outros países e analisar a possibilidade de desenvolver projeto de uma revista científica com artigos de todas as áreas do conhecimento, nos moldes da norte-americana Science e da inglesa Nature.

Criada no Brasil em 1996, por iniciativa da FAPESP e implantada em parceria com o Centro Latino-America- no e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde (Bi- reme) e instituições nacionais e internacionais ligadas à comunicação científica, o SciELO se consolidou como uma solução eficiente para a projeção da pesquisa dos países em desenvolvimento. Os artigos publicados nas 131 revistas brasileiras na base SciELO, por exemplo, re- gistram mensalmente cerca de 1 milhão de acessos e os artigos publicados em 48 títulos chilenos, algo em torno de 500 mil consultas por mês. "O modelo de acesso aber- to mostrou-se ideal para promover a produção científica nos países em desenvolvimento", avalia Abel Parker, dire- tor da Bireme. O número de acessos cresceu significati- vamente a partir deste ano, depois que o site de busca Google passou a indexar páginas do Scielo .

A Rede SciELO iniciou sua operação com publica- ções brasileiras, mas evoluiu para incorporar revistas ibero-americanos graças à visão internacionalista de Parker, lembra José Fernando Perez, diretor científico da

26 ■ NOVEMBRO DE 2004 • PESQUISA FAPESP 105

Page 26: A arte na Pré-história do Brasil
Page 27: A arte na Pré-história do Brasil

FAPESP. "O sucesso seria tanto maior quanto mais países pudessem ser en- volvidos", argumenta. Hoje, além do Brasil e Chile, a Rede SciELO cobre Cuba, com 14 revistas, e Espanha, com 18, e ainda reúne coleções de revistas de saúde pública cujos artigos, em se- tembro, receberam mais de 172 mil consultas.

Na reunião do México fi- cou claro o potencial de expansão da rede. Esti- veram presentes ao en- contro 52 editores de

revistas científicas de países onde o sistema já chegou ou que deverá ser im- plantado: Argentina, Colômbia, México, Peru e Venezuela. "O trabalho de inte- gração latino-americana ficou docu- mentado no México", sublinhou Perez, que esteve presente no encontro.

Na avaliação de Anna Maria Prat, assessora da presidência da Comissão Nacional de Pesquisa Científica e Tec- nológica (Conicyt), no Chile, o SciELO teve forte impacto nas políticas de ciên- cia e tecnologia de países latino-ameri- canos. O seu país, ela contou, já iniciou a transferência e a capacitação da me- todologia SciELO para as universidades que desejarem publicar suas próprias revistas, criando assim uma rede nacio- nal de informação científica. Os edito- res chilenos, acrescentou, estão entu- siasmados com o início do sistema que lhes facilitará, num futuro próximo, a publicação de artigos tão logo eles se- jam aceitos pelas revistas. Anna Maria comentou, ainda, que está em anda- mento um projeto em parceria com o Institut de Linformation Scientifique et Technique (Inist), da França, que prevê a criação de um sííe-espelho do SciELO naquele país.

Hooman Momen, editor do Boletim da Organização Mundial da Saúde, de Genebra, na Suíça, afirmou que o SciELO é "um projeto vitorioso" e des- tacou a qualidade das revistas, que, na sua avaliação, apresentaram melhorias tanto nos aspectos formais como na vi- sibilidade e acesso. Propôs, à guisa de promoção e marketing, que sejam di- fundidos tanto para os editores como para a mídia dos vários países os dados já existentes na Rede SciELO.

Gladys Faba-Beaumont, diretora do Centro de Informações para Decisões de Saúde, do Instituto Nacional de Saú-

de Pública do México, comentou que começou a valorizar o SciELO na con- dição de usuária. Definiu a rede como um conceito editorial, já que as linhas editoriais do SciELO, se bem difundidas nos países, darão legitimidade à produ- ção científica da região.

Publicações indexadas - O vigor da ati- vidade de pesquisa de um país é medi- do pelo número de artigos publicados em periódicos científicos internacionais indexados e pelo impacto das publica- ções avaliado pelo número de citações. Os indicadores do Institute for Scientific Information (ISI) são os mais prestigia- dos na comunidade científica internacio- nal. Mas nos cerca de 8 mil periódicos indexados na base do ISI, no máximo 80 publicações são latino-americanas. A grande maioria dos títulos se refere a publicações dos Estados Unidos, Ingla- terra, Austrália, Canadá e Holanda. No conjunto dos periódicos latino-ameri- canos, o Brasil até que tem uma posição de destaque, com cerca de 20 revistas no ISI, todas elas igualmente indexadas na base SciELO, de acordo com Rogério Meneghini, coordenador do Núcleo de Estudos de Ciência e Tecnologia do

SciELO, que, junto com Abel Parker, idealizou a rede.

A tímida participação da pesquisa latino-americana no ISI, ante o núme- ro de periódicos de qualidades indexa- das na base SciELO, sugere, na avalia- ção de Meneghini, que existe, de fato, uma ciência escondida nos países em desenvolvimento. E é exatamente essa ciência que o SciELO pretende expor.

"A nossa meta é dobrar o número de títulos latino-americanos na base ISI. Pretendemos fazer um dossiê demons- trando que na base SciELO existem re- vistas melhores do que as muitas que estão no ISI. Já estamos relacionando as mais interessantes."

Acesso aberto - O sucesso do SciELO se deve, em grande parte, ao fato de oferecer acesso aberto às publicações indexadas em sua base. A rede é finan- ciada pela FAPESP, executada pela Bire- me e conta com o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientí- fico e Tecnológico (CNPq). Mas, na grande maioria dos países, a consulta é paga. "As empresas que publicam re- vistas científicas são um dos empreen- dimentos mais rentáveis do mundo",

28 ■ NOVEMBRO DE 2004 ■ PESQUISA FAPESP 105

Page 28: A arte na Pré-história do Brasil

afirma Meneghini. Nos Estados Unidos, por exemplo, o autor do artigo paga o custo da inserção, assina o copyright e as editoras ainda cobram a assinatura do leitor e das bibliotecas. "Existe um cli- ma de descontentamento na comunida- de científica contra o acesso pago", con- ta Meneghini. No início de novembro, ele deve participar de uma reunião em Paris, na França, na condição de repre- sentante da Academia Brasileira de Ciências. O encontro, promovido pela Academia Nacional de Ciências dos Es- tados Unidos, tem como pauta a forma de acesso às publicações eletrônicas. "A idéia é que se pague a inserção, cujo valor está previsto no financiamento da pesquisa. Quem acessa não paga. Tam- bém se considera a possibilidade de buscar patrocínio", ele adianta.

Na maioria dos países, as agências de fomento bancam os gastos com a pu- blicação. Mas será necessário encontrar solução para o caso em que os cientistas não contam com esse tipo de financia- mento. "Esse tema será debatido em Pa- ris. Existe a possibilidade de se fazer um fundo para patrocinar publicações em países onde o pesquisador não conta com esse apoio", diz.

Produção triplicada NSF registra aumento no número de publicações

latino-americanas

O número de artigos científicos pu- blicados por pesquisadores de países la- tino-americanos saltou de 5,6 mü em 1988 para 16,3 mil em 2001, de acordo com estudo da National Science Foun- dation (NSF) divulgado em outubro, com base em tabulações especiais e in- formações do ISI; Science and Social Science Citation Indexes; CHI Research, Inc; além de dados do Banco Mundial.

Esse crescimento, de 191%, é mui- to superior ao verificado em outras re- giões e em países em desenvolvimen- to, como o Norte da África (86%), Ásia (133%) ou o Leste Europeu, Rússia e ex-repúblicas soviéticas (queda de 19%).

A NSF constatou que o bom desem- penho da América Latina se concen- trou em quatro países: Brasil, Argenti-

na, Chile e México, responsáveis por 90% dos artigos publicados em 2001. A agência observou também que os pes- quisadores desses países passaram a pu- blicar mais em periódicos de prestígio como a Nature e Science. "Trata-se de uma tendência que indica que o antigo desejo de ter uma maior diversidade geográfica em relação à produção cien- tífica está finalmente sendo atingido", disse Arden Bement, diretor da NSF, em comunicado da instituição.

Entre os países latino-americanos, o maior aumento ocorreu no Brasil, on- de o número de artigos publicados por pesquisadores quadruplicou no perío- do. Levando-se em conta a produção per capita, Argentina e Chile produzem mais que o conjunto de países, com uma média de 70 artigos por cada 1 milhão de habitantes de 1999 a 2001. No Brasil, a média per capita é de 39 ar- tigos para 1 milhão de habitantes.

A maior produção se concen- i^L trou na área de engenharia L^^ e tecnologia, seguida por

È W biologia e saúde em ge- .^L. -A_ ral. As áreas de ciências sociais apresentaram taxa de cresci- mento abaixo da média.

Junto com a produção científica, também cresceram as citações de arti- gos de autores latino-americanos. De 1988 a 2001, o número de citações para a literatura da região triplicou. No pe- ríodo, a América Latina saltou de 14% para 20% entre os blocos de países em desenvolvimento. "Esse aumento pode- ria se explicar por uma maior tendên- cia dos autores em citar artigos de pes- quisadores de seus próprios países. Mas os dados obtidos apontam que a maior parte do crescimento deriva de traba- lhos produzidos em outras regiões que citam os artigos latino-americanos", analisa Derek Hill, da Divisão de Esta- tísticas Científicas da NSF e coordena- dor do estudo.

A agência do governo norte-ameri- cano também constatou um aumento significativo no número de autores lati- no-americanos colaborando com pes- quisadores de outras regiões. Em 1988 23% da produção da região era também assinada por cientistas estrangeiros. Já em 2001 esse total subiu para 43%. Os brasileiros colaboraram com colegas de 46 países, em 1998, e em 2001 essa par- ceria saltou para 103. •

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I POLíTICA CIENTIFICA E TECNOLóGICA

DIVULGAÇÃO

Aventura do conhecimento Mais de 1.800 eventos marcam a Semana Nacional de Ciência eTecnologia

Na noite do dia 27 de outubro os brasileiros olharam para o céu para acompanhar o eclipse lunar. Esse experi- mento coletivo de observação

astronômica encerrou a primeira Semana Nacional de Ciência e Tecnologia. No Me- morial Maria Aragão, no Maranhão, mais de 2 mil pessoas puderam ver a sombra da Terra projetada na Lua em oito pontos de observação implantados pela Associa- ção dos Astrônomos Amadores do Mara- nhão. No Marco Zero, em Macapá, 4 mil pessoas assistiram ao fenômeno utilizando telescópio, binóculos e, com a ajuda do céu claro, até a olho nu.

O experimento, conhecido como "O Bra- sil olha para o céu", repetiu-se no Planetá- rio do Ibirapuera, em São Paulo; no Museu de Astronomia e Ciências Afins (Mast), no Rio de Janeiro; na Universidade Federal do Espírito Santo; e até na aldeia guarani Pira- quara, Curitiba.

A semana foi um sucesso, na avaliação do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), responsável pela organização. Foram mais de 1.800 eventos em 252 municípios brasi- leiros, entre os dias 18 e 22 de outubro. Pelo menos 300 universidades, laboratórios, ins- titutos de pesquisa e museus abriram suas portas ao público. Cerca de 130 mil pessoas, nas contas do MCT, acompanharam pales- tras, participaram de oficinas e visitas mo- nitoradas em que se fundiam ciência, cul- tura e arte.

O evento, criado por decreto presiden- cial em junho, teve como objetivo divulgar e popularizar a ciência e deverá se repetir todos os anos, sempre no mês de outubro. "Vamos avaliar os erros, corrigir falhas e

ampliar o evento tendo como meta mobi- lizar mil cidades brasileiras no ano que vem", diz Ildeu de Camargo Moreira, dire- tor do Departamento de Popularização e Divulgação da Ciência, da Secretaria de Ciência e Tecnologia para a Inclusão Social do MCT.

Muitas dessas atividades foram reali- zadas em escolas e locais públicos. Pesqui- sadores do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas e de Ciências do Estado do Rio de Janeiro, da Fundação Oswaldo Cruz, do Instituto Vital Brasil e do Museu de Astro- nomia e Ciências Afins, por exemplo, lite- ralmente acamparam na Estação Central do Brasil, no Rio de Janeiro. Crianças, jovens e adultos fizeram fila para aprender a ex- trair moléculas de DNA de um morango, ter lições de eletricidade e aprender um pouco sobre movimento e velocidade. No dia 23, centenas de pessoas fizeram uma viagem de trem entre a Central do Brasil e Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, acompanhadas pelo astronauta brasileiro Marcos César Pontes.

Enquanto isso, um grupo de estudantes percorria a Trilha Histórica no Instituto de Pesquisa Jardim Botânico, para conhecer desde os prédios históricos da época do Im- pério até as coleções botânicas representati- vas dos ecossistemas brasileiros.

Futebol de robôs - No Recife, em Pernam- buco, centenas de pessoas foram atraídas ao Marco Zero para ver a réplica do foguete Sonda II, construído numa proporção três vezes menor que o original, e conhecer ro- bôs inteligentes feitos a partir de carcaças de eletroeletrônicos, entre outras novida- des. A mostra contou com o apoio de 41 ins-

30 ■ NOVEMBRO DE 2004 • PESQUISA FAPESP 105

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Experimentos astronômicos e espetáculos teatrais foram o destaque da I Semana Nacional de Ciência e Tecnologia

tituições entre universidades e funda- ções. No Acre, um seminário mostrou como a Ciência e Tecnologia pode au- xiliar o agronegócio, e no Tocantins a semana foi dedicada ao estudo da ma- temática. No Amazonas, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam) mobilizou pes- quisadores, professores e estudantes em atividades de educação indígena, por meio de seminários itinerantes em vá- rios municípios ribeirinhos.

Bauru, em São Paulo, realizou a se- gunda competição internacional de fu- tebol de robô, promovida pelo Institu-

te of Electrical and Electronics Engi- neers, dos Estados Unidos. Participaram do evento 26 equipes de quatro países. A equipe da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) venceu to- das as partidas que disputou, tornan- do-se campeã invicta da competição.

FAPESRIndica - A FAPESP participou da coordenação da primeira Semana de Ciência e Tecnologia em São Paulo. "Pu- demos medir a importância do evento nos diferentes núcleos e centros de pes- quisa", disse Carlos Vogt, presidente da Fundação.

Em paralelo às atividades promo- vidas pelos Centros de Pesquisa, Inova- ção e Difusão (Cepid), a FAPESP lan- çou, no dia 18 de outubro, o FAPESP. Indica, um site sem equivalente no Bra- sil que deverá ajudar pesquisadores, gestores e outros interessados na con- sulta de informações para a produção e análise de indicadores de ciência, tec- nologia e inovação (CT&I).

O site reúne sistemas de informação especializados nacionais e internacio- nais. O novo serviço abrange dezenas de países, divididos regionalmente ou em blocos, como a União Européia (UE) ou a Organização para a Coope- ração e o Desenvolvimento Econômico (OCDE)."Essa abrangência internacio- nal representa um passo importante para a organização de um conjunto de informações relativas a outros países e cenários que permitirão uma visão mais crítica para o desenvolvimento do setor no Brasil", diz Vogt. •

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POLíTICA CIENTIFICA E TECNOLóGICA

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BIOSSEGURANÇA

Mais um mund Senado autoriza pesquisa com células-trancoe restabelece poderes da CTNBio

CLAUDIA IZIQUE

Depois de oito meses de discussão, um amplo acordo de lideranças ga- rantiu a aprovação no Senado Federal, por 53

votos a 2, do projeto de lei de Biossegu- rança. O substitutivo do senador Ney Suassuna (PMDB-PB) modifica o pro- jeto aprovado pela Câmara dos Deputa- dos e autoriza o uso de células-tronco de embriões excedentes dos processos de fertilização in vitro - desde que in- viáveis para implantação ou conge- lados há três anos ou mais -, mas mantém a proibição da clonagem tera- pêutica. As mudanças obrigam a que o projeto volte para a Câmara, para nova votação, antes de ser sancionado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Na Câmara, o texto não pode ser alterado. Os deputados poderão apenas acatar ou rejeitar integralmente o substitutivo de Suassuna. No caso de rejeição, voltaria a valer o polêmico projeto do deputado Renildo Calheiros (PCdoB/PE), apro- vado em fevereiro.

Os cientistas comemoraram a deci- são do Senado. "Foi um grande avanço", disse Patrícia Pranke, especialista em células-tronco umbilicais das faculda- des de Farmácia e de Medicina da Uni- versidade Federal do Rio Grande do Sul

(UFRGS). Eles prefeririam que tam- bém tivessem obtido autorização para avançar nas investigações com a clona- gem terapêutica. "Mas esse é um proce- dimento que ainda vai requerer muita pesquisa e enfrenta algumas limitações", conforma-se Mayana Zatz, da Universi- dade de São Paulo (USP) e coordena- dora do Centro de Estudos do Genoma Humano, um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) mantidos pela FAPESP. As pesquisas com células- tronco, ao contrário, já estão bastante avançadas, garante Mayana.

Os cientistas, ela afirmou, estão à disposição dos deputados para partici- par de audiência pública e, a exemplo de que fizeram no Senado antes da votação da lei, esclarecer eventuais dú- vidas sobre as implicações e benefícios das pesquisas.

Comissão técnica - O projeto aprova- do pelo Senado também restabelece parte dos poderes da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) retirados pelo projeto da Câmara. No novo texto, a CTNBio volta a ter pode- res para aprovar não só as pesquisas como também o uso comercial de or- ganismos geneticamente modificados (OGMs). A Agência Nacional de Vigi-

lância Sanitária (Anvisa) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e de Re- cursos Naturais Renováveis (Ibama) poderão contestar a decisão da comis- são no que se refere à segurança alimen- tar ou aos impactos ao meio ambiente provocados pelo plantio comercial dos transgênicos e apresentar recursos ao Conselho Nacional de Biossegurança, composto por 11 ministros."Õ texto é melhor que a legislação atual, a lei 8.974, de 1995", compara Reginaldo Mi- nare, advogado e especialista em bios- segurança.

Na avaliação de Minare, um dos principais avanços do projeto está no seu artigo 36, que modifica a Lei Ambien- tal (6.938/81), eliminando a afirmação, que ele considera "dogmática", de que qualquer introdução de espécie geneti- camente modificada constitui atividade potencialmente poluidora, o que obri- gava a realização de licenciamento am- biental e estudo de impacto ambiental antes da sua utilização comercial.

O projeto regulamenta o plantio de transgênicos no Brasil. Mas a demora na aprovação da lei obrigou o governo a editar medida provisória liberando o plantio e a comercialização da safra de soja de 2005. O texto libera a venda da soja até 31 de janeiro de 2006. •

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■ POLíTICA CIENTIFICA E TECNOLóGICA

BOLSAS

Apoio reforçado Programa Novas Fronteiras ampliará estágios no exterior

A FAPESP lançou o Programa i^L Novas Fronteiras para apoiar L^^ estágios de longa duração

È ^ de pesquisadores em cen- ^L -^L. tros de excelência no ex- terior, em áreas de conhecimento ainda não consolidadas no Estado de São Paulo. Por essa via, a Fundação quer ampliar a política de pós-doutora- mento, definida em 2001. Por meio do Novas Fronteiras, serão concedi- das anualmente até 20 bolsas - por um período de 12 meses e no valor de US$ 25 mil anual - a pesquisadores que tenham obtido seu doutorado há até dez anos e tenham vínculo empregatí- cio firme com instituições de pesquisa paulistas. Desde 2001, as bolsas de pesquisa no exterior tinham duração máxima de cinco meses.

Essas novas bolsas não incluem be- nefícios suplementares para cônjuges e filhos, e poderão ser complementadas por outras modalidades de apoio even- tualmente obtidas em agências e insti- tuições estrangeiras. O custo anual do programa está orçado em US$ 500 mil.

Critérios decisivos para a concessão de bolsas serão a qualidade do projeto de pesquisa, a relevância da implanta- ção da área de investigação no estado, o grau de excelência do centro em que se realizará o estágio e o histórico científico

Bolsas de pós-doutoramento concedidas pela FAPESP

Ano Número de bolsas vigentes

2000 54

2001 74

2002 86

2003

2004 (até 30/09)

84

80

e acadêmico do candidato. Serão anali- sadas apenas as solicitações de candidato cujas instituições se comprometerem, expressa e formalmente, a conceder afastamento com vencimento durante o período do estágio e a garantir a con- tinuidade de sua linha de pesquisa.

Núcleos de excelência - O Novas Fronteiras flexibiliza a política de apoio ao pós-doutoramento adotada pela FAPESP, em 2001, com o objetivo de propiciar aos pesquisadores formação e aperfeiçoamento de qualidade e multi- plicar os núcleos de excelência em pes- quisa no estado. A intenção era estimu- lar a inserção dos recém-doutores nos grupos de pesquisa paulistas e incenti- var a realização de estágios de aperfei- çoamento no exterior articulados com o desenvolvimento de projetos de pes- quisa em São Paulo.

Para tanto, a FAPESP aumentou o valor das bolsas de pós-doutoramento

Total de desembolsos (R$)

R$ 18.700.442,00

14 R$ 26.335.647,00

D2 R$ 28.298.992,00

15 R$ 28.882.025,00

34

no Brasil e estendeu o seu prazo de con- cessão de dois para três anos e, em alguns casos, até quatro anos. Foram priorizadas as bolsas vinculadas a pro- jetos temáticos, aos Centros de Pesqui- sa, Inovação e Difusão (Cepid), a pro- gramas como Jovens Pesquisadores, Genoma e Biota. O resultado foi que o número de bolsas de pós-doutoramen- to saltou de 546, em 2000, para 845, em 2003, concentradas em grupos de exce- lência. Levando em conta a importân- cia do intercâmbio dos jovens doutores com grupos de pesquisa no exterior, a FAPESP não deixou de financiar está- gios de pesquisa no exterior, de curta e média duração.

No entanto, a comunidade científi- ca paulista passou a reivindicar o apoio a estágios no exterior de longa dura- ção, nas áreas de fronteira ainda não bem implantadas no estado. Para aten- der a essa demanda foi criado o progra- ma Novas Fronteiras. •

PESQUISA FAPESP 105 ■ NOVEMBRO DE 2004 ■ 33

Page 33: A arte na Pré-história do Brasil

I POLíTICA CIENTIFICA E TECNOLóGICA

INOVAÇÃO

Às portas do mercado Empresas apoiadas pelo PI PE contarão com a Finep para consolidar negócios

O Programa Inovação Tec- nológica em Pequenas Empresas (PIPE), finan- ciado pela FAPESP, inicia a sua fase III. Um acordo

firmado entre a Fundação e a Financia- dora de Estudos e Projetos (Finep), em abril, permitirá que pelo menos 40 em- presas do PIPE tenham acesso aos re- cursos do Programa de Apoio à Pesqui- sa em Empresas (Pappe), do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), para iniciar o processo de comercialização de produtos desenvolvidos nas fases I e II. O valor máximo do orçamento de cada projeto será de R$ 500 mil. O pra- zo para inscrição de empresas no pro- grama Pappe-Pipe III termina no dia 16 de novembro e a contratação de proje- tos será feita em dezembro de 2004.

O Pappe, criado pelo governo fede- ral no ano passado para apoiar a inova- ção em empresas de base tecnológica, inspirou-se no modelo do PIPE. Os re- cursos destinados ao programa federal são repassados pela Finep às Fundações de Amparo à Pesquisa (FAPs) dos di- versos estados para financiar a pesquisa e desenvolvimento (P&D) dentro das em- presas. Na fase I, a exemplo do PIPE, o

pesquisador deve apresentar seu plano de trabalho e, na fase II, definir um pla- no de negócios e desenvolver a pesquisa.

Em São Paulo, onde a FAPESP já fi- nancia as duas primeiras fases do pro- cesso de inovação empresarial, ficou acertado que a Finep apoiaria a terceira fase, ou seja, a engenharia do produto e a conquista do mercado. "A Finep acei- tou a nossa proposta de utilizar os re- cursos do Pappe para financiar a fase III do PIPE. É preciso respeitar a espe- cificidade de cada região do país, sem criar uma camisa-de-força com um modelo único. Não faria sentido repli- car o mesmo programa em São Paulo", explica José Fernando Perez, diretor científico da Fundação.

Os recursos da Finep, Perez reconhe- ce, não serão suficientes para que as em- presas se posicionem no mercado. Po- derão, no entanto, funcionar como um capital inicial para o desenvolvimento do novo negócio. "Para ganhar o merca- do, seriam necessários de R$ 3 milhões a R$ 5 milhões por empresa", diz, res- saltando que esse capital não pode ser obtido no âmbito do MCT, mas no do Ministério do Desenvolvimento, Indús- tria e Comércio Exterior (MDIC), mais

precisamente, no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). "Neste caso, os recursos não deveriam ter o caráter de empréstimos, mas ser investidos na forma de partici- pação acionária", sugere.

Por meio do programa Pappe-Pipe III, a FAPESP e a Finep apoiarão, por um período de dois anos, empresas do PIPE que já tenham encaminhado ou obtido aprovação do relatório final de conclusão do primeiro ano da fase II. Na avaliação das propostas serão consi- derados o estágio de desenvolvimento da inovação, o projeto de desenvolvi- mento do produto e o plano de negócio para comercialização da inovação. "Va- mos lidar com critérios de mercado", observa Perez.

A parceria com a Finep é a segunda realizada pela FAPESP no âmbito do PIPE. A primeira, o PIPE Empreende- dor, firmada com o Instituto Empreen- der Endeavor e o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas de São Paulo (Sebrae-SP), oferece fer- ramentas para a promoção de um rápi- do desenvolvimento empresarial dos participantes do programa por meio de curso de capacitação em gestão. •

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I POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

HOMENAGEM

Engajamento incansável Carolina Bori defendeu bandeiras essenciais para a psicologia e a democratização da ciência

A inquietação perma- g^L nente e o fôlego ^^^ na defesa das inú- /% meras causas em

^L Jm> que acreditou foram traços da personalida- de de Carolina Bori que dei- xaram marcas na profissão e na formação do psicólogo e moldaram os rumos da Socie- dade Brasileira para o Progres- so da Ciência (SBPC), entida- de que ela presidiu nos anos 1980. A professora do Institu- to de Psicologia da Universi- dade de São Paulo (USP), que morreu aos 80 anos no dia 5 de outubro, empenhou-se decisivamente na criação da Sociedade Brasileira de Psi- cologia, do Programa de Pós- graduação do Instituto de Psicologia e da Associação Na- cional de Pesquisa e Pós-gra- duação em Psicologia. Ajudou a implan- tar os cursos da disciplina na Unesp de Rio Claro, na Universidade de Brasília e na Federal de São Carlos. Também liderou o movimento que culminou com a regulamentação da profissão de psicólogo - era seu o registro n° 1 do conselho da categoria.

Filha de italianos, nascida na capital paulista, Carolina Bori graduou-se em pedagogia pela Faculdade de Filoso- fia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, onde em seguida fez es- pecialização em psicologia. O mestrado ela obteve na Graduate Faculty New School for Social Research, nos Estados Unidos, e o doutorado, na USP. Pio- neira na pesquisa da psicologia experi- mental no Brasil, também trouxe ao país as idéias do americano Fred Keller, segundo as quais a análise experimen-

Carolina é homenageada na reunião da SBPC, em julho

tal do comportamento poderia funda- mentar uma nova forma de ensinar. Surgiu a personalização do ensino, mé- todo baseado no planejamento rigoro- so dos passos da aprendizagem, com o objetivo de calibrar o ritmo de trabalho às dificuldades e conquistas apresen- tadas pelo estudante.

