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A AUSÊNCIA DO NEGRO NO DISCURSO DA COLONIZAÇÃO DE TOLEDO Professor PDE: Inácio Finger 1 Orientador : Alexandre Blankl Batista 2 Resumo: A pesquisa descreve aspectos da colonização da cidade de Toledo, no período de 1946 a 1960, dando ênfase à seleção étnica visada pela empresa MARIPÁ na ocupação da então Fazenda Britânia, adquirida junto aos ingleses. Tal preferência recaiu sobre italianos e alemães, excluindo outros grupos étnicos, como negros, paraguaios e argentinos. O texto discute a questão com base na história regional, fundamentando-se em autores como José Augusto Colodel, Keith Muller e Ondy Niederauer, destacando também outros autores que defendiam a idéia de miscigenação e predileção pelo branco, nas primeiras décadas do século XX, no Brasil, como Nina Rodrigues. O resgate de alguns autores que conceberam o desenvolvimento nacional com base nas idéias deterministas de meio e raça fez-se necessário pela referida seleção na colonização de Toledo a partir da questão do lugar do negro no interior da relação com a identidade nacional e as concepções que constituíram o discurso e representaram as práticas da época. Tais discussões foram levadas até um grupo de estudantes de ensino médio do Centro Estadual de Educação Básica para Jovens e Adultos de Toledo. Na seqüência, desenvolveu-se trabalho de leitura e pesquisa, cujo tema central foi a ausência do negro na sociedade Toledana. O artigo descreve as reflexões realizadas a partir da bibliografia e da pesquisa, destacando os resultados que obtivemos no trabalho realizado a respeito do tema junto a estes estudantes. Palavras-chave: Colonização. Negro. História de Toledo. Alemães e Italianos. Abstract: The research describes aspects of the colonization of the city Toledo, from 1946 to 1960. emphasizing ethnic target selection aimed by the Company Maripá the occupation of then Farm Britain, gained from the British. This preference fall back on Italians and Germans, excluding other ethnic groups, like Blacks, Paraguayns and Argentinians. The text discusses the issue on the basis of regional history, based on the following authors such as José Augusto Colodel, Keith Muller and Ondy Niederauer, also highlighted other authors who supported the idea of miscegenation and preference for White, the first decades of the 20th 1 Graduado em Filosofia com licenciatura em História e Psicologia pela Unioeste de Toledo. Pós-graduado em Teorias da História pela Unioeste de Marechal Cândido Rondon em 1992. 2 Mestre em História pela UFRGS. Professor Colaborador do Colegiado do Curso de História da Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE. Secretaria de Estado da Educação Superintendência da Educação Departamento de Políticas e Programas Educacionais Coordenação Estadual do PDE

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A AUSÊNCIA DO NEGRO NO DISCURSO DA COLONIZAÇÃO DE

TOLEDO

Professor PDE: Inácio Finger1

Orientador: Alexandre Blankl Batista2

Resumo: A pesquisa descreve aspectos da colonização da cidade de Toledo, no período de 1946 a 1960, dando ênfase à seleção étnica visada pela empresa MARIPÁ na ocupação da então Fazenda Britânia, adquirida junto aos ingleses. Tal preferência recaiu sobre italianos e alemães, excluindo outros grupos étnicos, como negros, paraguaios e argentinos. O texto discute a questão com base na história regional, fundamentando-se em autores como José Augusto Colodel, Keith Muller e Ondy Niederauer, destacando também outros autores que defendiam a idéia de miscigenação e predileção pelo branco, nas primeiras décadas do século XX, no Brasil, como Nina Rodrigues. O resgate de alguns autores que conceberam o desenvolvimento nacional com base nas idéias deterministas de meio e raça fez-se necessário pela referida seleção na colonização de Toledo a partir da questão do lugar do negro no interior da relação com a identidade nacional e as concepções que constituíram o discurso e representaram as práticas da época. Tais discussões foram levadas até um grupo de estudantes de ensino médio do Centro Estadual de Educação Básica para Jovens e Adultos de Toledo. Na seqüência, desenvolveu-se trabalho de leitura e pesquisa, cujo tema central foi a ausência do negro na sociedade Toledana. O artigo descreve as reflexões realizadas a partir da bibliografia e da pesquisa, destacando os resultados que obtivemos no trabalho realizado a respeito do tema junto a estes estudantes.Palavras-chave: Colonização. Negro. História de Toledo. Alemães e Italianos.

Abstract: The research describes aspects of the colonization of the city Toledo, from 1946 to 1960. emphasizing ethnic target selection aimed by the Company Maripá the occupation of then Farm Britain, gained from the British. This preference fall back on Italians and Germans, excluding other ethnic groups, like Blacks, Paraguayns and Argentinians. The text discusses the issue on the basis of regional history, based on the following authors such as José Augusto Colodel, Keith Muller and Ondy Niederauer, also highlighted other authors who supported the idea of miscegenation and preference for White, the first decades of the 20th

1 Graduado em Filosofia com licenciatura em História e Psicologia pela Unioeste de Toledo. Pós-graduado em Teorias da História pela Unioeste de Marechal Cândido Rondon em 1992.2 Mestre em História pela UFRGS. Professor Colaborador do Colegiado do Curso de História da Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE.

Secretaria de Estado da Educação Superintendência da Educação

Departamento de Políticas e Programas Educacionais

Coordenação Estadual do PDE

A ausência do negro no discurso da colonização de Toledo.

century in Brazil, as Nina Rodrigues. The rescue of some authors who designed the national development based on the ideas of deterministic environment and race was made necessary by that selection in the colonization of Toledo from the question of the Negro within the relationship to national identity and the concepts that were the speech and represented the practices of the time. These discussions were led to a group of high school students of the State Center of Basic Education for Youth and Adults of Toledo. As a result, developed work of reading and research, whose central theme was the absence of Blacks in Toledana society. The article describes the reflections realized from literature and research, highlighting the results we obtained in work done about the theme with these students. Key-words: Colonization. Blacks. Toledo’s History. Germans and Italians.

