A BONDADE DE DEUS E A RELUTÂNCIA HUMANA - SHERMAN ISBELL

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A Bondade de Deus e a Relutância Humana

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1) A BENEVOLÊNCIA DE DEUS ..................................... 3O Caráter de Deus............................................................ 5

2) A MISERICÓRDIA DE DEUS ...................................... 8John Howe ......................................................................... 9Jonathan Edwards ............................................................ 9Robert Murray M’Cheyne ............................................. 10John Murray .................................................................... 10O réprobo ........................................................................ 11Amar nossos inimigos ................................................... 12Davi .................................................................................. 12Um exemplo Puritano ................................................... 14

SUMÁRIO

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A Bondade de Deus e a Relutância Humana

Mateus 23:33-39Lucas 19:41-44

“Jerusalém, Jerusalém, que matas os profetas e apedre-jas os que te foram enviados! Quantas vezes quis eu reu-

nir os teus filhos, como a galinha ajunta os seus pintinhos debaixo das asas, e vós não o quisestes!” (Mt 23:27).

1) A BENEVOLÊNCIA DE DEUSA primeira coisa que queremos destacar nestes textos das Es-crituras é a benevolência de nosso Deus. Eles se referem a Jesus no período final de seu ministério. O Senhor olha para a cidade de Jerusalém e chora sobre ela. Muito semelhantemente às la-mentações de Jeremias, Jesus está lamentando pela cidade. Da mesma forma que Jeremias lamentou por causa da apostasia de Jerusalém em sua época, Jesus também lamenta a apostasia des-ta cidade em Sua época aqui na terra. Jesus demonstra grande compaixão para com a cidade através de suas lágrimas derra-madas por ela. Jesus lamenta que o povo tenha se desviado do caminho. Ele afirma que queria reunir a todos, mas eles não quiseram e com isso eles estão manifestando o mesmo espírito já de há muito conhecido naquela cidade.

No v. 34 de Mateus 23, Jesus diz: “... eis eu vos envio profetas,

sábios e escribas”. Aqui Jesus fala consciente da sua natureza

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divina. Ele é o Deus eterno que desde o Velho Testamento já mandava profetas a Jerusalém. Da mesma forma em Lucas 19, Ele chora pela cidade dizendo: “Ah! Se conheceras por ti mes-ma, ainda hoje, o que é devido à paz! Mas isto agora está oculto aos teus olhos”. Com compaixão e lamentos Jesus está conside-rando o fato de que a cidade está cega. Eles não podiam discer-nir nem perceber que Ele era o verdadeiro Messias. Os líderes estavam cegos tanto quanto o povo da mesma forma que em outra oportunidade Jesus diz que se um cego guia outro cego, ambos irão cair. O mesmo ele diz dos fariseus em Mateus 23:13

– “Mas ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! porque fechais aos homens o reino dos céus; pois nem vós entrais, nem aos que entrariam permitis entrar”. E o v. 15: “porque percorreis o mar e a terra para fazer um prosélito; e, depois de o terdes feito, o tornais duas vezes mais filho do inferno do que vós”. A cidade tinha guias cegos e o povo estava cego também.

No Evangelho de João vemos o mesmo no capítulo 1:11, quando o apóstolo diz: “Veio para o que era seu e os seus não o receberam”. Jesus veio para Israel, aqueles que estavam exter-namente em aliança com Deus, mas eles não o quiseram rece-ber. Paulo fala o mesmo em Romanos nos capítulos de 9 até 11, quando diz que esta cegueira desceu sobre todo o Israel e que Israel tinha zelo por Deus, mas um, zelo sem entendimento; os judeus se desviaram do caminho e não foram reconciliados com Deus.

Aqui nestes textos de Mateus 23 e Lucas 19, quando Jesus se dirige à Jerusalém lamentando e chorando por ela, Ele diz que a cidade vai cair debaixo do juízo de Deus. O apóstolo Pau-lo também fala do juízo de Deus caindo integralmente sobre o povo de Deus e identifica Jerusalém como estando conforme o espírito de Hagar e seu filho que nasceu segundo a carne, com auto-confiança e auto-dependência em lugar de ter fé em Deus.

