A Boa Morte em Santa Brígida1 - 29rba.abant.org.br · Na meia noite do dia 31 de julho para dia 01...

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1 A Boa Morte em Santa Brígida 1 Sara Raquel Nacif Baião Universidade Federal da Bahia –UFBA Abstract: Esta comunicação aborda a penitência de Nossa Senhora da Boa Morte entre os romeiros de Santa Brígida –Bahia. Herdeiros dos líderes religiosos Padrinho Pedro Batista e Madrinha Dodô, mesmo transcorridos muitos anos da morte de seus mentores espirituais, praticam rituais funerários particulares, auto-sustentados e discrepantes daqueles pregados pelo catolicismo romanizado. A salvação insere-se numa cosmovisão onde o caminho é trilhado cotidianamente, na vida reta, ascética, com a prática de valores como a fé, a solidariedade e a caridade. Além da conduta, que é um dos importantes fatores para se alcançar a salvação, a penitência, a oração, também determinam o sucesso dessa busca. Dentre aquilo que pode ser feito para a salvação de uma alma, está a penitência de Nossa Senhora da Boa Morte. Ela auxilia o fiel a transpor com galhardia a díficil passagem dos campos de Josafá, um embate entre o bem e o mal, tanto para o romeiro quanto para a sua parentela morta. Realizada por mulheres e meninas no mês de agosto, nesse ritual é possível perceber a constante comunicação entre mortos e vivos e o importante papel dos vivos em auxiliar e modificar o destino dos mortos. Palavras Chaves: Religião, Romaria, Boa Morte A cidade de Santa Brígida, situa-se no semi-árido baiano, distante 475 km de Salvador. Esse lugar era na década de 1940 um pequeno povoado com aproximadamente 20 casas. (QUEIROZ 1977:295). Em 1945 um fato foi de fundamental importancia para a história da cidade: a chegada de um líder religioso de nome Pedro Batista de Silva. Nordestino, serviu na Guerra do Contestado, de onde desertou. Morou certo tempo no Rio de Janeiro e ao ouvir um chamado, regressou ao nordeste, para cumprir uma missão. Trazia em si várias qualidades extraordinárias, como o poder de curar, de aconselhar e a visão. Depois de passar alguns anos peregrinando por muitos lugares e sofrendo perseguições por parte do clero e dos médicos, fixou-se em Santa Brígida, `a época pertencente ao município de Jeremoabo. 1 -Trabalho apresentado na 29ª Reunião Brasileira de Antropologia realizada entre os dia 03 e 06 de

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A Boa Morte em Santa Brígida1

Sara Raquel Nacif Baião

Universidade Federal da Bahia –UFBA

Abstract: Esta comunicação aborda a penitência de Nossa Senhora da Boa Morte entre

os romeiros de Santa Brígida –Bahia. Herdeiros dos líderes religiosos Padrinho Pedro

Batista e Madrinha Dodô, mesmo transcorridos muitos anos da morte de seus mentores

espirituais, praticam rituais funerários particulares, auto-sustentados e discrepantes

daqueles pregados pelo catolicismo romanizado. A salvação insere-se numa cosmovisão

onde o caminho é trilhado cotidianamente, na vida reta, ascética, com a prática de

valores como a fé, a solidariedade e a caridade. Além da conduta, que é um dos

importantes fatores para se alcançar a salvação, a penitência, a oração, também

determinam o sucesso dessa busca. Dentre aquilo que pode ser feito para a salvação de

uma alma, está a penitência de Nossa Senhora da Boa Morte. Ela auxilia o fiel a

transpor com galhardia a díficil passagem dos campos de Josafá, um embate entre o

bem e o mal, tanto para o romeiro quanto para a sua parentela morta. Realizada por

mulheres e meninas no mês de agosto, nesse ritual é possível perceber a constante

comunicação entre mortos e vivos e o importante papel dos vivos em auxiliar e

modificar o destino dos mortos.

Palavras Chaves: Religião, Romaria, Boa Morte

A cidade de Santa Brígida, situa-se no semi-árido baiano, distante 475

km de Salvador. Esse lugar era na década de 1940 um pequeno povoado com

aproximadamente 20 casas. (QUEIROZ 1977:295). Em 1945 um fato foi de

fundamental importancia para a história da cidade: a chegada de um líder religioso de

nome Pedro Batista de Silva. Nordestino, serviu na Guerra do Contestado, de onde

desertou. Morou certo tempo no Rio de Janeiro e ao ouvir um chamado, regressou ao

nordeste, para cumprir uma missão. Trazia em si várias qualidades extraordinárias,

como o poder de curar, de aconselhar e a visão. Depois de passar alguns anos

peregrinando por muitos lugares e sofrendo perseguições por parte do clero e dos

médicos, fixou-se em Santa Brígida, `a época pertencente ao município de Jeremoabo.

