A blogosfera, o jornalismo e as mediações colaborativas

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Capítulo 6 A Blogosfera, o Jornalismo e as Mediações Colaborativas O blog é um dispositivo estratégico que permite aos pesquisadores, jornalistas, profissionais de comunicação exercitarem a função de escritores e exercerem a cidadania através de um meio colaborativo. Nasce assim um novo conceito de espaço público e como todo fenômeno social novo, o blog precisa de avaliação crítica. O fórum indicado mais para um debate dessa natureza é – ou deveria ser – a academia, as escolas de comunicação, onde são preparados profissionais competentes e qualificados nos saberes (e fazeres) instrumentais, críticos e organizacionais. 1 Todavia, o debate mais eticamente pluralista é feito por meio do exercício de monitoramento realizado pelo site Observatório da Imprensa, que tem promovido uma leitura crítica da mídia, incluindo a blogosfera. E convém prestar atenção nos programas e sites que tratam das mídias (e dos blogs), pois geram uma metalinguagem digital instigante, dando um novo sentido à comunicação na esfera pública digitalizada. No contexto da “modernidade líquida”, em que tudo aparece e desaparece muito depressa, um dos desafios que se impõe, particularmente, para os analistas da informação e 1 Cumpre destacar aqui as contribuições de Alysson Viana Martins (PIBIC/UFPB, 2008/2009 e PPGC/UFBa, 2011), Laiza Félix de Aguiar (PIBIC/UFPB, 2010/2011), Eliane Cristina Medeiros (PPGC/UFPB), e Marina Magalhães (PPGC/UFPB) analisando os blogs, o Twitter e as redes sociais.

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  • 1. Captulo 6
    A Blogosfera, o Jornalismo e as Mediaes Colaborativas
    O blog um dispositivo estratgico que permite aos pesquisadores, jornalistas, profissionais de comunicao exercitarem a funo de escritores e exercerem a cidadania atravs de um meio colaborativo. Nasce assim um novo conceito de espao pblico e como todo fenmeno social novo, o blog precisa de avaliao crtica.
    O frum indicado mais para um debate dessa natureza ou deveria ser a academia, as escolas de comunicao, onde so preparados profissionais competentes e qualificados nos saberes (e fazeres) instrumentais, crticos e organizacionais.
    Todavia, o debate mais eticamente pluralista feito por meio do exerccio de monitoramento realizado pelo site Observatrio da Imprensa, que tem promovido uma leitura crtica da mdia, incluindo a blogosfera. E convm prestar ateno nos programas e sites que tratam das mdias (e dos blogs), pois geram uma metalinguagem digital instigante, dando um novo sentido comunicao na esfera pblica digitalizada.
    No contexto da modernidade lquida, em que tudo aparece e desaparece muito depressa, um dos desafios que se impe, particularmente, para os analistas da informao e da comunicao, examinar os fenmenos miditicos, como os blogs que mal acabaram de nascer j trazem consigo os sinais de transformao e os indcios de sua terminalidade. Assim ocorre com os processos digitais, atravessados pela velocidade tecnolgica, em que se incluem os dirios virtuais, os blogs e o Twitter.
    O campo das Cincias da Informao e da Comunicao consiste num domnio privilegiado para o enfoque das novas mdias e suas mediaes, e tem fornecido rigorosos mtodos de anlise emprica, qualitativa, corpus terico-conceitual, reflexes crticas e insights valiosos para pensarmos as estratgias colaborativas dos blogs.
    Apreciamos os blogs, em seu aspecto mvel, minimalista, proativo, como vetores de scio-tecnicidades inteligentes que conectadamente fundam de uma nova arte na reportagem das ocorrncias do cotidiano. Isso vale tanto para os dirios pessoais (de cunho mais ldico, subjetivo, intimista), quanto para os blogs jornalsticos (mais pragmticos, polticos, publicitrios).
    Os blogs promovem mutaes extremamente importantes no campo do jornalismo, uma atividade que, desde o sculo 18, consolida uma experincia bsica para a constituio da esfera pblica, do princpio democrtico e formao da cidadania.
