A Cidade do Olhar: Imaginário e Representação em São Paulo...

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ADRIANA GIANVECCHIO A Cidade do Olhar: Imaginário e Representação em São Paulo anos 30 Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação Interunidades em Estética e História da Arte da Universidade de São Paulo. Linha de Pesquisa: Metodologia e Epistemologia da Arte Orientadora: Profa. Dra. Carmen Aranha São Paulo 2007

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ADRIANA GIANVECCHIO 

 

 

 

 

A Cidade do Olhar: Imaginário e Representação em 

São Paulo ‐ anos 30  

 

Dissertação apresentada ao Programa de 

Pós‐Graduação Interunidades em Estética e 

História da Arte da Universidade de São 

Paulo.  

Linha de Pesquisa: Metodologia e 

Epistemologia da Arte 

Orientadora:  

Profa. Dra. Carmen Aranha 

 

 

 

 

São Paulo 

2007 

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SUMÁRIO 

 Apresentação ........................................................................................................................... 2 

Introdução ................................................................................................................................ 5 

 Capítulo 1 

O Olhar da História ‐ ArtistiCidades  

A cidade na História .............................................................................................................. 26 A cidade na Arte .................................................................................................................... 30 Estruturas da Modernidade ................................................................................................. 42  

Capítulo 2 O Olhar do Lugar ‐ IdentiCidades 

 

Identidade Nacional e Cultura ............................................................................................ 53 O Projeto Estético e o  Ideológico ........................................................................................ 73 Modernistas e Nacionalistas ................................................................................................ 79  

Capítulo 3 O Olhar da Memória ‐ MultipliCidades 

 

Mapas da Memória e do Esquecimento ........................................................................... 109 A experiência estética na representação da cidade ......................................................... 132 As Estéticas Simbólicas ....................................................................................................... 142  

Capítulo 4 Olhares 

 

Arte e Política na cidade de 30 ........................................................................................... 147 Representações visuais da cidade ..................................................................................... 161 Imagens, Imaginários e Representações ........................................................................... 165  

Considerações Finais .......................................................................................................... 189 

Referências ........................................................................................................................... 199 

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APRESENTAÇÃO 

Na pesquisa:  A cidade do olhar: imaginário e representação em São Paulo – anos 30, 

o   conceito‐chave está na  idéia de modernidade e modernização, compreendida em 

sua raiz histórica e analisada no panorama de seus desdobramentos no Brasil.  

Através de um recorte específico, a cidade de São Paulo nos anos 30, buscou‐se 

analisar como se estabeleceu, a partir das rupturas iniciadas com as “vanguardas”, o 

projeto ideológico e o artístico, conjugados na primeira fase da chamada Era Vargas. 

Nesse  sentido,  o  “lugar”  visto  como  campo  da  cultura,  foi  analisado  através  de 

concepções sobre  identidade e memória, bases para o entendimento de aspectos do 

imaginário e da representação relacionados à cidade. 

Buscou‐se  interpretar a cidade como uma “arena cultural1” onde os sentidos 

sociais contraditórios convivem dentro de um espaço que,  ao mesmo tempo em que 

é produto,  é também produtor dos sentidos dos que nela vivem.  

O  recorte enfocou um período em que as estruturas sociais estão permeadas 

por  rupturas  e  novas  concepções,  que  produziram  intervenções  e  deslocamentos 

criando  paradigmas  para  pensar  a  cidade,  dentro  de  moldes  estruturados  por 

ideologias dominantes. Nesse sentido, a  investigação perpassou pelo entendimento 

das  esferas  de  poder,  que  criaram  lugares  e  produziram  imagens  e  lembranças 

“autorizadas” da cidade de São Paulo, que tomaram força através de estratégias de  

difusão e controle da informação, que têm suas raízes nesse período.  

A metodologia se principiou pelo entendimento da cidade na história, desde 

os sentidos antropológicos até as esferas da arte, passando pelo questionamento da 

identidade  nacional  e  seus  produtos,  fazendo  uma  breve  incursão  sobre  as  várias 

fases que o Brasil percorre, dentro dos conceitos abordados, para a criação de seus 

significados  nacionais,  até  chegar  a  um mapeamento  de  significados  urbanos  que 

permitiram a analogia entre aspectos da história oficial e das histórias do cotidiano, 

ou  seja,  do  que  escapou  a  um  repertório  de  memórias  autorizadas.  Dentro  da 

1 Cf. BURKE, Peter. Sobre  a  cidade pré‐industrial  como um  centro de  informação e  comunicação Revista de Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol.8, n. 16, 1995, p.193‐203. 

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dinâmica estabelecida, através do espaço público, que criou como um mecanismo de 

“separação” de culturas, a delimitação de aspectos que  foram hierarquizados como 

erudito e popular, e nessa escala,  foram induzindo lembranças e esquecimentos. 

Na investigação, parte dos dados foram obtidos através do percurso de ampla 

bibliografia.  Contudo,  as  estratégias  de  levantamento  de  dados,  foram  ampliadas 

pela necessidade de ir além do percurso bibliográfico, para um exercício de crítica e 

do entendimento das memórias, através da investigação do que foi “descartado” ao 

longo  do  tempo  pela  cultura,  ou  seja,  através  de  narrativas  de  “lembranças  de 

velhos” e da literatura considerada “marginal”, como também da produção artística, 

com enfoque na produção plástica do período. Procurando entender a  cidade pelo 

“olhar”  de  seus  lembradores  e  artistas.  Ou  seja,  os  critérios  investigativos  se 

ampliaram através da  inserção de narrativas  sobre a  cidade,  levantados através de 

registros de memórias afetivas. Dados esses que foram obtidos através de uma obra 

de História Oral,  considerada  referência  e  que  por  várias  vezes  será  citada  nesse 

trabalho. Os dados sobre  lugares  (topografias e  toponímias),  fatos e  lembranças da 

cidade, foram analisados juntamente com dados da literatura do período considerada 

como  “inferior  ou menor”  e  revelaram  aspectos  da  sociedade  sob  olhares muito 

particulares. Os  levantamentos conjugados com a análise da produção simbólica de 

grupos  de  artistas  do  período,  de  diferentes  origens  sociais  e  redes  de  relações, 

possibilitaram  uma  visão  panorâmica,  que  percorreu  desde  as  esferas  da 

intelectualidade,  centrada  nas  elites,  como  também  o  universo  de  operários 

engajados  em  movimentos  e  grupos  de  artistas.  As  informações  que  foram 

adquiridas,  através das  fontes orais  e da  análise de obras de  artistas de diferentes 

origens  sociais,  revelaram  outros  olhares  para  a  cidade.    Sendo  que,  o  resultado 

imagético  dessa  “cidade  da  memória”  se  mostrou  bem  diferente  das  imagens 

divulgadas pelo aparelho do Estado, através de seus órgãos de controle e difusão da 

informação,  revelando  uma  cidade  fora  dos moldes  difundidos  pela  propaganda 

oficial.  Através  dos  levantamentos  pode‐se  constatar  que,  foram  as  estruturas 

ideológicas de controle e difusão da informação que criaram uma “tradição do olhar” 

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sobre  a  cidade  de  São  Paulo,  sempre  por  um  viés  construído  e  idealizado,  de 

metrópole  do  progresso.  Dentro  da  concepção  de  São  Paulo,  como  a  cidade 

modernista e modernizada, vista como uma referência de Brasil ideal.  

Alguns dados que  construíram esses paradigmas,  foram analisados em  suas 

premissas, objetivando uma desconstrução das memórias oficiais, que por  sua vez, 

revelaram  o  poder  desse  “olhar  oficial”  e  da  idealização  da  metrópole, 

estrategicamente  difundido  e  estruturado,  que  se  expandiu  apagando memórias  e 

culturas espontâneas, em nome de aspectos de uma identidade nacional elaborada. 

Dessa forma, os critérios metodológicos se ampliaram e o sentido da pesquisa 

científica resultou em uma  intensa preocupação pelo entendimento da cidade como 

espaço  de  convivência  de  todas  as  ordens  humanas  e  das  conseqüências  dessas 

“intervenções”  reveladas  na  contemporaneidade,  sobretudo  em  relação  ao 

patrimônio cultural.  

A cidade é, portanto, um produto cultural e na interpretação contemporânea, é 

quase  sempre  vista  e  tomada  como  mercadoria.  Fator  esse  que  cada  vez  mais 

desumaniza as relações, sobretudo nos chamados não‐lugares2, ou seja, os espaços de 

todos os  seres, cada vez mais  individualistas e competitivos, que  são  frutos dessas 

sociedades e da proliferação da insegurança no convívio,  da violência crescente e do 

rito do  consumo. É preciso uma  revisão dos paradigmas dessa  cidade que  cresceu 

desordenada e desumana, de modo a tentar refrear essa pulsão destrutiva. 

A “cidade do olhar” convida a uma reflexão sobre o lugar, as identidades, as 

trocas, os signos e as culturas da cidade de São Paulo, através de fragmentos de uma 

arqueologia  cultural  e  imagética,  que  buscou  desvelar  na  essência  das memórias 

esquecidas, a possibilidade de encontrar outros sentidos no espaço urbano. 

2  O  não‐lugar  é  diametralmente  oposto  ao  espaço  personalizado.  É  representado  pelos  espaços públicos de rápida circulação [...] São lugares desprovidos de memória. Cf. AUGÉ, Marc. Não‐lugares: Introdução a uma antropologia da supermodernidade. Campinas:  Papirus, 1994. 

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INTRODUÇÃO   

  A cidade de São Paulo é considerada a metrópole mais modernizada do Brasil, 

ícone  do  progresso  e  da modernidade.  Vista  como  um  grande  centro  cultural  e 

tecnológico, é o  lugar das oportunidades. Essa  idéia de São Paulo está presente no 

imaginário e nas representações da cidade. Porém, as memórias oficiais de São Paulo 

e seus monumentos, pouco revelam do lugar e sim nos remetem a um período onde 

esses sentidos foram fabricados para se estabelecer uma “cidade‐modelo”.  

  Na  busca  pela  origem  desses  sentidos,  chegou‐se  ao  período  da  criação  de 

uma  idéia de “Brasil Moderno” que tem nos anos 30 o seu ápice, e nesse panorama a 

questão  da  identidade  nacional,  que  escolheu  a  cidade  de  São  Paulo  como  a 

representação da  “modernidade”  brasileira.  

Dentre  os  vários  os  questionamentos  que  nortearam  essa  investigação, 

destacam‐se algumas perguntas: 

Como seria a cidade de São Paulo, no período em que se instalou no Brasil 

a “necessidade” de recriação do nacional e que a mesma foi eleita como a representante desse 

ideal de modernização nacional?  

Como a cidade é lembrada, ou melhor, como é a “cidade da memória” dos que viveram 

naquele espaço e tempo?  

Nos  anos  30,  a  cidade  de  São Paulo  já  era  uma  “metrópole  nos moldes  futuristas, 

dentro da estética adotada pelas chamadas “vanguardas”?  

De que forma São Paulo era representada pelos artistas no período em que era 

idealizada pelos governos? 

Quantas memórias foram esquecidas para que se alinhasse o espaço idealizado ao 

projeto de nação? 

 

  Para  captar  a  ambiência  sócio‐político  e  cultural  da  cidade,  nos  anos  30, 

escolheu‐se o viés da arte, da pintura da cidade, e das narrativas “esquecidas”, que 

são  a  memória  oral  e  a  crônica  marginal,  em  contraponto  com  as  fotografias  e 

estratégias de difusão do  ideal de brasilidade do período. Nesse  estudo,  o  recorte 

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está na análise das  representações e, portanto, da  construção da  imagem do  lugar, 

relacionada  ao  imaginário  da  cidade  de  São  Paulo,  caracterizado  por  grandes 

contrastes. Os principais  campos de  investigação da pesquisa  relacionam questões 

acerca  da  identidade,  memória  e  patrimônio.  Porém,  não  no  sentido  das 

oficialidades, visto como uma construção das memórias autorizadas, mas no sentido 

de interpretar essas questões através de um olhar peculiar, que vai buscar no campo 

do imaginário a malha simbólica das representações.  

 Interpretando a cidade e seus habitantes como um elo orgânico para  verificar 

de que  forma as seleções da memória podem ser direcionadas para esquecimentos, 

eliminando,  portanto,  os  “incômodos”  e  “embelezando”  os  favorecimentos.3    Esse 

pensamento  operou  transformações  no  espaço,  pelas  vias  do  poder  e  dos 

cientificismos. 4 

Por  isso,  a  pesquisa  envereda  também  pelas  questões  de  enraizamento  da 

identidade nacional, para verificar como a ação  ideológica se estruturou através de 

um nacionalismo pedagógico, que imprimiu à paisagem seus ideais e se conformou 

numa estética cosmética e numa memória‐prótese.  

O  trabalho partiu da historiografia sobre a cidade de São Paulo nos anos 30, 

perpassando por aspectos do universo das artes, arquitetura, política e cultura. Por 

isso, a base  estrutural dessa pesquisa, de  certa  forma,  se  estabeleceu no  campo da 

transdisciplinaridade5, não somente por se alinhar com um momento de  transição na 

academia e,  conseqüentemente, de  revisões epistemológicas, ou por que advém de 

um  programa  interdisciplinar.  É  claro  que  esses  fatores  são  definidores  dessa 

trajetória.  Mas, sobretudo, pelas possibilidades de aproximações com outros campos 

de estudos e outros olhares para o mesmo recorte temático.  

3 O “projeto modernizador” nas cidades,  incluía em  seu programa, medidas “profilática” que eram justificativas para práticas xenofóbicas, como veremos no desdobramento da pesquisa. Cf. LEMOS, C. A República ensina a morar melhor. Coleção Estudos Históricos. São Paulo: Hucitec,1999. 4 Para o entendimento da memória seletiva e da epistemologia do conhecimento crítico. Cf. MORIN, E. A Cabeça Bem‐Feita: Repensar a reforma. Reformar o Pensamento, 2004. 5 Transdiciplinaridade, terminologia usada no sentido de estar além da inter‐disciplinariedade, que se estabelece através da superação da fragmentação das especialidades. 

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O mesmo  objeto  de  estudo,  a  cidade  nos  anos  30,  foi  analisado  por  vários 

ângulos,  que  revelaram  dissonâncias  e  confluências  e,  conseqüentemente, 

polissemias no campo da memória.   Porém,   o eixo teórico do trabalho, encontra‐se 

na História da Cultura, que por sua vez é o elo entre os vários campos do saber, que 

foram consultados no processo da construção das interpretações aqui reunidas.  

Embora o recorte temático da pesquisa seja bem delineado, as contradições na 

representação da cidade, em um período determinado, não se pautam pela busca de 

conclusões,  e  sim pela  compreensão dos  fenômenos  culturais  que perpassam pelo 

imaginário, pelas  representações e pelas memórias que se estruturam na  (e através 

da)  cidade, que por sua vez, são núcleos de organização dos seres humanos.  

As  interrogações,  que  são  o  princípio  dessa  metodologia,  foram  se 

estruturando  durante  o  “caminho”,    que  têm  seus  primórdios  de  inquietação, 

despertados através do questionamento acerca do que  se  entende por “patrimônio 

cultural”,  sobretudo, na questão da arquitetura e do urbanismo, cuja área foi objeto 

de especialização.6   

As  premissas  desse  estudo  têm,  portanto,  um  aporte  que  buscou  encontrar 

respostas  na  produção  do  conhecimento  e  nas  esferas  que  dialogam  com  as 

tendências de revisão de “lugar da cultura”. 

Alguns aspectos da trajetória de desenvolvimento dessa pesquisa, desde seus 

antecedentes, estão elencados nesse intróito, embora de forma anacrônica, por serem 

parte de um processo que  traz em sua  trajetória várias peculiaridades, que   podem 

servir de referencial para o entendimento da construção metodológica.  

Pode‐se dizer que, esse caminho se principia pelo  interesse acerca da questão 

do patrimônio em relação à memória, e das indagações que se estabelecem a   partir 

da participação em um Projeto de Educação Patrimonial7 responsável por parte das 

interrogações sobre a cidade, cultura e identidade.   

6 Especialização em Preservação e Restauro do Patrimônio Arquitetônico e Urbanístico. Monografia: Os Capomastri e a Tradição de Ofícios (1880‐1930).  FAU. Universidade Católica de Santos, 2003. 7 Projeto realizado mediante convênio de cooperação científica entre USP,  Museu Paulista e Arquivo do Estado. Coordenado pelas Profas. Kátia Abud e Raquel Glazer. São Paulo, 2001. 

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O projeto, que enfocava o estudo das imagens da cidade de São Paulo, através 

de  análise  comparativa  dos  álbuns  de  fotografia  de  Militão  e  Gaensly8,  embora 

contemplasse a fotografia e suas técnicas, suscitou várias dúvidas acerca da questão 

memória/patrimônio e conseqüentemente, da  relação do  indivíduo com o seu  local 

de  “pertencimento” histórico  e  seus  elos  culturais.  Surgiu  então,  a necessidade de 

buscar outras  referências para entender os processos de  formação da  identidade e, 

nesse âmbito a cidade foi vista como campo semântico, ou seja, como produtora de 

sentidos  através  dos  significados.9 O  interesse  pela    questão  do  imaginário  e  das 

representações, surgiu pela possibilidade da descoberta de  outros olhares.  

No  início,  o  projeto  de  pesquisa  apresentado  ao  curso  de  Pós‐graduação 

Interunidades  em  Estética  e História  da  Arte,  consistia  em mapear  uma  rede  de 

significados  urbanos  para  contextualizar  e  comparar  a  história  oficial  com  as 

histórias do  cotidiano,  através das pinturas produzidas  nos  anos  30,  traçando um 

percurso  do  olhar  sobre  a  cidade.  Com  o  desenvolvimento  da  pesquisa  e  com  a 

bagagem que  foi  sendo adquirida ao  longo do  trajeto,  sobretudo, pelas disciplinas 

cursadas, o trabalho definiu melhor seus contornos e os objetivos se estruturaram na 

dicotomia ideologia/estética, presentes na questão urbana acerca da “história da arte 

como história da cidade”10.   

Conforme  os  questionamentos  se  ampliaram  na  esfera  da  cultura  e  as 

investigações  se  intensificaram,  as  questões  acerca  da  identidade  e  da  memória  

foram  sendo  levadas,  inevitavelmente, para questões  relacionadas aos  conceitos de 

nação  e  criação  da  identidade  nacional  e  os  vários  desdobramentos  acerca  dessa 

temática tão complexa.  

8 Augusto Militão e Guilherme Gaensly,  fotógrafos que retrataram a cidade de São Paulo, de 1887 a 1920, respectivamente. 9 Entenda‐se por campo semântico, toda a área de significação de uma palavra ou de um grupo de palavras. A teoria dos campos semânticos fornece um método valioso para a influência da linguagem no pensamento. Um campo semântico reflete as idéias, os valores e as perspectivas da sociedade , como também transmite novas gerações uma análise já elaborada da experiência através da qual será visto o mundo [...]. Cf. Semântica, 4ªed., Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1977, p.523. 10 ARGAN. Giulio Carlo. História da Arte como História da Cidade. São Paulo. Martins Fontes, 1988.

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Cumpre  salientar  que  a  pesquisa  tem  seu  cerne  epistemológico  na 

historiografia  e  na  interpretação  que  se  estabelece  dentro  dos  preceitos  da Nova 

História.11  Portanto, o recorte não se limita apenas no espaço/tempo (São Paulo nos 

anos  30),  e  sim  nas  análises  comparativas  das  representações  pelas  diferentes 

vertentes documentais (arte, literatura, depoimentos orais e bibliografia). Evitando, a 

análise  positivista,  feita  apenas  no  recorte  do  objeto  e  na  confrontação  de  fontes 

escritas.  Na  análise  das  estruturas,  considerou‐se  a  “cidade  como  objeto,  como 

produto e como arte”, e os diálogos possíveis, dentro de um mesmo recorte temporal, 

se estabeleceram.  As estruturas de poder foram observadas e pontuadas, embora os 

recortes fossem feitos sempre da perspectiva da história da cultura.  

Sobre o método, buscou‐se uma desconstrução e re‐elaboração constantes da 

cidade,  evitando  qualquer  alinhamento  com  questões  ideológicas,  embora  elas 

tenham  sido  levantadas  para  análise  de  dados. Uma  das  conjecturas motrizes  da 

pesquisa, parte da idéia de que São Paulo foi uma “metrópole inventada”, dentro de 

moldes  estabelecidos  ideologicamente,  para  ser  um  palco  das  representações  do 

processo  de  industrialização  e  de  progresso,  sendo  assim  um  paradigma  de 

modernização do Brasil. Posto que há um descompasso entre a narrativa oficial e as 

representações,  onde  o  imaginário  tem  presença  dominante.  Portanto,  a 

representação  do  passado  histórico  da  cidade  de  São  Paulo,  dentro  da  idéia  de 

metrópole,  lugar do progresso  e da modernidade,   pode  ser  entendida  como uma 

criação  utilizada  dentro  de  um  ideal  de  fabricações  temporais  e  de  recordações 

nacionais como produto, construídas e alinhadas a todo ideário de (re)construção da 

nação.  As  fontes  reunidas  visaram  estabelecer  analogias  e  aproximações  entre 

universos próximos e ao mesmo  tempo muito distantes, como narrativas afetivas e 

11   Nova História  ou História  das Mentalidades:  teoria  da  história  que  busca  interpretar  os  fatos através do diálogo com outras ciências, como a antropologia, a psicologia, e a sociologia, entre outras. Resumidamente,  é uma história problematizadora do  social, preocupada  com  as massas  anônimas, seus modos  de  viver,  sentir  e  pensar. Cf.  CHARTIER,  Roger.  Introdução.  In: A  história  cultural. Lisboa, Difel, 1990;  LEVI, Giovanni. Sobre a micro‐história. In: BURKE, Peter. A escrita da história. São Paulo, SP. Unesp, 1992;  VAINFAS, Ronaldo. Os protagonistas anônimos da história. São Paulo, SP: Campus, 2002. 

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documentos,  onde  se  inserem  as  sistematizações  oficiais  em  que  se  fabricam  as 

referencias  locais, ou os lugares da memória. 

A  Fenomenologia da  arte  forneceu  aspectos  teóricos para  analisar  o  recorte 

visual  das  imagens  da  cidade,  a  partir  da  perspectiva  das  explicações  históricas 

presentes na arte, vista como um componente constitutivo do sistema cultural, que 

pode ser percebido através da obra e da  linguagem pictórica,  reveladas na própria 

arte. Ou seja, a arte vista como um agente da história, que opera num campo próprio 

e  que  se  enquadra  na  história  da  cultura.  Por  isso,  as  analises  formalistas  foram 

suspensas  para  o  entendimento  das  obras  através  de  sua  essência  e  esse  fator  é 

determinante na pesquisa.  