Considerações Iniciais

Iniciei minhas atividades no magistério no ano de 1986, lecionando

no ensino fundamental e médio nas disciplinas de História, Geografia,

Filosofia da Educação, História da Educação, Psicologia da Educação e

Psicologia Geral. Nos últimos 13 anos atuo apenas na disciplina de

história, com noventa por cento da carga horária dedicada ao ensino

médio do Colégio Estadual Presidente Castelo Branco (PREMEN), ao

ensino fundamental e médio no Centro Estadual de Educação Básica para

Jovens Adultos de Toledo (CEEBJA) e ao ensino médio no Instituto

Imaculado Coração de Maria (INCOMAR).

Escolhi este tema porque sempre fui um apaixonado por história

regional, principalmente pela colonização e formação da sociedade do

Oeste do Paraná. Os livros publicados sobre a história do município de

Toledo privilegiam a colonização agrícola desde o início de sua formação,

dando total ênfase na formação dos núcleos populacionais apenas da

descendência germânica e italiana. Aí começa a minha curiosidade. Será

que foram apenas estas duas etnias que estiveram presentes no início da

colonização? Por que a Industrial Madeireira Colonizadora Rio Paraná S/A

(MARIPÁ) incentivou apenas a vinda de alemães e italianos para a nova

fronteira agrícola do Oeste do Paraná? São questões que nortearam

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minha reflexão sobre a inserção dos afrodescendentes na sociedade

toledana.

A história de Toledo não foi apenas construída por estas duas

etnias, mas também por outros grupos étnicos, como paraguaios,

argentinos poloneses, japoneses e afrodescendentes que estiveram

presentes com seu trabalho e contribuíram na colonização do município

de Toledo.

O meu objetivo foi analisar o processo de colonização do município

no período de 1946 a 1960 e tentar compreender que não tivemos

apenas a presença alemã e italiana, mas também a de outros sujeitos,

entre eles a dos afrodescendentes, a qual não é citada pela colonizadora

e nem pela maioria dos autores que escreveram sobre o Oeste do Paraná.

Para constatar esta ausência foi preciso conhecer o projeto de

colonização da MARIPÁ e a forma como o mesmo foi implantado neste

período. Também foi necessário entender quais etnias foram utilizadas

nas frentes de trabalho e a razão de apenas os descendentes europeus

poderem adquirir terras e estabelecer moradia fixa. Além disso, apesar da

escassez de fontes escritas que atestem a presença de outros grupos, em

especial dos negros, tentei demonstrar, segundo alguns relatos, que

foram trazidos como mão-de-obra barata, mas sem direito de adquirir

terra e, ao mesmo tempo, geralmente discriminados pelos demais.

Através deste artigo, pretendo questionar aspectos da chamada

“memória oficial” e refletir sobre certas lacunas na história desta

colonização. Isso é importante para que haja um reconhecimento de

novas identidades e uma recuperação das memórias silenciadas, cujas

definições encontram-se, primeiramente, no questionamento do processo

de formação do município que enfatizam somente a presença e

participação dos descendentes alemães e italianos.

Ademais, conforme exigência do programa PDE, foi elaborado um

texto didático que serviu de base para a criação de um caderno

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pedagógico que foi integrado com outros temas elaborados por colegas

professores da disciplina de história. Este caderno contém inúmeras

atividades relacionadas à disciplina de história e há uma proposta de

estudo, feita por mim, sobre a colonização de Toledo, a qual foi realizada

em sala de aula. Durante a prática, na escola, foi impressionante o

interesse que os alunos demonstraram sobre o município onde a maioria

nasceu ou vive atualmente. Dentro desta atividade, foi proposta e

realizada uma pesquisa na internet sobre dados do município, como

população, divisão e ocupação dos distritos, relação dos grupos étnicos

predominantes em cada um, primeiras casas comerciais instaladas na

época da colonização, primeiras ruas, igrejas, escolas particulares e

públicas, Hospital, principais atividades econômicas, etc. Ainda foi

proposta uma entrevista com afrodescendentes que ocupam algum cargo

na sociedade toledana, a qual foi elaborada pelos alunos, seguindo

roteiro do professor. Estas atividades foram realizadas durante o mês de

maio até meados de junho de 2009 e serviram, além da execução da

prática de nosso projeto, para recolher dados que complementassem a

própria pesquisa.

A colonização de Toledo

A colonização do Oeste do Paraná iniciou a partir do século XVI

quando por estas bandas começou o círculo de europeus a procura de

riquezas minerais e de padres jesuítas que formaram as reduções

jesuíticas de Guairá. Utilizando-se das picadas abertas pelos índios, os

estrangeiros estabeleceram “pousos” para a exploração de madeira e da

erva-mate. Niederauer, em seu livro Toledo no Paraná, afirma que pelo

lote nº 5 passava a Picada Nunes Y Gibaja, que durante as atividades do

mesmo na região estava sob os cuidados de um paraguaio chamado Sr.

Toledo. Assim, “o Pouso passou a ser conhecido como Pouso do Toledo.

Com o tempo ficou sendo simplesmente Pouso Toledo, segundo consta

nos mapas da época” (NIEDERAUER, 2004, p. 20). A partir de então,

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temos a origem do nome do município de Toledo que se formaria algumas

décadas mais tarde.