    Procuramos aqui sistematizar um pr-entendimento dos blogs como expresso de uma nova formao discursiva mediada pela tecnologia, e logo formulamos algumas questes objetivando apreciar a sua natureza, o seu significado, os seus efeitos e usos sociais. E a partir da, esboamos um campo provvel de discusso que pode remeter s reflexes sobre o retorno da escrita na era do virtual, a hipertextualidade da literatura ps-massiva, o fenmeno do webjornalismo e o poder social das redes interativas.
    O que o blog? Embora seja um objeto recente, encontramos na internet e nos formatos impressos um volume considervel de pesquisas sobre o seu conceito: Lemos (2002), Oliveira (2002), Recuero (2003), Sibilia (2005), Primo (2008), e Amaral, Recuero & Montardo (2009) tm se empenhado em traduzir o seu significado.
    O termo weblog foi primeiramente usado por Jorn Barger, em 1997, para referir-se a um conjunto de sites que colecionavam e divulgavam links interessantes na web (Blood, 2000), como o seu Robot Wisdom. Da o termo web + log (arquivo web), usado por Jorn para descrever a atividade de logging the web.
    (AMARAL, RECUERO & MONTARDO, 2009, p. 28)
    O blog uma modalidade de dirio (pessoal, coletivo, privado, institucional, pblico e/ou comercial); uma narrativa telemtica de carter scio-interativo que faz o registro cotidiano das ocorrncias, de modo semelhante s Actas Diurnas de Jlio Csar, na Roma Antiga, que confere uma dimenso pblica aos discursos polticos, anteriormente circunscritos ao espao de intimidade dos governantes.
    Quem so os blogueiros? So escritores, artistas, estudantes, jornalistas, ciberativistas, contadores de histrias, personagens sintomticos do hibridismo cultural, em que se cruzam annimos e celebridades, amadores e especialistas, voluntrios e militantes, interagindo conectadamente no contexto da sociedade midiatizada.
    O que a blogosfera? Um ambiente comunicacional recente que acolhe a vontade de poder escrever e se comunicar dos indivduos e grupos sociais. Trata-se de um novo territrio, em que se instalam os atores em rede interagindo como cibercidados; uma nova camada na ecologia poltica e comunicacional contempornea.
    um espao propcio ao encontro-confronto dos escritores, jornalistas, acadmicos, profissionais do mercado, cronistas, historiadores do presente que interagem em tempo real, mas se encontram presencialmente em lugares distintos.
    Para entendermos a experincia cotidiana do blog, no trabalho e no tempo livre, esclarecedor o depoimento de Andr Lemos, falando do seu blog Carnet de Notes:
    Para mim, o blog se tornou algo quotidiano, a meio caminho entre um caderno de notas pessoal e um arquivo profissional. (...) um observatrio sobre minha pesquisa atual e como catlogo de meus projetos, livros, artigos e ensaios. (...) Considero este Carnet de Notes parte da minha produo acadmica como pesquisador e professor universitrio. De fato, ele um espao de expresso e de contato com outros, um prazer concretizado e compartilhado em palavras, imagens e informaes. (...) Os blogs so, junto com os games, os chats e os softwares sociais, um dos fenmenos mais populares da cibercultura. (...) Os blogs so criados para os mais diversos fins, refletindo um desejo reprimido pela cultura de massa: o de ser ator na emisso, na produo de contedo e na partilha de experincias.
    Carnet de Notes (LEMOS, 2009).
    Fazendo uma explorao na rede, encontramos blogs acadmicos, jornalsticos, artsticos, filosficos, musicais. H os blogs teis, os fteis, os informativos, os politizados, os elegantes, os esclarecedores, os desnecessrios e os imprescindveis, os quais - ritualisticamente - consultamos diariamente, e o seu conjunto compe uma exuberante blogosfera de onde jorram narrativas geniais, informaes quentes, flashes de sabedoria, e valeria a pena destacarmos aqui alguns deles.