Foram  selecionadas  pequenas  amostragens  de  fontes:  narrativas  orais, 

literárias,  oficiais  e  culturais.  Os  vários  ângulos  da memória  foram  considerados 

nessa abordagem histórica, assim como seus produtos: o mito, o rito e a arte, como 

testemunhos do gosto e das referências presentes nas representações da cidade, nos 

símbolos  urbanos,  nos  elementos  étnicos,  nas  inclusões  e  deslocamentos,  nos 

significados religiosos, míticos, utópicos,  nas evocações poéticas e nas fantasias. Ou 

seja,  nas  produções  do  imaginário,  como  uma  das  principais  expressões  de  outra 

realidade  histórica. A  construção  narrativa  se desenvolveu privilegiando  o  espaço 

das chamadas “representações imaginativas”, por isso, todo o texto recorre à leitura 

imagética como contraponto. Enfatizo que, o recorte temático está na cidade de São 

Paulo  vista  em  um  período  de  transições  e  focado,  sobretudo,  na  questão  do 

imaginário e das representações no campo cultural.  Embora não haja um estudo de 

caso específico, foram observadas as dissonâncias entre as várias faces da memória, 

reveladas através das fontes pesquisadas. 

O  trabalho  é, portanto, um  exercício de  interpretação,  realizado  através dos 

princípios da hermenêutica, isento de determinismos e linearidades. Através de uma 

compreensão  inserida  numa  visão  de  mundo,  onde  as  subjetividades  estão 

permeadas por um conjunto de significados embutidos na cultura, na língua, no não‐

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dito  e na pluralidade dos  elementos que  foram  selecionados  como  fontes, para    o 

entendimento dos registros de memória.  

A  reflexão  se  estende,  inevitavelmente,  para  a  questão  do  patrimônio 

arquitetônico,  urbanístico  e  cultural,  que  ao  longo  do  tempo,  foi  sendo  projetado, 

construído  e  desconstruído,  para  a  criação  lugares  a  serviço  das memórias  e  de 

funções utilitárias e    ideológicas.   Por  isso,  também  se propõe um questionamento 

acerca da legitimidade desse patrimônio. 

A  imagem  urbana  foi  analisada  como  uma  construção,  situada  entre  o 

fenômeno  político  e  as  ações  impressas  no  âmbito  das  cidades,  para  verificar  até 

onde  as  estéticas  estruturam  as  identidades. Nesse  percurso,  procurou  através  da 

analogia  entre  diferentes  olhares,  entender  a  cultura  por  suas  representações.  E 

também  analisar  de  que  forma  a  indústria  cultural  começa  a  se  estruturar  nesse 

período,  através  das  vertentes  representativas  e  como  conciliou  as  instâncias  da 

cultura,  popular  e  erudita,  para  criar  as  bases  da  cultura  de massas  e  uma  nova 

ordem.  

 

Deve‐se considerar algumas premissas para a leitura e o entendimento da pesquisa: 

O desenvolvimento das imagens da cidade se estabelece numa dinâmica que cria 

cânones de representação da cidade de São Paulo como modelo de modernidade. Há 

dois momentos nesse processo, o olhar oficial e o olhar  individual. Porém, o que se 

principia  nessa  investigação  está  na  percepção  do  olhar  do  cidadão  comum  e  do 

artista, na construção das memórias e nas representações, comparado ao olhar oficial 

e a uma vertente propagandística que se estrutura num período de conformação da 

indústria  cultural. Partindo desse pressuposto, verificou‐se as diferentes  formas de 

olhar para o lugar da cultura, na tentativa de compreender o fenômeno dos processos 

identitários.  Nesse  sentido,  a  pesquisa  questiona  a  cidade  histórica,  através  da 

presença de determinados conceitos e valores, que são traduzidos na sua arquitetura 

e em seus marcos simbólicos, e que definem identidades.  

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A proposta de análise também consiste no desenvolvimento da percepção acerca 

da “identidade nacional”, por dois ângulos: os “modernismos e os nacionalismos”, 

através  dos  movimentos  de  rupturas  e  transformações  no  campo  das  estéticas 

simbólicas.   Portanto, o sentido de  identidade, e de pertencimento será questionado 

através de referências históricas construídas, e a memória coletiva será analisada no 

contexto, para verificar se o ato de lembrar pode ser mais do que uma viagem através 

da história, revisitada e materializada no presente e pelo legado material, se pode ir 

além dos mecanismos que desencadeiam as lembranças. 

 

O centro do mundo – a cidade/identidade 

Nesse sentido, é significativo registrar uma passagem que, por sua vez, abriu 

um  leque  de  questionamentos  sobre  as  questões  abordadas:  “a  identidade  entre 

cidade e a arte e a forma como o ser se insere no espaço, ou melhor, como a cidade é 

definidora de identidades e de deslocamentos. Por isso, o olhar sobre as cidades nos 

remete ao  lugar das visões de mundo. O olho, nas esferas  simbólicas é o  lugar da 

observação, o  símbolo da  identidade. Lembrando que olhamos  o mundo do  lugar 

onde estamos situados. Estamos todos no centro do mundo.”12   

A  metodologia  parte  do  particular  para  o  todo,  por  esse  motivo,  registro 

abaixo,  dois  pequenos  relatos,  que  situam  bem  o  objetivo  desse  trabalho,  que  é: 

Entender  como  as memórias,  que  nascem das  relações de  afeto  e das  histórias de 

vida, podem  ser  suplantadas por histórias oficiais positivistas e  inculcadas por um 

viés de uma educação que se sobrepõe à memória pessoal e que cria deslocamentos. 

Os  relatos que  reproduzo  aqui  foram o  fator desencadeante do processo de 

entendimento, que deu origem a um princípio básico da epistemologia, que é “ver 

para  compreender”.  Esse  foi  o  caminho  encontrado  para  analisar  as  construções 

imagéticas, ou representações, tanto pelo que podem suscitar como lembrança, como 

também, pelo que podem conter no esquecimento. 

12 BERTOLI. Mariza. Registro de aula – Curso: Produção e Crítica de Arte na América Latina, 2006. (Informação verbal) 

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A Identidade entre Cidade e Arte – ou algumas as narrativas que desencadearam o interesse 

pelo tema da pesquisa: 

1. Relato: Um morador  de  uma  cidade  do  interior  de  São  Paulo,  ao  se 

deparar com uma  polêmica sobre o restauro de afrescos de uma igreja, 

contou  que,  em  sua  infância  um  padre  da  referida  paróquia  havia 

pedido  para  as  famílias  que  freqüentavam  as missas,  fotografias  das 

crianças e que os anjinhos dos afrescos  tinham esses rostos retratados, 

inclusive  o  dele  e  de  sua  irmã.  Logo  emendou  dizendo  que:  

“infelizmente  as  pinturas  não  tinham  valor  histórico,  pois  eram 

produzidas  por  ‘uns  Zé Ninguém‘  que  ‘bebiam  pinga’  na  esquina  e 

ninguém  conhecia,  que  não  eram  pintores  famosos  e  que,  portanto, 

tudo  deveria  ser  coberto  (pintado  sem  restauro).  Porque  nenhum 

‘artista  de  verdade’  havia  feito  aquilo  não,  apenas  uns  pedreiros 

bêbados. Portanto, o padre não devia se preocupar em preservar nada 

daquilo  pois  o  empenho  em  restaurar  aquelas  pinturas  era  uma 

bobagem (sic).”  

*Note  que  o mesmo  afirmou  reconhecer  a  irmã  em um  dos  anjinhos,  em  ter 

freqüentado a igreja na infância e mesmo assim desvincula a arte da memória, a 

invalida e desqualifica os artistas pelo status social dos mesmos.  

 

2. Relato: Em uma  Igreja do  interior do Paraná,  em meados de  80 uma 

polêmica  acerca  do  patrimônio  desencadeou  uma  curiosa  e  delicada 

situação. Um padre de uma paróquia da cidade de  Jacarezinho, havia 

contratado um artista plástico (que por sua vez era  irmão do bispo da 

cidade), para  criar afrescos  religiosos e “decorar” a  capela.   O artista, 

para  “homenagear  a  comunidade  local”,  caracterizou  em  suas 

representações  do  sagrado,  elementos  da  cidade  considerados 

alinhados com o profano. Ou seja, caracterizou como Maria Madalena, 

uma meretriz da cidade, como cristo um mendigo dos arredores, como 

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Judas o próprio bispo  (seu  irmão), além de  inserir elementos do MST 

nas representações e fez, à sua maneira, uma espécie de “justiça social”. 

É claro que essa homenagem criou muito mais do que desconfortos. A 

comunidade ficou em choque, o bispo entrou com uma ordem para que 

tudo fosse pintado, porém um pequeno grupo de intelectuais protestou, 

pediu  tombamento.  A  história  se  prolongou  por  tempo  demasiado, 

criando cisões e entrou em esferas de poder. A conclusão é que tudo foi 

encoberto por tons de cinza. 

 

Essas  narrativas  foram  reproduzidas,  na  forma  empírica,  e  muitos  dados 

foram omitidos, posto que a pesquisa não se destinou a desenvolver estudos de caso 

e também por que dessa forma se preservou particularidades das situações relatadas, 

evitando polêmicas. Dessa forma, os depoimentos, embora sejam dados reais, foram 

tratados informalmente.  

Porém,  essas  narrativas  são  emblemáticas  e  situam  a  preocupação,  que  se 

principia  pela  indignação,  justificada  nesse  estudo,  que  conduziu  a  investigação 

sobre o que poderia ser o embrião dos lamentáveis episódios relatados, que marcam 

tantos descompassos entre a memória e lugar e demonstram a fragilidade da questão 

identitária, de modo geral. 

Considero  a  primeira  narrativa  como  uma  espécie  de  “ponta  do  fio  de 

Ariadne”13  que  desvelou  (ou  “desnovelou”),  uma  série  de  questionamentos muito 

significativos para o processo. Essas histórias,  embora  contadas  sem  compromisso, 

são reveladoras, pois através delas percebe‐se a maneira como a memória individual 

e de pequenos  grupos, muitas vezes  é  suplantada numa  escala de  valores  onde  o 

coletivo e o oficial se estabelecem e onde a memória pessoal sucumbe dando lugar a 

uma estética produzida com referência em valores artificiais e  as memórias afetivas 

são consideradas insignificantes. Sendo assim, surge a questão: Qual seria o sentido 

13 Refere‐se ao mito grego: Ariadne entrega um novelo a Perseu, para que dessa forma ele possa sair do  labirinto. 

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do patrimônio como legado da humanidade? Perpetuar, através de monumentos, as 

esferas de poder? 

Esses episódios fizeram avivar um interesse pela questão da memória urbana 

e suscitaram o questionamento acerca da construção das identidades.  

Nesse  sentido,  considera‐se a  imagem urbana  como uma  construção, que  se 

situa entre o fenômeno artístico,  a ação política e as ações e narrações impressas no 

âmbito das cidades, onde estão presentes as referências estéticas. 

A  reflexão  surge  através  da  forma,  ou melhor  da morfologia  do  lugar,  e  a 

análise da arte como possibilidade de uma arqueologia das  imagens, e sobre como 

olhamos  para  a  cidade  e  o  que  entendemos  por  memória,  identidade  e, 

conseqüentemente, patrimônio. 

O  segundo  relato, por  sua  vez,  evidencia  como  as  esferas de poder podem 

criar  seus  mecanismos  de  controle  dentro  de  uma  pequena  comunidade,  e  a 

população,  modo  geral,  tende  a  se  alinhar  com  os  poderes  em  questão  sem 

questionar  o  caso  com  um  olhar  atento.  Ou  seja,  a  “cegueira”  coletiva  pode  ser 

disseminada assim como a catequese por imagens. 

Em suma, o caminho que se principiou com essas narrativas, foi embasado na 

necessidade  de  se  pensar  sobre  a  construção  das  identidades  e  das  referências 

urbanas,  para  possibilitar  o  desenvolvimento  da  percepção  através  olhar  e 

estabelecer  uma  reflexão  sobre  a  questão  patrimonial  e  sobre  a  “construção  das 

memórias”. 

Os anos 30 do século XX, foram objeto de recorte, por caracterizar uma época 

de intensas e significativas mudanças no panorama político mundial e, sobretudo, de 

transformações  na  América  Latina,  com  grandes  mudanças  no  universo  das 

tecnologias  que  repercutiram  no  território  da  cultura  e  de  redefinições  político‐

sociais. Período esse em que, no Brasil, a idéia de nacional foi reconstruída.  

Nesse processo, a metodologia foi se estabelecendo com a busca de referências 

para o entendimento da cidade de São Paulo, por diferentes ângulos: a história oficial 

e  a  história  do  cotidiano  nas  esferas  da  cultura  e,  portanto,  do  imaginário  e  das 

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representações. Buscou‐se uma confrontação de imagens e memórias, recortadas para 

mapear  a  difusão  das  idéias  em  que  perpassam  entre  questões  da  estética  e  da 

ideologia  e  que  através  das  referências  construídas  foram  criando  junções  e 

disjunções no panorama das construções das referências e das representações.  

Na perspectiva dos “projetos de modernidade” essas memórias se  inserem e 

dialogam  com  o  espaço urbano  e  com  as  questões do  imaginário, presentes  nesse 

mesmo espaço.   A cidade é vista como campo de possibilidades, pois é o  lugar das 

manifestações culturais. Por isso, verificou‐se a dialética entre  o contexto urbano e os 

projetos estético‐ideológicos, nas construções que marcam essas representações.  

No caso de São Paulo, a cidade é dominada pela presença do Estado em suas 

esferas  burocráticas  e  as  atividades  e  serviços  são  organizados  pela  produção 

industrial que  já nasce  incentivando a competitividade, que por sua vez também se 

refletirá no panorama urbano e, conseqüentemente, na produção cultural que cria os 

espaços de utopias (o El Dorado), que bem sabemos o que ocasionou ao longo da sua 

trajetória,  como  por  exemplo,  a  aceleração  do  crescimento  demográfico  e  suas 

conseqüências. 

A  metodologia  utilizada para investigar aspectos tão peculiares e antagônicos 

a respeito da morfologia urbana e os efeitos da intervenção na sociedade através da 

construção/desconstrução  dos  lugares  da  memória  e  do  esquecimento,  foi 

estabelecida considerando os referenciais colhidos através das narrativas de vida,  e a 

idéia de pertencimento, que estavam relacionadas à idéia de nação e aos conceitos de 

representação,  tanto  na  esfera do  indivíduo  como da  coletividade,  que  causam  os 

deslocamentos.  

O método  se  estabelece  a  partir  de  um  recorte  que  remete  ao  sentido  de 

pertencimento e que propõe um questionamento sobre memória e patrimônio. Para 

que,  através  das  singularidades,  se  verifique  a  situação  cultural  dentro  do 

desenvolvimento  da  experiência  artística,  e  dessa  forma  a  obra  de  arte  possa  ser 

entendida  como  um  sistema  de  relações. Portanto,  alinhavam‐se  nesse  trabalho,  o 

método  sociológico  e  o método  iconográfico,  sendo  o  primeiro  relacionado  a  arte 

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como  produto  de  uma  sociedade  e  de  uma  situação  histórica  específica,  onde  o 

artista é parte ativa, mesmo que por algumas vezes condicionada a esferas de poder 

que  a  reduz  a mera  operação  técnica, mas  ainda  assim  o  artista  pode  revelar  os 

sistemas  culturais  através  de  sua  produção. Nesse  sentido,  o método  iconológico 

também  utilizado,  buscou  entender  a  obra  como  realidade  social,  partindo  da 

premissa  que  a  atividade  artística  traduz  em  imagens  as  estruturas  do  período, 

através do simbólico. A atividade artística é essencialmente atividade da imaginação: 

mas na imaginação incluem‐se também as imagens sedimentadas na memória.14 

Foi  feito  um  mapeamento  para  “cruzar”  informações  entre:  narrativas  do 

lugar,   o olhar do artista e “os óculos do Estado”. E nesse contexto  tentar situar os 

direcionamentos  que  vão  estruturando,  no  panorama  político  e  estético,  as 

identidades  individuais  e  coletivas.  Numa  dinâmica  que  procurou  alinhavar  as 

questões das rupturas das vanguardas com as representações sobre o espaço urbano, 

criadas  no  panorama  político  do  período  de  30,  palco  de  nítidas  diferenças 

ideológicas  e  radicalizações.  Por  outro  lado,  esse  é  um  período  de  aproximações, 

entre política e cultura e entre o público e o privado na cidade.  

Segundo Argan, “Os homens do poder são os homens do progresso, os artistas 

são os homens do retorno. E exatamente nisso consiste a enorme importância da sua 

contribuição. Eles resgataram a arte da condição de sujeição ao poder”.15 

As incursões pelo período, se estendem dos anos 20 aos 40, para que se possa  

contextualizar diferentes nuances do processo de modernização e dos movimentos 

que se estruturam na década de 30.  

A representação da cidade se apresenta como a representação do “moderno” 

no Brasil, dentro dos  ideais de modernização que  irão  se  confundir nas esferas do 

nacionalismo  e  apresentar    várias  vertentes  que  irão  criar memórias  autorizadas 

14 A história da arte é a história da cultura elaborada não pela via dos conceitos, mas por meio das imagens. As imagens têm no mundo uma existência própria: propagam‐se embora alteradas, em todas as classes sociais,   não conhecem  limites de  ‘escolha’ nem de  ‘estilo’ nem de nação. ARGAN. G. C. Guia de História da Arte. São Paulo: Editorial Estampa, 1994. pp.37‐50. 15 ARGAN, 1988. Op.Cit.

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numa  releitura  da  idealização  do  nacional.  O  período  é  marcado  também  pela 

chamada  era  da  “reprodutibilidade mecânica16”  onde  a  indústria  cultural  tomará 

forma e definirá padrões de comportamentos. 

Para compreender   as modificações culturais e a questão da demarcação das 

identidades,  fez‐se  necessário  uma  retrospectiva  dos  fatores  que  culminaram  na 

busca desses  ideais e que começam no  século XIX, mas que em 1930  se  fortalecem 

com  a  “Revolução”  e  se  consolidam  no  Estado Novo,  adequando  as  estruturas  e 

oferecendo um amplo leque de possibilidades de re‐significações através do aparelho 

burocrático.  

    Embora o trabalho se estruture através de um arcabouço teórico que se 

embasa  em  análises  bibliográficas,  o  ponto  de  partida  foi  a  cidade  e  as 

problematizações acerca dos   modernismos e nacionalismos,  foram caminhos   para 

verificar  as  dissonâncias  na  esfera  da  cultura  e  das  construções  de  identidades, 

considerando  as  intervenções promovidas  através dos projetos urbanos  e  culturais 

ocorridos  na  cidade.  Considerou‐se  a  dimensão  política  das  propostas  estéticas 

construídas pelos artistas,    como os  reveladores e produtores de bens  simbólicos e 

interpretes da realidade social.  

Foram  feitas várias recorrências ao espaço chamado “arena cultural”17 com o 

objetivo  de  delinear  questões  relacionadas  tanto  ao  espaço  urbano  quanto  ao 

ambiente cultural, onde circularam o homem comum, o artista, o político, a elite,   a 

intelectualidade, e onde não havia lugar para os chamados “incômodos” que foram 

sendo  “excluídos”,    remanejados  dos  espaços,  através  de  medidas  consideradas 

profiláticas, higienistas e xenofóbicas. 

Nesse  sentido  a  cidade  é  o  espaço  dos  sentidos  sociais,  muitas  vezes 

contraditórios, mas que convivem numa mesma esfera. Espaço esse que é produtor e 

produto dos atores individuais e coletivos que nela vivem. 

16 Cf. BENJAMIN. Walter. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. Vol.1. São Paulo: Brasiliense, 1993. 17 Cf. BURKE, Peter. 1995, loc. cit.  

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No  campo da  amostragem, partiu‐se da  análise de  narrativas,  que  teve por 

base  entrecruzar  referências  de  lugar‐memória,  encontradas  nos  depoimentos  do 

livro de Ecléa Bosi, que forneceu a base para se trabalhar com história oral e analisar 

narrativas de pessoas que viveram no período. Nas “lembranças de velhos” do livro 

de Ecléa Bosi, foram mapeados os  lugares da memória (ou a memória dos lugares), 

sendo  uma  fonte  importantíssima  no  desenvolvimento  dessa  pesquisa,  onde  se 

confronta o olhar com as narrativas.  

Outra  obra  analisada  como  fonte,  foram  as  crônicas  de  Sylvio  Floreal, 

intelectual‐marginalizado,   que ofereceu uma escala da chamada boêmia e da vida 

paralela do período, estabelecendo suas narrativas em torno dos lugares “proibidos: 

dos  vícios,  das  misérias  e  dos  esplendores”18  Esse  foi  o  primeiro  momento  dos 

recortes e  referências que partem das  representações  contidas nas narrativas e que 

irão se estender, ainda no campo da amostragem,  para o território das imagens e das 

representações,  que  embora  seja  um  universo  vastíssimo,  buscou‐se,  dentro  do 

recorte, uma pequena aproximação com os chamados “círculos da  intelectualidade‐

artística do período”, de vertentes de diferentes origens sociais e atuações na esfera 

público‐privado. E da propaganda ideológica. 

Foi realizado um pequeno recorte de trabalhos de artistas, para a escolha das 

imagens, buscando como referências artistas que tivessem pertencido a organizações 

do período,  tais  como:  a  Sociedade Pró‐Arte Moderna  (SPAM),  considerado  como 

mais alegórica, do Clube dos Artistas Modernos (CAM), com um alinhamento mais 

contestador e politizado, e  também do Grupo Santa Helena, de origem operária, e 

portanto de uma  intelectualidade que  tem outra origem  social,  e que por  sua vez, 

escapou ao “olhar vigilante” por uma produção considerada inofensiva e acadêmica, 

mas que, curiosamente, revelava “mundos contrários” aos da visão dominante, como 

veremos. 

18 Cf. Silvio Floreal. Ronda da Meia Noite: Vícios, misérias e esplendores da cidade de São Paulo. São Paulo: Boitempo, 2002. 

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Todas  essas  associações de  artistas  e  intelectuais  surgiram na década de  30,  

em consonância com as mudanças na esfera política, porém eram vistos como uma 

espécie  de  resistência  cultural,  que  em  algumas  instâncias,  provocaram  reações 

públicas.  As  referências  bibliográficas  e  as  fontes  iconográficas  seguiram  uma 

seqüência  para  o  encadeamento  das  idéias  apresentadas,  que  têm  sua  abordagem 

estruturada nas amostragens de representações do período e no entrecruzamento das 

informações  levantadas. No mapeamento,  o  recorte  estabelecido  como  espaço  do 

imaginário e das representações, considerou vários aspectos da produção simbólica, 

que foram utilizados para verificar as questões do nacionalismo e do modernismo na 

concepção da arte e cultura. 

Analisando como um processo a questão da modernidade e do modernismo, 

na esfera das construções do imaginário, e também no que tange aos nacionalismos, 

as principais fontes se estabelecem na iconografia do espaço urbano produzido pelos 

artistas  escolhidos.  Como  contraponto  foi  realizada  uma  rápida  incursão  sobre  a  

produção  das  imagens  fotográficas  veiculadas  pelo  governo,  encontradas  em 

diferentes segmentos, como nos postais distribuídos pelo Departamento de Imprensa 

e Propaganda e também em algumas imagens da Revista São Paulo19.  Através dessa 

pequena seleção de narrativas e  iconografias, pretendeu‐ se estabelecer   os campos 

para  verificar  os  contrapontos da  cidade  como  lugar da  construção das memórias 

coletivas e individuais.  

Cumpre enfatizar que foi através dessa seleção diversificada de fontes, que os 

dados para  a  reconstrução/desconstrução dos  imaginários  acerca da  cidade  e  seus 

lugares de memória/esquecimento foram mapeados. Sem maiores aprofundamentos, 

na esfera político‐social, os mesmos figuraram apenas como elementos fornecedores 

de material para o propósito desse estudo. 