                                                                                                               1 -Trabalho apresentado na 29ª Reunião Brasileira de Antropologia realizada entre os dia 03 e 06 de

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Contou com o apoio do coronel João Sá, líder político da região, que

vislumbrando a possibilidade de ampliar o número de eleitores, com os seguidores do

beato, concordou com sua permanencia e cedeu-lhe terras. Uma grande leva migratória

seguiu o líder e em pouco tempo a cidade cresceu e prosperou. Inicialmente era

chamado de ‘velho Pedro’, efetivamente tinha idade avançada e usava barba comprida

como os líderes religiosos da época, e a partir da proteção que oferecia a seus

seguidores, denominados de romeiros, passou a ser por eles chamado de “padrinho

Pedro Batista.”

Era não apenas um líder religioso mas também um líder político, que

organizou seus seguidores. Com as terras arrendadas do coronel, vendia a este e aos

habitantes locais, 2 a força de trabalho dos seus e angariou fundos para a compra de

terras. Trabalhava em sistema de “batalhões”, permitindo cultivar áreas maiores. Em

pouco tempo já havia na cidade gerador de energia elétrica, escola, silos para grãos,

caminhão, trator, um hotel – para receber os visitantes –estradas, um açude e um

mercado. As terras adquiridas que formaram várias fazendas, dividiu-as em tarefas3 e

vendeu a preços acessíveis aos seus seguidores, de forma que os pobres romeiros,

passaram a ser donos de um pedaço de chão. Detinha o poder de decidir, o que plantar,

o que comprar, em que votar, e as pessoas o consultavam sobre qualquer evento da vida

cotidiana, inclusive quando pretendiam efetuar uma viagem.

Juntando-se a Pedro Batista no ano de 1945 ou 1946 chegou Maria das

Dores, conhecida como Madrinha Dodô. Natural da Agua Branca (AL), possuía grande

experiência nos assuntos religiosos, pois pertenceu a uma irmandade de mulheres leigas,

criada pelo capelão de Agua Branca, Cícero Joaquim Silveira Torres. As mulheres dessa

irmandade viviam reclusas no sítio Crauná, tendo fama de rezadeiras e milagreiras que

entravam em transe e incorporavam espíritos. (RIEDL. 1999:12). Era devota de padre

Cícero e seguiu Pedro Batista, provavelmente por reconhecer nele a mesma busca de

retidão, espiritualidade e preocupação com os pobres do padre de Juazeiro.

Na organização da vida, embora padrinho curasse as pessoas e as

aconselhasse, sua principal função era administrar o grupo, resolver as querelas entre

eles, decidir as questões de compra e venda, escolhar a quem apoiar politicamente e

doutrinar sobre os valores que pregava. Não permitia uso de bebida, de danças, de

                                                                                                               2 A população autóctone era denominada de “baianos” em oposição aos recém chegados, seguidores do líder, os “romeiros”.    3  -­‐medida usada para terra, que equivale a 3,5 hectares.  

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brigas nem de relações espúrias. A vestimenta era coberta, as mulheres com saias longas

e lenços na cabeça e os homens com calças e camisas de manga comprida.Os romeiros

viviam para o duro trabalho na roça durante o dia e práticas religiosas `a noite.

Nesse cenário sumariamente exposto, é que surge a penitência de Nossa

Senhora da Boa Morte. Trazida por Madrinha Dodô e ensinada as mulheres,

inicialmente em segredo e a portas fechadas e mais tarde publicamente.

Padrinho morreu no ano de 1967, e Madrinha Dodô continuou a frente da

romaria até seu falecimento no ano de 1968. Hoje, passados tantos anos sem a presença

dos líderes espirituais, os romeiros continuam mantendo os ensinamentos que

receberam de seus mestres, e embora sejam atualmente um grupo pequeno, de

aproximadamente 300 pessoas, praticam uma religião de resistência frente ao

catolicismo romanizado4, existente na cidade e aos outras igrejas evangélicas num total

de nove, que também estão presentes em Santa Brigida. Mantém a fé e muitos rituais

aprendidos, como a Penitência de Nossa Senhora da Boa Morte.

Embora não haja precisão nos dados históricos quanto a data da morte da

mãe de Jesus, historiadores citam o ano 42 da era cristã como o mais provável. Na

Itália, no papado de Sérgio já havia registros de festas em homenagem a morte de Nossa

Senhora, sendo assimilada pela França, Inglaterra, passando a espalhar-se rapidamente

pela comunidade cristã. (Sant’Anna.2006:9). No Brasil surge como herança da

colonização portuguesa e se dissemina por várias cidades. Existiu em Minas Gerais, São

Paulo, Salvador, Maragogipe (BA) e Cachoeira (BA), havendo já no início do século

XX, no Recôncavo baiano, algumas dezenas de Irmandades da Boa Morte (COSTA

.2007:57).