    O estado da arte na pesquisa sobre o tema
    Existe um acervo importante de obras, ensaios e enquetes sobre o tema que tem auxiliado bastante nas investigaes. Uma boa sntese da temtica blog est no livro Blogs.com. Estudos sobre blogs e comunicao (2009), em formato impresso e digital, editado por Amaral, Recuero & Montardo. Reunindo 17 autores, o livro consiste num exaustivo trabalho metodolgico gerado a partir da observao participante em diversas atividades relacionadas com os blogs ou dirios virtuais:
    (...) percebemos o aumento de eventos acadmicos sobre o tema, como o BlogTalk que acontece desde 2003 , o ICWSM, International Conference on Weblogs and Social Media que acontece desde 2004 e o Encontro Nacional e Luso-Galaico sobre Weblogs, que ocorre anualmente em Portugal. No Brasil, o evento Blogs: Redes Sociais e Comunicao Digital, ocorrido em duas edies na Feevale, em 2007 e 2008, reuniu pesquisadores em grupos de trabalho e palestras. (...) Aoir (Association of Internet Researchers), Comps (Associao Nacional dos Programas de Ps-graduao em Comunicao), ABCiber (Associao Brasileira de Pesquisadores em Cibercultura) e Lista de discusso sobre Cibercultura da UFBA, entre outras.
    AMARAL; RECUERO; MONTARDO (Blogs.com, on line).
    Organizado em duas partes, Blogs: definies, tipologias e Metodologias, e. Usos e Apropriaes de Blogs, o e-book se empenha em investigar as interfaces dos blogs com os problemas de teorias e metodologias (sua objetividade e relevncia; as perspectivas de anlise e as bases conceituais empregadas nas pesquisas).
    O trabalho explora a insero dos blogs na esfera poltica, comercial e pedaggica, e o seu uso como ferramenta nas prticas de ensino (e profissionalizao) do jornalismo. A obra contempla o objeto como uma nova categoria do jornalismo, examinando a sua operacionalidade como um poderoso vetor de compartilhamento da informao. Procura detectar as suas variaes enquanto moblogs e microblogs, e interpretar o trabalho do jornalismo no uso das tecnologias mveis.
    O livro j se tornou uma referncia na rea e apresenta, de maneira sistematizada, uma reviso bibliogrfica rigorosa acerca dos blogs, incluindo ttulos nacionais e internacionais.
    Num outro registro, o trabalho de Alex Primo se volta para os problemas gerais da interao mediada por computador (2007), e examina os estilos de comunicabilidade, a natureza e as formas de cognio geradas a partir do uso das tecnologias de informao. O autor aponta para o carter de heterogeneidade desta ferramenta - que assume diferentes formas (organizacionais, educacionais, de carter pblico e privado) - e se prope a estabelecer uma matriz classificatria dos blogs.
    Raquel Recuero uma das pioneiras no estudo e divulgao do trabalho dos blogs no Brasil, investigando o seu uso como estratgia bem sucedida, durante a guerra no Iraque e a emergncia do Jornalismo on line (2003). Recuero e Primo (2003) apresentam uma anlise do blog, como um hipertexto cooperativo, uma escrita coletiva analogamente ao modus operandi da enciclopdia digital (wikipedia).
    Nesta rea so instigantes - igualmente - os trabalhos de Paula Sibilia, dos quais inserimos aqui uma smula, considerando o seu pioneirismo, sua pertinncia metodolgica e qualidade estilstica do seu argumento, seno vejamos:
    Em contraste com algumas formas modernas de atualizar a memria das prprias experincias vividas (do dirio ntimo psicanlise, do romance clssico s autobiografias romnticas), este artigo examina o fenmeno dos weblogs, fotologs e videologs do tipo confessional; isto , aqueles que expem na Internet a intimidade de seus autores. Estas novas manifestaes dos gneros autobiogrficos seriam uma tentativa atualssima de recuperar o tempo perdido na vertigem do tempo real, do sem tempo e do presente constantemente presentificado, todos fatores que caracterizam a contemporaneidade. A peculiar inscrio cronolgica desses novos relatos do eu denota uma certa reconfigurao das subjetividades, que se distanciam das modalidades tipicamente modernas de ser e estar no mundo. Assim como ocorre com a idia de interioridade, tambm est sofrendo alteraes o valor atribudo a outro fator primordial na constituio da identidade individual: o estatuto do passado como um alicerce fundamental do eu. Apesar de sua permanncia como fatores ainda relevantes, essas duas noes que desempenharam papis de primeira ordem na conformao das subjetividades modernas hoje parecem estar perdendo peso na definio do que cada um , dando a luz a novos regimes de constituio do eu.
    SIBILIA (2005 on line).
    A anlise de cunho qualitativo feita pela autora severa, mas profundamente lcida e converge com a nossa perspectiva epistemolgica, pois empreende uma aguada hermenutica da comunicao humana na era das redes sociais, perfazendo um dos primeiros esforos em direo a uma psicanlise da cibercultura.
