3-Penha (e Curato Santíssimo Sacramento Itajai) 1828-1832 - TelmoTomio
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A AURORA FLUMINENSE (1827-1828): UM ESTUDO DA RECEPÇÃO DO
LIBERALISMO DE BENJAMIN CONSTANT POR EVARISTO DA VEIGA
Lidiane Rezende Vieira1
RESUMO: Este artigo intenta recuperar o pensamento político de Evaristo da Veiga, por meio de análise de 135 artigos (1827-1828) do periódico A Aurora Fluminense, no final do Primeiro Reinado. A pesquisa tem caráter comparativo, posto que o pensamento de Evaristo é estudado à luz dos princípios políticos sustentados por Benjamin Constant. A metodologia escolhida visa restituir ao passado sua dimensão de presente. Apesar da pequena amostragem é possível afirmar o alto grau de absorção por parte de Evaristo da teoria liberal produzida na França, contudo seu liberalismo moderado mantinha olhos fitos na realidade política e social brasileira em busca da solidificação da representação nacional, da imprensa livre, da salvaguarda da Constituição, enfim de uma monarquia ordenada que assegure a liberdade e suplante o poder absoluto.
PALAVRAS CHAVE: Evaristo da Veiga, Liberalismo moderado, Soberania da nação, Liberdade, Sistema representativo.
INTRODUÇÃO
Em busca de maior valorização e compreensão dos percursos que nos fizeram
construir o Brasil atual, o presente artigo intenta resgatar Evaristo Ferreira da Veiga
(1799-1837), personagem do pensamento político brasileiro, alvo de poucas
pesquisas. A figura dele emerge como a do principal doutrinário liberal da primeira
metade do século dezenove. Trazer a lume esse ator político do Império é essencial
para compreender de que forma a transposição do Liberalismo francês sustentado por
Benjamin Constant incidiu na construção do pensamento liberal brasileiro nas
primeiras décadas do século XIX e em que medida as concepções foram absorvidas,
reformuladas ou rejeitadas.
Evaristo é apresentado como a ponte entre dois pólos, absorvendo as teorias
fabricadas e adequando-as ao seu cotidiano político e social. Entender o liberalismo
de Evaristo da Veiga é perceber sua moderação e seus objetivos no que tange à
atenuação das paixões, a manutenção da ordem, a vitória pela persuasão e a
revolução por meio da transformação dos costumes e conquista dos espíritos
1 Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP), da Universidade do Estado do Rio de janeiro
(UERJ), [email protected], mestranda em Ciência Política.
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EM BUSCA DE UMA CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA E CONCEITUAL
Iniciada a Revolução nas ruas da França em 1789, com a convocação dos
Estados Gerais e a queda da Bastilha, distintas concepções sobre a posse e prática
da soberania criaram desenhos institucionais divergentes para o Estado Francês,
dicotomia estabelecida entre monarquistas republicanos e monarquianos.
Os monarquistas republicanos descendiam do republicanismo democrático de
Rousseau, Mably e Saige, eram representados no período analisado por alguns
deputados como Isaac le Chapelier (1754-1794), Charles-Maurice de Talleyrand
(1754-1838) e Emmanuel-Joseph Sieyès (1748-1836). Em suma, eram defensores do
Legislativo como intérprete da vontade geral. Já os monarquianos, eram
representados por Pierre-Victor Malouet (1740-1814), Jean-Joseph Mounier (1758-
1806), Jacques Mallet du Pan (1749-1800), o Conde de Montlosier (1755-1838), o
Visconde de Lally-Tollendal (1751-1830) e Stanislas de Clermont-Tonnerre, Conde de
Tonnerre e de Clermont (1757-1792). Eles também contavam com a simpatia do
Conde de Mirabeau (1749-1791) e de Jacques Necker (1732-1804). De tradição
despótica ilustrada, compreendiam a atuação do monarca como defensor do interesse
público contra as facções e depositária da autoridade. (LYNCH, 2007, p. 54-59)
O desenrolar dos fatos conduziu a Revolução à radicalização dos meios e dos
objetivos. Sendo assim, consagrou-se o povo como único soberano legítimo na França
e a corrente monarquista republicana, comandada por Sieyès, prevaleceu. Definido o
caminho ideológico e consagrada a Constituição em 1791, o país caminhou para um
governo controlado por leis de exceção. A radicalização foi tal que nem mesmo a
Constituição proposta pelos republicanos foi aceita pela Convenção, sendo substituída
pela vontade tácita do povo, segundo comando dos jacobinos.
Finda a ditadura jacobina, nova carta iniciou-se pela convenção termidoriana
em 1795, na esperança de um mecanismo institucionalizador da República.
Conquanto tenha alcançado avanços em sua proposta, a convenção termidoriana não
foi capaz de pôr em prática o pluralismo livre dos entraves anteriores. Houve
desmoralização e consequente fragilidade do governo devido a manipulação de
eleições, resultando na sua queda diante do golpe de 18 de Brumário em 1799.
Os desdobramentos da Revolução haviam demonstrado o grau de
impossibilidade de que a liberdade se consolidasse por meio da liberdade, a revolta se
havia convertido em anarquia e arbitrariedades. Era no Império que se assegurava a
manutenção da nova ordem social e econômica e a garantia de que não prevaleceria
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sobre ele a contrarrevolução nem os excessos revolucionários (DÍEZ, 1945, p.47). O
golpismo, no entanto, não pôs fim ao debate constitucional, e este era estimulado por
dois núcleos de pensadores e políticos que não se confundiam, embora dialogassem.
O primeiro grupo era composto por Pierre Claude Daunou (1761-1840), Pierre
Jean Cabanis (1757-1808), Destutt de Tracy (1754-1836) e Sieyès, os ideólogos,
descendiam do iluminismo racionalista e geométrico. Estes eram partidários de um
projeto institucional com viés revolucionário, com ênfase na soberania nacional ou
popular, no republicanismo, na necessidade da difusão da instrução e, principalmente,
na crítica da Constituição Inglesa, em benefício de uma separação dos poderes por
especialização, sem freios ou contrapesos (LYNCH, 2007, p. 69).
O segundo grupo era de Coppet, representado pelo patriarca Jacques Necker,
e a filha, a Baronesa de Stäel-Holstein, dita Madame de Stäel (1766-1817), e seu
namorado, Benjamin Constant de Rebecque (1767-1830), cuja matriz intelectual
remontava de Hume, Adam Ferguson e Adam Smith. Suas concepções como a
adoção do júri, a abolição da justiça administrativa e a simplificação dos sistemas
eleitorais facilitavam o transporte do pluralismo inglês. Tais questões os aproximavam
dos antigos monarquianos, assim como do realismo que dosava suas defesas sem
deixá-las radicais ou utópicas. Quanto às divergências, um dos pontos era o caráter
interventor do estado defendido pelos monarquianos e criticado pelos coppétianos,
que alegavam a primazia da sociedade e a subordinação do político ao econômico
(LYNCH, 2007, p. 70).
A restauração monárquica, após a queda de Napoleão em 1814, vem da ânsia
de alcançar participação na vontade do Estado, através da representação popular,
sem lesionar a autonomia do poder estatal, isto é, a monarquia constitucional.
Utilizando a realidade para aplicar seus princípios políticos, Constant propôs um
desenho institucional doutrinário da monarquia constitucional, estabelecendo a
soberania popular limitada e responsabilizando o chefe de Estado pelo controle
estrutural da constitucionalidade.