Método científico - Sua admissão co- mo membro da SBPC, em 1969, foi o coroamento de uma luta para consoli- dar a psicologia no seio da universida- de, nas suas palavras "uma psicologia baseada no método científico e na ex- perimentação, como as demais ciên- cias". Para chegar lá, enfrentou precon- ceitos. "Nos chamavam de positivistas", disse, em depoimento ao livro Cientis- tas do Brasil, de 1998. "Éramos rigoro- sas ao coletar os dados e mais rigoro-

sas ainda em analisá-los. A tendência, no entanto, era outra: muito mais especulati- va e interpretativa. Essa é a imagem que ainda se passa da psicologia: o leigo não tem contato com o conhecimento científico, mas é bombardea- do de idéias vagas, que aca- bam formando uma mixór- dia sem sentido", afirmou.

Na SBPC, ela ampliou seu espectro de preocupações, passando também a defen- der a ciência como geradora de desenvolvimento e como antídoto às disparidades so- ciais. Presidiu a entidade en- tre 1986 e 1989 e permaneceu como presidente de honra até o fim da vida. Incentivou ini- ciativas para a divulgação da ciência, como a realização de programas de rádio e de con-

ferências, a criação do Instituto Brasi- leiro de Educação, Ciência e Cultura (Ibecc), da Associação Interciência e da Estação Ciência, da USP. "É preciso melhorar a vida das pessoas, não ape- nas em termos de tornar os produtos gerados pela ciência disponíveis, mas também torná-las mais críticas em re- lação ao mundo em que vivem", disse. "O fato de uma parcela da população viver sem informação e distante do conhecimento científico é um absur- do, assim como é um absurdo o des- preparo dos professores, que seriam os agentes para modificar essa situação." A professora deu lastro ao engajamen- to da comunidade científica em assun- tos políticos no ocaso da ditadura mi- litar. A defesa dos direitos humanos e a campanha contra o programa nuclear foram algumas dessas bandeiras. •

PESQUISA FAPESP 105 ■ NOVEMBRO DE 2004 ■ 35

Page 35: A arte na Pré-história do Brasil

CIÊNCIA

LABORATóRIO MUNDO

Agricultores chineses semeiam prejuízos

=

Nos últimos dez anos, o go- verno chinês incentivou os gricultores a trocarem cul-

turas tradicionais - em es- ecial de arroz - por legu-

frutas, que oferecem íor retorno financeiro.

Os produtores converteram m centros de horticultura

uma área de 13 milhões de hectares, equivalente à da nglaterra, mas as conse-

qüências agora preocupam: em cinco anos, o solo nas egiões produtoras de frutas

e legumes foi tão alterado que está se tornando estéril:

acidez aumentou, o nível e nitrogênio subiu quatro

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Arrozal: substituído por legumes e frutas

vezes e o de fósforo, dez. As bactérias que ajudam no crescimento das plantas quase desapareceram do

solo e algumas plantas apre- sentam frutos deformados, de acordo com uma série de estudos publicados na

Environmental Geochemis- try and Health. Houve tam- bém uma queda de 20% na produção de grãos como arroz e trigo, insuficiente para alimentar o 1,2 bilhão de chineses. Agrônomos ocidentais acreditam que a causa dos problemas do solo não seja a cultura de frutas e legumes, mas o uso excessivo de fertilizantes, que ameaça as escassas re- servas de água doce do país {NewScientist). A produção agrícola chinesa eqüivale à norte-americana, mas o consumo de fertilizantes é duas vezes maior. •

■ 0 gel de um protozoário

Pesquisadores europeus des- cobriram detalhes importan- tes a respeito do mecanismo de transmissão da leishmanio- se cutânea, uma das formas de uma das mais sérias doen- ças tropicais do planeta. Em um estudo publicado na Na- ture e divulgado pelo London Press Service, uma equipe da Universidade de Liverpool, Inglaterra, em conjunto com a Universidade de Dundee, Escócia, e o Instituto Max Planck de Biologia, Alema- nha, demonstrou que o pro- tozoário Leishmania mexica- na produz uma substância similar a um gel que o acom- panha quando ele passa do inseto Lutzomyia longipalpis para os seres humanos e ou- tros animais. O principal componente desse gel, o pro-

teofosfoglicano filamentoso (fPPG), faz com que o inseto não seja capaz de se nutrir adequadamente do sangue de uma única vítima e procure outras, favorecendo assim a transmissão do parasita. Esse trabalho abre a perspectiva de conter a transmissão da leishmaniose por meio de me- dicamentos que bloqueiem a ação desse gel. •

Arte peruana: leishmaniose

■ As táticas sexuais de homens e mulheres

Os homens podem até contar vantagem sobre as conquistas amorosas, mas sem argumen- tos científicos. A equipe de Michael Hammer, da Univer- sidade do Arizona, Estados Unidos, após analisar amos- tras de sangue de 73 indiví- duos de três populações - da África, da Mongólia e da Ocea- nia -, constatou que o DNA mitocondrial, transmitido pe- las mães aos filhos de ambos os sexos, apresentava o dobro da variabilidade do material genético do cromossomo Y, que apenas os homens her- dam de seus pais. É uma in- dicação de que as mulheres passam seus genes às gerações seguintes com o dobro da fre- qüência que os homens. De outro modo: um pequeno nú- mero de homens contribui

com a maior parte dos cro- mossomos Y que asseguram a continuidade da linhagem masculina. Mas, segundo esse estudo, publicado em outubro na Molecular Biology and Evo- lution, o sucesso reprodutivo das mulheres não garante que seus genes cheguem tão longe quanto se pensava. Em outro trabalho, que saiu na Nature Genetics, Hammer verificou uma variabilidade bastante próxima no DNA mitocon- drial e no cromossomo Y de 389 indivíduos de dez popu- lações isoladas da África, da Europa, da Ásia e da Oceania. É um sinal de que em escalas geográficas regionais ou glo- bais a contribuição genética masculina é muito próxima à feminina e a influência da mi- gração das mulheres não é tão relevante. Estudos anteriores atribuíam às mulheres taxas de migração até oito vezes maio-

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res, numa suposta decorrên- cia de um costume comum a 70% das sociedades: a patri- localidade, a prática de as es- posas se mudarem com os ma- ridos após o casamento. São poucos os homens que se re- produzem, mas eles chegam mais longe. •

■ Tumulto no interior da Terra

Variam mais do que se pensa- va a densidade, a composição e a agitação da região mais interna do manto, a espessa camada de rochas entre a su- perfície e o núcleo da Terra. A base do manto, uma região de algumas centenas de qui- lômetros - a camada D" -, é provavelmente a parte mais exótica do interior da Terra, segundo o sismólogo Edward Garnero, da Universidade do Estado do Arizona (ASU). Garnero e outros geofísicos dos Estados Unidos e da No- ruega exploraram a camada D" abaixo da América Cen- tral e do Caribe por meio das ondas sísmicas geradas por tremores de terra (Science, 8 de outubro). Os resultados revelam variações de até 20 graus na inclinação das ca-

madas do manto inferior, em distâncias relativamente cur- tas (centenas de quilômetros), que alteram a direção das vi- brações das ondas sísmicas. Há sinais de impressionantes

mudanças de densidade em pontos relativamente próxi- mos, indicando correntes e turbulências vigorosas cau- sadas pelo calor vindo do nú- cleo, que misturam o material

mais frio que desce do manto e se acumula na camada D". Essa agitação ajuda a esfriar o planeta, cujo centro talvez seja tão quente quanto a su- perfície do Sol. •

A preocupante extinção de anfíbios

Um dos mais antigos gru- pos de animais ainda exis- tentes no planeta, os anfí- bios estão desaparecendo a taxas jamais observadas, mesmo nas áreas destina- das à conservação. Um le- vantamento feito em cerca de 60 países e publicado na Science de 14 de outubro mostrou que quase um ter- ço das 5.743 espécies co- nhecidas de anfíbios - sa- pos, rãs e salamandras - encontra-se sob risco de ex- tinção, situação bem mais grave que a das aves e ma- míferos. O desaparecimen- to dos anfíbios está associa- do à poluição, à perda do hábitat ou à caça, mas falta uma causa evidente para o declínio de metade das es- pécies, encontradas sobre-

Atelopus varius: em declínio na Costa Rica e no Panamá

tudo na Austrália e nas re- giões tropicais das Améri- cas. Essa extinção acelerada afeta a sobrevivência dos répteis e das aves que se alimentam de anfíbios e gera um desequilíbrio eco- lógico, com o aumento de populações de insetos. "O fato de um terço dos anfí-

bios estar em queda acele- rada nos diz que estamos caminhando rapidamente para uma potencial epide- mia de extinções", disse ao jornal inglês The Indepen- dem Achim Steiner, dire- tor-geral da União Mun- dial para a Conserva (IUCN). -

PESQUISA FAPESP 105 ■ NOVEMBRO DE 2004 ■ 39

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■ Mais cães e gatos nas cidades

Em toda campanha de vaci- nação contra a raiva é difícil saber com precisão quantos cães e gatos há nas cidades. Se o número de animais for su- bestimado, alguns não rece- berão vacina e aumentará o risco de infecção humana. O cálculo se baseia em dados da Organização Mundial da Saú- de e do Instituto Pasteur de São Paulo, que estimam ha- ver um cão para cada 7 a 10 pessoas nas áreas urbanas. Em busca de dados mais pre- cisos, veterinários da Univer- sidade de São Paulo (USP) fizeram um levantamento em Taboão da Serra, na Região Metropolitana, e descobriram que essa proporção é um pou- co maior. Inspecionaram 1.052 domicílios e viram que em Taboão há um cão para cin- co habitantes e um gato para cada 30. "Essa metodologia aju- dará a aproveitar melhor os recursos humanos e financei- ros, tão escassos no serviço público municipal", afirma Ricardo Augusto Dias, da USP, um dos autores do estu- do publicado na Revista de Saúde Pública. •

Continente gelado está mais quente

pei

sad

% ter

Em quase 50 anos, a tem- eratura média na Antár-

a subiu 1,1 °C. Pesqui- sadores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), do Instituto Nacional de Pesquisas Es- paciais (Inpe) e do Labora- tório de Ciências do Clima e do Ambiente da França nalisaram uma longa se-

de registros mensais de temperatura, de 1947 a 1995, na ilha Rei George, onde fica a base brasileira. Nesse período, houve um aquecimento anual médio de 0,022 grau - o aumento maior ocorreu no inverno, que se tornou 1,9°C mais quente. É uma possível conseqüência do aumento da temperatura em todo o planeta, provocado pelo acúmulo de gás carbônico na atmosfera. Nessa região, a oeste do continente an- tártico, a temperatura do ar é regulada pela interação entre as correntes de ar quente vindas do norte e pelas placas de gelo mari- nho, que diminuíram de tamanho de centenas de metros a 1 quilômetro nes- ses 49 anos, segundo um estudo publicado na Pes- quisa Antártica Brasileira. Essa elevação, porém, não parece suficiente para ex- plicar o encolhimento en- tre 1956 e 2000 das geleiras situadas na ilha Rei Geor- ge. A análise de 70 bacias de drenagem dessa região antártica indicou que hou- ve maior redução das gelei- ras nas bacias do Almiran- tado, Rei George e Sherratt, de acordo com um estudo coordenado pelo glaciolo-

A Antártida e a estação Pólo Sul: viagem por terra ao extremo do planeta

gista Jefferson Cardia Si- mões, do Núcleo de Pes- quisas Antárticas e Climá- ticas (Nupac) da UFRGS. No final de outubro, Simões iniciou sua 13a expedição à Antártida. Ele e o geógrafo Francisco Aquino, também do Nupac, acompanham 32 pesquisadores chilenos na primeira expedição por terra a atravessar todo o continente antártico até o Pólo Sul geográfico, o pon- to extremo do hemisfério Sul. Em 1961, Rubens Vi- lella, da Universidade de

São Paulo, foi o primeiro brasileiro a chegar ao Pólo Sul, tendo feito parte do percurso de avião. Ao lado de 12 pesquisadores chi- lenos, Simões percorrerá 2.400 quilômetros de ter- renos em que o ar é extre- mamente seco e as tempe- raturas chegam a 40°C negativos no verão. Ele pretende recolher amos- tras de gelo de dezenas de metros de profundidade, para analisar a alteração química da atmosfera nos últimos 300 anos. •

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■ Saindo da terra com hora marcada

Este ano as cigarras invadi- ram algumas cidades dos Es- tados Unidos. É um espetá- culo que ocorre a cada 13 anos, no caso da Magicicada tredecim, e a cada 17 anos, no da Magicicada septendecim, duas espécies cujos ciclos de vida são os mais longos entre todos os insetos. A duração desses ciclos, 13 e 17 anos, são números primos, divisíveis apenas por um e por eles pró- prios. "Esse tipo de ciclo é uma conseqüência da evolução", diz o físico Paulo Campos, da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE). Campos é o autor principal de um estudo publicado na Phy- sical Review Letters que usou modelos matemáticos para investigar se haveria uma re- lação entre a evolução e o fato de a duração do ciclo ser um número primo. "Provavelmen- te por mutações, algumas es- pécies de cigarras desenvolve- ram períodos de incubação mais longos e assim escapa- ram da ação dos predadores", diz. Estudos anteriores supu- nham que o ciclo de vida coin- cidente com anos primos favo- receria às cigarras escaparem de seus predadores, com ci- clos de reprodução distintos. Em parceria com físicos da Unicamp, Campos verificou que esse ciclo em anos pri- mos prevalece mesmo que coincida com o de um preda- dor que se alimente desses in- setos. Segundo o estudo, talvez seja a abundância de cigarras que permita a sobrevivência dessas duas espécies. •

■ Corais nascidos em laboratório

Biólogos do Museu Nacional e oceanógrafos da Universi- dade Federal de Pernambu-

Cigarras Magicicada septendecim: abundância a cada 17 anos favorece a sobrevivência

co estão comemorando. No início de outubro viram que deu certo a fecundação em laboratório de uma das espé- cies de coral-cérebro, exclusi- va do litoral brasileiro, a Mus- sismilia harttii. É a primeira vez que se consegue reprodu- zir essa espécie de coral, que apresenta fecundação exter- na. O M. harttii libera suas cé- lulas reprodutivas masculinas (espermatozóides) e femini- nas (ovócitos) na água. Só após chegarem à superfície os espermatozóides fecundam os ovócitos e geram os embriões, que nadam por dias e se trans- formam em larvas antes de se fixarem nas rochas. Integran- tes do projeto Coral Vivo, que

planeja o repovoamento dos recifes de corais brasileiros, os pesquisadores do Museu Nacional já haviam consegui- do reproduzir o coral-cére- bro-pequeno (Favia grávida), de fecundação interna. •

■ Um risco para os artesãos

Respirar pode ser perigoso para quem tem de polir, cor- tar e lapidar pedras conten- do sílica, como são conheci- dos os compostos de dióxido de silício (SÍO2). Em Petró- polis, Rio de Janeiro, 53,7% dos artesãos locais, que pro- duzem peças principalmente para exportação, tomaram

0 início da reprodução do coral-cérebro: liberação do pacote de células reprodutivas femininas e masculinas (esfera amarela), que se separam antes da fecundação

consciência disso ao adquirir silicose, doença sem cura ca- racterizada pela formação de fibras nos pulmões. Seus sin- tomas, que aparecem nas fa- ses mais avançadas da doença, são tosse e falta de ar. Tam- bém está associada à maior ocorrência de tuberculose. Pesquisadores da Faculdade de Ciências Médicas da Uni- versidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e do Institu- to do Coração (Incor), em São Paulo, examinaram 42 escul- tores de pedra das 11 oficinas de artesanato da cidade, das quais 91% ultrapassaram os limites permitidos de con- centração de poeira. "A pre- valência é uma das mais altas já publicadas na literatura médica no Brasil", diz Viní- cius Antão, um dos autores da pesquisa, detalhada no American Journal of Indus- trial Medicine. As causas des- se problema seriam a pouca ventilação nas oficinas, a ina- lação de sílica após o corte de minerais e o não uso de equipamentos de proteção. "Como não existe tratamen- to para a silicose, a preven- ção é fundamental", diz. Na época do estudo, entre janei- ro de 2000 e junho de 2002, os pesquisadores da Uerj e do Incor aplicaram um progra- ma educacional e 75% dos trabalhadores passaram a uti- lizar equipamento de prote- ção respiratória. •

PESQUISA FAPESP 105 ■ NOVEMBRO DE 2004 ■ 41

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CIÊNCIA

FÍSICA

Outra forma de ver a fusão

atômica Experimento redefine o conhecimento sobre a interação de núcleos, da qual resulta a energia do Sol

Com freqüência, a natureza se revela mais complexa do que os físicos gostariam e os obriga a repensar os modelos criados para explicá-la. Um experimento realiza- do na Bélgica com a participação de uma

pesquisadora brasileira esclarece uma dúvida que in- quietou os físicos nos últimos 20 anos: saber se um tipo especial de núcleo atômico - com partículas neu- tras (nêutrons) a mais e quase o dobro do tamanho normal - tornaria de dez a cem vezes mais fácil a fu- são nuclear. Nesse fenômeno, os núcleos de dois áto- mos se unem e originam outro mais pesado, libe- rando quantidades elevadas de energia. Possivelmente o mais completo feito até agora, esse estudo revela que lançar um núcleo exótico a altíssimas velocida- des contra o núcleo de outro átomo não aumenta a probabilidade de ambos se fundirem com o choque. Também não diminui. Essa supertrombada atômica gera outra forma de interação: o núcleo atômico co- mum recebe desse tipo de núcleo, chamado exótico, seus nêutrons excedentes, que provavelmente orbita- vam ao seu redor formando uma espécie de nuvem, como informam os dados publicados em 14 de outu- bro na Nature.

Núcleo em expansão, óleo sobre tela de

Iberê Camargo, 1965

42 ■ NOVEMBRO DE 2004 ■ PESUUISA FAPESP105

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PESQUISA FAPESP 105 ■ NOVEMBRO DE 2004 ■ 43

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"Esse resultado não significa que re- tornamos à estaca zero, mas, ao contrá- rio, saímos dela", afirma a física Alinka Lépine-Szily, da Universidade de São Paulo (USP), co-autora do estudo da Nature. "Os modelos teóricos que indi- cavam uma probabilidade maior de ocorrer fusão nuclear nesses casos terão de ser revistos, agora com base em in- formações detalhadas." Quem não se deixou apaixonar pela beleza da física pode até achar que essa descoberta não passa de detalhe. Mas não é. A fusão nuclear é a fonte de energia das estrelas como o Sol.

No interior das estrelas, a fusão ocorre porque a força gravitacional exer- ce uma pressão que apro- xima os núcleos uns dos

outros. Parte da energia liberada escapa na forma de radiação e torna possível a vida na Terra. É também a fusão dos núcleos atômicos de elementos quí- micos mais leves e simples - como o hidrogênio, formado apenas por uma partícula de carga elétrica positiva (próton) - que origina os núcleos de átomos maiores e mais pesados, a exem- plo do hélio, do lítio e do carbono.

O interesse em compreender e do- minar a fusão nuclear surgiu no início do século passado, quase 2.500 anos após o filósofo grego Leucipo postular que a matéria era constituída por áto- mos. No final da década de 1930, às vésperas da Segunda Guerra Mundial, o físico alemão Hans Bethe constatou que a fusão dos núcleos de dois áto- mos de hidrogênio liberava energia. Nessa fase de turbulência política e instabilidade econômica, esse fenôme- no físico passou a ser visto como pos-

0 PROJETO

Estudo dos núcleos exóticos com feixes radioativos produzidos no laboratório Pelletron-Linac

MODALIDADE Projeto Temático e Pronex

COORDENADORA ALINKA LéPINE-SZILY - USP

INVESTIMENTO R$ 600.723, 48 (FAPESP e CNPq)

sível fonte de energia alternativa aos combustíveis fósseis - em especial car- vão e petróleo.

A compreensão de como se com- portam as partículas no núcleo dos átomos daria também ao ser humano um poder de destruição jamais visto, com o uso da fusão para a produção de poderosíssimas armas nucleares, como a bomba de hidrogênio ou bomba H —

Já usada em

bombas de hidrogênio, a fusão nuclear

pode se converter em

uma possível

aternativa aos combustíveis

fósseis

já as bombas atômicas, como as lança- das sobre o Japão, são produzidas com base no fenômeno oposto, a fissão nu- clear, em que o núcleo de átomos gran- des se rompe, liberando energia. Na bomba H, a união dos núcleos de deu- tério - forma particular de hidrogênio cujo núcleo contém um próton e um nêutron - origina o elemento químico hélio, numa transformação semelhan- te à observada no interior do Sol. Ao se combinarem, esses núcleos perdem menos de 1% de sua massa, que se transforma em uma verdadeira monta- nha de energia, como prevê uma das mais conhecidas equações da física, de- senvolvida por Albert Einstein, E — me2. Essa fórmula indica que a energia (E) produzida numa reação nuclear corres- ponde à massa (m) perdida multiplica- da pela velocidade da luz (c) elevada ao quadrado - daí o valor ser tão elevado.

Mas não é tão simples repetir por aqui o que se passa no coração das es- trelas. No cerne desses corpos celestes a pressão gravitacional e as temperaturas são tão elevadas que núcleos atômicos distintos se aproximam a ponto de con- seguir se unir, vencendo a força de re-

pulsão. Até é possível atingir de modo artificial temperaturas tão elevadas, mas o consumo de energia é tamanho que praticamente torna a fusão inviável do ponto de vista econômico - só para ter uma idéia, é necessário explodir uma bomba atômica para iniciar a fusão dos núcleos na bomba H.

Em 1985, a equipe do físico Isao Ta- nihata, do Centro de Física Nuclear do Japão, notou que núcleos exóticos de lí- tio, chamados Lítio 11, contendo oito partículas neutras, eram mais volumo- sos do que seria de esperar. O motivo é que dois dos seus quatro nêutrons ex- cedentes não permanecem coesos no núcleo, mas formam uma nuvem de nêutrons - na natureza, o núcleo do lí- tio contém apenas quatro nêutrons, além de três prótons.

Nesses núcleos exóticos, que duram menos de um segundo depois de cria- dos, algumas dessas partículas neutras permanecem mais afastadas, formando uma espécie de nuvem ou halo, como dizem os físicos. Logo se imaginou que, menos coesos, núcleos exóticos facilita- riam a fusão. Além disso, por apresen- tarem uma massa maior, era de supor que a força de atração entre os núcleos passasse a atuar a distâncias maiores e, desse modo, compensasse a força que repele as partículas de mesma carga elé- trica - positiva, no caso dos prótons dos núcleos atômicos, como os retratados pelo pintor gaúcho Iberê Camargo na obra da página anterior.

0 parodoxo do hélio 6 - Uma equipe internacional coordenada por Atsuma- sa Yoshida, do Japão, e Cosimo Signori- ni, da Itália, tentou comprovar a maior probabilidade da fusão de núcleos exó- ticos, em experimentos com Berílio 11 (com quatro prótons e sete nêutrons), mas os resultados foram negativos. Ou- tro teste realizado por James Kolata, da Universidade Notre Dame, em Indiana, Estados Unidos, revelou o oposto: a fu- são nuclear ocorria mais facilmente com o hélio 6. Com esses resultados, era impossível chegar a uma conclusão. Na tentativa de desfazer a dúvida, Jean Luc Sida, da Comissão de Energia Atô- mica, na França, reuniu um grupo in- ternacional - formado por físicos bel- gas, franceses, italianos, poloneses e brasileiros - para realizar um experi- mento mais completo e uma análise mais detalhada que as anteriores.

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Representação de uma colisão atômica: nem sempre há fusão

Utilizando o acelerador de partícu- las do Centro de Pesquisa de Cíclotron em Louvain-la-Neuve, os físicos lança- ram núcleos de hélio 6 contra núcleos bem maiores, de urânio 238 - algo como sacar uma bola de tênis a velocidades próximas à da luz contra uma de fute- bol de campo. Se tudo desse certo e o hélio 6 facilitasse a fusão completa, de- veriam surgir núcleos de um elemento químico ainda maior e mais pesado: o plutônio 244, com 94 pró tons e 150 nêu- trons. Quase instantaneamente após a fusão, o plutônio sofreria fissão e se di- vidiria em dois outros elementos quí- micos, emitindo radiação. Ao mesmo tempo, como se verificou, haveria emis- são de partículas alfa, formadas por dois prótons e dois nêutrons, idênticos ao núcleo de hélio 4, características das rea- ções nucleares.

A análise inicial dos dados, fei- /% ta por Riccardo Raabe, pri-

^^^ meiro autor do estudo da i m Nature, mostrou que real-

^L -^L. mente o hélio 6 havia pro- vocado um número maior de fissões que o hélio 4. Mas essa era parte da in- formação. Faltava verificar o que havia se passado no início desse processo de transformações e disparado a fissão - toda fusão nuclear é seguida de fissão, mas nem toda fissão é causada pela fu- são de núcleos atômicos. Quando ava- liou o caminho que as partículas alfa percorriam até os detectores e a energia com que ali chegavam, o grupo do qual participou Alinka constatou que elas re- sultavam da perda de dois nêutrons do hélio 6 - aqueles que formavam o halo - para o núcleo de urânio 238, que, em seguida, sofria fissão. Estava claro: em boa parte das colisões, em vez da fissão ocorria transferência de nêutrons.

E o que aconteceu com o hélio 6? Na transferência, pode ter se rompido e liberado os dois nêutrons para o urâ- nio, continuando a existir como hélio 4. Alinka pretende aprofundar na pró- pria USP o estudo dessas reações que competem com a fusão. No início deste ano, começou a funcionar no Institu- to de Física um equipamento que inte- gra o projeto Ribras (sigla em inglês para feixes de íons radioativos) capaz de produzir feixes de núcleos exóticos (ver Pesquisa FAPESP n° 99, de maio de 2004). "Poderemos fazer aqui o que an- tes só era possível no exterior." •

Üsjsl PESQUISA FAPESP 105 ■ NOVEMBRO DE 2004 ■ 45

Page 43: A arte na Pré-história do Brasil

■ CIÊNCIA

BIOQUÍMICA

Dois novos equipamentos põem o país na linha de frente do estudo da estrutura e da ação das proteínas

RICARDO ZORZETTO

E RUTII HELENA BKI.

I ste ano o Prêmio Nobel de Química foi conce- dido a dois médicos e um bioquímico que des- cobriram como as células desmontam e reapro-

i veitam suas proteínas velhas ou defeituosas. Em 2002, um químico e um engenheiro dividiram

outro Nobel de Química por terem aprimorado duas téc- nicas que permitiram a análise de proteínas, a espectrome- tria de massa, hoje essencial nessa área. Não é de estranhar que uma das mais altas honrarias da ciência no mundo te- nha reconhecido recentemente, por duas vezes, o valor do estudo dessas moléculas abundantes em qualquer microor- ganismo, animal ou planta. Nos últimos cinco anos, após o seqüenciamento do genoma de quase 150 organismos, a identificação da estrutura, da função e dos modos de inte- ração dessas moléculas, codificadas pelos genes, tornou-se uma prioridade mundial, por representar um caminho apa- rentemente seguro para entender com mais detalhes as rea- ções químicas que mantêm os organismos vivos ou os fa- zem perecer. Desse conhecimento, espera-se obter formas mais eficazes de combater as doenças - uma simples gripe ou uma praga agrícola - ou mesmo de prolongar a vida.

É um mundo imenso, cuja exploração mal começou. O Protein Data Bank, uma base de dados específica sobre proteínas, armazena informações acerca da estrutura de aproximadamente 25 mil dessas moléculas de plantas, ani- mais e microorganismos. É pouco se comparado, por exemplo, ao número de proteínas humanas, estimadas de 100 mil a até 1 milhão. Hoje não passa uma semana sem que as proteínas sejam destaque em revistas científicas de primeira linha - em meados de setembro, por exemplo, 20 dos 51 estudos publicados nos Proceedings ofthe National Acaderny of Sciences abordavam de forma direta ou indire- ta essas moléculas.