    Duas novas formas de expresso e de comunicao florescem atualmente na Internet: os dirios ntimos on-line (blogs) e as cmeras de vdeo que capturam e exibem "cenas da vida privada" dos prprios usurios (webcams). Estes fenmenos parecem recriar um hbito que teve seu apogeu nos sculos XVIII e XIX e que vinha agonizando lentamente ao longo do sculo passado: a paciente e minuciosa "escrita de si". A inteno focalizar um aspecto particular dessas novas "narrativas do eu" que hoje se multiplicam nas redes digitais: a sua inscrio na fronteira entre o pblico e o privado, pois as confisses e as imagens cotidianas dos autores so expostas aos milhes de olhos que tm acesso Internet. Os limites que costumavam separar essas duas esferas no mundo moderno esto sendo desafiados, acompanhando as fortes mutaes que afetam as subjetividades contemporneas.
    SIBILIA (INTERCOM, 2003, on line).

    Os seus textos exploram os dirios face convergncia scio-tecnolgica, acelerao e velocidade do capitalismo global (ou seja, considerando as relaes com a estrutura econmica); analisam os modos de subjetividade, focalizando as dimenses psicolgicas, sociais, tico-polticas dos blogueiros. Sibilia enfrenta a nova concepo de esfera pblica (virtual, digital, colaborativa) criada pelos blogs, entendida como um imperativo da visibilidade, que Recuero nos apresenta numa citao esclarecedora:
    Esse imperativo, decorrente da interseco entre o pblico e o privado, para ser uma conseqncia direta do fenmeno globalizante, que exacerba o individualismo. preciso ser visto para existir no espao dos fluxos. preciso constituir-se parte dessa sociedade em rede, apropriando-se do ciberespao e constituindo um eu ali.
    (RECUERO, 2003, pag. 3).
    Essa perspectiva reaparece nos estudos de Alonge (2003), que observa as ambincias comunicacionais geradas pelos blogs como goras digitais, propiciando estilos de sociabilidade no contexto da cultura miditica. Alis, as subjetividades e sociabilidades forjadas pelos meios interativos tm sido tambm objeto das preocupaes de Carvalho (2000), que explora os Dirios ntimos na era digital, os paradoxos dos dirios pblicos que se originam de mundos privados.
    Cumpre ratificar o trabalho de Andr Lemos, um dos pioneiros neste domnio, da pesquisa, tratando especificamente dos blogs em A arte da vida, dirios pessoais e webcam (2002) e Cibercultura e Tsunamis, Tecnologias de Comunicao Mvel, Blogs e Mobilizao Social (2005). O seu enfoque scio-antropolgico das infotecnologias atualiza um olhar sobre as mdias (e mediaes) digitais, explorando as interfaces da cibercultura, tecnologia e vida social, e enfatizando o poder social no uso das mdias locativas. Uma gil captura da inteligncia coletiva conectada dos blogs, em trnsito, na rua, na praia, na praa pblica, em todos os lugares e em lugar nenhum.
    O retorno da escrit@ na era digital
    Com o aparecimento dos dirios nos deparamos com um retorno da escrita (que fora obliterada pelos audiovisuais no auge da cultura de massa) e o surgimento do leitor imersivo, expresso utilizada por Santaella (2004) para designar as experincias neuro-sensoriais e cognitivas envolvidas pelas inteligncias conectadas.
    A partir da revoluo forjada pelas mdias colaborativas, um novo regime scio-semitico se instalou; surgiram novas maneiras de falar, de significar e de colaborar. Portanto, afloraram distintas modalidades de acesso, linguagem e interacionalidade.
    A inteligncia artificial, o uso simultneo de imagem, som e texto, o ritmo, a velocidade das redes e a conexo scio-tecnolgica desencadearam novos modos de percepo, memorizao, estmulo, resposta, cognio e aprendizagem; formas diferentes de traduzir a semiotizao cotidiana e estratgias de participao social.
    Uma leitura hermenutica, semiolgica ou semitica dos blogs nos remete s trs vocaes da linguagem, como vetor de informao, comunicao e socializao.