TEORIA LIBERAL DE BENJAMIN CONSTANT
Embora tenham sugerido e promovido diversas alterações na matriz do
pensamento francês a respeito de seu governo, sociedade e indivíduos, faltou aos
revolucionários alterarem ao menos uma das origens de suas reivindicações, a
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mentalidade arraigada no absolutismo. Precedido de forma menos marcante pelo
monarquiano Clermont-Tonnerre e pelo Sieyès da época termidoriana, Constant
criticou de forma contundente a transposição da estrutura absolutista para o exercício
da soberania, que acreditava ser do povo.
Constant identifica como fragilidade, em especial, de Rousseau a entrega de
poderes irrestritos à sociedade. Na tentativa de pôr fim a centralização absoluta do
poder, dirigiram sua repreensão em direção aos detentores deste, quando deveriam
canalizar sua fúria ao poder concentrado e opressor. Dessa forma, “ao invés de
destruí-lo, sonharam em apenas realocá-lo” (CONSTANT, 2007, p.66). Tal
transposição, segundo o autor, põe em risco a garantia das liberdades individuais.
Dada essa função, fica explícita a necessidade de tal delegação de poder possuir
limites.
O exercício da soberania, na visão de Constant, está fixado em seu caráter
limitado e relativo, do contrário não há possibilidade da garantia dos direitos; é preciso
circunscrever o poder para que ninguém dele possa abusar. Os obstáculos à ação da
soberania do povo asseguram a existência individual e independente dos cidadãos,
que transcendem a jurisdição política. Argumenta Constant que, Soberano é o corpo
dos cidadãos, ou seja, “nenhum indivíduo, grupo ou facção pode assumir a soberania,
salvo por delegação desse corpo.” (CONSTANT, 2007, p.81). Além disso, mesmo
estes que porventura recebam tal delegação, não estão autorizados a dispor
soberanamente das vidas individuais (CONSTANT, 2007, p.59).
Testemunha de fracassado governo popular, a França aprofundou-se em
momentos de terror em nome da liberdade. Os resultados da Revolução Francesa
trouxeram à tona a urgência de distinguir soberania do povo e poder absoluto
opressor. Constant reafirma que “Quando não se reconhecem limites para a
autoridade política, os líderes do povo, em um governo popular, não são defensores
da liberdade, mas aspirantes a tiranos que não tencionam quebrar e sim assumir
poder sem fronteiras com o qual pressionam os cidadãos.” (CONSTANT, 2007, p.64).
Sujeito a um poder não circunscrito, maior do que qualquer obstáculo, o povo legitima
o fim de sua própria liberdade.
Diversos conceitos de liberdade já foram sustentados, mas segundo Constant
ela “consiste tão-somente naquilo que os indivíduos têm o direito de fazer e a
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sociedade não tem o direito de impedir” (CONSTANT, 2007, p.51). Ser um cidadão
livre está intimamente ligado com o grau de poder delegado aos dirigentes da nação.
A atmosfera que pairava sobre a França pós-revolução misturava anseios de
maior liberdade com mentalidade do Antigo Regime. Era um período de transição e,
portanto, de anacronismos reinantes; fazia-se primordial distinguir os tempos.
Benjamin Constant exerceu esta tarefa comparando a liberdade dos antigos à
liberdade dos modernos.
Os antigos eram como que soberanos na esfera pública e escravos na esfera
privada, isto porque se moviam em direção à coletividade e seu conceito de liberdade
delineava-se na medida em que participavam diretamente da vida pública, seja
deliberando em praças públicas, votando leis ou submetendo completamente a sua
individualidade ao todo, este uma entidade para além da soma dos cidadãos. A
liberdade dos modernos, louvada por Constant, por outro lado, centraliza o foro
particular de cada cidadão, posto que a independência individual é a primeira das
necessidades modernas. Sendo assim, não há compatibilidade entre vontade
discricionária, ponto enfrentado por Constant ao longo do período aqui estudado, e
liberdade moderna, esta pressuposta do exercício pacífico da independência privada.
A salvaguarda dos privilégios privados, objetivo dos modernos, constrói-se ao
passo que diversas garantias são asseguradas a cada indivíduo. Dentre elas, o direito
de dizer a sua opinião e, para além, o sustento da opinião pública. A ação dessa força
política garante a circunscrição do poder, já citada, e tal é sua influência que Constant
destaca seu papel na valorização da liberdade, marca do autor, e pela visão de que a
opinião pública é a própria vida do Estado; logo, é condição essencial que haja
liberdade de imprensa, o único meio de publicidade segundo autor, para que os
direitos sejam protegidos. A propósito, vale transcreve o argumento dele: “Os
indivíduos precisam gozar de completa liberdade de opinião, seja privada ou pública,
desde que tal liberdade não implique ações perniciosas” (CONSTANT, 2007, p.630).
Priorizar a esfera individual não retira dos modernos o caráter influente sobre a
administração do governo. Exercer o papel protagonista dos antigos não satisfaz os
objetivos da classe de cidadão na qual se inseria Constant; esses eram movidos por
uma espécie de liberdade segundo a qual “quanto mais o exercício dos seus direitos
políticos os deixasse tempo para os interesses privados, mais a liberdade seria
preciosa a eles”. (CONSTANT, 1985, p.6). No modo de ver do autor, é por conta
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dessa nova dinâmica promovida pela modernização dos tempos no que tange à ação
política dos cidadãos que o sistema representativo se torna necessário.
Assim como os novos cidadãos possuem uma liberdade à sua maneira, com o
sistema de governo não é diferente. Para substituir o arcabouço sustentado pelo
Antigo Regime, agora visto como anacrônico pelo autor, Constant conclama o sistema
representativo que, segundo ele nada mais é do que “uma organização com a ajuda
da qual uma nação confia a alguns indivíduos o que ela não pode ou não quer fazer”
(CONSTANT, 1985, p.6).
Importa frisar que o sistema representativo aqui apresentado não é congruente
com o conceito de democracia, posto que nesse contexto essa forma de governo, para
Constant, é anacrônica; logo, se os tempos são modernos, as liberdades também
precisam ser e é por meio do estabelecimento do governo representativo que são
assegurados os direitos individuais, portanto a liberdade moderna.
ADVENTO DO LIBERALISMO NO CONTEXTO BRASILEIRO
Ultrapassando as fronteiras da França, a Revolução de 1789 gerou questões
internacionais, nas quais Portugal foi envolvido. A proclamação do Bloqueio
Continental à Inglaterra em 1806 por Napoleão e a conseqüente partida da corte
portuguesa para o Brasil em 27 de novembro de 1807, segundo Tobias Monteiro,
foram os primeiros passos para a Independência do Brasil.
Em terras distantes, no Brasil, em 8 de outubro de 1799 nascia Evaristo
Ferreira da Veiga, filho de um português, Francisco Luís Saturnino Veiga chegado
em 1784, e uma brasileira D. Francisca Xavier de Barros. Francisco Veiga já chegara
à Colônia com um começo de instrução e a aperfeiçoou até tornar-se professor régio
de primeiras letras. Através do pai o então menino foi despertado para o estudo de
outras línguas e conhecimentos, a chamada educação literária (SOUSA, 1988, p.23-
25).
Uma vez que os conceitos não são transportados juntamente com seus
contextos de origem, os atores que os recepcionam os reinterpretam baseados em
sua experiência, posição social e estrutura cultural. Esse movimento interpretativo
reconstruiu os conceitos modernos europeus à brasileira. Ao atravessar o Atlântico, a
modernidade deparou-se com Antigo Regime diverso daqueles que ela já havia
derrubado; dessa feita foi necessário utilizar atores diferentes também.