Mesmo sem um projeto unificado como o Genoma Humano, que reuniu dezenas de laboratórios no seqüen- ciamento do material genético de nossa espécie, o estudo

\I0VEMBR0 DE 2004 ■ PESQUISA FAPESP 105

Page 44: A arte na Pré-história do Brasil

Antibiótico à flor da pele: molécula extraída da perereca Hyla punctata

das proteínas avança rapidamente na Europa e nos Estados Unidos - e também no Brasil. Por aqui já exis- tem cerca de 200 grupos de pesqui- sa nessa área, denominada proteô- mica, que ganharam impulso com a entrada em operação de dois no-

Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), em Campinas. Com essas novas má- quinas, que determinam a seqüên- cia dos blocos constitutivos das pro- teínas, os aminoácidos, o Brasil passa a integrar o seleto time de países com tecnologia para analisar em detalhes a estrutura das proteínas. Instalados em julho de 2003, os novos aparelhos do LNLS - dois espectròmetros de massa adquiridos por USS 1,3 milhão, finan- ciados pela FAFESP - foram liberados em setembro para grupos de pesquisa de qualquer estado do país, desde que as propostas de trabalho sejam aprova- das pelo LNLS e os resultados partilha-

Os selecionados - Do primeiro lote de 31 propostas de uso desses equipamen- tos, o LNLS selecionou 20, elaborados por grupos de pesquisa de quatro esta- dos - São Paulo, Rio de Janeiro, Ceará e Rio Grande do Sul. São projetos dedi- cados à análise de proteínas de microor- ganismos causadores de doenças em plantas, como a XyleÜa fastidiosa, que ataca os laranjais, ou em animais, caso

ilasma hyopneumo- niae, uma das causadoras da pneumo- nia; da Lcptospira interrogans, o agente da leptospirose; e do protozoário Try-

Chagas. As equipes selecionadas têm até dezembro para investigar também as proteínas associadas ao desenvol- vimento de tumores e à ativação e desativação de genes {veja a lista cm www.revistapesquisa.fiipesp.br). Em ja- neiro, o LNLS lançará edital de seleção do segundo lote de propostas.

"Evidentemente não nos encontra- mos no mesmo nível de países como Es- tados Unidos e Inglaterra, nos quais o uso dos espectròmetros de massa é bas- tante difundido, mas somos pioneiros na América Latina na pesquisa de pro- teínas", comenta o bioquímico Rogério Meneghini, que dirigiu o Centro de Bio- logia Estrutural do LNLS até fevereiro deste ano e hoje é o coordenador de pro- jetos do laboratório. "Nosso objetivo é

consolidar ou formar grupos de exce- lência em proteômica, do mesmo modo que existem hoje equipes de primeira linha em genòmica no Brasil." Segundo ele, de todos os grupos dessa área no país, cerca de 40 devem, em alguns anos, estar em condições de competir internacio- nalmente com descobertas relevan- tes sobre a estrutura das proteínas, a vertente que explica como essas moléculas interagem entre si ou

com outras. É um número similar ao de laboratórios hoje capacitados a fazer o seqüenciamento e a análise de genes.

fácil entender por que os pes- quisadores se sentem atraí-

. dos pelas proteínas, cuja importância vai bem além do senso comum - a de se-

■ rem os principais compo- nentes de alimentos como a carne, a soja e o leite. São essas moléculas que formam e mantêm em funcionamento as células e os tecidos dos seres vivos, onde são encontradas em quantidades consideráveis, quando comparadas com outros tipos de moléculas: correspon- dem a cerca de 30% da massa dos mús- culos ou do fígado, por exemplo.

Seus papéis variam de acordo com a situação e o lugar em que se encon- trem. As proteínas podem atuar como transportadores e, como os carregado- res de mala dos aeroportos, levar com-

PESQUISA FAPESP 105 ■ NOVEMBRO DE 2004 ■ 47

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postos de fora para dentro das células, envoltas por membranas constituídas de lipídios, açúcares e ou- tros tipos de proteínas. Ou- tras vezes elas funcionam como uma espécie de ante- na, captando informações enviadas por células vizi- nhas. Também participam das reações químicas que resultam na produção de energia, na formação da memória, enfim, do con- trole do organismo como um todo. São as operárias - sempre alertas - dos seres vivos. Em uma situação de perigo, é uma proteína que funciona como hormônio, a adrenalina, que faz o co- ração disparar, abastecen- do os músculos com mais sangue e deixando assim o corpo preparado para lutar ou fugir.

Não foi agora que os pesquisadores brasileiros entraram nesse labirinto. Nos últimos cinco anos, laboratórios nacionais começaram a importar os primeiros espectrômetros de massa, que somam uma dezena no país. Eles se en- contravam em laboratórios como o do biólogo Carlos Bloch Júnior, da Empre- sa Brasileira de Pesquisa Agropecuá- ria (Embrapa) em Brasília, do químico Mario Sérgio Palma, da Universidade Estadual Paulista em Rio Claro, e de Lewis Greene, da Universidade de São Paulo (USP) em Ribeirão Preto. Con- tavam ainda com esses equipamentos os bioquímicos Antônio Carlos de Ca- margo, do Instituto Butantan, e José Camillo Novello, da Universidade Es- tadual de Campinas. Na USP em São Paulo, o farmacologista Gilberto De Nucci e o parasitologista Igor de Al- meida tinham espectrômetros de mas- sa, também existentes nos laboratórios dos biofísicos Luiz Juliano Neto, da Universidade Federal de São Paulo, e Paulo Bisch, da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

"Esses primeiros equipamentos são poderosos, mas a sensibilidade e a acu- rada dos espectrômetros de massa para o estudo de proteínas aumenta a cada dia", explica Meneghini. Segundo ele, os novos aparelhos do LNLS permitirão o

Próximos alvos: proteínas das bactérias Xylella fastidiosa (á esquerda) e Leptospira interrogam

estudo de proteínas maiores, com pos- sibilidade de determinar a seqüência dos aminoácidos que as formam.

Ação complementar - Para dar esse salto, porém, Meneghini e Bloch traba- lharam durante cerca de um ano na es- colha, compra e montagem dos espec- trômetros. Eles adotaram três critérios básicos: os aparelhos deveriam ter grande sensibilidade para detectar pro- teínas em amostras com bilionésimos de grama de material biológico; apre- sentar resolução que possibilitasse a identificação de cada um dos aminoá- cidos, que têm massas muito próximas; e fornecer os resultados rapidamente - um dos equipamentos analisa mil amostras por hora.

"Ainda na fase de seleção", conta Bloch, "levamos amostras de proteínas da bactéria Xanthomonas citri para se- rem testadas pelos quatro fabricantes de espectrômetros que mantêm repre- sentantes no país, para compararmos a sensibilidade e a precisão dos equipa- mentos". É do próprio Bloch, aliás, o primeiro estudo científico utilizando os novos aparelhos: uma análise da proteí- na hylaseptina PI. Extraída da secreção da pele da Hyla punctata, uma perereca

verde-vivo encontrada na Amazônia, a hylaseptina age contra bactérias causa- doras de infecções hospitalares, como a Staphylococcus aureus e a Pseudomonas aeruginosa, ou um fungo, o Cândida al- bicans, que se manifesta em pessoas imunodeprimidas, como mostra estu- do publicado em março deste ano no Journal ofBiological Chemistry.

Os dois equipamentos do LNLS são levemente diferentes - a vantagem é que um complementa a leitura do ou- tro. Um deles aplica uma descarga elé- trica nas proteínas e as fragmenta em partes eletricamente carregadas, que são então identificadas de acordo com sua massa. Essa é a técnica conhecida como Electrospray Q/TOF, empregada no estudo de moléculas solúveis em água, como a hemoglobina, a proteína que transporta o oxigênio e dá a cor vermelha ao sangue.

O outro equipamento dispara um laser sobre as proteínas armazenadas em um cristal, que assim se tornam ele- tricamente carregadas. Por meio dessa técnica, chamada Maldi-TOF/TOF, po- dem-se avaliar as estruturas de proteí- nas encontradas nas membranas das células. "Conhecer a estrutura dessas moléculas é essencial para encontrar

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Sensibilidade e alta resolução: espectrômetros do LNLS permitem identificar a seqüência dos aminoácidos

novas formas de combater diversas doenças, uma vez que a membrana de um parasita funciona como seu órgão sensorial e permite, por exemplo, que ele reconheça sua célula hospedeira", explica Bloch.

A principal vantagem em relação I^k aos espectrômetros existen-

^^^ tes no país é que os equipa- /M mentos recém-instalados

^L ^Lw em Campinas - sob os cuidados do químico Fábio César Goz- zo, coordenador do Laboratório de Es- pectrometria de Massas do LNLS - identificam cada um dos aminoácidos que compõem uma proteína e a seqüên- cia em que se encaixam para formá-la. Desse modo, pode se tornar mais fácil, por exemplo, desenhar moléculas de medicamentos que se encaixem com precisão em uma determinada proteína e impeçam o surgimento de um câncer ou a ação de bactérias como a Xylella fastidiosa ou a Xanthomonas citri, hoje vistas como pragas dos laranjais. Será um avanço e tanto. "É como se até agora tentássemos montar um quebra- cabeça de olhos vendados, tateando no escuro para encaixar uma peça aqui, outra ali, e verificar se um fármaco fun-

ciona para combater uma determinada doença", compara Glaucius Oliva, coor- denador do Instituto de Física da USP em São Carlos e diretor do Centro de Biologia Molecular Estrutural, um dos dez Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão financiados pela FAPESP. Com a estrutura das proteínas em mãos, os pesquisadores passam a trabalhar sem a venda nos olhos.

Mas muitos relutam em mergulhar no mundo das proteínas. Não é à toa. "Por mais interessados que estejam, os biólogos consideram o tema complexo demais, enquanto os químicos acredi- tam que as proteínas são moléculas grandes demais", comenta Bloch.

0 PROJETO

Proteomics Studies aí the São Paulo State

MODALIDADE Linha Regular de Auxílio à Pesquisa

COORDENADOR FáBIO CéSAR GOZZO - LNLS

INVESTIMENTO R$ 5.391.153,26

O desafio intimida até os mais experientes, talvez por ser superior ao enfren- tado até o momento no se- qüenciamento de diversos genomas. Embora os ge- nes contenham as receitas das proteínas, conhecer o conjunto de genes - o ge- noma - de um organismo não é suficiente para saber como elas são nem como agem. Além disso, cada ge- ne pode originar mais de uma proteína.

Estruturas distintas - São coisas bem diferentes. Os genes são trechos específi- cos da molécula de DNA - ácido desoxirribonucléico, o material genético das cé- lulas. Têm a forma de lon- gas seqüências de quatro pequenas moléculas co- nhecidas pelas letras A, T, C e G (respectivamente, ade- nina, timina, citosina e gua- nina). Já as proteínas são

moléculas bem mais complexas, com- postas por longas seqüências de 20 di- ferentes tipos de aminoácidos, resul- tando em conjuntos de dezenas a milhares de unidades - a insulina, en- zima que facilita a entrada de açúcar nas células, é formada por apenas 51 aminoácidos, enquanto a miosina, uma das principais proteínas dos músculos, agrega em sua estrutura cerca de 1.800 desses blocos.

Outra distinção fundamental: en- quanto a molécula de DNA assume sempre a forma de uma escada em es- piral ou de dupla hélice, como desco- briram James Watson e Francis Crick em 1953, as proteínas podem ter for- mas muito distintas - variando de um pequeno globo a um bumerangue, por exemplo. Há ainda um complicador: tão logo deixem o interior das células, onde são fabricadas, as proteínas po- dem se associar a açúcares e gorduras, formando complexos ainda maiores — a glicoproteína CD 44 funciona como uma espécie de cimento celular, man- tendo as células próximas. No caso das proteínas, essa estrutura tridimensio- nal faz toda a diferença, uma vez que a forma está diretamente ligada à função que ela é capaz de executar. •

PES0.UISA FAPESP 105 ■ NOVEMBRO DE 2004 • 49

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CIÊNCIA

GENÉTICA

Vantagem natural contra o cigarro

Quase 40% dos brasileiras têm mutações que favorecem fumar menos

uatro de cada dez brasileiros carregam alterações em um gene, o CYP2A6, que podem representar uma vanta- gem biológica na luta contra o taba- gismo. Pessoas com mutações nesse

, gene, que atua no processo de elimi- nação (metabolização) da nicotina liberada pelo ta- baco no sangue e cérebro dos fumantes, tendem a não fumar ou a ser menos viciadas em cigarro do que indivíduos com a versão normal (e predomi- nante) do CYP2A6. Essa é a boa nova de um estudo feito por pesquisadores do Instituto Nacional do Câncer (Inca), do Rio de Janeiro, que mapearam a ocorrência das quatro principais mutações do CYP2A6 numa amostra de 342 indivíduos, com- posta por fumantes, ex-fumantes e indivíduos que nunca fumaram. O trabalho produziu uma infor- mação importante, em especial para um país tão miscigenado como o Brasil: a mais comum dessas mutações que reduzem a dependência química do cigarro, chamada 1B, é bem menos freqüente em pessoas de origem negra ou em mulatos do que em brancos. "Esse dado é muito interessante e iné- dito na literatura científica", comenta o médico Gui- lherme Kurtz, do Inca, coordenador do estudo. "Os trabalhos internacionais sobre a incidência de mu- tações nesse gene haviam sido feitos apenas com populações caucasianas e asiáticas."

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Sem levar em conta a sua etnia, 31% dos indivíduos que participaram do es- tudo do Inca apresentam pelo menos uma cópia (alelo) do gene CYP2A6 com a mutação 1B, índice dentro da média internacional encontrada em paí- ses com populações formadas majori- tariamente por descendentes de cau- casianos. Como se sabe, o ser humano possui duas cópias de seus genes, uma herdada do pai e outra da mãe - e cada uma delas pode ou não ser alvo de mutações.

Os resultados do trabalho indicam que a presença dessa alteração genética é sete vezes maior em não-fumantes e duas ve-

zes maior em ex-fumantes do que nos fumantes habituais. Quando se adota a cor da pele como um diferencial dos participantes da pesquisa, a ocorrência da principal mutação no CYP2A6 va- ria bastante. Pelo menos um alelo alte- rado está presente em 38% dos bran- cos, 30% dos mestiços e apenas 15% dos negros. "É interessante observar como varia a freqüência da mutação conforme a classificação dos indivíduos segundo a cor da pele", diz a bióloga Gisele Vasconcelos, do Inca, outra au- tora do estudo. A amostra analisada era composta por 147 indivíduos bran- cos, 141 mulatos e 54 negros, espelhan- do, grosso modo, o padrão de distribui- ção racial do país. A quantidade de homens e mulheres era mais ou menos a mesma - e o parâmetro sexo parece não ter relevância na incidência dessas alterações genéticas.

Além da nada rara mutação 1B, a incidência de outros três tipos de alte- rações no gene CYP2A6 foi determina- da nos laboratórios do Inca. A segunda mais freqüente delas é a denominada 9, encontrada em 6% dos participantes do trabalho. Depois aparece a muta- ção 2, presente em 2% dos indivíduos da amostra. Por fim, em último lugar, vem a 4, que incide em 0,6% dos brasi- leiros analisados (no Japão, essa muta- ção surge em um de cada cinco de seus habitantes). Somando a prevalência das quatro mutações (1B, 9,2 e 4), 39% da população nacional possui formas do gene CYP2A6 que pode diminuir o ris- co de dependência à nicotina - portan- to, ao fumo - e aumentar as chances de parar de fumar.

Por que essas mutações parecem afastar as pessoas do cigarro? Em junho de 1998, pesquisadores da Universida- de de Toronto, no Canadá, demonstra- ram que a ação do gene é um impor- tante elemento da cadeia química que prende os fumantes ao tabaco. O gene comanda a produção no fígado de uma enzima homônima, também chamada CYP2A6, que, entre outras funções, tem o papel de regular a destruição da nico- tina, presente no sangue e no cérebro do fumante. À medida que a nicotina é eliminada pela ação da enzima, o taba- gista sente mais desejo de acender ou- tro cigarro para repor os níveis dessa substância. Alguns cientistas acreditam que, uma vez estabelecida a dependên- cia química em relação à nicotina, o fu-

A mais comum dessas alterações ocorre sete vezes mais em pessoas que não fumam do que em tabagistas habituais

mante procura sempre manter níveis elevados dessa substância em seu orga- nismo. Daí a compulsão pelo consumo de tabaco.

Atividade reduzida - Nesse contexto, indivíduos que apresentam alguma al- teração no gene CYP2A6, as tais muta- ções citadas (e outras nove mais raras e não mencionadas), fabricam diferen- tes formas não-convencionais da enzi- ma. Pessoas com as mutações 1B e 9, as mais prevalentes na população bra- sileira, produzem, por exemplo, varian- tes menos ativas dessa enzima. É como se elas carregassem naturalmente uma menor quantidade da enzima em seu organismo e, por isso, o processo de destruição da nicotina se dá de forma mais lenta. Como os níveis de nicotina

no sangue e no cérebro demoram mais para declinar, os portadores dessas mo- dificações genéticas, se forem fuman- tes, conseguem saciar seu vício com apenas um ou poucos cigarros. Já in- divíduos com a mutação 2 produzem uma forma inativa da enzima e os com a alteração 4 simplesmente não a fabri- cam. Em termos práticos, isso eqüivale a dizer que os cidadãos com essas mu- tações praticamente não produzem a enzima em questão - pelo menos não a produzem pela ação do gene CYP2A6. Pode até ser que algum outro gene fa- brique alguma quantidade dessa enzi- ma, mas não com a mesma eficiência de seu gene original, o CYP2A6. No ex- terior estão sendo testados medicamen- tos capazes de imitar o efeito das muta- ções e inibir ou ao menos retardar a ação da enzima, o que poderia ser um passo importante para diminuir a de- pendência em relação à nicotina.

Benefício duplo - Além de tornar mais lenta a destruição da nicotina e, assim, diminuir o desejo de fumar, as mutações propiciam um segundo tipo de ganho aos seus portadores: reduzem a taxa de ativação de substâncias pré-canceríge- nas presentes nos derivados de tabaco. Isso porque, no organismo, a forma nor- mal da enzima CYP2A6 ativa as nitrosa- minas, substâncias tóxicas encontradas no cigarro, e as transforma em elemen- tos que predispõem ao câncer. Já as ver- sões anormais da enzima, decorrentes das alterações genéticas, não fazem isso. "As mutações são duplamente benéfi- cas", comenta Gisele.

Logicamente, a carga genética não é o único fator que pode favorecer ou inibir o tabagismo. Aspectos culturais e socioeconômicos também contam. Nas nações mais ricas o consumo de cigarros cai há décadas. O mesmo não ocorre nas regiões mais pobres. Tanto que 80% do 1,3 bilhão de fumantes do mundo está em países em desenvolvi- mento. No Brasil, onde cerca de 200 mil pessoas morrem por ano em razão de problemas de saúde relacionados ao tabagismo, como infarto, enfisema, derrame e câncer, o consumo de cigar- ros per capita caiu 32% entre 1989 e 2002. Mas há duas vezes mais fumantes entre as camadas menos instruídas - provavelmente mais pobres também - do que nas parcelas mais abastadas da população. •

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CIÊNCIA

BIOLOGIA

Nos rios do Brasil

Biólogos registram 2.122 espécies de peixes de água doce no país

movimento nas bancas de peixes no Mercado Municipal de São Paulo é pequeno no começo da tarde de uma quinta-

feira quente e ensolarada. Quem pára no boxe 33, rua B, em um dos últimos cor- redores da lateral esquerda do merca- do, pode escolher entre corvinas, sardi- nhas, tainhas e salmões - Iodas espécies do mar, algumas às vezes com 1 metro de comprimento. O único peixe de água doce, o pintado, que chega a 2 metros, é uma estrela solitária nas prateleiras cheias de gelo picado. Mais adiante, ou- tra banca, no boxe 29 da rua C, exibe

cercados de sardinhas, garoupas, merlu- zas e outros exemplares do mar, mais apreciados pelos fregueses.

Em um país cortado por milhares de rios, pode-se estranhar a escassez de

ção de quem estuda o assunto há mais de 20 anos. "A diversidade de peixes de

tífica e ecológica, de baixo valor comer- cial", comenta Naercio Aquino Menezes, do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (USP). O Catálogo de peixes de água doce no Brasil que ele coorde- nou, apresenta 2.122 espécies encontra- das nos rios do país - quase o dobro do que havia sido listado em 1948 pelo biólogo norte-americano Henry Fowler, em um levantamento pioneiro.

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0 raro bagre Cetopsorhamdia sp.: de 5 a 7 centímetros

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Tucunaré, de até 80 centímetros: entre pescadores, fama de brigador

A piaba Moenkliausia sp.: em riachos, com 5 a 10 centímetros de comprimento

De 10% a 15% das espécies eram ainda desconhecidas e es-

tão sendo cientificamente des- critas. É o caso de uma piabinha

azulada de cerca de 4 centímetros, co- letada no alto Xingu e alto Tapajós, em Mato Grosso, dotada de uma glândula na nadadeira anal que produz feromô- nio, substância que atrai as fêmeas du- rante a época de acasalamento. Ou do dmgonichtys, algo como dragão chinês, um bagre longo e roliço que ganhou esse apelido por causa dos bigodes com- pridos e do focinho protuberante - tem cerca de 15 centímetros e vive nos rios do Brasil Central entocado nas pedras das corredeiras.

Rivulus zygonectes. dos rios Tocantins, Araguaia e Xingu: fêmea morre após a desova e o macho depois da fecundação

Mais que no mar - Para complementar os levantamentos anteriores e subsidiar a formulação de políticas públicas para a exploração pesqueira de forma sus- tentável, os especialistas que prepara- ram o Catálogo percorreram 20 esta- dos, da Paraíba ao Rio Grande do Sul, durante cinco anos. Apesar do esforço, reconhecem: é provável que o trabalho não esteja completo. Podem existir pelo menos mais 2 mil espécies a serem descritas, acredita Ricardo Macedo Cor- rêa e Castro, coordenador do Labora- tório de letiologia da USP de Ribeirão Preto e um dos autores do catálogo, do qual participaram também equipes do Museu Nacional da Universidade Fede- ral do Rio de Janeiro (UFRJ) e do Museu de Ciências e Tecnologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Cirande do Sul (PUC-RS). Mesmo esse total já

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supera o número de peixes marinhos: ao longo da costa brasileira vivem 1.297 espécies, apresentadas no ano passado no Catálogo das espécies de peixes mari- nhos do Brasil editado por essas mes- mas equipes do Museu de Zoologia da USP e do Museu Nacional da UFRJ (ve- ja Pesquisa FAPESP n° 94).

Calcula-se que existam 25 mil espé- cies de peixes marinhos e fluviais em todo o planeta. De acordo com um le- vantamento publicado em 2003 pela PUC do Rio Grande do Sul, as Améri- cas Central e do Sul abrigam cerca de 4.400 espécies de peixes de rios já iden- tificadas, além de outras 1.600 que ain-

espécies do novo inventário, o Brasil responde por cerca de 30% dessa diver- sidade, em conseqüência da variedade de ambientes aquáticos - rios, riachos, igarapés, lagos e lagoas. "A evolução geomorfológica da América do Sul propiciou a formação de uma elevada diversidade de ecossistemas aquáticos que favoreceram o desenvolvimento de uma fauna de peixes que não encontra paralelo em outras partes do mundo", comenta Menezes.

A região com maior variedade de peixes - quase mil - é, previsivelmente, a bacia amazônica, em decorrência, em primeiro lugar, de suas próprias dimen- sões: é a maior bacia hidrográfica do mundo, com uma drenagem de 5,8 mi- lhões de quilômetros quadrados, equi- valente a quase meia Europa, dos quais

3,9 milhões no Brasil. Em segundo lu- gar, a própria diversidade de ambientes: há rios de três categorias, de acordo com sua coloração - de águas brancas como o Amazonas, o Madeira e o Jamari, águas claras como o Tapajós e o Tocan- tins e águas pretas como os rios Negro e Uatumã. Além disso, o volume de água é gigantesco: dos 20 maiores rios do mun- do, dez estão na Amazônia. O maior de- les, o Amazonas, com 6,5 mil quilôme- tros e uma distância entre as margens que varia de 4 a 50 quilômetros, é res- ponsável por 20% da água doce despe- jada anualmente nos oceanos.

rês peixões simbolizam a Amazônia. O primeiro é o pirarucu {Arapatma gigas), um dos maiores peixes de

h_ água doce do mundo, com até 3 metros de comprimento e 150 quilos, de aspecto primitivo, com uma cabeça longa e o corpo que se afina até chegar à cauda arredondada. O outro, que também faz parte da culinária da Região Norte, igualmente servido en- sopado, é o tambaqui {Colossoina ma- cropomum), frugívoro, com até 1 metro e 30 quilos. O terceiro é o tucunaré (Cichla ocellaris), carnívoro, com até 80 centímetros c 15 quilos, reconhecido pela mancha negra arredondada - o ocelo - na cauda. Servido geralmente grelhado ou cozido com vegetais, é o mais assíduo dos três no Mercado Mu- nicipal de São Paulo. Mesmo assim,

vende pouco. "Quando muito, uns dez por semana", observa Reginaldo Gomes de Souza, atendente da banca do boxe 29. "Só quem é do Norte conhece."

Limão e coentro - A segunda região em diversidade de peixes, com quase 500 espécies, é a região cortada por três rios: o Paraná, de 4 mil quilômetros de exten- são, o Paraguai, com 2.621 quilômetros, e o Uruguai, com 1.770. Pelo tamanho e, sejamos justos, pelo sabor, destaca-se o pintado (Pseudoplatystoiua corruscans), bastante apreciado quando servido na brasa, em cubinhos, temperado apenas com algumas gotas de limão. "O limão tira o gosto da carne", previne João Gual- berto, funcionário da banca 29 do mer- cado paulista. Ele ensina: com o pintado pode-se fazer também uma moqueca, com leite de coco, salsinha, cebola e - eis o segredo - uma boa pitada de coen- tro. É um peixe, como se diz no merca- do, que tem saída: cerca de 50 são ven- didos por semana. Nos rios dessa região também se encontra o dourado (Sahni- uits maxillosus), predador voraz de até 25 quilos. Já na bacia do São Francisco existem cerca de 150 espécies, entre elas o curimatá (Prochibdus vimboides), de

lábios carnosos, e a tabarana {Salniinus hilarii), conhecida pelo focinho pontia- gudo e pelas nadadeiras avermelhadas da cauda.

Todos esses são peixes explorados comercialmente. Em 2002, o Brasil pro-

Contrastes: o minúsculo Corydoras difluviatilis, que se alimenta de insetos enterrados na areia dos rios, e o pintado, de até 2 metros

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duziu, por meio da pesca extrativista, 680 mil toneladas de peixes. Desse to- tal, 455 mil toneladas (67%) vieram dos mares e 225 mil (33%) de rios. O Brasil, onde a atividade pesqueira gera cerca de 800 mil empregos diretos, ocu- pa a 27a posição no mercado mundial, com exportações crescentes: US$ 120 milhões em 1998 e US$ 330 milhões em 2002.

ara os pesquisadores, no entanto, o cenário não é animador. "A pesca extra- tivista ultrapassou os limi-

M tes da sustentabilidade", la- menta Paulo Andreas Buckup, da UFRJ. Uma relação publicada pelo Ministério do Meio Ambiente no final de maio lis-

0S PROJETOS

extinção - 135 são de água doce. A cons- tatação reforça a necessidade de cuida- dos redobrados, em especial com as es- pécies pequenas e frágeis, classificadas como de relevância científica e ecoló- gica, que em geral vivem em riachos. Como se alimentam de pequenos in- vertebrados, frutos e folhas que caem das árvores, tornam-se vítimas fáceis do desmatamento das beiras de rios, da poluição e das grandes obras, como as usinas hidrelétricas.

