A AUTOMEDICAÇÃO NO ENSINO DE QUÍMICA: UMA PROPOSTA ... · desenvolvimento do pensamento...
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1 Professora PDE 2016/2017 Suzamara Baldissera.E-mail:[email protected] 2 Orientadora Dra Conceição de Fátima Alves Olguin. E-mail:[email protected]
A AUTOMEDICAÇÃO NO ENSINO DE QUÍMICA: uma proposta metodológica utilizando dispositivos móveis
Confortin, Suzamara Baldissera1
Olguin, Conceição de Fátima Alves2
Resumo: O conhecimento de Química Orgânica muitas vezes se torna difícil para os alunos, há falta de interesse e a aula se torna cansativa, então, o professor precisa utilizar de metodologias diferenciadas para gerar uma aprendizagem motivadora. Assim, o presente artigo relata a construção e a implementação de uma prática pedagógica que trabalha as funções orgânicas, a partir de uma abordagem contextualizada (a automedicação), utilizando recursos dos dispositivos móveis. O projeto foi desenvolvido em quatro etapas, a partir de entrevista com pessoas da comunidade e de pesquisa sobre os princípios ativos dos medicamentos relatados na entrevista. Dessa forma, utilizando alguns recursos dos dispositivos móveis e trabalhando de maneira contextualizada é possível fazer com que os alunos se apropriem significativamente do conhecimento, uma vez que eles conseguem relacionar o conteúdo estudado na escola com o seu cotidiano. Os resultados foram satisfatórios, houve o empenho e a participação de todos os alunos da turma, possibilitando a consolidação de saberes adquiridos em sala de aula e uma visão consciente e com mudança de hábitos quando se trata de medicamentos.
Palavras-chave: Automedicação; Contextualização; Funções orgânicas; Dispositivos
Móveis.
1. Introdução
O cenário atual da educação no Brasil é extremamente preocupante, uma vez
que não recebe a devida importância quanto ao seu papel na sociedade, além de
apresentar uma precária qualidade educativa, necessitando de urgentes mudanças.
Os professores, por outro lado, enfrentam dificuldades relacionadas às políticas
públicas e precisam enquanto sujeitos que atuam no espaço escolar, “interagir não
apenas com os seus alunos em sala de aula, mas em todo espaço educativo,
mediado pelos conhecimentos científicos, culturais, tecnológicos, filosóficos,
artísticos e políticos” (BRASIL, 2014, p.16).
Dessa maneira, se faz necessário que o professor utilize metodologias
diferenciadas, criando alternativas para modificar sua prática. Para Antunes (2002):
A atual geração requer novas ferramentas metodológicas para não perder o foco do aprendizado. Já que as ferramentas tradicionais de ensino não possuem uma eficácia motivadora e dinâmica quando se refere ao ensino-aprendizagem de Química. (ANTUNES, 2002, p 63).
Nessa perspectiva, o professor deve procurar abordar em sala de aula, temas
que estejam próximos da realidade dos alunos. Por exemplo, o tema automedicação
é um assunto pertinente, pois muitos adolescentes e jovens consomem
medicamentos de forma extremamente abusiva e não têm conhecimento das
implicações dessa prática na saúde.
É importante ressaltar a necessidade de ampliar a possibilidade de utilização
das novas tecnologias nos processos de ensino e de aprendizagem em Química,
pois os recursos que elas disponibilizam podem contribuir para a formação
educacional, na atualização de conhecimentos e na socialização de experiências.
Segundo Kenski (2004),
As novas tecnologias de informação e comunicação, caracterizadas como midiáticas, são, portanto, mais do que simples suportes. Elas interferem em nosso modo de pensar, sentir, agir, de nos relacionarmos socialmente e adquirirmos conhecimentos. Criam uma nova cultura e um novo modelo de sociedade. (KENSKI, 2004, p. 23).
Dessa forma, este trabalho tem como objetivo abordar o tema
Medicamentos, uma vez que, seu consumo sem orientação médica é um hábito na
vida dos brasileiros e, nas últimas décadas, tem aumentado significativamente.
Assim, através da problematização sobre a automedicação aliada a utilização da
tecnologia é possível articular os conteúdos de Química Orgânica, valorizando o
desenvolvimento do pensamento individual dos educandos e o caráter social do
conhecimento científico.