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No Brasil, os atores sociais ativos e organizados que teriam condições de
recepcionar os conceitos políticos modernos eram “a grande agricultura exportadora
formada pela aristocracia rural e pelo alto comércio urbano, e a burocracia do Estado
imperial, cujo núcleo duro era composto de magistrados” (LYNCH, 2007, p.93-94). Os
primeiros convencionou-se chamar de elite brasiliense, o grupo mais representativo do
vintismo no Brasil e os altos funcionários eram identificados como elite coimbrã.
Na ausência da burguesia ascendente, a aristocracia rural apoderou-se da
retórica liberal de esquerda, apesar das contradições que essa carga ideológica a
subsumisse, posto que por se tratar de uma aristocracia ansiava por manter seu
privilégio social e autonomia senhorial em suas propriedades, e por ser rural carecia
da manutenção do tráfico negreiro, questões a principio incompatíveis com a
igualdade e liberdade defendidas pelos liberais europeus. Possuíam dupla identidade:
frente ao poder monárquico eram cidadãos, frente ao povo, aristocratas.
Já os conservadores, que, com visão liberal, pretendiam por fim ao Antigo
Regime, receavam a anarquia e o facciosismo, preferiam por instrumento um poder
central e forte que conduzisse o país. Esses dois grupos, brasilienses e coimbrãos,
respectivamente, recepcionaram os conceitos políticos em 1821 por meio da
Revolução Constitucional do Porto e, além dessa fonte, também instruíram-se das
produções inglesas e francesas. Dessa aliança de informações surgiram dois projetos
institucionais distintos.
Para além das correntes ideológicas que conduziram o Brasil, a chegada da
corte em 1808 contribuiu para o fortalecimento de um poder central e a direção, tendo
em vista a unidade nacional, da independência em 1822. As características naturais e
políticas do Brasil, extensão territorial e diversidade de províncias e, portanto de
interesses e comandos, pareciam compor um quadro assemelhado ao que se
constava na da América espanhola, isto é, a fragmentação; porém a presença do
Imperador como alternativa, tanto para liberais de esquerda como conservadores de
direita, converteu o curso histórico para a concentração monárquica. Domínio
autoritário ou comando unificador, é inquestionável o papel influente da monarquia na
construção do Estado brasileiro.
Enquanto mudanças políticas e sociais ocorriam na nova corte, Evaristo
aprofundava seus conhecimentos. “No Rio de Janeiro de D João VI aprendeu latim,
inglês, francês, cursou aulas de Retórica e Poética e estudou Filosofia.” (SOUSA,
1988, p.25). Apesar de ter seu projeto de ir até Coimbra, seguir um curso universitário,
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frustrado, Evaristo “formou-se por si na universidade da livraria de seu pai”. (SOUSA,
1988, p.27).
Antes de compreender como os diferentes grupos no Brasil recepcionaram os
ideais que atravessaram o Atlântico, é preciso rever o histórico brasileiro que
conduziu a formação do conceito de liberalismo no país. Distanciando-se da realidade
dos demais países da América Ibérica, o Brasil apresenta entraves e acontecimentos
histórico-políticos específicos, dentre eles o impedimento de introdução de tipografias
em território brasileiro, direcionando os leitores às literaturas européias; o embargo a
criação de universidades que resultou no deslocamento dos filhos da elite até a
Universidade de Coimbra e dificultou a consciência de uma identidade brasileira; e a
transferência da Corte em 1808 juntamente com a elevação do Brasil a Reino Unido
em 1815 (LYNCH, 2009, p. 141-142). Esses acontecimentos promoveram mudanças
na organização nacional. Dito isso, Christian (2009, p.144) afirma: “É nesse período
que começou a se difundir no Brasil uma noção moderna de liberdade, ou seja, não
mais a liberdade dos antigos, republicana clássica ou constitucional antiquaria, mas
caracterizada pelos direito e garantias individuais, baseados em critérios isonômicos.”
Nesse período o termo liberalismo não era de ampla utilização, sendo
substituído por termos como constitucionalismo ou governo representativo. As três
expressões sustentavam uma interação em sua construção de sentido político, posto
que “somente era liberal quem queria a Constituição e, com ela, o governo
representativo” (LYNCH, 2007, p.100).
O posicionamento resistente das cortes de Lisboa em assegurar a autonomia
brasileira impulsionou brasilienses e coimbrãos à valorização da Coroa como
instrumento para a alternativa secessionista, visto a experiência monárquica
autônoma. Essa solução institucional vinculou estreitamente o conceito de liberalismo
no Brasil à compreensão da natureza da monarquia constitucional (LYNCH, 2009, p.
142). Sendo assim, as duas vertentes distintas deslocaram-se ao centro, contudo
sem acordarem o arcabouço institucional. Ambas são descritas sumariamente em seu
papel de construção do Estado brasileiro:
Eram, assim, duas diferentes propostas para o país recém-saído do status colonial. De retórica realista, tributária do despotismo ilustrado, unitária e interventora, a proposta coimbrã elaborada pela alta burocracia não reconhecia a preexistência de uma Nação e, arrogando-se o papel de criá-la, fundava a representação da soberania nacional na autoridade monárquica – numa palavra, era um projeto onde o político prevalecia sobre o econômico. De retórica idealista, tributária do liberalismo de tendência democrática, federalista e liberista, a proposta brasiliense da grande propriedade
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protestava pela preexistência de uma Nação cuja extensão coincidia com a de sua própria classe; e por isso fundava a representação da soberania na autoridade parlamentar - em suma, um discurso onde o econômico prevalecia sobre o político [...]. Essa polarização entre autoritarismo, intervencionismo e abolicionismo, do lado coimbrão, e ultraliberalismo político, laissez faire e escravismo, do lado brasiliense, nada tinha de contraditória (LYNCH, 2007, p.118).
A independência estava proclamada e a assembléia constituinte convocada;
Os brasilienses apresentavam um modelo vintista de constituição, enquanto os
coimbrãos, sustentando um discurso monárquico, recepcionaram o projeto dos
monarquianos.
Contradição do período estabelece-se a 12 de novembro de 1823, quando D.
Pedro I dissolve a Constituinte alegando não ter cumprido os seus deveres de
defender a integridade do Império, sua independência e a dinastia. O Imperador,
utilizando meios autoritários para fins liberais, promete convocar nova assembléia e
apresenta uma constituição duplicadamente mais liberal do que o projeto elaborado
pela extinta Assembléia. Apesar do desânimo gerado, Evaristo manteve sua leitura
e desenhou seu posicionamento político filiando-se aos monarquistas
constitucionais.
A mais notória das distinções entre o projeto e a Constituição foi o Poder
Moderador. O Conselho de Estado, pela primeira vez no Brasil, fez cumprir
preceitos franceses, inspirados em Benjamin Constant, que declaradamente colheu
a idéia de Clermont Tennerre (MONTEIRO, 1982:36). Sem a necessidade de uma
nova Assembléia, por decreto de suspensão, a Constituição foi outorgada a 25 de
março de 1824, ato consumado à semelhança de Luis XVIII na França. D Pedro I
governaria sem câmaras até 1826.
É, nesse contexto de pós-independência, Constituição outorgada, Poder
moderador em exercício e desconfiança de parcela da sociedade para com o
Imperador que surge em 21 de dezembro de 1827 Aurora Fluminense, jornal
político literário do qual Evaristo da Veiga fará parte até tornar-se o único redator;
de tendência liberal moderada.