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O caráter de DeusQuando Jesus está demonstrando compaixão para com a ci-

dade de Jerusalém Ele a expressa com emoções humanas. Por isso muitas pessoas dizem que isso nada diz do caráter de Deus, porque as emoções humanas não se acham em Deus. Dizem que as emoções humanas envolvem sentimentos que por vezes oscilam para cima e para baixo demonstrando vulnerabilidade; vemos o que os outros fazem conosco e reagimos com amar-gura, tristeza ou com alegria. Mas Deus não é vulnerável desta forma, dizem; não oscila para ter momentos que ora estão em cima e ora estão em baixo; nossos sentimentos têm muito a ver com nossos corpos e nossa condição física e por isso existe cer-ta falta de estabilidade que acompanha nossas emoções; nada disso existe em Deus. Então, dizem que quando Jesus estava se lamentando e chorando pela cidade de Jerusalém, isso tudo ti-nha a ver apenas com sua natureza humana e nada com sua natureza divina.

Mas devemos enfatizar aqui que compaixão e misericórdia não são coisas apenas emocionais, mas coisas que têm a ver com o caráter. Jesus não tem um caráter em sua natureza huma-na e um outro caráter em sua natureza divina. Ele é ao mesmo tempo Deus e homem, mas é apenas uma só pessoa. O caráter de sua personalidade divina é manifesto também na sua huma-nidade. Quando olhamos para o Filho de Deus encarnado no registro dos Evangelhos, o vemos lidando com as pessoas e de-monstrando compaixão, misericórdia e benevolência para com elas, mas ao mesmo tempo o vemos demonstrando ira contra o pecado. Assim percebemos que todas essas coisas têm a ver com Seu caráter e expressam aquilo que Ele é como Deus.

Temos de pensar que, mesmo tendo uma natureza divina tanto quanto uma natureza humana, a sua identidade pessoal é aquilo que Ele tem desde toda a eternidade como uma das

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pessoas da Trindade. Nós somos pessoas humanas, mas Jesus não é uma pessoa humana, Ele é uma pessoa divina. Jesus já tinha uma identidade pessoal antes de ser concebido no útero da virgem Maria. Ele é uma pessoa divina que sempre exis-tiu na Trindade. Jesus sempre teve uma natureza divina, mas quando foi concebido na virgem Maria Ele acrescentou a Si mesmo uma natureza humana. Ele assumiu um corpo huma-no, uma alma humana que tinha mente e vontade humanas, e mesmo assim Sua auto-consciência pessoal continuou sen-do a de uma pessoa divina como sempre foi. Jesus pensava a respeito e Si mesmo, como a mesma pessoa que desde toda eternidade estava no seio do Pai. Assumindo uma alma hu-mana e um corpo humano Ele simplesmente expressou aquele caráter divino que pertencia à Sua pessoa divina. Por causa disso, quando tentado, foi impossível para Jesus cair em peca-do porque era uma pessoa divina com todo caráter divino de um membro da deidade.

Então, quando vemos o Senhor Jesus Cristo — no registro dos Evangelhos — fazendo alguma coisa, tudo o que Ele fazia estava relacionado com seu caráter e era uma expressão da Sua pessoa divina desde toda a eternidade e, por extensão, é uma expressão do caráter do próprio Deus Trino — Pai, Filho e Es-pírito Santo.