2. A contextualização no Ensino de Química
Ensinar de forma contextualizada, por mais que seja um desafio para muitos
professores é a maneira mais significativa de levar os educandos a uma educação
científica, nas dimensões da Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS) e a interpretar
o mundo, compreendendo a relação do homem com o meio em que está inserido.
Contextualizar a química, por exemplo, não é promover uma ligação artificial
entre o conhecimento e o cotidiano do aluno. Não é citar exemplos como ilustração
ao final de algum conteúdo, mais que contextualizar é propor “situações
problemáticas reais e buscar o conhecimento necessário para entendê-las e
procurar solucioná-las” (PCN+, p.93).
Santos e Schnetzler (2003) recomendam a abordagem de temas sociais para
o desenvolvimento das habilidades essenciais do cidadão, como a participação e a
capacidade de tomar decisões.
Diante deste cenário, Sampaio (2008) argumenta que:
Existe, portanto, a necessidade de transformações do papel do professor e do seu modo de atuar no processo educativo. Cada vez mais ele deve levar em conta o ritmo acelerado e a grande quantidade de informações que circulam no mundo hoje, trabalhando de maneira crítica com a tecnologia presente no nosso cotidiano. Isso faz com que a formação do educador deva voltar-se para análise e compreensão dessa realidade, bem como para a busca de maneiras de agir pedagogicamente diante dela. É necessário que professores e alunos conheçam, interpretem, utilizem reflitam e dominem criticamente a tecnologia para não serem por ela dominados. (Sampaio, 2008, p. 19).
Sendo assim, através de situações problemas vivenciadas pelos educandos o
professor poderá produzir novos significados sobre o processo de ensino e
aprendizagem, despertar o interesse dos alunos, levando-os a uma melhor
compreensão dos conteúdos de Química.
3. A tecnologia dos dispositivos móveis em sala de aula
O impacto da tecnologia na educação, mais precisamente no cotidiano da
prática docente é um desafio, principalmente no que diz respeito às estratégias de
como trabalhar com os novos meios digitais de forma a contribuir significativamente
no processo de ensino aprendizagem.
Segundo Lima Junior (2005), o acesso às redes digitais de comunicação e
informação é importante para o funcionamento e o desenvolvimento de qualquer
instituição social, especialmente para a educação que lida diretamente com a
formação humana. No entanto, a incorporação da utilização dos dispositivos móveis
nas escolas apenas terá sentido se forem mantidos os princípios que regem a busca
do processo de humanização.
A introdução das novas tecnologias na educação ganha cada vez mais
espaço nas salas de aula, especialmente a dos dispositivos móveis, pois podem ser
apontados como ferramenta pedagógica de apoio no processo de ensino e
aprendizagem.
Segundo Kenski (2011),
O uso criativo das tecnologias pode auxiliar os professores a transformar o isolamento, a indiferença e a alienação com que costumeiramente os alunos frequentam as salas de aula, em interesse e colaboração, por meio dos quais eles aprendam a aprender, a respeitar, a aceitar, a serem pessoas melhores e cidadãos participativos (KENSKI, 2011, p. 103).
Entretanto, deve-se considerar que não se trata de simplesmente preparar os
alunos para saber lidar com uma determinada ferramenta tecnológica, mas uma
educação que utilize as novas tecnologias no sentido de potencializar a criatividade
dos alunos promovendo resultados satisfatórios no processo de ensino e
aprendizagem.
Sendo assim, ao incorporar a tecnologia dos dispositivos móveis em sala de
aula, ampliará as possibilidades de informação e apropriação de conhecimento, pois
haverá maior flexibilidade de espaço e tempo e o prolongamento das atividades
escolares para além da sala de aula, pois a internet e os seus recursos trouxeram
para as relações sociais possibilidades ampliadas de informação, comunicação e
mobilidade, acabando por se tornarem imprescindíveis em um contexto de mundo
globalizado.
Para Moran (2008):
As tecnologias são pontes que abrem a sala de aula para o mundo, que representam, medeiam o nosso conhecimento do mundo. São diferentes formas de representação da realidade, de forma mais abstrata ou concreta, mais estática ou dinâmica, mais linear ou paralela, mas todas elas, combinadas, integradas, possibilitam uma melhor apreensão da realidade e o desenvolvimento de todas as potencialidades do educando, dos diferentes tipos de inteligência, habilidades e atitudes (MORAN, 2008, p. 170).