1827: AMBIENTE POLÍTICO
Na Europa os pilares do absolutismo haviam sido rachados e as novas idéias
responsáveis por tal transformação chegaram ao Brasil. Declarada a independência e
outorgada a constituição de cerne liberal, o país inseria-se no circuito do espírito do
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século. Para fins de prática dos pressupostos sustentados por essa linha de
pensamento, era preciso que a mesma fosse recepcionada.
A apreensão da interpretação coimbrã do exercício do Poder Moderador por D
Pedro I fragmentou as opiniões a respeito do Monarca. Necessária para ambos os
projetos de Estado, brasiliense e coimbrão, a figura liberal desgastou-se aos olhares
da aristocracia rural que acusava o Imperador de abuso de poder. Essa brecha
intervencionista, materializada na dissolução da Constituinte e na outorga da
Constituição, tornou-se justificativa para radicalização do posicionamento político que
via no trono um opressor e não uma garantia de direitos.
Marcello Basile (2001) considera o período crítico no aspecto político, sendo
enfraquecido desde 1826 o governo de D. Pedro I, de forma mais sistemática com a
reabertura do Parlamento e o revigoramento da imprensa política, após os anos de
chumbo que se seguiram à Independência. Tal ambiente favoreceu o surgimento dos
exaltados, contudo esses só ocuparam os espaços políticos e ganharam força em
1829. O autor explica este processo:
Nestas duas instâncias [Parlamento e Imprensa] se concentraram as forças de oposição ao Imperador, a princípio capitaneadas por um grupo de liberais moderados, composto por uma nova geração de políticos do Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo, ligados à produção e ao comércio de abastecimento da Corte, dentre os quais se destacavam homens como Evaristo da Veiga, Bernardo Pereira de Vasconcellos e Diogo Feijó. Pretendia este grupo realizar reformas de caráter estritamente político-institucional, que limitassem os poderes do Imperador, conferissem maiores prerrogativas à Câmara dos Deputados e autonomia ao Judiciário, assegurassem a aplicação das conquistas liberais já firmadas ou previstas pela Constituição (sobretudo no que concerne aos direitos civis dos cidadãos) e, ao mesmo tempo, estabelecessem uma liberdade circunscrita à esfera da lei e da ordem. (BASILE, 2001, p. 93)
Uma análise das ações imperiais que se limite à definição “absolutista” ignora a
dimensão do jogo político por trás das ações desempenhadas por D. Pedro I. Para
além de seus excessos, ditos pelos brasilienses, o Imperador protagonizou decisões e
atitudes que conduziram a política imperial em direção a contornar o conflito e
harmonizar o governo, executivo, e a oposição, presente na Câmara dos Deputados.
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Dentre tais estratégias, João Victor Caetano Alves (2012, p.33), ressalta a nomeação
do Imperador de membros da Câmara para postos de relevo no Executivo.
Em 20 de novembro de 1827 sobem ao Gabinete, por prerrogativa
constitucional que garantia ao Imperador o direito de nomear e demitir os ministros do
Estado, três jovens Deputados. Para pasta do Império o pernambucano Pedro de
Araújo Lima, para a pasta da Fazenda, o baiano Miguel Calmon du Pin e Almeida e,
por fim, para a pasta da Justiça, o mineiro Lucio Soares Teixeira de Gouveia. Tais
convocações ficaram conhecidas como a maior reforma ministerial feita por D. Pedro I
(ALVES, 2012, p.38).
Essa valorização se deu por conta da quebra de um padrão ministerial até
então mantido. O grupo seleto de D. Pedro I, até novembro de 1827, era composto de
forma homogênea por membros do Senado e do Conselho de Estado. As mudanças
advindas dessa escolha culminaram com a inserção de atores políticos mais jovens,
faixa etária de 30 anos, visto que os ministros eram sexagenários. Também facilitou o
acesso de novas idéias, apesar de ambos os grupos terem sua origem de formação
em Coimbra, pertenciam a gerações diferentes, fato que modifica a matriz ideológica
do pensamento político. Enquanto os coimbrãos viveram em uma Lisboa submissa
aos Poderes Absolutos do Imperador, os três jovens inspiraram ares da Revolução
constitucional, do ruir do Antigo Regime e da saudação de ideais liberais.
A AURORA FLUMINENSE: ESTRUTURA E OBJETIVOS
“No dia sexta-feira, 21 do corrente, se há de publicar o primeiro número do novo
jornal Político Literário, intitulado – A Aurora Fluminense - que deverá sair daí em
diante todas as segundas e sextas-feiras.” Foi assim que, no dia 14 de dezembro de
1827, o Diário do Rio de Janeiro anunciou a chegada da Aurora.
Como publicado, no dia 21 de dezembro de 1827 o primeiro número do
periódico foi veiculado. Apesar de ser o foco de estudo deste artigo, Evaristo da Veiga
não fundou a Aurora Fluminense, tampouco era seu redator principal. Tarquínio de
Souza (1988, p.55) aponta José Apolinário de Morais como o iniciador desse projeto
em conjunto com Dr. José Francisco Sigaud, médico francês, e Francisco Valdetaro.
Evaristo associa-se à produção do jornal e, com o passar do tempo, torna-se redator
principal e finalmente o único.
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Essa proximidade de Evaristo pode ser comprovada pelo anúncio feito tanto no
Diário do Rio de Janeiro como no próprio jornal de que os números avulsos dos jornais
são vendidos tanto na loja de livros do Sr. João Batista dos Santos, Rua da Cadeia,
como com Evaristo Ferreira da Veiga e comp., na Rua dos Pescadores (AURORA
FLUMINENSE, n.1, 21/12/1827, p.1)
Antes de apresentar o jornal faz-se necessário o entendimento de duas
peculiaridades a respeito da imprensa brasileira da época. Como já relatado, havia
ausência de jornais locais pela proibição de tipografia até a chegada da corte. Sendo
assim, a produção de periódicos era uma atividade recém-iniciada no país. Para além
de seu caráter recente, outro ponto a ser ressaltado é a perenidade das fronteiras, ou
até inexistência, entre a discussão de pauta pública e a ofensa pessoal. As páginas
dos jornais transmutavam-se em diários, dessa forma altamente personalista, seja
para aprovar, seja para criticar alguém. Além dessas duas questões, outro entrave da
época era a ausência de uma redação própria dos jornais; os mesmos eram
produzidos nas residências de seus donos (SOUSA, 1988, p.57).
O periódico apresentava novidades quanto à forma e o conteúdo, a saber, a
sobriedade doutrinária e o liberalismo clássico, respectivamente. A primeira distinguia-
se dos padrões do contexto oitocentista por pretender a moderação no discurso e o
rompimento com a linguagem panfletista, comportamento que conduzia outros
publicistas a constantes ofensas impressas. A segunda distancia A Aurora do
liberalismo de retórica republicana originado em Cádiz (1812). Nesse período o
liberalismo chegava ao Brasil filtrado pela experiência Ibérica, contudo Evaristo em
seu jornal objetivava sobrepor o intermediário e modernizar o discurso orientando-se
pela produção francesa, liberalismo anglo-francês posteriormente considerado
clássico, que já se distinguia daquele que influenciou a Constituição espanhola de
1812.