As irmandades foram gradualmente desaparecendo. A de Cachoeira,

Bahia, foi uma daquelas que manteve a tradição e o fervor a Nossa Senhora da Boa

Morte. O culto a Santa acontece no mês de agosto e dura três dias de festa religiosa e

dois de festa profana, com samba de roda, caruru e cozido. Para ser membro da restrita

irmandade da Boa Morte de Cachoeira, precisa ser mulher, negra, com idade acima de

40 anos e ser iniciada no candomblé. Diferentemente do que acontece em Cachoeira, em

Santa Brígida, locus do presente estudo, a devoção está ligada ao cotolicismo popular5,

                                                                                                               4 Quando digo Catolicismo romanizado, refiro-me aquele que segue as normas da igreja católica romana e tem como liderança o padre da cidade. 5  Catolicismo popular é um conceito diferente para cada autor. Herança dos colonos portugueses, caracteriza-se pela devoção aos santos, como forma de proteção, resolução dos problemas ou salvação. As práticas são nas famílias e nas pequenas localidades rurais. A reunião pode acontecer na casa de

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e os membros são majoritariamente mulheres, embora não exclusivamente. Quando da

criação era formada por mulheres viúvas e solteiras que velavam os mortos, e eram

economicamente independentes, pois plantavam suas próprias roças ou tinham outras

fontes de renda. Gastavam parte do seu tempo nesse mister. O auxílio da irmandade

estendia-se também aos não romeiros necessitados. Sob a coordenação de Madrinha

Dodô, providenciam o caixão, a roupa, entoavam benditos, ofícios, rezas e tudo para um

enterro digno (FUKUI 1979:232).

No passado havia a irmandade de Nossa Senhora da Boa Morte6 , que

buscava dar assistência espiritual e material a quem morresse, permitindo que a morte

fosse revestida de dignidade, como enterrar em caixões. Atualmente o papel do auxílio

funeral desapareceu. Creio que a configuração da irmandade também desapareceu, essa

sim por conta da morte de madrinha Dodô. Não há regras a serem cumpridas nem

fundos a serem arrecadados, tampouco reuniões com esse fim. Na contemporaneidade o

que se apresenta são as penitências de Nossa Senhora da Boa Morte.

Também não é uma festa porque toda a comemoração, durante os 31 dias de

agosto, reveste-se exclusivamente de uma busca penitencial, e além disso não apresenta,

como no caso de Cachoeira, um lado profano ligado a festa e a diversão, ela é um

evento religioso. O que ocorre é que o lado que poderia ser considerado profano como a

comida e a conversa, foi sacralizada e passou a fazer parte do sagrado, o momento

revestido de ludicidade, que são as “mesadas”7 (foto 01) diárias, são momentos

sagrados, de sorte que houve uma sacralização do que em outros lugares poderia ser

considerado profano. Quando digo profano estou me referindo ao conceito desenvolvido

por Durkheim de algo oposto ao sagrado.

Um outro traço diacrítico é que ela não tem o estatuto de uma festa

frequentada nem por peregrinação religiosa tampouco por turismo religioso, essas duas

dimensões não existem, é uma festa local, para a romaria local. Uma exceção se

apresenta. A visita das romeiras pankararus do Brejo dos Padres que vem a Santa

Brígida dia 28 de agosto para entregar a penitência de Nossa Senhora da Boa Morte.

Na meia noite do dia 31 de julho para dia 01 de agosto a santa é retirada do

altar lateral, e colocada na frente do altar mor na igreja de São Pedro, onde ficará pelos

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                   alguém ou na capelinha, onde rezam o terço, ou a novena. Nele os leigos assumiram as funções religiosas como rezadores, curandeiros, parteiras e conselheiros. (CRUZ.2010: 18-20)  6 -Pesquisadores que estudaram o tema como Sebastião Costa(2007:76), Claudia Mura(2012:122) e Titus Riedl(1999:14), refiram-se a uma irmandade. 7 -repastos oferecidos diariamente para os fiéis pelos responsáveis pela santa naquele dia, as noiteiras.

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próximos 31 dias (foto 2). Ela será permanentemente velada do mesmo modo que os

defuntos comuns, que não podem ser deixados sozinhos. Cada dia uma família, ou um

grupo de pessoas, `as vezes ligados por laços de amizade, parentesco, ou categorias,

reponsabilizam-se pelos cuidados com a santa com orações e a comidas. Essas

categorias são grupos para os quais há dias específicos; das moças, dos solteiros, ou

pessoas dos bairros rurais da morada Velha ou do Baixão. Responsabilizam pelo

oferecimento de toda a comida e das orações. Tais pessoas chama-se “noiteiras” e tal

responsabilidade é transmitida as sucessoras, e muitas das mulheres jovens “noiteiras”,

herdaram o encargo de suas mãe.

A partir de então há uma régia pauta determinando quem ficará a cada dia,

mas pude perceber que nunca é um pessoa sozinha e sim um grupo, e esta escala é a

mesma desde muitos anos. Este grupo ficará responsável pela decoração do altar da

santa, o fornecimento das velas – pois nunca a vela ficará apagada – principalmente a

que fica em frente ao retrato de madrinha Dodô .8 `As seis horas da manhã é o momento

da transmissão de um turno a outro. Quem entra neste horário só sairá no outro dia na

mesma hora. Após a troca do turno, as romeiras que chegam limpam toda a igreja,

varrem, retiram os bancos do lugar, arrumam a sacristia e faxinam os dois banheiros

que ficam do lado de fora. Depois são repostas flores, que enfeitam o caixão e os vasos

colocadas diante dela, para enfeitá-la. Se a roupa da santa estiver suja também será

trocada.