A variedade de peixes dos riachos brasileiros, até agora muito pouco co- nhecidos talvez por causa do baixo valor comercial, só se tornou um pouco mais clara à medida que os pesquisadores

Conhecimento, conservação e utilização racional da diversidade da fauna de peixes do Brasil

COORDENADOR NAéRCIO AQUINO MENEZES - Museu de Zoologia/USP

INVESTIMENTO R$ 1.051.000,00 - Pronex (CNPq)

puxavam a rede. Em rios como Mogi- Guaçu, Piracicaba e Tietê, na região do alto Paraná, o grupo da USP de Ribei- rão Preto coletou 17 mil exemplares de peixes, com 15 espécies novas - uma delas é o minúsculo Corydoras difluvia- tilis, que se alimenta de insetos enterra- dos na areia do fundo dos rios Pardo e Mogi-Guaçu.

Em um riacho da Mata Atlântica, na divisa de São Paulo com o Rio de Ja- neiro, a equipe do Museu de Zoologia reencontrou o Trichogenes longipinnis, de longa nadadeira caudal e um corpo castanho-claro com manchas escuras e outros traços relativamente primitivos em relação aos outros bagres - tendo, por essa razão, importância evolutiva. "O fato de ter uma distribuição restrita

lativamente primitiva revela a impor- tância dos ecossistemas aquáticos da região no contexto da história evoluti-

Diversidade de peixes da bacia do alto rio Paraná

MODALIDADE Projeto Temático

COORDENADOR

USP de Ribeirão Preto

INVESTIMENTO R$486.037,11 (FAPESP)

va dos peixes de água doce da América do Sul", comenta Menezes.

A expedição ao Brasil Central, prio- rizada por conter afluentes importantes da bacia amazônica em regiões pouco exploradas, foi a única que reuniu as quatro equipes. Os 16 pesquisadores desembarcaram em Cuiabá, capital de Mato Grosso, no dia 15 de janeiro de 2002, sob um sol escaldante, prontos pa- ra enfrentar a época das chuvas. Quando voltaram para casa, 15 dias depois, ti- nham percorrido 5 mil quilômetros de estradas esburacadas e enlameadas. Haviam apanhado cerca de 50 mil pei- xes de cerca de cem espécies, incluindo sete novas da família dos loricariídeos, que incluem os cascudos - com menos de 5 centímetros, boca em forma de ventosa e o corpo revestido por uma couraça óssea, vivem escondidos sob folhas e troncos de árvores que ficam às margens dos rios.

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O mural de Carlos Magano, feito nos anos 1950 e recém-restaurado, é um símbolo da faculdade

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USP TU trajetória da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP) pode ser narrada em três etapas, e todas elas são marcadas pelo com- promisso com a construção de uma escola pública, leiga e aces- sível a todos. O embrião sur- giu no início da década de

1930, na Escola Normal Se- cundária da Praça da Repú-

blica, no centro paulistano, onde hoje funciona a Secre- taria de Educação do Estado de São Paulo (o prédio, por sinal, é um símbolo do ensino leigo: foi erguido nos primeiros anos da República com verba e terreno que o finado Império reservara à construção de uma catedral). Numa época em que quase a metade da população in- fantil estava fora da escola e a maioria dos professores primários levava na bagagem apenas quatro anos de ins- trução primária, um grupo de docentes da Escola Nor- mal da Praça começou a articular a fundação de uma pio- neira instituição de ensino superior de pedagogia. A idéia dos educadores Antônio Sampaio Dória, Manuel Lourenço Filho e Fernando de Azevedo também tinha um cunho nacionalista, uma vez que era gigantesco o fosso entre o grau educacional dos brasileiros nativos e o dos imigrantes europeus. Desse esforço surge, em 1933, o Instituto de Educação, centro de nível superior vin- culado à Escola Normal. Teve vida efêmera como insti- tuição independente. Em 1934 incorpora-se à nascente Universidade de São Paulo e, em 1938, transforma-se em Seção de Pedagogia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFCL), incumbido, principalmente, da tarefa de dar formação pedagógica a professores secundários de diversas disciplinas formados pela USP.

Um segundo momento importante para a história da faculdade remonta ao ano de 1956, quando o Minis- tério da Educação e Cultura (MEC) e a USP assinam um convênio e montam, dentro da Cidade Universitária, o Centro Regional de Pesquisas Educacionais (CRPE) de São Paulo. Tratava-se de um braço de um órgão do MEC, o Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (Inep), vol- tado para pesquisas e treinamento de professores. Seu idealizador era o filósofo da educação Anísio Teixeira, cujas idéias nortearam uma notável renovação pedagó- gica em meados do século 20 e deram lastro ao início da ampliação do acesso à escola aos brasileiros mais pobres. O CRPE partilhava professores com a Seção de Peda- gogia da FFCL, mas as instituições seguiam independen- tes. Cada uma delas tinha sua Escola de Aplicação: a do CRPE, apenas de ensino básico; a da USP, a Escola Fide- lino de Figueiredo, de ensino ginasial e médio.

O dia Io de janeiro de 1970 marca a terceira etapa da trajetória, com a fundação da Faculdade de Educação nos moldes em que ela funciona hoje. A unidade é cria- da, na esteira da reforma universitária de 1968, com a

emancipação da Seção de Pedagogia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, e sua fusão com o CRPE, que cede suas instalações e acaba extinto. Da FFCL, a Faculdade de Educação herdou professores formados sob a influência das missões estrangeiras que fizeram a USP e inspirados pela Campanha em Defesa da Escola Pública, liderada pelo sociólogo Florestan Fernandes no início dos anos 1960. Do CRPE, recebeu sua sede atual (parcialmente demolida e reconstruída, por problemas de movimentação de solo), educadores que formaram gerações de pesquisadores, como Roque Spencer Ma- ciel e Laerte Ramos de Carvalho, além da Escola de Apli- cação (aquela que pertencia à Faculdade de Filosofia, la- boratório de experiências inovadoras, foi sumariamente fechada pela ditadura).

"As preocupações dos criadores do Instituto de Edu- cação e do CRPE ajudam a explicar a nossa tradição de pesquisa, historicamente voltada para a expansão e a melhoria do ensino público", diz Celso de Rui Beisiegel, professor de Sociologia da Educação, que começou a carreira como pesquisador do CRPE e ajudou a fundar a unidade nos anos 70. Com cerca de 800 alunos de pedagogia, 600 de pós-graduação, 8 mil matrículas na licenciatura e 107 docentes, a instituição segue como referência em pesquisas educacionais. Alguns exemplos de projetos apoiados pela FAPESP ilustram a diversi- dade temática e o espectro de preocupações que orien- tam os pesquisadores da faculdade. Um dessas linhas de investigação é a formação de professores e a análise de aprendizado das ciências. "Temos um grupo robusto, que também produz e avalia material didático", diz a professora Myriam Krasilchik, pesquisadora no campo do ensino da biologia, que foi diretora da Faculdade de Educação e vice-reitora da USP. Nos últimos tempos, Myriam envolveu-se num projeto de educação ambien- tal em duas cidades do interior paulista.

A professora Anna Maria Pessoa de Carvalho trabalha com duas equipes de professores de colégios públicos em busca de experiências inovadoras no ensino da física tanto nas escolas fundamental e média. Um dos objeti- vos dos grupos é levantar os tipos de experiências que possibilitam o aprendizado do aluno. Foram produzi- dos 15 vídeos com imagens de sala de aula, capazes de sinalizar algumas experiências didáticas que ajudam o aluno a aprender. Outro resultado prático foi o guia pa- ra professores Termodinâmica - Um ensino por investiga- ção, com práticas metodológi- cas desenvolvidas pelo grupo de professores do ensino médio. A grande conclusão é que o apren- Cenas dos anos 1960: dizado de física depende de ati- professoras estagiárias vidades em sala de aula capazes no prédio do CRPE de provocar argumentações e de (alto); mãe de aluno permitir aos alunos o levanta- ajudando em aula de mento e o teste de hipóteses. ciências no Colégio de

Numa experiência sobre di- Aplicação (à esq.); latação, por exemplo, os profes- professoras em sores colocam uma bexiga no treinamento e alunos bocal de um recipiente de vidro em aula de linguagem e aquecem sua base. A bexiga (à dir.)

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USP 7D infla - o que serve de ponto de partida para a discussão do fenômeno. "Os alunos debatem e algum deles acaba sugerindo que a bexiga inchou porque o ar quente, afi- nal, sobe. Em seguida, vira-se o recipiente de cabeça para baixo e a bexiga continua inflada. O professor conduz as discussões rumo à real explicação, que é a dilatação do ar, e os alunos constróem seus conhecimentos formu- lando hipóteses e colocando-as à prova", diz a professo- ra Anna. Outra iniciativa com bons efeitos é a discussão de textos originais de cientistas, em que os alunos per- cebem a importância do trabalho de equipe, da curiosi- dade e da perseverança nas descobertas. "A maioria das pessoas não se lembra de nada do que aprendeu nas au- las de física", diz Anna. "Alguns dizem que gostavam das atividades de laboratório, mas também não conseguem lembrar exatamente do que gostaram. É um sinal de que o ensino tradicional de física está falido." O esforço em desenvolver uma nova metodologia esbarra sobretudo na parca carga horária da disciplina nas escolas públicas. "Com uma aula por semana, dá para fazer muito pou- co", afirma.

A Faculdade de Educação tem forte tradição também no estudo da história da educação. Se a corrente hegemônica, até os anos 1970, voltava-se para a história das idéias pedagógicas e o perfil dos teóricos, dos anos 80 para cá o foco recaiu sobre novos protagonistas: professo- res e alunos. "A década de 1980, de modo geral, marca uma mu- dança na pesquisa da faculda- de, agora mais voltada para o chão da escola e para a plurali- dade de orientações teóricas", explica a professora Marília Spósito, presidente da Comis- são de Pesquisa.

Um exemplo dessa verten- te é o esforço para levantar a trajetória do livro didático no Brasil. Sob a liderança da pro- fessora Circe Bittencourt, o Centro de Memória da Educa- ção, vinculado à faculdade, vem construindo um acervo de obras didáticas, material es- colar e depoimentos orais de professores e alunos. Uma tese sobre o tema defendida pela professora Circe em 1993, "Li- vro didático: conhecimento his- tórico", será publicada em livro nos próximos meses pela Edi-

tora Unesp. As obras didáticas são obtidas de fontes di- versas, como sebos e bibliotecas, com o objetivo de aju- dar a compreender a dinâmica da educação no passa- do. Se o livro estiver usado, com exercícios respondidos, mais rica é essa compreensão. Numa obra antiga os pes- quisadores encontraram até fragmentos de papel com cola para prova, combustível importante para o estudo dos usos e costumes das escolas.

No acervo há raridades publicadas no século 19, algumas delas obti- das na França, onde se imprimia boa parte dos livros usados nas es- colas do Brasil Império. "Minha vida é freqüentar sebos", diz a pro- fessora Circe. "Quando os sebos ainda não sabem que a gente está

interessada, sai barato", ela explica. Uma limitação para a pesquisa é que os livros didáticos distribuídos pelo go- verno, hoje, têm de ser reaproveitados, inibindo a inte- ração dos alunos. "Tentamos preencher essa lacuna re- colhendo cadernos", afirma a professora.

É possível citar outras contribuições da Faculdade de Educação, como o trabalho teórico da professora Marí- lia Spósito sobre os jovens, em especial sobre políticas públicas para a juventude no Brasil nos últimos anos.

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Acima, autoridades na inauguração do CRPE, em 1956. Abaixo, funcionário embala publicações pedagógicas para enviar a professores

Ou as pesquisas da professora Tizuko Morchida Kishi- moto no Laboratório de Brinquedos e Materiais Peda- gógicos. Ao avaliar o potencial dos brinquedos em ativi- dades pedagógicas, o laboratório busca colber subsídios para a formação de professores de educação infantil. A professora Selma Garrido Pimenta, atual diretora da faculdade, desenvolve um trabalho que se tornou refe- rência sobre a formação de professores em todo o país. Um dos frutos dessa linha de pesquisa foi um projeto que coordenou, voltado à investigação do processo de produção do conhecimento dos professores, desenvol- vido entre 1996 e 2000 em duas escolas públicas da pe- riferia de São Paulo. O combustível da pesquisa foi a reflexão dos próprios professores sobre as práticas peda- gógicas, uma metodologia qualitativa inovadora.

Destacam-se, ainda, as pesquisas dos professores Cel- so Beisiegel sobre políticas públicas e as conseqüências da expansão do ensino. Sua contribuição mais recente foi a pesquisa Construção de banco de dados sobre experiên- cias de professores da universidade pública na administra- ção da educação pública das últimas décadas. Orientados por Beisiegel e pelo professor Romualdo Portela de Oli- veira, também da faculdade, sete alunos percorreram vários estados do Brasil coletando e registrando infor- mações sobre as atividades de professores em universi- dades públicas na elaboração e na execução de políticas educacionais. Levantaram documentos, entrevistaram educadores e promoveram seminários com a participa- ção desses professores a fim de entender o trabalho que desenvolviam e debater a sua importância.

A instituição é conhecida como formadora de qua- dros. Secretária da Educação do Estado de São Paulo por quase oito anos, a pedagoga Rose Neubauer saiu dos quadros docentes da instituição. Outra professora, Lise- te Arelaro, foi Secretária de Educação do Município de Diadema. Num passado recente, a faculdade forneceu uma vice-reitora para a USP, Myriam Krasilchik, e dois pró-reitores de graduação, Celso Beisiegel e Sônia Penin, ainda em exercício. "A faculdade justifica sua presença dentro da Universidade de São Paulo", orgulha-se o pro- fessor Beisiegel. •

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O SciELO Brasil chega a novembro com 131 revistas e mais de 9 milhões de acesso feitos até outubro. A biblioteca eletrônica está presente também no Chile, em Cuba, na Espanha e em outros países iberoamericanos. Em outubro, durante a 12a Conferência Internacional de Editores de Ciência, no México, houve a 2a Reunião Regional da Rede SciELO com representantes de oito países (veja reportagem completa na página 26)

Biblioteca de Revistas Científicas disponível na Internet www.scielo.org

■ Literatura

O percurso de Machado

O estudo "Macha- do de Assis, leitor e crítico de teatro", de João Roberto Faria, professor de litera- tura brasileira na Universidade de São Paulo (USP), tem como objetivo prin- cipal traçar o perfil de Machado de Assis enquanto leitor e crí- tico de teatro. Pri- meiro, o pesquisador situa o escritor no contex- to teatral do século 19, nos anos de 1850 e 1860, quando entraram em choque, nos palcos do Rio de Janeiro, a estética romântica e a realista. "Antes de se dedicar mais intensamente à ativi- dade literária que o consagrou, Machado tor- nou-se conhecido como folhetinista, crítico teatral, crítico literário, comediógrafo, poeta e tradutor de poemas, peças teatrais e romances", lembra o autor. O artigo acompanha a extensa produção jornalística de Machado de Assis, na qual se notabilizou como crítico, detendo-se também na atividade de censor do Conservató- rio Dramático Brasileiro que o escritor exerceu por algum tempo. Ao acompanhar o percurso intelectual de Machado, em sua juventude lite- rária, o autor procurou analisar, compreender e explicar suas idéias em relação à arte dramática e ao teatro brasileiro. "Os amigos admiravam a inteligência e o brilho do rapaz pobre que co- meçara como tipógrafo e, já aos 20 anos, era uma peça-chave no debate cultural do seu tem- po, com intervenções corajosas e por vezes contundentes nos textos críticos e nos folhetins que publicava em vários jornais do Rio de Ja- neiro", cita o pesquisador. "Foram esses escritos que o transformaram no nosso principal crí- tico literário e teatral da década de 1860", acre- dita Faria.

REVISTA ESTUDOS AVANçADOS - VOL. 18 ■ - SãO PAULO - 2004

N° 51

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■ Comunicação

Pauta pública para a TV

"Uma pauta pública para uma nova televi- são brasileira", de autoria de Regina Mota, professora do Departamento de Comunica- ção Social da Universidade Federal de Minas Gerais, coloca em debate algumas questões re- lativas ao desconhecido universo da televisão pública no Brasil. A idéia é apresentar alguns elementos conceituais de uma "pauta pública" dos meios de comunicação no Brasil, em parti- cular da televisão. "Nos últimos cinco anos, vem ocorrendo um movimento contínuo e crescente de mudanças conceituais nas televisões estatais e concessões de canais educativos no Brasil", acredita Regina. "O fenômeno é uma reação dessas emissoras ao atraso na legislação, à cons- tante ingerência administrativa dos governos estaduais e ao eterno problema do financia- mento dessas instituições." A partir de depoi- mentos de acadêmicos e profissionais liberais, o artigo apresenta elementos dessa participa- ção cidadã e pauta pública na televisão. O tex- to considera que, diferentemente do que os profissionais da comunicação julgam, há no Brasil uma demanda por uma "televisão asser- tiva", que examine e apresente interesses so- ciais de longo prazo de maneira reflexiva e transformadora. "No momento, o Brasil inicia timidamente a discussão de um modelo de te- levisão digital para o país, privilegiando a tec- nologia, para fazer face à disputa de mercado travada entre os que detêm os atuais padrões de digitalização." Segundo ela, essa seria uma oportunidade para rever a legislação do setor, uma vez que a mudança remodelará todos os serviços oferecidos pelos meios eletrônicos, in- cluindo as formas de acesso. Quando a autora fala de uma programação que possa estabelecer uma nova relação com o público, isso pressu- põe um deslocamento da sua consciência: de mero espectador, o público pode repensar a sua relação com o mundo e com a televisão.

REVISTA SOCIOLOGIA E POüTICA ■ TIBA - IUN. 2004

N° 22 - CURI-

www.scielo.br/scielo. php?script=scLarttext&pid= S0104-44782004000100007&lng=pt&nrm=iso& tlng=pt

62 ■ NOVEMBRO DE 2004 ■ PES0UISA FAPESP 105

Page 60: A arte na Pré-história do Brasil

■ Oftalmologia

Saúde ocular

Apresentar estimativas referentes à prevalência da cegueira e de baixa visão realizadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS); discutir os aspectos relacio- nados às estratégias com vistas ao planejamento de programas preventivos; ressaltar a necessidade de rea- lizar pesquisas epidemiológicas e operacionais para a formação de recursos humanos e aperfeiçoamento da infra-estrutura de serviços especializados. Essas são as metas do artigo "A perda da visão - estratégias de pre- venção", de Edméa Rita Temporini e Newton Kara- José, professores de Oftalmologia da Universidade Es- tadual de Campinas e Universidade de São Paulo. De acordo com o trabalho, o conceito de oftalmologia em saúde pública é relativamente recente. "Se os princí- pios de saúde pública forem aplicados a programas de prevenção da cegueira, o número de cegos de uma po- pulação ou de uma comunidade pode ser significante- mente reduzido", acreditam os pesquisadores. "O con- trole e a diminuição de índices de cegueira por meio de programas específicos assumem importância vital em programas nacionais de saúde ocular." Segundo esti- mativas baseadas na população mundial referentes à cegueira e à baixa visão, divulgadas pela OMS, em 1990 havia 38 milhões de indivíduos cegos e 110 milhões apresentavam visão deficiente e risco de cegueira. Já em 1996, o índice aumentou para 45 milhões de cegos e 135 milhões de portadores de baixa visão. "O aumento progressivo da cegueira e deficiência visual pode ser atribuído, em especial, ao crescimento populacional, ao aumento da expectativa de vida, às dificuldades de acesso da população à assistência oftalmológica e à in- suficiência de esforços educativos que promovam a adoção de comportamentos preventivos."

ARQUIVOS BRASILEIROS DE OFTALMOLOGIA - VOL. 67 - N° 4 - SãO PAULO - JUL./AGO. 2004

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■ Física

Energia solar via satélite

"Por ser um país localizado em sua maior parte na região intertropical, o Brasil possui grande potencial de energia solar durante todo ano. Além disso, a radia- ção solar constitui uma opção limpa e renovável de produção de energia", segundo o artigo "Levantamen- to dos recursos de energia solar no Brasil com o em- prego de satélite geoestacionário - o Projeto Swera", de Fernando Martins, Enio Pereira e Mariza Echer, pes- quisadores da Divisão de Clima e Meio Ambiente,

Centro de Previsão do Tempo e Estudos Climáticos, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. A idéia é conhecer a disponibilidade dessa fonte de energia e seu aproveitamento, por meio de modelos computacio- nais para estimar o fluxo de energia solar na superfície. O trabalho apresenta uma revisão sobre os princípios que estão por trás desses modelos, seguindo como exemplo a transferência radiativa Brasil-SR. Trata-se de metodologia empregada no mapeamento do potencial energético solar da América Latina pelo projeto Solar andWind Energy Resource Assessment (Swera), finan- ciado pela Divisão de Ambiente Global por meio do Programa das Nações Unidas para o Ambiente.

REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE FíSICA - VOL. 26 - N° 2 - SãO PAULO - 2004

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■ Sociedade

Direitos dos adolescentes

Discutir questões que dizem respeito à saúde sexual e reprodutiva dos adolescentes é o objetivo do artigo "Direitos sexuais e reprodutivos: algumas considera- ções para auxiliar a pensar o lugar da psicologia e sua produção teórica sobre a adolescência", de autoria de Maria Filgueiras Toneli, professora da Universida- de Federal de Santa Catarina. O estudo se baseia em dois eixos fundamentais. O primeiro diz respeito a noção de direitos sexuais e reprodutivos fundamenta- da no que as grandes conferências promovidas pela Organização das Nações Unidas preconizam. O segun- do eixo aborda o discurso médico-científico como dis- positivo que oscila entre as estratégias de governo das populações e a incitação do sujeito para se ocupar de si mesmo. O artigo mostra que em 1990 foi publi- cada, no Brasil, a lei 8.069, denominada Estatuto da Criança e do Adolescente. "De fato, nas duas últimas décadas houve um avanço considerável nas políticas públicas voltadas para a infância e a juventude no Brasil", acredita Maria. Entre as iniciativas desse perío- do pode-se apontar a criação do Conselho Nacional da Criança e do Adolescente, o Programa de Atenção Integral à Saúde da Mulher, o Programa de Saúde do Adolescente, o Programa de Prevenção e Controle das Doenças Sexualmente Transmissíveis e do HIV/Aids, a inclusão da educação sexual nos parâmetros curricu- lares nacionais e da sexualidade como tema transversal na área da educação. "É preciso pensar essas iniciati- vas em um cenário que inclui agentes sociais bastante diversificados que disputam a tutela da infância e da juventude no contexto brasileiro", diz.

PSICOLOGIA E SOCIEDADE ■ ALEGRE - 2004

VOL. 16 - N° 1 - PORTO

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PESQUISA FAPESP 105 ■ NOVEMBRO DE 2004 ■ 63

Page 61: A arte na Pré-história do Brasil

TECNOLOGIA

■ Cremes resfriados sem energia externa

Um sistema de congelamento instantâneo permite que em poucos minutos, apenas com um processo de evaporação totalmente natural, um creme para uso cosmético aumente sua eficácia. Ao ser aplicado, o creme baixa a temperatura ra- pidamente, a uma taxa de 5°C por minuto. Dessa forma, os lipídios (moléculas orgânicas insolúveis em água), que são a principal matéria-prima dos produtos cosméticos, so- frem uma retração molecu- lar, o que faz com que pene- trem na pele de forma mais eficiente. Assim que atinge os poros e se reaquece, o mate- rial volta à sua estrutura nor- mal. O sistema utiliza uma cerâmica especial e um pro- cesso de evaporação a vácuo que absorve o calor do pro- duto, resfriando-o rapida- mente sempre que necessá- rio. "Nós desenvolvemos um sistema de congelamento rá- pido e controlado, sem o uso

Carro urbano dos sonhos

Compacto, com apenas 1 metro de largura, produ- zindo menos poluição e gas- tando menos combustível. Esse é o carro dos sonhos daqueles que têm a preocu- pação com o ambiente co- mo um fator essencial para a compra de um veículo. A materialização desse novo carro, chamado de Clever Car, do inglês compact low- emission vehicle for urban transport ou veículo para transporte urbano compac- to e com baixa emissão de

poluentes, está sendo reali- zada por uma equipe de pesquisadores de institui- ções de pesquisa e de em- presas de nove países euro- peus. O projeto de US$ 2,7 milhões é financiado pela União Européia. O protóti- po do Clever Car está sen- do construído com chassi e carroceria de metal e com acomodação para apenas um passageiro atrás do ban- co do motorista. Além de ser mais fácil de manobrar e possuir três rodas como

Compacto e menos poluente

os triciclos, ele deverá ser mais barato que os veícu- los convencionais. O novo carro atingirá a velocidade máxima de 80 quilômetros por hora e o motor vai fun- cionar com gás natural comprimido. Entre as ins- tituições que desenvolvem o carro estão o Instituto Francês do Petróleo, a Uni- versidade de Bath, na In- glaterra, e a empresa BMW. O lançamento está previsto para dezembro de 2005. (London Press) •

de energia externa, no qual a temperatura cai 70 vezes mais rapidamente do que em uma geladeira comum", relata Fadi Khairallah, fundador da Ther- magen, empresa responsável pela descoberta que foi ba- seada em tecnologia desen-

volvida pela Agência Espacial Européia (ESA). A tecnologia foi testada durante o rali Pa- ris-Dacar por pilotos da equi- pe Pescarolo, que puderam tomar líquidos à temperatura de 15°C no meio do deserto. Para controlar o processo de

Cosmético mais eficaz com temperatura controlada

resfriamento, a equipe de pes- quisadores da Thermagen usou o mesmo programa de simulação utilizado para cal- cular o funcionamento dos motores do foguete espacial francês Ariane. (ESA) •

■ No Egito,trigo tolerante à seca

Pesquisadores egípcios apre- sentaram uma novidade que poderá mudar a milenar cul- tura do trigo no Egito. Eles in- troduziram um gene de ceva- da em uma variedade local de trigo que torna a planta resis- tente à seca. Enquanto as va- riedades convencionais neces- sitam de até oito irrigações por plantio, a transgênica pre-

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cisa de apenas uma. A nova semente foi desenvolvida du- rante quatro anos por pes- quisadores do Instituto de Pesquisa e Engenharia Gené- tica em Agricultura do Cairo (Ageri). Eles iniciaram o tra- balho transferindo o gene chamado HVAI1 da cevada para o trigo. Depois, com as sementes geneticamente mo- dificadas em mãos, eles fize- ram o cultivo em estufas e no campo. O coordenador da pesquisa, Ahmed Bahieldin, disse para a agência Sci- Dev.Net que o trigo transgê- nico cresceu e teve um rendi- mento melhor que as plantas não-modificadas. Ele acredita que a cultura será importante para as áreas pouco favorá- veis a esse tipo de plantação em condições de falta de irri- gação, salinidade e alta tem- peratura. A primeira semente geneticamente modificada do Egito deverá primeiro passar por estudos de segurança pa- ra consumo humano e para o ambiente antes de ser coloca- da à venda. •