Mesmo nascendo em meio a uma imprensa cuja extensão coincidia com as idéias
e sentimentos pessoais, os redatores da Aurora pretendiam algo diferente. Logo em
seu primeiro número os mais novos periodistas afirmavam que, por amor que tinham à
Pátria, respeito à constituição e paixão pelo bem público, teriam comportamento
distinto daqueles que, por paixões ambiciosas, fazem da liberdade seu ídolo ou um
monstro de sua inimizade. Segundo eles, a liberdade “deve mostrar-se sempre dócil à
voz da razão e surda às seduções capciosas da intriga” (AURORA FLUMINENSE, n.1,
21/12/1827, p.2).
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Nessa estrada rumo à moderação do discurso foi iniciada a caminhada do jornal.
Contudo, tal moderação não significava apatia, inércia ou subserviência. Os artigos
políticos eram analíticos e seus alvos aqueles que agiam em desacordo com a
Constituição, a régua moral da folha. Estavam comprometidos com a legalidade para
manutenção da ordem e prometeram, em sua estréia, que fariam parte de sua “moral
o não capitular com abuso, não desculpar, nem poupar alguma injustiça” (AURORA
FLUMINENSE, n.1, 21/12/1827, p.2). Ninguém escapava dos olhares críticos, fossem
eles Presidentes de Províncias, como Brigadeiro Manoel da Costa Pinto do Maranhão
criticado em diversos números por sua restrição à liberdade de imprensa e seu
exercício absoluto do poder (AURORA FLUMINENSE, n.88, 05/09/1828, p.366),
Ministros, cidadãos, Soldados e mesmo Sua Majestade, o Imperador (AURORA
FLUMINENSE, n.11, 25/01/1828, p.44).
Apesar de desferir constantes críticas ao governo e de considerar-se um jornal de
oposição, a Aurora não construiu para si um comportamento cego. (AURORA
FLUMINENSE, n.124, 01/12/1828, p.516). Dessa forma, garantia sua manutenção nos
limites do liberalismo moderado que intentava representar, concedendo elogios ao
trono e ao Ministério quando lhes era devido. Até mesmo a epígrafe do jornal, utilizada
durante toda sua existência, era uma quadra composta por D. Pedro I: “Pelo Brasil dar
a vida/ Manter a Constituição/ Sustentar a Independência/ É a nossa obrigação”.
Embora alguns autores, como Marcello Basile, afirmem que tal utilização consistia em
uma sátira (ANDRADE, 2012, p.133), as figuras institucionais não condicionavam os
princípios por eles defendidos; apesar do Imperador a constituição deveria ser mantida
e a independência garantida e por essa causa eles lutariam de forma enérgica
empunhando suas publicações.
A busca pela retidão de análise está estampada nas páginas da Aurora, seus
redatores não se limitam a opor-se, eles analisam e, caso os resultado sejam
favoráveis, há também espaço para elogios ao Governo:
Se havemos louvado em nossa folha atual Ministério, não é que nos mereçam culto os Ídolos do dia, como a essas almas corrompidas, e venais para quem o Poder, esteja em que mãos estiver, é sempre o objeto de suas adorações, semelhante aos que beijavam num dia a mão de Luiz XVI, no outro a de Roberspierre, e dali a pouco profundamente se curvavam diante de Napoleão. É sim que nos parece ter o Governo mostrado atividade, zelo, amor da causa publica, e o que é tudo, desejos de modelar pela Lei a sua conduta administrativa. Enquanto manifestarem estes nobres sentimentos, podem os ministros ficar certos de que serão objeto do nosso sincero panegírico, tanto mais devido, por
14
isso, que estávamos pouco afeitos a encontrar, mesmo, virtudes meias nesses que os precederão. (AURORA FLUMINENSE, n.7, 11/01/1828, p.25)
Esse fragmento demonstra a clareza dos objetivos preconizados pelos redatores.
Não buscavam depreciar a imagem do Governo e, por conseguinte do Imperador, já
que nele enxergavam a fonte da ordem, da salvaguarda de liberdade e da unidade
nacional (AURORA FLUMINENSE, n.87, 03/09/1828, p.362). Conservavam olhos fitos
no cumprimento da constituição, na garantia das liberdades e na sustentação da
Independência, tornando-se estas a medida das ações sejam de quem fosse. Marcos
Andrade (2012, p. 135) afirma ser a moderação fruto de um princípio francês, “juste
milieu, que defendia o equilíbrio racional entre os excessos passionais extremos”. Dito
isso, ele identifica na Aurora a prática facilitada de tal conceito, visto que o Brasil
estava cercado de repúblicas, enquanto a França de monarcas absolutos, dentre
outros motivos.
Nos primeiros números, a Aurora exibia quatro páginas, depois aumentando para
seis e assim por diante de acordo com a necessidade. Suas subdivisões fixas eram 1ª.
Interior – artigo sobre política interna, redigido ou extraído de outros jornais, em alguns
casos freqüentes, eram de origem estrangeira e contava também com republicações
de artigos – Le courrier Français, Revista política da França, Minerva Francesa,
Daunou, Garanties, Commente à Filangieri; 2ª Rio de Janeiro – relatadas notícias
sobre o Rio de Janeiro seja sobre política, economia, violência entre outros, também
nesta sessão apresentava-se notícias sobre outras províncias – O exercício do poder
de forma absoluta no maranhão foi alvo de diversos comentários; 3ª Exterior – sessão
em que apresenta resumos dos acontecimentos no mundo e transcrição de jornais e
artigos estrangeiros; 4ª. Variedades; 5ª Anedotas – “com muitas carapuças e alusões.”
(SOUSA, 1988, p.58)
De tendência liberal moderada, o novo periódico político-literário pretendia
tocar os espíritos de seus leitores. Nas primeiras palavras da Aurora os assuntos que
a acompanhariam estavam postos, são eles a Liberdade, o governo representativo, a
Constituição e a opinião pública (AURORA FLUMINENSE, n.61, 30/06/1828, p.249).
Os periódicos do Império e assim também a Aurora eram assumidamente
produtos da opinião de seus redatores, não restringiam sua função a meros veículos
da informação, mas ocupavam a arena política, veiculavam a informação de maneira a
doutrinar seus leitores. Certamente os limites do respeito ao outro eram diversas
15
vezes rompidos; contudo, exemplo pacífico desta característica na Aurora Fluminense
é o enquadramento dado ao assunto eleições. Aproximando-se as eleições para a
Câmara dos Deputados, a folha passou a publicar com periodicidade conselhos e
diretrizes dos perfis ideais a serem eleitos. Grande parte desse aconselhamento era
fruto de citações de Benjamin Constant, nas quais o autor afirma ser necessário
escolher cidadãos que defendem a liberdade dos jornais, que lutem pelo cumprimento
da Constituição, que não vendam seu apoio político, dentre outras (AURORA
FLUMINENSE, n.100, 06/10/1828, p.417-418).
LIBERALISMO MODERADO DE EVARISTO DA VEIGA2
Defensor da liberdade, da Constituição e da ordem, durante a construção do
estado brasileiro posicionou-se de forma equilibrada entre a conservação e o
progresso. Comportamento esse que não lhe travava a ação, posto que criou um estilo
de conduta de moderação combativa. Diferentemente dos liberais radicais,
posteriormente denominados exaltados, via na figura do monarca um instrumento de
manutenção da ordem e garantia das liberdades, filiando-se à concepção dos
monarquistas constitucionais, engajado em uma luta política contra os excessos. A
Aurora Fluminense (1827-1835) será o instrumento por meio do qual Evaristo
disseminará sua cultura política.