Durante o transcorrer do dia como ela nunca é deixada só as “noiteiras” se

revezam com a ajuda de pessoas da cidade para velar a santa. Neste período chegam

fiéis para rezar seus rosários, outros apenas paa conversar, e por vezes acontecem

interlocuções animadas, histórias contadas e boas risadas, como em qualquer velório.

Por volta de 17:00 horas, as meninas, vestidas com suas saias compridas

brancas, cabelos escondido sobre o lenço branco, chegam `a igreja para participarem do

cortejo de nossa senhora (foto3). Na verdade são duas santas que ficam deitadas na

igreja, a nossa Senhora do caixão maior e uma pequena, essa que sai diariamente. Uma

singela procissão conta com a participação das romeiras adultas e dessas pequeninas e

saem da Igreja de São Pedro carregando uma pequena imagem da Santa, que pertencia a

                                                                                                               8  -­‐na igreja da romaria há um retrato de madrinha Dôdo, no lugar onde ela costumava ficar durante os eventos religiosos. Colocado sobre uma cadeira coberta com panos brancos, sempre mantém uma vela acesa ou uma luz ligada.

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Madrinha Dodô9 e levam-na até a casa de Padrinho Pedro Batista que fica do lado

oposto a igreja, cantando e rezando (foto 3), um trajeto pequeno que consiste em

atravessar a praça. Há uma certa disputa entre essas meninas em torno de quem levará a

Santa, considerada uma posição de destaque, e as romeiras mais velhas administram de

modo que todas possam levá-la .

Quando lá chegam depositam a pequena imagem sobre a cadeira de

padrinho, depois rezam. Em seguida acontece a “mesada”, também de responsabilidade

do grupo de noiteiras, onde são servidas comidas e bebidas, primeiro para as crianças -

meninos e meninas -e depois para os adultos. Nada sobra do que foi oferecido, pois é

partilhado entre os presentes, por muitas razões, mas também porque a comida que

esteve na mesa de madrinha Dodô, é sagrada. Rezam benditos ao redor da mesa10, o

último deles em agradecimento a comida, e após as meninas, retornam com a imagem

da Santa para a igreja, onde `as 18 horas iniciam os benditos11 e o rosário de nossa

Senhora da Boa Morte.

Na igreja, no início das orações, as meninas e as “moças”12 colocam-se em

um semicírculo, também chamado de “cordão” que vai de um lado ao outro do altar,

viradas de frente para Nossa Senhora. Neste espaço podem frequentar as pessoas

solteiras, homens e mulheres que não se casaram nem tiveram intercurso amoroso.

Todos aqueles que participam desse espaço rezam descalços. Os demais rezam distante

do círculo.(foto 04)

Por volta das 20 horas encerram o rosário, servem uma merenda e as

pessoas retornam `as suas casas, com exceção das “noiteiras” que ficarão até o dia

seguinte. A partir de uma certa hora costumam fechar as portas da igreja para não serem

molestadas por bêbados ou por pessoas malvadas que possas fazer lhes mal, e ficam

rezando durante toda a madrugada.

Um aspecto que gostaria de chamar a atenção é que em Santa Brígida,

qualquer reunião para oração ou penitência sempre é acompanhada de comida, e na

Nossa Senhora da Boa Morte nao é diferente. O primeiro momento é a “mesada” na

casa de madrinha Dodô. Depois `a noite quando termina as orações, benditos e rosários

de Nossa Senhora, na igreja é novamente distribuida comida, balas, pipocas, bolo,                                                                                                                9 -Madrinha Dodô doou esse pequena Santa que dormia em uma caixinha branca, decorada com esmero. 10 -Esta mesa que fica na varanda da casa de Pedro Batista, tem um significado muito forte pois era nela que madrinha Dodô servia comida e bebida as pessoas, sendo uma mesa onde nunca faltou comida nem foi negada a ninguém. 11 - tipo de canto religioso, muito usado nas romaria, sendo a reza mais recorrente. 12 -o termo designa mulheres ou homens virgens, e desta forma detentores de pureza.

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pirulito de sorte que todos saem com bolsinhas cheias de gulodices. Os primeiros a

receber são sempre aqueles que estão no semi círculo da oração, depois os demais. Por

fim um lanche é oferecido durante a madrugada para as pessoas que passarão a noite em

vigília, com café ,bolo ou o que puderem as noiteiras oferecer.

O rosário dos romeiros, rezado na igreja pelos participantes do “cordão” e

por aqueles fora do mesmo, é composto de 15 mistérios13. Durante todas as noites

exceto as de 14 e 15 de agosto, rezam dez mistérios da seguinte forma. Salve Rainha na

medalha do rosário e depois a cada uma das dez ave marias reza-se a primeira parte de

pé e a segunda ajoelhada. Há ainda uma prescrição, quando o fiel ajoelha, coloca

primeiro o joelho direito no chão e quando se levanta o faz tirando do chão primeiro

esse joelho. Ao cabo das 10ª ave-marias reza a seguinte oração;

Nos campos de Josafá

Satanás encontrarás

Então vós dirás:

Sai daqui satanás

Comigo tu não podes

Nem comigo, nem com família minha

Eu fiz a penitência de Nossa Senhora de Agosto

Cem vezes me ajoelhei,

Cem vezes me aprecinei(sic)14

Cem ave-marias rezei

Cem na véspera cem no dia

Valei-me minha virgem Maria. Amém

Na execução da oração acima faz-se o sinal da cruz na testa, na boca e no

peito e reza a seguinte oração:” Pelo sinal da santa cruz livra-nos Deus os nossos

inimigos em nome do pai do filho e do espirito santo amém”. Quando o fiel termina um

mistério, benze-se e em seguida inicia as outras dez ave marias do rosário. Nos dias

                                                                                                               13 -Mistérios é uma das partes de um rosário composto por 10 ave-marias e um pai nosso. No caso da penitencia de Nossa Senhora da Boa Morte, o pai nosso é substituído pela oração que fala dos campos de Josafá, descrita acima 14 - é um termo que inexiste em português. Alguns autores citam como apreciar, ou aproximar. (MURA:2012:251.)Para os romeiros como Maria o significado é ... “é assim, como se a gente estivesse se reconciliando naquela hora a Deus, não é isso?, se aprecinar é a gente que estar contrita a Deus a gente está fazendo aquelas orações e se apegando com Deus,você esta conversando com Deus, você esta se coligando com Deus, se entregando a Deus com aquela penitência que você esta fazendo( Entrevista setembro/2012)

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quatorze e quinze de agosto, véspera e dia da Santa a oração inclui os quinze mistérios,

o que significa dizer que cada um dos penitentes devera ajoelhar-se e levantar-se 150

vezes.

A penitência de Nossa Senhora da Boa Morte requer um grande esforço

físico, pois a pessoa que vai cumprí-la deve todos os dias rezar 100 ave-marias com o

movimento de abaixar-se e levantar-se, e ainda ficar uma noite acordada velando a

Santa, no dia em que estiver escalada como “noiteira”. Desta forma, desde o tempo de

Madrinha Dodô as crianças são introduzidas no culto, cabendo a elas levar a santa na

procissão diária, mas também rezar o rosário de Nossa Senhora. Com isso a tradição é

difundida, e as romeiras mais velhas com dificuldades físicas, desobrigam-se de

ajoelhar 100 vezes. Os meninos e os jovens não são impedidos de realizarem a

penitência, inclusive quando realizei a etnografia, havia vários deles, mas é necessário

para participar ter pureza, ser “moço” ou criança.

Há uma séria exigência com a roupa e os enfeites. São proibidos quaisquer

adereços tais como brincos, relógios ou pulseiras, nada de unhas pintadas ou alguma

coisa que seja ‘vaidade’, porque é uma penitência e a vestimenta deve estar adequada. A

chefe da romaria me disse ser ela a responsável por vigiar o cumprimento dessas regras.

Da mesma forma que ela ajuda as meninas interessadas a participar da penitência,

emprestando-lhes as roupas, ela chama a atenção quando comportam-se mal, e não as

deixa ficar na romaria se estão vestidas de forma descomposta. Disse-me que a

responsabilidade é sua e que se não ficar atenta um dia será responsabilizada por sua

desatenção.

No dia 15 de agôsto, esta procissão carregando a santa pequena, é

substituída pela procissão de Nossa Senhora, com a imagem em tamanho quase natural

(foto 05). RIEDL cita que esta imagem grande também foi adquirida por madrinha

Dodô, em uma das viagens a Juazeiro- CE (RIEDL.1999:14) Ela sai da Igreja, levada

por “moças”, percorre a rua dos romeiros e chega ao cemitério onde depositam a Santa

transportada num caixão em frente ao túmulo de Padrinho Pedro Batista e Madrinha

Dodô, e rezam. Essa oração é bastante longa e auxiliada por muitas romeiras. Após, o

cortejo fúnebre vai ao memorial de São Miguel15, onde são realizadas novas rezas, e

após retornam passando pela igreja de São Jorge. Fazem uma pequena parada na casa de                                                                                                                15 - É uma pequena capela, um memorial, onde nas paredes, caprichosamente emoldurados, estão retratos de seus mortos. Essa capela no dia de finados fica aberta durante todo o dia para as homenagens.

 

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madrinha Dodô, onde é servida uma “mesada”, momento em que a Santa, repousando

em seu caixão a tudo assiste e concluído esse momento, retornam para a igreja onde

iniciam-se as orações. Esta penitência é realizada e organizada sem a presença do padre,

sendo um ritual da romaria.

Os campos de Josafá e o imaginário da morte

Inicialmente acreditei que essa expressão usada nas orações da Boa Morte,

estivesse apenas ligada ao imaginário local, mas não, ela tem fundamento bíblico.

