A Bíblia Hebraica e o Alcorão em Diálogo: Reflexões Sobre Alguns Temas Comuns aos Dois Livros...

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A r t i g o T e o l ó g i c o | A Bíblia Hebraica e o Alcorão em Diálogo: Reflexões Sobre Alguns Temas Comuns Aos Dois Livros Sagrados | por Carlos Augusto Vailatti | 2012 ___________________________________________________________________________________________________________________________________ ARTIGO TEOLÓGICO A Bíblia Hebraica e o Alcorão em Diálogo: Reflexões Sobre Alguns Temas Comuns aos Dois Livros Sagrados 1 por Carlos Augusto Vailatti Doutorando em Estudos Judaicos e Árabes, com concentração em Estudos Judaicos, pela Universidade de São Paulo (USP), Mestre em Teologia, com especialização em Teologia Bíblica, pelo Seminário Teológico Servo de Cristo (STSC), Bacharel em Teologia pela Faculdade Betel / Instituto Betel de Ensino Superior (IBES) e também Bacharel em Teologia pela Escola Superior de Teologia (EST). Atualmente, é professor de Teologia no Seminário Teológico Evangélico do Betel Brasileiro e na Faculdade Betel / Instituto Betel de Ensino Superior (IBES). RESUMO O presente texto tem o objetivo de refletir sobre alguns temas comuns existentes tanto na Bíblia Hebraica quanto no Alcorão, a saber: Deus, o Livro Sagrado, a Criação, Abraão, Determinismo versus Livre-Arbítrio e Escatologia. O estudo desses temas, ainda que sucinto, nos mostrará como o judaísmo e o islamismo os enxergam a partir de suas respectivas fés. ABSTRACT The present text has the objective of reflect on some commom themes existent both in the Hebrew Bible and in the Qur’an, namely: God, the Holy Book, Creation, Abraham, Determinism versus Free Will and Eschatology. The study of these issues, though brief, will show us how judaism and islam sighted them from their respective faiths. 1 Esse artigo foi apresentado pela primeira vez em forma de trabalho na Universidade de São Paulo (USP) em julho de 2012.

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O presente texto tem o objetivo de refletir sobre alguns temas comuns existentes tanto na Bíblia Hebraica quanto no Alcorão, a saber: Deus, o Livro Sagrado, a Criação, Abraão, Determinismo versus Livre-Arbítrio e Escatologia. O estudo desses temas, ainda que sucinto, nos mostrará como o judaísmo e o islamismo os enxergam a partir de suas respectivas fés.

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ARTIGO TEOLÓGICO

A Bíblia Hebraica e o Alcorão em Diálogo: Reflexões Sobre Alguns Temas Comuns aos Dois Livros Sagrados1

por

Carlos Augusto Vailatti Doutorando em Estudos Judaicos e Árabes, com concentração em Estudos Judaicos, pela Universidade de São Paulo (USP), Mestre em Teologia, com especialização em Teologia Bíblica, pelo Seminário Teológico Servo de Cristo (STSC), Bacharel em Teologia pela Faculdade Betel / Instituto Betel de Ensino Superior (IBES) e também Bacharel em Teologia pela Escola Superior de Teologia (EST). Atualmente, é professor de Teologia no Seminário Teológico Evangélico do Betel Brasileiro e na Faculdade Betel / Instituto Betel de Ensino Superior (IBES). RESUMO O presente texto tem o objetivo de refletir sobre alguns temas comuns existentes tanto na Bíblia Hebraica quanto no Alcorão, a saber: Deus, o Livro Sagrado, a Criação, Abraão, Determinismo versus Livre-Arbítrio e Escatologia. O estudo desses temas, ainda que sucinto, nos mostrará como o judaísmo e o islamismo os enxergam a partir de suas respectivas fés.

ABSTRACT

The present text has the objective of reflect on some commom themes existent both in the Hebrew Bible and in the Qur’an, namely: God, the Holy Book, Creation, Abraham, Determinism versus Free Will and Eschatology. The study of these issues, though brief, will show us how judaism and islam sighted them from their respective faiths.

1 Esse artigo foi apresentado pela primeira vez em forma de trabalho na Universidade de São Paulo (USP) em julho de 2012.

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INTRODUÇÃO

O judaísmo, o cristianismo e o islamismo, além de serem as três maiores religiões

monoteístas do mundo, também compartilham entre si o fato de terem recebido a divina

revelação na forma escrita. Isto fez com que os adeptos dessas três fés monoteístas

fossem identificados, e com justiça, como “Povo do Livro”.2 Contudo, devido às

limitações e propósitos do presente trabalho, nos restringiremos a abordar apenas alguns

temas comuns tanto à Bíblia Hebraica quanto ao Alcorão. Dessa forma, alusões ao

Novo Testamento somente serão feitas quando julgadas necessárias para a elucidação e

compreensão de algum assunto ou tópico tratado em nossa pesquisa. Depois desses

breves, mas necessários esclarecimentos, voltemos, então, a nossa atenção aos dois

livros que serão alvo do nosso estudo.

A Bíblia Hebraica ou Tanakh3 experimentou um longo processo de formação até o

seu estabelecimento final na forma escrita que abrange um período de mais de mil

anos.4 No II século a.e.c. o livro de Eclesiástico (também conhecido por outros três

nomes: “Sabedoria de Jesus, filho de Sirac”, “Ben Sirac”, ou simplesmente “Sirácida”)

já fazia referência em seu prólogo grego à divisão tripartida da Bíblia Hebraica,

mencionando ho nómos kaì hai profēteîai kaì tà loipà tōn biblíōn,5 isto é, “a Lei e os

Profetas e o resto dos Livros” (Prólogo do Eclesiástico 1.24,25). Contudo, foi somente

entre o I e II séculos e.c. que o cânon da Bíblia Hebraica foi definitivamente

estabelecido para todas as comunidades judaicas.6 Já o Alcorão ou simplesmente Corão7

contém exclusivamente ditos do profeta Maomé, os quais foram pronunciados

2 PATERSON, Andrea C. Three Monotheistic Faiths – Judaism, Christianity, Islam. Bloomington, AuthorHouse, 2009, p.139. 3 Tanakh é o acrônimo usado para se referir às três principais divisões da Bíblia Hebraica: Tōrâ (Pentateuco), Nevī‘īm (Profetas) e Ketūvīm (Escritos). Hoje, em ambiente acadêmico cristão, a fim de promover o diálogo interreligioso entre judeus e cristãos, por ex., dá-se preferência ao uso do nome “Primeiro Testamento” em vez do conhecido “Antigo Testamento”, como designação da Bíblia Hebraica. (Para maiores informações quanto à discussão sobre essas nomenclaturas, veja: ZENGER, Erich et al. Introdução ao Antigo Testamento. [trad. Werner Fuchs]. São Paulo. Edições Loyola, 2003, pp.19-21). 4 GNILKA, Joachim. Bíblia e Alcorão – O Que os Une, O Que os Separa. [trad. Irineu J. Rabuske]. São Paulo, Edições Loyola, 2006, pp.44,45. 5 A minha transliteração e tradução do texto grego estão baseadas em: RAHLFS, Alfred. Septuaginta. Stuttgart, Deutsche Bibelgesellschaft, 2004, p.378. 6 BARRERA, Júlio Trebolle. A Bíblia Judaica e a Bíblia Cristã: introdução à história da Bíblia. [trad. Ramiro Mincato]. Petrópolis, Vozes, 1995, pp.183,184. 7 O termo qur’ān significa tradicionalmente “recitação, leitura”. Para outras possibilidades de tradução do termo, veja: LEAMAN, Oliver. (ed.). The Qur’an: an encyclopedia. New York, Routledge, 2006, p.521.