Entre o período de 1905 a 1909, um grupo de ingleses adquiriu do

governo brasileiro uma área de 274.750 hectares de terras devolutas

localizadas à margem esquerda do Rio Paraná, onde fundaram a

Companhia de Madeiras Del Alto Paraná, com sede em Buenos Aires, na

Argentina. Os Ingleses denominaram aquela área de Fazenda Britânia e

pretendiam, a exemplo de empresas argentinas, explorar e exportar erva-

mate e madeira para o comércio argentino e europeu. Não tiveram êxito,

principalmente por causa das dificuldades surgidas com as guerras

mundiais. Em 1946, os ingleses venderam esta área para um grupo de

empresários, todos descendentes de alemães e italianos do Rio Grande

do Sul, que fundaram então a Industrial Madeireira Colonizadora Rio

Paraná S/A, a qual passou a ser conhecida pela sigla Maripá. Em 27 de

março de 1946, um grupo de gaúchos de São Marcos montou

acampamento ao lado esquerdo do arroio Toledo, dando início à

colonização de Toledo e teve à frente da administração, Alfredo Ruaro,

pertencente ao grupo italiano. A primeira fase de colonização foi de 1946

a 1950, a partir da abertura de clareiras, construção de casas, abertura

de estradas e exportação de madeiras. Na segunda fase, de 1951 em

diante, a administração passou para as mãos de Willy Barth, do grupo

alemão, quando efetivamente iniciou a colonização.

Muitos autores publicaram obras sobre a ocupação do Oeste do

Paraná fazendo citações sobre a presença de descendentes de italianos e

alemães nesta região, provenientes principalmente do Rio Grande do Sul

e de Santa Catarina. Gregory, Vanderline e Myskiw dizem:

Arquitetar e implantar essa estrutura era uma maneira de aumentar a lucratividade da colonizadora, de promover a densa ocupação e povoamento da fronteira e de atender aos anseios dos colonos. Para o sucesso do empreendimento imobiliário era necessário, no entanto, selecionar os primeiros colonos, os pioneiros. Colonos com grande ou médio poder aquisitivo e com projeção nos núcleos coloniais no Sul do Brasil eram alguns dos requisitos solicitados, visto que isto daria credibilidade, seriedade e consistência às atividades desempenhadas pela Maripá (GREGORY, VANDERLINE e MYSKIW, 2004, p. 29).

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Os autores afirmam que o grande sucesso do projeto de

colonização é atribuído principalmente ao rigoroso planejamento e a

escolha do elemento humano que na verdade deveria adequar-se ao

projeto capitalista que a empresa Maripá pretendia implantar nas terras

por eles adquiridas.

Silva, Bragagnollo e Maciel descrevem o plano de colonização

através dos seguintes itens:

a) povoar densamente a fazenda com agricultores mais adaptáveis à região; b) mão-de-obra esmerada, dedicada aos mesmos produtos e aclimatada às mesmas condições físicas de determinado ambiente; c) não propagar ruidosamente a necessidade de gente, a fim de não atrair elementos aventureiros; d) dar preferência ao agricultor nacional; e) trazer o colono do sul, mais experiente em criação de suínos, fabricação de manteiga e queijo, cultivo de feijão, milho, batatas, trigo, fumo, arroz e outros; f) buscar os agricultores mais aconselháveis no Rio Grande do Sul e Santa Catarina descendentes de italianos e alemães, que já tinham mais de cem anos de aclimatação no Brasil; g) recrutar os agricultores através de agentes radicados nas regiões agrícolas de seus Estados; h) só mais tarde receber o agricultor do Norte do Estado, afeito ao cultivo do café e do algodão (SILVA, BRAGAGNOLLO e MACIEL, 1988, p. 87 e 88).

Mais uma vez fica clara a preocupação, para colonizar, com a

escolha do elemento humano que estivesse adaptado ao clima e

tivessem a experiência dos projetos de colonização do Rio Grande do Sul

e de Santa Catarina. Além disso, dar preferência ao agricultor nacional,

trazido do Sul do Brasil e não propagar ruidosamente a necessidade de

gente, a fim de não atrair elementos aventureiros, fato que demonstra o

esmero no controle desta empreitada e que remonta as raízes da

totalidade social que se encontra hoje na região.

A estratégia foi limitar a divulgação e canalizá-la a um público alvo

discriminado; ou seja, direcionado a grupos específicos. Nesse sentido,

escreve Keith Deral Muller:

Não foi usada publicidade para atrair os colonos, e os aventureiros e especuladores de terra foram evitados. Mais precisamente, a Companhia recrutou os fazendeiros mais eminentes assim como pequenos comerciantes para estabelecer um núcleo estável para a troca e transporte de mercadorias. Os primeiros fazendeiros limpavam rapidamente a terra e iniciaram a produção agrícola. Esperava-se que os primeiros colonizadores estimulassem outros fazendeiros a fazer o mesmo. O plano da Companhia era de que os bons pioneiros

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recrutassem outros, seguindo a teoria de que a qualidade atrai qualidade. […] O fato de a MARIPÁ ter restringido a escolha de seus colonos a grupos culturalmente homogêneos é altamente significativo. […] O progresso é muito mais rápido em zonas pioneiras onde as pessoas são culturalmente homogêneas do que em locais de grupos mistos. Isso é compreensível, pois as pessoas da mesma origem tem confiança entre si e trabalham juntas mais facilmente. Inicialmente, a cooperação acelera a construção de casas, estradas, escolas e hospitais, compra de equipamentos e venda das colheitas. Posteriormente, as colônias homogêneas formam cooperativas convencionais (MULLER, 1986, p. 93).

Na verdade, os colonos se dispunham a migrar para áreas nas quais

os projetos de colonização e a realidade comprovassem que os anseios

de organização social e de construção de vida familiar e individual

pudessem ser concretizados entre as pessoas da mesma origem. Por

outro lado, essa política justificava a negação do outro, do sem origem,

que implicava em evitar a sua vinda e, se estivesse presente, caracterizá-

la como intruso, inconveniente e não adequado, que deveria merecer um

tratamento conforme seu status.