Vejamos algumas belas palavra de Hugh Martin, um presbi-teriano escocês do século XIX:

“O coração compungido de Jesus está se derramando em lágrimas por Jerusalém” — Esta é uma afeição totalmente hu-mana que revela a compaixão divina por pecadores. As graças humanas do homem Jesus são uma janela pela qual podemos ver e contemplar os atributos divinos. Esses atributos divinos e graças humanas coexistem juntos naquele homem chamado

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Jesus. É uma harmonia gloriosa e perfeita. Não há nenhuma discordância entre a divindade e a humanidade quando são unidas neste Deus-homem e homem-Deus, Jesus, Emanuel. Não há nenhuma discordância entre os atributos da divindade e as graças da humanidade de Jesus. Estas são evidências que são expressas no caráter de Emanuel. Podemos nos aproximar e contemplar justiça santa e amor sem igual naquele homem Jesus; e entrando por esta porta aberta do seu caráter como ho-mem — porque existe uma unidade entre sua humanidade e sua divindade — nós podemos prosseguir sem solução de con-tinuidade alguma; podemos entrar logo nas profundezas do seu caráter como Deus. Vemos no homem Jesus-Cristo, a glória de Deus; vemos a glória de Deus no rosto de Jesus Cristo.

Um dos puritanos ingleses, John Howe, fala sobre esta com-

paixão da longanimidade de nosso Salvador Jesus para com os pecadores e diz que isso é uma manifestação daquilo que vemos na Trindade inteira. Howe fala desta paciência e compaixão na divindade. O Senhor deseja que os pobres pecadores estejam olhando para Ele como um Deus que está disposto a se recon-ciliar com eles; um Deus que não mantém sua ira para sempre. Essa longanimidade é um atributo que expressa muito bem a natureza divina; essa paciência é a parte mais preciosa da coroa imperial. O Senhor se gloria nisso como algo que só Ele tem. Lemos em Oséias 11:9 – “Não executarei o furor da minha ira; não voltarei para destruir a Efraim, porque eu sou Deus e não homem, o Santo no meio de ti; eu não virei com ira”. É como se Deus dissesse: “Se eu fosse o homem mais humilde da terra eu os teria consumido muito tempo atrás, mas Eu sou Deus e não homem; minha paciência é maior do que toda a paciência criada; não há marido que tenha tamanha paciência com sua esposa; não há pai que tenha tamanha paciência para com seu filho; paciência semelhante àquela que Eu tenho demonstrado para com você”.

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John Howe diz que, por esta razão, Deus tem paciência até para com pecadores que estão zombando dele e o tratando de forma leviana. Deus está dando uma evidência graciosa de que tem uma natureza reconciliadora que mostra graça, compaixão e misericórdia até para com o pior pecador que existe.

“O coração compungido de Jesus está se derramando com lá-grimas por Jerusalém”. O que temos nestas lágrimas do Senhor Jesus é uma manifestação da compaixão, da longanimidade e benevolência do eterno Filho de Deus. É uma benevolência que Ele manifesta por meio de compaixão para com pessoas cegas que não o desejam.

2) A MISERICÓRDIA DE DEUSA segunda coisa que podemos ver nestes textos citados no iní-cio é que Deus se deleita em mostrar misericórdia. O Senhor está mostrando muita paciência para com pecadores; Jesus está lidando diretamente com seus inimigos e nessa condição Ele se revela como o Messias. O que está sendo manifesto em tudo isso é o caráter de Deus. Nas palavras dos textos de Mateus e Lucas, Jesus mostra a vontade revelada de Deus. Jesus não está salvando todas estas pessoas; não é Seu propósito eterno sal-var todas as pessoas, mas mesmo assim, em suas palavras e por meio de suas ações, Jesus mostra que há uma revelação que en-volve o caráter de Deus. Deus está manifestando Sua disposição e deleite em demonstrar misericórdia, que em si mesmo é uma coisa agradável e que é algo que Ele gosta de fazer.

Deus gosta de ver quando pecadores se arrependem dos seus pecados, tornando-se santos e entrando num estado de bênção.

Mas ao mesmo tempo vemos que não é o propósito eterno de Deus salvar todas as pessoas. Deus tem outras coisas que leva em consideração. Tem outros, objetivos, propósitos e alvos

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que persegue. Mesmo Ele se deleitando em Si mesmo quando um pecador se converte e nEle tem fé, ao mesmo tempo o Se-nhor leva em consideração outros fatores que o levam a não determinar fé salvífica a outras pessoas.