Portanto, uma proposta metodológica que trabalha com a contextualização
aliada à tecnologia poderá levar os alunos a uma melhor compreensão da Química,
pois proporcionará uma aula mais motivadora e dentro da sua realidade, podendo
formar cidadãos com uma autonomia intelectual e com capacidade de tomar
decisões num mundo de pluralidades e de trocas de experiências.
4. Automedicação como tema norteador para o estudo das Funções Orgânicas
A automedicação é uma prática caracterizada fundamentalmente pela
iniciativa de um doente, ou de seu responsável, em obter, ou produzir e utilizar um
produto que, acredita lhe trará benefícios no tratamento de doenças ou alívio de
sintomas (PAULO & ZANINE, 1988). O ato de tomar medicamentos sem prescrição
foi vivenciado por civilizações de todos os tempos, com características peculiares a
cada época e a cada região e é ainda hoje bastante comum em diversos países,
inclusive no Brasil.
No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) regulamenta a
venda e a propaganda de medicamentos que possam ser adquiridos sem prescrição
médica, porém, não há regulamentação nem orientação para aqueles que os
utilizam.
Diante dessas considerações, pode-se dizer que são inúmeras as razões
pelas quais as pessoas se automedicam: a influência da mídia televisiva e de vários
outros meios de comunicação e propaganda, a precariedade da saúde pública, a
indicação de terceiros, o grau de instrução e informação dos usuários de
medicamentos, os hábitos culturais, o medo das pessoas pela possibilidade de
adquirir uma doença, a falta de regulamentação e fiscalização na venda de
medicamentos, entre outras.
Entretanto, apesar da automedicação ser um problema de grande relevância,
não há investimento por parte das autoridades públicas em campanhas e
propagandas de caráter educativo, programas de orientação para profissionais de
saúde, farmacêuticos, balconistas e população em geral, bem como no controle e
fiscalização do mercado.
Nessa perspectiva, pode-se dizer que a automedicação é um assunto
pertinente e a importância em explorar essa temática inserida no cotidiano, está no
fato de que muitas vezes esta prática poderá trazer riscos e consequências
irreversíveis à saúde das pessoas.
5. Metodologia
A implementação do projeto teve início em fevereiro de 2017 e foi
desenvolvida com uma turma de 3ª série do ensino médio do Colégio Estadual
Professora Júlia Wanderley – PR, composta por vinte e seis alunos do período
matutino no primeiro semestre de 2017.
O trabalho foi dividido em quatro etapas principais:
I) observação do conhecimento prévio dos alunos sobre a automedicação por
meio de uma charge e alguns questionamentos;
II) compreensão e o conceito de medicamentos, sua classificação e os
perigos da automedicação;
III) entrevista com pessoas da comunidade local, investigando os
medicamentos mais consumidos, pesquisando os princípios ativos, construindo as
fórmulas e identificando as funções orgânicas desses medicamentos;
IV) socialização dos conhecimentos adquiridos sobre a automedicação
através de recursos de vídeos de modo a contribuir no desenvolvimento intelectual
dos educandos e na formação de cidadãos mais conscientes.
É importante relatar que em todas as etapas os dispositivos móveis foram
aliados importantes nas estratégias metodológicas.
6. Resultados e discussão
O objetivo principal deste projeto foi o de trabalhar as funções orgânicas, de
forma contextualizada, utilizando alguns recursos dos dispositivos móveis e tomando
como base os princípios ativos presentes nos medicamentos mais consumidos pela
população. Como os alunos ainda não tinham conhecimento prévio sobre as funções
orgânicas, a ideia foi a de abordar este conteúdo após os primeiros conceitos da
Química Orgânica, a classificação do carbono e das cadeias carbônicas, assim
como o estudo dos hidrocarbonetos e a apresentação dos grupos funcionais das
demais funções orgânicas.
6.1 Conhecimento prévio
Para investigar o conhecimento prévio dos alunos sobre a automedicação, foi
apresentada uma charge (figura 1) e após discussão, os alunos foram orientados a
responderem sete questões referentes à prática da automedicação.
Figura 1: Charge
Fonte: http://portaldoprofessor.mec.gov.br/fichaTecnicaAula.html?aula=7258. Acesso em set. 2016.
A maioria dos alunos respondeu que a charge se tratava de pessoas que
tomam medicamentos sem necessidade, que a precariedade da saúde pública e a
influência de familiares e amigos levam as pessoas à prática da automedicação.