■ Computadores mais sensíveis

Tornar os computadores mais parecidos com os seres huma- nos na maneira de pensar e agir. Esse é o objetivo de um projeto que reúne 160 pesqui- sadores de 27 instituições da Europa, coordenados pela Uni-

versidade Queen de Belfast, na Irlanda do Norte. "Com- putadores que respondem de acordo com as emoções hu- manas podem soar como fic- ção científica, mas esse limite está prestes a ser quebrado", diz Roddy Cowie, da Facul- dade de Psicologia da univer- sidade e coordenador do pro- jeto. Foram destinados € 10 milhões para a pesquisa, que tem duração prevista de qua- tro anos e envolve a criação de uma interface multimodal que permitirá à máquina per- ceber e responder de acordo com o que o usuário espera dela. "Atualmente, o uso dos computadores é limitado pelo fato de que precisamos de um teclado e uma tela pa- ra acessá-los. Haveria uma enorme diferença se nós pu- déssemos interagir com eles falando normalmente, talvez por meio de um microfone ou transmissor", disse Cowie. "As interfaces de pronúncia que existem atualmente igno- ram os comandos caso a frase não esteja completa", ressalta. Por isso os pesquisadores en- volvidos no projeto estão de- senvolvendo métodos de pro- gramação para tornar os computadores mais intuiti- vos. Dessa forma eles pode- riam ter um tipo de "persona- lidade", mostrar algum grau de autonomia e, em geral, es- tabelecer uma relação social com o usuário. •

BRASIL

Avião agrícola movido a álcool

Ipanema sai de fábrica certificado para voar com álcool

A aeronave agrícola Ipanema, equipada com motor movido a álcool hidratado, recebeu em outubro a certificação do Centro Técnico Aeroespacial (CTA). Com isso tornou-se o primeiro avião de série no mundo a sair de fábrica cer- tificado para voar com esse tipo de combustível. O Ipa- nema, fabricado pela Neiva Indústria Aeronáutica, subsi- diária da Embraer, é o cam- peão de vendas da empresa, com quase 30 anos de produ- ção e cerca de mil unidades vendidas. A escolha do álcool foi motivada pelo fato de o Brasil ser um grande produ- tor desse tipo de combustível. O motor a álcool permite um aumento em torno de 5% na potência, melhorando o de- sempenho do avião pela di- minuição da distância de de- colagem, velocidade e altitude máximas. Além disso, polui menos que a gasolina de aviação porque não possui chumbo em sua composição. A Neiva já registrou o nome AvAlc (Aviation Alcohol) no

Brasil para o uso dessa fonte de energia. Até agora, a em- presa já recebeu 69 pedidos de conversão do motor a ga- solina para álcool, trabalho previsto para ser executado até janeiro do ano que vem. A certificação do Ipanema ocor- reu no mesmo mês em que a empresa comemorou 50 anos. Fundada em 12 de outubro de 1954 pelo projetista José Car- los Neiva, no Rio de Janeiro, para produzir os planadores BN-1 e Neiva B Monitor, dois anos depois transferiu-se para Botucatu, no interior do Es- tado de São Paulo, onde está até hoje. No começo da déca- da de 1980, a Embraer com- prou o controle acionário da empresa e passou a responder pela produção de todos os aviões leves fabricados pela Neiva. Alguns anos depois transferiu a montagem do turboélice Brasília para Bo- tucatu. Hoje produz compo- nentes do jato ERJ 145, da Embraer, além de partes do Super Tucano, avião de trei- namento militar. •

PESOUISA FAPESP 105 ■ NOVEMBRO DE 2004 ■ 65

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cisa de apenas uma. A nova semente foi desenvolvida du- rante quatro anos por pes- quisadores do Instituto de Pesquisa e Engenharia Gené- tica em Agricultura do Cairo (Ageri). Eles iniciaram o tra- balho transferindo o gene chamado HVAI1 da cevada para o trigo. Depois, com as sementes geneticamente mo- dificadas em mãos, eles fize- ram o cultivo em estufas e no campo. O coordenador da pesquisa, Ahmed Bahieldin, disse para a agência Sci- Dev.Net que o trigo transgê- nico cresceu e teve um rendi- mento melhor que as plantas não-modificadas. Ele acredita que a cultura será importante para as áreas pouco favorá- veis a esse tipo de plantação em condições de falta de irri- gação, salinidade e alta tem- peratura. A primeira semente geneticamente modificada do Egito deverá primeiro passar por estudos de segurança pa- ra consumo humano e para o ambiente antes de ser coloca- da à venda. •

■ Computadores mais sensíveis

Tornar os computadores mais parecidos com os seres huma- nos na maneira de pensar e agir. Esse é o objetivo de um projeto que reúne 160 pesqui- sadores de 27 instituições da Europa, coordenados pela Uni-

versidade Queen de Belfast, na Irlanda do Norte. "Com- putadores que respondem de acordo com as emoções hu- manas podem soar como fic- ção científica, mas esse limite está prestes a ser quebrado", diz Roddy Cowie, da Facul- dade de Psicologia da univer- sidade e coordenador do pro- jeto. Foram destinados € 10 milhões para a pesquisa, que tem duração prevista de qua- tro anos e envolve a criação de uma interface multimodal que permitirá à máquina per- ceber e responder de acordo com o que o usuário espera dela. "Atualmente, o uso dos computadores é limitado pelo fato de que precisamos de um teclado e uma tela pa- ra acessá-los. Haveria uma enorme diferença se nós pu- déssemos interagir com eles falando normalmente, talvez por meio de um microfone ou transmissor", disse Cowie. "As interfaces de pronúncia que existem atualmente igno- ram os comandos caso a frase não esteja completa", ressalta. Por isso os pesquisadores en- volvidos no projeto estão de- senvolvendo métodos de pro- gramação para tornar os computadores mais intuiti- vos. Dessa forma eles pode- riam ter um tipo de "persona- lidade", mostrar algum grau de autonomia e, em geral, es- tabelecer uma relação social com o usuário. •

BRASIL

Avião agrícola movido a álcool

Ipanema sai de fábrica certificado para voar com álcool

A aeronave agrícola Ipanema, equipada com motor movido a álcool hidratado, recebeu em outubro a certificação do Centro Técnico Aeroespacial (CTA). Com isso tornou-se o primeiro avião de série no mundo a sair de fábrica cer- tificado para voar com esse tipo de combustível. O Ipa- nema, fabricado pela Neiva Indústria Aeronáutica, subsi- diária da Embraer, é o cam- peão de vendas da empresa, com quase 30 anos de produ- ção e cerca de mil unidades vendidas. A escolha do álcool foi motivada pelo fato de o Brasil ser um grande produ- tor desse tipo de combustível. O motor a álcool permite um aumento em torno de 5% na potência, melhorando o de- sempenho do avião pela di- minuição da distância de de- colagem, velocidade e altitude máximas. Além disso, polui menos que a gasolina de aviação porque não possui chumbo em sua composição. A Neiva já registrou o nome AvAlc (Aviation Alcohol) no

Brasil para o uso dessa fonte de energia. Até agora, a em- presa já recebeu 69 pedidos de conversão do motor a ga- solina para álcool, trabalho previsto para ser executado até janeiro do ano que vem. A certificação do Ipanema ocor- reu no mesmo mês em que a empresa comemorou 50 anos. Fundada em 12 de outubro de 1954 pelo projetista José Car- los Neiva, no Rio de Janeiro, para produzir os planadores BN-1 e Neiva B Monitor, dois anos depois transferiu-se para Botucatu, no interior do Es- tado de São Paulo, onde está até hoje. No começo da déca- da de 1980, a Embraer com- prou o controle acionário da empresa e passou a responder pela produção de todos os aviões leves fabricados pela Neiva. Alguns anos depois transferiu a montagem do turboélice Brasília para Bo- tucatu. Hoje produz compo- nentes do jato ERJ 145, da Embraer, além de partes do Super Tucano, avião de trei- namento militar. •

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Page 64: A arte na Pré-história do Brasil

LINHA DE PRODUçãO DRASIL

.:

Cães imunizados com menos riscos

Z COi

Uma nova vacina contra a arvovirose canina, baseada

tecnologia do DNA re- combinante, foi desenvolvi- da na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e já está sendo produzida pelo Laboratório Hertape. A previsão é que no início de 2005 ela já esteja no mer- cado. Enquanto a vacina mineira usa apenas proteí- nas do vírus para estimular o sistema de defesa dos cães, as vacinas atualmente dis- poníveis no país utilizam o próprio vírus enfraquecido. Para produzir a nova vaci- na, os pesquisadores anali- sam o material genético do vírus e selecionam alguns ge-

bactéria, responsável pela produção de proteína do ví- rus que vai ativar a geração de anticorpos. "A vantagem do novo método é que a amamentação não prejudi- ca a imunização dos filho- tes", diz a professora Erna Kroon, coordenadora do Laboratório de Vírus da universidade e integrante da equipe do projeto. Com 30 dias os filhotes já podem ser vacinados. A parvovirose é uma doença que causa pro- blemas intestinais e grave desidratação, além de ser de fácil contágio. Os animais são vacinados ainda filhotes, entre a sexta e a nona sema- na de vida, fase em que mui-

mentados. Por isso o gran- de problema da aplicação da vacina tradicional é que os anticorpos maternos im- pedem a multiplicação do vírus atenuado e, com isso, diminuem sua eficiência. Outra vantagem apontada é que por ser uma proteína não há risco tanto na pro- dução da vacina como na disseminação de vírus no ambiente. Os estudos que resultaram no novo produ- to foram iniciados em 1999 pela equipe do professor Paulo César Peregrino, a pedido do Hertape. •

nes para colocar em uma -~tos ainda estão sendo ama-

■ Soja identificada em 30 segundos

Metodologia desenvolvida no Instituto de Química da Uni- versidade Estadual de Cam- pinas (Unicamp) possibilita em apenas 30 segundos, sem necessidade de repetir a aná- lise, diferenciar as sojas trans- gênica, normal e orgânica. A caracterização dos diferentes cultivares do grão é impor- tante para obter a certificação da origem do alimento, exi- gência feita por vários países importadores do produto. A China, por exemplo, um dos maiores compradores mun- diais, não permite a entrada de transgênicos em seu terri- tório. Pelo novo método, o extrato de isoflavonas, subs- tâncias existentes na soja, é ana- lisado no espectrômetro de

massas, equipamento que permite visualizar com preci- são o universo molecular. A partir de um marcador quí- mico, o equipamento faz a di- ferenciação dos cultivares. O resultado é apresentado na tela do computador por meio de gráficos e dados estatísti- cos. A principal vantagem da

nova metodologia, apontada pelos pesquisadores envolvi- dos no estudo, é que ela dá uma resposta direta, sem mar- gem para dúvida. A técnica em uso atualmente, que utili- za a biologia molecular, pode gerar um resultado "falso po- sitivo", o que exige nova aná- lise para confirmação. •

Marcador químico caracteriza cultivares da soja

■ Petróleo testado em laboratório

As instalações destinadas ao Laboratório Experimental de Petróleo (Labpetro), na Uni- versidade Estadual de Cam- pinas (Unicamp), já estão prontas. Assim que estiver fi- nalizada a infra-estrutura e os equipamentos comprados, o que deve ocorrer até o final deste ano, o laboratório, fruto de parceria entre a universi- dade e a Petrobras, entrará em operação. A empresa brasilei- ra repassou em setembro, como parte de um convênio destinado à implementação do Labpetro, R$ 1,3 milhão, valor que se soma aos R$ 900 mil destinados à universidade no ano passado para a cons- trução das instalações. O la- boratório tem como objetivo

66 ■ NOVEMBRO DE 2004 • PESQUISA FAPESP 105

Page 65: A arte na Pré-história do Brasil

desenvolver tecnologias que permitam à Petrobras aperfei- çoar o processo de produção de petróleo, principalmente o de alta viscosidade. •

■ Alerta sobre roubo de carro no celular

Alguém arromba a porta do seu carro para roubá-lo e ime- diatamente aparece no visor do celular uma mensagem de alerta, não importa a distância em que você esteja do veícu- lo. "Ao digitar um código com dois números no teclado do telefone, o carro é bloqueado, sem necessidade de o usuário entrar em contato com uma central de monitoramento, como ocorre com outros sis-

^>CX

Bloqueio pelo telefone

temas à venda no mercado", diz Clédiston dos Santos Sil- va, um dos criadores do siste- ma. O Kalarm, nome comer- cial do alarme que está na fase de protótipo, foi desenvolvi- do pela Sea Wireless, empresa incubada no Centro de Apoio ao Desenvolvimento Tecno- lógico (CDT) da Universida- de de Brasília (UnB). "O dis- positivo permite ainda que o proprietário controle a velo- cidade do carro quando esti- ver sendo dirigido por outra

pessoa", relata Silva, sócio da empresa. As funções serão definidas no momento da compra, que se dará na forma de um contrato de concessão, a um preço aproximado de R$ 400,00 e mais uma taxa de manutenção mensal em torno de R$ 25,00. A previsão é que dentro de oito meses es- tará no mercado, mas os só- cios da Sea Wireless estão à procura de um investidor para começar a produzir o sistema em escala industrial. •

■ Operador treinado para termelétrica

Da mesma forma que um piloto de avião utiliza um si- mulador para treinar mano- bras, os operadores de cen- trais termelétricas, usinas geradoras de energia elétrica, agora também têm um local de treinamento. O primeiro simulador de centrais terme- létricas do país já está instala- do na Universidade Federal de Itajubá (Unifei), em Minas Gerais. "É um laboratório de qualificação de operadores", explica o professor Marco Antônio Nascimento, do Nú- cleo de Excelência em Gera- ção Termelétrica e Distribuí- da da universidade. No centro de treinamento estão instala- das oito estações de trabalho, que reproduzem a sala de con- trole de uma usina. O modelo utilizado é o de uma termelé- trica de ciclo combinado (ope- ra com duas turbinas a gás e uma a vapor), com potência de 712 megawatts (MW), ten- do como combustível gás na- tural ou diesel. O simulador complementa os cursos teóri- cos para operadores que, ao longo do tempo, costumam repetir procedimentos bási- cos, mas quando ocorre uma emergência nem sempre es- tão preparados para tomar a decisão mais correta. •

Patentes Inovações financiadas pelo Núcleo de Patenteamento

e Licenciamento de Tecnologia (Nuplitec) da FAPESP. Contato: [email protected]

Casca de arroz: um resíduo bem aproveitado

Energia e sílica

Processo desenvolvido no Instituto de Física de São Carlos da Universidade de São Paulo (USP) permite preservar o valor comer- cial da sílica extraída da casca de arroz quando ela é queimada a tempera- turas de até 800°C para gerar energia elétrica em centrais termelétricas. An- tes de ser utilizada, a ma- téria-prima passa por uma etapa de escolha de modo de preparação: as cascas podem ser lavadas em água quente ou pré-aque- cidas e moídas, sem o uso de ácidos. Esse processa- mento antes da queima final resulta em grande melhoria na qualidade desse rejeito agrícola, po- luente do solo e da água e, normalmente, despre- zado pelos agricultores. O resultado final é a trans- formação da massa orgâ-

nica em sílica de dimen- sões de partículas nano- métricas e sem carbono. A sílica pode ser usada na construção civil, na in- dústria de tintas e verni- zes, em pastas de dentes e pneus, além de servir de condicionador quan- do aplicado com adubo, para reter a água de solos arenosos. Todo o proces- so deve ser feito em uma termelétrica, o que resul- ta na produção de ener- gia elétrica durante o pro- cesso de queima.

Título: Aproveitamento da energia e dos compostos inorgânicos resultantes da queima da casca e da planta do arroz Inventores: Milton Ferreira de Souza e Marcos César Persegil Titularidade: USP/FAPESP

PESQUISA FAPESP 105 ■ NOVEMBRO DE 2004 ■ 67

Page 66: A arte na Pré-história do Brasil

TECNOLOGIA

FARMACOLOGIA

Extrato de pariparoba exerce ação antioxidante contra o sol e deve chegar ao mercado em breve

Page 67: A arte na Pré-história do Brasil

mostrou em estudos realizados na Faculdade de Ciên- cias Farmacêuticas (FCF) da Universidade de São Paulo atividade protetora contra os raios ultravio-

L. leta do tipo UVB, os mais lesivos para a pele. A descoberta resultou em um pedido de patente e interessou à empresa Natura, que disputou e venceu a licitação de concessão

to de produtos de uso cosmético (gel, creme, filtro solar), com exclusividade para o Brasil e o exterior, realizada pelo Grupo de Assessoramento ao Desenvolvimento de Inventos (Gadi), da universidade. "O potencial antioxidante da molécula encontra- da na pariparoba, responsável por proteger a pele dos radicais livres, chamou a atenção da Natura", diz Jean Luc Gesztesi, pes- quisador da área de Pesquisa e Desenvolvimento da empresa. "Por isso temos a firme intenção de usar o extrato em produtos cosméticos." Por enquanto ainda não há data prevista de lança- mento, porque o desenvolvimento de um produto demora de seis meses a dois anos. Mas a empresa já tem contrato com um produtor para fornecer o extrato da raiz da pariparoba (Potho- morphe umbellata) dentro de algumas especificações, como a porcentagem exata do princípio ativo. A padronização é impor- tante para garantir que a resposta do extrato vegetal seja sem- pre a mesma, característica chamada de reprodutibilidade.

"A pariparoba é usada há muito tempo pela medicina popu- lar para tratamento de má digestão, doenças do fígado, como icterícia, e queimaduras", diz a professora Silvia Berlanga de Moraes Barros, orientadora de Cristina Dislich Ropke na tese de doutorado, financiada pela FAPESP, que levou à descoberta da atividade fotoprotetora da planta da família das piperáceas, encontrada principalmente nos estados de São Paulo, Minas Gerais, Espírito Santo e sul da Bahia. As pesquisas com a pari- paroba começaram, na realidade, com uma investigação sobre

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a atividade de proteção hepática atri- buída à planta, que não foi concluída. "Um olhar mais detalhado sobre a pa- riparoba mostrou que ela apresentava uma substância que já havia sido des- crita pelo grupo de fitoquímica do Ins- tituto de Química da USP em 1981", re- lata Silvia.

'O composto (4-nerolidil- catecol), molécula en-

I contrada no extrato da raiz da planta, tinha al- gumas características

de estrutura química muito semelhan- tes às do alfa-tocoferol (vitamina E), antioxidante usado em formulações cosméticas que hoje estão nas pratelei- ras para prevenção do envelhecimento cutâneo, porque é um excelente prote- tor da membrana celular", diz a pesqui- sadora. A semelhança de características levou a um estudo in vitro para medir a atividade antioxidante do composto extraído da raiz, realizado pelo profes- sor Paulo Chanel Deodato de Freitas, também da FCF, na época em que ele fazia doutorado, concluído em 1999. "Como verificamos que o composto ti- nha atividade bem mais potente que a do alfa-tocoferol e apresentava carac- terísticas físico-químicas que poderiam justificar o uso em formulações cosmé- ticas, resolvemos testá-lo na pele", con- ta Silvia. Os experimentos foram feitos então em camundongos sem pêlos, uma linhagem desenvolvida pelos biotérios, que não precisam ser depilados, evitan- do-se assim microlesões na pele e inter- ferência nos resultados da pesquisa.

O estudo tinha como objetivo mos- trar se o extrato de pariparoba inibia a peroxidação espontânea da pele - rea- ção química também chamada de oxi- dação -, que contribui para o envelhe- cimento cutâneo e pode ocorrer ainda por radiação solar. "No nosso modelo, nós tratávamos os animais com uma formulação muito simples, sem ne- nhum tratamento tecnológico", diz Silvia. Depois de aplicado e o excesso ser retirado, o produto permanecia na pele por um período predeterminado. A seguir, as pesquisadoras avaliavam se a oxidação era mais reduzida nos ani- mais tratados com o extrato. "Os exa- mes de microscopia feitos nos camun- dongos mostraram que o composto previne o envelhecimento cutâneo", re- lata Silvia.

Após essa constata- ção, as pesquisadoras decidiram reproduzir o que acontece na natureza, com a exposição dos ani- mais à radiação ultravio- leta. Nessa etapa foi esco- lhida uma formulação para o extrato e feito um estudo de permeação, que significa quanto do produto fica na pele e quanto é absorvido. Essa informação é importante porque parte das lesões por radiação, como o cân- cer de pele, por exemplo, concentra-se na epider- me e parte, como o foto- envelhecimento, na ca- mada da pele logo abaixo, ou seja, a derme. O estu- do levou ao desenvolvi- mento de uma formula- ção em forma de gel com o extrato retirado da raiz. Embora outras partes da planta também apresen- tem a substância com ati- vidade antioxidante, é na raiz que ela se concentra mais intensamente.

Raiz com propriedade antioxidante Raios UVB - A próxima etapa foi expor os camun- dongos à radiação UVB, uma parte da radiação ultravioleta que penetra até a epiderme. Os raios UVB atuam sobre a superfície da Terra entre 10 e 15 ho- ras e são os principais responsáveis pe- las queimaduras solares e, a longo pra- zo, pelo câncer de pele. O tratamento com os camundongos foi feito duran- te dez minutos, quatro vezes por se- mana, por um período de 22 semanas. "Com isso verificamos que enquanto a radiação promove grande aumento das células da camada da epiderme, a chamada hiperplasia epitelial, que po- de levar ao desenvolvimento de células cancerígenas, os animais tratados com o extrato apresentavam hiperplasia reduzida", relata Silvia. Foi quando a pesquisadora percebeu que estava di- ante de algo novo, porque até aquele momento não havia sido comprovada em estudos a atividade fotoprotetora da pariparoba. Em função dessa cons- tatação, em 2002 foi apresentado o pe- dido de patente do uso do extrato de

Pothomorphe umbellata em prepara- ções dermocosméticas ou farmacêuti- cas para prevenção e combate ao dano causado à pele pela exposição excessiva aos raios ultravioleta do sol e a lâmpa- das de bronzeamento artificial, além das alterações causadas pelo envelheci- mento cronológico. Outras funções da pariparoba continuam a ser pesquisa- das no laboratório da Faculdade de Ci- ências Farmacêuticas da USP. Os estu- dos estão centrados nos mecanismos bioquímicos de ação da planta. "As pes- quisas mostram resultados interessan- tes na área farmacêutica, mas que ainda não podem ser revelados", diz Silvia. A ligação entre redução da hiperplasia e controle de crescimento celular pode significar a ponte para fármacos que regulem o desenvolvimento de células cancerígenas.

Para chegar ao extrato da raiz que já possui resultados comprovados em laboratório, os pesquisadores utilizam uma técnica clássica de extração a frio,

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Page 69: A arte na Pré-história do Brasil

Extrato pronto para uso cosmético

chamada percolação. É um método to- talmente artesanal, em que as raízes, após serem colhidas, são secas e moí- das. Depois passam por uma peneira, chamada tamis, com os poros controla- dos, para que a extração obedeça a um padrão predeterminado. Só então é fei- ta a extração a frio com etanol, para retirada do extrato bruto. Por esse mé- todo a raiz tem de ficar constantemen- te umedecida pelo etanol para que as substâncias químicas sejam extraídas por decantação. Isso demora de dois a três dias, até que seja esgotado tudo o que tinha a ser extraído. Só então é fei- ta a retirada da molécula de interesse para ser incorporada à formulação em forma de gel ou creme.

Depois de o pedido de patente ter sido efetuado, Silvia achou que era o momento de a universidade abrir uma licitação para escolher um laboratório que pudesse produzir comercialmente produtos cosméticos à base de paripa- roba. A licitação envolve o pagamento

de royalties sobre a venda do produto, que a empresa prefere não revelar, e a transferência de tecnologia por parte da universidade. A USP e a FAPESP, responsável pela concessão da bolsa de doutorado, receberão, cada uma, 50% do contrato com a Natura. As duas instituições vão repassar parte dos va- lores para os pesquisadores. A Funda-

0 PROJETO

Uso de extrato de Pothomorphe umbellata para preparar composições dermocosmética e/ou farmacêutica

MODALIDADE Programa de Apoio à Propriedade Intelectual (PAPI)

COORDENADORA SILVIA BERLANGA DE MORAES BARROS

INVESTIMENTO R$6.400,00 (FAPESP)

ção financiou também o pedido de re- gistro internacional da patente, por meio do Programa de Apoio à Proprie- dade Intelectual do Núcleo de Patente- amento e Licenciamento de Tecnologia (Papi/ Nuplitec).

O uso do extrato da pariparoba é um dos projetos com potencial inova- dor que tem origem na universidade e a Natura aposta no seu aproveita- mento comercial. Para isso, a empresa lançou no primeiro semestre deste ano o programa Natura Campus, que resultou em 44 projetos apresentados pelas universidades e institutos de pes- quisa à empresa, dos quais 13 foram selecionados e enviados para a FA- PESP, como parte do programa Parce- ria para Inovação Tecnológica (PITE). Destes, sete foram aprovados pela Fun- dação. Para Gesztesi, a geração de no- vos conhecimentos na universidade aplicados pela indústria pode contri- buir para o desenvolvimento de pro- dutos diferenciados. •

PESQUISA FAPESP 105 ■ NOVEMBRO DE 2004 ■ 71

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ITECNOLOGIA

METALURGIA

Reciclagem Empresa transforma sucata em matéria-prima usada na produção de ligas de alumínio

YURI VASCONCELOS

Uma guinada na linha de produção e o ar- rojo para pesquisar e desenvolver um pro- duto mais adequado

às necessidades do mercado foram os dois principais motivos que levaram a Mextra, uma pequena empresa de en- genharia especializada no processa- mento de metais, a alcançar a posição de liderança na fabricação de pastilhas com produtos metálicos usadas na pro- dução das ligas de alumínio. Com sede no município de Diadema, na Grande São Paulo, a companhia deve atingir em 2004 um faturamento de US$ 6 milhões, praticamente o dobro do ano passado, com 60 funcionários. Parte dessa receita é proveniente de vendas para o mercado externo. "Aproxima- damente 30% do volume de produ- ção, estimada em 200 toneladas men- sais, é comercializado para cerca de 20 clientes no exterior. Embora tenhamos 26 anos de atuação no mercado, faz apenas seis anos que criamos a linha de fabricação de pastilhas. Devemos a ela o formidável crescimento da em- presa", afirma o engenheiro metalur- gista Ivan Calia Barchese, um dos sócios da Mextra.

Pastilhas portadoras de elementos de liga - também chamadas de pasti- lhas endurecedoras - são fundamentais para a fabricação da grande maioria de produtos de alumínio, como janelas re- sidenciais, utensílios domésticos e até asas de avião. Essa interação é impor- tante porque o alumínio é um material

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naturalmente maleável e para aumen- tar sua resistência mecânica é necessá- rio adicionar os tais elementos de liga. Os mais comuns são ferro, cobre, cro- mo, manganês e titânio. "Feitas de pós prensados ou compactados, essas pasti- lhas são semelhantes às efervescentes de vitamina C em tamanho gigante (me- dem 85 milímetros de diâmetro e 40 de espessura e pesam cerca de 1 quilo) que, adicionadas ao alumínio em estado lí- quido, se dissolvem conferindo a ele novas propriedades mecânicas", afirma o engenheiro metalurgista Lúcio Salga- do, pesquisador-colaborador do Insti- tuto de Pesquisas Energéticas e Nuclea- res (Ipen) do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT).

Inovação em pastilhas - Para ganhar mercado e firmar-se como líder do seg- mento, o pulo-do-gato da Mextra foi inovar o processo de fabricação dessas pastilhas compostas de dois elementos metálicos. No lugar de fazer uma pasti- lha a partir da mistura de dois pós distin- tos (por exemplo, de ferro e de alumínio, que é a mais procurada do mercado), a empresa investiu na pesquisa e na ela- boração de um novo processo para obtenção de um pó pré-ligado, que já contivesse em sua estrutura final os dois elementos. "A partir da fusão de sucatas de aço e de alumínio e de um processo chamado atomização, produzimos as pastilhas na composição desejada e não precisamos mais utilizar pós compra- dos no mercado", conta Ivan Barchese. "Desenvolvemos um produto adequa-

do do ponto de vista ambiental, uma vez que usamos material reciclado, e com custo de produção inferior ao do ven- dido no mercado. Além disso, as pas- tilhas têm qualidade superior, porque as propriedades do pó, como tamanho e composição química do grão, podem ser mais bem controladas, já que sua fa- bricação é feita por nós."