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“aproximadamente do seu quadragésimo ano de vida até sua morte, isto é, entre os anos

610 e 632”.8 A composição definitiva do Alcorão só ocorreu a partir de 632, logo após a

morte de Maomé.9

Estas informações de cunho histórico são importantes para o nosso trabalho, pois

nos servem de base para comprovar a ordem cronológica em que os três livros sagrados

surgiram em sua forma escrita definitiva: Bíblia Hebraica (II século e.c.), Novo

Testamento (IV século e.c.)10 e Alcorão (VII século e.c.). Não obstante isso, esses

dados, além de apontarem para a anterioridade da Bíblia Hebraica em relação ao Novo

Testamento e ao Alcorão, também nos ajudam a compreender porque estes dois últimos

fazem inúmeras referências e alusões, diretas e indiretas, à Bíblia Hebraica, a qual lhes

serve inúmeras vezes de fonte.11 No caso da Bíblia Hebraica e do Alcorão em particular,

nota-se, portanto, um entrelaçamento textual o qual ocorre, contudo, apenas neste

último, que, ao ocupar-se das histórias e das tradições da Bíblia Hebraica, acaba por

reconhecê-las e legitimá-las dentro de seu próprio contexto de fé. Ora, essa

intertextualidade presente no Alcorão nos será especialmente importante, pois nos

permitirá refletir sobre alguns temas compartilhados por estas duas fés, a judaica e a

muçulmana, descortinando assim diante de nossos olhares algumas incríveis

semelhanças conceituais e temáticas entre ambas. Em nosso estudo, veremos que há

mais elementos que unem a Bíblia Hebraica e o Alcorão, do que os separam.

No presente trabalho, escolhemos como objeto de nossas reflexões seis temas que

são compartilhados entre a Bíblia Hebraica e o Alcorão. Esses temas são: Deus, o Livro

Sagrado, a Criação, Abraão, Determinismo versus Livre-Arbítrio e Escatologia. A

escolha pela abordagem desses assuntos em nossa pesquisa se deve não apenas à

importância que o pensamento bíblico e qurânico lhes conferem em seus textos, mas se

deve, antes de tudo, ao caráter agregador desses temas, que permite, por sua vez, maior

proximidade e diálogo entre judeus e muçulmanos, os principais observadores dos

princípios contidos nestes dois livros sagrados.

8 GNILKA, Joachim. Bíblia e Alcorão – O Que os Une, O Que os Separa, p.47. 9 Idem, Ibidem, p.48. 10 CULLMANN, Oscar. A Formação do Novo Testamento. [trad. Bertoldo Weber]. São Leopoldo, Sinodal, 2001, p.92. 11 O Alcorão também faz muitas referências ao Novo Testamento e, mais particularmente, às tradições sobre Jesus. Porém, tais referências não são tão numerosas quanto aquelas que o Alcorão faz à Bíblia Hebraica.

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Depois dessas observações, vejamos o que o estudo em conjunto da Bíblia

Hebraica e do Alcorão nos reserva.

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1. DEUS

O primeiro tema comum à Bíblia Hebraica e ao Alcorão que nós destacamos aqui

é: Deus. Não poderia ser diferente. No Tanakh, Deus é conhecido principalmente como

’ēl ou ’ĕlōhīm. Aliás, deve-se dizer que o termo semítico ocidental, ’ēl, que tem relação

com o ugarítico il(u), é comumente usado nas línguas semíticas para se referir a “deus”

em sentido amplo.12 Já o termo árabe usado com referência a Deus, allāh, é a forma

contraída de al-ilah (literalmente, “o Deus”).13 Provavelmente, a evolução do termo (de

al-ilah para allāh) deve ter acontecido por assimilação do “i” nesta última forma do

vocábulo. Tal assimilação pode ter ocorrido devido ao uso bastante freqüente da

palavra.14 Quanto ao tetragrama divino (YHWH), este curiosamente não é mencionado

no Alcorão.15 Seja como for, tanto ’ēl quanto allāh são vocábulos muito semelhantes em

termos de sua morfologia e significado.16

Aliás, um dos temas comuns à Bíblia Hebraica e ao Alcorão é o monoteísmo. Na

Bíblia Hebraica, a centralidade da fé monoteísta se destaca, de maneira que ninguém

pode duvidar que um de seus grandes temas seja o “seu monoteísmo puro, penetrante e

inflexível”.17 Vemos no Tanakh,18 por exemplo, que “Deus é um” (Deuteronômio 6.4),

que “não há outros deuses diante dele” (Êxodo 20.3) e que, tal fato é admitido,

inclusive, pelo próprio Deus, que diz: “fora de mim não há Deus”, “fora de mim não há

outro” e “eu sou o Senhor, e não há outro” (Isaías 45.5,6). Esta unicidade divina

12 POPE, Marvin H. El in the Ugaritic Texts. Vol.2. [Vetus Testamentum: Supplements]. Leiden, Brill, 1955, p.1; CHANAN, Ami Ben. Qur’an-Bible Comparison: A Topical Study of the Two Most Influential and Respectful Books in Western and Middle Eastern Civilizations. Bloomington, Trafford Publishing, 2011, p.316. Para outras informações sobre o termo ’ēl e a sua relação com Yahweh, veja: DAY, John. Yahweh and the Gods and Goddesses of Canaan. New York, Sheffield Academic Press, 2000, pp.13-41. 13 CAMPO, Juan E. Encyclopedia of Islam. [Encyclopedia of World Religions]. New York, Infobase Publishing, 2009, p.34. 14 GNILKA, Joachim. Bíblia e Alcorão – O Que os Une, O Que os Separa, p.86. 15 Khalil entende que Yahweh era o nome do Deus particular de Israel. (Cf. KHALIL, Shauqi Abu. Atlas of the Qur’an: Places, Nations, Landmarks. Houston, Darussalam Publications, 2003, p.63). 16 COOGAN, Michael David. (ed.). Stories From Ancient Canaan. Louisville, The Westminster Press, 1978, p.12. Veja também: HASTINGS, James. Encyclopedia of Religion and Ethics. [Vol.11]. Whitefish, Kessinger Publishing, 2003, p.248. 17 YOUNGBLOOD, Ronald F. The Heart of the Old Testament: a survey of key theological themes. Grand Rapids, Baker Book House, 1998, p.13. 18 Todas as citações da Bíblia Hebraica, salvo indicação contrária, são extraídas de: ALMEIDA, João Ferreira de. (trad.). Bíblia Sagrada. [Edição Revista e Corrigida]. Rio de Janeiro, Imprensa Bíblica Brasileira, 1991.

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também encontra eco nas páginas do Alcorão,19 que afirma: “Vosso Deus é o Deus

único. Não há deus senão Ele” (A Vaca, 2.163), “Não há deus senão Ele” (o Gado,

6.106) e, nas palavras do próprio allāh, “Não adoteis dois deuses. Somente eu sou o

Deus único” (As Abelhas, 16.51).