Percebeu-se também que os alunos tinham um conhecimento prévio sobre o tema,
pois grande parte respondeu que automedicação é a prática realizada quando as
pessoas tomam medicamentos sem prescrição médica.
Os medicamentos mais consumidos pelos alunos foram: analgésicos, anti-
inflamatórios, entre outros medicamentos de variadas naturezas, inclusive
medicamentos controlados, como por exemplo, o paracetamol, o ácido
acetilsalicílico, a dipirona, o torsilax e o rivotril (controlado). Poucos alunos relataram
que compram medicamentos por influência de propagandas e a maioria respondeu
que considera a automedicação perigosa, porém não conseguiram apontar
consequências. Com relação à contribuição do Ensino da Química, na compreensão
dos riscos da automedicação, os alunos argumentaram que é importante conhecer
as fórmulas e a atuação dos medicamentos no organismo.
O uso racional de medicamentos compreende a prescrição apropriada, a
disponibilidade oportuna e a preços acessíveis, a dispensação em condições
adequadas, o consumo nas doses e pelo período de tempo indicado e nos intervalos
definidos. Assim como a utilização de medicamentos eficazes, seguros e de
qualidade (SANTOS; NITRINI, 2004).
6.2 Medicamentos, classificação e os perigos da automedicação
Nesta etapa os alunos realizaram várias atividades em grupo utilizando
dispositivos móveis. A turma foi dividida em grupos de três alunos e cada grupo
tinha, pelo menos, um dispositivo móvel disponível. Alguns alunos utilizaram os
tablets disponíveis no colégio através do “Projeto Conectados”, lançado no início de
outubro de 2015 pela Secretaria de Estado de Educação do Paraná (SEED-PR), que
prevê a utilização pedagógica de tablets com alunos.
É importante salientar que o trabalho em grupo como estratégia didática de
ensino apresenta vários pontos positivos por proporcionar a interação entre os
alunos e a troca de experiências entre os mesmos, favorecendo, assim, a processo
de aprendizagem.
Segundo Madalena Freire (1996):
Aprendemos a pensar junto com o outro, num grupo coordenado por um educador. Aprendemos a ler, construindo novas hipóteses na interação com o outro. Aprendemos a escrever organizando as nossas hipóteses na interação com as hipóteses do outro. Aprendemos a refletir estruturando nossas hipóteses na interação e na troca com o grupo. A ação, a interação e a troca movem o processo de aprendizagem. Função do educador é interagir com seus educandos para coordenar a troca na busca do conhecimento (Freire, 1996, p.07).
Os alunos pesquisaram sobre os medicamentos, tendo a oportunidade de
conhecerem o contexto histórico, sua classificação, os princípios ativos, a
interpretação das bulas, as fórmulas químicas envolvidas, os perigos da
automedicação e ainda socializarem as informações e os conhecimentos adquiridos
através de um grupo de whatsapp criado pela professora, o qual foi
antecipadamente conversado e definido alguns acordos e regras para a utilização e
o bom andamento dos conteúdos disponibilizados.
Mattar (2014) define o whatsapp como um recurso de comunicação rápido e
promissor que pode ser utilizado como uma plataforma de apoio à educação,
facilitando a interação do professor com os alunos através da criação de grupos de
usuário, de envio de textos, imagens, sons e vídeos.
Dando continuidade, os alunos acessaram alguns links de materiais da
ANVISA, os quais apresentavam uma cartilha intitulada: “O Que Devemos Saber
Sobre Medicamentos” com informações e orientações para a leitura de bulas,
visando garantir o uso seguro e racional dos medicamentos e um caderno intitulado:
“Projeto Educação e Promoção da Saúdo no contexto escolar: O contributo da
Agência Nacional de Vigilância Sanitária para o uso racional de medicamentos” que
auxiliou os alunos na compreensão das influências da propaganda no uso de
medicamentos e dos principais conceitos envolvidos no tema.
Após a análise dos materiais foi realizada uma explanação dos tópicos mais
relevantes: conceito de medicamentos; diferença entre remédio e medicamento; as
principais informações que aparecem na bula dos medicamentos; conceito de
automedicação e perigos da automedicação.