O desenvolvimento do pó pré-liga- do com ferro e alumínio só foi possível com o apoio financeiro da FAPESP por meio do Programa Inovação Tecnoló- gica em Pequenas Empresas (PIPE). O trabalho contou com a fundamental participação do Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo (IPT), que domina a tecnologia do pro- cesso de atomização de pós metálicos. "Atomização é um processo semelhan- te à pulverização. A liga metálica fundi- da de ferro e alumínio é pulverizada e transformada em pó, já na composição adequada", diz o pesquisador Salgado, que foi o coordenador do projeto PIPE. "Embora o processo de atomização se- ja conhecido e dominado em escala co- mercial desde os anos 1940, até hoje nenhuma empresa do mundo tinha fei- to uma liga de ferro e alumínio por esse método", conta Salgado. Em função do ineditismo do produto em nível mun- dial, as pastilhas da Mextra, na propor- ção 90% de ferro e 10% de alumínio, e o processo de produção resultaram em patentes depositadas no Instituto Na- cional de Propriedade Industrial (INPI) e também em outros dois países: Esta- dos Unidos e Venezuela, onde estão os

Page 71: A arte na Pré-história do Brasil

Forno transforma sucatas em um filete líquido de metal que depois será pulverizado e transformado em pó

Page 72: A arte na Pré-história do Brasil

Sucata: material deve ter mínimos teores de carbono e outras

impurezas, para o processo, como cobre, cromo, níquel e silício

principais clientes da empresa. A Mex- tra deve depositar, em breve, patentes em outros países.

"O primeiro passo do pro- cesso de produção das pastilhas é a escolha da sucata, que deve ser composta de aço com

teores mínimos de carbono", diz Sal- gado. Também não é desejável que ela tenha impurezas de outros elementos, principalmente cobre, cromo, níquel e silício. Feita a seleção, a sucata, cuja to- nelada é vendida por cerca de R$ 500, é fundida em um forno a indução (o aquecimento é direto no metal e não nas paredes do forno) e aquecida até uma temperatura da ordem de 1.700°C. Depois que o metal toma a forma líqui- da, ele escorre para uma grande panela vazada através da qual se produz um fi- lete líquido com cerca de 12 milímetros de diâmetro. Com o uso de um dispo- sitivo chamado bocal de atomização, esse filete é bombardeado por um ja- to de água de alta pressão, levando à sua pulverização e produzindo o pó. "O choque da água com o filete em estado líquido leva a uma fragmentação do metal", afirma Salgado. "Para controlar o tamanho e a morfologia das partícu- las, os principais parâmetros a serem ob- servados são pressão e vazão da água, temperatura do metal líquido e diâme- tro do filete", diz ele.

De acordo com Barchese, o proces- so de fabricação do pó metálico por atomização está praticamente concluí- do. "Por enquanto, a nova pastilha de ferro e alumínio é colocada no merca- do em pequena quantidade. Estimamos que já foram produzidas cerca de 20 to- neladas do produto. No momento es- tamos adequando algumas etapas da produção para atender os clientes de forma mais ampla", diz Barchese. A Mextra investiu cerca de R$ 2 milhões na montagem de uma planta industrial para a fabricação do pó atomizado. No futuro, a empresa terá capacidade de produzir 400 toneladas por mês da pas- tilha com material reciclado. "Além do

produto inovador, o processo também é uma novidade, pois todo o maqui- nado foi desenvolvido ao longo do de- senvolvimento do PIPE, que deve ser concluído em abril do próximo ano", informa Barchese. "Acreditamos que dentro de dois anos nossa pastilha pré- ligada entrará de vez no mercado."

Clientes no exterior - Atualmente, a Mextra tem em seu portfólio de clientes os principais produtores de alumínio do país, como as indústrias Alcoa, Al- can, Companhia Brasileira de Alumí- nio (CBA), BHP Billiton e Valesul, uma subsidiária da Companhia Vale do Rio Doce. "A Alcoa, por exemplo, só com- pra pastilhas de ferro produzidas por nós. Entre as várias aplicações do pó prensado que vendemos para eles está a produção de folhas finas de alumínio para embalagens, conhecidas como te- trapak. Esse é um material muito sofis- ticado e a pastilha empregada precisa ser de boa qualidade, caso contrário a lâmi- na de alumínio pode ficar com impure- zas e romper durante o processamento", explica Barchese. No exterior, a Mextra vende seus produtos para fábricas dos Estados Unidos, Canadá, México, Espa-

nha, França, Colômbia, Venezuela, Ar- gentina, Taiwan e países do Oriente Médio. Um contrato firmado recente- mente com a Alcan visando a exportação para a Europa prevê a entrega de pós metálicos produzidos por atomização.

A parceria com o IPT para o desen- volvimento do pó atomizado foi a se- gunda firmada entre a Mextra e o cen- tro de pesquisas paulista. Antes dela, a empresa já tinha recorrido, em 2000, ao Programa de Apoio Tecnológico à Ex- portação (Progex), promovido em con- junto com o IPT, o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) de São Paulo e a Financiado- ra de Estudos e Projetos (Finep), do Ministério da Ciência e Tecnologia. "Na- quela ocasião, estávamos pretendendo disputar o mercado internacional e sa- bíamos que precisávamos ter um pro- duto com qualidade e preço competi- tivo. Procuramos o IPT para nos ajudar a aperfeiçoar nossas pastilhas, que na- quela ocasião já eram exportadas para uma empresa venezuelana. A parceria incluía a realização de estudos de com- pactação das pastilhas sem perda de efi- ciência. Isso significa que elas não po- dem ser duras demais, pois nesse caso

74 ■ NOVEMBRO DE 2004 ■ PESQUISA FAPESP 105

Page 73: A arte na Pré-história do Brasil

levam muito tempo para se dissolver no alumínio líquido, nem muito frá- geis, pois correm o risco de se esfarelar durante o transporte", conta Barchese. Os bons resultados desse trabalho con- junto serviram para iniciar as pesquisas visando ao desenvolvimento das pasti- lhas pré-ligadas de ferro e alumínio.

A Mextra foi criada em 1978 pelo engenheiro Eduardo Barchese, pai de Ivan, que decidiu colocar em prática sua tese de doutorado defendida na Es-

0 PROJETO

Produção de pós-metálicos, pré-ligados por atomização para aplicação na fabricação de pastilhas para adição de elementos de liga em banhos metálicos de alumínio

MODALIDADE Programa Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE)

COORDENADOR Lúcio SALGADO - Ipen-Mextra

INVESTIMENTO R$ 373.600,00 (FAPESP)

cola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP) sobre a transforma- ção de minérios em metais por meio de uma técnica chamada aluminotermia (obtenção de altas temperaturas por meio do calor gerado em reações quí- micas entre o alumínio era pó e óxidos metálicos). Montou uma empresa pe- quena focada na fabricação de metais e ligas metálicas dirigidas para os merca- dos de fundição e siderúrgico. Eduardo Barchese também foi professor na Poli- USP e na Faculdade de Engenharia In- dustrial (FEI).

Aços especiais - Hoje a indústria está estruturada em três diferentes setores. A Divisão Cromo fabrica oxido de cro- mo verde, produto utilizado como ma- téria-prima na fabricação de refratários especiais e como pigmento verde na in- dústria cerâmica. Essa mesma divisão é responsável pela fabricação de cromo metálico, metal que a Mextra foi pionei- ra na fabricação no Brasil, e carbeto de cromo, ambos empregados na produção de eletrodos e aços especiais que exigem propriedades metalúrgicas superiores, tais como resistência mecânica à abra- são e à corrosão. Outro setor da empre-

Pastilhas com 90% de ferro e 10% de alumínio: usadas pelas indústrias para aumentar a resistência mecânica das ligas de alumínio

sa é a Divisão de Serviços Especiais, que oferece serviços de moagem, classifi- cação de metais e desenvolvimento de ligas metálicas de acordo com as neces- sidades do cliente. Esse mesmo setor be- neficia ferro ligas, manganês em esca- ma ou pó e ligas de alumínio.

A terceira divisão é a de pasti- /% lhas de elementos de liga

^^^ para alumínio. Essa linha m W de produtos, o carro-che-

^L -m. fe da empresa, foi batiza- da de Mextral. Além das pastilhas de pó de ferro e alumínio atomizado, a em- presa oferece ao mercado outras quatro pastilhas, produzidas a partir da mistu- ra de diferentes pós metálicos (cromo, manganês, cobre ou titânio). Todas, ex- ceto a de ferro, têm em sua composição de 10% a 25% de pó de alumínio e ca- da uma confere uma propriedade dife- rente ao alumínio. As pastilhas de ferro, por exemplo, aumentam a resistência mecânica do material à temperatura elevada, enquanto as de cromo redu- zem a corrosão sob tensão. As pastilhas de manganês e cobre elevam a dureza do alumínio, ao passo que as de titânio melhoram as propriedades mecânicas em geral.

Os bons resultados comerciais da Mextra, que possui um sistema de qua- lidade baseado na certificação ISO 9001:2000, levaram a uma expansão da empresa, que deverá inaugurar até o início do próximo ano uma nova uni- dade fabril na cidade de Taubaté, na re- gião do Vale do Paraíba, em São Paulo. A construção da fábrica, orçada em R$ 3 milhões, contou com recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Quando começar a funcionar, a instalação de Diadema ficará voltada para a fabrica- ção de pastilhas pré-ligadas de ferro e de alumínio. "Estamos otimistas com o futuro da empresa. Fabricamos um pro- duto global e estamos certos de que, com os investimentos que temos feito nos últimos anos, iremos cada vez mais ocu- par um lugar de destaque no mercado internacional", diz Barchese. •

PESUUISA FAPESP 105 ■ NOVEMBRO DE 2004 ■ 75

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ITECNOLOGIA

AGRICULTURA

Um grão para germinar Região Nordeste ganha nova variedade de amendoim de pele clara e resistente à seca

MARCOS DE OLIVEIRA

Se sairmos por este Brasil afora per- guntando quem gosta de pé-de-mo- leque e paçoca, poucos, muito pou- cos, vão responder não. Doces feitos de amendoim ou mesmo o grão pu-

ro e torrado ou cozido fazem parte das prefe- rências nacionais, principalmente na Região Nordeste, responsável pelo segundo lugar em consumo no país com 50 mil toneladas de va- gens por ano, embora só produza 13 mil to- neladas. Com tamanha popularidade e altos índices de proteína, o amendoim deverá es- tar mais disponível nos campos dessa região a partir do segundo semestre do próximo ano quando uma nova variedade de sementes de- senvolvida pela Empresa Brasileira de Pesqui- sa Agropecuária (Embrapa) estará disponível aos agricultores. Chamada de BRS Havana, ela foi preparada especialmente para o semi-árido nordestino com as características de ser resis- tente à seca e render boa produtividade para as condições da região. Outra vantagem im- portante da nova semente é a película de cor creme que envolve os grãos, e não vermelha como a maioria das existentes no mercado.

Películas da cor da semente são extrema- mente importantes para o agricultor vender sua produção para a indústria de doces e pro- dutos elaborados com amendoim. "Como a película creme é da cor da semente, a indús- tria pode moer diretamente os grãos para fa- zer pastas, doces e salgados sem se importar com as impurezas visuais deixadas pela pe- lícula vermelha", diz a agrônoma Roseane Cavalcanti dos Santos, responsável pelo de- senvolvimento das sementes BRS Havana na Embrapa Algodão, em Campina Grande, na Paraíba. "Com a semente parecida com a pe- lícula elimina-se uma fase do processo indus- trial, chamada de despeliculação."

A nova variedade, desenvolvida ao longo de quatro anos, foi planejada para proporcio- nar um outro benefício aos agricultores. As novas sementes resultam em plantas de porte médio e eretas, do jeito ideal para pequenos e médios produtores que fazem a colheita com a mão, sem maquinário, como acontece em grande parte das culturas da Região Sudeste, responsável por 80% da produção nacional (cerca de 300 mil toneladas anuais), e feita, muitas vezes, em rotação com a cana-de-açú- car. Grandes produtores preferem as varie- dades que crescem rentes ao solo, chamadas de rasteiras, porque elas favorecem a colhei- ta mecânica. Roseane aponta também um ga- nho nutricional na nova semente. "A preser- vação da película garante ao consumidor uma maior dosagem de vitaminas do complexo B, como riboflavina e tiamina. Além disso, as no- vas sementes contêm 27% de proteína e bai- xo teor de óleo, 43%, um fator exigido pelo mercado porque assim o produto se torna me- nos indigesto e com melhor consistência pa- ra o fabrico de paçocas."

Para formar a nova semente, Roseane li- derou uma equipe multidisciplinar de pes- quisadores da Embrapa Algodão, da Empre- sa Baiana de Desenvolvimento Agropecuário (EBDA), da Empresa Pernambucana de Pes- quisa Agropecuária (IPA), da Embrapa Tabu- leiros Costeiros, de Sergipe, e da Universidade Federal Rural de Pernambuco. Eles utilizaram 250 tipos (também chamados de acessos) de se- mente da mesma espécie comercial de amen- doim, a Arachis hypogaea. A principal varie- dade utilizada para se chegar à BRS Havana foi um tipo denominado Película Havana, ce- dido pelo Instituto Agronômico de Campi- nas (IAC) e pouco utilizado pelos agriculto- res da Região Sudeste, onde também existem

76 ■ NOVEMBRO DE 2004 ■ PESQUISA FAPESP 105

Page 75: A arte na Pré-história do Brasil

outras variedades específicas com pelí- cula creme. Atualmente, sementes com esse tipo de película têm sido muito pro- curadas pelos produtores nacionais de amendoim, especialmente das regiões Sudeste e Centro-Oeste do país, que pre- ferem as variedades rasteiras, como por exemplo a IAC Caiapó.

"O problema é que as rasteiras, além de se adaptarem melhor ao clima do Sudeste, não são adequadas ao pe- queno e médio agricultor por crescer muito rente ao solo e ter ciclo de 120 a 140 dias, da plantação até a colheita. Os produtores do Nordeste pre- ferem ciclos de 90 dias e sêmen tes bem tolerantes à seca", diz Roseane. A BRS Havana, além de ter essas características, tem a produtividade seme- lhante à variedade Tatu, plantada na região, e pos- sui de três a quatro semen- tes por vagem. "Na estação das águas (janeiro a março) no semi-árido, a BRS Ha- vana produz entre 1.800 e 2.500 quilos de vagem por hectare (kg/ha), enquanto a Caiapó, que possui duas semen- tes em cada vagem, tem uma pro- dução entre 2.300 e 3.500 kg/ha, po- rém necessita de muito mais água para se desenvolver, exigindo investimentos em irrigação e equipamentos para a co- lheita mecanizada."

Híbrido antif ungos - Os avanços cien- tíficos no cultivo do amendoim, uma das poucas espécies comerciais da fa- mília das leguminosas a dar frutos em- baixo da terra (existem espécies de amendoim forrageiro - Arachis pintoi e A. glabrata - que possuem essa carac- terística), também acontecem em Bra- sília, na Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia. Lá, um grupo de pesqui- sadores, coordenados pelo agrônomo José Francisco Valls, desenvolveu plan- tas híbridas de amendoim resistentes à mancha-preta, à mancha-castanha e à ferrugem, doenças provocadas por fun- gos que podem dizimar até 70% da produção. "Os fungos atacam as folhas que depois caem, deixando a planta sem fotossíntese. Assim, não há o cres- cimento dos grãos e a produtividade é reduzida", explica a agrônoma Alessan- dra Pereira Fávero. "O que nós fizemos foi levar a resistência natural contra os

fungos de duas espécies selvagens (não selecionadas pelo homem) para a espé- cie comercial por meio de cruzamen- to." As duas espécies são a Arachis ipaênsis e a A. duranensis, originárias da Bolívia e da Argentina. Também estão em testes os cruzamentos de A. hypo- gaea com A. hoehnei (do Mato Grosso do Sul), A. cardenasü (da Bolívia) e A. helodes (Mato Grosso), entre outras.

Película da mesma cor da semente favorece uso industrial do amendoim

A primeira fase do projeto foi cru- zar as duas espécies silvestres que gera- ram plantas híbridas estéreis e com 20 cromossomos. O problema é que a espé- cie comercial possui 40 cromossomos, impossibilitando o cruzamento. A saída foi duplicar os cromossomos dos hí- bridos silvestres por um processo quí- mico em laboratório utilizando uma substância chamada colchicina. Com isso, os pés de amendoim silvestres pas- saram a contar com 40 cromossomos e se tornaram férteis. Assim foi possível fazer o cruzamento dos híbridos silves- tres com a espécie comercial de forma normal por polinização cruzada das flores. Os cruzamentos resultaram em plantas férteis com 50% do genoma da espécie cultivada e 50% da silvestre. Em relação às sementes, as híbridas pos- suem um ou dois grãos por vagem, co- mo acontece nas espécies silvestres. As

comerciais têm até quatro grãos. "Para chegar a mais sementes numa vagem precisamos fazer mais cruzamentos para melhorar o híbrido", avalia Ales- sandra. Essa etapa de melhoramento da planta vai começar a partir do plantio das novas sementes na Estação Experi- mental do IAC, na cidade de Pindora- ma, em São Paulo, sob os cuidados dos pesquisadores Sérgio Almeida de Mo- raes e Ignácio José de Godoy, também do IAC. O trabalho de ambos já resul- tou no desenvolvimento de cinco varie-

dades nos últimos oito anos, sendo duas já comercializadas.

Coleção estratégica - "O plantio dos híbridos, que de- ve começar até o final deste ano, vai nos mostrar tam- bém se a resistência aos fun- gos prevaleceu na semente híbrida", explica Alessan- dra. Se comprovados os re- sultados em campo, o apro- veitamento genético dos amendoins selvagens pode

crescer. Na sede da Embrapa Recursos Genéticos estão reu-

nidas sementes de 76 espécies de amendoim das 81 existentes

no mundo. "Uma das cinco que fal- tam é da região da cidade de Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, e está extinta", diz Alessandra. No Brasil fo- ram encontradas 64 espécies, sendo 47 exclusivas do país.

A espécie cultivada, segundo os últi- mos estudos, surgiu na área entre o sul da Bolívia e noroeste da Argentina, em- bora existam evidências de centros de variação (hábitats secundários provavel- mente fruto de transporte e cultivo de humanos) na região do rio Xingu, no Mato Grosso, e no Peru. "Os índios, que já cultivavam o amendoim quando os portugueses chegaram ao Brasil, devem ter espalhado as sementes pelas Amé- ricas", conta Alessandra. Além do de- senvolvimento de novas variedades de amendoim, mais resistentes a doenças, mais produtivas e adaptáveis à seca, as pesquisas realizadas na Embrapa po- dem, no futuro, ajudar na repovoação de áreas desmaiadas. Outra possibilida- de é oferecer genes que exerçam algu- ma função importante e necessária pa- ra experimentos em transgenia, com a transferência de genes do amendoim para outras espécies. •

PESQUISA FAPESP 105 ■ NOVEMBRO DE 2004 ■ 77

Page 76: A arte na Pré-história do Brasil

I TECNOLOGIA

QUÍMICA

g marcantes Grafite para lápis e lapiseiras ganha mais resistência com a incorporação de um nanocomposto

SYLVIA LEITE

A multinacional alemã Faber- g^k Castell, com a utilização de L^^ técnicas avançadas de carac-

ã M terização e tecnologia de- JL. -A. senvolvidas em parceria com o Laboratório Interdisciplinar de Eletroquímica e Cerâmica (Liec) da Uni- versidade Federal de São Carlos (UFS- Car), obteve um grafite mais resistente, sem alteração da deposição, que é a in- tensidade da marca do grafite sobre o papel, e da maciez do produto. As me- lhorias implementadas como resultado de dois anos de pesquisas permitiram que os lápis e o grafite para lapiseiras, chamado de minas, alcançassem o nível de qualidade internacional, sem altera- ção do preço para o consumidor, relata Vladimir Barroso, gerente de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) da empresa.

Na produção de lápis grafite, a em- presa é líder nacional, com cerca de 2,5 milhões de grosas (unidade de medida que eqüivale a 12 dúzias) anuais, além de ser a única fabricante de minas para lapiseira do grupo em todo o mundo. De acordo com Barroso, a melhoria da resistência e a manutenção de outras qua- lidades dos produtos vão garantir a lide- rança no mercado nacional e ajudarão a Faber-Castell a expandir sua partici- pação em novos mercados. "Desenvol- ver um produto que atendesse às exi- gências do mercado internacional era fundamental para preservar essa parti- cipação", diz o professor Edson Leite, coordenador da pesquisa no Liec, labo- ratório que integra o Centro Multidis- ciplinar de Desenvolvimento de Mate-

riais Cerâmicos (CMDMC), um dos dez Centros de Pesquisa, Inovação e Di- fusão (Cepid) financiados pela FAPESP.

Patente do catalisador - O principal desafio da equipe de pesquisadores con- sistiu em preencher os poros e as fis- suras deixados na estrutura das minas de grafite durante a etapa de queima ou sinterização, quando os compostos orgânicos ali presentes se decompõem transformando-se em gás. Para isso, foi empregado um nanocomposto organo- metálico, ou moléculas orgânicas liga- das a metais, que já havia sido desen- volvido e patenteado pelo Liec para ser usado como catalisador (acelerador de reações químicas), principalmente na conversão de metano e etanol em hi- drogênio. "Nossa tarefa foi adaptar esse

0 PROJETO

Nanocomposto para grafite

MODALIDADE Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid)

COORDENADOR ELSON LONGO - Centro Multidisciplinar para o Desenvolvimento de Materiais Cerâmicos

INVESTIMENTO R$ 1.200.000,00 anual para todo o Cepid (FAPESP) R$ 1.000.000,00 específico para o projeto (Faber-Castell)

nanocomposto ao grafite e ao processo de produção da empresa", conta Leite.

A utilização do nanocomposto, além de ser compatível com o coeficien- te de expansão térmica (aumento de volume dos materiais durante o aque- cimento) e com a estrutura cristalográ- fica (arranjo estrutural interno) do gra- fite, permitiu um bom desempenho do produto final e um custo aceitável pelo mercado. "Antes da parceria com o Liec, nós pensamos em usar um composto obtido por pesquisadores japoneses que custava US$ 2 mil o quilo e possuía re- duzida estabilidade, necessitando de cuidados especiais de transporte, arma- zenagem e manuseio. O desenvolvimen- to do novo composto no Liec levou o produto a um custo 600 vezes inferior ao material japonês, sem apresentar di- ficuldades de estocagem e de manuseio, além de ter a vantagem de não conter solventes tóxicos em sua composição", diz Barroso.

O gasto adicional decorrente da in- trodução de mais um componente na formulação do grafite foi compensado, segundo o gerente de P&D da empresa, pelo aumento da resistência do produ- to. Essa alteração proporcionou redu- ção de perdas na industrialização dos lápis e das minas. "Com o grafite mais resistente, obtivemos uma redução de 2% sobre o índice de rejeitos e um con- seqüente aumento de produtividade", comemora Barroso. No entanto, era pre- ciso ainda realizar melhorias nas maté- rias-primas (grafite, argila e resinas) e em várias etapas do processo de produ-

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Lápis com o novo grafite: resistente sem perder a maciez e a intensidade da escrita no papel

ção (mistura, extrusão, pirólise e sinte- rização) para permitir sua adaptação ao grafite. Os detalhes desse processo e a composição do organometálico e suas modificações são tratados como segre- do industrial pelos pesquisadores. Eles revelam apenas que foram estabeleci- das melhorias na pureza das matérias- primas e na homogeneização dos mate- riais. "Desenvolvemos metodologias de ensaios para avaliar o impacto de cada etapa do processo e das matérias-pri- mas no produto acabado", conta Leite.

Para a empresa, as tecnolo- gias desenvolvidas em par- ceria com o Liec custaram cerca de R$ 1 milhão, desem- bolsados em dois anos. Des-

se total, R$ 160 mil foram repassados ao laboratório para manutenção de equi- pamentos e pagamento de técnicos. Outro resultado dessa parceria veio em forma de elogios dos pesquisadores alemães, na sede da Faber. "Eles ficaram bastan- te surpresos com as tecnologias intro- duzidas no processo", diz Barroso. Ele ressalta que o departamento de P&D brasileiro é o único que a multinacional mantém fora da sede. Oito pesquisado- res, da universidade e da empresa, tra- balharam diretamente no processo de melhoria do novo grafite. "Essa parceria com o Liec possibilitou a contratação de dois doutores, que antes pertenciam à equipe do laboratório, e a capacitação de todos os funcionários da empresa que se envolveram de alguma forma co- m o projeto", diz Barroso. •

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CAPA

ARQUEOLOGIA

. | Pré-história *

ilustrada Pinturas e gravuras revelam a diversidade de formas e estilos da arte rupestre nacional

MARCOS PIVETTA

Cinco homens encurralam um bicho imenso. Estão ar- mados, arcos e flechas em suas mãos. O robusto ani- mal, talvez um veado, parece apoiar as patas traseiras no chão ao passo que as da frente cortam o nada. Cer- cado, o cervo ensaia a fuga enquanto cada membro do

quinteto firma a mira. Do combate, só sairá um vencedor - ou cin- co (veja imagem ao lado). Mas nunca se saberá quem. Isso não im- porta. Importa é que a cena de caça está preservada há milhares de anos e é apenas parte de uma imensa pintura rupestre da Toca do Estevo III, um dos mais de 700 sítios pré-históricos encontrados no Parque Nacional Serra da Capivara, criado em 1979 em São Rai- mundo Nonato, município do sudeste semi-árido do Piauí.

Rostos, rostos e rostos. Enigmáticos. Rindo. Com ar sério. Com cabelo, ou seria um cocar. Alguns acompanhados de tronco e membros. Outros soltos no ar, sem corpo. Todos expressivos, em- bora sem interagir entre si. A sucessão de cabeças forma mais um mosaico do que uma cena. Bichos por perto, aparentemente não há. Quem sabe, no máximo, um peixe estilizado ao lado de uma cara feliz. Afinal, o rio Cajueiro, um dos afluentes do Amazonas, corre ali ao lado. É difícil interpretar as gravuras rupestres de Boa Vista, um dos sete sítios pré-históricos de Prainha, município do noroeste do Pará.

Redigidos em linguagem simples, acessível a não-especialistas, dois livros recentes, dos quais se extraíram as imagens acima descri- tas, dão tratamento de protagonista para a arte rupestre nacional. Em outras obras, esse tipo de vestígio arqueológico raramente ultrapassa a condição de coadjuvante de fósseis de animais ainda mais antigos, de artefatos ou mesmo de esqueletos do Homo sapiens. A primeira cena, uma pintura cheia de movimen- to e cor, faz parte de Imagens da Pré- história - Parque Nacional Serra da Pintura na Serra da Capivara, trabalho da francesa Anne- Capivara: parque no Marie Pessis, professora da Universi- Piauí tem 600 sítios dade Federal de Pernambuco (UFPE) com arte rupestre

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Pintura encontrada no sítio Toca da Entrada do Baixão da Vaca, no Piauí: ritual de figuras humanas e mascarados

e diretora científica da Fundação Museu do Homem Americano (Fumdham), entidade de pesquisa, sem fins lucrativos, que administra o parque federal ao la- do do Instituto Brasileiro do Meio Am- biente e dos Recursos Naturais Renová- veis (Ibama). A segunda, uma gravura mais estática e sem tinturas, consta do tí- tulo Arte rupestre na Amazônia - Pará, de Edithe Pereira, pesquisadora do Mu- seu Paraense Emílio Goeldi, de Belém.