Ora, mas será que a maneira como a Bíblia Hebraica compreende a Deus é

exatamente a mesma pela qual Ele é compreendido no Alcorão? Para Gnilka, há uma

diferença decisiva na imagem de Deus retratada nos dois livros. Segundo ele, “o Deus

da Bíblia age na história”. Já o Deus retratado no Alcorão, “mantém-se fora da

história”.20 Em outras palavras, se na visão bíblica Deus se relaciona com os seres

humanos, na visão qurânica, por outro lado, Ele permanece inacessível, devido à Sua

absoluta transcendência.21

Contudo, na visão do Alcorão, o Deus da Bíblia Hebraica e o Deus do próprio

Alcorão são o mesmo Deus: “Cremos no que nos foi revelado [o Alcorão] e no que vos

foi revelado [a Bíblia Hebraica e o Novo Testamento]. Nosso Deus e vosso Deus é o

mesmo”. (A Aranha, 29.46).22

Seja como for, a compreensão do Alcorão sobre a unicidade divina, somada às

declarações semelhantes que tanto o Tanakh quanto o Alcorão fazem sobre Deus, como

vimos acima, favorecem uma aproximação entre as duas teologias, bem como,

contribuem para a existência de um proveitoso diálogo interreligioso capaz de promover

uma maior proximidade entre judeus e muçulmanos.

19 Todas as citações do Alcorão, salvo indicação contrária, são extraídas de: CHALLITA, Mansour. (trad.). O Alcorão. Rio de Janeiro, BestBolso, 2011. 20 GNILKA, Joachim. Bíblia e Alcorão – O Que os Une, O Que os Separa, p.93. 21 Idem, Ibidem, p.94. Essa idéia da transcendência divina pode ser vista no seguinte trecho do Alcorão: “E a nenhum mortal é dado que Deus lhe fale, exceto por revelação ou por detrás de um véu ou por intermédio de um Mensageiro enviado para transmitir o que Deus determinar”. (A Consulta, 42.51). 22 Os acréscimos entre colchetes são meus.

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2. O LIVRO SAGRADO

Além da fé monoteísta, a Bíblia Hebraica e o Alcorão também compartilham o

fato de serem, ambos, livros sagrados. Para os judeus, o seu livro sagrado (hasēfer) é o

Tanakh, que está originalmente dividido em 24 livros, os quais estão dispostos em três

seções, Tōrâ (Pentateuco), Nevī‘īm (Profetas) e Ketūvīm (Escritos).23 Já para os

muçulmanos, o seu livro sagrado (al-kitāb) é o Alcorão, ou simplesmente Corão. Este

último está dividido em 114 suras ou capítulos, os quais são subdivididos por sua vez

em versículos, somando o total de 6.235.24 Isso torna o Alcorão semelhante ao Novo

Testamento em termos de sua extensão.25

É digna de nota a afirmação que tanto a Bíblia Hebraica quanto o Alcorão fazem

sobre a sua procedência divina. Com relação à primeira, tal afirmação pode ser vista em

cada uma de suas três divisões, como podemos notar nas seguintes expressões que nos

servem de exemplo: a) Na Tōrâ: “falou Deus todas estas palavras” (Êxodo 20.1) e

“falou o Senhor a Moisés” (Números 1.1; 2.1; 4.1); b) Nos Nevī‘īm: “Josué escreveu

estas palavras no livro da lei de Deus” (Josué 24.26); e c) Nos Ketūvīm: “leram no livro

da lei de Deus” (Neemias 8.8) e “o livro da lei do Senhor” (2 Crônicas 34.14). Já no

Alcorão, essa reivindicação de origem divina é ainda mais explícita, como se pode

perceber nos seguintes trechos qurânicos: “Foi no mês de Ramadã que o Alcorão foi

revelado, um guia para os homens” (A Vaca, 2.185), “[Deus] revelou-me este Alcorão”

(O Gado, 6.19), “é uma blasfêmia atribuir este Alcorão senão a Deus” (Jonas, 10.37),

“o Alcorão é a verdade enviada por teu Senhor” (A Peregrinação, 22.54) e “este é, sem

dúvida, o livro enviado pelo Senhor dos mundos” (A Prostração, 32.2).

Ora, este caráter sagrado do Alcorão é ainda reforçado não somente pelas próprias

declarações qurânicas sobre sua procedência divina, mas também pelo seu conteúdo

como um todo que, apesar de datar do VII século e.c., é capaz de atualizar a sua

mensagem ao leitor contemporâneo, transformando assim as suas palavras em palavras

supra-históricas. Tal aspecto é observado por Khalidi, que diz:

23 ROTH, Cecil. (ed.). The Standard Jewish Encyclopedia. Jerusalem, Massadah Publishing Company Ltd., 1958/9, p.306. 24 CHALLITA, Mansour. (trad.). O Alcorão. Rio de Janeiro, BestBolso, 2011, p.11. 25 KALTNER, John. Introducing the Qur’an for Today’s Reader. Minneapolis, Fortress Press, 2011, p.3.

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[...] as narrativas são expressas como contos meta-históricos e

parábolas do espírito humano e da perigosa jornada da fé, em vez de

histórias. Em quase todos os casos, o Alcorão assume familiaridade

com os contornos do conto em questão, e assim procura recordar sua

audiência da verdadeira importância do conto e da moral.26

Além disso, esse conteúdo meta-histórico também tem estado presente na Bíblia

Hebraica desde sempre, fato este que explica o profundo impacto que ela tem exercido

no mundo (principalmente ocidental) em termos de avanços em questões éticas e

sociais, por exemplo, as quais receberam novas dimensões e novo tratamento a partir

dos valores ensinados neste livro sagrado.27

É evidente que não podemos negar os inúmeros males praticados ao longo da

história em nome da religião e em nome de Deus. Contudo, tais atrocidades perpetradas

em nome do sagrado não sobrepujam, a meu ver, os incontáveis benefícios que estes

dois livros têm proporcionado à humanidade de uma forma geral.

Aliás, o Alcorão novamente nos fornece uma postura reconciliadora com a Bíblia

Hebraica, ao declarar: “Creio em todos os Livros que Deus fez descer [...]. Que não haja

discussões entre nós. Deus nos unificará. É para Ele que todos caminhamos” (A

Consulta, 42.15) e “Antes dele [o Alcorão], havia o Livro de Moisés: uma orientação e

uma misericórdia. E este livro corrobora o outro em língua árabe para advertir os que

prevaricam e trazer boas-novas aos benfeitores” (As Dunas, 46.12).

O reconhecimento da Bíblia Hebraica como livro sagrado por parte do Alcorão e o

compartilhamento da crença comum da sacralidade de seus livros também se constituem

fatores que contribuem substancialmente para o diálogo e para uma maior proximidade

entre estes dois “povos do livro”.

26 KHALIDI, Tarif. The Qur’an. New York, Viking Penguin, 2008, p.xvi. 27 STRAUSS, Mark L. How to Read the Bible in Changing Times: understanding and applying God’s word today. Grand Rapids, Baker Books, 2011, p.2.