19 A Revista São Paulo  foi um periódico mensal que circulou de 1935‐1936,  tendo sido publicado ao todo, dez números. Consistia na divulgação da gestão de Armando Salles Oliveira e visava divulgar obras  na  cidade  de  São  Paulo.  Tinha  como  característica  uma  grande  difusão  de  imagens  e fotomontagens. Cf. MENDES, Ricardo. A revista S.PAULO: a cidade nas bancas. Unicamp, 1994. 

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Destaco também, que na esfera das representações, o cinema, que nessa época 

ainda se estrutura, mas que  já  tem grande  força representativa e será um poderoso 

veículo do Estado,  não foi analisado. O cinema, embora revele com muita clareza os 

descompassos do período, não foi objeto dessa pesquisa.  

Dentro da premissa  interdisciplinar que  é  a  tônica da  contemporaneidade  e 

um dos mais agudos questionamentos da epistemologia atual, pode‐se afirmar que a 

experiência foi bastante interessante e profícua. 

Não  posso  deixar  de  mencionar  que  a  possibilidade  oferecida  através  do 

Programa  Interunidades  em  Estética  e História  da Arte,  foi  uma  experiência  que 

permitiu  o  trânsito  pelas  faculdades  de  Artes,  História,  Filosofia,  Arquitetura  e 

Urbanismo  e,  portanto,  acesso  a  uma  grade  de  cursos  bastante  ampla,  com 

segmentos que puderam oferecer um excelente instrumental para o desenvolvimento 

do presente estudo.  

A construção do  referencial  teórico e analítico da pesquisa se estabeleceu na 

escolha das disciplinas cursadas durante todo processo de pesquisa. Toda seleção de 

bibliografia específica foi realizada de acordo com as várias abordagens do projeto.  

As disciplinas cursadas foram de grande importância para o desenvolvimento 

do  tema.  Todas  tiveram  um  papel  definidor  na  pesquisa  e  foram  decisivas  no 

processo de seleção da bibliografia. 

As referências para entender a cidade foram permeadas de estruturas e teorias 

que  forneceram  elementos  para  aproximações  sobre  o  ‘pensamento  visual’  do  

período.  Portanto, a investigação dessa pesquisa  objetivou interpretar a arte, através 

do eidos/epoché20, ou seja, através da sua essência, na percepção da arte como narrativa 

visual.  

Dentro  da  dicotomia  arte/política,  buscou‐se  analisar  os  contrastes  de 

percepção  da  cidade. A  cidade  do  artista  e  a  cidade  do  poder,  duas  esferas  num 

20 Eidos/epoché. Noção das essências [apud] Husserl. Buscar a essência do mundo não é buscar aquilo que ele é em idéia, uma vez que tenhamos reduzido ao tema de discurso, é buscar o que ele de fato é para nós antes de qualquer tematização. Cf. MERLEAU PONTY. Fenomenologia da Percepção.   São Paulo: Martins Fontes, 1999. 

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mesmo  espaço.  Através  da  fenomenologia  buscou‐se  “habitar”  os  espaços  da 

memória, através dos caminhos das narrativas e das representações, cuja porta está no 

imaginário do período: 

A  arte  é  uma  captação  permanente  do mais  ínfimo movimento  do 

gosto e das idéias de uma época (...) cada  modificação substancial da atitude 

humana  repercute  em  todas  as  atividades  contemporâneas,  principalmente 

aquelas  que,  como  as  artes,  resultam,  do  mesmo  modo  que  as  outras 

linguagens numa expressão simbólica do pensamento coletivo das gerações.21  

 

Para  uma  interpretação mais  pontual,  apresento  um  resumo  dos  principais 

conceitos abordados nesse trabalho: 

1. Imaginário social e entenda‐se por imaginário todo o repertório simbólico, 

carregado  de  emoções,  fantasias,  projetos  e  idealizações  dos  indivíduos, 

que tem seu campo nas narrativas, no mito e no rito. 

 

2. Representações:  no  sentido  tanto  narrativo  como  pictórico,  acerca  da 

construção das imagens, ou, que também podem ser chamadas “realidades 

figurativas”,  que  estão  intrinsecamente  ligadas  ao  imaginário  social.  E 

entenda‐se  “representação”  como  o  significado  da  idéia,  ou  como  a 

“semelhança” do objeto. 

 3.  Ideologias  Políticas:  analisadas  no  domínio  das  representações  e 

investidas  por  uma  concepção  de  mundo  que  pretende  impor  à 

representação  um  sentido  definido,  como  uma  elaboração  segunda  do 

imaginário. 

 

 

21 Cf.  FRANCASTEL,  Pierre.  Pintura  e  Sociedade.  Tradução:  Elcio  Fernandes.  São  Paulo: Martins Fontes, 1990.  

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Nos capítulos que se seguem, o primeiro destina‐se aos conceitos históricos da 

cidade,  da  arte  e  do  imaginário  e  os  critérios  de  representação  na  estrutura  da 

modernidade.  O  segundo  capítulo  se  aprofunda  na  questão  das  identidades, 

modernismos e nacionalismos, enfocando o  imaginário e a  ideologia   na concepção 

de  nação  e  da  formação  de  um  projeto  de  “Brasil Moderno”,  que  irá  refletir  na 

configuração  das  imagens  de  São  Paulo,  através  das  estruturas  do  aparelho  do 

Estado, com seus projetos de alcance popular e difusão de mentalidades.  No terceiro 

capítulo  foram abordadas as multiplicidades do olhar pelo viés das representações, 

perpassando pelas estéticas simbólicas e pela tradição de negações. O capítulo final 

faz uma breve  incursão pelas associações de artistas dos anos 30 e pelo projeto de 

governo, por estruturas de interpretação da arte e reúne imagens selecionadas.  

Em  função  das  várias  recorrências,  análises  e menções  acerca  das  imagens, 

optou‐se  por  inserir  nos  parágrafos,  as  referências  de  localização  das  imagens, 

procurando dessa forma facilitar a leitura e o sistema de busca e analogias. 

A  contribuição que  se buscou  com  esse  trabalho,  situa‐se na necessidade de 

pensar o espaço da cidade e o panorama das representações, sem esquecer o universo 

imaginário  e,  sobretudo,  a  dimensão  do  outro,  buscando  um  alinhamento  com  as 

premissas da contemporaneidade, no sentido de repensar os lugares onde vivemos. 

Para finalizar, cumpre lembrar que o olhar do historiador sempre se estabelece 

a partir do presente, do  lugar  onde  estamos. Portanto,  é  esse  olhar que  observa  a 

cidade de São Paulo como uma cidade entremeada de estruturas morfológicas que 

revela diferentes contextos sócio‐culturais e que busca  interrogar  os modos de uso e 

as  apropriações  da  paisagem  urbana  e,  portanto,  as  configurações  do  espaço. 

Entendendo a conformação da paisagem do ambiente urbano como o suporte físico 

ambiental,  o  lugar  onde  se  conformam  os  vínculos  e  as  subjetividades  dos  que  o 

habitam.  Nessa  paisagem  urbana  comparecem,  tanto  a  forma  espacial  e  física 

resultante  da  relação  entre  os  sistemas  ambientais  e  as  práticas  sociais,  quanto  a 

forma visual do conjunto de valores que  se estabelecem entre os homens e o meio 

físico.  Com  isso,  as  territorialidades  urbanas  contemporâneas  nos  desafiam  nas 

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tensões entre domínios, legalidades, usos e práticas, aportando novas interpretações 

na relação entre morfologias urbanas, tecidos sociais, comportamentos e construções 

conceituais, para além dos modelos e conceitos instituídos na cidade contemporânea.  

Os questionamentos propõem uma transcendência, ou uma transgressão, dos 

universos das ciências e das  tecnologias e uma re‐significação dos conhecimentos e 

das ações na dimensão territorial urbana respondendo às novas demandas espaciais 

dos padrões de comportamento e da apropriação social para se pensar o lugar. 

A  cidade,  em  suas  novas  formas  de  enunciação  cultural  da  territorialidade 

urbana, vista através das interpretações simbólicas, demanda outras investigações da 

espacialidade, no âmbito público do espaço urbano ‐ que cada vez mais tem gerado 

deslocamentos, segregações e indiferenças.   

Nas  considerações  finais,  buscou‐se  um  alinhamento  com  o  debate 

contemporâneo  sobre  as  práticas  e  representações  que  constituem  o  momento 

presente de produção de conhecimento, relativo a processos que impactam a cidade 

contemporânea. Porém, sob o mesmo alinhavo da Cultura,  território que nos une e 

nos separa, e que nos remete ao lembrar e ao esquecer, ao construir e desconstruir e, 

sobretudo, ao “entender para trans‐formar”.  (A.G) 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Capítulo 1

O olhar da História 

ARTISTICIDADES

“ A verdadeira viagem do descobrimento,  

não consiste em buscar novas paisagens, 

mas novos olhares.” (PROUST, Marcel).  

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A cidade na História 

    A  origem da  cidade  e  as definições  que  a  cercam  estão  centradas  na 

questão do pertencimento. Um dos aspectos primordiais que definem o surgimento da 

cidade  é:  “o  lugar  onde  estão  enterrados  os  nossos  antepassados[...]  a  cidade  dos 

mortos  antecede  a  cidade  dos  vivos,  é  a  precursora,  quase  o  núcleo  de  todas  as 

cidades vivas. A vida urbana  cobre o  espaço histórico  entre o mais  remoto  campo 

sepulcral da aurora do homem e o cemitério final.22  

Dentro desse pressuposto, a noção territorial, como “lugar dos meus mortos”, 

esteve presente desde as origens da cidade. E o culto aos mortos foi o que organizou 

os primeiros espaços, dentro do conceito de  religião que proibia abandonar a  terra 

onde  repousavam  os  restos  dos  antepassados,  sendo  preciso  que  cada  indivíduo 

levasse um  torrão de  sua  terra  (mundus)  –  solo  sagrado de  seus  antepassados  aos 

quais se unia pela alma. Esse cerimonial era a configuração de sua origem e a noção 

de pátria como o lugar onde estão as almas da família – a região das almas (manes)23.  

Na Antiga Roma, a terra pertencia para sempre à família que a cultivava, que nela enterrava seus mortos e erigia o altar dos deuses lares.  Terra,  família,  religião,  comungavam  o  mesmo  espírito.  Na terra, se cultivavam, o alimento, a memória dos vivos e dos mortos. Chuvas,  sementeiras,  poda,  colheita  eram  ciclos  da  faina  agrícola, mas  também  marcavam  as  festas;  o  rejuvenescimento  da comunidade. [apud]. 24 

 Segundo  o  historiador  Lewis  Mumfort,  as  melhores  fontes  das  primitivas 

culturas permanecem nos costumes e nas superstições que sobrevivem –  fenômeno 

esse que o autor denomina como cultura arcaica e, que situa como uma camada que 

se acha por debaixo das outras culturas, ainda que, mais civilizadas ou urbanizadas.  

Portanto,  ainda  que  haja  revoluções  e  reviravoltas,  a  cidade  não  apaga 

totalmente  os  elementos da  cultura,  que permanecem  nos  códigos da  organização 

22 Sobre o nascimento e a evolução da cidade‐Estado, suas instituições jurídicas, familiares e políticas. Cf. COULANGES. Fustel. A Cidade Antiga. São Paulo: Martins Fontes, 1998. 23 Idem.Ibidem p. 43 24 BOSI, Ecléa. Memória e Sociedade. Lembranças de Velhos. São Paulo: Cia das Letras, 1994. [Apud.] p. 424 

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dos espaços e na história do cotidiano. Para compreender os acontecimentos de uma 

cidade é preciso tratar igualmente da técnica, da política e da religião, sobretudo no 

aspecto da transformação.  E a arte pode revelar esses momentos: 

Se no princípio  todos esses aspectos da vida eram separados (técnica, política, religião), foi a religião que assumiu a precedência e reclamou  o  primado,  posto  que  uma  imaginária  inconsciente  e projeções  subjetivas dominavam  todos  os  aspectos da  realidade,  só permitindo que a natureza se tornasse visível na medida que pudesse ser  introduzida  no  tecido  do  desejo  e  do  sonho.  Monumentos  e Documentos  sobreviventes  mostram  que  essa  ampliação  geral  do poder foi acompanhada por imagens que brotavam do inconsciente e eram transpostas nas formas “eternas” da arte. 25 

 

A cidade é como uma “segunda natureza”, é  também o  lugar das esferas do 

poder, pois desde o princípio, as cidades apresentavam um caráter ambivalente, ou 

seja,  a  cidade  ao mesmo  tempo  em  que protege,  incentiva  a  agressividade,  tendo, 

concomitantemente, um aspecto despótico e um aspecto divino. Assim como a arte, a 

cidade  antiga  era  o  lar  de  um  deus  poderoso,  criador  e  destruidor,    imperativos 

divinos  que  governavam  uma  comunidade.  Portanto,  o  poder  tanto  nas 

manifestações cósmicas quanto humanas, sempre  foi a viga mestra da nova cidade 

que  se  configurou  dirigida  por  instituições  de  poder  (lei,  ordem  e  convívio).  “A 

cidade,  segundo  Mumford,  é  a  mais  preciosa  invenção  coletiva  da  civilização, 

superada apenas pela linguagem na transmissão da cultura.” 

 

As questões do urbanismo e da representação: os monumentos 

O núcleo da cidade, seu centro ou a cidadela, por ser a origem e o repositório 

de  relíquias,  técnicas e arte, é o seu bairro mais  revelador e mais demarcado pelas 

esferas  do  poder  expressas  na  monumentalidade.  As  imagens  monumentais  são 

formas  de  afirmação  do  poder.  Nesse  sentido,  a  arquitetura  monumental,  é  a 

expressão  do  poder  e  esse  poder  exibe‐se  na  reunião  de  custosos  materiais  de 

25 MUMFORD, Lewis. A história das cidades: suas origens, transformações e perspectivas. São Paulo, Martins Fontes, 2004. p. 41. 

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construção e  todos os recursos da arte, bem como num domínio de  todos os estilos 

considerados sagrados: grandes touros e águias cujas poderosas virtudes o chefe de 

Estado identifica nas próprias capacidades mais frágeis. [imagens 1 a 5: pp. 165‐167] 

A  finalidade  dessa  arte  que  marcava  o  território  com  seus  símbolos  era 

produzir  um  “terror  respeitoso”  como  numa  confissão  de  época:  ‘Sou  como  um 

homem  morto,  sinto‐me  desmaiar  depois  da  visão  do  Rei,  meu  senhor.’26  Esses 

marcos  são, portanto,  representações do poder. As  formas de arte urbana  também 

indicam a  transformação de uma sociedade, a maneira como cada qual se situa no 

espaço  urbano,  seu  lugar  de  morar,  suas  posses,  quando  analisados  pela  arte, 

revelam  tanto  a personalidade  como o  conhecimento,  sentimentos, opiniões  e  atos 

tanto  do  indivíduo  como  da  comunidade.  As  estruturas  estéticas  definem  as 

personalidades  coletivas, ou  seja,  “a  cidade vive pela  recordação”  sendo  assim, os 

seus símbolos, marcos e documentos são destinados a preservar e transmitir  idéias, 

sentimentos e emoções, são lembradores, cuja finalidade é dar forma, tornar visível, 

portanto, são  também um estigma de continuidade. 27   

Sendo  assim,  a  cidade  é  um  receptáculo  especial  destinado  a  armazenar  e 

transmitir mensagens. Seus edifícios e estruturas  institucionais devem ser duráveis, 

assim como suas  formas simbólicas, como a  literatura e a arte, pois promovem um 

elo entre passado e presente e podem predizer o que está por vir. Se suas estruturas 

duram mais  que  as  funções  e  finalidades  que  originalmente  lhe  deram  forma,  a 

26  Sobre  o  sentimento  de  inferioridade  diante  da  magnitude  da  obra,  provada  pela  arquitetura monumental. Cf: Mumford. Op.cit. 27 [...]viver para o documento e pelo documento tornou‐se um dos grandes estigmas da vida urbana: na verdade a vida tal como era registrada – com todas as suas tentações para a ultradramatização, a inflação  ilusória e a  falsificação deliberada  ‐ muitas vezes  tendia a  se  tornar mais  importante que a vida tal como era vivida. Daí as perversões do monumentalismo que  ironicamente chegaram ao seu ponto  culminante.  O  desenvolvimento  dos  métodos  simbólicos  de  armazenagem  aumentou imensamente a capacidade da cidade como  recipiente: a cidade passou a não simplesmente manter um grande corpo de pessoas e instituições, maior do que qualquer outra espécie de comunidade, mas manteve e transmitiu uma porção de vidas maior do que as lembranças humanas poderiam transmitir pela  palavra  oral.  Essa  condensação  e  armazenagem  representam  uma  das  funções  singulares representadas pela cidade; e o grau em que é desempenhada estabelece a posição e o valor da cidade; isso porque outras funções municipais, por mais essenciais que sejam, são principalmente acessórias e preparatórias. Cf. CHOAY,  F. Documento Monumento.  In: A Alegoria  do  Patrimônio.  São  Paulo: Unesp, 2001. 

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cidade algumas vezes preserva para o futuro as idéias que foram postas de lado ou 

rejeitadas  por  outras  gerações.  Porém,  a  cidade  também  transmite  às  gerações 

posteriores, no sentido negativo, as “inadaptações” que poderiam  ter sido  lançadas 

fora, caso não houvessem se materializado, deixando sua marca  (ou cicatriz). É por 

isso  que,  para  Mumford,  temos  que  reexaminar  sempre  o  resultado  urbano 

sobretudo  quando  há  ferimentos,  como  guerras  e  conflitos.  A  contribuição  desse 

autor nos  abre um questionamento  essencial para  a pesquisa:  o  entendimento   da 

cidade, visto por duas perspectivas: das culturas espontâneas (ou imaginários), e da 

configuração do Estado  e do poder  (as  ideologias), nas  representações.  Se por um 

lado,  as  representações  são  resultados  das  esferas  de  domínio,  são  também  os 

lembradores,  conforme  analisado,  que  cumprem  sua  função  por  um  período, 

sobretudo  na memória  coletiva, mas,  depois  de  certa  forma  se  hibridizam  com  o 

tempo, ficam sem sentido ou então re‐significam seus sentidos.  Por outro lado, há a 

resistência cultural, as supervivências, os  lugares recônditos da memória  individual 

que contém a força da transmissão dos costumes. Também o imaginário, sempre tão 

revelador, que nos  leva a outras paragens e nos permite entrar nos  recônditos das 

histórias  que  não  se  transformaram  em marcos  e monumentos  oficiais, mas  que, 

ainda  assim,  sobrevivem  no  imaginário  popular  e  revelam muito mais  do  que  a 

cidade dos marcos históricos  e das  esferas de poder. E que podem  ser  entendidas 

através da arte. 

A arte é uma captação permanente do mais ínfimo movimento do gosto e das idéias de uma época (...) cada modificação substancial da atitude humana repercute em todas as atividades contemporâneas, principalmente aquelas que, como as artes resultam, do mesmo modo que as outras  linguagens, numa expressão simbólica do pensamento coletivo das gerações. 28  

 

28 FRANCASTEL, Pierre, 1993. Op. Cit. p. 77 

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A cidade na Arte 

Se a arte é produto da sociedade, por sua vez a sociedade também se modela 

sobre  a  arte.  Sendo  assim,  é  impossível  dissociar  arte  e  sociedade,  pois  uma  não 

existiria sem a outra, como espaço e forma, essa relação se complementa e se constrói 

simultaneamente. A cultura, a tradição e a identidade de uma sociedade se traduz no 

que ela produz artisticamente. Nesse sentido, arte é produto de uma sociedade assim 

como a sociedade é um produto cultural e a arte sua manifestação. Por exemplo, as 

cidades,  vistas  como  palco  de  aglomerações  humanas  e  acontecimentos,  são 

formadas  a  partir  de  existências  que  se  agregam  em  um  espaço,  e  esse  espaço  é 

portanto uma manifestação artística. Se a formação da cidade é uma interpretação e 

apropriação  do  espaço,  dentro  de  uma  concepção  artística,  então  a  arte  é  uma 

atividade constitutiva da cidade. Segundo Argan, por cidade não se deve entender 

apenas  um  traçado  regular  dentro  de  um  espaço,  uma  distribuição  ordenada  de 

funções públicas e privadas, um conjunto de edifícios representativos ou utilitários, 

mas sim toda forma de organização do espaço e da matéria: 

São espaço urbano o porte da basílica, o pátio e as galerias do palácio público, o  interior da  igreja. Também  são  espaço urbano os ambientes das casas particulares; e o retábulo sobre o altar da igreja, a decoração do quarto de dormir ou da  sala de  jantar, até do  tipo de roupa e adornos com  que as pessoas andam, representam seu papel na  dimensão  cênica  da  cidade.  Também  são  espaço  urbano,  e  não menos  visual,  por  serem mnemônicos  imaginárias,  as  extensões  da influência da cidade além dos seus  limites.  (...) O espaço  figurativo, não feito apenas do que se vê, mas de infinitas coisas que se sabem e se lembram, de notícias. 29   

  A  arte  reproduz  nas  cidades  as  interconexões  e  intercâmbios,  passados  de 

geração em geração,  e  se expressa até mesmo na repetição dos ornatos, o sentimento 

do  espaço  e  do  tempo,  e  uma  concepção  de mundo  identificada  com  o  próprio 

sentido do ser. [imagens 1 a 7: pp. 165‐167] 

29 ARGAN. Giulio Carlo., 1988. Op. Cit. .p.43. 

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Vários períodos, processos e teorias, comprovam que o mundo das imagens é 

um mundo ordenado,  e que é possível fazer uma história da arte através da história 

das  imagens. Dentro dessa  concepção,  a  construção do  saber  se dá pelas  imagens, 

desde a antiguidade clássica , sendo o mito a representação necessária e afirmação de 

sua existência.30 Se a partir de uma razão as idéias constroem critérios, esses por sua 

vez  estão  imersos  em  uma  idéia  de  representação.  Podemos  então,  fazer  uma 

arqueologia das imagens.  