É importante lembrar que, apesar de no período escolhido para análise
Evaristo ainda não comandasse o periódico de forma independente, o redator principal
ainda era Francisco Crispiano Valdetaro como informado na folha do dia 17 de
dezembro de 1828; Tarquinio de Sousa (1988, p. 64) afirma que “desde os primeiros
números do jornal foi muito grande a parte de Evaristo e pode-se afirmar,
confrontando-se as coleções do ano de 1828 com as de anos posteriores, que a
inspiração, a linha geral de orientação da Aurora foi sempre dele”3.
Revisada a figura do ator político alvo de nossa análise, faz-se necessário
demarcar, de forma breve, o terreno político no qual Evaristo, através das páginas da
Aurora Fluminense, lança suas sementes de liberalismo nos espíritos brasileiros.
2 Devido às constantes citações, referências e utilização de artigos estrangeiros como
instrumento de opinião, todas as citações nos 135 números analisados serão consideradas, nessa análise, como pensamento absorvido pela Aurora Fluminense. 3 Partindo dessa afirmação de Octavio Tarquinio de Sousa, os jornais analisados nessa seção
serão remetidos ao pensamento de Evaristo da Veiga, apensar dos mesmos não serem assinados oficialmente por ele.
16
Evaristo filiou-se à concepção dos monarquistas constitucionais; essa decisão
se deve em grande parte a sua conduta moderada, que via na República um grande
excesso. A reivindicação dos moderados era a garantia do exercício do papel da
verdadeira constituição; haveria unidade, monarquia sem absolutismo,
descentralização sem federalismo e um partido de transição entre os princípios
radicalizados na época (AURORA FLUMINENSE, n.88, 05/09/1828, p.1).
Para que tudo isso fosse possível, era necessário apoderar-se da revolução e
conduzi-la por meio da transformação dos costumes e conquista dos espíritos.
Portanto, a manutenção da ordem era condição explícita, para Evaristo, para alcançar
o governo da liberdade; do contrário, o Governo poderia esvair-se levando o povo à
anarquia, lembrando que o autor desenvolve essa concepção diante do exemplo
francês de tentativa de implantação fracassada da liberdade pelo terror (AURORA
FLUMINENSE, n.2, 21/12/1827, p.365-366)
A Aurora é o veículo por meio do qual Evaristo disseminará tais concepções.
Neste trabalho foram selecionadas três temáticas para a análise do pensamento
produzido pelo ator em foco, ou seja, soberania da nação, liberdade e sistema
representativo (AURORA FLUMINENSE, n.61, 30/061828, p.249).
Era defensor do constitucionalismo aplicado: para além da existência da
Constituição era preciso preparar os cidadãos, elevar seus espíritos e disseminar
instrução para que pudessem praticá-la. Evaristo constrói um referencial de Estado
que, nos moldes liberais, precisava ser forte e organizado para não ser impotente, que
garantisse liberdades sem que essas os levassem a anarquia, que instaurasse um
governo representativo para que este evitasse o absolutismo e o despotismo.
Menos de uma década após tornar-se nação independente, os ares brasileiros
ainda não estavam de todo purificados do arraigado formato absolutista de
pensamento. Dessa feita era preciso instruir o povo da dimensão de poder que
possuía, suas ações não mais limitavam-se a beijar mãos e gritar vivas ao Imperador,
agora o povo era o Soberano. Tal soberania, contudo, não se configurava aos moldes
da anterior, era de natureza distinta e de limites restritos. O Periódico conduzia seus
leitores a uma tomada de posição como cidadãos brasileiros:
Tempo é de despirmos esses velhos hábitos, que nos cobriram de
vergonha, e nos tornaram o ludibrio do Estrangeiro; sentimentos mais
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generosos, e em harmonia com as nossas instituições, devem
generalizar-se hoje no nosso país. Ler os Periódicos; informar-se dos
acontecimentos públicos; zelar o bem da sociedade; ver a sua injuria
na ofensa feita a qualquer cidadão; levar o nosso voto, ditado pela
consciência, quando ele nos é exigido, não são deveres, que roubem
demasiado tempo, nem que comprometam o nosso repouso:
exercem uma forte e saudável influência sobre a propriedade, e
melhoramento da nação, de que todos nos os Brasileiros fazemos
parte, sem distinção de classe, e seja qual for o lugar, em que
nascemos (AURORA FLUMINENSE, n.42, 12/05/1828, p.172).
Aproximando-se da teoria de Benjamin Constant, Evaristo posiciona-se contra
o poder irrestrito, assegurando ser benéfica para a sociedade a dependência
recíproca, fonte do verdadeiro espírito de liberdade. É através da circunscrição do
poder que, apesar dos interesses sacrificados em virtude dos limites da ação, são
garantidas grandes vantagens (AURORA FLUMINENSE, n.14, 04/02/1828, p.53).
Nesta concepção o indivíduo não é soberano, seu poder foi esvaziado em prol do
empoderamento da nação. A força concentra-se na sociedade de forma a não haver
espaço para o poder privado, mas sim poderes públicos que observem todos os
outros. (AURORA FLUMINENSE, n.37, 25/04/1828, p.149).
Outra marca do liberalismo francês encontrada nas folhas da Aurora, e,
portanto, na construção de Evaristo da Veiga, é o caráter relativo de tal conceito. A
soberania não deve ser apreendida de forma abstrata, mas sempre em relação à
Nação; isto é importante porque o direito da nação de governar-se não se restringe a
cada indivíduo isolado, contudo é exercido coletivamente (AURORA FLUMINENSE,
n.69, 18/07/1828, p.281). Conjugar a soberania aos moldes da nação previne a
inserção de privilégios e vontades particulares na esfera pública.
Como já dito, a Aurora Fluminense considerava-se um jornal de oposição,
diferente daqueles ditos por ela “da causa ministerial” (O Analista, O Jornal do
Comércio e o Diário Fluminense). Em seus escritos, essas outras folhas afirmaram
que “quem ama a pátria deve abaixar a cabeça em face do partido dominante.” Em
ampla crítica, tal assertiva é vinculada ao pensamento dos déspotas que desejam
manter o povo em submissão para dele abusar e afastar a idéia de resistência
legítima. Contudo, isso não acontece entre os amantes da liberdade (AURORA
FLUMINENSE, n.127, 10/12/1828, p.525-526). Nesse embate detectamos a
18
correlação entre a manutenção da soberania da nação e a garantia de sua liberdade,
visto que, à medida que a soberania é enfraquecida, mesmo sendo esta coletiva, a
liberdade individual, que é assegurada pelos limites do raio de ação de cada indivíduo,
é atingida.
A extração de textos de Benjamin Constant nas páginas da Aurora a respeito
do tema liberdade é recorrente e estes aproximam Evaristo da Veiga das percepções
francesas sobre o tema. No dia 24 de novembro de 1828, o autor francês faz uma
aparição marcante defendendo a liberdade dos modernos para tempos modernos.
Segundo o autor, sacrificar a liberdade individual para exercer a liberdade política “é o
mais seguro meio de lhes tirar uma e depois se haver conseguido, não tardarão em
arrebatar-lhe a outra.” (AURORA FLUMINENSE, n.121, 24/11/1828, p.504).
Apesar da construção moderna de liberdade à qual se filia, Evaristo não retira
da esfera cidadã o direito do Poder Político. Esse é um perigo ao extremo da liberdade
moderna; contudo, o controle no âmbito individual não anula a influência na esfera
pública e o cidadão deve manter a autoridade em seus limites, sendo justa para que
cada um busque sua felicidade (AURORA FLUMINENSE, n.121, 24/11/1828, p.504).