Encontrei duas indicacões. A primeira Maria, mãe de Jesus recebeu duas anunciações,

uma do anjo comunicando a gravidez e a segunda também do anjo anunciando sua

morte, três dias antes dela acontecer. Esta narrativa foi largamente difundida no século

XIII por Jacopo de Varozzi. Diz ele que Maria foi visitada por um anjo que lhe trouxe

um ramo de palmeira, para ser levado diante do caixão, mas o que surpreende neste

relato, é o medo que ela manifesta do encontro com os espíritos do mal, e o anjo lhe dá

garantia de que ela não o encontrara, na sua ida aos Campos de Josafá. Há uma relação

íntima entre os campos de Josafá e os seres do mal. Na segunda os “campos de Josafá”

,ou o vale de Josafá como se encontra na bíblia, é o lugar de acordo com Joel 3.2,12

onde se dará o juízo final. Segundo uns trata-se de uma planície de Armagedon ,

segundo outros, não se pensa em determinado vale, tendo o nome (Jehoshat= Josafá)

apenas sentido simbólico.( SCHULER.2002). De qualquer maneira ele tem um apelo ao

lugar da morte ou do juízo final.

Acreditam que ocorrendo a morte, a alma fica ao lado do corpo durante

todo o rito funerário. Assim o defunto presencia a preparação do corpo, as orações, os

benditos e ofícios rezados, e vai sendo desta forma conscientizado de que morreu, mas é

no momento do enterramento que ele finalmente toma consciencia plena que não

pertence mais ao mundo dos vivos. A alma, então segue na direção do Cruzeiro,

também chamada de Santa Cruz, e inicia sua caminhada para o purgatório. No início

dessa jornada passará por sua primeira provação, os Campos de Josafá, um caminho

muito estreito, onde na medida em que vai transpondo, vai sendo tentado a desviar-se,

pelas forças do mal. Nessa passagem árdua, contará com as penitências e orações feitas

em vida, com a ajuda de Nossa Senhora da Boa Morte e com o cordão de São Francisco.

Esse cordão é confeccionado atualmente em Juazeiro-CE e lá mesmo é

consagrado, adquirindo neste momento seus poderes especiais. Essa tradição remonta os

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tempos iniciais do movimento religioso pois o diário de Mott (1968: 45) descreve as

senhoras santa brigidenses fiando o algodão para a confecções desse cordão. Ele vai

amarrado na cintura dos defuntos por cima da mortalha, e quando as forças malinas se

apresentam, o defunto saca de seu cordão, uma arma poderosas, e açoita o malino com

ele, possibilitando sua passagem nos estreitos Campos de Josafá. É interessante

perceber que a sacralidade do cordão é dada quando ele é benzido no Juazeiro, isso

porque os romeiros tem uma forte relação e devoção a Padre Cicero, tanto que faz parte

da sua vida de fé ir anualmente em romaria a Juazeiro do Norte -CE para pagar

promessas e reforçar o sagrado.

No transcorrer das penitências do mês de agosto, acreditam que os espíritos

dos parentes mortos, daqueles que estão fazendo a penitência, ficam por perto para

receberem a oração, isso bem entendido aqueles que precisam de oração para seguir

seus caminhos. Por esta razão coisas sobrenaturais acontecem com frequência

principalmente nos eventos noturnos.

Uma prescrição que deve ser cumprida é não dormir durante a noite de

vigília. Nelson justificou dizendo que se a pessoa vai com o propósito de guardar Nossa

Senhora como pode dormir. Mas caso o sono seja invencível pode deitar-se do terceiro

banco em diante, pois as bancadas da frente são destinadas aos espíritos dos mortos, e

somente após a meia -noite.

Histórias, muitas delas são contadas sobre isso, nas quais o dorminhoco foi

molestado pelas almas. Gabriel dormiu e foi beliscado, Dindinha viu um espírito mal,

uma sombra escura tentando entrar no corpo de alguém. Velas se apagam, barulhos

outros são ouvidos, sendo sempre um momento de muita tensão em que os bichos estão

soltos. São muitas as histórias contadas por eles de acontecimentos dentro da igreja,

quando dormem e são importunados pelos espíritos, ou quando estes de alguma forma

mostram sua presença . Gabriel conta a história que ouviu de sua mãe:

“…mãe disse rezava para a Boa Morte quando era moça, aí

disse que meia noite estavam todos bulindo nas velas aí tia

Emília disse assim: - meninas deixem de bulir nessas velas . A

igreja estava toda fechada e daqui a pouco uma pedra cai bem

perto delas . Caiu vela, e tudo mais e queimou minha mãe e as

outras meninas, mas estava tudo fechado, porta fechada e janela

fechada...”.

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O próprio mês de agosto é revestido de um significado negativo, no

imaginário popular e em Santa Brígida, um mês tido como muito perigoso, em que as

forças diabólicas atentam. É um mês no qual acontecem muitas mortes e acidentes pela

influência dessas forças. Carmem (13-03-2012) contou-me que havia ido a Juazeiro e

que na volta na estrada `a noite seres estranhos atravessaram na frente do carro e isso

levou quase a um acidente. Quando chegaram ao KM 42, esses malvados espíritos se

apossaram de um rapaz que dirigia a moto, na qual seu neto estava na garupa, levando o

motorista a correr desabaladamente, a causar um acidente matando Paulinho, o

garupeiro. Explicou-me as duas razões que levaram a esse acidente: os bichos que

encontraram na estrada não poderam prejudicá-la vieram para beber o sangue de seu

neto e também essas coisas aconteceram por ser o mês de agosto. (entrevista 13-03-

2012).