Para Gombrich, “o artista não menos que o escritor, precisa ter um vocabulário 

antes  de  poder  aventurar‐se  a  uma  mera  cópia  da  realidade”.31    A  questão  da 

semelhança, que estrutura esse vocabulário se situa na esfera das representações e se 

origina no campo semântico: 

A palavra exerceu originariamente a função de imagem. Essa função passou para os mitos. Os mitos, assim como os ritos mágicos têm em vista a natureza que se repete. Ela é o âmago do simbólico: um ser ou um processo representado como eterno porque deve voltar sempre  a  ocorrer  na  efetuação  do  símbolo.  Inexauribilidade, renovação  infinita,  permanência  do  significado  não  são  apenas atributos dos signos, mas seu verdadeiro conteúdo.32   

Para  Foucault  em As  palavras  e  as  coisas,  dentre  as  várias  acepções  que  o 

termo “semelhança” comportou até o final do século XVI , estão: a convenientia, pela 

qual a similitude se estabelece na vizinhança dos lugares, locais e espaço, é portanto, 

estabelecida uma espécie de “aproximação gradativa” de duas coisas que se colocam 

juntas. A aemulatio, que se realiza em espaços distantes, como se a convenientia tivesse 

30 Representação foi um termo cunhado na Idade Média, com o duplo significado de imagem e idéia. Para  Santo  Tomás  de  Aquino,  “representar  é  conter  a  semelhança  da  coisa”.  A  representação  se constrói a partir de uma relação de imagem com outras imagens, salientando dois sentidos ao mesmo tempo diferentes e complementares[...] a passagem de uma imagem para outra se faz pela mediação da idéia, de uma “imagem mental”, que parte de uma idéia, de um conceito de objeto para representá‐lo. Nesse sentido, a referência de idéia de uma imagem não seria o objeto representado em si, mas a idéia concebida sobre o objeto e a transposição das imagens se daria por códigos, por uma espécie de “vocabulário de semelhanças”, onde as imagens se situam em campos reconhecíveis. Cf: Definições de Representação. Cf. Abbagnano Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Mestre Jou, 1982. 31 GOMBRICH. E.H. Norma e Forma. São Paulo: Martins Fontes, 1990.p. 76 32 ADORNO,T.; HORKHEIMER, M. A dialética do esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985 p. 30 

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sido rompida, mas seus elos se reproduzissem em círculos distantes uns dos outros, 

gerando uma semelhança mas sem contato direto. A analogia, que está em jogo não é 

mais a semelhança do visível, mas da relação entre as coisas e os sistemas. Sendo a 

simpatia, que torna as coisas idênticas, que as mistura, dissolvendo‐as. Nessa acepção 

de Foucault, a semelhança pode ser vista como uma qualidade comum, na forma de 

substrato da representação.33 

  Entre  o  objeto  e  a  representação  do  objeto,  há  sempre  a mediação  de  um 

conceito, uma idéia, uma representação mental que reforçaria o fato do objeto em si e 

seu olhar. Porém, a  representação nesse  estudo,  tem duas  instâncias: a que não  se 

situa na  esfera da  réplica, do duplo,  como no olhar do pintor que não busca uma 

fidelidade e sim uma equação de sentidos, e por outro lado o olhar do fotografo que 

se insere na esfera da busca da semelhança. “Nesse sentido a pior das fotografias será 

sempre mais  semelhante  que  a melhor  das  pinturas.”  Benjamin,  nos  alerta  que  a 

natureza que fala à câmera não é a mesma que fala ao olhar: 

Diferente  porque  substitui  o  espaço,  no  qual  o  homem  age conscientemente,  por  um  espaço  onde  sua  ação  é  inconsciente.  [....] Conhecemos em geral o gesto que fazemos para apanhar um  isqueiro ou uma colher, mas ignoramos quase tudo da relação que efetivamente se estabelece entre a mão e o metal,  e, ainda mais, as mudanças que introduz  nestes  gestos  a  flutuação  dos  nossos  diversos  humores.  É nesse domínio que a câmera penetra, com todos seus meios auxiliares, com  suas  subidas  e  descidas,  seus  cortes  e  suas  separações,  suas extensões  de  campo  e  suas  acelerações,  suas  ampliações  e  reduções. Pela primeira vez ela nos abre a experiência de um inconsciente visual, assim  como  a  psicanálise  nos  fornece  a  experiência  do  inconsciente instintivo.34.   

 Com  isso pretende ressaltar a diferença entre o que olhamos   no mundo e o 

que  podemos  olhar  nas  imagens.  De  naturezas  distintas,  essas  imagens  são 

percorridas pelos olhos de maneiras diversas. [imagens 11 e 58: pp. 169 e 185] 

33 Cf. FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas. São Paulo: Martins Fontes, 1999 pp. 33‐60 34 Cf. BENJAMIN, Walter. 1994, p. 94. 

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Para Francastel35, a imagem existe em si, ela existe essencialmente no espírito, 

sendo um ponto de referência na cultura e não um ponto de referência na realidade. 

Francastel  acentua  que  o  diálogo  primeiro  de  qualquer  imagem  não  é,  como  se 

poderia  supor, um diálogo com a  realidade  física que a  fez nascer. Ao contrário, a 

partir  dessas  idéias,  podemos  perceber  um  desvio  analítico  na  investigação  das 

imagens  que  se  deslocaria  da  própria  realidade  como  imagem  e  de  qualquer  real 

exterior a ela lhe serviria de modelo, para os valores e perspectivas36.  

Nesse sentido, o olhar para as representações deve transcender, conforme diz 

Foucault, “para definir as condições nas quais o ser humano problematiza o que ele 

é, e o mundo no qual ele vive” 37 

 

Imagem, Imaginários, Ideologias 

Imagens são construções, são formas de conhecimento e de comunicação que 

podem  carregar  imaginários  e  simbologias,  bem  como  podem  ser  esvaziadas  ou 

produzidas  para  consumo.  38  São muitos  os  conceitos  sobre  símbolos,  imagens  e 

imaginário. Nessa pesquisa,  analisamos  esses  conceitos  sob  o prisma da produção 

das imagens da cidade de São Paulo. 

As imagens também são construções, baseadas nas informações obtidas pelas 

experiências  visuais  anteriores,  ou  seja,  as  informações  envolvidas  em  nosso 

pensamento são sempre de natureza perceptiva e nos  traduzem a aspectos da vida 

social.  Portanto,  as  idéias  podem  ser  representações  das  coisas  “concretas  ou 

abstratas”,  que  também  podem  ser  ícones,  referências  de  lugares,  caminhos  de 

localização. Sendo o  símbolo um signo determinado pelo seu objeto dinâmico.  

A linguagem simbólica das imagens lida com o encontro subjetivo entre crem 

a  cria  e  quam  a  vê.  Usada  de  forma  intencional  ou  inconsciente,  seus  efeitos 

dependem  do  contexto  sócio‐cultural  e  histórico  no  qual  se  inserem  as  imagens 

35 Cf.  FRANCASTEL, Op. Cit. 36  Idem. Ibidem., p. 193 37 FOUCAULT, op. cit., p. 14 38 LAPLANTINE, François; TRINDADE, Liana. O Imaginário. São Paulo: Brasiliense, 1988 

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simbólicas, e da identificação do espectador. Segundo Aumont, “o contexto simbólico 

revela‐se  necessariamente  social,  já  que  os  símbolos  são  determinados  pelos 

caracteres materiais das formações sociais que os engendram.” 39 

Sem  entrar  muito  profundamente  nessas  questões,  que  de  certa  forma 

escapam ao  recorte, podemos dizer de  forma simplificada, que o símbolo é um só, 

passível  de  interpretação, mas  as  imagens  podem  sem mudadas.  Porém,  tanto  a 

imagem como o símbolo são representações. O símbolo, modificado de acordo com a 

carga  cultural  é  um  sistema  que  não  substitui  qualquer  sentido, mas  pode  conter 

uma  pluralidade  de  interpretações  e  estar  carregado  de  significados  do  passado. 

Dentre uma gama enorme de teorias sobre o símbolo e a imagem, trabalhamos com a 

definição de Laplantine, em que os símbolos são entendidos como esquemas de ações 

intencionais produzidos nas  interações entre o homem e uma dada situação social, 

ou  no  interior  do  texto  de  um  discurso.40    Portanto,  imaginário  e  símbolo  são 

doadores de significados históricos e culturais.  

O  campo  simbólico  se  faz  presente  em  todas  as  esferas  da  vida  social  e  se 

estrutura por redes, são polissemânticos e polivalentes, e se amparam no referencial 

significante  que  contém  significações  afetivas  e mobilizadoras  do  comportamento 

social, como por exemplo: jurar perante a bandeira nacional ou rasgar a bandeira sob 

protestos, são exemplos de manifestações emocionais  e demonstram que o simbólico 

contém um sistema de valores referidos aos objetos e instituições sociais, que por sua 

vez podem existir somente no simbólico.  Já os signos se referem aos objetos, formas, 

imagens  concretas  ou  abstratas.  Outra  questão  fundamental  está  no  rito.  As 

homenagens aos  fatos históricos e míticos, como as  festas, celebrações da vida, das 

passagens  de  ciclos,  e mesmo,  da morte,  são  re‐atualizações  dos  acontecimentos 

passados. São marcas de comportamento e manifestos de continuidade, onde se vive 

através dos símbolos contidos nos rituais. [imagens 15, 16, 40 e 41: pp. 170 e 179] 

39 AUMONT, J. 1995. A imagem. 2ª ed., Campinas, SP, Papirus, 1995. p.78 

40 LAPLANTINE, p. 24  et seq. 

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O  imaginário  é  o  mobilizador  das  imagens  e  utiliza  o  simbólico  para  se 

exprimir. Portanto, o imaginário fornece à instituição o seu caráter de autonomia em 

relação à sociedade e aos homens que a produzem.  Isso  também é usado de  forma 

ilusória, como no capitalismo que mitifica relações de homens com produtos.  

Em síntese, o imaginário é a faculdade de elaboração e apresentação de algo: 

O  imaginário  faz  parte  da  representação  como  tradução mental de uma realidade exterior percebida, mas apenas ocupa uma fração  do  campo  da  representação,  a  medida  que  ultrapassa  o processo  mental  que  vai  além  da  interpretação  intelectual  ou cognitiva. A representação imaginária está carregada de afetividade e de emoções criadoras e poéticas.   A diferença entre o  imaginário e a ideologia  é  que,  embora  ambos  façam  parte  do  domínio  das representações  referidas  ao  processo  de  abstração,  a  ideologia  está investida por uma  concepção de mundo que, ao pretender  impor à representação  um  sentido  definido,  perverte  tanto  o  real  material quanto esse outro real perverte o imaginário. 41 

 Por outro lado, a ideologia é como uma imposição do vivido, aceito como tal. 

O imaginário não é uma negação total do real, mas apóia‐se no real para transfigurá‐

lo e deslocá‐lo, criando novas relações no “aparente” real. 

 

Estruturas culturais da arte na cidade 

A  cultura da modernidade  é  eminentemente urbana.  Já nasce na  cidade, no 

flaneur de Baudelaire pela Paris haussmaniana.42 Na  representação da  cidade  como 

uma categoria de análise do fenômeno urbano, as formas representacionais estão nos 

símbolos e na produção dos artistas e permitem a abordagem  interdisciplinar entre 

história, história da arte e patrimônio e temas correlatos como memória e identidade. 

A análise da representação da cidade é vista através de sua arte.43  

41 Idem. Ibidem, p. 25. et seq. 42 O modernismo  nasce  pensando  a  cidade. Cf.  BAUDELAIRE, Charles.  Sobre  a Modernidade:  o pintor da Vida moderna. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996. ‐ Referência Georges Haussman, prefeito de Paris. 43  ARGAN, G.C. História da Arte como História da Cidade. São Paulo: Martins Fontes, 1998.  Cf.  capítulo  I.  Argan,  argumenta  que  a  arte  não  é  inerente  a  cidade,  mas  há  uma  relação  de reciprocidade na qual a arte é constitutiva da urbanidade e vice‐versa. 

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Dentro dessa premissa, há variáveis entre a arte na cidade e a cidade na arte, por 

exemplo, a  iconografia urbana  impõe uma extraordinária variação de sentidos, pois 

temos  várias  representações:  a  cidade  como  obra  de  arte,  a  cidade  tradicional,  a 

cidade como panorama e a cidade como espetáculo, dentro da apropriação da esfera 

pública.44  O  espaço  urbano,  na  sua  materialidade  imagética,  torna‐se  um  dos 

suportes da memória social da cidade. Os discursos (verbais e imagéticos), assinalam 

o  caráter de  representação, ou  seja,  salientam  e  realçam a dimensão dos  signos de 

mediação pelo qual a cidade se faz conhecida.    Para  compreender  as  estruturas 

culturais  da  arte  na  cidade,  os  conceitos  de  arte,  cidade  e  objeto,  devem  ser 

relacionados através de interconexões históricas.  

A  fenomenologia  da  arte  oferece  um  caminho  para  tentar  aproximações  na 

compreensão da  ‘história da arte como história da cidade’ e dessa  forma entrar no  

“campo  da  percepção”,  para  tentar  perceber  aspectos  do  fenômeno  urbano  nas 

expressões  artísticas.  Podemos  dizer  que  a  cidade,  como  realidade  complexa, 

encontra na arte o seu fator identitário que se revela na experiência estética. Se, por 

um  lado,  a  cidade  como  objeto  artístico,  se  relaciona  a  uma  situação  cultural,  o 

mesmo deve ser estudado em seus componentes estruturais, considerando que cada 

obra determina todo um campo de relações.  

Buscou‐  se  através das  análises das  representações,  estabelecer, na  condição de 

nossa cultura, a experiência dos fatos para interpretar os fenômenos artísticos. Foram 

considerados o processo de construção e reconstrução do urbano, o dinamismo e o 

panorama cultural diverso, na qual se  insere. Dentro desses critérios verificou‐se as 

relações  que  se  estabelecem  na  cidade  enquanto  produto. Considerando,  segundo 

Argan,   que a “artísticidade” da Arte,  tem dois princípios: a ação artística e a ação 

histórica, e a raiz desses fatores está na consciência do valor da ação humana.  

A cultura de um período se constrói com arte, mas  também com o pensamento 

filosófico, científico, político e religioso. Portanto, as estruturas dos sistemas formais 

44  BOYER,  Cristine.  The  City  of  Collective  Memory:  Its  Historical  Imagery  and  Architectural Entertainments. Cambridge Mass.: MIT Press, 1994. 

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se desenvolvem em  função dos conteúdos culturais, que por sua vez, estruturam a 

comunicação  visual.  Sendo  a  arte  responsável  pela  crítica  que  se  fundamenta, 

organiza  e  desenvolve,  através  de  experiências  da  percepção  e  dos  processos  do 

imaginário, pois é a percepção que estabelece o tempo presente. Para Argan: a arte, 

cujo valor se dá na percepção,  torna presentes os valores da cultura no próprio ato 

em que os traduz e reduz seus próprios valores.” [...] tudo pode ser estruturado ou 

organizado como arte 45 

A obra de arte possui uma estrutura cultural específica, na qual os valores de 

uma época podem  ser  captados através da percepção. A  consciência ao perceber a 

obra de arte, ao executar uma “redução fenomenológica”46 pode encontrar o mito de 

origem  em  seus  símbolos,  mesmo  que  re‐significados.  Por  isso,  o  esforço  em 

interpretar uma obra de arte consiste na presença de uma ação sobre o imaginário – 

ou na própria essência da obra de arte ou mais precisamente sua estrutura (no caso a 

concepção do fazer artístico).  Essa questão ultrapassa a história das coisas artísticas 

ou das pessoas que as produziram. 

 

Memória e olhar –  a representação na pintura 

  Para Merleau  Ponty47,  a  imagem  da memória  é  o  lugar  onde  guardamos  o 

pensamento que o olho apreende, portanto, o olhar é exercício do pensar. O autor 

observa a pintura e conclui que o artista não se  limita à experiência muda, ele não 

separa a visão do visível, ou seja, o olhar parte de um ser, sendo a  percepção anterior 

a formação de conceitos e identidades. A “coisa pela coisa mesma” perpassa pelo ser. 

Dessa  forma,  o  discurso  se  liberta  da  teoria.  Através  da  observação  da  relação 

pintor/pintura ele elabora sua análise sobre o “ser no mundo” e a impossível partilha 

entre a visão  e o visível.   Ou  seja, quando o pintor pensa por meio da pintura no 

45 ARGAN, op. cit. p. 26 46 Redução fenomenológica ou ʺepochéʺ é o processo pelo qual tudo que é informado pelos sentidos é mudado em uma experiência de consciência, em um fenômeno que consiste na consciência/percepção de  algo:  imagens,  fantasias,  atos, pensamentos, memórias,  sentimentos  e outros,  constituem nossas experiências de consciência. Cf. MERLEAU PONTY op. cit. 47 MERLEAU PONTY, M. O Olho e o Espírito. São Paulo: Cosac & Naif, 2004. 

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instante que sua visão se faz gesto, ele inaugura uma linguagem, que é “a arte como 

forma de pensamento”. 48  

Nesse  pensamento,  o  significado  da  obra  de  arte,  pode  revelar  aspectos 

diferentes de seu valor formal. Porém a forma não deve ser dissociada do conteúdo, 

posto que a disposição dos traços e cores, luz e sombra, volumes e planos, deve ser 

entendida como portadora de um significado que ultrapassa o visual.49   

Para Cassirer50  nos estudos da cultura, os estudos sobre o pensamento mítico 

são a base para a investigação das imagens. Portanto, um quadro é ao mesmo tempo 

uma obra de arte e um documento de seu tempo, embora a realidade da arte não siga 

mecanicamente as mutações da sociedade. Sendo assim, uma análise formal pode se 

estabelecer dentro de um  recorte  iconológico, desde que o método  sociológico  seja 

englobado  numa  visão  estrutural;  a  essência  formal  pode  fazer  com  que  se 

reencontrem as coordenadas de uma correta ambientação sociológica, no sentido de 

reintegrar a obra de arte em seu momento histórico, reencontrando os processos que 

a  geraram  e  as  estruturas  que  a  condicionaram. Devemos  considerar  também  que 

existe,  uma  via  dialética  que  remete  a  questão  da  preservação  do  patrimônio  em 

relação  ao que deve  ser protegido de  acordo  com o poder de  cada  época,  e nesse 

sentido a idéia de preservação se alinha a uma idéia de valorização.51 [imagens 37 e 38: p. 

178] 

 

A função social da Arte 

A arte  foi  criada pela humanidade  como uma  espécie de duplicação de  sua 

atividade  real,  ou  seja,  foi  criada  como  uma  extensão  da  experiência  de  vida, 

organizada com mais afetividade e formada de maneira espontânea.  

O funcionamento social da arte, se estrutura a partir das relações sujeito/objeto 

e suas variáveis,  e se desdobra na possibilidade de transformação de algo existente.  48Idem. Ibidem. 49 PANOFSKY, E. Estudos de  Iconologia  in: Significados nas artes visuais. São Paulo: Perspectiva, 2004 50 CASSIRER, Ernest. Filosofia das formas simbólicas. São Paulo: Martins Fontes, 2001 51 ARGAN, op cit., p. 102‐103 

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A  apropriação  artística  do  mundo  pelo  homem  dá  luz  à  estrutura  da  atividade 

humana, que integra a estrutura da arte sem conservar a independência das formas 

simbióticas.  

A  imagem artística, segundo Panovski52, não é combinação e coexistência do 

conhecimento e sim a uma  junção orgânica e mais compacta. A arte pode ser uma 

forma de  conhecimento da  realidade e não  fazer parte do mundo da  ciência; pode 

além  disso,  ser  uma  forma  de  conhecimento  valorativo  sem  construir  uma 

ramificação  da  ideologia,  tendo  em  vista  que  a  arte  é  a  “apropriação  artística  do 

mundo”. A cidade é, portanto,  a representação de um mundo. A partir do campo da 

fenomenologia , ela é pensada através do olhar do artista, que ao pintar a cidade nela 

revela  sua  relação  com o mundo. O olhar desvela a  cidade, partindo de percursos 

individuais. [imagens 21 e 34: pp. 172 e 177]  

Por  isso,  cada  cidade  é  única,  como  os  espaços  de  Calvino  em  Cidades 

Invisíveis. Depende da forma de olhar: 

Mas a cidade não conta o seu passado, ela o contém,  como as linhas da mão, escrito nos ângulos das ruas, nas grades das  janelas, nos  corrimãos das escadas, nas antenas dos pára‐raios, nos mastros das  bandeiras,  cada  segmento  riscado  por  arranhões,  serradelas, detalhes, esfoladuras. 53 

 

Ao analisar  como  se combinam na arte,   o  conhecimento da  realidade e  sua 

transformação  ideal  (realizada pela  imaginação), o  resultado não  é uma  junção de 

princípios,  como  na  ciência  e  seus  paradigmas.  Nesse  caso,  a  união  orgânica  é 

inevitável em todos os casos do reflexo e da transformação da realidade, bem como, 

da criação de uma nova realidade. Por isso, pode‐se afirmar que, a arte é produto do 

pensamento e da imaginação artística. Ou seja, a criação artística é a apropriação do 

mundo, sendo que o conhecimento e a valoração se  transformam com a criação do 

que não existe, nunca existiu e/ou existirá no mundo  (como na  fábula, na metáfora 

etc).   

52 PANOWSKY, op. cit. 53 CALVINO, Ítalo. As Cidades Invisíveis. São Paulo: Cia das Letras, 1990,  p. 14‐15. 

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A flexibilidade, a plasticidade, a dinâmica interna da estrutura da arte que se 

expressa na dialética do perdurável, do variável, imutável e mutável, e em todas as 

modificações morfológicas e históricas, a arte continua sendo a mesma. 

Na criação artística se encontram e se identificam todos os tipos de atividades, 

que,  como um  todo  adquire  a possibilidade de  entrar  em  contato  com  cada um  e 

compor  séries  artístico‐utilitárias.  Como  resultado  do  contato  da  atividade 

transformadora com a artística,  surgem os frutos do cruzamento da técnica e da arte: 

arquitetura, artes decorativas, desenho, publicidade e outras. Há várias correlações 

entre  a  atividade  artística  e  construtiva  nos  objetos  e  construções  em  que 

predominam a faceta técnico‐utilitária sobre o artístico‐estético ou o seu contrário, a 

face artística destinada a satisfazer as exigências estéticas das pessoas. 

  Ao  analisarmos  as  relações  de  atividade  artística  com  a  orientação 

valorativa descobrimos que as distintas  formas de  ideologia estabelecem diferentes 

relações  com a arte, específicas em  cada  caso.   Nessa análise,  toda  série de  formas 

derivadas  do  contato  artístico‐ideológico  se  sustentam  no  caminho  da  arte  até  a 

ideologia.  Por  exemplo:  as manifestações  que  ocorrem  na  propaganda,  nos  hinos 

nacionais,  na heráldica, na política  e na  escultura  comemorativa,  assim  como, nos 

cerimoniais do governo, são organizados artisticamente.54 

  Nesse sentido, a atividade artística do homem se desenvolve dentro de limites 

amplos,  desde  a  criação  pura  até  a  aplicada. O mundo  das  artes  se  situa  nesses 

limites e seu centro se desloca historicamente em função dos enfoques originados por 

situações  sócio‐culturais  determinadas.  Todas  as  formas  concretas  de  atividade 

humana, constituídas no processo histórico da divisão social do  trabalho, requerem 

do homem a auto‐desagregação e o isolamento de um determinado tipo de atividade, 

com respeito a todas as demais.55  

54 KAGAN,  S.M. A  arte  no  sistema  de  atividade  humana.  In: Arte  e Cultura  na América  Latina. Revista da Sociedade Científica de Estudos de Arte CESA – vol. X. n. 2, 2003. 55 KAGAN, 2003, passim. 

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Portanto,  a  cidade  é  um  fenômeno  gerador  ao  qual  tudo  se  pode  reportar 

como  cultura.  Na  cidade  se  estruturam  as  forças  políticas,  sociais,  econômicas, 

religiosas, que encontram aspectos de vários períodos históricos. A cidade  também 

está ligada à operação estética de pintores e escultores, sendo um conjunto cultural o 

panorama  urbano,  que  perpassa  pelo  território,  pelo  projeto  econômico,  pelos 

projetos e construções do espaço público, pelos projetos arquitetônicos. Esses atores 

que operam na cidade se alinham a forças que se revelam em tensões e conformações 

do espaço e na criação de “lugares para lembrar”.  A relação arte‐urbanística, muitas 

vezes pode ser revelada em conjuntos de imagens da cidade. A  partir de uma análise 

das  representações  de  diferentes  tempos,  a  imagem  tem  como  função  “situar” 

acontecimentos representados em uma determinada dimensão: cultural, econômica, 

política ou religiosa, que por sua vez revelam valores estéticos.56 [imagens 14, 17 e 52: pp. 