Como até o momento foi demonstrado, é factível a influência recebida por
Evaristo da Veiga de Benjamin Constant e de outros representantes do liberalismo
francês, haja vista as diversas fontes francesas presentes na folha. Contudo, apesar
da tentativa de implantação do espírito do século no Brasil, os contextos nos quais se
fixavam as nações eram um tanto distintos e no tocante à liberdade a questão
agravava-se, visto que o Brasil mantinha em sua base de produção agrícola e de
prestação de serviços o trabalho escravo. Apesar de considerar-se sem condições
para argumentar sobre o assunto, a Aurora anuncia estar perto o fim da escravidão e o
seu consequente choque, colocando em pauta pública a questão da escravidão,
conclamando varões com saber e inteligência para tratar ao assunto (AURORA
FLUMINENSE, n.9, 18/01/1828, p.34). Em vista um projeto de lei que abole o tráfico
negreiro, o jornal posiciona-se afirmando ser a escravidão um mal para a ventura do
estado; contudo, a suspensão repentina desse “mal necessário” causará entraves aos
próprios negros, maioria não apta para receber alforria. A sugestão é tratar com
prudência a questão (AURORA FLUMINENSE, n.55, 16/06/1828, p.225).
Logo em seu primeiro número, a Aurora mostrava com que instrumento
apresentava-se a arena política, a liberdade de imprensa, “arma poderosa, que nossas
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ainda jovens e débeis mãos devem aprender a manejar com destreza, para lutarem
contra o despotismo, e contra o governo absoluto” (AURORA FLUMINENSE, n.1,
21/12/1827, p.1). Importa frisar que a liberdade utilizada como arma por Evaristo não
pretende garantir espaço para uma oposição oportunista que pretende tão-somente
substituir o governo, mas é uma arma de defesa da ordem e do Estado, um remédio
para sanar as enfermidades na Administração da justiça e finalmente luz que dissipa
as trevas do atraso na Civilização (AURORA FLUMINENSE, n.5, 04/01/1828, p.18).
Tal liberdade não agracia apenas os publicistas; antes o direito de escrever e
imprimir abarca toda a sociedade atingida pelo reflexo dessa garantia. Ou seja, a
liberdade de imprensa não é exclusivamente um fim em si mesmo, ela extrapola sua
própria fronteira de prerrogativa particular e converte-se em direito coletivo. Isso
porque os periódicos, principalmente na época aqui estudada, possuem papel
doutrinário: “o povo por meio dos jornais aprende a conhecer seus direitos, a respeitar
seu governo, e a respeitarem-se a si mesmos” (AURORA FLUMINENSE, n.1,
21/12/1827, p.3).
A primeira Constituição (1824) havia sido outorgada fazia quatro anos, em um
território da dimensão do Brasil, aparelhado de parcos meios de comunicação.
Guardados os limites do alcance dos periódicos, eram eles os responsáveis por
instruir o povo da nova dinâmica política e social. O advento do constitucionalismo era
recente, portanto a submissão à Lei não estava arraigada nos costume, era preciso
orientar o povo para que este “conheça o fim da comum utilidade, a que elas [leis]
tendem: cumpre que o povo compreenda os bens, que lhe garante o governo, em
compensação dos sacrifícios, e dos deveres, que lhe são impostos” (AURORA
FLUMINENSE, n.1, 21/12/1827, p.1) para que assim se submeta às leis. Dessa feita,
entende-se a insistência pelo tema a liberdade de imprensa além de um direito era
uma necessidade:
Como se pode aumentar a Instrução pública sem um livre canal, por onde ela se espalhe? Como pode ser patente a inobservância da lei com a coibição da Imprensa? Como se poderá conter o Patronato sem o temor da publicação de seu perigoso império? Seriam precisas longas páginas para fazer a enumeração dos males, que provem da proibição da justa Liberdade de Imprensa: Será bastante que reflitamos, e prestemos toda atenção a esses desgraçados Povos, cujos Chefes cegos, e seduzidos por estúpidos validos, esses Camelos do Despotismo, e peste das Nações, os tem envolvido no escuro manto do atraso, e da Servidão, suplantando-lhes a defensora de seus direitos, e a promotora de sua propriedade (AURORA FLUMINENSE, n. 5, 04/04/1828, p.18).
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À maneira de Constant, Evaristo vincula a garantia da liberdade de imprensa à
publicidade dos acontecimentos na esfera do governo. O Ministério que subiu ao posto
em 1827, foi amplamente elogiado pela Aurora em várias oportunidades e um dos
pontos foi a publicidade de seus atos. A publicidade é essencial para o caminhar do
sistema constitucional:
É sempre com prazer que aproveitamos qualquer ocasião de elogiar as autoridades, embora nos taxem de aduladores. Os ministros atuais têm dado até agora muita publicidade aos seus atos, e o Diário Fluminense de tão estéril fundo, aparece cheio de portarias das diferentes Repartições. Esta conduta da Administração deve merecer-lhe os louvores dos verdadeiros constitucionais; pois nós não conhecemos outro meio de se emendarem enraizados abusos, e de marchar bem o sistema, se não luz, e muita luz. Um ministério, que não recusa expor ao dia os seus atos, dá de si uma idéia favorável; pois o crime busca as trevas, para esconder os seus passos (AURORA FLUMINENSE, n. 66, 11/07/1828, p.271).
Seja por interesse político – fiscalização – ou por delegação do poder – eleição
– é preciso orientação para exercê-las. A Aurora encarna este papel doutrinário,
conferindo à imprensa periódica um caráter facilitador da prática política, visto que
através dos jornais o povo pode instruir-se estabelecendo seu juízo, de forma que
contribui, mesmo sem perceber, para a organização do poder da opinião (AURORA
FLUMINENSE, n.16, 21/12/1827, p.1).
Sendo assim, estar por trás de uma folha periódica insere os publicistas na
arena política no papel de catalisadores da construção da opinião pública, a qual deve
ser constitucional, daí a exigência do Regime Representativo da impreterível
necessidade de que os jornais sejam livres para que possam expor os acontecimentos
sem que nada lhes escape e, como fiscalizadores, circunscrevam o poder (AURORA
FLUMINENSE, n.18, 11/02/1828, p.62). Em análise de extrato de jornal francês sobre
a vontade da nação, a Aurora afirma que:
A Nação deseja a Liberdade, e as garantias; mas enquanto não teve um ponto de apoio, os seus esforços foram mal dirigidos, e sem resultado profícuo; porém depois que o achou na Assembléia Geral, a face dos negócios foi mudada progressivamente, e hoje é quase impossível destruir o Edifício Constitucional, sobre que repousam as garantias do Cidadão. Uma revolução lenta, e pacífica, filha da convicção, (livre das violências e abusos, que mancham as revoluções repentinas, e feitas à mão armada) se tem operado nos espíritos, e a opinião constitucional ganha todos os
21
dias forças, que ninguém lhe supunha (AURORA FLUMINENSE, n. 53, 09/06/1828, p.216).
Congruente à liberdade pregada por Benjamin, reside o sistema representativo.