A s publicações mostram a di- /% versidade de técnicas, for- L^k mas e temas exibidos pela /m atividade gráfica pré-his-

^L. JL. tórica em duas áreas do território nacional, o Nordeste e a Ama- zônia. "As pinturas rupestres são uma porta de entrada para o conhecimento da vida na Pré-história, mas devem ser observadas com um olhar que permita ir além do mostrado, sem interpretações infundadas", escreve Anne-Marie. "Os grandes temas que preocupam a socie- dade atual são, em parte, os mesmos que preocupavam as populações em épocas pré-históricas." Editado no final do ano passado pela Fumdham, com patrocí- nio da Petrobras, o livro sobre os sítios arqueológicos da Serra da Capivara é uma viagem fartamente ilustrada e tri- lingüe - escrita em português, francês e inglês - ao mundo perdido dos anti- gos habitantes que, um dia, ocuparam os 130 mil hectares do parque.

Lançado em abril deste ano, o título a respeito da arte rupestre na Amazônia é uma co-produção do Museu Goeldi e da editora da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp), com patrocínio da Mineração Rio do Norte. Na obra, são inventariados 111 sítios com arte rupes- tre, em especial gravuras, no Pará. Nada mau para um estado (pré-) historica- mente associado à produção de cerâmi- cas, como a marajoara. "Diante da bele- za da cerâmica paraense, a arte rupestre foi deixada de lado por muitos pesqui- sadores, que nem citavam a sua exis- tência em trabalho", afirma Edithe, que, após a conclusão do livro, obteve infor- mações sobre mais 15 sítios com pintu- ras e gravuras da Pré-história no Pará.

A atividade gráfica nos primórdios da humanidade, basicamente desenhos pintados ou gravados sobre pedra por povos do passado distante, está presen- te em todos os continentes, com exceção da gélida Antártida. Alvo tanto de estu- dos de pesquisadores como da curiosi- dade de turistas, as grutas de Lascaux, na França, e de Altamira, na Espanha, são famosas mundialmente por abrigar esse tipo de patrimônio cultural da hu- manidade. A caverna de Chauvet, tam- bém na França, descoberta apenas em 1994, apresenta pinturas de cavalos fei- tas há 30 mil anos. São os mais antigos desenhos de que se tem notícia. De di- mensão quase continental, o Brasil é rico em arte rupestre de norte a sul, de

leste a oeste. "Os sítios com arte pré-his- tórica acompanham a adaptação do homem ao meio e variam com ele", diz Pedro Ignácio Schmitz, da Universida- de Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), em São Leopoldo, Rio Grande do Sul. "Aparecem no território brasileiro des- de o início de sua ocupação."

Patrimônio da humanidade - Além da Amazônia e do Nordeste, há grafismos pré-históricos nas regiões Sul e Centro- Oeste, como atestam pinturas e gravu- ras encontradas, por exemplo, em Ser- ranópolis e Caiapônia (Goiás) e em São Pedro do Sul (Rio Grande do Sul). No Sudeste, esse tipo de vestígio arqueoló- gico é comum só em Minas Gerais - São Paulo é pobre em arte rupestre. Ape- sar da abundância de grafismos, só há duas ou três décadas o país passou a olhar com mais carinho e rigor cientí- fico os traços primordiais deixados pe- los seus mais remotos antepassados. Em território nacional, a maior concen- tração conhecida dessa antiga manifes- tação cultural encontra-se no interior do Parque Nacional Serra da Capivara, con- siderado Patrimônio Mundial pela Unes- co (órgão das Nações Unidas dedicado à cultura) desde 1991. Estima-se que ha- ja cerca de 60 mil figuras pintadas (ou gravadas) no parque.

Numa região inserida no chamado Polígono das Secas, onde a caatinga en- contra o cerrado e não faltam chapa-

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r

Arte rupestre em Goiás iacima) e no Rio Grande do Sul (á esq.): estilos diferentes

das, a unidade de conservação é a mo- rada de mais de 700 sítios arqueológi- cos. "Em cerca de 600 há arte rupestre, em especial pinturas", diz a arqueóloga Niède Guidon, diretora-presidente da Fumdham, que enfrenta constantes di- ficuldades financeiras para manter o parque e desenvolver a região. "São mi- lhares de figuras que formavam um sis- tema gráfico de comunicação, um dos primeiros a ser criado no mundo." A maior parte da arte rupestre de São Rai- mundo Nonato se encontra em abri- gos sobre rochas, locais com paredes relativamente protegidas da ação das intempéries. Essa característica, soma- da ao atual clima semi-árido, atuou a favor da preservação das marcas feitas pelos primeiros habitantes da região.

O s arqueólogos costumam agrupar pinturas e gra- vuras pré-históricas de estilo e temática seme- lhantes, feitas muitas ve-

zes com a mesma técnica, numa uni- dade artística denominada tradição. A mais antiga e complexa tradição de arte rupestre brasileira é a Nordeste, caracterizada por pinturas de cenas e acontecimentos que sugerem movi- mento, com homens (de no máximo 15 centímetros) interagindo entre si ou com animais. É um tipo de pintura com alta carga narrativa. São desenhos geralmente em tons vermelhos, às ve- zes com algum amarelo e eventualmen- te outras cores, que retratam cenas de caça, de dança, de sexo. Uma represen- tação clássica da tradição Nordeste é a de um conjunto de homens em torno de uma árvore, como se estivessem pres- tando uma reverência ao vegetal. Se- gundo alguns pesquisadores, essa, di- ríamos, escola pictórica surgiu há 23 mil anos, talvez antes, e foi praticada até pelo menos 6 mil anos atrás. Seu epicentro foi a área hoje ocupada pelo Parque Nacional Serra da Capivara, de onde se irradiou para outros estados do Nordeste e porções do Centro-Oes- te e norte do Sudeste. "As tradições não obedecem às fronteiras administrati- vas atuais", afirma o pesquisador André Prous, do Museu de História Natural da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que estuda arte rupestre em várias regiões mineiras, como a Serra do Cipó, Diamantina e Lagoa Santa, e em outros estados.

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Obra editada pelo Museu Goeldi e Unesp faz

inventário de 111 sítios paraenses com grafismos pré-históricos, sobretudo

gravuras (à dir.)

A pesar de predominante, a tra- i^k dição Nordeste não é a úni- L^^ ca presente na Serra da Ca-

È m pivara. Outra importante .^L. JL. tradição, também mostra- da nas páginas de Imagens da Pré-histó- ria, é a Agreste, de origem provavel- mente mais recente, de 9 mil anos atrás. Em alguns sítios do parque, como a Toca da Entrada do Baixão da Vaca e as Tocas da Fumaça I, II e III, desenhos dessa es- cola se sobrepõem ao da unidade artís- tica Nordeste. Na tradição Agreste, me- nos refinada que a Nordeste, quase não há cenas narrativas e as figuras, em geral homens, são maiores e estáticas. Os úni- cos acontecimentos retratados que de- notam algum movimento são as pin- turas de caçadas. Essa escola menos rebuscada de arte rupestre surgiu pro- vavelmente na margem pernambuca- na do rio São Francisco, local de clima mais ameno do que o sertão do Piauí. Os pesquisadores acreditam que essa linha de pintura desapareceu há 2 mil anos. Outra tradição encontrada esporadica- mente no parque é a Geométrica, que, como o nome sugere, produz grafismos mais abstratos, geralmente com linhas tracejadas, e seria originária da Bahia.

Nominar autores da arte rupestre é virtualmente impossível. Os desenhos são produções coletivas, comunitárias e anônimas. Podem ter sido executados por membros de uma ou de várias cul- turas que habitaram, de maneira con- comitante ou não, uma região. Então a presença de dois estilos de arte rupestre num mesmo sítio arqueológico signifi- ca o quê? Que dois povos distintos, com habilidades gráficas díspares, viveram ali em momentos diferentes do passado re- moto? Ou que diversas gerações de uma mesma cultura acabaram desenvolven- do formas novas de utilizar pigmentos minerais (dissolvidos ou não em água) para desenhar nas rochas? É difícil di- zer. "Uma tradição pode ser a expressão de uma etnia, mas também de várias", pondera Prous.

Mais tortuosa ainda é a busca pelo significado dos desenhos da Pré-histó- ria. Em Arte rupestre na Amazônia - Pa- rá, Edithe Pereira rememora as princi- pais tentativas de análise da arte rupestre na região Norte feitas por pesquisado- res e alguns viajantes. Entre o século 17 e o final do 19, essa forma de manifes- tação cultural em território amazônico foi alvo mais da curiosidade de aventu-

reiros que da exegese rigorosa de cien- tistas. No século 20, alguns especialistas mais sérios, mas preconceituosos ou fan- tasiosos, exploraram novos sítios ar- queológicos e opinaram sobre o tema.

Ócio indígena - Depois de percorrer o rio Negro e observar as suas gravuras, o etnólogo alemão Theodor Koch-Grün- berg sentenciou, numa obra escrita em 1907, que os grafismos não queriam di- zer nada. "Ele disse que eram resultado, única e exclusivamente, do ócio indíge- na", diz a pesquisadora do Museu Emí- lio Goeldi. Desenhos pré-históricos en- contrados em outras partes do globo também foram alvo desse tipo de co- mentário. Na década de 1930, um par- tidário da idéia de que gregos e fenícios estabeleceram colônias no Brasil e na América do Sul, Bernardo de Azevedo da Silva Ramos, "traduziu" para o por- tuguês uma série de sinais "escritos" em gravuras e pinturas rupestres. Silva Ra- mos comparou os traços presentes na arte pré-histórica com as letras de anti- gos alfabetos e, assim, "decifrou" a voz esculpida nas rochas.

A partir dos anos 1950, o interesse pela arte rupestre amazônica refluiu em

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Page 83: A arte na Pré-história do Brasil

Livro mostra os estilos de arte rupestre do sertão do Piauí e, em menor escala, do Seridó, no Rio Grande do Norte (â esq.)

favor de trabalhos que passaram a explo- rar a espetacular cerâmica marajoara e tapajônica. Mas, quando começou a es- tudar a atividade gráfica de povos pré- históricos na Amazônia, no fim da dé- cada de 1980, Edithe percebeu que havia muito o que ser pesquisado no Pará.

Depois de vasculhar a lite- ratura sobre o tema, em- preender viagens a sítios já conhecidos e descobrir novos locais com antigas

representações pictóricas, a arqueólo- ga reuniu informações sobre 111 pontos do estado onde os índios da Pré-histó- ria deixaram suas marcas. São 77 sítios com gravuras, 29 com pinturas, 4 com gravuras pintadas e somente 1 com gra- vuras e pinturas. A maior parte dos gra- fismos produzidos no Pará não se en- contra em cavernas ou abrigos sobre rochas, como acontece no Nordeste e em outras partes do país. Está situado em rochas que surgem ao longo do curso dos rios, locais que, às vezes, ficam sob as águas seis meses por ano. A maior concentração de sítios - 37 com gravu- ras e 2 com pinturas - fica na bacia do rio Trombetas, no noroeste do estado.

Em termos estilísticos, a arte rupes- tre no Pará, em especial em sua porção norte-noroeste, acima do rio Amazo- nas, pouco tem a ver com as pinturas e gravuras de outras partes do Brasil. As figuras humanas, e com menor freqüên- cia de animais, são representadas qua- se sempre de forma estática, sem que seja possível identificar a representação de cenas. "As gravuras rupestres dessa região se assemelham mais às que en- contramos nos demais países amazô- nicos", afirma Edithe. Há o predomínio de figuras humanas, com cerca de 50 centímetros de tamanho, às vezes só a cabeça, em outras também há o corpo. Alguns rostos entalhados parecem conter expressões de alegria ou triste- za. Existem também gravuras de mu- lheres, aparentemente grávidas. Até ho- je é um desafio situar no tempo essas representações. No Pará, apenas um sítio pré-histórico foi alvo de datação. No início dos anos 1990, a arqueóloga norte-americana Anna Roosevelt esti- mou em 11.200 anos as pinturas rupes- tres da Gruta do Pilão, também chama- da Gruta da Pedra Pintada, na região de Monte Alegre, no baixo Amazonas. A idade do sítio, demasiado antiga segun-

do alguns pesquisadores, é alvo de po- lêmica até hoje.

Aliás, controvérsia não falta quan- do o assunto é determinar a idade de amostras de arte rupestre. Amparada por datações feitas com os métodos do carbono 14 e termoluminescência, a equipe de Niède Guidon sustenta que algumas pinturas da Serra da Capivara, no Piauí, foram realizadas 48 mil anos atrás. Ao lado de restos de fogueiras pré-históricas, igualmente antigas se- gundo Niède, a arte rupestre do Nordes- te seria a prova de que o homem chegou à América antes do que se pensa. É uma afirmação que se choca com uma das idéias mais difundidas pela arqueologia tradicional, a de que o Homo sapiens chegou à América há cerca de 12 mil anos. "Os europeus aceitam essas da- tações", diz a diretora-presidente da Fumdham. "Alguns norte-americanos, não." Como se vê, na América, a arte rupestre pode ser mais do que uma for- ma de pré-escrita dos povos pré-histó- ricos, mais do que um dos primeiros le- gados culturais da humanidade. Pode ser a chave para se saber quando o ho- mem fincou pé no último continente colonizado por nossa espécie. •

PESQUISA FAPESP 105 ■ NOVEMBRO DE 2004 ■ 85

Page 84: A arte na Pré-história do Brasil

I HUMANIDADES

Mario de Andrade, por Anita Malfatti, e Clarice Lispector: literatura pode ser quase bolsa de valores

LITERATURA

Companheiro de viagem Estudo discute razões para se aventurar nos romances brasileiros

JOSé CASTELLO

Page 85: A arte na Pré-história do Brasil

Por que é importante ler os romances brasileiros? E como escolher as melhores portas de entrada para seu complexo universo? Essas

perguntas acabam de receber estimu- lantes respostas da crítica e professora da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Marisa Lajolo. Como e por que ler o romance brasileiro, livro da co- leção "Como e por que", da editora Ática, torna-se, de imediato, uma es- pécie de guia não só para os leitores de primeira viagem, mas também para aqueles acostumados a circular por nossa ficção.

"Tenho a maior dificuldade em dar receitas universais", adverte Marisa. "Re- comendar livros, mesmo para quem a gente conhece, nem sempre dá certo, o que dirá para quem a gente não co- nhece!" De fato, o mundo da leitura - exercício íntimo, experimentado em recolhimento e silêncio - é regido pelo particular. Muitos fatores ajudam a explicar por que gostamos de um li-

vro, e não nos interessamos por outro, e, ainda assim, nenhum deles, e nem mesmo sua soma, chega a explicar es- ses dois fatos.

Por que alguns preferem Guimarães Rosa, e outros Clarice Lispector? Por que o grupo de leitores entusiasmados de Graciliano Ramos nem sempre é o mes- mo daqueles que devoram, com o mes- mo fervor, a obra de Machado de Assis? Existem respostas para essas perguntas? Se não existem explicações prontas, es- sas divergências servem, ao menos, para deliciosos exercícios intelectuais. É a eles que Marisa Lajolo se entrega.

"Acho muito interessante discutir o que o tal leitor sem hábito de leitura leu ou o que ele não leu. E por que leu o que leu e por que não leu o que não leu", diz Marisa. De fato, são muitos os mo- tivos que levam um leitor a ler um ro- mance: a opinião de amigos, a atração por um título, o ato de abrir um livro ao meio e ao acaso, dar uma espiada enviesada numa livraria... Maneiras, in- certas, de, como Marisa sugere, "deci-

dir, enfim, se o livro tem alguma coisa a lhe dizer".

Marisa, é claro, tem sua seleção pes- soal de livros prediletos. "Vou respon- der montando uma estante marota, só de autores falecidos e que foram im- portantes em minha história de leitu- ra", ela explica. E, assim, chega a uma lista de onze títulos: A moreninha, de Joaquim Manuel de Macedo, Iracema, de José de Alencar, Dom Casmurro, de Machado, São Bernardo, de Graciliano Ramos, A chave do tamanho, de Mon- teiro Lobato, Grande sertão: Veredas, de Rosa, O tempo e o vento, de Erico Verís- simo, Gabriela, cravo e canela, de Jorge Amado, Quarup, de Antônio Callado, A hora da estrela, de Clarice, e Memorial de Maria Moura, de Rachel de Queiroz.

Bolsa de valores - Uma lista respeitável - mas nem por isso imune às interfe- rências dos elementos pessoais. "Se eu tivesse que disfarçar o personalismo da seleção, embrulharia a lista no argu- mento da recepção. São obras que sem-

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Page 86: A arte na Pré-história do Brasil

pre tiveram muitos leitores, que foram reescritas em diferentes linguagens e que, acho, ainda têm coisas a dizer aos brasileiros de hoje." O fato é que, como diz Marisa, a literatura é uma espécie de bolsa de valores, em que títulos e as- sinaturas sobem e descem, sem que se possa entender claramente os motivos. Mas quase sempre que autores são res- gatados, ou valorizados, isso se faz em causa própria, ela alerta - para que se- jam proclamados precursores disso ou daquilo, "para conferir a patina do tem- po a um determinado traço literário". É um jogo, o literário, que ninguém pra- tica ingenuamente.

Marisa reconhece que, ela também, para escrever seu Como e por que, se submeteu a essa lógica do resgate. Em seu caso, tentando prestigiar nomes como Paulo Setúbal e Coelho Neto, "escritores que foram lidíssimos em seu tempo, mas que hoje são completa- mente desqualificados pelos estudos li- terários". Ela admite ainda que é sem- pre mais difícil falar da produção do presente: no calor da hora, um conjun- to de obras é sempre incompreensível. Com o passar do tempo, a crítica literá- ria procura agrupar e gerenciar esses li- vros, classificando-os em "escolas lite- rárias", "estilos", "gerações", "ismos". São tentativas, dignas - mas não definitivas.

Mas, então, como ensi- nar literatura? Marisa imagina um curso ideal, "meio como se diz que Sócrates ensi-

nava", quer dizer, ensinar passeando de- vagar com os alunos, discutindo leituras, declamando poesia. Mas, reconhece, o ensino de literatura sempre se compro- mete com algum tipo de sistematização. A seu ver, todas se eqüivalem. O que im- porta, mesmo, é se o professor é um lei- tor "maduro, experiente e apaixonado".

O romance é o gênero da versatili- dade. "Abrange tanto livrões maravilho- sos e difíceis quanto livrinhos igual- mente maravilhosos, porém simples e diretos, que todo mundo lê e comenta", diz. Talvez por isso o romance represen- te, melhor que qualquer outro gênero, a arena na qual mais se manifestam os de- sencontros entre o grande público e a

crítica. "Escrevi meu livro com um olho em cada área, tentando levar o leitor a cobrir todo o campo e conhecer as jo- gadas ensaiadas dos dois times", ela ad- mite. Diferentes romances ajudam na construção de diferentes imagens do Brasil. E há sempre novas imagens a criar, novas perspectivas a descortinar.

Mas, ainda assim, Marisa Lajolo acre- dita que o romance não nasceu para ser ensinado em escolas e para cair em exa- mes. "Muito pelo contrário, o romance parece ter nascido como alternativa às produções escritas, eruditas e sérias, inacessíveis à grande maioria dos lei- tores." Contudo, com o tempo, ele foi abocanhado pela escola, "correndo o risco de perder o lance de emoção e en- volvimento". Marisa dá um exemplo: a informação de que São Bernardo, de Graciliano, é um romance "metalin- güístico", como os críticos costumam defini-lo, é mais relevante do que a ex- periência dramática que a leitura do romance oferece a seus leitores? Não é. Ainda assim, com a sistematização do ensaio, a perspectiva do prazer da leitu- ra fica em segundo plano. É essa a bar- reira que o leitor deve ultrapassar.

Marisa Lajolo não está sozinha em suas avaliações, parte significativa dos

romancistas e críticos brasileiros con- corda com ela. "É importante ler o ro- mance brasileiro porque é toda a nossa vida, nossa história, nossa língua e lin- guagens muito próprias que passam por ele", avalia, por exemplo, o roman- cista Sérgio SanfAnna. E só por isso: no mais, é ler e encontrar suas próprias razões. "Por que ler o romance brasilei- ro? Porque ele fala de uma realidade que conhecemos", faz coro o romancis- ta Ignácio de Loyola Brandão. "Mostra personagens que estão em torno de nós, nos são familiares, amigos. Sabemos a linguagem, os códigos, nos sentimentos próximos." Porque nos ajuda a enten- der quem somos.

Embate - Muitas vezes, admite Loyola, é incrível perceber que somos nós, brasileiros, que estamos ali naquele romance. Por isso, ele acredita que "o romance brasileiro pode nos ajudar a entender o nosso modo de viver, de ser e de pensar". Ler romances já é apren- der - e, por isso, o leitor não precisa ser um especialista, não precisa apren- der a ler. Cada leitor se faz sozinho, no embate silencioso com os livros. Ainda assim, Loyola pensa que o caminho de entrada no mundo do romance brasi-

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leiro deve começar pelos romancistas contemporâneos. Ele coloca Erico Ve- ríssimo logo na primeira posição, e em seguida Jorge Amado, mas logo depois vêm nomes como Lygia Fagundes Tel- les, Dalton Trevisan, Antônio Torres, Moacyr Scliar e Salim Miguel, entre- meados com nomes obrigatórios co- mo Graciliano, Zé Lins, Callado, Ra- chel, Mario e Oswald de Andrade, Cornélio Pena. É, sempre, uma lista in- terminável, mesmo quando o leitor se pauta, unicamente, por seus padrões pessoais. De qualquer modo, Loyola acredita que um autor como Guima- rães Rosa deve ser guardado, de prefe- rência, para depois. "Só depois, eu le- ria o Rosa, porque acho que ele precisa de toda essa preparação."

É preciso, sempre, fazer escolhas, e depois acreditar nelas, ou o leitor se perderá. "Dostoievski costumava dizer que todos os escritores russos eram her- deiros de Gogol", compara o romancis- ta pernambucano Raimundo Carrero. "Nós podemos assegurar que somos todos filhos de Machado de Assis." Mes- mo quando a escolha, como essa, tende à unanimidade, ainda assim é preciso certa prudência. Carrero, porém, tende a achar que a simples existência de Ma-

Jorge Amado (esq.) e Machado de Assis: na lista dos livros prediletos de Marisa Lajolo

chado é uma razão suficiente para a lei- tura de romances brasileiros. "É uma razão forte demais", ele enfatiza. No sé- culo 20, destaca a vitalidade, em parti- cular, de dois movimentos: o Modernis- mo e o Regionalismo. "Eles geraram, entre outros, romances como Macu- naíma, Vidas secas e Fogo morto''

Raimundo Carrero recor- da, ainda, uma declara- ção do grande escritor mexicano Juan Rulfo, autor de uma obra míni-

ma, mas fabulosa, segundo a qual o Brasil tem uma literatura superior à norte-americana. Para entender o peso dessa opinião, basta lembrar, por con- traste, que os Estados Unidos são o país de Hemingway, Faulkner e Fitzgerald. Mas, Carrero contrapõe, a tradição fic- cional brasileira produziu nomes como Guimarães Rosa, Clarice Lispector, Os- man Lins e Autran Dourado, ao lado de quem faz questão de colocar Erico Verissimo e o em geral esquecido Dyo- nélio Machado, além de Lima Barreto e Alencar. Na segunda metade do sécu- lo 20, Carrero escolhe os nomes de Ig- nácio de Loyola Brandão, João Ubaldo Ribeiro, Adonias Filho, Rachel de Quei-

roz e João Antônio. E ainda Antônio Torres, João Gilberto Noll e Sérgio Sant'- Anna. São tantos nomes, tantas esco- lhas, que toda tentativa se perde sem- pre na dispersão e na fragmentação.

Televisão - O jornalista e biógrafo Al- berto Dines, autor de Morte no paraíso, biografia de Stefan Zweig, prefere refa- zer a pergunta colocada por Marisa La- jolo e ampliá-la assim: "Como e por que ler textos brasileiros?" Dines rei- vindica a importância do ensaio, da bio- grafia, do conto e da crônica. E, numa direção contrária, reflete criticamente sobre o destino da prosa de ficção no Brasil. "A prosa brasileira está desapare- cendo, em parte por causa da academia e dos cientificismos, em parte por cau- sa dos políticos incapazes de expressar suas idéias com correção", diz. "E, aci- ma de tudo, por causa do predomínio absoluto da televisão na formação de, pelo menos, duas gerações de brasilei- ros - inclusive de muitos intelectuais entre aspas."

Dines alerta, ainda, que nem sempre as melhores coisas estão onde julgamos encontrá-las. "Li, recentemente, as me- mórias do romancista israelense Amos Oz e as considero o seu melhor roman- ce", ele exemplifica. Recorda, também, os textos preciosos que compuseram os diferentes comentários sobre Fernando Sabino, o escritor mineiro falecido em outubro. "O desabafo de Antônio Cân- dido foi tocante - ele se sente sozinho!", recorda. "Reunidos, costurados e refe- renciados, esses obituários comporiam uma espécie de biografia", sugere, mos- trando que nem sempre o que se deve ler está nos livros.

De fato, o romance brasileiro é um território inesgotável. "O Brasil é desi- gual demais, vasto demais territorial- mente, com regiões tão diversas e um abismo entre classes, o que o torna um país especial", recorda o escritor e críti- co gaúcho Paulo Bentancur. "Ele não é horizontal, como a Mongólia, é vertical - e, às vezes, até caótico. Mas isso, é cla- ro, não garante boa literatura." Bentan- cur lembra que é fácil perder-se na lite- ratura brasileira, "ela é imensa, como o país". Nem por isso devemos abdicar da aventura. •

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I HUMANIDADES

COMUNICAÇÃO

0 drama nosso de cada dia Estudo propõe que o jornalismo é a principal narrativa contemporânea

FRANCISCO BICUDO

Há quase 40 anos, o então jovem repórter Luiz Gonzaga Motta foi enviado para a cidade de São João Nepomuceno, interior de Minas Gerais, para apurar o caso de uma urubu fêmea que criava pintinhos

como se fossem seus filhotes - e, pior, eles tinham sido roubados. O jornalista conversou com moradores locais, anotou tudo o que viu e ouviu e voltou para o Rio de Janeiro com a certeza que o material renderia no máximo uma pequena nota cu- riosa. Quando abriu o Jornal do Brasil do dia 19 de novembro de 1967, tomou um susto: a reportagem sobre a mãe-urubu era a man- chete da página 21 da edição. Motta guarda até hoje o recorte de jornal em um canto especial, na gaveta da mesa-de-cabeceira. Mas confessa que ficou in- trigado: por que um assunto aparentemente tão banal conquistara tanto destaque? "O episódio redirecionou minha vida intelectual", admite.

Depois de concluir o mestrado, em 1973, na Univer- sidade de Indiana, e o doutorado, em 1977, na Universi- dade de Wisconsin-Madison, ambas nos Estados Unidos, passou a se dedicar ao estudo das narrativas. Conseguiu finalmente entender o alvoroço provocado pela matéria da mãe-urubu: o texto encantava porque era capaz de contar uma boa história e de fazer referência a dramas que estariam também relacionados a angústias huma- nas, como as questões da negritude e da maternidade. Satisfeito por ter encontrado o caminho, seguiu em fren- te. E, depois de mais de 20 anos debruçando-se sobre o tema, Motta não hesita em afirmar: o jornalismo, ativi- dade que tem suas marcas de identidade e característi- cas específicas, conquistou o status de principal e mais representativa narrativa da contemporaneidade. "É fun- damentalmente por meio dele que tomamos contato

com as histórias e personagens do mundo atual", afirma. "Mas essa supremacia traz uma série de riscos", alerta o pesquisador, que deve oficializar, ainda neste semestre, a criação do Núcleo de Estudos de Narratologia da Uni- versidade de Brasília (UnB).