169, 171 e 183]  

Nessa  mesma  concepção,  a  posição  do  artista  na  sociedade  tem  que  ser 

considerada em todas as esferas que o artista se situa ao longo da história, e da forma 

como a história produz os artistas de  seu  tempo. Há uma  ligação direta do artista 

com a sociedade, em relação à técnica e também à ideologia de cada tempo histórico, 

posto que o mesmo está inserido no local, como é também fruto de seu meio e de seu 

tempo.  Para  entender  esse  processo  faremos  uma  breve  incursão  por  aspectos  da 

historiografia do Brasil,  que revelam a  forma em que se estruturam e desenvolvem 

os aspectos relacionados aos percursos da história da arte. 

 

 

 

 

 

 

 

56 ARGAN, op. cit., p.p. 126‐129 

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Estruturas da Modernidade

A modernidade artística, inserida dentro do processo de modernização social, 

está  atrelada  a  uma  idéia  de  atualização.  No  discurso  histórico,  a  associação  de 

modernidade no campo das artes, se reafirma em um discurso imbuído de um ideal 

de renovação, que perpassa por dois momentos: a ruptura e a novidade. A ruptura, 

no  caso,  se  estabelece  em  relação  ao  referencial  clássico,  onde  a  representação  era 

pensada em função da narrativa, estabelecendo uma representação do real.  

A  idéia  de  arte  moderna  surge  quando  se  estabelece    a  ruptura  com  as 

representações miméticas  e  com  a  verossimilhança, momento  em  que  a  dimensão 

formal será posta em evidência e a arte será pensada como linguagem em si mesma. 

Nesse sentido, a arte moderna tem como característica a experimentação formal.  

Na esfera social, a modernidade pode ser vista dentro de uma  idéia de crise 

das artes, que provoca um  estado de  tensão. Sendo a arte uma antena  sensível da 

relação  com  o  mundo  que  extravasa  a  consciência  desse  sentimento  de  crise 

(separando‐se dela e refletindo sobre o seu próprio fazer). 

Se  no  século  XIX  o  panorama  está  dentro  de  uma  idéia  de  “evolução  e 

progresso” é o valor do progresso que marca a questão da ruptura, que por sua vez, 

trará mudanças e também desequilíbrios. Na dimensão da crítica, a modernidade no 

Brasil,  situa‐se  a  partir  da  década  de  20    e  se  estrutura  em  30.  E  as  rupturas  se 

principiam pela crítica do lugar, ganhando corpo na questão da identidade.  

Busca‐se  entender  a  construção da  cultura  nacional  e  começa uma projeção 

sobre “quem  somos?” E o artista e o  intelectual, projetam nesse momento, o olhar 

sobre o lugar em que se encontram. 

 

 Tendências e percursos da arte no Brasil em relação aos fenômenos da arte  

Buscou‐se  através  dos  fenômenos  históricos  e  cíclicos,  traçar  uma  breve 

retrospectiva  dos  percursos  da  arte  no  Brasil,  com  o  objetivo  de  estabelecer  uma 

cronologia para situar as  reflexões a  respeito da modernidade artística,  inserida no 

processo de modernização social, que foi a base para se pensar a questão conjuntural 

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na perspectiva da História da Cultura. Por isso, a bibliografia que embasou o campo 

investigativo, foi selecionada para oferecer um suporte teórico para o entendimento 

do território cultural pelo viés da arte e para pontuar  suas transições e rupturas. 

Na  esteira do pensamento de Gullar57,  situamos o  fenômeno do movimento 

artístico  como uma movimentação de ação  coletiva, que  surge no  século XVIII   na 

Europa,  como uma  força  social da  burguesia,  que detinha  a  riqueza  e  almejava  o 

poder  político.  Essa  burguesia  quando  assume  o  controle  do  Estado,  coloca  os 

intelectuais que até então estavam em um ciclo fechado, a serviço do Estado ou em 

oposição a  essa  classe dominante, dando origem ao  romantismo que, por  sua vez, 

aparece  como  uma  reação  à  mediocridade  da  vida  burguesa  e  à  vida  prática 

instaurada que vai desembocar nos oitocentos, com desdobramentos no século XX, 

sobretudo em países com outro tempo histórico, como no caso, o Brasil. 58 

Como uma fuga do presente, o “artista romântico” combaterá tudo que definir 

como pertencente ao campo da burguesia terminando por afirmar que “o fluxo dos 

pensamentos é mais real que a realidade exterior”. E dessa forma estabelecerá hiatos 

entre a arte e a realidade social, que por sua vez, vem da experiência política, como 

forma  de  contestação  de  valores.  Portanto,  o  caráter  coletivo  dos  movimentos 

estéticos modernos  europeus,  tem  em  sua primeira  fase,  sentimentos  contrários ao 

regime burguês e à busca de um retorno e, posteriormente, uma reação contrária da 

arte pela arte.  Nesse movimento há uma virada e quem busca o poder são as massas. 

Surge  então,  a  arte  pela  arte,  como  reação  ao  romantismo,  repelindo  o 

sentimentalismo e o delírio. Na observação de Luckaks [apud]: “a arte pela arte é a 

expressão direta de uma atitude burguesa e proletária, atenta à  realização eficiente 

da obra.” 59 

O artista então, desiste de mudar o mundo. Se aceita como fora da natureza e 

considera  a  arte  a  “única  coisa  boa  e  verdadeira  da  vida”.  Entrega  essa  que 

57 GULLAR,  Ferreira. Vanguarda  e Subdesenvolvimento: Ensaios  sobre Arte. Rio de  Janeiro:  José Olympio, 2006.  58 GULLAR, s/d, passim. 59 Luckaks  [apud] GULLAR, op. cit. 

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corresponde  a  uma  fuga.  O  trabalho  artístico  torna‐se  um  ritual  destrutivo, 

marginalizado e despatriado que faz do artista do romantismo um alienado.  

Os movimentos que se seguem, tais como: o futurismo e o dadaísmo voltam a 

disputar com a burguesia o plano social. Porém, com pontuais diferenças da primeira 

fase do romantismo, pois os dadaístas identificam a própria arte com a burguesia e a 

renegam em nome da vida cotidiana, da vida moderna e suas apropriações.  

Dentro  dessa  análise,  no  universo  das  artes  no  Brasil,  verificamos  alguns 

marcos,  que  são  relevantes para pontuar  as  transições  na  criação das  identidades, 

através das pontuações historiográficas, antes de chegar às vanguardas, façamos uma 

retrospectiva:  

Segundo Zanini, 60 no campo das artes plásticas, a Missão Francesa de 1816, foi 

bastante significativa nas transformações artísticas no Brasil, pela vinda de artistas e 

artífices,  em  sua maioria  exilados bonapartistas,  chamados de Colônia Le Breton61. 

Nesse  período,  instaurou‐se  um  sistema  de  ensino  acadêmico  e  vários  artistas 

neoclássicos foram responsáveis pela disseminação de conceitos estéticos. Porém, as 

dificuldades de assimilação dependeram das próprias condições da civilização de um 

país de  configuração  formada por  cânones  coloniais,  que  tendiam  a  rejeitar  a  arte 

apresentada como ação cultural leiga em nível burguês.  Essa Escola foi responsável 

por  transformações,  sobretudo, na arquitetura que assume  feições neoclássicas por 

todo Brasil.   Ainda, segundo Zanini,  foi a arquitetura, a arte que mais cedo obteve 

expansão  e  amadurecimento  no  país. No  período,  a  arte  brasileira  no  campo  da 

pintura, da gravura, escultura e desenho, realizou‐se apenas em nível superficial com 

uma grande dependência dos artistas estrangeiros, e pelo pouco aprofundamento em 

suas  raízes  em  termos  nacionais.  A  arte  da  escultura  também  se  desenvolveu 

60 ZANINI, W. Arte Contemporânea. In: História Geral da Arte no Brasil. Vol. II. São Paulo: Instituto Moreira Salles, 1983. pp. 738‐788 61 O plano de Le Breton consistia na criação de escola e ensino de belas artes e ofícios. D. João, através do decreto criou a Escola Real de Ciências Artes e Ofícios em 12 de agosto de 1816 – pagava pensões anuais aos mestres  franceses  e  institucionalizou  com o novo decreto de 23 de novembro de 1920 a Academia Real de Artes. Tb  trouxe artistas como: Debret, Taunay, Grandjean de Montigny e Simão Pradier. Cf. ZANINI, op.cit. 

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inicialmente dentro de  cânones neo‐clássicos  e  com maior  razão  e mais  facilmente 

que na pintura pois os estilos e tendências surgiam bastante da própria essência da 

escultura antiga. Por isso, o   final de século XIX é marcado pelos monumentos para 

as  praças  das  cidades  e  cemitérios  do  país  –  dominados  pelo  sentido  eclético  ou 

historicista62.  

No  período  seguinte,  o  romantismo  e  o  indianismo  de  caráter  nacional 

definiram‐se através do romantismo e do simbolismo. 63 Na transição do século XIX 

para o XX, verifica‐se que há um “atraso” em relação aos movimentos.64 Dentro desse 

panorama, podemos verificar como a identidade nacional é “representada” em suas 

várias  fases  e  como  são  criados  alguns  cânones  que  atravessam  períodos.  Esses 

movimentos  culturais  que  se  registram  na  Europa  a  partir  do  século  XVIII  se 

manifestam, embora com atraso (nesse sentido), e com um intervalo menor. O Brasil 

se espelha nos países ditos adiantados, mas com outras apropriações. Embora visse 

no modelo  europeu  seu  futuro,  tinha  como missão  afirmar  a  autonomia do país  e 

negar as tradições coloniais, traços de uma busca pela definição de uma  identidade 

nacional, que se estruturava já no império. 

E nessa dinâmica,  se buscou no conteúdo ideológico do romantismo brasileiro 

o indianismo que, embora artificial e dentro de cânones, teve seus aspectos positivos, 

como  o  início  da  busca  de  uma  temática  própria,  ou  o  princípio  de  uma 

particularização. Essa busca foi seguida pelo sertanismo, e por outros movimentos e 

se refletiu num quadro social e político bastante diverso do modelo europeu.  

Nesse momento  o  país  está  em  transformação  e  a  expansão  da  economia 

cafeeira  promove  o  surgimento  de  uma  classe  de  funcionários  públicos  e 

desenvolvimentos tecnológicos gerados pelo progresso econômico, que, por sua vez, 

62 O estilo eclético ou historicista é caracterizado por uma profusão de estilos arquitetônicos,  onde os ornatos  são destacados. Cf. LEMOS, Carlos. A República ensina a morar melhor. Coleção Estudos Históricos. São Paulo: Hucitec, 1999.  63 O Romantismo acadêmico, deixou nomes como Pedro Américo, Victor Meirelles, Almeida  Júnior, que caracterizaram a presença de uma geração de artistas formados no Brasil. 64 ZANINI. op. cit. 

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irá gerar escassez de mão‐de‐obra. O país está imerso em um processo revolucionário 

que desaguará na abolição e na República. 

Chegamos ao século XX, onde a   expressão “vanguarda”, reflete a pretensão 

de movimentos de caráter artístico e coletivo que estariam à frente das artes, abrem‐

se novos caminhos para a expressão estética65.  Nesse momento de transição, a busca 

por  uma  idéia  de  novidade  se  traduzirá  em  rupturas,  e  em  novos  conceitos  de 

renovação artística. A partir desse período até 1922, as tendências estéticas sucederão 

num imbricamento cronológico: Realismo, Parnasianismo, Naturalismo, Simbolismo, 

que serão praticamente simultâneos.  

A “expressão de modernidade” se configura nas  idéias novas e apropriações 

que  expressam  uma  busca  pela  modernização  que  o  país  assimila,  diferente  do 

sentido europeu que tem como essência a manifestação de um processo cultural. No 

Brasil o modernismo surge como uma reação global a todas as tendências. Ele é uma 

negação de tudo, um começar de novo, que por sua vez, é o sentido básico daqueles 

movimentos europeus.   

Segundo Gullar,  “o modernismo  é mais  fruto da  transformação material da 

sociedade  do  que  conseqüência  de  uma  evolução  cultural  autônoma”.  Mas,  as 

conseqüências  desse  movimento  serão  uma  revolução  formal  nas  expressões 

artísticas  e  a  busca  de  um  projeto  estético,  que  se  principia  pela  ruptura  com  os 

padrões. 

 

Os Imaginários e as Representações no Modernismo Brasileiro 

A  questão  do  imaginário  no modernismo  brasileiro,  portanto,  se  estabelece 

como  uma  janela  que  abre  espaços  para  movimentos  que  provocam  um 

“desregramento” dos sentidos e um questionamento do real até então entendido.  

65 Vanguardas artísticas na Europa: o futurismo, o dadaísmo, cubismo, expressionismo, surrealismo. As vanguardas artísticas tinham como ambição mudar a História, especialmente no campo político, apesar de ter como meta à mudança na vida, partindo da vida muda‐se o mundo, desígnios presentes nas palavras de Marx,Goethe, Rimbaud e muitos outros. Vide: ARGAN, Giulio Carlo; Arte moderna. São Paulo: Editora Companhia das Letras, 1992

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Se  a  ciência,  razão  e  civilização,  passam  por  um  questionamento,  após  a 

Primeira Guerra Mundial, que levam a um repensar das estéticas e do “real”, nesse 

momento de ruptura,  a proposta das artes está na liberação do imaginário.  

De acordo com François Laplantine, “as rupturas do modernismo em relação 

ao estrangeiro,  são parciais, mas buscam uma harmonia entre a arte e a  sociedade 

urbana  e  industrial”.  Essa  ruptura  começa  por  intermédio  da  literatura  e  depois 

passa para a pintura que parte em busca de temas nacionais, inspiradas pelo próprio 

símbolo do mundo moderno: a cidade ‐ seus mitos, ritos e símbolos. 

   Essa  “tendência”  se  principia  com  no  movimento  Pau  Brasil  em  1924.66  e 

deságua no Manifesto Antropófago, 192867, inaugurando um tempo de revivificação 

das  origens  consideradas  “legítimas”  e  uma  exortação  dos  estrangeirismos, 

sobretudo na literatura e, posteriormente, nas artes plásticas. Mas também marcando 

a divisão  entre os modernistas, que  se  estabelece nas divisões nacionalistas  e  seus 

diferentes propósitos e que reforça um separatismo verde‐amarelo68 que por sua vez 

já havia se principiado. 

Esses movimentos, revelam uma iniciativa de busca identitária, de acordo com 

elementos  que  caraterizassem  e  particularizassem  o  Brasil,  como  um  retorno. 

Embora, nessa questão apareçam várias dissonâncias, posto que nesse momento de 

rupturas  e novas propostas  estéticas que  se  estabelecem no universo  literário  e na 

revolução plástica, o mesmo não acontece na arquitetura e  no urbanismo, que ainda 

estão  em  outro  tempo  histórico.  Nesse  contexto,  as  cidades  têm  ainda  uma 

configuração neo‐clássica, tendo como referência as cidades européias  , sobretudo a 

França  e  modelos  norte‐americanos,  como  as  cidades‐jardim,  revelando  um  66 Movimento Pau Brasil. Cf: AMARAL, Aracy. Antropofagia no país da cobra‐grande. In: Tarsila: sua obra e seu tempo. São Paulo: editora 34, Edusp, 2003. 67 Movimento Antropofágico de 1928.  [...] “ao receber em 11 de janeiro de 1928  esse quadro de Tarsila como presente de aniversário, Oswald Andrade comentou impressionado: “É um homem plantado na terra”. Conversando com ela e com o colega Raul Bopp, propuseram‐se a  fazer um movimento em torno desse quadro, dando origem ao movimento antropofágico. Seu título foi composto consultando um dicionário da  língua dos  índios  tupi‐guarani. Abaporu vem de Aba  (homem)  e Poru  (comer)  e significa o mesmo que antropofagia.Cf. Aracy Amaral. Op.cit. p.p.279‐350. 68 Sobre o verde amarelismo. Cf: VELLOSO, Monica P. A brasilidade verde‐amarela: nacionalismo e regionalismo paulista. Revista de Estudos Históricos: Rio de Janeiro, 1993. 

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descompasso.69  Outra  questão  dominante  desse  período  está  na  configuração  do 

ideal  de  “homem  brasileiro”  e  no  resgate  de  mitos,  como  do  bandeirante,  que 

restituem um universo  imaginário, na  reorganização dos  ícones de brasilidade e se 

refletem na disseminação de marcos e monumentos pela cidade70.  

Na  representação  da metrópole  paulista,  que  se  consolidará  no  séc. XX,    o 

conceito  de  Comunidades  Imaginárias  de  Benedict  Anderson71,  foi  o  referencial 

utilizado para  analisar  a  cidade  idealizada na Primeira República, que deveria  ser 

uma cidade de brancos, ou de  imigrantes europeus, desde que estabelecessem suas 

identidades de acordo  com  critérios  localistas  construindo assim, essa  comunidade 

imaginária – muitas estruturas políticas  foram articuladas para que esse  ideal  fosse 

cumprido.  As  imagens  do  final  do  século  XIX,  revelam  uma  cidade  quase 

despovoada, destacando a arquitetura e escondendo a mestiçagem das ruas, ou então 

revelando cenários onde “homens de casaca” se aglomeram –  pois, o espaço público 

nem sempre é um espaço popular.  

No  séc.  XX,  embora  tenha  se  pretendido  criar  um  conceito  de  casa  que 

acolheria  a  todos  (desde  que  se  varresse  para  debaixo  do  tapete  toda  gama  de 

excluídos e as memórias incômodas), revela uma cidade de homens, sem escravos e 

de  aspecto  europeu,  e  cria  o  modelo  de  brasileiro,  como  o  “mestiço  ideal”, 

descendente dos “bravos bandeirantes” e representante desses novos paradigmas.  

A metrópole paulista situa‐se, portanto, na esfera das invenções de tradições e 

suas imagens começam a ser produzidas dentro desse imaginário, antes mesmo de se 

tornar uma metrópole na acepção urbanística do termo.  

A metrópole paulista foi  idealizada através dos signos de modernização, que 

poderiam representar a cidade ideal, a cidade do progresso, a raiz da representação 

do “acerto dos ponteiros do relógio” (que se principia no modernismo de 22). E cria 

69 Mudanças urbanísticas irão ocorrer em larga escala. Cf. TOLEDO, Benedito Lima. Prestes Maia e as Origens do Urbanismo Moderno em São Paulo. São Paulo: Empresa das Artes, 1996 70 Cf. ABUD, Kátia Maria. O sangue intimorato e as nobilíssimas tradições. Tese de Doutorado, USP, 1985. 71 Cf. ANDERSON, Benedict. Memória e Esquecimento. In: Nação e Consciência Nacional. São Paulo: Ática, 1991. 

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os cânones dessa representação, que será largamente utilizado até a consolidação do 

Estado Novo. 

 

Arte para Massas e Indústria Cultural   

Não podemos deixar de apontar para um fenômeno considerado crucial nesse 

sentido,  que  situa‐se,  mais  precisamente,  na  virada  tecnológica  do  século  XX, 

trazendo novas possibilidades de comunicação: a cultura de massas. 

Como  conseqüência  das  novas  tecnologias  e  das  circunstâncias  geopolíticas 

configuradas  na  mesma  época,  a  cultura  de  massas,  desenvolveu‐se  a  ponto  de 

atingir  outros  tipos de  cultura  anteriores  e  alternativos  a  ela. Como por  exemplo: 

antes de haver cinema e rádio,   falava‐se em cultura popular em oposição à cultura 

erudita  e  das  classes  aristocráticas;  falava‐se  também  em  cultura  nacional,  como 

componente  da  identidade  de  um  povo;  em  cultura  clássica,  como  um  conjunto 

historicamente definido de valores estéticos e morais; e num número tal de culturas 

que,  juntas  e  interagindo,  formavam  identidades  muito  diferenciadas  das 

populações. Porém, a  cultura de massas acaba  submetendo as demais “culturas” a 

um projeto comum e homogêneo — ou pelo menos pretendendo essa submissão. Por 

ser produto de uma indústria de porte internacional, a cultura elaborada pelos vários 

veículos que surgiram esteve sempre ligada ao poder econômico do capital industrial 

e  financeiro.  A massificação  cultural,  para melhor  servir  esse  capital,  requereu  a 

repressão  às  demais  formas  de  cultura,  de  forma  que  os  valores  apreciados 

passassem a ser apenas os compartilhados pela massa. [imagens 11 e 18: pp. 169 e 171] 

Nesse  sentido,  desenvolve‐se  a  industria  cultural72  e  dentro  dela,  a  arte 

totalitária, um  tipo  incontestável de  cultura de massa que utilizou  (ou melhor,  foi 

utilizada), de  forma peculiar, pelo controle rígido do Estado e das políticas estatais 

72 A expressão ʺindústria culturalʺ foi utilizada pela primeira vez pelos teóricos da Escola de Frankfurt Theodor Adorno e Max Horkheimer no  livro Dialektik der Aufklärung  (Dialética do Esclarecimento, no Brasil ou Dialética do Iluminismo, em Portugal). Nessa obra, Adorno e Horkheimer discorrem sobre a reificação da cultura por meio de processos industriais. Cf. ADORNO. Op. Cit 

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para a produção cultural. Eliminando o que não se encaixava nos ideais de coerção e 

de promoção de crescimento e industrialização.  

Nesse  sentido,  a  cultura  popular,  produzida  fora  de  contextos 

institucionalizados  ou  mercantis,  passa  a  ser    em  várias  instâncias,  objeto  de 

repressão. Justamente por ser anterior, o popular era também alternativo a cultura de 

massa,  que por  sua  vez pressupunha  ser  hegemônica  como  condição  essencial de 

existência.  

Porém, a indústria cultural percebeu mais tarde que possuía a capacidade de 

absorver em si,  os antagonismos e propostas críticas, em vez de combatê‐lo, e assim 

o  fez  em  vários  aspectos. Com  isso,  nos  anos  30,  a  industria  cultural  se  estrutura 

permeando  a  vida  cotidiana  como  nunca  havia  acontecido  em  processos 

civilizatórios anteriores, provocando um grande deslocamento na forma de conceber 

as artes visuais até então.  