Os colonos eram qualificados tanto por suas habilidades como por

suas origens. Ter origem implicava em ter a paternidade caracterizada,

em portar valores culturais, em ter bons costumes, em dominar idiomas

coloniais. Derald Keith Muller informa a seguinte premissa:

Quer-se migrantes que tenham identidade, origem, que falam a mesma língua, que têm costumes sociais iguais, as mesmas cidades natais e que possuem uma organização e experiência cooperativista altamente desenvolvida. Os colonos sem tais qualificações não foram recrutados e atraídos para o projeto, devido ao custo das terras. Conseqüentemente, os grupos de colonos do sul do Brasil trouxeram a Toledo traços especiais de cultura que facilitaram a abertura de estradas (MULLER, 1986, p. 135).

Sobre o mesmo assunto, José Augusto Colodel observa que:

A preferência por estes contingentes populacionais pode ser melhor sentida se observarmos que a MARIPÁ não divulgou amplamente suas propriedades abertas à colonização. A propaganda deu-se mais a nível verbal-pessoal. Para tanto, foram escolhidos agentes adequados ao tipo de trabalho a ser realizado. Geralmente eram profissionais, comerciantes estabelecidos ou mesmo agricultores com bom relacionamento pessoal nas áreas que cederiam colonos (COLODEL, 1988, p. 215).

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Por que não divulgar amplamente o projeto de colonização da

MARIPÁ? Fica claro que o motivo principal era evitar atrair pessoas que

não atendessem aos interesses capitalistas de seus diretores. Colonizar

com os mesmos grupos e interesses projetava um futuro de prosperidade.

O “outro” ou o “não sulista” poderia atrapalhar os planos, uma vez que os

eurodescendentes concebiam uma idéia pré-estabelecida de raça e não

aceitavam dividir o mesmo espaço no projeto de colonização.

Quem fazia o recrutamento eram os corretores de terras em

diversas cidades dos dois estados do sul. Inclusive, os próprios acionistas

da MARIPÁ participavam da seleção. A este respeito, Niederauer escreve

o seguinte:

O corretor para vender as terras era escolhido geralmente dentre comerciantes estabelecidos no interior gaúcho ou catarinense. Fazia a sua propaganda, usando de sua influência e argumentação, aproveitando a confiança que nele depositavam os seus amigos e fregueses. Convidava-os a “conhecerem o Paraná”. Abria uma lista de interessados e marcava uma data para o término das inscrições e a viagem. Geralmente só cobrava a viagem daquele que eventualmente voltava sem nada ter comprado (NIEDERAUER, 2004, p. 212).

O projeto de colonização tinha um planejamento bem detalhado,

por isso seria convidado o colono que possuísse um perfil pré-definido

para fazer parte de uma lista de interessados e marcar a viagem rumo à

região onde se localizavam as novas terras. Os colonos que compravam

terras não precisariam pagar a passagem da viagem.

Outro autor que também escreveu sobre a importância e influência

dos corretores foi Kalervo Oberg:

A Companhia empregou, como agentes, os fazendeiros e comerciantes mais importantes que tinham vindo primeiro para Toledo, com a tarefa de voltarem periodicamente para seus lugares de origem, nos dois estados sulinos, e recrutarem novos colonos. O que esses homens contavam a seus amigos a respeito de Toledo era acreditado, sendo de muito mais eficácia para conseguir novos colonos do que anúncios em jornais. Naturalmente, um homem de origem germânica falaria com outros da mesma origem; um italiano falaria a pessoas de sua antiga colônia italiana. Dessa forma, parentes e amigos que viviam em povoações alemãs ou italianas, no Sul, foram se mudando para Toledo e estabelecendo novas povoações com predominância de descendentes germânicas ou italianas. General Rondon é 95% germânico, enquanto que Novo Sarandi e Nova Concórdia são predominantemente de origem italiana (OBERG, 1960, p. 31).

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Estas atividades comerciais e estes mecanismos de relações

proporcionaram posições de ascendência dos comerciantes sobre os

colonos, pois os primeiros, nas novas colônias, geralmente montavam

casas comerciais, recebendo comissões sobre o valor dos lotes que eram

por eles vendidos.

Para os gaúchos e catarinenses, a MARIPÁ vendia terras a

prestação, sem entrada. O colono trabalhava na terra e depois pagava. A

empresa, em algumas situações, aconselhava comprar a quantidade de

terra de acordo com o número de filhos, para depois deixá-la como

herança. Portanto, percebe-se de forma explícita que a seleção dos

trabalhadores ocorreu desde os municípios de origem no Rio Grande do

Sul e Santa Catarina. Os diretores da Colonizadora não vendiam terra

para qualquer aventureiro. O convite era feito apenas para aqueles

descendentes de italianos e alemães com tradições agrícolas e que,

segundo aquele ponto de vista, portavam potencial progressista.

Conseqüentemente, quem não atendia a estas exigências era excluído do

processo. Estavam sempre atentos para não atrair elementos que não se

enquadravam nos planos da Companhia Colonizadora.

Quando os ingleses venderam estas terras para a nova empresa

(Maripá), esta região era já habitada por indígenas, que, por muitos

séculos, ocupavam o Brasil. Encontravam-se também na região muitos

paraguaios e argentinos, que trabalhavam na exploração da erva-mate e

da madeira. Também já trabalhavam ali alguns caboclos. Os paraguaios

presentes na região faziam parte do contingente populacional que servia

de mão-de-obra na Fazenda Britânia, antiga proprietária e exploradora

das terras, que dispensaria seus trabalhadores após o negócio da venda

para MARIPÁ. Porém, a nova colonizadora aproveitou boa parte desta

mão-de-obra para abrir estradas que iriam interligar as comunidades que

se formariam com a venda de terras aos sulistas. À medida em que a

colônia recebeu os descentes de alemães e italianos, que se dedicavam

às lides agrícolas e de criação, os “outros” foram dispensados

gradativamente conforme a colônia era instalada.