Ao término da explicação foi disponibilizado dois links de vídeos para
contextualizar mais sobre o tema. Um dos vídeos de duração de 4 minutos e 24
segundos apresentou uma reportagem intitulada: “Automedicação e Danos à
Saúde”, apresentada pelo Canal Futura no dia 25 de junho de 2014 e publicada no
YouTube no dia 8 de julho de 2014 e outro com duração de 7 minutos e 20
segundos apresentou uma das séries do quadro “Mundos Invisíveis” apresentada na
Rede Globo de Televisão em 2008 pelo programa Fantástico. No vídeo, o físico e
astrônomo Marcelo Gleiser comenta um pouco sobre os primeiros medicamentos
utilizando técnicas da alquimia.
Em seguida, cada grupo respondeu algumas questões referentes aos
materiais estudados e através da ferramenta online do google forms e do whatsapp
foram socializadas as informações e realizadas discussões acerca do tema.
Dessa forma, foi observada a participação efetiva dos alunos, com
motivação, curiosidade e uma aprendizagem significativa em relação aos conceitos
básicos sobre os medicamentos e aos riscos da automedicação. Algumas de suas
falas foram: “se o conteúdo da aula fosse impresso, talvez nós não tivéssemos tanto
interesse”; “realizar as atividades utilizando o celular é mais divertido”; “com a
utilização do celular ficamos mais motivados para estudar em casa”.
Giordan (2008) afirma que as tecnologias são instrumentos que
desempenham funções mediadoras importantes nas atividades humanas, pois são
atributos exclusivos que permitem o relacionamento do sujeito com o mundo e sem
dúvida, este é o desafio educacional.
6.3 Funções orgânicas nas fórmulas de alguns medicamentos
Nesta etapa foram apresentadas aos alunos algumas atividades,
oportunizando o desenvolvimento do estudo das Funções Orgânicas de maneira
contextualizada, com o auxílio dos dispositivos móveis.
A primeira abordagem foi a utilização de um simulador intitulado “Comprando
compostos orgânicos no supermercado” que é um software desenvolvido pelo
professor André Arigony Souto da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do
Sul (PUCRS) e está disponível gratuitamente na rede. Considerando que os alunos
já haviam estudado as principais Funções Orgânicas, os dispositivos móveis foram
utilizados para conhecer e explorar esse simulador. Apesar dos contratempos
relacionados à lentidão da internet ocasionada pelo uso de acesso simultâneo, foi
observado um envolvimento dos alunos e por meio da forma interativa e lúdica
apresentada pelo software percebeu-se que os alunos desenvolveram mais
habilidades para identificar as funções orgânicas e para fazer a nomenclatura de
compostos presentes em produtos encontrados no cotidiano.
Dando continuidade a esta etapa, a turma foi dividida em grupos de três
alunos e cada grupo tinha como tarefa a gravação de áudios entrevistando três
pessoas da comunidade escolar (familiares, vizinhos, amigos). A abordagem inicial
da entrevista partia da apresentação da charge utilizada na primeira etapa (figura 1)
e posteriormente a realização dos seguintes questionamentos:
- Do que se trata a charge?
- O que dificulta as pessoas em desenvolverem o hábito de tomar medicamentos
apenas com indicação médica?
- O que são medicamentos?
- O que você entende por automedicação?
- Você costuma tomar medicamentos com frequência?
- Você já comprou um medicamento após tê-lo conhecido por meio de uma
propaganda?
- Qual é a importância dos medicamentos em seu cotidiano?
- Quais são os medicamentos que você toma com maior frequência?
Das 78 pessoas entrevistadas com idades entre 18 e 80 anos, observou-se
que a maioria (95%) com idades acima de 26 anos interpretou na charge a prática
da automedicação, argumentando que a falta de uma saúde pública de qualidade é
a maior causadora desse problema.
Com relação ao conceito de medicamentos, a maioria dos entrevistados
relatou que “são substâncias químicas que curam doenças” e que são importantes
para a manutenção da vida. Quando questionados sobre a automedicação, a
maioria das pessoas disse que é a prática de tomar medicamentos por conta
própria, inclusive 60% dos entrevistados afirmaram tomar medicamentos com
frequência.
A automedicação existe desde a formação das primeiras civilizações
tornando-se uma prática comum nas sociedades modernas, este método é usado
para amenizar e até mesmo combater a dores dos pacientes (NICOLETTI, 2002).