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3. A CRIAÇÃO

A compreensão do mundo como criação (em hebraico, berī’â; em árabe, khalq) de

Deus é, talvez, um dos temas que mais aproxime a Bíblia Hebraica do Alcorão.28 Isso

não deve nos causar surpresa, pois, como a primeira influenciou profundamente este

último, logo, já era de se esperar a existência de certa afinidade temática entre ambos.

A concepção de que Deus criou o mundo e tudo o que há nele é algo tão

importante e fundamental para a Bíblia Hebraica que tal pensamento lhe serve de

prefácio.29 Lemos já no início do primeiro livro do Tanakh que berēšīt bārā’ ’ĕlōhīm ’ēt

hašāmayim we’ēt hā’ārets,30 “no princípio criou Deus os céus e a terra” (Gênesis 1.1).

Tal assertiva será repetida várias vezes ao longo do texto bíblico, como, por exemplo,

nas expressões: “o Senhor Deus fez a terra e os céus” (Gênesis 2.4), “Ele [Deus] é o

criador de todas as coisas [...]. Senhor dos Exércitos é o seu nome” (Jeremias 10.16) e

“[...] vejo os teus céus, obra dos teus dedos, a lua e as estrelas que preparaste” (Salmo

8.3). Além disso, a criação do ser humano por Deus também é enfatizada no Tanakh,

onde lemos que “criou Deus o homem à sua imagem; à imagem de Deus o criou; macho

e fêmea os criou” (Gênesis 1.27).

No Alcorão, allāh também é descrito várias vezes como o criador de todas as

coisas. Vejamos alguns textos que indicam isso: “Louvado seja Deus que criou os céus

e a terra” (O Gado, 6.1 – compare com Gênesis 1.1), “Foi Ele quem vos fez descender

de um único homem” (O Gado, 6.98), “Vosso Senhor é o Deus que criou os céus e a

terra em seis dias” (As Alturas, 7.54 – compare com Gênesis 1.31; 2.1), “Foi Ele quem

vos criou de um só homem e dele lhe tirou a esposa para que com ela convivesse” (As

Alturas, 7.189 – compare com Gênesis 1.21,22), “Deus disse aos anjos: ‘Vou criar um

homem de argila seca, de barro maleável’” (Al-Hijr, 15.28 – compare com Gênesis 2.7).

Como podem ser percebidos, são notáveis os paralelos entre o Alcorão e a Bíblia

Hebraica sobre o tema da criação do mundo e do homem.

Além do mais, também chama a nossa atenção o emprego da “palavra” como

instrumento criador divino tanto no Alcorão quanto na Bíblia Hebraica. Nós 28 GNILKA, Joachim. Bíblia e Alcorão – O Que os Une, O Que os Separa, p.99. 29 Essa concepção também está presente em várias solenidades judaicas, como, por exemplo, na festa de casamento, durante a qual é pronunciada a seguinte bênção: “Bendito és tu, Senhor nosso Deus, Rei do Universo, que criaste tudo para a tua glória”. (Cf. DORFF, Elliot N. & ROSETT, Arthur. A Living Tree: The Roots and Growth of Jewish Law. Albany, State University of New York Press, 1988, p.502). 30 Minha transliteração do texto hebraico baseia-se em: ELLIGER, K. & RUDOLPH, W. (eds.). Biblia Hebraica Stuttgartensia. Stuttgart, Deutsche Bibelgesellschaft, 1997.

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encontramos no Tanakh vários registros sobre a palavra criadora divina. Eis alguns

exemplos: “E disse Deus: haja luz. E houve luz” (Gênesis 1.3),31 “pela palavra do

Senhor foram feitos os céus” (Salmo 33.6), “Porque [Deus] falou, e tudo se fez;

mandou, e logo tudo apareceu” (Salmo 33.9). A importância dada à “palavra” como

elemento criador do universo é explicitamente declarada no Sêfer Ietsirá (Livro da

Criação), o qual afirma que “foi através das letras do alfabeto hebraico que o Universo

foi criado”.32 Além disso, o Sêfer Ietsirá ainda diz:

Os decretos mediante os quais Deus trouxe a Criação a ser consistiram

em ditos. Estes, por sua vez, consistiam em palavras, e estas eram

compostas por letras. Portanto, foi através das letras do alfabeto que o

Universo foi criado.33

Embora essas palavras reflitam o pensamento do misticismo judaico, o qual está

relacionado, sobretudo, com a cabalá, todavia, elas retratam de forma bastante vívida

(ainda que mágica) a relevância da “palavra” no processo divino da criação.

Contudo, é no contexto do período do judaísmo rabínico (II-VI Século e.c.) que a

palavra criadora divina mostra sua maior semelhança (em termos morfológicos e

semânticos) com a sua equivalente árabe. Nesta época, encontramos nos escritos dos

sábios o termo aramaico mēmrā’, “palavra”, o qual é utilizado para se referir à palavra

criadora de Deus, isto é, o agente por meio do qual Deus criou o mundo.34 Para

exemplificar o emprego desse termo, podemos citar duas referências encontradas nos

targumim. No targum de Isaías 48.13 encontramos escrito: “pela minha mēmrā’ eu

fundei a terra, e pela minha força eu suspendi os céus” e no targum de Deuteronômio

33.27 lemos: “O Deus eterno é o teu refúgio, e pela sua mēmrā’ o mundo foi criado”.35

No Alcorão, encontramos o vocábulo ’amr que, por sua vez, está relacionado ao

31 A fórmula wayyō’mer ’ĕlōhīm yehī...wayehī, “e disse Deus: ‘haja’...e houve” é recorrente no primeiro capítulo de Gênesis, o qual apresenta as várias etapas (dias) da criação do mundo sendo criadas através da palavra divina. Veja: Gênesis 1.3,6,9,11,14,20,24,29,30. 32 KAPLAN, Arieh. Sêfer Ietsirá: O Livro da Criação. [Trad. Erwin Von-Rommel Vianna Pamplona]. São Paulo, Editora e Livraria Sêfer Ltda, 2002, p.58. 33 KAPLAN, Arieh. Sêfer Ietsirá: O Livro da Criação, p.58. 34 SHERBOK, Dan Cohn. A Concise Encyclopedia of Judaism. Oxford, Oneworld Publications, 1998, p.129. 35 Estas duas referências targúmicas foram extraídas de: BARCLAY, William. Great Themes of the New Testament. Louisville, Westminster John Knox Press, 2001, p.28.

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aramaico mēmrā’ e ao grego logos.36 Em árabe moderno, ’amr significa “ordem,

comando, instrução, regulamento, decreto”.37 Porém, a partir de estudos realizados na

década de 1930, “tornou-se impossível estudar o significado de ’amr no Alcorão sem

considerar sua possível relação com mēmrā’, seja ele o da Síria ou o do Targum”.38

Neste último caso, portanto, ’amr pode ser mais bem entendido como “palavra”, ou

seja, o instrumento do qual Deus se vale para levar a efeito a Sua criação.39 Vejamos

dois exemplos do uso de ’amr com este sentido: “Sua ’amr, quando Ele deseja alguma

coisa, basta dizer: ‘Sê!’ para que seja” (Yā-Sīn, 36.82)40 e “Vosso Senhor é Deus que

criou os céus e a terra em seis dias, depois assentou-se no trono para dirigir o ’amr”

(Jonas, 10.3). De qualquer forma, há fortes evidências que apontam para uma influência

targúmica sobre o Alcorão, uma vez que “os targumim estavam aparentemente em uso

na Arábia na época da pregação de Maomé”.41

Em suma, vimos neste item que a criação do mundo e do homem, bem como, o

uso da palavra como instrumento divino da criação, estão presentes tanto no Alcorão

quanto no Tanakh, além de fazerem parte também do pensamento místico judaico e

muçulmano. Aqui, mais uma vez a teologia bíblica e qurânica se encontram. E essa

concordância teológica, em vez de afastar as duas religiões, estabelece uma importante

ponte que as liga e as une.