    E conduz a um tempo mtico da linguagem, busca de uma linguagem pura, em que a prosa do mundo revigorada pelas narrativas mitopoticas, encorajando comunicao e sociabilidade. Como demonstra Santaella, no livro Linguagens lquidas na era da mobilidade (2007), preciso perceber que os blogs, as redes sociais, levam s mediaes sociais por meio das linguagens geradas pelas tecnologias.
    O que acontece com a irradiao dos blogs - pessoais, coletivos, artsticos, polticos ou jornalsticos - a instaurao de uma nova gramtica tecno-social, que condiciona os modos de pensamento, discurso e ao dos atores sociais.
    A vigorosa interatividade desencadeada a partir da produo, circulao e consumo dos contedos dos blogs, resulta sobretudo do grande poder de mediao e equilbrio inspirado no esprito hermenutico-interpretativo. Ou seja, o trabalho dos blogueiros assimila as regras gramaticais, do logos, da razo grfica e comunicativa, mas escapa aos padres convencionais, liberando uma linguagem nova que estimula a imaginao criadora e participante no cotidiano midiatizado.
    A blogosfera impe dinmica e atualizao aos currculos universitrios, assim como energiza os fluxos informacionais que otimizam os procedimentos organizacionais e mercadolgicos, e igualmente, no mbito do trabalho jornalstico apresentam novos desafios, forando as redaes e os seus profissionais a reexaminarem os seus mtodos de investigao, os modos de elaborao das notcias e disponibilizao dos seus contedos. A blogosfera fortalece o dilogo entre a academia, o mercado e a sociedade: a nova babel instalada pelos blogs traz bons pressgios.
    A pureza dos dirios pessoais e o perigo dos blogs jornalsticos
    Nos tempos da visibilidade total os dirios ntimos assumiram novos formatos; parecem ter perdido o pudor, tornando-se mais evidentes, de acordo com os cdigos abertos da chamada sociedade transparente. Trata-se de uma experincia fecunda, que permite os atores em rede abrirem caminho para a livre informao e a comunicao colaborativa, como mostram as experincias do blog, do twitter e do wikileaks.
    Interessa-nos aqui explorar, sobretudo, o seu carter scio-poltico e informativo, problematizando as suas conexes scio-tecnolgicas que transformam os inocentes dirios em influentes blogs jornalsticos:
    Em A Book of Ones Own - People and Their Diaries, o estudioso ingls Thomas Mallon (1995, p.1) chama a ateno para o fato de que os dois termos se confundem por estarem associados idia de recordao diria de eventos. Mas ele acredita que a palavra dirio tenha conotao associada a algo mais ntimo porque se ligou a dear na expresso querido dirio (dear diary), muito utilizada por diaristas. O jornal, por sua vez, esteve mais associado a newspapers trade (jornal como informativo comercial, peridico, gazeta) termo que vincula o jornal idia de fonte de notcia. (OLIVEIRA, 2009).
    Para uma reflexo crtica dos blogs como escrita de si e vetor de publicizao da vida cotidiana, salutar recorrer aos pensadores Barthes, Lacan, Foucault, Deleuze e Derrida, mestres na arte de decifrar as narrativas, escritos, discursos, enunciados e escrituras, atravs dos quais se travam as batalhas lingsticas, cognitivas, jurdicas, comerciais e polticas. Cada deles nos apresenta idias instigantes para interpretarmos o sentido da nova linguagem hipertextual e polifnica da blogosfera, seno vejamos:
    Barthes continua sendo um autor importante na academia, no que concerne aos seus estudos do texto, que podem ser adequados para desvendarmos as tramas da hipertextualidade . Observando as anlises que fez sobre o bvio e o obtuso das mdias modernas (os impressos, a fotografia, o cinema), podemos utilizar os seus estudos examinando os blogs como espcies de mitologias, falas roubadas (1980), povoando a semiurgia urbana, desvelando, assim, o esprito do tempo. Remontando a perspectiva barthesiana, os blogs podem ser vistos como narrativas que (re)definem um novo acesso ao poder da linguagem no contexto social (2003).