John HoweO puritano inglês, John Howe, disse: “Deus mostra Sua gene-

rosidade quando revela Sua vontade de que pecadores venham e O recebam com fé verdadeira. Ao mesmo tempo Ele não apli-ca Sua vontade decidindo dar-lhes a fé necessária para crerem de uma forma eficaz vindo até Cristo. Em lugar disso Deus não concede a fé salvadora e passa por cima de algumas pessoas deixando-as na condenação”. Então, Howe faz a pergunta: “Será então, à luz disso, que Deus sinceramente não se apraz em ver homens se convertendo e crendo? Percebemos que tanto o fato de Deus se deleitar em ver pessoas se convertendo e crendo nEle ao ouvir o Evangelho, quanto o Seu propósito eterno de justiça e santidade, todos são aspectos do caráter de Deus e da Sua natureza. Deus manifesta estes diferentes aspectos da Sua natureza para várias pessoas, em diversos contextos, tempo e formas, conforme Sua vontade soberana”.

Jonathan EdwardsJonathan Edwards fala algo semelhante quando comenta de

algo na disposição da natureza de Deus. Ele diz que Deus se apraz em que homens vis possam achar santidade e felicidade. Ele diz que “o pré-conhecimento de Deus para com estas coisas e sua sábia pré-determinação em que homens não sejam salvos, não impedem que Deus, mediante os convites do Evangelho, mostre-lhes disposição em salvá-los”.

Vamos falar de uma forma mais simples. Deus tem um ca-ráter de demonstrar generosidade às criaturas, mas é uma ge-nerosidade estabelecida conforme sua vontade soberana. Deus concede aos homens várias dádivas nesta vida, mas é possível

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que para alguns Ele não conceda a dádiva da vida eterna. Deus é amor. Necessariamente e eternamente Ele é amor. Se Ele não fosse amor não seria Deus. Ele tiraria de Si mesmo a perfeição que tem. Mas este amor se manifesta e se expressa conforme a Sua soberana vontade e determinação e também é do Seu agra-do manifestar Sua eterna justiça trazendo ira e destruição sobre o homem perverso.

Robert Murray M’CheyneEstas coisas que Jonathan Edwards falou são refletidas nas

pregações do grande pastor escocês Robert Murray M’Cheyne. M’Cheyne gostava muito de ler os escritos de Jonathan Edwar-ds. Se você deseja ver uma pregação puritana muito bonita na qual a compaixão de Deus é expressa, deve ler os sermões de Robert Murray M’Cheyne. Costumava-se dizer que bastava olhar para seu rosto quando ele subia no púlpito, para se enxer-gar sua ansiedade até o ponto de desejar morrer, para que seus ouvintes fossem convertidos. Você encontra isso nas pregações dos puritanos e que reflete um pouco a piedade e compaixão do Senhor Jesus, o mestre deles.

John Murray Faz uns cinqüenta anos que o Prof. John Murray do Semi-

nário de Westminster escreveu sobre estes assuntos. Na época muitos ficavam preocupados com a linguagem que ele usava quando dizia: “Deus deseja a salvação daqueles que ouvem o evangelho”. Ele falou estas palavras quando fazia parte de uma comissão da Assembléia Geral da sua Igreja nos Estados Uni-dos (OPC). Um outro membro da comissão me contou de uma conversa que teve com o Prof. Murray. Naquela conversa Prof. Murray explicou o que ele queria dizer com esta expressão. Ele disse que usava esta expressão no mesmo sentido que o Puri-tano inglês John Howe usou, quando disse que Deus tem uma vontade complacente. O que significa isso? Hoje usamos esta

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palavra – complacente – no sentido de “não me importo com isso” ou, “não tenho muita preocupação com este assunto”. Mas alguns séculos atrás, na época do puritano John Howe, esta palavra tinha um outro significado específico. Não significava apenas que você “não tem objeção nenhuma”, ou que não faria nenhuma hostilidade contra alguma coisa, mas ser complacente significava alguma coisa na qual você se satisfaz ou tem prazer.