Durante o mês da penitência de Nossa Senhora da Boa Morte, as rezadeiras

ou as pessoas que tem o dom de ver, visualizaram ao longo de suas vidas muitas e

diferentes manifestações dos mortos, sejam eles parentes, ou espíritos que precisam de

oração e se aproximam das pessoas que rezam para a Boa Morte, para delas se

beneficiar. Na noite do dia 14 véspera das comemorações de Nossa Senhora, quando

estávamos terminando o rosário, no final na igreja houve um alvoroço. Dona Miriam,

uma “moça velha”16 e romeira, tinha passado mal e desmaiado, e foi socorrida por

Dindinha que é rezadeira17, juntamente com outras romeiras. A senhora foi sentada em

uma cadeira, e detectaram ter se apossado dela um espírito de uma parente. Foi

necessário muita oração, mandado ele se retirar, para que após uma batalha que durou

cerca de 15 minutos entre a rezadeira e o espírito, ele finalmente concordasse em deixá-

la e gradualmente a senhora foi voltando a consciência.

Muito presente no imaginário dos romeiros está a dicotomia entre Deus e o

diabo, e entre o bem e o mal. As forças malinas, aparecem seguidamente nos discursos.

A primeira grande batalha acontece nos campos de Josafá. Para Martins (1983:262) é na

hora da morte que se dá o grande conflito, onde é travada a batalha entre Deus e o

Diabo, entre o bem e o mal, entre a salvação e a perdição. Transposta essa fase, a

primeira que se apresenta, são auxiliados por duas Santas basicamente. A primeira

                                                                                                               16 -mulher de mais idade que manteve a castidade. 17 a rezadeira por ser portadoras de dons especiais faz a comunicação entre os dois mundo, pois cabe a ela transmitir os recados e pedidos dos mortos.

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delas, é a própria Nossa Senhora da Boa Morte, que vem em socorro daqueles que

durante toda a vida fizeram as penitências e Nossa Senhora do Carmo, a guardiã dos

espíritos e do purgatório.

Na etapa seguinte irão se deparar com o purgatório onde irão remir seus

pecados. Somente aquelas almas que estão na categoria de santos como Madrinha

Dodô, padrinho Pedro Batista, Padre Cícero é que vão direto ao céu, os mortais passam

pelo purgatório. Além deles quem ascende aos céus diretamente são os anjinhos18. Eles

são seres sem pecado, por esse motivo sobem diretamente. Este é o motivo também pelo

qual os anjinhos não recebem rituais funerários como o dos pecadores, justamente pela

não necessidade. Porém em contato com os fluidos corporais da mãe, pecadora, através

do ato de mamar, perdem a pureza e precisam então passar pelo purgatório.

Os fluidos corporais tem sido estudado por vários antropólogos, e eles

trazem em si essa capacidade de influenciar, através da transmissão positiva ou

negativamente. Françoise Heretier tratou da capacidade que o sangue e o esperma tem

de gerar um bom ou um mal leite materno(1996), desta forma é compreensivel que

também aqui, pelo caminho inverso, a criança ao mamar, adquirirá a contaminação da

mãe, uma pecadora o que a obrigará a passar pelo purgatório. A única mãe que

amamentou sem transmitir o pecado foi Nossa Senhora

Mas o purgatório é o lugar primeiro onde os romeiros ficarão, pois aquele

que cometeram uma quantidade enorme de barbaridades, esses descem ao inferno ou

ficam vagando ao sol sem direito a sombra, não tem descanso e sofrem com o intenso

calor. Todos passarão por lá o que vai determinar o tempo de permanência, é a

gravidade dos pecados, assim quem deve mais fica mais tempo, quem tem menos

pecados a remir sai antes.

O purgatório é uma lugar de muita penitência e oração, e ele corresponde a

um inferno amenizado, pois inclusive acreditam que há fogo . Inicialmente, para a igreja

a católica não existia esse lugar intermediário, a alma estava fadada a salvar-se ir para o

céu ou danar-se e ir para o inferno. Surgindo entre o século XII e XIII. Ele “...é um

além intermediário onde certos mortos passam por uma provação que pode ser

abreviada pelos sufrágios e a ajuda espiritual – dos vivos”. (LE GOFF.1995:18). Com o

surgimento da crença no purgatório, adquiriram a possibilidade de ficarem durante um                                                                                                                18 -Para Câmara Cascudo (1984:59) é o cadáver de criança menor de cinco anos.Em Santa Brígida não cheguei a investigar qual é a idade limite que identifica um anjinho, mas são crianças pequenas.

 

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certo tempo redimindo seus pecado. Na verdade vão para ele as pessoas que tem

pecados passíveis de serem remidos, quando o pecador possui pecados mais graves ele

vai direto ao inferno.

Do pugatório subirã aos céus, mas quando indaguei se encontrariam

madrinha Dodô a maioria acredita que não, porque ela está junto aos santos e eles,

romeiros estão longe da santidade, mas reconhecem que no céu há muitas moradas, por

isso cada um vai ser colocado em um lugar especial, que merecer e para tanto justificam

que a bíblia diz que a casa do pai tem muitas moradas. Creem também que nele

aguardarão o dia do Juízo Final.