    Num outro registro, recuperando as lies de Lacan (2003), um autor perspicaz tambm no que respeita decifrao do ser, atravs da fala, do texto, do discurso, vislumbramos a escrita do blog como expresso dos desejos inconscientes e como uma robusta usina de produo de linguagem. Pelo prisma lacaniano, o blog realizaria uma operao em que o significante (lugar do desejo) busca escapar tirania do significado (lugar da norma), em que o discurso privado (subjetivo) passa a tornar parte de uma agenda pblica (social). Logo, o blog consiste numa estratgia de liberao do desejo (de falar, escrever, se comunicar) e num motor de realizao da catarse, na medida em que o leitor se torna autor, podendo interagir com outros autores-leitores-interlocutores
    O clebre artigo O que um autor? (FOUCAULT, 1984) oferece pistas para entendermos o blog, como um estilo de comunicao individual ou coletiva, mas, simultaneamente, autoral e interativa, fazendo uma ponte semiolgica entre o domnio da subjetividade e da objetividade, das tecnologias do ego e da socialidade on line.
    A concepo do discurso como dispositivo gerador de soberania, disciplina, autonomia e liberdade, segundo a Microfsica do poder (1979), produz agenciamentos que nos encorajam a defender a ampla e irrestrita liberao da linguagem no ciberespao. Mas, sobretudo no ltimo Foucault, autor de Histria da sexualidade, vol. 1. O uso dos prazeres, e O cuidado de si, vol. 2 (1984), em que prope uma estilstica da existncia, encontramos insights para entendermos os novos estilos de subjetividade (e modos de cidadania) gerados pelos dirios nos espaos anrquicos da blogosfera.
    Deleuze, mais alegrico, em sua filosofia da diferena, recorre personagem de Alice no pas das maravilhas e os seus anagramas acerca das metamorfoses entre o encolher e crescer, como alternncias necessrias lgica de sentido, e assim, remete-nos a uma reflexo dos tamanhos do blog e microblogging, como espaos condicionantes para a traduo do pensamento em linguagem na era da velocidade.
    Ao seu turno, Jacques Derrida, tambm sob a influncia filolgica de Nietzsche, denuncia a farmcia de Plato, rechaa a compulso idealista que leva angustiante busca pela exatido das palavras. E por essa via faz a crtica radical da escritura fisgada pelo logocentrismo, defendendo o fonocentrismo, como expresso legtima da diferena do pensamento que manifesta a essncia do ser na linguagem.
    Efetivamente, Derrida malgr lui mme prenuncia a vigncia semitica gerada, no sculo 21, pelo idioma scio-tcnico compartilhado da blogosfera. O filsofo aposta numa atitude filosfica de desconstruo das tramas lingsticas hegemnicas, pela via da linguagem, que ele entende como um ato de resistncia.
    Essa constelao de idias, mesmo partindo de rigorosa abstrao filosfica, nos ajuda a compreender as condies de produo da subjetividade e da sociabilidade, atravs da linguagem, e nos instiga a entender a blogosfera como o lugar estratgico para o agenciamento de um novo narrador, sujeito da histria, do desejo, da ao poltica, de um projeto de autonomia atravs de uma nova competncia comunicativa.
    Assim, a especulao filosfica acerca do poder da linguagem nos instiga a compreendermos pragmaticamente - a experincia de resistncia dos blogs, do twitter, das redes sociais, no contexto dos conflitos polticos na dita primavera rabe.
    Enfrentando as gestes governamentais autoritrias da Tunsia, Egito, Lbia, Sria, Imen, Sudo, Sri Lanka, Oman, os usurios-blogueiros conectados em rede se tornam cibermilitantes, contribuindo para a derrubada dos poderes hegemnicos.
    Um balano das categorizaes
    A blogosfera complexificou-se de tal forma que as primeiras definies sobre blogs passam a revelar suas limitaes. Se em um primeiro momento a imprensa e a academia apressaram-se a comparar blogs, como dirios pessoais, e vincular sua produo a uma atividade confessional de jovens, hoje vemos um crescente nmero de grandes corporaes mantendo blogs como estratgia mercadolgica e promocional (...). Diante dessas atualizaes e dos desafios que a blogosfera impe ao pesquisador, desde o incio do ano venho trabalhando em um mtodo que possa delimitar os diferentes gneros de blogs.
    (PRIMO, 2008, on line)
    Dentre os pesquisadores preocupados com o fenmeno dos blogs, Alex Primo se dedica a explorar conceitualmente e pragmaticamente a blogosfera. E, sinaliza caminhos para um entendimento dessa complexa maquinaria de linguagem. Apoiando-se numa ampla bibliografia sobre o tema, aponta os problemas das suas definies, suas relaes com a imprensa, a academia, o mercado e as instituies miditicas.