Esse não apenas a acompanha por fazer parte de um conjunto de argumentos, mas
completa o sentido da primeira. Em seu primeiro volume, a Aurora apresentava uma
de suas missões, a saber, “apertar estreitamente a aliança entre o povo e o soberano”
(AURORA FLUMINENSE, n.1, 21/12/1827, p.1), essa tarefa seria alcançada através
da defesa da Assembléia Geral. Esse sistema está fundamentado, “o governo
Representativo, na aniquilação de tudo quanto é arbitrário, de toda a dominação
oligárquica, e na onipotência das leis, para proteger os direitos iguais dos cidadãos”
(AURORA FLUMINENSE, n.28/01/1828, p.45).
A estrutura do sistema representativo tem por um de seus pilares a opinião
pública. Essa age como limitador da ação do governo, ou seja, retornamos ao conceito
de soberania apresentado, o qual deve ser sempre circunscrito. A discussão pública
do posicionamento político da Administração é essencial para que os representantes
do poder sejam conduzidos de acordo com a vontade da Nação, mas para que esse
movimento ocorra se faz essencial que os cidadãos tenham conhecimento dos seus
direitos e deveres (AURORA FLUMINENSE, n.5, 21/12/1827, p.17-18). Por sua vez,
esse conhecimento da esfera pública necessita de publicidade para alcançar cada
indivíduo.
O processo de modernização conduziu alguns ao extremo do pensamento de
que a atividade política “não os toca”. Dessa feita, a Aurora denuncia a apatia política
estabelecida em justificativa ao sistema representativo e à liberdade dos modernos.
Na mesma linha adotada por Benjamin Constant, valorizando o papel de fiscalizador
do povo, Evaristo da Veiga conclama os cidadãos a construírem opinião a respeito dos
assuntos em pauta na Câmara. Evaristo cita a admiração que brasileiros indiferentes
possuem pelo sistema e espírito público inglês, suspirando como se tal condição fosse
inatingível ao Brasil. Em tom de desafio e crítica o publicista afirma: “Bem, teremos um
meio fácil de desenvolver o mesmo espírito público, e de merecer a mesma estima é
ler, ouvir e votar” (AURORA FLUMINENSE, n.16, 11/02/1828, p.62).
Outra característica valorizada por Evaristo, no regime representativo, é
a oposição. Além de o próprio jornal considerar-se de oposição, o que não significa
contestação cega, esse mecanismo é de grande importância para o bom seguimento
do governo, visto que sua existência prevê um freio a qualquer tendência abusiva.
22
Dessa forma, “para cada ato um exame; para cada excesso possível uma barreira. Tal
é o maravilhoso mecanismo do Sistema representativo e da Oposição!” (AURORA
FLUMINENSE, n.30, 31/03/1828, p.121)
Sendo assim, fica patente que, apesar da valorização da liberdade, do foro
pessoal e da autopromoção de felicidade, não há justificativa argumentativa para
esvaziamento da importância da prática política. Mesmo que não seja mais preciso ir à
praça pública e correr riscos, mas é essencial que através da instrução haja
formulação de opinião que, em conjunto com as demais, se transforme em entrave aos
possíveis abusos ou desvios do poder (AURORA FLUMINENSE, n.8, 21/12/1827, p.1)
e “votar uma vez, em certo período de anos é portanto o meio fácil, e seguro, que se
oferece a todos os cidadãos das Nações modernas, para terem a sua justa cota de
influência no Governo” (AURORA FLUMINENSE, n.16, 11/02/1828, p.61-
62).Resumindo:
A monarquia constitucional tem outras regras e outras máximas. Nela existe uma coisa pública cujo interesse domina todos os interesses, e cujo império domina todos os poderes. Nela há uma vontade pública, a quem unicamente se deve obediência: isto se chama Lei. Há uma consciência geral, cujos ditames para todos os cidadãos são recompensas ou castigos, existe uma razão soberana, cujos sufrágios são potência, e as dissensões, perigos; isto se chama opinião. O princípio deste governo é a discussão, seu alfanje é a palavra; sua mola é a confiança; enfim tem por condição a virtude e a publicidade. A publicidade é a alma, é a vida do sistema representativo (AURORA FLUMINENSE, n. 11, 25/01/1828, p.43).
Após discorrer sobre as três vertentes é evidente a filiação do pensamento
proposto pelo periódico àquele fabricado na França por Benjamin Constante. Em seu
número 61 a Aurora publica uma espécie de auto-avaliação após o fim do 2º trimestre
de circulação. Reafirmando seus objetivos de defender a causa constitucional e o
sistema representativo, assumem recorrer, sem constrangimento, aos escritos
franceses e ingleses, “cujas opiniões são hoje clássicas” (AURORA FLUMINENSE, n.
61, 30/06/1828, p.249). Contudo essa afirmação não limita a importância do periódico,
beber dessas fontes não transformou a Aurora em um mero reprodutor de artigos,
visto que seu objetivo nunca foi popularizar a cultura européia, mas utilizar seus
conhecimentos prévios para despertar no Brasil o espírito da Liberdade, esse que é
propício a todas as terras, e por todas parte dá os mesmos frutos (AURORA
FLUMINENSE, n.1, 21/12/1827, p.4). O próprio jornal expôs essa posicionamento
quando afirma categoricamente que “devemos ser Constitucionais, segundo o espírito
23
e letra da Constituição do Brasil, e não segundo as teorias européias.” (AURORA
FLUMINENSE, n.36, 21/04/1828, p.148).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo do artigo foi exposta a origem do caminho traçado pelo liberalismo
brasileiro e sua inspiração em fontes francesas. Assim sendo, a pesquisa adquire
relevância pela tentativa de tornar inteligível a definição dos marcos teóricos dessa
corrente no Brasil. Analisados os 135 números do periódico aos quais se propôs nesse
trabalho, é evidente a franca absorção por parte de Evaristo da Veiga das teorias
francesas, em especial dos princípios sustentados por Benjamin Constant. Os
argumentos apresentados na folha possuem o mesmo fio condutor da matriz teórica
aqui assumida.
Apesar de todo o resultado favorável à hipótese inicial, é preciso ter em mente
que o tamanho da amostragem utilizada nesta pesquisa possui dimensão reduzida, o
que dificulta a definição sumária dos resultados expostos, apesar de não desqualificá-
los. Tal fragilidade evidencia um campo de pesquisa a ser explorado posteriormente.
Outra característica relevante para o resultado final é a constante citação de jornais
franceses e escritos de Benjamin Constant nas páginas da Aurora Fluminense,
aproximando ainda mais à matriz conceitual desse trabalho. Outra ressalva
importante a respeito dos resultados apresentados é que apesar da fidelidade
intelectual de Evaristo aos franceses tal comportamento não desqualifica seu esforço e
relevância teórica. O próprio autor deixou explícito que os europeus eram fontes de
pensamentos, contudo o exercício cidadão deve ser coerente ao espírito e letra da
Constituição do Brasil.
Para além de enxergar um publicista novato absorvendo as teorias em voga na
Europa é preciso entender o liberalismo moderado de Evaristo da Veiga que não está
paralisado pela inação, mas radicado no combate ao excesso, às facções, ao privilégio
e a tudo que restrinja a liberdade individual. Seu periódico pretende atenuar as
paixões, valorizar a manutenção da ordem, a vitória pela persuasão e a revolução por
meio da transformação dos costumes e conquista dos espíritos. “Queremos a
constituição e não queremos revolução”, explicita o justo meio no qual se posicionava,
erguendo a bandeira liberal por meio de um comportamento de tendência
conservadora, afastando-se da revolução, por amar a liberdade e temer a anarquia.
24
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
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1827 a dez 1828.
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CARVALHO, José Murilo de. A Construção da Ordem: A elite política imperial e
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