Entre os medicamentos mais consumidos pelos entrevistados estão os
analgésicos, antitérmicos, corticoides, anti-inflamatórios, antibióticos e
medicamentos de uso contínuo para hipertensão e diabetes; 20% das pessoas
entrevistadas tomam medicamentos controlados para depressão, ansiedade e
outros transtornos psíquicos. Quando foram indagadas sobre a influência das
propagandas e da mídia no consumo de medicamentos, somente algumas pessoas
(10%) relataram ter adquirido dessa forma.
Outro aspecto relevante é que a maioria dos entrevistados (96%) afirmou
considerar muito séria a prática da automedicação, apontando causas relacionadas
a reações alérgicas, problemas no fígado, rins, e até a morte.
Soares (2002) considera que os riscos da automedicação podem
negligenciar sintomas, mascarar uma patologia grave, retardar o diagnóstico e o
tratamento adequado, surgindo ainda, riscos de interações entre a medicação
prescrita e não prescrita; de reações adversas e de toxicidade pelos
medicamentos.
Dando continuidade a esta etapa, os alunos nos seus respectivos grupos,
fizeram um levantamento dos medicamentos mais consumidos pelos entrevistados,
pesquisaram os princípios ativos (tabela1), elaboraram cartazes e construíram
modelos moleculares utilizando materiais de baixo custo e fácil aquisição. Alguns
trabalhos realizados estão representados na figura 2.
Figura 2: Modelos moleculares e cartazes
Fonte: Suzamara Baldissera Confortin.
Nesta atividade foi possível verificar a motivação dos alunos e a facilidade na
identificação das funções orgânicas. Após o estudo e a construção dos modelos, os
trabalhos foram apresentados para os demais grupos, fotografados e as imagens
foram disponibilizadas no grupo do whatsapp. Algumas informações sobre os
princípios ativos dos medicamentos pesquisados pelos alunos estão representadas
na tabela 1.
Tabela 1: Princípios ativos dos medicamentos pesquisados.
Nome comercial Princípio ativo Fórmula estrutural Funções Orgânicas
Buscopan Escopolamina
Álcool
Amina
Éter
Éster
Dorflex Orfenadrina
Amina
Éter
Paracetamol Paracetamol
Amida
Fenol
Captopril Captopril
Ácido Carboxílico
Amida
Tiol
Predsim Prednisolona
Álcool
Cetona
alceno
Diabinese Clorpropamida
Amida
Haleto Orgânico
Sulfona
Amoxil Amoxicilina
Ácido Carboxílico
Amina
Amida
Fenol
tioéter
Nimesulida Nimesulida
Amina
Éter
Nitrocomposto
Sulfona
Aspirina Ácido acetilsalicílico
Ácido Carboxílico
Éster
Ibuprofeno isobutilfenilpropanóico
Ácido Carboxílico
Metamizol Dipirona sódica
Amina
Amida
Sulfóxido
Rivotril Clonazepan
Amida
Amina
Haleto Orgânico
Nitrocomposto
Fonte: Suzamara Baldissera Confortin. Dados adaptados da pesquisa realizada pelos alunos.
Após a apresentação dos trabalhos a estratégia seguinte foi a utilização do
software livre ACD/ChemSketch para desenhar as estruturas dos medicamentos na
forma de molécula em 3D. Esse software é uma ferramenta que permite criar,
demonstrar e representar a molécula na forma tridimensional, tornando-se um
recurso motivador e importante para a aprendizagem do aluno, porém, a dificuldade
no acesso à internet na escola e a baixa velocidade de conexão não permitiu que o
software fosse baixado com êxito nos dispositivos, tornando-se difícil a realização
dessa atividade. Dessa forma, os alunos foram orientados a utilizar essa ferramenta
em suas casas, construir as moléculas e fotografar, compartilhando as imagens no
grupo. No entanto, poucos conseguiram realizar essa tarefa, mas consideraram
interessante esta abordagem.
Finalmente, os alunos tiveram a oportunidade de testar os conhecimentos
adquiridos, especialmente a identificação das Funções Orgânicas, por meio de uma
avaliação com quinze questões de vestibulares envolvendo fórmulas de
medicamentos. Esta atividade encerrou esta etapa com êxito, pois 73% dos alunos
acertaram doze questões e/ou mais, apresentando um ótimo desempenho. Além
disso, foi possível observar que eles perceberam a “automedicação” como um
problema pertinente ao contexto das aulas de Química e que desenvolveram
habilidades para compreender, observar e identificar as Funções Orgânicas.