John Howe estava simplesmente dizendo que na verdade re-velada de Deus — por exemplo, Deus claramente revela na Bí-blia que não era correto Jacó enganar seu irmão Esaú ou, Deus declara que pecadores devem vir até Cristo e descansar nele para obterem salvação — Ele se deleita quando as pessoas O obedecem. Essas palavras que Deus falou não são palavras va-zias que flutuam no ar, mas de fato são o reflexo real do caráter e da disposição do Seu ser. Não é somente a vontade secreta de Deus (conforme seu propósito e decreto eternos) que expres-sam a natureza e o caráter de Deus, mas também toda a verdade revelada de Deus em toda a Escritura e em todos os atos e pala-vras do Senhor Jesus. Estas coisas reveladas também estão ma-nifestando e expressando a natureza e o caráter do nosso Deus.

Esse entendimento sobre quem é Deus, é algo bem comple-xo. Não é algo simplório onde se vê apenas um lado do assunto (apenas a soberania e Deus – NE). Estamos considerando que há muitas facetas no processo de Deus lidar com o homem. Esta maneira de entender quem é Deus não é uma coisa incoerente, ilógica, porque esta visão de Deus leva em consideração tudo o que a Bíblia diz sobre Ele.

O réproboTomemos o exemplo do homem réprobo e perverso. Quando

Deus criou este homem Ele demonstrou sua sabedoria e poder divinos. Os atributos de Deus foram demonstrados na criação

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deste homem e quando Deus traz esta criatura e a coloca debai-xo do seu juízo, Ele também está manifestando outros atributos. Ele manifesta a soberania de Sua vontade e da Sua justiça quan-do na reprovação Ele condena este homem à destruição eter-na. Mas quando Deus está lidando com este réprobo nesta vida Deus também manifesta outros atributos divinos na vida deste homem. Deus também manifesta a bondade, a generosidade e a benevolência do Seu caráter divino. Deus mostra estes atributos quando está concedendo aos réprobos o sol, a chuva e a bênção sobre a colheita. Quando concede o consolo e as alegrias de ter uma esposa que o ama e lhe é fiel e as bênçãos de ter filhos em quem se deleita. Então o réprobo está desfrutando de todas es-tas benevolências que vêm das mãos de Deus e até chega a ter a graça de experimentar alguma bênção do evangelho no âmbito da família. Pode até chegar ao ponto de desfrutar da bênção de ouvir o próprio Cristo vindo até ele falando-lhe pela pregação.

Amar nossos inimigosEste aspecto do tratamento de Deus para com os perversos é

visto em Lucas 6:35-36 – “Amai, porém, os vossos inimigos, fa-zei o bem e emprestai, sem esperar nenhuma paga; será grande o vosso galardão, e sereis filhos do Altíssimo. Pois ele é benigno até para com os ingratos e maus. Sede misericordiosos, como também é misericordioso vosso Pai”. Aqui Jesus nos chama a imitar o caráter de Deus neste ponto. Por que devemos amar nossos inimigos? Por que devemos tratar bem aqueles que nos tratam mal? A resposta é que devemos ser tudo isso porque nosso Deus é misericordioso. Devemos ser de fato e na prática, filhos do Altíssimo! Devemos ser como Deus é. Deus é benigno até para com os ingratos e maus.

DaviEm 2 Samuel, capítulo10, há um registro de Davi como rei de

Israel. Davi mandou mensageiros para consolarem a Hanum, fi-

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lho do rei de Amon que havia morrido. Aqui vemos uma nação que era inimiga do povo de Deus e que estava fora da aliança. Davi teve um espírito compassivo, misericordioso e benevolen-te para com estas pessoas. Ele demonstra isso ao mandar seus mensageiros para consolar um filho que perdera seu pai, mas os inimigos amonitas não conseguiram entender este espírito de misericórdia e benevolência. Não entenderam o que Davi desejava fazer e por isso disseram que os mensageiros haviam chegado para espiar a cidade, pois desejavam fazer alguma coi-sa contra eles. Por isso os amonitas rejeitaram os mensageiros,

“rapou-lhes metade da barba, cortou-lhes metade dos vestidos” e mandou-os embora humilhados. O que estava acontecendo? Deus é misericordioso e compassivo. Davi é um homem segun-do o coração de Deus e por isso vive com esta mesma compai-xão, misericórdia e benevolência. Cristo é a luz do mundo e o povo de Deus é a luz do mundo; é a luz e a graça da benignidade de Deus. O povo de Deus tem a mesma generosidade e miseri-córdia de Deus, mesmo nas coisas temporais. Estes atributos de Deus estão brilhando nos atos e ações de Davi para com seus inimigos. Isso acontece também com a oferta do evangelho.