36 ALI, Michael Nazir. Islam, a Christian Perspective. Philadelphia, The Westminster Press, 1983, p.15. 37 COWAN, J. Milton (ed.). A Dictionary of Modern Written Arabic. [Arabic-English]. Wiesbaden, Otto Harrassowitz Verlag, 1979, p.33. 38 CROLLIUS, Ary A. Roest. The Word in the Experience of Revelation in Qur’ān and Hindu Scriptures. [Documenta Missionalia | Vol. 8]. Roma, Gregorian & Biblical Press, 1974, p.58. 39 GNILKA, Joachim. Bíblia e Alcorão – O Que os Une, O Que os Separa, p.111. À semelhança do uso mágico de mēmrā’ no judaísmo rabínico, Nicholson descreve um emprego mágico similar do termo ’amr no Alcorão. Segundo ele, “Deus criou o anjo chamado Ruh da sua própria luz e, a partir dele, Ele criou o mundo e o tornou seu órgão da visão no mundo. Um de seus nomes é a Palavra de Alá (’Amr Allāh)”. (NICHOLSON, Reynold Alleyne. Studies in Islamic Mysticism. Charleston, Forgotten Books, 1967, p.103). 40 CROLLIUS, Ary A. Roest. The Word in the Experience of Revelation in Qur’ān and Hindu Scriptures, pp.67,68. 41 Idem, Ibidem, p.74.

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4. ABRAÃO

Se há um personagem que desfruta de bastante prestígio tanto no judaísmo quanto

no islamismo, esse personagem é Abraão. Como já dissemos anteriormente, isso não é

de estranhar, pois como o Alcorão se vale da Bíblia Hebraica em seu texto, é, por

conseguinte, natural que alguns temas sejam compartilhados entre os dois livros.

Na Bíblia Hebraica Abraão recebe destaque, sobretudo, no primeiro livro da Tōrâ,

o qual lhe dedica especial atenção em Gênesis 11.26-25.11. Ele é a primeira pessoa do

Tanakh a ser chamada de “hebreu”42 (Gênesis 14.13) e, além disso, “todos os judeus

traçam sua ancestralidade a Abraão, como pai da nação hebraica”.43 A Bíblia Hebraica

dá a entender que Abraão, antes de conhecer a YHWH, era idólatra (cf. Josué 24.2,3).

Entretanto, em um determinado dia YHWH se encontra com Abraão e lhe promete uma

grande descendência (Gênesis 12.2) e a posse de um pedaço de terra (Gênesis 12.6,7).

Neste ínterim, Abraão é submetido a um grande teste, que é oferecer Isaque, o filho da

promessa (Gênesis 21.12), em sacrifício a Deus no monte Moriá (Gênesis 22.1-19).

Depois de passar por vários reveses em sua caminhada de fé com Deus, Abraão

finalmente se sagra vitorioso. Assim, ele serve de exemplo pela sua obediência aos

mandamentos de Deus.44 Na literatura bíblica posterior, Abraão será conhecido como

“amigo de Deus” (cf. Isaías 41.8; 2 Crônicas 20.7).

No Alcorão, Abraão também recebe bastante destaque, sendo chamado ali,

contudo, de Ibrahim.45 Aliás, a importância de Abraão é vista, por exemplo, na

referência feita às “Escrituras de Abraão e de Moisés” (O Altíssimo, 87.19). Além disso,

42 Aqui, o termo ‘ivrī (“hebreu”) pode ser derivado do verbo ‘āvar, “atravessar”. Se esta opinião estiver correta, então o vocábulo pode estar apontando para o fato de os hebreus, em seu passado distante, serem nômades que viviam andando de um lugar para o outro. (Cf. HOROWITZ, Edward. How the Hebrew Language Grew. Jersey City, KTAV Publishing House, 1993, p.48). 43 WILSON, Marvin R. Our Father Abraham: Jewish Roots of the Christian Faith. Grand Rapids, Wm. B. Eerdmans Publishing Company / Dayton, Center for Judaic-Christian Studies, 1989, p.4. O autor prefere usar aqui a expressão “nação hebraica” em vez de “nação judaica” por entender que o adjetivo “hebraica” descreve melhor os aspectos lingüísticos e culturais do povo de Israel, enquanto que o adjetivo “judaica” carrega uma conotação mais extensa e contemporânea. Para maiores informações sobre Abraão, veja ainda: GARDNER, Paul. (ed.). Quem é Quem na Bíblia Sagrada. [trad. Josué Ribeiro]. São Paulo, Vida, 2000, pp.10-16. 44 BASKIN, Judith R. (ed.). The Cambridge Dictionary of Judaism & Jewish Culture. Cambridge, Cambridge University Press, 2011, p.2. 45 Abraão é citado em 35 dos 114 capítulos do Alcorão. (Cf. PETERS, F. E. Islam: a guide for Jews and Christians. New Jersey, Princeton University Press, 2003, p.9). Como a tradução do Alcorão que está sendo utiliza neste trabalho, feita por Mansour Challita, emprega o nome “Abraão”, também adotarei esse nome aqui, em vez de usar o nome “Ibrahim”.

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o Alcorão se apropria da figura de Abraão, desvinculando-o assim de sua matriz

judaica: “Não era Abraão judeu ou cristão. Era um homem de fé pura e um submisso. E

não era um idólatra” (A Tribo de Omram, 3.67).46 Outro trecho do Alcorão diz: “Segue

a religião de Abraão, um homem de fé pura, que não era um dos idólatras” (As Abelhas,

16.123). O Alcorão também dedica um grande espaço para tratar do relato lendário que

descreve Abraão destruindo os ídolos de seu pai, Terá, onde ele, Abraão, atribui a um

dos ídolos a culpa pela prática de tal ato (Os Profetas, 21.51-69).47 Deve-se dizer ainda

que, assim como a Bíblia Hebraica, o Alcorão também se refere a Abraão como amigo

de Deus, dizendo: “Deus elegeu Abraão por amigo (ḥalil)” (As Mulheres, 4.125).