Para o jornalista, que resgata idéias já presentes na Poética de Aristóteles, compreender as narrativas é im-

Polícia indicia filho portante porque são elas que nos colocam em contato com nossas próprias experiências, medos, virtudes e fraquezas, provocando efeitos catárticos e de identifica- ção e despertando sentimentos muitas vezes escondi- dos. "Quando lemos um texto e nele nos reconhecemos, somos transportados para a história", afirma. Com a oficialização do núcleo, ele pretende consolidar traba- lhos que já vêm sendo desenvolvidos pelo grupo da UnB há 12 anos, além de ampliar as linhas de investi- gação e estudo. Atualmente a equipe desenvolve qua- tro teses de doutorado, três dissertações de mestrado e mais duas pesquisas de iniciação científica, abordando temas como mídia e memória cultural, jornalismo co- mo forma de conhecimento e de mediação social e a re- presentação dos políticos nas notícias de televisão. To- dos os estudos seguem a idéia do jornalismo como uma narrativa específica, com características intrínsecas, e di- ferente, portanto, de outras formas de narrativa, como a literatura, o cinema e a história. Segundo Motta, há pelo menos quatro elementos que garantem vida pró- pria ao jornalismo.

90 ■ NOVEMBRO DE 2004 • PESQUISA FAPESP 105

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Novas evidências reforçam suspeita contra filho

■ AMíUA

VIVE

PESADELO,

DIZ MÃE

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>or morte de casal i

Page 90: A arte na Pré-história do Brasil

O primeiro deles estaria ligado à re- lação sempre conflituosa que estabe- lecemos com o tempo. Motta recorre às teorias do filósofo francês Paul Ricouer para afirmar que o jornalismo é a for- ma que o homem contemporâneo en- controu não apenas para lidar com o tempo, mas para tentar dominá-lo. Sur- giria dessa relação a sensação de apro- priação. O pesquisador lembra que, ao presentificar as ações e apresentar a idéia de que tudo está acontecendo aqui e agora - estratégia reforçada inclusive pelos verbos usados em suas manche- tes e textos -, o jornalismo preenche o tempo de conteúdo. "Passamos a orga- nizar passado e futuro a partir do mo- mento atual", explica.

Já o segundo elemento aponta o jornalismo como uma forma de expressão colocada entre a his- tória e a literatura. Isso porque, ao mesmo tempo que trabalha com a intenção de buscar a ver-

dade possível e está baseado no conhe- cimento racional, na organização lógi- ca de idéias, devendo se sustentar em fatos e documentos concretos, faz uso de recursos narrativos literários para contar suas histórias. Segundo Motta, mesmo no jornalismo que se pretende totalmente objetivo, nos textos mais áridos e frios, é possível encontrar dra- mas humanos, enredos, personagens, diálogos, conflitos, ritmo, clímax e am- bientações. Ele usa como exemplo no- tícias que tratam das taxas de juro no país. À primeira vista, poderiam ser consideradas matérias técnicas - por- tanto menos atraentes. No entanto, elas recorrem a estratégias discursivas que têm como propósito humanizar a nar- rativa - as explicações do ministro da Fazenda, o destaque para o impacto do aumento ou da queda dos juros sobre o consumo popular, a descrição da reu- nião do Comitê de Política Monetária (Copom), as críticas de políticos da opo- sição. Motta garante: não há texto jor- nalístico sem narrativa, que pode apare- cer com maior ou menor intensidade.

E, se a intenção é criar identidade e atrair a atenção do leitor, o pesquisador destaca outra das principais estratégias da narrativa jornalística: o uso do sus- pense. "Há sempre um sentido que não

se completa e que mantém acesas per- guntas como 'o que vai acontecer ama- nhã?'", destaca o professor. A explicação ajuda a compreender aquele que é con- siderado o terceiro elemento definidor - a seqüência de capítulos e episódios. Motta lembra que o início e o fim das histórias contadas pelo jornalismo são apenas mais ou menos definidos - e ja- mais estabelecidos com precisão abso- luta. Em geral, uma notícia aparece por conta de um momento de ruptura, conquistando destaque e gerando re- percussões na sociedade, até que se chega a uma situação em que se acredi- ta que ela tenha se esgotado - e o fato desaparece.

A recente invasão de uma escola em Beslam, na Rússia, por militantes sepa- ratistas chechenos, fazendo mais de mil reféns, a grande maioria crianças, ilus- tra as afirmações do pesquisador. A ocupação da escola marca a ruptura - a ordem natural dos fatos foi alterada. A partir de então, transportados para a história, passamos a acompanhar, dia- riamente, as negociações com a polícia, o sofrimento dos parentes, a invasão iminente do local para tentar libertar os reféns. Logo depois do desfecho, que re- sultou na morte de dezenas de pessoas, quando a situação volta ao normal, acaba perdendo importância e não de- mora a sumir do noticiário. "Há uma sucessão de episódios conectados en- tre si que formam a narrativa", reforça Motta. Apesar do caráter aparentemen- te aleatório - ou até mesmo autoritário - do ciclo de vida do noticiário, o pes- quisador faz questão de lembrar que a relação que as notícias estabelecem com o público não é impositiva. Resgatando as teorias de pensadores como Hans Ro- bert Jauss e Wolfgang Iser, da Univer- sidade de Constanza, no sul da Alema- nha, que falam da recepção como um ato ousado e criativo, ele garante que é o leitor quem converte textos em inter- pretações, introduzindo nele seus mar- cos de referência e a sua compreensão prévia do mundo.

Em sua análise, o pesquisador não esquece a dimensão ética da atividade - justamente o quarto e último elemen- to-chave. Motta afirma que as histórias contadas pelo jornalismo têm sempre um pano de fundo moral, que estabele-

ce lições de vida, delineia as fronteiras entre o bem e o mal, o permitido e o proibido, o belo e o feio, ajudando a consolidar valores e princípios e uma teia de tecidos e significados que garan- tem a ordem social. Estaria próximo, como define o pesquisador, das fábulas infantis, sempre preocupadas com fi- nais morais. O caso do ex-assessor de Assuntos Parlamentares do Ministério da Casa Civil, Waldomiro Diniz, é lem- brado como uma das mais recentes e importantes situações que seguem esse caminho. Para o professor da UnB, o risco se manifesta quando a narrativa jornalística utiliza sua dimensão ética de forma exagerada, extrapolando as funções da profissão e passando a ocu- par papéis que são da polícia, como acontece em casos de telefones gram- peados ou com os dossiês anônimos que chegam às redações e são publica- dos ou veiculados.

Com base nessas quatro ca- racterísticas, Motta não tem dúvidas em afirmar que o jornalismo não reproduz fatos, mas revela versões

possíveis sobre eles. A proposta contra- ria um dos mais antigos mitos que mar- cam a profissão - a idéia da neutralidade e do jornalismo como uma fotografia fiel e exata da realidade. Conhecida co- mo "teoria do espelho", e nascida nos Es- tados Unidos, no final do século 19, a te- se ainda hoje encontra respaldo tanto em redações quanto em cursos universi- tários, inclusive no Brasil. Para contes- tar essa perspectiva, Motta dialoga com autores como Eduardo Meditsch, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), que aborda a singularidade jornalística e sua capacidade de suscitar dúvidas e de estimular o espírito crítico e a produção de conhecimento; com Cremilda Medina, da Escola de Comu- nicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), que trata o jornalis- mo como a arte de tecer o presente; e também com Alfredo Vizeu, da Univer- sidade Federal de Pernambuco (UFPE) que classifica a notícia como uma cons- trução social da realidade e apresenta o jornalismo como um saber explicativo.

Ao reforçar a supremacia conquis- tada pela narrativa jornalística e desta-

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Page 91: A arte na Pré-história do Brasil

car o espaço que ocupa nas sociedades atuais, o pesquisador afirma que ela pode ser vista como uma espécie de herdeira do teatro grego, que, na Anti- güidade, era o responsável por explici- tar e levar para os palcos tragédias e co- médias da humanidade. Já na era da globalização, as conquistas e os confli- tos são narrados pelo jornalismo - e é por meio dele que promovemos a nos- sa catarse moderna. Da guerra contra o Iraque às eleições municipais no Brasil, do debate sobre células-tronco e clona- gem à discussão sobre a taxa de juros, do Protocolo de Kyoto à alta dos preços do petróleo - os mais diversos assuntos só parecem ganhar significado e exis- tência concreta quando publicados pe- los jornais ou veiculados pelas rádios, TVs e internet. Para Motta, a experiên-

futilidades e fofocas. "São idéias hege- monicamente vigentes na sociedade, in- dependentemente de sua real pertinên- cia no contexto histórico", completa.

A fragmentação e a superficia- ã^k lidade, outras características / ^k do jornalismo contemporâ- /m neo, ajudam a compor um

^L, -A_ cenário ainda mais peri- goso. A preocupação maior das notícias é com o factual, o imediato e o parcial, e a ausência de contextos, de causas e con- seqüências e de explicações leva a uma apreensão muito frágil e desconectada da realidade. "Enxergamos apenas a pon- ta do iceberg, compara Motta. O gran- de risco, segundo o pesquisador, seria a formação de sujeitos alienados e atomi- zados, incapazes de estabelecer relações

Testemunha com medo Guarita do vigia que diz ter visto Gil Ruçai sair da casa do pai foi queimada.

•Ele quer passar a palavra de Deus na prisão'

cia de ler, ver ou ouvir notícias se trans- formou em um ato ritualístico que se repete diariamente. É a maneira que encontramos para manter contato per- manente com a realidade. "A história que fica é a jornalística", reforça.

Raquel Paiva, coordenadora do pro- grama de pós-graduação da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (ECO-UFRJ), concor- da com o professor da UnB e diz que é o jornalismo quem nos aponta os fatos que seriam importantes, dizendo quais os assuntos que merecem ser conheci- dos e os que podem ser descartados. Ela chama a atenção, no entanto, para um dilema mais do que perigoso: algumas das marcas principais da atual atividade jornalística são a velocidade de produ- ção e a rapidez de circulação, que se es- tabelecem com sérios prejuízos para a qualidade da informação. "A volatilida- de favorece o erro e o discurso do senso comum, que acaba por reforçar estereó- tipos, preconceitos e exclusões" adverte a professora, que também estuda as nar- rativas desde meados dos anos 1980. Ela cita como exemplo a imagem que muitas vezes o jornalismo constrói da mulher, como alguém que estaria ape- nas preocupado com a aparência e com

e de compreender a complexidade das situações, e sem o repertório necessário para participar das discussões públicas. A linguagem de videoclipe anestesia e paralisa. O conflito árabe-israelense pa- rece ser sintomático dessa situação: sa- bemos que há ataques militares e de ho- mens-bomba acontecendo diariamente, mas será que conseguimos compreen- der de fato as razões de tanto ódio e as histórias desses dois povos?

Como contraponto à fragmentação, Raquel sugere a necessidade de cons- trução do que chama de narrativas in- clusivas - capazes de ir além do factual, de oferecer detalhes e descrições e de in- centivar a reflexão, promovendo assim a democratização do conhecimento. Seria o resgate da reportagem de mais longo fôlego, da narrativa em profundidade e do jornalismo interpretativo - aquele que oferece o maior número possível de re- lações e de informações ao público, sem escorregar nas opiniões ou no sectaris- mo e na parcialidade. Motta sugere que outras narrativas - história, literatura, cinema - se juntem à jornalística para ajudar a compor realidades mais com- plexas e menos impositivas. "O jornalis- mo é uma narrativa importante", refor- ça. "Mas não é a verdade absoluta." •

ca

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Page 92: A arte na Pré-história do Brasil

RESENHA

Um majestoso marquês Reedição recupera brilho da biografia de Pombal

TIAGO C. P. DOS REIS

MIRANDA

Nove anos depois de voltar do Pará, onde vivera des-

de formado, com grande sucesso, e iniciara carrei- ra de homem de letras, João Lúcio de Azevedo publicou em Lisboa O Marquês de Pombal e a sua época. Nota prelimi- nar de duas páginas esclarecia que se tratava de uma obra infensa a polêmicas. Pela análise de do- cumentos originais, ultimamente acrescidos de testemunhos do próprio Marquês, em cartas e no- tas particulares, apresentava-se como versão "algu- ma vez porventura" diversa dos "fatos, quais se passaram", embora, decerto, comprometida com a verdade: "A verdade histórica, que é realmente a verdade crítica".

Gestava-se então no país um outro regime. E como Pombal há muito se impunha entre os exem- plos dos republicanos, o livro editado teve uma ven- da expressiva. Treze anos mais tarde, ao comentar com Capistrano as peripécias de nova edição, o próprio João Lúcio adiantava que, para além do que dera a Antônio Sérgio, para matriz, só possuía o exemplar que utilizava. Em caso de necessidade, muito difícil seria alcançar um terceiro, sendo es- gotado o estoque da Livraria de A. M. Teixeira, e não se encontrando nos alfarrabistas nenhuma outra cópia.

A nova edição acabou por sair no Rio de Janei- ro em meados de agosto de 1922. Com patrocínio da Seara Nova e da Renascença. A essa altura, o seu autor era também conhecido por uma série de ou- tros trabalhos, quase todos clássicos já à nascença, como Evolução do sebastianismo, História de Antô- nio Vieira e História dos cristãos-novos. Juntavam- se a eles diversos artigos de erudição, em várias revistas, de que merece destaque o Boletim de 2a

classe da Academia das Ciências de Lisboa. Anos de- pois, sairiam também as Épocas de Portugal econô- mico: para alguns, sua maior obra-prima.

Surge agora em São Paulo o ambicioso projeto de reeditar todos os títulos autônomos desse notá- vel representante da historiografia portuguesa, ou, mais propriamente, luso-brasileira. E O Marquês de Pombal e a sua época é o volume que marca o ar-

0 Marquês de Pombal e a sua época

João Lúcio de Azevedo

Alameda / Cátedra Jaime Cortesão

400 páginas / R$ 54,00

ranque da iniciativa. Exis- tem detrás dessa escolha ra- zões institucionais, ligadas à programação acadêmica de uma entidade atualmente mantida com o concurso do Instituto Camões, do Minis- tério dos Negócios Estran- geiros de Portugal: a Cátedra Jaime Cortesão. A partir de meados do mês de novem-

bro, tanto na Universidade de São Paulo (USP) como

na Pinacoteca do Estado e no Museu do Ipiranga, vão ocorrer debates e exposições em torno do novo papel que o governo d'el-rei d. José reconheceu a São Paulo, sobretudo a partir do governo do Mor- gado de Mateus. Permanecendo, porém, ainda hoje, como uma espécie de referência obrigatória entre especialistas do século 18, e tendo interesse prova- do para leitores de outras áreas ou simples aman- tes de boa prosa, O Marquês de Pombal e a sua épo- ca dificilmente é uma aposta arriscada.

Neste novo volume, todo o trabalho denota cui- dado e muito bom gosto. A mancha das páginas é agradável e o tamanho adotado convida à leitura na palma da mão.

O personagem que serve de tema surge na capa com os irmãos que o ajudaram a fazer fortuna: Paulo de Carvalho e Ataíde, sacerdote da Igreja Pa- triarcal, e Francisco Xavier de Mendonça Furtado, secretário de Estado dos Negócios Ultramarinos. Abraçam-se os três num oito deitado - sinal de in- finito -, como que a representar as grandes virtu- des da união.

Outra gravura marcante se encontra no termo da obra, por contraponto a esse retrato encomen- dado para o futuro: A expulsão dos jesuítas, de Ra- fael Bordalo Pinheiro - onde nos ombros do ma- jestoso marquês repousa a cabeça do Zé Povinho. Amigo chegado de Columbano, talvez João Lúcio se divertisse com essa sátira. Aos nossos olhos, ela relembra também a duradoura eficácia da sua obra na desmontagem de idéias-feitas.

TIAGO C. P. DOS REIS MIRANDA é doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP) e pesqui- sador do Centro de História da Cultura da Universi- dade Nova de Lisboa

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Page 93: A arte na Pré-história do Brasil

LIVROS

Freud: a presença da antigüidade clássica

Ana Lúcia Lobo Associação Editorial Humanitas/ FAPESP 332 páginas / R$ 30,00

A partir do estudo aprofundado da bibilioteca particular de Freud,

incluindo-se todas as anotações e grifos feitos pelo pai da psicanálise neles, a pesquisadora quis averiguar a ligação fundamental entre os seus estudos e descobertas e as suas leituras sobre textos da antigüidade clássica. O que surge é um painel fascinante de como boa parte das conclusões que levaram à criação da psicanálise derivam dessas suas buscas pela cultura dos gregos e romanos.

Associação Editorial Humanitas (11) 3091-2920 www.fflch.usp.br/humanitas

Um moralista nos trópicos: o Visconde de Cairu e o Duque de Ia Rochefoucauld

Pedro Meira Monteiro Boitempo 328 páginas / R$ 42,00

A obra restabelece o diálogo entre o Visconde de Cairu e o autor francês das Máximas. Assim podemos colocar frente a frente um dos fundadores do Império brasileiro e o cínico espectador da decadência da aristocracia francesa moderna. Entre os dois, em comum, o conservadorismo como ideal. Mas com base também, já que se colocava diante de ambos o dilema de erguer uma sociedade e depois mantê-la, contendo "desvios" de conduta.

Boitempo Editorial (11) 3872-6869 www.boitempo.com

Nascimento da antropologia cultural: a obra de Franz Boas

Margarida Maria Moura Editora Hucitec 400 páginas / R$ 65,00

Nascido em 1883, na Alemanha, Franz Boas, após uma viagem ao Canadá, escreveu um artigo que virou o destino da antropologia. Ao criticar o método evolucionista vitoriano, lançou as bases para a uma nova antropologia, que deixava de ser feita nos gabinetes para se desenvolver no trabalho de campo. Entre os seus vários discípulos, mesmo indireto, está o nosso Gilberto Freyre.

Editora Hucitec (11) 3060-9273 www.hucitec.com.br

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PRODUÇÃO

- DO BRASIL -1 1

Grandesertao.br Willi Bolle Duas Cidades / Editora 34 480 páginas / R$ 44,00

Um especialista na literatura rosiana, o professor de literatura alemã da Universidade de São Paulo, Willi Bolle, consegue a proeza

de trazer uma nova luz ao mais estudado dos textos de Rosa, Grande Sertão: Veredas. Para Bolle, o clássico pode ser lido como uma reescrita crítica de Os Sertões, de Euclides da Cunha, e, dessa forma, o pesquisador consegue inserir a obra de ficção em meio a todo o manancial de grandes estudos de interpretação do Brasil, entre esses, os estudos de Freyre, Sérgio Buarque de Holanda, Caio Prado Jr., Faoro, Celso Furtado e, entre outros, Antônio Cândido.

Livraria Duas Cidades (11) 3331-5134 / Editora 34 (11) 3816-6777 www.duascidades.com.br / www.editora34.com.br

Modos de ver a produção do Brasil José Ricardo Figueiredo Autores Associados/EDUC/FAPESP 648 páginas / R$ 59,00

Baseado no conceito marxista de modos de produção, o autor traça um panorama fascinante

das várias teorizações que pretendem dar conta de como se estruturou o processo econômico e social brasileiro. Trata-se, sem dúvida, de um trabalho de fôlego, que analisa, de forma consistente, as idéias de Celso Furtado, Varnhagen, Roberto Simonsen, etc.

Educ (11) 3873-3359 www.pucsp.br/educ

A militarização da burocracia: a participação militar na administração federal das comunidades e da educação

Suzeley Kalil Mathias UNESP/FAPESP 232 páginas / R$ 35,00

Uma tema delicado tratado com seriedade nessa pesquisa sobre

como se deu a relação entre os militares e as políticas públicas, entre os anos de 1963 e 1990, ou seja, pouco antes do golpe e no fim da ditadura. É de assustar o quanto educação e comunicação atuais estão presas ao passado autoritário dos anos de chumbo.

Editora da Unesp (11) 3242-7171 www.editoraunesp.com.br

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Page 94: A arte na Pré-história do Brasil

Na fila do correio

NELSON DE OLIVEIRA

A fila das agências do correio é tão longa e arrastada que, para as pessoas não se irritarem ainda mais, f\ há cartazes espalhados por toda parte pedindo aos usuários que evitem os temas polêmicos. O

1 V aviso é muito claro: não discutam política. Não comentem a última partida da seleção brasileira. Não falem sobre o capítulo final da novela das oito, tampouco sobre a conjectura de Poincaré ou a pro- priedade ferromagnética da nanoespuma de carbono. De preferência, não abram a boca, que é para não ficarem ainda mais irritados. Essa é a mensagem dos cartazes. É pena que ninguém dê a menor bola a eles.

Não se sabe exatamente como o tumulto começou. Parece que a garota de jaqueta vermelha, com deze- nas de envelopes azuis, era secretária do matemático cuja equipe comprovara, havia poucas horas, a teoria das cordas. A senhora de vestido caqui e brincos helicoidais sentiu-se ultrajada. Ela não aceitava o resul- tado de muitas das equações da tal comprovação. Quando soube que a garota era secretária do mate- mático, começou a resmungar baixinho. Depois mais alto. Então passou a ofendê-la. Em seguida a agre- di-la. A garota teve que sair do correio às pressas.

O velhote de cavanhaque, meias roxas e colete cinza deu força à senhora de vestido caqui e brincos he- licoidais:

— Esses cientistas nunca se decidem. Ora dizem que o mundo é assim, ora dizem que é assado. — Fazem gato-sapato das nossas crenças mais queridas, sem a menor cerimônia. Sacripantas! — a se-

nhora de vestido caqui e brincos helicoidais esbravejava. — A matéria do Universo, por exemplo. Cristo Rei! Primeiro Tales disse que o ingrediente básico do Universo era a água. Depois Anaxímenes disse que era o ar. Então Heráclito disse que era o fogo. Aí vieram os atomistas dizendo que a matéria do Universo era formada da combinação mecânica e fortuita de átomos... Diabos, decidam-se!

— Depois Thomson descobriu o elétron e desmentiu a idéia do átomo indivisível — a magricela de tatuagem no ombro direito meteu a colher.

— Depois Rutherford concebeu o modelo planetário do átomo: pequenos pontos distribuídos no imenso espaço vazio. É, pequenos pontos girando em torno do núcleo. Como no sistema solar — o ve- lhote disse, antes de entregar os envelopes ao atendente.

— Depois Planck, Einstein e Bohr incorporaram ao modelo de Rutherford a hipótese dos quanta. Isso pôs fim à idéia de que o átomo seria o constituinte último da matéria — o enfermeiro de colar de madre- pérola disse, assoando o nariz num lenço de papel.

A senhora de vestido caqui e brincos helicoidais estava possessa: — Se dependesse deles, dado o imenso intervalo vazio entre os elétrons e o núcleo atômico, a gente

passaria a vida acreditando que o átomo é constituído basicamente de nada... É ou não é? Tô errada? O mundo feito de nada?!

— Lembram quando o tempo ainda era tido como uma das intuições a priori dos sentidos? Lembram? — ergueu o dedo raivoso a professora de bale com manchas nas bochechas. — Para Newton e Kant o tem- po sempre existiu. Mas para os físicos de hoje, ah, não, para essa corja o tempo é uma dimensão que pas- sou a existir a partir de determinado momento da formação do Cosmo! Outro exemplo? Essa teoria das cordas. Até há poucas horas as leis que regiam o microcosmo não faziam sentido no macrocosmo e vice- versa.

E a senhora de vestido caqui e brincos helicoidais: — É, cada lei na sua praia. Cada qual contava a sua versão da história. — Agora essa maldita teoria das cordas! — atalhou o enfermeiro de colar de madrepérola. — Mamãe, que teoria é essa? — quis saber o menino fantasiado de Homem-Aranha. — Fala baixo, Horácio. Vem cá que eu te explico. Sabe a teoria geral da relatividade? — Sei. — Sabe a mecânica quântica? — Ô, mãe! É claro! — Então. Na procura do modelo capaz de unificar as leis do macrocosmo com as do microcosmo, a

última caixinha encontrada é essa aí da teoria das cordas. Segundo essa teoria a partícula fundamental do

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Page 95: A arte na Pré-história do Brasil

Universo não se parece com um ponto, mas sim com uma linha. Ainda segundo esse modelo, as dimen- sões da realidade não são apenas quatro: comprimento, largura, altura e tempo. São dez! Sendo que as ou- tras seis são pequeníssimas, imperceptíveis aos nossos sentidos.

— Ah... Entendi. — Teorias. Teorias. Teorias — a senhora de vestido caqui e brincos helicoidais não conseguia se con-

trolar. O tumulto foi ganhando proporções assustadoras. A chamada eletrônica soava, os atendentes faziam

sinal, porém ninguém mais se dirigia aos guichês. Ninguém queria mais saber de cartas, cartões-postais ou encomendas.

— Cara, tô farto desse troca-troca! — alguém no meio do amontoado gritou. — No começo a Terra era plana. Na época de Pitágoras ela se tornou esférica e foi parar no centro do Universo. Durante treze séculos o modelo cosmológico que prevaleceu foi o geocêntrico, aperfeiçoado por Ptolomeu. Mas é claro que a alegria durou pouco. É claro que Copérnico tinha que jogar água fria na rapaziada.

— Jogou água fria? Então, pra esquentar as idéias, devia ter sido atirado na fogueira, o gajo. Que nem fizeram com Giordano Bruno.

— Bem-feito pra esse Giordano. Quem mandou mexer com o que estava quieto? — Com Copérnico a gente deixou de figurar no centro do Universo. Mas a crença de que o Sol loca-

lizava-se no centro da galáxia durou mais um tempinho. — Ah, era tão bom quando a gente estava no centro. Não entendo essa necessidade de estar fora do

centro de tudo, de descentrar-se a qualquer custo. — É a sensação de vazio. Os jovens de hoje adoram a sensação de vazio. Principalmente os matemáti-

cos. Eles adoram! O ilustrador de livros infantis: — Tudo culpa dos pré-socráticos. Foram eles, não é? Os primeiros sujeitos a explicarem a origem do

Universo e do homem, e a realidade sensível, sem lançar mão de mitos e deuses? Não adianta tentarem me enganar. Foram eles os primeiros cientistas, sim! Foram eles que deram a deixa para Ptolomeu, Galüeu, Newton, Einstein e toda a corja.

A costureira com problemas respiratórios: — Para o inferno os pré-socráticos! O entregador de pizza vesgo e meio coxo: — Para o inferno a causalidade! Para o inferno as ciências exatas! Para o inferno o pensamento lógico! As cenas que se seguiram jamais deveriam ter sido mostradas na tevê. A turba saiu em passeata e se

misturou às pessoas preocupadas apenas com abobrinha, banana e tangerina, na feira montada em fren- te ao correio. O quebra-quebra começou quando, ofendido com as declarações sem pé nem cabeça da se- nhora de vestido caqui e brincos helicoidais, o dono da barraca de ovos atirou doze deles na velha e nos seus partidários (para ele a teoria das cordas era de inestimável valor).

Se as pessoas respeitassem mais os cartazes afixados nos correios, a taxa de violência nas nossas cida- des nunca atingiria níveis tão insuportáveis.

NELSON DE OLIVEIRA é escritor e mestre em Letras pela USP. Publicou, entre outros, Naquela época tínhamos um gato, Subsolo infinito e O filho do crucificado.

PESQUISA FAPESP 105 ■ NOVEMBRO DE 2004 • 97