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Na verdade, a Maripá produziu uma espécie de “vazio social” em

suas terras para poder explorar e colonizar de acordo com seus

interesses. A memória dos primeiros tempos da colônia não mais

considerava os de outra origem e atribuiu o pioneirismo apenas aos

colonos sulistas. Ela admitiu a presença do caboclo como fonte de

trabalho braçal barato, e para mantê-lo como assalariado controlou o

acesso à compra de terras.

Para os descendentes sulistas que não tinham dinheiro a dar de

entrada na terra, a Companhia fazia um acordo para pagar conforme

tinham condições, geralmente depois das primeiras colheitas. No entanto,

dos caboclos que queriam comprar terra, exigiam que pagassem um

valor “x” de entrada. Como não tinham dinheiro para dar de entrada, não

podiam comprar e continuavam assalariados. Além de controlar a venda

de terras aos caboclos, a MARIPÁ procurou concentrar essa população em

uma mesma comunidade no antigo pouso 5, que, na verdade, não havia

sido adquirido pela Maripá.

Os agentes ou corretores conheciam as condições financeiras dos

seus clientes, conheciam os que trabalhavam mais, os que tinham

iniciativa e também aqueles mais confiáveis. Davam preferência àqueles

considerados agricultores das colônias do Rio Grande do Sul e de Santa

Catarina, que tinham condições financeiras estáveis, pois teriam

condições de honrar com os compromissos de compra do lote de terras a

prazo e, principalmente, contribuiriam positivamente na construção do

novo espaço colonial. Enquanto que o “outro” somente seria aceito se

tivesse condições de dar uma boa quantia como entrada, pois a sua

palavra não valia nada para os corretores, nem para a Companhia.

Complementando essas informações, Niederauer (2004) descreve a

vinda do terceiro grupo de imigrantes em 1946. Com eles teriam vindo

aproximadamente dez presidiários liberados da cadeia de Farroupilha

(RS), que haviam se comprometido a prestar serviços em Toledo, em

troca de liberdade. Conforme o autor, em entrevista ao Museu Histórico

de Toledo, o gaúcho pioneiro Ângelo Brogliato afirmava o que segue:

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A ausência do negro no discurso da colonização de Toledo.

Daqueles presidiários que vieram com o terceiro grupo, ao terminar o ano tinham desaparecido quase todos. Ficou apenas o José Silva, nego muito bom, era tão pretinho que parecia azul, e, mais um vacariano de Vacaria. Os dois eram gente muito boa e muito trabalhadores (NIEDERAUER, 2004, p. 99).

Tal relato nos demonstra que desde 1946 tínhamos a presença

negra como mão-de-obra, apesar de a maioria dos sulistas se referir aos

que não eram do sul como “caboclos”.

No trabalho de Geni Donassolo há, como anexo de sua pesquisa, o

interessante relato de um dos pioneiros que chegou à cidade de Toledo

em 1946:

Aí pro lado do rio do lado de Cascavel, era Vila Brasil, porque era ranchaiada dos operários, pretaiada, peão, gente que não tinha dinheiro para comprar uma data na cidade se estabelecia ali. Era tudo casa de pau atravessado e folha de taquara. No outro lado do rio não deixavam fazer rancho de tábua atravessada. Na época do Willy, só casa mais ou menos que aparece, se fosse fazer um rancho ele falava: então vai fazer lá embaixo na Vila Brasil (DONASSOLO, 1994, p. 36).

Percebe-se de forma bem clara que os descendentes de europeus

vindos do sul do Brasil se referem ao negro com certo desprezo. O

afrodescendente não é reconhecido pelo descendente europeu e nem

pela Companhia como um trabalhador que pudesse trazer

desenvolvimento e progresso para a região. Esta área na verdade não foi

adquirida pela MARIPÁ e por isto não fazia parte do projeto de colonização

e, portanto, passou a ser ocupada por aqueles que realizavam os

trabalhos braçais e não tinham condições financeiras de adquirir um lote

de terra dentro da área considerada de ocupação dos colonos pré-

selecionados. Assim, embora esta presença seja omitida, ela é

claramente parte do próprio processo de colonização. A negação dos

grupos de descendência africanas como parte do quadro social da região

reflete não apenas o projeto capitalista da Maripá, mas também o próprio

discurso determinista, com predileção por certas etnias.

O discurso determinista e a predileção pelo branco

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Essas idéias trazidas pela MARIPÁ não eram novidade em termos de

projeto de nação no Brasil. Desde a virada do século XIX para o século

XX, em que o processo de transição da mão-de-obra escrava para a mão-

de-obra livre contemplou a presença e a preferência pelo europeu,

surgiram as idéias de “branqueamento” da raça brasileira, além das

teorias deterministas, tanto da raça como do meio social onde ela se

desenvolveria.

Para entendermos como isso está incorporado em nossa psicologia

social, brevemente elencaremos alguns importantes pensadores que

disseminaram no Brasil certas idéias que corroboraram com as

concepções deterministas de meio e de raça. Esses autores, em maior ou

menor grau, criaram um cenário não favorável ao negro e mais

convidativo ao branco para os anseios de prosperidade e

desenvolvimento do país. Para começar, apresentamos um fragmento de

texto de Nina Rodrigues (1862-1906), um dos primeiros e mais

importantes estudiosos do negro no Brasil logo após a abolição da

escravatura, no final do século XIX. Em geral, no pensamento do autor,

fruto das concepções etnocêntricas e positivistas da época, essa etnia

aparece discriminada como fraca e atrasada:

(…) Os extraordinários progressos da civilização européia entregaram aos brancos o domínio do mundo, as suas maravilhosas aplicações industriais suprimiram a distância e o tempo. Impossível conceder, pois, aos negros como em geral os povos fracos e retardatários, lazeres e deslongos de uma aquisição muito lenta e remota de sua emancipação social (RODRIGUES, 1982, p. 264).