Sendo que, a  representação  tornou‐se mais  importante que a experiência e a 

realidade e começou a ser vista pela ótica legitimadora da imagem registrada. 73  Ou 

seja, o real foi encarado como aquilo que pudesse ser traduzido em imagens. Os anos 

30 são, portanto, a fase de consolidação da imagem e também do processo chamado 

de “grande urbanização”74 da  cidade de São Paulo. Nessa  transição nos atemos ao 

repertório de  imagens  sobre a  cidade,  construídos no período que, por  sua vez,  se 

inspira nas  representações visuais  e na  ressonância de discursos dominantes.   E  o 

palco desse processo é a cidade que seduz e transforma mentalidades.75   

A difusão dessa  idéia de metrópole, de  lugar do progresso e do crescimento,  irá 

permear vários aspectos representacionais. Porém, alguns trabalhos escaparão a esse 

modelo, sobretudo na expressão plástica. [imagens 34, 35 e 64: pp. 177 e 187] 

73 BECHARA FILHO, Gabriel.  Imagem e Sociedade nos  anos 30. Conc.  João Pessoa, v.5, n7, p‐188 Jan/jun.2002 74 Cf:. TOLEDO, Benedito Lima de. Prestes Maia e as Origens do Urbanismo Moderno em São Paulo. São Paulo: Empresa das Artes, 1996 75  SCHPUN, RAISA, Mônica. Luzes  e Sombras: São Paulo na  obra de Mário de Andrade. Artigo originalmente publicado em Rivista di Studi Portoghese i brasiliani II Pisa/Roma. Instituti  Editoriali e Poligrafici Internazionali, 2000, pp.105‐123 

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Se  na  propaganda,  no  design,  os  discursos  levam  sempre  a  uma  idéia  de 

metrópole,  de  velocidade,  de  verticalização.  Por  outro  lado,  em  alguns  casos,  a 

pintura,  mostra  uma  outra  cidade.  Os  aspectos  de  industrialização  alinhados  ao 

futurismo, são marcadamente da primeira  fase do modernismo,  já na segunda fase, 

observa‐se uma espécie de retorno, uma antítese, um culto ao oposto.  

  

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Capítulo 2

O Olhar do Lugar  

IDENTICIDADES

“ E a cidade ia tomando a forma que o olhar revelava.”  (LISPECTOR, Clarice).

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Identidade Nacional e Cultura 

Não há como abordar a questão da identidade cultural, sem abordar a questão 

do nacional, e nesse sentido desenvolver uma reflexão sobre “os nacionalismos” que 

constroem dinâmicas de pensamento muitas vezes conflitantes entre si.  

A  cidade  de  São  Paulo  é  focada  em  um momento  de  grande  importância 

histórica  do  Brasil,  que  é  a  modernização  social  que,  por  sua  vez,  definirá 

mentalidades. A modernidade, nesse  sentido,  se pauta por uma  forte presença do 

lugar.  Portanto, os nacionalismos devem ser vistos pela ótica da identidade cultural, 

como ponto chave do projeto estético brasileiro e também do projeto ideológico.  

O modernismo no Brasil se cinde, desdobrando‐se em correntes nacionalistas 

que  irão desencadear  olhares  antagônicos  sobre  a  questão da  identidade nacional. 

Por isso, a abordagem dos nacionalismos no Brasil, neste período, é um dos pontos‐ 

chave da pesquisa para abordar questões acerca da cultura e da identidade nacional 

que, nesse contexto,  é um produto: 

A relação entre  identidade nacional e cultura mostra a nação sob um contexto sócio‐histórico, dentro do qual a cultura se encaixa, salientando o envolvimento emocional dos indivíduos nos elementos de  sua  cultura  como  fator  fundamental  explorado  pelo nacionalismo.76 

A  Era  Vargas77,  desde  o  governo  provisório  até  a  consolidação  do  Estado 

Novo, se valerá largamente das massas e de uma nova cultura política. O Estado  

intervencionista  desde  seu  início  introduz  uma  política  social  baseada  na 

manipulação  ideológica.78 Em relação à  lógica simbólica da  formação e mobilização 

da  identidade,  o  objetivo  era  reunir  os  valores  dos  trabalhadores  e  transformar 

76 GUIBERNAU, Montserrat. O Estado Nacional e o Nacionalismo no século XX. Rio de Janeiro: Jorge Zahar , 1977. 77 Era Vargas ‐ período em que Getúlio Dornelles Vargas governou o Brasil (de 1930 a 1945 e de 1951 a 1954). Essa época foi um divisor de águas na história brasileira, por causa das inúmeras alterações que Vargas  fez no país,  tanto sociais quanto econômicas. Nesse  trabalho, o enfoque se situa na primeira fase da Era Vargas (30‐45). Cf: FAUSTO, Boris. A Revolução de 1930: Historiografia e História. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. 78 Sobre a questão do Varguismo e da Política de Massas; Cf.: CAPELATTO, M. Helena R. Multidões em Cena: Propaganda Política no Varguismo e no Peronismo. São Paulo: Fapesp/Papirus, 1988. 

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algumas premissas atendidas  como “atos de generosidade”. Nesse  sentido, entra a 

propaganda  governista,  como  mecanismo  de  representação  e  difusão  dessa 

ideologia.79 O atrativo político e ideológico das mensagens articulava a divulgação de 

soluções para a miséria e a exploração, possibilitando uma renovação de crenças.  

É muito  importante  considerar aspectos do  imaginário  e do  simbólico nesse 

momento. A “política de massas” no Brasil, se principia em 1930, com a Revolução, e 

introduz uma nova ordem política e social que vai adquirindo forças e que tem como 

promessa o alinhamento do Brasil, com os países ditos avançados.   Essa é a  tônica 

dos  discursos. Nesse  período,  a  ordem  oligárquica  é  posta  em  cheque  e  isso  faz 

emergir  novos  atores  sociais  e  a  formulação  desses  projetos  ideológicos  dará 

consistência ao nacionalismo de direita, alinhado ao Estado.   

Nesse panorama  surge  a  idéia  de  “tempo  novo”80, de  ruptura  com  o  velho 

sistema  e  da  reunião  de  elementos  que  representam  essa  nova  ordem,  que  será 

referência  constante  da  propaganda  de Vargas.  Serão  apresentados  os  projetos  de 

reforma  social  e  os  ideais de  “ordem  e progresso”  ficando  claro  nos discursos de 

Vargas, a afirmação de unidade: “[...] um país não é uma aglomeração de indivíduos 

num  território,  mas  é  principalmente  uma  unidade  de  raça,  de  língua  e  de 

pensamento.” 81 

Dentro dos  ideais modernizantes que aspiravam o projeto de governo nesse 

período, estava a organização de uma força de trabalho disciplinada em mecanismos 

de controle social para garantir a ordem e evitar  insubordinações. Nesse sentido, o 

Estado  totalitário,  ou  de  massas,  realizava  mediante  o  emprego  da  violência  a 

eliminação de formas exteriores ou ostensivas de tensões políticas. Dessa forma, arte 

e política  caminham  juntas,  e  o  cerceamento  se  fez  sentir  em  todas  as  esferas das 

representações, tanto no campo literário, na música, nas artes plásticas.  Criando uma 

estética  do  “crescimento,  da  modernização,  do  trabalhador”  e  proibindo 

79 Cf. GOMES, Ângela Castro. Essa Gente do Rio: Modernismo e Nacionalismo. Rio de Janeiro: FGV, 1999. 80 CAPELATTO, 1988. Op. Cit. 81 Ver discurso de Getúlio Vargas em Primeiro de Maio de 1938 – CPDOC (www.cpdoc.fgv.br). 

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manifestações contrárias a essa ordem. A ideologia do Estado se valeu da simbologia 

para  a  representação  de  suas  premissas  coercitivas,  que  tinham  uma  embalagem 

democrática.  Foi  através  da  divulgação  doutrinária,  que  a  reforma  estatal  se 

estruturou  em  representações  de  fácil  compreensão,  e  textos  de  divulgação  de 

imagens  de  forte  apelo  emocional. A  idéia/imagem  de  revolução  social  destaca‐se 

através  do material  propagandístico  em  uma  exaltação  ao mito  do  herói  solar82, 

utilizado em representações desse momento histórico. Como vimos, pelo resgate do 

mito do bandeirante para São Paulo.83   

Embora  as  bandeiras  dos  Estados  tenham  sido  queimadas  no  período, 

verificamos que várias esferas da propaganda ideológica, se apropriam dos mitos de 

origem para uma nova concepção de brasilidade. Nas representações da revolução, 

curiosamente, também se percebe a citação de forças da natureza.84   

No  programa  doutrinário,  não  faltam  elementos  representativos  dessa 

ideologia  e  estética  alinhadas  ao  autoritarismo. É  o  caso da  cartilha  “Getúlio para 

Crianças”,  destinada  à  formação  cívica  de  forma  didática.  O  “nacionalismo 

pedagógico”,   abordou  temas acerca dos novo símbolos da nação em várias esferas 

da  divulgação.  Suas  cartilhas  e  imagens  re‐elaboravam  um  discurso  autoritário 

travestido de certezas e uma visão maniqueísta, através de  ilustrações quase sempre 

bastante  primárias,  geralmente,  ilustradas  com  desenhos  de  traços  simples.  Na 

divulgação das  imagens de Getúlio, há  também uma  série de postais, onde  foram 

feitas  “montagens  fotográficas”  apresentando  Vargas,  como  o  pai  dos  pobres,  o 

amigo das crianças, interessado em necessidades populares etc. [imagens 8, 9 e 10: p. 168] 

82 Cf. DURANT. Gilbert. As  Estruturas  antropológicas  do  Imaginário.  São  Paulo: Martins  Fontes, 2002. 83 Cf. ABUD. Kátia. Op. Cit. 84 Alguns  autores  recorreram  a metáforas permeadas de  imagens de  catástrofes para  representar  a Revolução de  1930, no Brasil. Como Leão Machado  [apud] que  referiu‐se  a uma  avalanche que  se desequilbrou dos  cimos nevados da montanha e desceu  impetuosamente pelas  ladeiras, arrastando pedras, árvores, edifícios, em seu tremendo desabalamento e no dia 3 de outubro de 1930, rebentou a revolução com o rompimeto material da ordem. Ver: CAPELATO, op.cit. 

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Pode‐se observar que a noção de busca da legitimidade do ideário nacional se 

estruturava  nas  representações  e  nas  imagens  divulgadas  que  mostravam  uma 

relação do líder com o povo.85   

Na interpretação de Ângela Castro Gomes86, o Estado Novo constitui‐se como 

um  novo  sujeito  social,  definindo  um  paradigma  para  o  cidadão  que  busca  o 

progresso material dentro dessa ordem que unifica  todos os brasileiros em uma só 

cultura  e que  está voltado para uma  estética da  indústria  e do  trabalho,  com viés 

progressista: 

(...) a promessa da obra de arte de  instituir verdades  imprimindo a figura nas formas transmitidas pela sociedade é tão necessária quanto hipócrita. Ela coloca as formas reais do existente como algo absoluto, pretextando  antecipar  a  satisfação  nos  derivados  estéticos  delas. Nessa medida a pretensão da arte é sempre ideologia (...).O elemento graças ao qual a obra de arte transcende a realidade de fato é o estilo, mas  ele  não  consiste  na  realização  da  harmonia  –  unidade problemática  da  forma  e  conteúdo,  do  interior  e  do  exterior  da sociedade  –  mas  nos  traços  em  que  aparece  a  discrepância,  no necessário fracasso do esforço apaixonado em busca da identidade.87   

O  conceito de Nação e a idéia de pertencimento e o resgate dos mitos primordiais 

A nação menos que uma entidade é algo que produz sentidos, que reforça ou 

dilui  identidades de acordo com  interesses. Natio é a condição de pertencimento a 

algo  –  a  identidade  a  partir  dessa  condição  é  quase  sempre  abstrata  em  seu 

significado. Porém,  as nações  se  sustentam  em  função das diferenças  e  contrastes. 

Essa é a tônica do nacionalismo e o reconhecimento de seu caráter. 

No seu surgimento, a definição de nação, como definidora da nacionalidade 

como uma entidade, se  fazia sobre um contrato,   que depois de consolidada virava 

uma abstração, pois a palavra é escrava do choque sensório e sempre vem carregada 

de imagens que falam ao coletivo (as massas e os símbolos das massas).   Desse fato 

85 Cf. GOMES, Ângela Castro. Essa Gente do Rio. op cit. 86 Idem. Ibidem. 87 Cf. ADORNO T. e M. HORKHEMER. Dialética do Esclarecimento: fragmentos filosóficos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985. p. 123. 

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surge a tradição de se criar os símbolos nacionais, que são estratégias que se utilizam 

para a invenção das tradições do mito de povo original.  

Em  São  Paulo,  esse  processo  é  visto  no  resgate  do  “Mito  do  Bandeirante”  

anteriormente suscitado – que envolve  tanto a questão do  tempo perene e do mito 

primordial, dois elementos fundamentais e que se tornaram a base de uma narrativa 

unificadora  e  que  compõem  a  construção  da  tradição  nacional:  “Somos  um  povo 

desbravador...”  Essa  narrativa  estruturada  a  partir  do  mito,  dá  origem  a  várias 

construções históricas. É importante ressaltar que a historicidade e a contingência do 

nacionalismo  se  estabelecem  por  duas  correntes  básicas,  conforme  vimos:  o 

racionalismo ilustrado e o historicismo romântico. 

Na disseminação de significados, a nacionalidade  impõe fronteiras. Porque as 

nações  são  calcadas  na  diferença.  E  se  os  Estados  brasileiros  são  um mosaico  de 

diferenças, todos se igualam dentro do panorama nacional, que unifica os povos.  

Esse  ideal de união se estabelece através da construção de uma memória do 

passado, que por sua vez estabelecerá uma sensação de pertencimento e perpetuação 

da  herança  na  noção  de  território  nacional  e  do  idioma.    Nesse  panorama,  a 

veiculação das imagens tem um papel preponderante: a divulgação dos significados 

homogeneizantes como verdades.  Essa “estratégia” inaugurada pelos franceses, tem 

na  propaganda  governista,  exemplos  do  serviço  militar  obrigatório  e  a  coerção 

implícita dentro de ideais nacionalistas.   

A nação se constrói pelas identificações, mas sob elas, a diferença é setorizada 

de acordo com as intencionalidades.  O nacionalismo é portanto funcional para uma 

idéia de modernidade, dentro da noção de comunidade imaginária 88 que se utiliza de 

projeções na criação dos nacionalismos.  

Por exemplo, a cultura nacional  funciona como um sistema de representação 

que, por sua vez,  implica em uma forma de narrativa oficial que atinge a todos. As 

narrativas podem  ser, portanto,  tendenciosas,  forjadas  e dominantes. Dentro dessa 

88   Sobre Comunidade  Imaginária. Cf. ANDERSON, Benedict.   Nação e Consciência Nacional.   São Paulo: Editora Ática, 1989. 

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questão, deve‐se levar em conta alguns aspectos: o conceito de nação como essência , 

que precede a nacionalidade e o de nação à posteriori – o Estado que cria a nação, 

como  no  caso  brasileiro  que  o  Estado,  a  partir  da  Era  Vargas  irá  criar  um 

nacionalismo pedagógico.  

A essência do caráter nacional é a essência do colonizador, é eurocêntrica com 

personalidade autoritária. A questão da memória, portanto, perpassa por essa trama, 

onde a pergunta chave não é por que lembramos e sim porque esquecemos(?) Nesse 

sentido, a memória é a arte do esquecimento. Ou seja, nós temos conexões nacionais 

que  formam  nossa  memória,  porém  a  memória  social  não  é  saturável  e  sim 

infinitamente  renovável,  assim  como  os  mecanismos  de  esquecimento  social.  Os 

estados nacionais se formam em função de outro, isso desencadeia o surgimento do 

estado‐nação com todo seu impacto: 

[...] vale refletir sobre a configuração essencial do Estado‐Máquina no Brasil, que se constitui, ao mesmo tempo, como aparelho material de dominação  e  comunicação  nacional‐mítica  de  uma  comunidade imaginada, desde mais visivelmente, pelo menos, a guerra  contra o Paraguai, processo que teve nova e decisiva inflexão, todavia, com o advento da República, porquanto ancorada em engenharia militar e na  política  positivista.  Dessa  ótica,  parece  ser  indispensável,  com vistas  a  apreender  uma  das  dimensões  mais  reveladoras  dos impasses  da  modernidade  entre  nós,  reavaliar  a  obra‐prima  de Euclides  da  cunha,  Os  Sertões  (1902),  como  texto  chave  para  o desmascaramento (certamente contraditório), da barbárie perpetrada pelo  Estado  nacional  moderno  (e  por  sua  tecnologia  militar),  em nome  da  unidade  do  país  e  do  modelo  civilizatório  que  lhe  foi inerente.89  

O panorama  nacionalista  brasileiro  foi  fundamentado por uma  história  que 

tem  suas bases  tanto na narrativa  como na produção de  imagens,  considerando  o 

contingente analfabeto ‐ e os processos de “heroização” de figuras míticas. Na criação 

das  genealogias  nacionais  e  no  espírito  de  grande  família  patriarcal  dentro  de 

cânones religiosos foi impresso o conceito de nação, desde que essa família atendesse 

89 HARDMAN, F. Antigos Modernistas. In: NOVAES, A. Tempo e História. São Paulo: Cia das Letras, 1988, p. 299. 

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aos critérios de pertencimento. Instaurou‐se uma indústria do lembrar/esquecer onde 

as memórias nacionais são condicionadas. As comunidades imaginadas são feitas por 

fragmentos  de  uma  obsessão  pelo  todo,  criando  um  conceito  de  fraternidade,  no 

ideal de “pátria amada”: 

[...]  as  formas  oitocentistas  de  imaginar  a  fraternidade  emergindo ‘naturalmente’  de  uma  sociedade  fraturada  pelos  mais  violentos antagonismos  raciais,  de  classe  e  regionais,  são  a  mais  clara demonstração  de  que  o  nacionalismo  [..]  representou  uma  nova forma de consciência – consciência que surgiu quando não era mais possível  vivenciar  a  nação  como  o  novo,  no  momento  crucial  da ruptura. (...)90  

Na  biografia  das  Nações,  segundo  Benedict  Anderson,  as  mudanças  mais 

profundas  trazem  consigo  amnésias  características  e  desses  esquecimentos  se 

originam as narrativas. E o palco dessa nação localiza‐se nas cidades – que são como 

redes  na  construção  de  uma  idéia  do  espaço  ideal.  É  na  territorialidade  que  se 

estabelecem os  critérios de nação  (a geopolítica  se  estrutura nesse  sentido). São os 

espaços da comunidade  imaginária e dessa pedagogia de  lembranças construídas e 

esquecimentos  coletivos  que  o  cenário  desse  espaço  se  desenvolve.  Por  isso,  o 

nacionalismo  é  visto  por  Anderson  como  um  artefato  cultural  de  um  tipo  bem 

peculiar e emblemático. A questão da comunidade política imaginada proposta nessa 

reflexão tem um local de existir e se articula e estrutura, como vimos, em mitos e no 

“lugar de origem”. 

O  nacionalismo  inventa  nações,  mas  isso  não  é  um pressuposto  falso  e  sim  assimilado  que  reflete  o  imaginário.  A ‘dissemiNação’ se dá no âmbito das representações, que por sua vez divulgam esses cenários dentro do conceito de nação que apesar de uno  ‐  é  composto  por  diferenças. As  comunidades  não  devem  ser distinguidas por sua falsidade/ autenticidade, mas pelo estilo em que são imaginadas.91 

 

90 ANDERSON, Benedict. Raízes Culturais. In: Nação e Consciência Nacional. São Paulo: Ática, 1989. p.15. 91 Idem, Ibidem. 

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Dentro  dessa  concepção,  entendemos  que  o  nacionalismo  tem  o  poder  de 

transformar  o  acaso  em  destino,  e  que  desde  o  seu  surgimento  no  século  XVIII, 

produzido pela  eclosão de  certezas  religiosas,  embora não  suplante  religiões, deve 

ser compreendido através de sistemas culturais que o precederam, e que passaram a 

existir através dele, tais como as narrativas e a apropriação de valores.  

Nessa apropriação, são intrínsecos dois sistemas consolidados que dão suporte 

para estruturas do nacionalismo: a religiosidade e o governo. Sendo que, os conceitos 

culturais básicos para se imaginar a nação historicamente são: a  língua, as dinastias 

(dentro da concepção de divindade), e a temporalidade.  

Portanto, a comunidade  imaginária é criada de exclusões que perpassam por 

essas estruturas.   

São Paulo é uma cidade que exclui culturas em nome de uma memória oficial, 

do mito de origem dos bandeirantes, em suas memórias construídas, embasadas na 

mitificação  de  homens  que  estavam  a  serviço  da  Colônia  e  que  eram 

“predestinados”, ou a serviço de Deus,  na monarquia.  

Na  concepção  religiosa,  por  exemplo,  percebemos  esse  dado  claramente 

através  da  forma  como  os  jesuítas  tido  como  “fundadores  de  São  Paulo”  são 

exaltados. Percebe‐se que nesse  sentido há uma profusão de  símbolos de Anchieta 

como catequizador/civilizador.  

O  “mito  do  herói”  sempre  dá  origem  à  tradição  e  exclui  a memórias  dos 

dominados.  Exaltam‐se  os  bandeirantes,  esquecem‐se  das  várias  nações  indígenas 

que  foram destruídas, ou então, as representam como servis, sem  importância, sem 

participação ativa nos destinos e  sem distinção, o  índio é apenas  índio  sem outras 

referências, mesmo havendo uma infinidade de “nações” indígenas. 

Dessa  tradição  da memória  implantada  surgem  os  elementos  utilizados  no 

nacionalismo que também são permeados por uma aura de sacralidade. Nesse papel, 

as representações visuais têm grande relevância, nos modos de apreender o mundo e 

nas  possibilidades  de  pensar  a  nação. As  representações  visuais  são  pilares  desse 

panorama e tem um caráter didático e muito revelador: 

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As  impressões visuais das  comunidades  sagradas,  tais  como relevos  e vitrais de  igrejas medievais, ou  as pinturas dos primeiros mestres  italianos e  flamengos  . O  traço dessas representações é algo análogo  à  ‘aparência  moderna’.  Os  pastores  que  haviam acompanhado  a  estrela  até  a  manjedoura  que  Cristo  nasceu  têm feições de camponeses de Borgonha. A virgem Maria é representada como a filha de um mercador toscano. Em muitos quadros, o cliente que  encomendou  a obra, vestido  como um burguês ou  em  traje de nobre,  aparece  ajoelhado  em  adoração  ao  lado  dos  pastores [...].Estamos  diante  de  um  mundo  em  que  a  representação  da realidade  imaginada  era  irresistivelmente  visual  e  auditiva.  A cristandade assume sua forma universal, mediante uma infinidade de especificidades e particularidades. 92 

 

No  Brasil  isso  se  inverte  de  certa maneira,  a  exemplo  do  romantismo  que 

representava suas imagens pelo olhar do europeu. Quase toda construção imagética 

tem  o  olhar do  europeu  como  filtro, mesmo  a produção modernista  se  fará pelas 

cores e por traços do olhar de fora. Acostumou‐se a olhar de fora pra dentro. 

O pertencimento, ter coisas em comum e esquecer coisas em comum é também 

uma das tônicas do nacionalismo.  

A mediação  para  as massas  iletradas  de  concepções  cristãs  sempre  ocorreu  

pelo meio das  criações visuais  e  auditivas,  em  representações que  aproximavam  a 

comunidade  à  linguagem  pretendida  –  ou  seja,  na  adaptação  das  cenas  para  o 

universo em questão.  

É  a  partir  do  conceito  de  reprodutibilidade  que  o  conceito  de  nação  se 

dissemina,  reforçando  as  diferenças  e  direcionando  os  valores  que  a  estrutura 

dominante estabelece para o que pretende atingir. E no sentido das representações, 

na segunda fase da recriação do nacional,  a fotografia surge como a grande musa da 

reprodução mecânica, posto que é apenas a mais peremptória de  toda uma mesma 

acumulação moderna de evidências documentárias (certidões de nascimento, diários, 

boletins  escolares,  cartas,  relatórios médicos  e  coisas do gênero), que  registra uma 

certa continuidade aparente e, simultaneamente, enfatiza a sua perda pela memória. 