Entretanto, talvez a questão mais divergente entre a Bíblia Hebraica e o Alcorão, no que

diz respeito a Abraão, seja a questão que envolve a identidade daquele que Abraão

ofereceria em sacrifício a Deus. A Bíblia Hebraica diz que Isaque seria sacrificado

(Gênesis 22.1-19). Já o Alcorão, embora também mencione esse episódio em suas

páginas, todavia, acaba não mencionando o nome daquele que seria sacrificado (cf. As

Fileiras, 37.99-111). Porém, como em seguida fala-se sobre as boas novas que Abraão

recebeu de Isaque (“e nós demos-lhe as boas novas de Isaque”, As Fileiras, 37.111),48

os comentaristas e exegetas do Alcorão entendem que a referência só poderia ser feita a

Ismael, uma vez que Abraão acabara de receber “as boas novas do nascimento de

Isaque”.49

Em resumo, apesar da existência de algumas poucas divergências, a Bíblia

Hebraica e o Alcorão concordam, em linhas gerais, sobre a centralidade de Abraão para

46 Outra tradução diz que “Abraão não era nem judeu nem cristão, mas monoteísta sincero, moslim. E não era dos idólatras”. (Cf. NASR, Helmi. (Trad.). Tradução do Sentido do Nobre Alcorão para a Língua Portuguesa. Al-Madinah Al-Munauarah, Complexo do Rei Fahd para a impressão do Alcorão Nobre, S.d.). 47 Essa lenda sobre Abraão e os ídolos de seu pai aparece em um famoso conto midráshico. Isso significa que o conto era bastante antigo, a ponto de Maomé já conhecê-lo em sua época e empregá-lo no Alcorão. Para saber mais sobre esse conto, veja: PATTERSON, José. Angels, Prophets, Rabbis and Kings from the Stories of the Jewish People. Wallingford, Peter Lowe, 1991, p.22ss; UNTERMAN, Alan. (ed.). Dicionário Judaico de Lendas e Tradições. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1992, p.11. 48 KHALIDI, Tarif. (Trad.). The Qur’an, p.365. 49 ALI, Maulana Muhammad. The Holy Qur’ān: Arabic Text, English Translation and Commentary. Lahore, Pakistan, Ahmadiyyah Anjuman Isha‘at Islam, 1973, p.860. Para um excelente estudo comparativo sobre o sacrifício de Isaque relatado na Bíblia Hebraica versus o sacrifício de Ismael encontrado no Alcorão, veja: FIRESTONE, Reuven. Comparative Studies in Bible and Qur’ān: A Fresh Look at Genesis 22 in Light of Sura 37. In: HARY, Benjamin H., HAYES, John L. & ASTREN, Fred. (eds.). Judaism and Islam Boundaries, Communication, and Interaction: Essays in Honor of William M. Brinner. Leiden, Brill, 2000, pp.169-184.

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a sua fé em suas Escrituras.50 Ora, se Ismael e Isaque eram, ambos, filhos de Abraão e,

portanto, irmãos, logo, não há motivo para que judeus e muçulmanos não partilhem da

mesma bênção de seu personagem ancestral.

50 ELKAYAM, Asher. The Qur’an and Biblical Origins: Hebrew, Christian and Aramaic Influences In Striking Similarities. Bloomington, Xlibris Corporation, 2009, p.37.

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5. DETERMINISMO VERSUS LIVRE-ARBÍTRIO

O ser humano é “livre” em suas ações ou está fadado a vestir sempre uma “camisa

de força invisível” que tolhe a sua liberdade? Antes de verificar sucintamente como a

Bíblia Hebraica e o Alcorão abordam essa controversa questão, é necessário definirmos

primeiro o que queremos dizer com os termos “determinismo” e “livre-arbítrio”.

Segundo Rudman, determinismo é:

a crença de que o pensamento, ação e sentimentos humanos são, em

um maior ou menor grau, controlados por uma grande força e que os

seres humanos têm pouco ou nenhum livre-arbítrio de si mesmos. Esta

força pode ser chamada Deus ou Destino, ou os dois podem ser vistos

como idênticos.51

Já o livre-arbítrio pode ser definido como “o poder das pessoas de originar ou

trazer à existência os propósitos e fins que guiam suas ações”.52 Apesar de reconhecer a

insuficiência e a complexidade de tais conceitos, iremos, contudo, adotá-los em nosso

trabalho. Verifiquemos, então, como os dois livros sagrados ora em estudo abordam

esse controverso tema.

De acordo com a Bíblia Hebraica, está determinado, entre outras coisas, que cada

ano tenha várias estações (Gênesis 1.14), que o homem irá morrer algum dia (Gênesis

3.19; 1 Reis 2.2), que Deus é tanto o doador da vida quanto Aquele que dá um fim a ela

(1 Samuel 2.6), que as águas fiquem represadas, de maneira que não avancem além dos

limites estipulados por Deus (Jó 38.8-11) e que nada e ninguém pode ir contra as ações

e a vontade de Deus (Isaías 43.13). Por outro lado, o mesmo Tanakh que enquadra o

homem dentro de um esquema cósmico com leis definidas e pré-determinadas também

classifica este mesmo homem como um agente livre. Tal fato pode ser constatado em

textos que dizem, por exemplo, “te tenho proposto a vida e a morte, a bênção e a

maldição; escolhe, pois, a vida, para que vivas, tu e a tua semente” (Deuteronômio

30.19) e “se quiserdes e ouvirdes, comereis o bem desta terra. Mas, se recusardes e

fordes rebeldes, sereis devorados à espada” (Isaías 1.19,20). Como pode ser percebido

nestes breves exemplos, a Bíblia Hebraica vive numa constante tensão filosófico-

51 RUDMAN, Dominic. Determinism and Anti-Determinism in the Book of Koheleth. [The Jewish Bible Quarterly]. Vol.XXX, Nº 2. Jerusalem, Jewish Bible Association Press, 2002, p.1. 52 KANE, R. Free Will and Values. Albany, State University of New York Press, 1985, p.22.

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teológica que, ora enfatiza o determinismo divino, ora ressalta a liberdade humana.

Como o Tanakh ensina estas duas verdades, então, torna-se necessário apresentar uma

“terceira via” argumentativa que leve em consideração estes dois pontos extremos em

conjunto. Creio que Arthur W. Pink faz isso muito bem, ao dizer:

Duas coisas são indisputáveis: a soberania de Deus e a

responsabilidade do homem. [...] Reconhecemos que existe, sem

dúvida, o perigo de salientar demais uma delas e negligenciar a outra.

[...] Ressaltar a soberania de Deus, sem afirmar, ao mesmo tempo, a

responsabilidade do homem, tende ao fatalismo; [Por outro lado],

preocupar-se tanto em manter a responsabilidade do homem, ao ponto

de perder de vista a soberania de Deus, é exaltar a criatura e desonrar

o Criador.53

O Alcorão, apesar de ensinar tanto sobre a liberdade humana54 quanto sobre o

determinismo divino, tende a enfatizar este último. Os seguintes textos exemplificam

isso muito bem: “Deus guiou os que acreditavam na verdade e desencaminhou os

outros. Deus guia quem quiser na senda da retidão” (A Vaca, 2.213), “Nada nos

acontecerá senão o que Deus determinou” (O Arrependimento, 9.51), “se Deus não o

tivesse determinado, eu não vo-lo teria recitado [o Alcorão]” (Jonas 10.16), “Quem

determina todas as coisas? Responderão: Deus” (Jonas 10.31), “Deus não criou os céus

e a terra e [tudo] quanto existe entre eles senão pela verdade e por um prazo

predeterminado” (Os Bizantinos, 30.8), “Cada um de nós tem seu lugar predestinado”

(As Fileiras, 37.164), “Não pertence a crente algum e a crente alguma, quando Deus e

Seu Mensageiro decidirem algo, escolher outra opção” (Os Coligados, 33.36),

“predeterminamos a data de vossa morte – e ninguém escapa de Nós” (O Dia Inelutável,

56.60),55 “Ele [Deus] determinou uma medida para cada coisa” (O Divórcio, 65.3) e

“[Deus] determinou e orientou o destino de tudo o que criou” (O Altíssimo, 87.3).