O determinismo do meio e da raça, herança do Darwinismo social

tenta justificar a superioridade da raça branca, a qual, com o progresso,

passaria a dominar praticamente o mundo do trabalho dentro das

relações de dominação capitalista, o que justificaria o domínio também

dos europeus sobre o índio e o negro no Brasil.

Nina Rodrigues afirmava que as raças “superiores” acabavam

vencendo as “inferiores” na competição social; a história seria um lento

processo de aperfeiçoamento da atividade psíquica, moral e intelectual; o

negro e o índio seriam obstáculos ao progresso. A absorção incompleta do

Inácio Finger 12

A ausência do negro no discurso da colonização de Toledo.

catolicismo por eles evidenciaria a “incapacidade” de tais etnias de

assimilarem uma cultura “superior”. Enfim, Nina Rodrigues enfatiza, com

bastante insistência, juízos de valor e distorce as conclusões a partir das

constatações, o que reflete claramente sua orientação cientificista, típica

da virada do século XIX para o XX. Um exemplo desse último aspecto é o

fato de ele ver uma deficiência no fato dos negros e índios terem aceitado

apenas parcialmente o catolicismo, ao invés de perceberem nisso um

elemento de resistência do oprimido. Defendeu também a tese de que

negros e índios não poderiam ser penalizados diante da lei da mesma

maneira que os brancos. O motivo seria sua mentalidade infantil, reflexo

de sua psicologia atrasada (RODRIGUES, 1982, p 266).

Além de Nina Rodrigues, encontramos em Silvio Romero (1851-

1914) outra expressão relevante de como as idéias deterministas tiveram

repercussão no meio intelectual brasileiro. Esse último autor dizia que,

com a vinda dos imigrantes de cor branca, haveria uma espécie de

purificação étnica no país, prevalecendo os caracteres “superiores” em

detrimento dos “inferiores” (ROMERO, 2001). Como argumenta Luiz

Roberto Lopez, a conseqüência desse pensamento poderia possibilitar “a

concreta possibilidade de se pensar em criar um grande país” (LOPEZ,

1988, p. 70 e 71). Negros e índios seriam “selvagens”, não

“domesticados” e, por conseguinte, indiferentes em relação aos padrões

e valores da Europa branca.

Da mesma maneira, José Veríssimo (1857-1916), intelectual,

ensaísta e crítico literário do final do Império e início da República, usava

a Expressão “moralidade primitiva de selvagem”, explicitando seu

eurocentrismo, deixando implícito que seria possível uma outra

moralidade para o homem brasileiro, evidentemente mais elevada do que

aquela vigente. Veríssimo, autor de A educação nacional, escrevia e

disseminava idéias sobre o Brasil e o homem brasileiros em consonância

com a perspectiva determinista (VERÍSSIMO, 1985).

Diferentemente dos intelectuais anteriores, Oliveira Viana (1883-

1951), influeciou por bem mais tempo o pensamento social brasileiro,

Inácio Finger 13

A ausência do negro no discurso da colonização de Toledo.

produzindo e disseminando seu pensamento, por boa parte da primeira

metade do século XX, no Brasil. Dizia que em virtude da superioridade

étnica, seria justo que a propriedade da terra ficasse nas mãos do branco,

bem como seria justo vincular à propriedade determinados direitos

políticos. Oliveira Viana, em Populações Meridionais do Brasil e Raça e

assimilação defendia a mestiçagem como forma de desenvolver o país,

deixando claro que o destino brasileiro não poderia ficar a cargo de

determinadas etnias, como o indígena e o afrodescendente (VIANA, 1933

e 1959).

O pensamento desses intelectuais é uma amostra das noções a

respeito da qualificação do branco e desqualificação do negro em relação

às justificativas de emprego da mão-de-obra, desde o final do século XIX

até boa parte do século XX, no Brasil. Essa perspectiva, muitas vezes,

dava a tônica para a preferência do branco em detrimento do negro e

representava o cerne do pensamento dominante, justificando por vias

supostamente científicas as escolhas feitas a regalia dos adeptos destas

teorias.

A ausência do negro no discurso oficial e a atividade em sala de

aula

Diante dessas informações e especialmente frente ao quadro

psicológico e cultural brasileiro que julgava a disposição do

afrodescendente, principalmente na primeira metade do século XX,

sabemos o quão difícil fora ao negro ter a possibilidade de um

enquadramento social satisfatório, tanto nas relações de trabalho, quanto

no reconhecimento qualitativo de seus valores humanos como um todo.

Essa prerrogativa reflete-se, inclusive, na dificuldade em encontrar fontes

abundantes dessa presença afrodescendente nos meios de comunicação

que divulgavam os processos de colonização do oeste paranaense, por

exemplo. Nesse sentido, apesar de termos a informação de que essa

presença existiu de fato nesse processo, ela se mostra timidamente em

fontes esparsas e com pouca riqueza de detalhes.

Inácio Finger 14

A ausência do negro no discurso da colonização de Toledo.

Nas leituras realizadas durante a implementação do projeto

colonizador, os alunos perceberam as razões dos procedimentos da

MARIPÁ e a perspectiva de incentivo para a vinda de eurodescendentes

como principal elemento humano na colonização. Além disso, foi

estudado como eram excluídos os afrodescendentes da compra das

terras e sua presença afastada do mesmo espaço.

Através da pesquisa realizada na internet, verificamos que já estão

catalogados muitos dados sobre os municípios, mas faltam muitos dados

sobre o início da colonização, pois os sites privilegiam principalmente o

período a partir da década de 1980.