6.4 Recursos de vídeos para socializar os conhecimentos adquiridos
Nesta etapa os alunos desenvolveram um vídeo aplicando os conhecimentos
adquiridos nos debates e nas atividades realizadas, inclusive a turma colaborou com
o Rotary Club da cidade de Cascavel - PR no Projeto intitulado: “Descarte
consciente de medicamentos vencidos”, cujo objetivo era o de orientar a população
sobre o descarte correto de medicamentos. O projeto divulgou alguns postos de
recolhimento, os alunos passaram nas salas de aula divulgando, elaboraram
cartazes e até recolheram medicamentos para fazer o descarte adequado (figura3).
Figura 3: Descarte de medicamentos vencidos
Fonte: Suzamara Baldissera Confortin.
Para Santos e Schnetzer (2003), “É preciso que o aluno saiba que o
conhecimento das substâncias permite o controle e o uso dos produtos químicos.
Situar tais informações no contexto social é conscientizar o cidadão”.
Esta atividade possibilitou a valorização do conhecimento químico inserido no
contexto da automedicação, inclusive, os alunos tiveram a oportunidade de
socializar os trabalhos desenvolvidos por meio de um vídeo de conscientização
sobre os riscos da automedicação e descarte de medicamentos que foi
disponibilizado no site YouTube (figura 4), tendo em vista que o ensino aliado à
tecnologia e às diferentes mídias ampliou a possibilidade de tornar o aluno mais
autônomo e participativo no seu processo de aprendizagem.
Figura 4: Página inicial do vídeo
Fonte: Suzamara Baldissera.
7. Considerações Finais
Os medicamentos fazem parte do cotidiano dos alunos e a prática da
automedicação é muito comum entre os jovens. No entanto, a abordagem deste
tema possibilitou a consolidação de saberes adquiridos em sala de aula e a
formação de pessoas com uma visão crítica, consciente e com mudança de hábitos
quando se trata de medicamentos.
A utilização dos dispositivos móveis ao trabalhar as funções orgânicas
propiciou resultados satisfatórios, inclusive, muitos alunos relataram que os celulares
e tablets facilitaram as pesquisas e a compreensão do conteúdo. Pode-se dizer que
os alunos avaliaram positivamente a proposta metodológica utilizada e que a mesma
contribuiu para despertar motivação e interesse pelo estudo das Funções Orgânicas.
As ferramentas tecnológicas foram aliadas importantes nas aulas,
proporcionando aos alunos acesso ao conhecimento químico em articulação com
um contexto social e tecnológico o qual estão inseridos.
É importante ressaltar também a importância de se trabalhar em grupos no
processo educativo, pois foi um instrumento facilitador da integração, da
sociabilidade e do aprendizado.
Assim, ao término do desenvolvimento da implementação do projeto, pode-se
concluir que diferentes metodologias podem ser utilizadas em sala de aula, levando-
se em consideração o conhecimento prévio dos alunos, valorizando a sua vivência e
possibilitando o desenvolvimento de uma autonomia intelectual, formando cidadãos
capazes de gerar transformações positivas na sociedade.
8. Referências ANTUNES, Celso. Novas maneiras de ensinar, novas formas de aprender. Porto Alegre: Artmed, 2002. P.7-103. Automedicação. Revista Associação Médica Brasileira, v. 47, n. 4, p. 269-270, 2001. Disponível em < http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-42302001000400001&lng=pt&nrm=iso>.Acesso em: 17 mar. 2016. BRASIL. Ministério da Educação (MEC) - Secretaria de Educação Média e tecnologia (Semtec). PCN+ Ensino médio: orientações educacionais complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais – Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias. Brasília: MEC/SEMTEC, 2002, p.93. BRASIL. Secretaria de Educação Básica. Formação de professores do ensino médio, Etapa II - Caderno I : Organização do Trabalho Pedagógico no Ensino Médio / Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica; [autores : Erisevelton Silva Lima... et al.]. – Curitiba : UFPR/Setor de Educação, 2014. FREIRE, Madalena. Observação, Registro e Reflexão: instrumento metodológico I. 2 ed. São Paulo: Espaço Pedagógico, 1996. KENSKI, V. M.. Tecnologias e ensino presencial e a distância. 2. ed. Campinas: Papirus, 2004. (Série Pratica Pedagógica). KENSKI, V. M. Tecnologias e Ensino Presencial e a Distância. São Paulo: Ed. Papirus, 2008.
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