92 ANDERSON, 1991; op.cit. p. 32. 

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Desse estranhamento surge a concepção de pessoalidade: a identidade que não pode 

ser lembrada, devendo ser narrada.93 [imagens 26, 29 e 66: pp. 174, 175 e 187] 

O  nacionalismo  é,  portanto,  criador  de  identidades  para  os  indivíduos  que 

vivem e trabalham nas sociedades modernas. Dentre os critérios de pertencimento e 

comunidade,  destacam‐se  a  continuidade  do  tempo  e  a  diferenciação.  Mas  a 

identidade  nacional  precisa  ser  reafirmada  com  intervalos  regulares  e  por  isso 

prescinde  do  rito  –  que  são  também  as  cerimônias  religiosas  e  civis. No  âmbito 

cultural  a  socialização  se  estabelece  no  espaço  e  no  tempo,  assim  como  na 

identificação dos valores, crenças, costumes, convenções, hábitos e práticas que são 

incorporados  ao  cotidiano  e  impregnados  de  significados:  os  indivíduos  que 

ingressam numa cultura carregam emocionalmente certos símbolos, valores, crenças 

e costumes, interiorizando‐os e concebendo‐os como parte deles próprios.  

A  carga  emocional  que  os  indivíduos  investem  em  sua  língua,  símbolos  e 

crenças,  facilitam a difusão do nacionalismo que, por  sua vez,  emana desse apego 

emocional à  terra e à  cultura das pessoas. Porém, a  teoria  social e política  tende a 

colocar as emoções fora da pesquisa sendo que  elas são forças motrizes. Constata‐se 

que  força do nacionalismo procede não  só do pensamento  racional, mas do poder 

irracional das emoções que se originam no sentimento de pertencimento.   

O  outro  lado  dessa  questão  está  na  transformação  dessas  emoções  que  são 

ambíguas, e  tanto  tendem ao pacífico  como ao xenófobo e à  competitividade,   nos 

sentimentos de comparação e de imposição de superioridade. 

 

Identidade nacional no século XIX  

No século XIX, o Brasil passa por  transformações  identitárias e se descobrirá 

um  país  “deslocado  e  atrasado”.  Esse  pensamento  irá  continuar,  posto  que 

desencadeará ações para se alinhar com os ideais exigidos para que uma nação seja 

considerada “adiantada”: 

  93 ANDERSON, 1991; op.cit,  pp. 92‐93 

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Eram  evidentes o  ecletismo, o  anacronismo  e o  exotismo,  se pensarmos  nas  convergências  e  nos  desencontros  entre  idéias  e realidade. A  realidade  social,  econômica,  política  e  cultural  com  a qual  se  defrontavam  intelectuais,  escritores,  políticos,  governantes, profissionais liberais e setores populares não se ajustava facilmente às idéias  e  aos  conceitos,  aos  temas  e  às  explicações  emprestados  às pressas de sistemas de pensamento elaborados em países da Europa. Estava em curso uma  fase  importante no processo de construção de um pensamento capaz de pensar a realidade nacional.94 

 

Dentro  dos  critérios  eurocêntricos  cultuados  percebemos  que  a 

intelectualidade de elite, não ficou de fora, e sim se alinhou por várias vezes a essa 

tônica dominante,  tanto da  identidade, como da escala, do  lugar no  ranking que o 

país ocuparia, numa escala ocidental. 

 Nessa  busca  de  idéias  para  reconstrução  do  nacional, muitas  correntes  de 

pensamento  foram  buscadas  na  Europa,  que  era  a  referência  para  países  em 

construção de seu ideário nacional, sobretudo na fase de transição que se encontrava. 

Em  toda  a  transição, uma  rede de  equívocos  foi  sendo  construída,  ou melhor,  foi 

sendo fundamentada em uma tradição de negações.  

Se analisarmos dicotomicamente a questão da  imigração como trabalho  livre, 

mas também como projeto de branqueamento de população, a idéia de recriação do 

nacional é uma busca que evolui gradualmente. O questionamento sobre a sociedade 

brasileira estava começando a ser repensado, após séculos de escravidão e agrarismo, 

já no final dos oitocentos.  

A questão do nacional  é uma preocupação  crescente. A  idéia de nação  está 

sendo revista e reconstruída. A procura de referências e de construções simbólicas se 

estabelece na medida em que se busca a construção de valores culturais,  tradições, 

crenças, monumentos. A preocupação com origens, etnias e justificativas são a tônica 

dessas construções. Nesse sentido se estabelecem analogias, rupturas, comparações e, 

sobretudo, negações. 

94 IANNI, Otávio. A Idéia de Brasil Moderno. São Paulo: Brasiliense, 2004. 

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Outro ponto  crucial  está no acelerado  ritmo de  transformações urbanas que 

assolam  as  cidades,  que  se  tornam mais  intensas  conforme  a  burguesia  industrial 

assume  o  poder.  A  imagem  da  cidade  de  São  Paulo  vai  sendo  construída 

paulatinamente, e vai delineando sua identidade. Porém no século XIX tudo está por 

ser feito, ou seja, as tradições ainda estão sendo inventadas: 

[..]o  estranhamento  se  impunha  e  era  difuso,  envolvia  a  própria identidade da cidade. Afinal, São Paulo não era uma cidade nem de negros, nem de brancos, nem de mestiços; nem de estrangeiros, nem de  brasileiros;  nem  americana;  nem  européia;  nem  nativa;  nem industrial, apesar do volume crescente das  fábricas, nem entreposto agrícola,  apesar  da  importância  do  café;  não  era  tropical  nem subtropical; não  era  ainda moderna mas  tinha  já um passado. Essa cidade  que  brotou  súbita  e  inexplicavelmente,  como  um    colossal cogumelo  depois  da  chuva,  era  um  enigma  para  seus  próprios habitantes,  perplexos,  tentando  entendê‐la  como  podiam,  enquanto lutavam para não serem devorados. 95 

 

Revoluções na identidade nacional 

Com  a  Revolução  de  1930,  vários movimentos  voltados  para  a  questão  do 

projeto de Brasil Moderno, se  irrompem misturados aos problemas do período, tais 

como  crises  econômicas,  surtos  de  urbanização  e  industrialização,  movimentos 

sociais, messianismos  e  políticos. Nesse  período,  se  estabelecem  as  interpretações 

fundamentais  da  história  da  sociedade  brasileira,  que  através  de  correntes  de 

pensamento, adotadas por intelectuais brasileiros com formação européia, se põem a 

pensar no nacional como construção. 

Em  1930,  o  Brasil  realizou  uma  tentativa  fundamental  no sentido de entrar no  ritmo da história,  tornar‐se  contemporâneo do seu tempo, organizar‐se segundo os interesses de seus setores sociais mais avançados. Tudo o que vinha germinando antes se  torna mais explícito  e  se  desenvolve  com  a  crise  e  ruptura  simbolizadas  pela Revolução.  O  que  se  encontrava  em  esboço,  apenas  intuído,  de repente parece clarificar‐se. Foi na década de 30 que se formularam as principais  interpretações  de  Brasil  Moderno,  ‘configurando  uma compreensão mais exata do país.96  

 

95 SEVECENKO. Nicolau. Orfeu Estático na Metrópole. São Paulo: Cia das Letras, 1992. 96 IANNI. Otávio, op.cit. 

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Portanto, a raiz da formação do nacional é reconfigurada nas décadas de 20 e 

30,  tendo  em  sua  base  formadora,  a  ação  de  intelectuais  que  desenvolvem  um 

panorama de culturas nacionais, que se difundem e geram uma série de mudanças 

sociais, deslocamentos e re‐significações.  

A  tônica dessas mudanças está na negação do passado. São Paulo  torna‐se o 

cenário  ideal  para  as  novas  equações,  tanto  por  conter  em  seus  quadros  elites  de 

fazendeiros e industriais, quanto por ser a representação da modernidade.  

Várias  publicações  do  período  atestam  esse  fato,  dentre  elas,  destaca‐se, 

Retrato do Brasil, de 192897 onde a revelação dos novos  tempos e da construção do 

nacional,  será  realizada  através  de  uma  análise  que  começa  no  Brasil  Colônia  e 

aborda  a  questão  da mestiçagem  sob  uma  perspectiva  crítica,  apresentando  como 

“solução”, o “apagamento de tudo o que foi malfeito”. 98   

O Brasil será então codificado por  intelectuais que questionam a sociedade e 

estabelecem parâmetros de análise criando uma articulação histórica. A historiografia 

brasileira no período é  traçada através de uma perspectiva que está  se criando em 

São Paulo, sobretudo, pela expansão capitalista e a  industrialização crescente, como 

também pelo engajamento do aparelho estatal no desenvolvimento.  

Se  no  Brasil,  as  ciências  sociais  nascem  do  desafio  de  compreender  as 

condições  de  um  país  que  se moderniza  e  se  reinventa,  no  campo  das  artes  esse 

panorama  é  também  construído,  e  refletirá  o  desenvolvimento  de  representações, 

pautadas  por  um  imaginário  que  se  desenvolve  a  partir  das  novas  premissas  em 

pauta. A tônica do período está no fascínio pela modernidade, que por sua vez vem 

importada, junto ao ideal de renovação.  

No emaranhado dos desafios que compõem e decompõem o Brasil  como  nação,  as  produções  científicas,  filosóficas  e  artísticas podem  revelar muito mais  o  imaginário  do  que  a  história, muito menos  a  nação  real  do  que  a  ilusória. Mas  não  há  dúvida  que  a história  seria  irreconhecível  sem  o  imaginário. Alguns  segredos  da 

97 PRADO. Paulo Retrato do Brasil (Ensaio sobre a tristeza Brasileira) Duprat‐Mayença, São Paulo, 1928.  98 Idem. Ibidem. 

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sociedade  se  revelam melhor  precisamente  na  forma  pela  qual  ela aparece  na  fantasia.  Às  vezes,  a  fantasia  pode  ser  um  momento superior de realidade. 99 

 

São, portanto, as estruturas e as configurações sociais de vida que expressam 

as realidades sociais, econômicas, políticas e culturais, de acordo com cada época e 

cada  lugar. Tanto as cronologias, como as  figuras e os  feitos históricos, são marcos 

cujas  representações  constituem  a  historiografia  oficial,  recriadas  como  matrizes 

culturais. Nesse  sentido,  a  cidade  foi  pensada  sob  várias  óticas  e mudanças  nas 

formas de viver e de ver.  Buscando delinear a raiz dos movimentos que caracterizam 

as principais  configurações da vida nacional e dos marcos  culturais da  identidade. 

Dentre eles inclui‐se também um olhar sobre a cidade da perspectiva das definições 

jurídicas em consonância com o período varguista.100   

Assim,  na  interpretação  dos marcos,  dos  lugares  oficiais  da memória  e  da 

representação do nacional, as formas de compreensão do fenômeno que cria espaços 

do  lembrar,  são desenvolvidos e  reconfigurados, a partir de 1930. E  se apresentam 

como movimentos  contrários, pois,  se por um  lado busca‐se nuances de um Brasil 

pluricultural,  sobretudo nas  concepções étnicas, por outro, há uma negação dessas 

raízes, que se intensificará numa clara política, disposta à pasteurização geral, com o 

99 IANNI, 2004. Op. Cit. p.48. 100 Definições de Cidade – Na esfera jurídica, a vigente definição de “cidade” é obra do Estado Novo. Foi  o Decreto‐Lei  311, de  1938,  que  transformou  em  cidades  todas  as  sedes municipais  existentes, independentemente  de  suas  características  estruturais  e  funcionais.  Da  noite  para  o  dia,  ínfimos povoados,  ou  simples  vilarejos,  viraram  cidades. Até  1938  o  Brasil  não  teve  dispositivo  legal  que estabelecesse  diferença  entre  cidade  e  vila.  Era  costume  elevar  à  condição  de  vila,  ou  mesmo diretamente  à  condição  de  cidade,  rústicas  sedes  de  freguesia,  a  mais  antiga  unidade  territorial brasileira. E vilas e cidades surgiam até sem a prévia existência de freguesias. Tanto cidades, quanto vilas, podiam  ser  sedes de municípios. E os  limites geográficos de  sua  jurisdição eram demarcados pelos  limites das  freguesias, desde que  se  tratasse de espaço  com ocupação  consolidada. Até havia regras para que as cidades e vilas pudessem exercer suas diferentes funções, mas a decisão de criar ou elevar uma  localidade à categoria de vila, ou de cidade, não  respeitava qualquer norma.  Iniciativas estaduais de uniformização desse quadro territorial surgiram com a República, mas foi o Estado Novo que  estabeleceu as  regras de divisão  territorial que permanecem  em vigor. Cf. VEIGA,  José Eli da. Cidades  imaginárias: o Brasil é menos urbano do que se  imagina. Campinas: Autores Associados, 2002, pp.72‐92. 

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sentido  de  criar  o  pertencimento  como  uno  e  a  nação  como  um  todo. Revelando 

contradições: 

O Brasil Moderno parece um caleidoscópio de muitas épocas, formas  de  vida  e  trabalho, modos  de  ser  e  pensar. Mas  é  possível perceber  as  heranças  do  escravismo  predominando  sobre  todas  as heranças. As  comunidades  indígenas,  afro‐brasileiras  e  camponesas (essas de base cabocla e imigrante) também estão muito presentes no interior  da  formação  social  brasileira  do  século  XX.  As  culturas gaúcha, caipira, mineira, baiana, amazônica  outras, parecem lembrar ‘ciclos’  de  açúcar,  ouro,  tabaco,  gado,  borracha,  café  e  outros. Subsistem e impregnam o modo de ser urbano, burguês, moderno, da cultura brasileira, dominante e oficial. 101 

 

No Brasil Moderno, a  industrialização cada vez mais centrada em São Paulo, 

irá definir os personagens dessa nova época de formação social do brasileiro. Nesse 

panorama as discussões se estabelecem em torno do nacional, em temas como: raça, 

povo  e  nação,  preguiça  e  trabalho,  tradições  e  progressos,  industrialização  e 

agrarismo, diversidades regionais e sociedades nacionais.  

Novas  formas de  relação  entre  campo  e  cidade  se  estabelecem,  assim  como 

entre  nação,  sociedade  nacional  e  capitalismo  mundial.  Nesse  período,  a  nação 

republicana está em pleno processo de formação,  e tentará uma equivalência com o 

passado, sobretudo, na superação dos  ideais do Brasil do café.   Formador de elites, 

de  aristocracias  e,  conseqüentemente,  de  políticos,  que  promoveram  uma 

transformação  social  de  significado  estrutural,  com  repercussões  em  outras 

atividades  econômicas,  que  apesar  de  promover  construções  e  rupturas,  ainda 

sobreviverá no gosto e na configuração estética. 

 Embora a  iniciativa de padronização  cultural possa  ser observada na  trama 

das relações sociais,  no âmbito cultural transcendem os valores, padrões e modos de 

pensar,  que  se  expressam  também  na  forma  de  organização  dos  objetos.  Nesse 

sentido,  portanto,  observamos  que  a  cultura  é  feita  de  sistemas  significativos,  de 

conjuntos que articulam o passado e presente, na construção de valores e visões de 

101 IANNI, 2004. Op. Cit. p.61 

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mundo e  lugar, através da cultura as  representações  são construídas, e criam‐se as 

relações sociais: 

Uma indústria que povoa a cidade e invade o campo, provoca migrações e generaliza a luta pela terra, desenvolve as classes sociais e  recria  as  diferenças  raciais,  recobre  povoados,  vilarejos  e comunidades, dando passo ao mercado, à mercadoria, ao  lucro, aos ritmos do capital, aos princípios do contrato. Aos poucos o Brasil fica paulista, isto é, capitalista.102 

 

A questão do nacional, portanto, se estabelece em um debate sobre a cultura – 

seria a cultura dominante colocada como critério formativo da nação?   

Sim, quando  se  trata de  fatos e personagens históricos há uma  tendência da 

história ser narrada pela classe dominante que, por sua vez, estabelece critérios sobre 

o estado nacional e as identidades criadas em blocos autoritários.  

O poder político  implica  também na definição da cultura em  termos de arte.  

Se analisarmos a cultura dominante na produção  intelectual  temos claros exemplos 

do autoritarismo. Por exemplo, na época oligárquica predomina o positivismo (1889‐

1930) o evolucionismo e o darwinismo social, que depois se repagina e se reproduz 

na eugenia103, nas estéticas totalitárias e nos métodos de coerção do industrialismo.  

Por  isso,  é  inconteste  a  influência  dos  blocos  de  poder  na  composição  das 

forças sociais e produções culturais.  

No  Estado  Novo,  o  controle  do  sistema  educacional,  através  da  indústria 

cultural,  foi dominante  e  revelou  elementos alinhados a uma  idéia  totalizadora de 

arte e cultura. 

[...]  a  indústria  cultural  coloca  a  imitação  como  estilo  [...]  Falar  em cultura  sempre  foi  contrário  a  cultura.  O  denominador  comum cultura,  já  contém  a  catalogação  e  a  classificação  que  introduz  a cultura no domínio da administração. Só a subsunção industrializada e conseqüente é inteiramente adequada a esse conceito de cultura. Ao subordinar  da  mesma  maneira  todos  os  setores  da  produção espiritual até esse fim único: ocupar os sentidos dos homens na saída 

102 IANNI, 2004. Op. Cit p.175. 103  Eugenia,  o  termo  refere‐se  a  uma  concepção  cientificista  (1876),  anterior  a  genética,  de  caráter racista, que estabeleceu critérios para questões de conceitos raciais, de  “purificação de sangue” até as chamadas eugenias ambientais, como: saneamento básico, sanitarismo, bacteriologia etc.  

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das fábricas, à noitinha, até a chegada do relógio do ponto, na manhã seguinte,  com  o  selo da  tarefa  em  que devem  se  ocupar durante  o dia.104 

 

Os  movimentos  de  integração  de  um  país  tão  vasto  e  com  culturas  tão 

diversificadas foram acontecendo ao longo do século XIX e XX.  São vários os fatores 

que  delineiam  a  configuração  do  Brasil  e  lhe  dão  uma  face.  Enfocamos  os 

movimentos a partir da Revolução de 30 e dos  ingredientes  regionais, e  também a 

revolução constitucionalista de 32, organizada por setores dominantes paulistas, com 

falas separatistas e a queima das bandeiras estaduais pelos governos da ditadura do 

Estado Novo. Sendo fato que, a Revolução de 30   teve sua mola propulsora no  jogo 

de  forças  estaduais  para  redimensionar  influências.  E  foi  nesse  âmbito  que  as 

diversidades  e desigualdades  regionais  se  acentuaram  e  recriaram  forças  sociais  e 

econômicas,  justamente  no  projeto  de  homogeneização  dos  estados  nacionais. As 

linhas  políticas  dos  governos  republicanos  tomaram  conta  dos  interesses  que 

predominavam  no  centro‐sul,  mas  sempre  levando  em  conta  os  interesses 

oligárquicos regionais.  

O projeto de nação nos anos 30 ganhou contornos de unidade, mais  isso  foi 

uma fabricação, posto que, por mais que o Brasil esteja simbolizado na língua, hino, 

bandeira, moeda, mercado, Constituição, história,  santos, heróis  e monumentos, as 

diferenças regionais são múltiplas.  

Nesse  sentido,  considerando  os  derivados  dessa  trajetória  ideológica 

constatamos que, a idéia de nação e suas representações têm dois momentos:  

1. No século XIX com a chamada “invenção  das tradições”:  Nesse momento, 

a  história  brasileira  se  ergue  dentro  de  um  clima  cultural‐nacional,  com 

configurações  diferentes,  mas  que  permaneceu  até  o  século  XX,  sustentado  por 

processos de heroização. 

104 ADORNO, op.cit. p.53 

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2. No processo de recriação do nacional nos anos 30‐40:   onde o modernismo 

rompe com as estéticas dominantes e o Estado Novo se apropria desse momento para 

a reconfiguração do nacional.  

Em  ambas  as  fases,  observamos  que  as  mitologias  se  pretendem  como 

verdades. Nesse  sentido, percebe‐se que o olhar do  século XX  sobre  a  cultura dos 

oitocentos, vista sob as perspectivas do racionalismo, foi definidora da formação de 

um ideário nacionalista: 

O olhar projetado pelo século XX sobre a cultura do período que  o  antecedeu,  seja  ele  “acadêmico”  ou  “moderno”  via,  quase sempre,  através de  óculos nacionalistas[...] Trata‐se de uma  espécie de curto‐circuito,  já que muito da arte do século passado contribuiu para a  formação dessa mitologia histórica brasileira. O  recuo diante das identidades, ou “raízes”, ilusórias que nossa história criou torna‐se,  desse  modo,  fundamental  para  a  compreensão  da  arte  desse período  [...].  Porque,  ao  invés  de  sermos  moídos  pelos  próprios mecanismos interpretativos que essa arte contribuiu para montar, nós podemos,  ao  contrário,  nos  perguntar  quais  são  esses mecanismos, quais as peças que os compõem, de que modo eles agiram em nosso meio cultural, inventando tradições, fazendo palpitar um sentimento de  pátria,  escondendo  por  aí  as  diferenças   sociais  e  humanas, tecendo as teias de um imaginário tão lindo e confortável.105 

 

A década de 30 foi marcada por uma espécie de redescobrimento do Brasil. A 

constituição  de  34  instituiu mudanças  no  panorama  cultural,  criando  instituições. 

Também  na  década  de  30  criou‐se  uma  busca  identitária,  embasada  na  cultura 

popular. A  fabricação do nacional,  a partir desse momento  terá uma  configuração 

delineada,  que  se  estrutura  num  aproveitamento  do  conteúdo  simbólico  do 

nacionalismo e institui a “unificação” do nacional como programa do Estado Novo.  

Sendo  que,  os  símbolos  e  rituais  foram  fatores  decisivos  na  criação  da 

identidade nacional, pois a idéia de nação como forma de comunidade, implica tanto 

a semelhança entre seus membros, quanto a diferença em relação aos estranhos.  As 

questões sobre a  identidade nacional e aspectos do nacionalismo, que se estruturou 

via  autoritarismo  na  Era  Vargas,  reestabeleceu  noções  tradicionais  de  hierarquia 

105 COLI, Jorge. O que é Arte? São Paulo: Brasiliense, 2003. 

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aliadas  a  noções  corporativistas  e  centralização do poder,  criou uma  concentração 

nacional que visava liquidar com todas as formas de diferenças regionais.  

Nessa  época  conturbada  e  de  grandes  contrastes,  o  Brasil  é  marcado  por 

revoluções  e mudanças  nos  paradigmas.   Mas  foi  através  da  concepção  de  uma 

identidade  coletiva,  construída  a  partir  da  ação  do  Estado,  pautada  por  ações 

chamadas de    “projetos  civilizatórios”,  que  a memória  coletiva da  nação  adquiriu 

novos contornos e se fortaleceu vinculada a um processo de recuperação da história e 

na definição de uma “estética brasileira”.   