53 PINK, A. W. Deus é Soberano. São José dos Campos, Editora Fiel, 1997, p.5. Os acréscimos entre colchetes são meus. 54 Algumas suras falam sobre a responsabilidade humana de forma ampla, destacando, portanto, o conceito de livre-arbítrio. Alguns exemplos: 4.84; 10.41; 42.30; 46.19; 57.11. 55 Aqui, o Alcorão entende tradicionalmente que o pronome na primeira pessoa do plural, “nós”, que ocorre indiretamente no início da oração e diretamente no seu final seja uma referência a Deus. Para uma ampla discussão sobre o significado desse pronome em todo o Alcorão, como uma possível referência a Deus, aos anjos, ou a uma mera figura de linguagem, veja: MCCANTS, William F. Founding Gods, Inventing Nations: Conquest and Culture Myths from Antiquity to Islam. New Jersey, Princeton University Press, 2012, pp.37-40.

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Todavia, assim como ocorre com a Bíblia Hebraica, o fato de o Alcorão também

conter ensinamentos tanto sobre a liberdade humana quanto sobre o determinismo

divino, requer, de igual modo, uma posição equilibrada sobre o assunto. Dessa vez, o

pensador muçulmano, aiatolá Nasir Makarim Shirazi, nos ajuda com sua concisa, mas

certeira opinião, ao dizer:

[...] nós sabemos que os seres humanos têm liberdade de escolha e

livre-arbítrio, ao mesmo tempo em que sabemos que Deus é o

Governante sobre todas as pessoas e ações.56

Ora, diante dessa tensão bíblica e qurânica sobre o complexo tema do

determinismo divino e da liberdade humana, a que conclusão podemos chegar? Penso

que as posições extremas devem ser evitadas. Creio que se adotarmos apenas o

pensamento determinista como verdade e negarmos o livre-arbítrio, acabaremos

pendendo inevitavelmente para o fatalismo. Por outro lado, se aceitarmos unicamente o

conceito do livre-arbítrio e rejeitarmos o determinismo divino, estaremos criando um

mundo totalmente ilusório. Além disso, ao adotarmos esta última opção estaremos

reduzindo Deus à condição de um ser totalmente impotente e insignificante e, por

conseguinte, dispensável em “nosso” mundo. Sendo assim, devemos dizer neste ponto

que “determinismo” e “livre-arbítrio” não são duas verdades necessariamente

irreconciliáveis. Isso foi argumentado de maneira bastante convincente por Geisler, que,

dentre outras coisas, disse:

[...] ninguém jamais demonstrou uma contradição entre predestinação

e livre-escolha. Não há conflito insolúvel entre um acontecimento

predeterminado por um Deus onisciente e um evento que é livremente

escolhido por nós.57

56 SHIRAZI, Nasir Makarim. Principios Basicos del Pensamiento Islamico. (Vol. IV: Justicia Divina). Tehran, Bonyad Be‘zat, 1987, p.43. Há entre os muçulmanos um grupo chamado qadarīah que nega a predestinação absoluta e acredita no poder (qadr) do livre-arbítrio humano. (Cf. HUGHES, Thomas Patrick. A Dictionary of Islam. New Dehli, AES Publications, 2001, p.478). O pensamento exposto por Shirazi lembra a declaração do Pirkê Avot 3:15, que diz: ‟Tudo está previsto, [mas] a liberdade de escolha é concedida”. (Cf. BERKSON, William. Pirke Avot: Timeless Wisdom for Modern Life. Philadelphia, The Jewish Publication Society, 2010, p.126. O acréscimo entre colchetes é meu). 57 GEISLER, Norman. Eleitos, Mas Livres: uma perspectiva equilibrada entre a eleição divina e o livre-arbítrio. São Paulo, Editora Vida, 2001, pp.47,48.

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A meu ver, apesar desse relacionamento entre determinismo divino e livre-arbítrio

humano se constituir um verdadeiro mistério, tal relacionamento não significa

necessariamente contradição. Os argumentos produzidos pela razão humana, limitada e

falível, não podem comprovar de forma inequívoca a suposta contradição entre essas

duas verdades ensinadas tanto pelo Tanakh quanto pelo Alcorão. Assim, tanto o

determinismo quanto o livre-arbítrio, apesar de serem duas coisas distintas e

aparentemente paradoxais, podem ser vistas, igualmente, como duas verdades

complementares, que não são necessariamente mutuamente excludentes.

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6. ESCATOLOGIA

Finalmente, chegamos ao último tema de nosso estudo, o tema referente à

escatologia. O vocábulo “escatologia” é oriundo de duas palavras gregas, eschatos,

“último” e logos, “palavra, relato, declaração, consideração”.58 Trata-se da consideração

ou estudo acerca dos eventos futuros e, portanto, últimos.

No judaísmo, o termo “escatologia” está relacionado à esperança de “um futuro

cumprimento das promessas de Deus no momento em que Deus julgará todos os seres

humanos e iniciará uma era messiânica”.59 Contudo, como bem observou Gnilka:

Escatologia trata da ação definitiva de Deus, que também acontece na

história. Isso também se aplica quando ainda não se quer olhar para

além das fronteiras da história, para uma vida no além. Tal é a

situação no Antigo Testamento, que – não levando em conta os

escritos mais tardios – ainda desconhece uma continuidade da vida do

ser humano para além da morte, uma vida eterna no além. A história

do mundo é o julgamento do mundo. Existe uma escatologia

veterotestamentária.60

Essa escatologia histórica mencionada por Gnilka, a qual está presente na Bíblia

Hebraica, irá sofrer uma grande mudança com o surgimento da apocalíptica judaica.61

A partir do surgimento desse gênero literário, a história passa a ser compreendida de

outra forma. Agora, a ação definitiva de Deus se realiza não somente na própria história,

mas, sobretudo, além das fronteiras históricas, dando ensejo para que surjam, por

58 LIDDELL, H. G. & SCOTT, R. An Intermediate Greek-English Lexicon. [Founded upon the Seventh Edition of Liddell and Scott’s Greek-English Lexicon]. Oxford, Oxford University Press, 1889, pp.319,476-477. 59 PECK, Alan J. Avery. Eschatology (In Judaism). In: ESPÍN, Orlando O. & NICKOLOFF, James B. (eds.). An Introductory Dictionary of Theology and Religious Studies. Collegeville, The Liturgical Press, 2007, p.410. 60 GNILKA, Joachim. Bíblia e Alcorão – O Que os Une, O Que os Separa, p.175. 61 A expressão “apocalíptica judaica” é usada para se referir a um tipo de gênero literário que emprega imagens simbólicas e visões que descrevem acontecimentos futuros nos fins dos tempos. (Cf. EISENBERG, Ronald L. Dictionary of Jewish Terms: a guide to the language of Judaism. Lanham, Taylor Trade Publishing, 2011, p.18).

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exemplo, a esperança em uma vida no além, bem como, a crença na ressurreição dos

mortos (cf. Daniel 12.1-3).62

A apocalíptica judaica é importante não somente para a compreensão da

escatologia bíblica, mas também para a compreensão do próprio Alcorão, o qual

também compartilha esse mesmo tema em suas páginas. Aliás, verifiquemos isso com

maiores detalhes.