Jesus chora por JerusalémJesus fala com a cidade de Jerusalém. A cidade que mata

os profetas e apedreja os que lhe foram enviados. Jesus disse: “Quantas vezes eu quis reunir os teus filhos como a galinha ajun-ta os seus pintinhos debaixo de suas asas, mas vós não quisestes”. A ilustração aqui é esta: Uma galinha tem seus pintinhos ao seu redor mas, voando lá no alto há uma águia que vai mergulhar e pegar um dos pintinhos e o matar. A galinha vem correndo para os seus pintinhos, abre suas asas e os pintinhos correm e se refugiam debaixo das asas da sua mãe que fecha as asas para protegê-los. Lá está tudo completamente escuro e os pintinhos não podem ver nada e estão seguros junto ao corpo seguro e aquecido da mamãe. O mundo de perigo está longe deles e eles

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não podem ver o perigo porque a mamãe vai resolver tudo. Os pintinhos estão dependendo de sua mãe e se sentem comple-tamente seguros. Jesus fala como uma pessoa divina e infinita e diz que vai abrir suas asas infinitas e reunir cidades inteiras até os confins da terra; Jesus tem a capacidade de reunir todos debaixo de suas asas infinitas.

Isso é a grande benignidade do Senhor Jesus que é manifes-tada e declarada na pregação do Evangelho. Não é uma procla-mação que revela Seu propósito eterno de salvar a todas as pes-soas, pelo contrário, é uma declaração de Sua vontade revelada. É uma proposta condicional. Quando os pecadores confiarem em Cristo, o Senhor estará disposto e preparado para salvá-los. Se rejeitarem a Cristo e não demonstrarem desejo de vir até Ele, no dia do juízo uma parte da condenação deles será por-que viram e ouviram tamanha benignidade tendo o evangelho sido colocado à sua frente e tendo-lhes sido feito o convite de vir a Cristo, mas o rejeitaram. Eles serão condenados por causa desta rejeição também. Paulo diz em Romanos 1:21 que eles se-rão condenados por causa do pecado da ingratidão: “porquan-to, tendo conhecido a Deus, contudo não o glorificaram como Deus, nem lhe deram graças, antes nas suas especulações se desvaneceram, e o seu coração insensato se obscureceu”. Você não é ingrato para com um ato que não é misericordioso, mas a ingratidão acontece quando alguém fez um ato de misericórdia, um ato de benignidade para com você e você não lhe é grato.

Um exemplo PuritanoFinalmente vejamos um exemplo de como um puritano iria

descrever esta disposição de Cristo em receber pecadores que vêm a Ele em verdadeira fé. É uma pregação puritana do século XVII do puritano escocês James Durham (1622-1658). Ele foi um dos maiores pregadores da Escócia naquele século. Ele foi um dos autores de um documento que muitas vezes é publica-

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do junto com os Padrões de Westminster: “O Resumo de Todo Conhecimento Salvífico”. É um resumo do caminho da salvação. James Durham está pregando em Mateus 22:4 — “Enviou ainda outros servos com esta ordem: Dizei aos convidados: Eis que já preparei o meu banquete; os meus bois e cevados já foram aba-tidos, e tudo está pronto; vinde para as bodas”. Este texto fala de um rei que deseja realizar um banquete para o casamento de seu filho e convida pessoas para a festa. Durham diz em seu sermão:

“Saiba qual a comissão que tenho para com vocês hoje; minha missão é declarar-lhes que o rei está organizando um casamento para seu filho e já preparou todas as coisas para reconciliar você com Ele. O rei prepa-rou o casamento e também o modo de cumprir seu propósito. Ele está falando com você por meio de Sua Palavra pregada pelos seus servos; fala para vocês através de nós pregadores; estamos falando para você em nome dele; declaramos a você que o abençoado Senhor Jesus Cristo está lhe cortejando; nós estamos falando, publicando e proclamamos: ‘vejam isso! Nosso Senhor Jesus Cristo não está longe para ser alcançado, Ele está aqui querendo fechar-se nas bodas com você; o Pai está disposto e preparado, já deu o consentimento para o casamento; o noivo está pre-parado, Ele fez muitas coisas e está esperando o seu consentimento; a festa está preparada, o vestido nupcial está preparado, falta apenas pegar esta roupa e vesti-la. Faça isso da seguinte forma: deposite fé no Senhor. O contrato de casamento está preparado, nada precisa ser mudado; ele está pronto e disposto a aceitar você se estiver disposto a aceitá-Lo; nosso abençoado Senhor Jesus Cristo diz que se agrada em casar com você; só falta você pegar a caneta e assinar seu nome embaixo do contrato”.

O que James Duham está dizendo aqui? Ele está seguran-do ao mesmo tempo muitas verdades preciosas da Palavra de Deus. O Pr. Maurice Roberts me contou sua experiência quan-do descobriu a doutrina da soberania de Deus, muitos anos atrás. Disse-me que se lembrou de todas as coisas que havia

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feito e que todas estas coisas já haviam sido pré-determinadas por Deus antes da fundação do mundo. Se ele pegava o ônibus ficava pensando: “Deus já pré-determinou isso antes da funda-ção do mundo. Se eu ficar do lado direito ou esquerdo do ôni-bus, até isso Deus determinou antes da fundação do mundo”. Se ele descia do ônibus na parada errada, dizia: “Isso já havia sido pré-determinado antes da fundação do mundo”. Mas chega um momento no tempo quando mesmo crendo que isto é verdade, concomitantemente temos de tomar decisões responsáveis. Isso pede algum grau de maturidade até alcançarmos a capacidade de segurar estas duas verdades ao mesmo tempo: a soberania de Deus e nossa responsabilidade, ao mesmo tempo.

No início sentimos que há uma tensão entre estas duas ver-dades e até pensamos que uma destas verdades exclui a outra. Mas não podemos ficar paralisados sem tomar nenhuma deci-são por pensar que Deus já pré-determinou tudo antes da fun-dação do mundo. Devemos fixar todas estas verdades bíblicas em nossos atos e pensamentos.

Devemos fazer o mesmo em nossas pregações. Nossa prega-ção deve manifestar a confiança que temos na soberania divina, mas ao mesmo tempo nossa pregação deve também manifestar a realidade da responsabilidade humana. Devemos entender que há os atributos de Deus e os aspectos da Sua natureza e que todos Seus atributos e todos os aspectos do Seu caráter devem ser proclamados e manifestados em nossas pregações.

Amém.

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O Rev. Sherman Isbell nasceu no Mississippi em 1950, foi educado na Universidade de Edimburgo, da Igreja Livre da Escócia College, e da Universidade de Berna (Suíça). Desde 1989 tem servido como ministro em sua congregação perto de Washington, DC. É editor do The Master’s Trumpet, um jornal teológico publicado pelo Presbitério dos Estados Unidos, na Igreja Livre da Escócia (Continuada). Ele contribuiu com artigos para The Banner of Truth, The Ordained Servant, e The Dictionary of Scottish Church History and Theology, e é tradutor para o inglês das Confissões Reformadas dos séculos 16 e 17. O Rev. Isbell é professor visitante no Puritan Reformed Theological Seminary. Ele é casado desde 1991

Palestra proferida pelo Pr. Sherman Isbell no Simpósio Os Puritanos em Maragogi - julho/2007. Pr. Sherman é pastor presbiteriano [Free Church of Scotland (Continuing)] em Washington DC e editor da revista “The Master’s Trumpet”.

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