No que tange ao inferno, esse é um lugar que desconhessem. Quando

entrevistei o chefe dos penitentes ele me disse que o inferno é aqui, mas acredita no

purgatório, como o lugar onde todos passarão. Outros como Dona Laura acredita na

existencia, ela inclusive, num sonho visitou o inferno e conta que nele há muito fogo e

coisas muito feias. Essa experiência, que narrou com riqueza de detalhes, e foi

interessante perceber na sua descrição que todas as coisas que ela encontrou, estão

relacionadas aquilo que é proibido aos romeiros, como roupas escandalosas, pessoas de

conduta despudorada e comerciantes desonestos.

Finalizando, o primeiro ponto que cabe concluir é que a religião dos

romeiros de Santa Brígida é uma religião de resistência, pois transcorridos tantos anos

da morte dos líderes espirituais ainda praticam os rituais que aprenderam com eles. A

manutenção das práticas da fé como resistência, não acontecem para confrontar o

catolicismo romanizado, mas porque a prática da vida religiosa que professam é para

eles a única forma possível de alcançar a salvação, por ser o viés através do qual

pautam suas vidas cotidianamente. Diferentemente de outras religiões e até do

catolicismo romanizado, não se limitam apenas aqueles momentos de externalização da

fé, sejam nas novenas ou procissões. Ser romeiro é uma vivência, um modo de vida,

uma forma de encarar o mundo, por isso a conduta na vida pública bem como na prática

coletiva da religião é a mesma que na vida privada, na vivencia individual e particular

de sua fé.

Nesta medida é que a vida é dedicada a morte, ou melhor colocando,

dedicada a salvação da alma. As condutas como bondade, caridade, penitência, oração,

são as únicas possíveis, segundo suas crenças, de alcançar a salvação de suas almas.

Nesse sentido, a vida deles é uma vida voltada para a morte, onde a religião e o fio

condutor e a intermediação é possível. Mas não há tristeza ou sofrimento como forma

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de purificação, ao contrário, encaram a vida com tranquilidade em relação as

adversidades, até porque muitas de suas crenças estão baseadas no merecimento, de

modo que se sua vida é dificil, sempre pensam que ou é vontade de Deus ou de certa

forma causaram isso com seus pecados e suas más ações.

A auto sustentabilidade da religião permanece até hoje, pois não migraram

para as práticas do catolicismo oficial, continuam a gerenciar seus proprios ritos, a

enterrar seus mortos, e a cuidar das almas.

Os rituais da morte buscam separar os dois mundos e buscam ajudar o

morto a vencer com galhardia a batalha entre o bem e o mal que acontece nos Campos

de Josafá. Essa luta tem como armas as penitências realizadas na terra, o cordão de São

Francisco que o acompanha junto ao corpo e o auxilio de duas: Santa Nossa Senhora da

Boa Morte e Nossa Senhora do Carmo. O bom lugar no outro mundo advém disso. A

morte é encarada como uma passagem de uma vida para a outra, uma mudança de lugar,

com a manutenção da comunicação, tanto que a expressão que usam para indicar a

morte é “ fazer uma viagem”, ou “viajar”.

Por fim gostaria de pontuar que um dos fios condutores que perpassa todo o

imaginário e a vida dos romeiros é a questão da pureza. A pureza física, na preservação

da virgindades de moços e moças, surge em quase todos os rituais. Para rezar no cordão

de Nossa Senhora da Boa Morte, precisam ser moços ou moças, os demais ficam fora

do círculo; para não necessitar de rituais funerários, o anjinho tem que ter a pureza

preservada sem ser contaminado com o leite da mãe. Mas há uma outra pureza que é a

pureza nas atitudes e intenções. Faz todo o sentido, porque os líderes religiosos eram

virtuosos. Madrinha Dodô, permaneceu moça por toda a vida e padrinho, de quem não

se conhece o passado, também se manteve puro desde que chegou ao lugar. E há que se

considerar o uso da cor branca das vestes o símbolo da pureza por excelência.

Bibliografia

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  15  

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do nordeste brasileiro. Dissertação apresentada no Programa de Pós-Graduação em

Ciencias da Religião da Pontifícia Universidade e Minas Gerais . Belo Horizonte. 2010.

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MURA, Cláudia. “Todo Mistério tem dono”! Ritual, politica e tradição de

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QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. O Messianismo no Brasil e no mundo. Editora

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REIS , João José Reis. A Morte é uma festa. Ritos funerários e revolta popular no Brasil

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SCHULER, Arnaldo. Dicionário Enciclopedico de Teologia. Associacão Brasileira de

Editoras Universitárias, Canoas- RS. 2002.

Fotos

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Foto 01 -Mesada para Nossa Senhora da Boa Morte

Foto 02 – Nossa Senhora da Boa Morte

  17  

Foto 03– Meninas na procissão diária de Nossa Senhora da Boa Morte

Foto 04 – Cordão de Nossa Senhora da Boa Morte

  18  

Foto 05 – Procissão de Nossa Senhora da Boa Morte