Na Bíblia Hebraica, encontramos várias referências ao “dia do Senhor”.63

Entender esse conceito não é algo fácil. Tal expressão pode fazer referência: a) a um

julgamento divino decisivo, breve ou remoto, na história, b) ao reinado soberano divino

sobre todas as coisas, ou c) à manifestação divina especial num contexto de julgamento

e salvação, bem como, nos principais eventos da história humana.64 Seja como for,

parece que o sentido de “juízo” está mais presente nessa expressão.65 Esse conceito de

julgamento como o “dia” também aparece no Alcorão, onde lemos, por exemplo, sobre

“o Soberano do dia do julgamento” (Abertura, 1.4) e sobre “o último dia” (A Vaca,

2.228, 232).

Além disso, encontramos também na Bíblia Hebraica, em seu estágio tardio, uma

referência explícita à ressurreição, à vida eterna e ao sofrimento eterno: “e muitos que

dormem no pó da terra ressuscitarão, uns para a vida eterna, e outros para vergonha e

desprezo eterno” (Daniel 12.2). Esses mesmos elementos também podem ser

verificados no Alcorão, onde encontramos dezenas de referências ao “dia da

ressurreição”,66 além de várias outras menções feitas às recompensas e aos castigos

62 Neusner, Chilton e Graham chamam essa abordagem escatológica que aparece tanto no judaísmo tardio, quanto no cristianismo e no islamismo de “compreensão linear, unidirecional e teleológica da história”. (Cf. NEUSNER, Jacob, CHILTON, Bruce & GRAHAM, William. Three Faiths, One God: the formative faith and practice of Judaism, Christianity, and Islam. Boston, Brill Academic Publishers, 2002, p.290).

63 Veja, por exemplo: Isaías 2.12; 13.6,9; Joel 1.15; 2.1,11,31; Amós 5.18-20; Sofonias 1.7,14; Zacarias 14.1. 64 CHAMPLIN, R. N. Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia. Vol.2. [D-G]. São Paulo, Hagnos, 2001, p.440. 65 METZGER, Bruce M. & COOGAN, Michael D. (eds.). The Oxford Companion to the Bible. Oxford, Oxford University Press, 1993, p.157. 66 Veja, por exemplo, as suras: 2.85, 113, 174, 212, 275; 3.55, 77, 161, 180, 185, 194; 4.87, 109, 141, 159; 5.14, 36, 64; 6.12; 7.32, 167, 172; 10.60, 93; 11.98, 99; 16.25, 27, 124; 17.13, 58, 62, 97; 18.105; 19.95; 20.100, 124; 21.47; 22.9 etc. (Para maiores informações sobre o significado do “dia da ressurreição” no Alcorão, veja: MEHAR, Iftikhar Ahmed. Al-Islam: Inception to Conclusion. Bloomington, AuthorHouse, 2003, pp.240-242).

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existentes na vida além-túmulo.67 Dessa forma, a importância que o Alcorão confere à

vida no além e à ressurreição o insere dentro do contexto da apocalíptica judaica, um

subtema da escatologia.

Além desses temas, a Bíblia Hebraica e o Alcorão também têm em comum o

discurso sobre um novo céu e uma nova terra futuros (compare Isaías 65.17; 66.22, com

Abraão, 14.48).

De uma forma geral, podemos notar que a escatologia presente no Alcorão possui

traços que a aproximam mais da apocalíptica judaica tardia do que da escatologia

histórica presente na Bíblia Hebraica. Além do mais, podemos perceber também que a

referência ao “dia do juízo” (yawm al-dīn) no Alcorão (Abertura, 1.4) encontra o seu

paralelo nas várias alusões ao “juízo” divino (mišppāṭ) encontradas na Bíblia Hebraica.

De qualquer modo, a temática escatológica pode ser claramente notada nestes dois

livros sagrados e em suas teologias.

67 Confira, por exemplo, as suras: 2.85, 114, 162; 4.93, 102, 151 (sobre os castigos) e 2.58, 62, 112; 3.57, 136, 144 (sobre as recompensas).

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CONCLUSÃO

Este breve estudo que fizemos sobre alguns temas em comum entre a Bíblia

Hebraica e o Alcorão nos permitiu chegar às seguintes conclusões:

Primeira, a Bíblia Hebraica e o Alcorão falam sobre a crença em um Deus único,

o qual é, ao mesmo tempo, o Criador de todas as coisas. Nestes dois livros sagrados, o

politeísmo é fortemente rejeitado como idolatria, pois o que importa, de fato, é a fé em

’ēl / allāh (termos estes que, como vimos, possuem afinidades morfológicas e

semânticas) e a obediência (ou “submissão”) à Sua vontade. Este Deus único usou a Sua

Palavra (mēmrā’ / ’amr) como instrumento da Sua obra criadora, trazendo assim à

existência os céus, a terra e o próprio homem.

Segunda, o Deus único da Bíblia Hebraica e do Alcorão resolveu dar-se a

conhecer à humanidade. Para isso, Ele escolheu se auto-revelar através de um livro

sagrado que traz consigo o registro das Suas divinas palavras, que devem ser lidas,

estudadas e praticadas. E este (s) livro (s) sagrado (s), por sua vez, veio (vieram) a ser

escrito (s) através da instrumentalidade de Seus servos: Moisés (especialmente) e

Maomé.

Terceira, a Bíblia Hebraica e o Alcorão conferem, ambos, grande destaque à

pessoa de Abraão. Ele é tanto o patriarca dos judeus, que se veem como seus filhos

(“filhos de Abraão”), quanto é o pai de Ismael, ancestral do povo árabe, segundo as

tradições judaica e árabe.

Quarta, tanto a Bíblia Hebraica quanto o Alcorão apresentam em suas páginas a

tensão existente entre o determinismo divino e o livre-arbítrio humano. Apesar de o

Alcorão pender mais para o primeiro destes conceitos do que o Tanakh, contudo, ambos

mencionam tais elementos em seus escritos, retratando assim a sua compreensão

teológica, cosmológica e antropológica da complexa relação Deus-homem-mundo.

Quinta, a escatologia também é um tema comum à Bíblia Hebraica e ao Alcorão.

Porém, é um assunto muito mais trabalhado neste último, que, valendo-se

principalmente da apocalíptica judaica, acabou desenvolvendo um conteúdo

escatológico mais rico e variado do que aquele apresentado no Tanakh. Entretanto, os

dois livros ressaltam tal tema, à sua maneira, em seus textos.

Finalmente, a sexta e última conclusão à qual pudemos chegar neste trabalho e,

talvez, a mais importante de todas, é que toda esta afinidade temática, todo este

compartilhamento de conceitos e crenças (ainda que de forma parcial) por parte da

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Bíblia Hebraica e do Alcorão, a despeito de todas as suas idiossincrasias teológicas e

filosóficas, devem servir de incentivo ao diálogo, à fraternidade, à cooperação mútua e,

sobretudo, à paz, não somente entre judeus e muçulmanos, como também entre todos os

demais povos. Neste estudo sobre alguns temas comuns ao Alcorão e à Bíblia Hebraica

pudemos aprender, acima de tudo, que quando nos dispomos a conhecer melhor o outro

e as suas crenças, acabamos, na verdade, conhecendo melhor a nós mesmos!

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