    Segundo Primo, a sua classificao foi desenvolvida a partir de uma insatisfao com as tipologias de blogs conhecidas por suas temticas jornalsticas, educacionais etc. Para ele, a complexificao da blogosfera acabou inflando essas ltimas categorias (...) e ento prope um modelo que apresenta 16 gneros de blogs:
    (...) existem blogs individuais e coletivos, o que j modifica as condies de produo e administrao do blog. (...) busquei avaliar como se do as interaes (internas e com as audincias) e a relao do blogar com o trabalho e com o cotidiano (dimenso interaes formalizadas/interaes cotidianas). Quanto ao contedo, busquei investigar se os textos voltam-se para questes dos prprios blogueiros (quando falam de si, de suas relaes e das prprias atividades) ou quando tratam de outros assuntos (dimenso dentro/fora). A ltima dimenso (reflexo/relato) visa observar a estratgia discursiva preferida: existe argumentao crtica ou apenas uma exposio de fatos? (...) A partir do cruzamento (das) dimenses, encontrei 16 gneros: (1) profissional auto-reflexivo; (2) profissional informativo interno; (3) profissional informativo; (4) profissional reflexivo; (5) pessoal auto-reflexivo; (6) pessoal informativo interno; (7) pessoal informativo; (8) pessoal reflexivo; (9) grupal auto-reflexivo; (10) grupal informativo interno; (11) grupal informativo; (12) grupal reflexivo; (13) organizacional auto-reflexivo; (14) organizacional informativo interno; (15) organizacional informativo; e (16) organizacional reflexivo.
    DOSSI ALEX PRIMO (Blog, 30.09.2008).
    O pesquisador apresenta instrumentos terico-conceituais para compreendermos os blogs, a partir de sua caracterizao em diferentes gneros. Para isso recorre s leituras de Bakhtin e Todorov, pensadores engajados no estudo das relaes entre o discurso literrio e a trama social, empenhados em classificar, categorizar e explicar os gneros de discurso no mbito da cultura. Assim, Primo elabora uma tipologia dos gneros de blogs que tem o mrito de encorajar novas categorizaes, no s para uma anlise dos blogs, mas de outros dispositivos semitico-informacionais.
    O jornal e as mediaes digitais: o blog, o podcast, o Twitter
    Da Galxia de Gutemberg (expresso do desenvolvimento mundial da imprensa) at a Galxia Internet (forma mais acabada da midiatizao global) muita coisa aconteceu, e pelo que tudo indica estamos apenas no incio de uma longa odissia.
    Conforme escreve o socilogo catalo Manuel Castells, na obra monumental, em trs tomos, A Era da Informao: economia, sociedade e cultura (1999), estamos assistindo a importantes transformaes no domnio da economia, poltica, cultura e sociedade, e como diz Pierre Lvy, a internet j a prpria revoluo. Ou como proclama o jornalista Marcelo Tas: O Twitter j revolucionou a comunicao.
    O modo (como a gente lida com o fluxo de notcias nos prximos anos) algo que a gente no vai perceber de uma maneira to pontual quanto a gente percebeu com a chegada da TV, por exemplo. algo muito mais sutil e, paradoxalmente, muito mais rpido. Entra to imediatamente na nossa vida que a gente no identifica. A gente tem uma dificuldade muito grande de processamento. Os chips vo se acelerando em proporo geomtrica, e a gente continua com o mesmo crebro, com o mesmo corpo graas a Deus, inclusive -, e principalmente com a mesma cultura, que muito analgica.
    Marcelo Tas (Entrevista, Estado on line, 2011).
    As nanotecnologias, as mdias mveis, colaborativas, os dispositivos sem fio, os laptops, palmtops, celulares e cmeras portteis tm proporcionado modificaes importantes no mbito do trabalho dos jornalistas e profissionais de comunicao.
    No se pode precisar com certeza quando surgiu cada dispositivo e nem o momento exato em que as transformaes comearam a acontecer, mas numa perspectiva histrica, percebemos que existe uma relao muito prxima entre a rota sinistra dos conflitos blicos e a evoluo das tecnologias de comunicao.
    As grandes guerras mundiais, a guerra da Coria, a guerra do Vietn, a guerra do Golfo, a guerra no Iraque, o episdio da exploso das torres gmeas, A guerra contra o terror, entre outros, so acontecimentos trgicos, em que as tecnologias de informao e da comunicao tm um papel preponderante.