Na atividade da entrevista, os estudantes encontraram muitas

dificuldades e não se chegou a um resultado plenamente positivo ou de

acordo com as expectativas iniciais. Alguns depoentes afrodescendentes

simplesmente não aceitaram responder as perguntas que se referiam

sobre quais atividades já realizaram ou realizam no município ou há

quanto tempo que morariam em Toledo. Outras questões relevantes

foram o porquê de preferir fixar residência na região e se já teriam sofrido

alguma discriminação, igualmente recebidas com resistência por esses

afrodescendentes. Constata-se que alguns dos entrevistados já sentiram

uma certa rejeição por serem de outra etnia que não fosse a alemã ou

italiana. A maioria dos entrevistados sente-se feliz nas atividades

exercidas ou em exercício e parte admite ter chegado a determinado

cargo por “mérito próprio” de formação e profissionalização, e “não por

indicação ou ajuda de outras pessoas”:

Algumas outras falas apresentaram idéias muito vagas em relação a

esses questionamentos. Por exemplo, a entrevista de João da Silva3

relatou que veio para esta região porque aqui haveria muita

disponibilidade de serviços, mas não se sentia bem e queria ir embora

pela forma que era tratado pelos sulistas. Acabou ficando aqui, constituiu

família e foi se adaptando. Se sentia de certa forma rejeitado, pois os

colonos vinham do sul, compravam terra, contratava-o para abrir uma

3 Entrevista com João da Silva, registrada em 26/05/2009. João da Silva foi o nome fantasia, dado ao entrevistado, o qual fez o pedido de não ser identificado

Inácio Finger 15

A ausência do negro no discurso da colonização de Toledo.

clareira onde seria construído um rancho e, geralmente, dependendo da

época, iniciava-se um plantio de milho. O colono voltava ao Sul para

buscar a mudança e trazia a família. Com a família, geralmente vinha

algum parente ou amigo para trabalhar. Assim, ele e outros, que foram

contratados, na maioria das vezes, por empreita, acabavam sendo

dispensados. Dessa maneira, ele deveria contatar outro colono para

exercer função semelhante. Freqüentemente era dispensado porque não

confiavam na sua presença. Ainda mais “com a presença da família,

escutava os colonos comentar que era perigoso um estranho perto da sua

família”4.

Já Marcos Antonio da Silva, que chegou a Toledo em 1986, hoje

policial aposentado, diz que quando saiu sua transferência para Toledo,

não queria aceitar a transferência para esta região, porque “era terra de

alemão”. Só veio por influência de um amigo que tinha conhecido no

quartel em Brasília. Segundo ele, sofria mais discriminação por ser

policial do que negro: “quando chegava a serviço nas festas ou bailes,

principalmente no interior, o pessoal estranha mais, pois diziam que

nunca tinham conhecido um policial negro”5. Marcos também afirmou que

ficava com um pé atrás, (…) já saía de casa premeditando uma inferioridade e achava que seria discriminado. Na verdade sofri mais preconceito dos próprios negros que me discriminavam por me vestir bem, andar limpo, de pentear o cabelo e não beber nem fumar e não me envolver em confusão em bares. Dentro da profissão o comportamento do negro era mais cobrado para não chamar a atenção e servir de exemplo. Muitos negros se metiam em confusão para chamar atenção, geralmente com brancos e queriam que eu livrasse a barra dele por também ser negro. Aprendi com meu pai que se você possui uma conduta aceitável você é respeitado em qualquer sociedade. O negro geralmente se prende na discriminação e não luta pelo seu espaço6.

A discriminação existia muitas vezes porque o próprio negro se

discriminava, tanto pelo seu trabalho como pela sua vivência e

convivência na sociedade. A fala de Marcus evidencia um senso comum,

fruto de uma memória social arraigada na psicologia de muitos

4 Idem.5 Entrevista com Marcos Antonio da Silva, registrada em 15/05/2009.6 Idem.

Inácio Finger 16

A ausência do negro no discurso da colonização de Toledo.

brasileiros, independente da etnia. O temor em freqüentar um espaço

que não lhe pertenceria (por ser povoado por uma maioria branca)

mostra também as minúcias da exclusão social, que, por mais que a

neguemos atualmente, permanece cristalizada no pensamento de muitas

pessoas.

Este trabalho com as entrevistas, feitas pelos próprios estudantes,

foi interessante para apresentar na prática alguns dos elementos

estudados na teoria. Embora não tenha alcançado seu objetivo inicial, por

falta de dados, ou, talvez, por um equívoco na metodologia, em que as

entrevistas pudessem ser direcionadas de forma diferente, foram de boa

valia para envolver minimamente os alunos na atividade proposta.

Inicialmente, gostaria de tê-las utilizado como principal fonte de análise

para evidenciar a presença do negro de fato e a ausência do mesmo no

discurso oficial. Devido à escassez de fontes, imaginei que, talvez, elas

seriam preciosas para preencher muitas lacunas. No entanto, me deparei

com a dificuldade dos alunos em procurar os afrodescendentes e realizar

as entrevistas, as quais me chegaram com relatos muito curtos e com

poucos dados.

Penso que seria possível melhorar essa atividade, montando um

roteiro mais completo de questões, envolvendo grupos de alunos para

realizar as entrevistas em vez de incumbi-los individualmente. Além

disso, tal tarefa deveria ter uma supervisão mais assídua do professor

responsável. No entanto, mesmo com a escassez de informações, creio

ter construído uma proposta interessante, instigado os alunos à pesquisa

e ao conhecimento da história do município, interligada à história como

um todo, como tradicionalmente se estuda no colégio, com base no

currículo escolar.

Considerações Finais

A colonizadora MARIPÁ trazendo os migrantes eurobrasileiros da

região do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina, acostumados a um

contexto cultural, social e político europeu continuou a reproduzir este

Inácio Finger 17

A ausência do negro no discurso da colonização de Toledo.

modelo nas novas frentes de colonização no Oeste do Paraná. Construiu

sociedades e espaços que propiciaram condições de vivência e de um

modo de ser característico do modelo europeu. O espaço colonial, na sua

dinâmica de construção e desenvolvimento, veio a reproduzir, também,

condições de repulsão populacional na medida em que a sociedade

colonial ia se estabelecendo, através da sucessiva construção de novos

espaços coloniais. Assim, conforme Oscar Silva:

O fato de alguns grupos étnicos terem se concentrado em determinadas localidades, originando, até certo ponto, um isolamento, foi uma ocorrência natural e lógica. Indivíduos oriundos de uma mesma região preferiam, como era de se esperar, adquirir suas propriedades em locais onde houvesse famílias afeitas à mesma língua, aos mesmos usos e costumes. Não é pois de se estranhar que a miscigenação só ocorresse algum tempo depois (SILVA, 1988, p.93)

As questões territoriais e populacionais no início do século XX, tanto

em nível federal como estadual, projetaram e organizaram as ações dos

governos para dirigir e controlar o processo de ocupação e de exploração

territorial através de políticas públicas, cujos discursos deixavam

transparecer opções seletivas com relação ao tipo de colonização e ao

tipo de colonos, calcadas em falsas e preconceituosas justificativas. A

colônia da MARIPÁ foi implantada com colonos selecionados a partir de

um discurso e de uma prática marcada por noções pré-concebidas,

privilegiando colonos do Sul do Brasil e de valores coloniais

fundamentados na etnicidade e no que concebiam como “espírito

colonial”. Os eurodescendentes receberam todas as glórias da

organização, instalação, trabalho e sucesso do projeto. Nota-se que na

ocupação dos espaços foram observados os critérios de comunidades

construídas a partir de um princípio étnico e moral, garantido na maioria

das vezes pelo transplante de comunidades do Rio Grande do Sul para o

novo projeto no Oeste do Paraná.

Diante dessas informações, durante as atividades práticas, foram

feitos debates em sala e os estudantes perceberam a importância de se

estudar e entender a história regional. A história oficial construída de

acordo com a implantação da colonizadora MARIPÁ excluiu e omitiu o

Inácio Finger 18

A ausência do negro no discurso da colonização de Toledo.

papel de outros grupos étnicos que estiveram presentes neste período.

Isto se confirma na pesquisa de Donassolo, em relato já citado de um

pioneiro que dizia:

Aí pro lado do rio do lado de Cascavel, era Vila Brasil, porque era ranchaiada dos operários, pretaiada, peão, gente que não tinha dinheiro para comprar uma data na cidade se estabelecia ali.

Os estudantes constataram uma lacuna entre a história oficial da

colonizadora em relação aos depoimentos de pioneiros que foram

estudados. Ficou claro que não há uma única interpretação para a história

e que mesmo na chamada “historia oficial” se silencia aspectos

importantes da memória do município, visto que encontramos esses

conflitos e também a presença do afrodescendente e outros aspectos nos

estudos realizados. Aqui os alunos compreenderam a diferença entre a

teoria e a prática do discurso presente na sociedade.

Foi interessante notar um dos questionamentos realizados durante

os debates: “onde estes excluídos estão morando hoje?” A resposta foi

construída em conjunto no debate e apoiada nos textos estudados: a

maioria vive exatamente nesta região, a qual o pioneiro se referia na

citação anterior. Hoje esta maioria continua nos bairros, na periferia da

cidade, em localidades excluídas, em certo sentido, do núcleo formado

pela colonização, ausentes no discurso, mas presentes de fato desde o

início da constituição do município.

Para finalizar este artigo, além do relato da experiência de pesquisa

e da atividade propiciada por ela, preciso destacar a importância da volta

de nós professores PDE à universidade. A maioria dos professores do

ensino fundamental e do ensino médio, após a conclusão de sua

docência, perdeu o contato com as Instituições onde se formaram.

Geralmente, cada um vai para uma escola diferente, freqüentemente

participa de cursos e capacitações oferecidos pela SEED e acaba

perdendo o vínculo com a faculdade.

Voltar à Universidade, participar de cursos específicos ministrados

geralmente por mestres e doutores, participar de grupos de estudo e

pesquisa, participar de seminários e congressos com os universitários,

Inácio Finger 19

A ausência do negro no discurso da colonização de Toledo.

especialistas e mestrandos foi excelente. Discutir e refletir elementos e

questões pertinentes da área de história com outros colegas do PDE e

com os professores da Universidade foi muito produtivo. Esta troca de

impressões e experiências nas áreas de pesquisa e ensino, hoje

realizadas nas Instituições Superiores, para alguns foi novidade, pois não

participaram dos cursos oferecidos pela Secretaria de Educação. Para

mim, nem tanto, pois participei da formação continuada oferecida nos

últimos anos e já tinha tomado conhecimento de alguns estudos

acadêmicos em voga, dos quais entrei em contato novamente, além de

agora ter ampliado e enriquecido aquele leque anterior.

Referências Bibliográficas

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WACHOWICZ, Ruy Christowan. História do Paraná. 6ª edição. Curitiba: Editora Gráfica Vicentina Ltda, 1988.

Entrevistas Citadas

Entrevista com João da Silva, registrada em 26/05/2009.

Inácio Finger 21

A ausência do negro no discurso da colonização de Toledo.

Entrevista com Marcos Antonio da Silva, registrada em 15/05/2009.

Sugestões De Sites

http://www.espaçoacademico.com.br/086/86prado.pdf

http://www.portaltoledo.com.br

http://www.irohin.org.br

http://www.ensinoafrobrasil.org.br/portal/

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