    Vrias obras como Guerra e Paz na Aldeia Global (MCLUHAN, 1971), A inveno da Comunicao (MATTELART, 1996), Guerra e Cinema (VIRILIO, 2005), A guerra do golfo no aconteceu (BAUDRILLARD, 1991) e Democracia, multido e guerra no ciberespao (ANTOUN, 2004), entre outros, tm demonstrado a interseco entre os conflitos, as guerras e a comunicao.
    Numa perspectiva hermenutica, a experincia comunicacional aparece aqui como mediao da guerra das linguagens, das tenses e dos conflitos das mais diversas naturezas. Com efeito, a histria da evoluo dos meios de comunicao que se efetiva pari passu com a evoluo do processo civilizatrio, conforme demonstra Hohlfeldt (2001), no se perfaz num rio de guas tranqilas.
    Nesta investigao dos blogs (dirios virtuais) que j fazem parte da rotina de trabalho dos jornalistas como as agncias de notcias notamos que estes se inserem num contexto histrico-cultural marcado pela globalizao, dromocracia (acelerao e velocidade dos fluxos, mensagens, notcias), convergncia scio-tecnolgica e dispositivos de conexo e mobilidade. Logo, caberia examinar como o jornalismo vem se transformando com a incrementao dos blogs, e como esta prtica histrica vem se modificando sob a gide da digitalizao, configurando a experincia do webjornalismo.
    O novo formato se instala no tempo forte do capitalismo global (ou turbocapitalismo), mas no se pode perder de vista tambm que aqui se definem os espaos e tempos para as aes afirmativas e empoderamentos (dos usurios, cidados, jornalistas, pesquisadores), para a criao de oportunidades e a insero das competncias comunicativas nos chamados mercados glocais.
    Sem pretender abarcar os grandes problemas causados pelas metamorfoses do jornalismo, a partir das tecnologias da informao, elencamos algumas questes que podem instigar um debate profcuo, e para isso, recorremos a alguns trabalhos que atestam o esforo da pesquisa voltada para as relaes entre os blogs e o jornalismo.
    Naturalmente esses so apenas alguns exemplos, dentre os muitos estudos sobre os blogs e suas interfaces com o jornalismo.
    Podemos depreender dessa pequena amostra as preocupaes em atualizar uma avaliao crtica da imprensa, enquanto instituio ocidental, que nasce diretamente ligada s questes da vontade geral, do Direito, das lutas polticas, da livre iniciativa e da liberdade de informao, e tais preocupaes passam pelo crivo da nova experincia individual e coletiva que a interacionalidade gerada pelos meios digitais.
    Os blogs como extenses da casa, da rua, da escola e da vida profissional
    Os blogs tm repercutido nos domnios da economia, poltica e educao. Atendem a funes sociais diversas; convm lev-los a srio naquilo que contm de essencial, tornando a comunicao mais democrtica e gerando empoderamento social.
    Historicamente, observamos que a nova diviso social do trabalho introduz novas demandas, necessidades e responsabilidades, e tais instncias passam pelo crivo da formao dos recursos humanos, das competncias scio-tcnicas e cognitivas. Mas um estudo dos blogs no poderia prescindir tambm de uma apreciao dos componentes tico-polticos e estticos, que lhes do forma e sentido. Num nvel mais pragmtico, tudo isso remete inevitavelmente ao problema das escolas de Ensino Superior de Comunicao, e a rigor, s relaes entre a escola, o mercado e a sociedade, instncias movidas por interesses distintos, mas que no so irreconciliveis.
    O blog e o microblogging (como o Twitter) tm exercido uma presena marcante nas diversas esferas da ao pragmtica, no mbito da comunicao deste comeo de sculo; logo, o seu significado no deve ser subestimado. Obliter-los seria o mesmo que apagar o sistema de correio postal numa histria da cultura do sculo XIX.
    O jornalismo continua sendo como sempre foi um discurso socialmente poderoso, que contribui para a organizao da vida mental e social no espao pblico. O jornal mudou de forma na era da comunicao ps-massiva, conjugando os elementos verbais, impressos, grficos, imagticos, sonoros, e os blogs - em seu formato conciso, dinmico, colaborativo tm participado efetivamente destas mutaes.