Esse fator tem suas raízes fincadas no futurismo106   reinterpretado pelas duas 

vertentes de caráter nacional das chamadas vanguardas. Nessa esfera, era   nítido o 

desejo de modernidade nacional que envolvia a questão da produção cultural e que 

entrelaçava  os  nacionalismos  culturais  e  políticos.  Por  isso,  nesse  panorama  da 

construção da  identidade nacional,   não  é possível  falar  em uma única  identidade 

nacional,  embora  fosse  esse  o  projeto  do  Estado  Novo;  dessa  forma  também  se 

constatou que os modernismos e nacionalismos são múltiplos. 

Porém,  os  anos  30  revelam  uma  sociedade  de  grandes  precariedades  que 

conflitam diretamente com esse  ideal de modernidade que pontua os  interesses em 

jogo. A ação nacionalista da Era Vargas estruturou o Estado Novo  integrada a um 

nacionalismo  cultural  e  se  alinhou  com  os modernistas  no  sentido  de  formar  um 

“novo povo brasileiro”. As medidas utilizadas para essa finalidade foram chamadas 

de medidas disciplinadoras e construíram uma pedagogia nacional. 

Mas,  o  que  vem  a  ser  o  nacional  na  cultura  brasileira?  O  que  deve  ser 

entendido como uma estética brasileira? 

Para  entender  a  cultura  brasileira  ou  precisar  uma  idéia  de  nacional,  a 

periodização  deve  ser  um  guia,  pois  as  transformações  ocorrem  em  diferentes 

106  Futurismo:  corrente  oriunda  do Manifesto  Futurista,  de  autoria  de  Fillipo  Tommaso Marinetti, publicado  pelo  jornal  parisiense  Le  Figaro  em  20  de  fevereiro  de  1909.  Os  principais  pontos defendidos  pelo  Manifesto  eram  a  ʺanticulturaʺ  (contra  erudição),  o  ʺantimuseuʺ  (contra  o passadismo)  e  a  ʺantilógicaʺ  (contra visão positivista do  século XIX). Defendia‐se ainda o  ʺculto ao modernoʺ, valorizando‐se a técnica, a máquina, a velocidade, a imaginação e a liberdade das palavras.  

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períodos e diferentes moldes. Se no século XIX o romantismo no Brasil é uma forma 

de olhar é  também uma  forma de unificar a elite, essa mesma elite que através do 

modernismo criará um diálogo tenso com a tradição.  No período de 30, o que define 

o olhar do Estado é a busca de uma re‐interpretação das identidades nacionais e da 

cultura.  Os  mesmo  manifestos  que  entraram  em  moda  e  buscaram  rupturas, 

encontram  no meio do caminho um projeto,  onde suas idéias de ruptura serão úteis 

para “fabricar” o produto‐nação, pelo viés da ideologia e do projeto estético. 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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O Projeto Estético e o  Ideológico  

Buscando  um  entendimento  mais  recortado  dos  anos  30  em  São  Paulo, 

verificou‐se que, por  ser uma  cidade muito  forte na Primeira República,  a mesma 

recebeu  atenção  especial  na Era Vargas,  no  sentido de  estabelecer mecanismos de 

vigilância  e  controle  para  que  não  ocorressem  manifestos  anti‐revolucionários, 

sobretudo, por especificidades políticas e o claro anti‐varguismo que em São Paulo 

teve suas raízes e com isso, conseqüências. 

Nos  anos  30,  chamados de  “anos da  incerteza”,  como vimos,  a maioria dos 

projetos  culturais  foram alinhados  com os mecanismos  ideológicos do Estado, que 

lançou  as  bases  de  uma  reinvenção  do  nacional  através  de  políticas  culturais  e 

educativas, onde intelectuais de expressão, passaram a atuar junto aos governos.  

Na esfera da  intelectualidade encontramos diversas formações e correntes de 

pensamento:  modernistas,  positivistas,  integralistas,  católicos  e  socialistas  que 

participaram desse entrelaçamento entre cultura e política. Muitos desses intelectuais 

ocuparam  cargos‐chave na burocracia do Estado.107 A participação dessa  esfera de 

intelectuais  na  vida  nacional  respaldava‐se  na  crença  de  que  eles  eram  uma  elite 

capaz de sintonizar o país com as novas  tendências do mundo e ao mesmo  tempo 

criar elos com as manifestações da cultura popular.  

Os  artistas  e  intelectuais  tratavam  em  suas  obras  das  questões  sociais  que 

estavam na ordem do dia e participavam do debate político‐ideológico entre a direita 

e a esquerda que mobilizava o mundo. Apesar do controle e da sistemática adotada 

para  combater  os  chamados  “inimigos  do  sistema”,  não  muito  da  produção 

intelectual conseguiu escapar aos moldes coercitivos.   

107 Em 1930, o arquiteto Lúcio Costa  foi  indicado para a direção da Escola Nacional de Belas Artes. Manuel Bandeira foi convidado, em 1931, para presidir do Salão Nacional de Belas Artes. Em 1932, o escritor José Américo de Almeida assumiu a pasta da Viação e Obras Públicas. Gustavo Capanema foi nomeado em 1934, ministro da Educação e Saúde Pública, e convidou o poeta Carlos Drummond de Andrade para chefiar seu gabinete. Mário de Andrade assumiu em 1935, a direção do Departamento de Cultura da Municipalidade de São Paulo  indicou,  juntamente com Manuel Bandeira, o nome de Rodrigo  de Melo  Franco,  para  organizar  e  dirigir  o  Serviço  do  Patrimônio  Histórico  e  Artístico Nacional. 

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Porém,   muito do  que  foi produzido por  esses  intelectuais,  foi usado  como 

base para uma “re‐invenção das  tradições” no sentido de um novo alinhamento da 

idéia  de  nacional  e,  conseqüentemente,  de  um  “homem  nacional”,  como  vimos, 

dentro da idéia de criação do “novo brasileiro”. Essa questão permeou toda a esfera 

da  intelectualidade,  sendo  que  na  maioria  dos  livros  publicados  no  período, 

aprofundavam‐se  na  temática  da  cultura  em  relação  às  identidades  étnicas108.  

Através  da  literatura  e  do  romance  regionalista  fazia‐se  a  crítica  aos  valores  da 

sociedade  patriarcal  e  oligárquica  identificados  com  o  tempo  passado.  O  que 

interessava no momento era retratar a vida do homem comum das cidades.  E nesse 

sentido  buscava‐se  a  representação  do  ideal  do  brasileiro.  Posto  que  no  mesmo 

período o estrangeiro era visto com o olhar desconfiado do Estado, que via neles o 

“perigo vermelho”, e portanto, ele passa a ser vigiado e perseguido. O “elemento” 

que antes  tinha sido parte de um projeto para “apurar a raça”, dentro de  ideais de 

branqueamento”  passou  a  ser  visto  como  o  inimigo  próximo,  o  elemento 

disseminador de “desordens”. 

O  debate  intelectual  e  político  visava  buscar  e  interpretar  a  questão  das 

“identidades”  que melhor definiria  as  questões  acerca da nacionalidade  brasileira. 

Ao mesmo tempo em que no país se promovia uma verdadeira caça aos comunistas e 

anarquistas  e  todas  as manifestações que  se pusessem  contrárias  aos  interesses da 

esfera do poder. Muitos intelectuais se posicionavam de forma discretamente oposta, 

mesmo atuando dentro dessas esferas do poder.109 

108 Nesse  período, Gilberto  Freyre  publicou Casa Grande  e  Senzala  (1933)  obra  que modificava  o enfoque da questão das raças formadoras do país e fazia a defesa da colonização portuguesa, expressa na idéia da democracia racial. Caio Prado Jr. escreveu Evolução política do Brasil, livro de orientação marxista que enfatizava a participação das camadas populares na história nacional. Em 1936, Sérgio Buarque de Holanda publicou Raízes do Brasil. Nessa obra o autor se contrapunha a Gilberto Freire ao ressaltar a necessidade de o país superar as raízes culturais portuguesas como condição para entrar na modernidade. 109 Dentre vários exemplos, destacam‐se, além da sociedade nordestina retratada por Gilberto Freyre, os textos de Cassiano Ricardo em defesa da sociedade bandeirante como modelo para a democracia brasileira. Alceu Amoroso Lima, por  sua vez, apontava na  sociedade mineira  traços do  espírito de família e de religiosidade que seriam os verdadeiros valores da civilização brasileira. Entre outros que dividiam conciliavam pesquisas e interesses. (notas de aula de Elias Saliba – Nacionalismos) 

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No mesmo período, o   mecanismo de controle das  imagens e publicações se 

dava  através  dos  departamentos  de  censura,  dos  órgãos  fiscalizadores,  censores  e 

difusores das imagens e ideologias do governo.   

Esse aparato reunia remanescentes do modernismo conservador representado 

pela  corrente dos verde‐amarelistas, posteriormente  chamado  Integralista110. Grupo 

esse que participou da política cultural do governo, e delineou projetos autoritários 

com uma verve de nacionalismo acirrado e um ideal de brasilidade.  

O projeto  autoritário  também  visava  o  controle dos meios de  comunicação, 

garantindo assim,  tanto quanto possível, a homogeneidade cultural. A  ideologia do 

regime era transmitida através do rádio, dos jornais nacionais, passando pelo teatro, 

pela música, pelo  cinema,  e marcando presença  até  nos  carnavais,  festas  cívicas  e 

populares  e  em grande profusão na difusão de  imagens  em periódicos  e  cartazes. 

Nesse  período  vários  jornais  e  revistas  tornaram‐se  os  porta‐vozes  do  regime  e 

contavam com a colaboração de intelectuais das mais diversas correntes. Buscava‐se 

construir a imagem de uma verdadeira simbiose entre o governo e os intelectuais,  e 

o  fortalecimento  de  padrões  de  comportamento  e  valores  desejáveis  através  de 

medidas mascaradas, que  tinham como objetivo popularizar a  imagem de Vargas e 

incentivar as manifestações cívicas.   O povo era então, considerado uma espécie de 

matéria bruta, a ser conformado pelo saber das elites, coadunado com uma política 

de coerção. Baseado nesse raciocínio, o governo justificava seu controle e fiscalização 

sobre  as mais  diversas  expressões  culturais. Até mesmo  a  linguagem  popular  era 

alvo desse tipo de controle. [imagens 46, 50 e 51: pp. 181, 182 e 183] 

Com o auxílio do Ministério da Educação e do Departamento de Imprensa e 

Propaganda  (DIP),  o  regime  autoritário  do  Estado  Novo  articulou  estratégia  de 

110 O Integralismo ou Ação Integralista Brasileira (AIB), foi criada em 1932, movimento  inspirado no fascismo  italiano que defendia um  ideário nacionalista, antiliberal  e anti‐semita. A AIB  tinha  como chefe nacional Plínio Salgado e possuía seções em diversos estados do país, congregando elementos das  camadas  médias  urbanas  como  intelectuais,  em  sua  maioria  católicos,  profissionais  liberais, funcionários públicos e militares. Seu  lema era  ʺDeus, Pátria e Famíliaʺ, e seus principais  ideólogos eram Plínio Salgado, Gustavo Barroso e Miguel Reale. Cf. FAUSTO, Boris, Op. Cit.  

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atuação  na  área  cultural,  voltada  tanto  para  as  elites  intelectuais  como  para  as 

camadas populares. Ao mesmo  tempo  em que  incentivava  a pesquisa  e  a  reflexão 

conduzidas  pelos  intelectuais  reunidos  no  ministério  chefiado  por  Gustavo 

Capanema,  o  governo  estabelecia,  via  DIP,  uma  rígida  política  de  vigilância  em 

relação  às  manifestações  culturais,  sobretudo  da  cultura  popular.  Essa  estrutura 

altamente  centralizada  permitia  ao  governo  exercer  o  controle  da  informação, 

assegurando‐lhe  o  domínio  da  vida  cultural  do  país.  O  DIP  costumava  realizar 

concursos de monografias  e  reportagens  sobre  temas nacionais. Foi através de  seu 

setor de divulgação que  se  editaram várias  coleções. Para divulgar  essas obras  foi 

criada  uma  rede  de  bibliotecas  em  escolas,  quartéis,  hospitais  e  sindicatos.  A 

centralização  informativa era apresentada como  fator de modernidade e  justificada 

pelos princípios de agilidade, eficiência e racionalidade.   

Devido  à  importância  de  suas  funções,  esse  departamento,  acabou  se 

transformando  numa  espécie  de  ʺsuperministérioʺ. Cabia‐lhe  exercer  a  censura  às 

diversões públicas, antes de responsabilidade da polícia civil. Também os serviços de 

publicidade e propaganda dos ministérios, departamentos e órgãos da administração 

pública passaram à responsabilidade desse departamento.    

Cabe nesse sentido um pequeno recorte sobre a questão do patrimônio, e um 

outro departamento criado no período, o  Serviço de Patrimônio Nacional, que tinha 

claramente  a  função  de  representar  simbolicamente  a  identidade  e  a memória  da 

nação. Reunindo um  conjunto de bens que  representavam a  comunidade nacional: 

relíquias, monumentos, cidades históricas entre outros. Em 1936, Mário de Andrade 

foi  solicitado  a  preparar  a  criação  de  uma  instituição  nacional  de  proteção  do 

patrimônio.  Foi  esse  o  documento  usado  nas  discussões  preliminares  sobre  a 

estrutura e os objetivos do SPAN, posteriormente SPHAN, criado afinal por decreto 

presidencial assinado em 30 de novembro de 1937. O decreto de criação do SPHAN 

definia o patrimônio histórico e artístico nacional como ʺo conjunto de bens móveis e 

imóveis existentes no país e cuja conservação seja do interesse público quer por sua 

vinculação a fatos memoráveis da História do Brasil, quer por seu excepcional valor 

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arqueológico ou  etnográfico, bibliográfico ou artísticoʺ. Eram  também  classificados 

como  patrimônio  ʺmonumentos  naturais,  bem  como  sítios  e  paisagens  que  eram 

“importantes”, de se conservar e proteger pela feição notável com que tenham sido 

dotados pela natureza ou agenciados pela indústria humanaʺ.  

O projeto original de Mário de Andrade  recebeu modificações  significativas 

trazidas pela orientação de Rodrigo Melo Franco de Andrade ao  longo dos 30 anos 

esteve à frente do SPHAN. Durante esse período o SPHAN norteou sua política pelas 

noções  de  ʺtradiçãoʺ  e  de  ʺcivilizaçãoʺ,  dando  especial  ênfase  à  relação  com  o 

passado. Os bens culturais classificados como patrimônio deveriam fazer a mediação 

entre os heróis nacionais, os personagens históricos, os brasileiros de ontem e os de 

hoje.  No  projeto  delineado  para  a  nação,  contudo,  tinha  um  lugar  reservado  à 

memória popular e a memória erudita, e para cada qual, um  livro diferenciado em 

setores competentes.   Mas as diferenças se estabeleciam  também na  legitimação da 

arte popular . Diferenças claras, sendo que a arte popular era considerada uma “arte 

menor”.  Essa  apropriação  do  passado  era  concebida  como  um  instrumento  para 

educar a população a respeito da unidade e permanência da nação.  

Ao longo das décadas em que Rodrigo Melo Franco de Andrade e seu grupo 

estiveram à  frente do SPHAN, os  tombamentos  incidiram majoritariamente sobre a 

arte  e  a  arquitetura  barrocas  concentradas  em Minas  Gerais,  principalmente  nos 

monumentos  religiosos  católicos.  Esse  é  um  dado  muito  importante.  Estudar  a 

trajetória do atual  IPHAN, pode revelar muito das histórias e do patrimônio que o 

Brasil esqueceu. 

Nesse sentido, cabe um parêntese, pois sabemos que a história da  instituição 

voltada à conservação do patrimônio brasileiro, através do projeto de criação desse 

Serviço de Patrimônio Nacional, apesar de ter sido um projeto muito válido, teve em 

sua  trajetória  várias  fases  e  usos,  sendo  que,  na  fase  chamada  de  “construção  do 

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orgulho nacional”, voltou‐se para a projeção e o espelhamento das  feições de uma 

civilização particular para a nação.111    

Fica evidente, portanto, que o Estado Novo através do Plano Cultural tinha a 

intenção  de  reformas  e  visava  a  criação  de  identidades  impostas,  nesses  setores. 

Onde, ao mesmo tempo em que eliminava os símbolos regionais,  unificando o país 

na esfera  simbólica, buscava a  criação ou  construção, de uma  simbologia nacional, 

sendo  que  as diferenças  eram pasteurizadas  ou  então  compunham  o mosaico das 

“brasilidades convenientes”. 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

111 MARIANI, Alayde. A memória Popular no Registro do patrimônio. Revista do IPHAN n. 28, 1999.  

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Modernistas e Nacionalistas 

Como vimos, a representação de nação foi, quase sempre, pautada pelo olhar 

estrangeiro, mesmo que fosse para estabelecer diferenças. Embora não houvesse uma 

unidade  cultural  nem  lingüística  e  nem  religiosa  no  Brasil,  as  identidades  foram 

gestadas  em  cima  do  todo,  na  categoria  das  tradições  inventadas  que  criava  uma 

pseudo‐hegemonia cultural.  

 Mas, fora dos padrões estabelecidos, quais eram realmente os elos que uniam 

a  nação? No  recorte  brasileiro,  o  que  se  destaca,  é  a  interpretação  dos  contrastes, 

presentes  nas  mais  diversas  regiões,  ou  nas  chamadas  belezas  tropicais.  No 

nacionalismo dissolvido, o território foi traçado por interesses comerciais e políticos. 

Nesse  sentido,  o  olhar  para  dentro,  no  binômio memória/esquecimento  pode  ser 

revelador. A nação  e  sua  iconografia  revelam que a arte no Brasil  se  estrutura  em 

sintonia  com  o  estrangeiro  em  sua  raiz  formadora  e  busca  o  olhar  de  fora  como 

legitimador, inclusive dos seus contrastes, pois o paradigma se estabelece justamente 

na  diferença.  Porém,  para  entender  esse  processo  temos  que  desconstruir  os 

elementos  da  história.  A  transformação  da  imagem  da  cidade  será  um  processo 

intensificado  e  justificado  pela  necessidade  de  representar  a  liderança  do 

desenvolvimento  nacional,  posto  que  era  urgente  a  construção  dessa  imagem  de 

metrópole, de lugar de tecnologias e de modernidades.   

O  “ajuste  do  relógio112”,  portanto,  estava  na  configuração  da  imagem  da 

cidade futurista. É a “Nova São Paulo”, industrial e ordenada que vai surgir através 

da  propaganda,  dos  projetos  urbanísticos  e  da  representação  oficial.  Recorta‐se  a 

questão da produção da identidade perpassando pelo imaginário.  

Nesse  período,  que  é  também  um  período  onde  a  indústria  cultural  se 

estrutura, veicula essa  representação da  cidade moderna. As  imagens urbanas  são, 

portanto, signos da cidade e atuam como mediadoras do conhecimento, pois através 

delas se estabelecem memórias. [imagens 49 e 53: pp. 182 e 183] 

112 Expressão de Mário de Andrade em Paulicéia Desvairada.[apud Cf. Arantes, Otília. Op. Cit. 

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A arte pela vertente historiográfica 

A    corrente  historiográfica  tradicional  sempre  privilegiou  as  fontes  escritas 

como documento,  e de  certa  forma  não  se  ateve  a  questões da  sociologia da  arte, 

posto  que  se  estruturou  apenas  na  cultura  escrita.  O  documento  iconográfico, 

geralmente,  era  desprovido  de  valor  documental,  visto  apenas  como  “ilustração”. 

Porém,  a  arte  como documento  e  referência  social, presentes  na  arquitetura  e  nas 

artes  figurativas, pode  ser  surpreendente,  considerando que a análise das  estéticas 

pode “significar” tempos, modos de vida e de mentalidades.   

Verificamos que o descompasso entre o modernismo e a arquitetura, no início 

do século XX, já revelavam uma sociedade que buscava rupturas, como as ocorridas 

na  literatura  e  na  expressão  simbólica,  mas  ao  mesmo  tempo  tinham  na 

representação do espaço o predomínio da tradição.  

Dentro  dessa  análise,  das  tradições  e  rupturas,  outro  aspecto  que  merece 

reflexão está na posição social dos artistas na sociedade do período, que revela tanto 

o grupo produtor da obra de arte como a situação individual do artista nesse grupo. 

Ou seja, o artista é um tipo social que ocupa um lugar na sociedade.  

A  obra  reconhecida  perpassa  pelo  status  social  do  artista  ou  do  que  ele 

representa.  Portanto,  o  mecenas  e  o  aficionado  também  tinham  um  papel 

preponderante  na  definição  das  tendências  e  estilo,  sobretudo,  ao  que  estava 

relacionado  ao  gosto  e  ao mercado  da  época.  Entretanto,  não  podemos  deixar  de 

considerar  o  fato  de  que  a  arte  também  pode  se  tornar  autônoma,  desvinculada 

dessas “padronizações”.  

De acordo com Bachelard “a arte quando se torna autônoma, ou seja, quando 

assume um novo ponto de partida [...] é uma reduplicação da vida”. Dessa forma, o 

espaço  percebido  pela  imaginação  não  pode  ser  o  espaço  indiferente  entregue  à 

mensuração e à reflexão dos projetos idealizados, pois trata‐se de um espaço vivido, 

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com  todas  as  parcialidades  da  imaginação,  onde  as  lembranças  como  também  os 

esquecimentos estão alojados.113 

Para se analisar os aspectos estéticos das obras de artes é importante perceber 

a confluência da memória expressa na relação do artista com o passado, posto que, os 

elementos  que  compõem  a  criação  da  imagem  revelam  na  cultura  visual  as 

referências que são dotadas de significados sobre as coisas. Se o artista não escapa ao 

modelo político e nem ao  ideológico, é porque ele está  inserido no contexto social.  

Por  outro  lado,  se  a  estética  da  arte  modernista,  assume  contornos  de  maior 

compromisso  com  temas  sociais  e  experimentação  artística,  ela  revela  o  ser  na 

diferença, porém tende a uma representação do espaço convencional. Considerando 

que no primeiro momento do modernismo (anos 20), a busca foi por uma renovação 

nas artes nacionais, vista como a superação do academismo chamado de passadismo, 

nesse mesmo período a arte se restringiu ao universo da figuração e da literatura. Por 

exemplo, os artistas que participaram do primeiro movimento modernista, marcado 

pela  Semana  da Arte Moderna  de  1922,  ainda  estavam  elaborando  a  questão  da 

ruptura que se principiou na esfera  literária. Porém, o conservadorismo estético da 

Missão Francesa114 refreava a eclosão de uma arte com contornos “nacionais”. Mas, 

paulatinamente, essa questão irá se alargar na busca de uma simbologia própria e na 

ruptura de paradigmas, através da necessidade de delinear as diferenças.  

Mas,  a  incorporação  de  novos  procedimentos  e práticas  artísticas de  outras 

culturas não poderiam significar submissão e comprometer os projetos de identidade 

nacional.  Por  isso,  a  necessidade  da  busca  de  contornos  identitários  “mais 

brasileiros”  nas  formas  de  representação,  começa  com  um  viés  marcadamente 

nacionalista,  tais  como:  Movimento  Pau  Brasil,  Movimento  Antropófago,  Verde‐

amarelismo, Movimento Anta, Integralismo etc., que, por sua vez será reforçado em 

30,   estabelecendo um debate sobre o nacional popular.   Também, nesse período, se 

evidencia  a presença da paisagem  e do homem brasileiros. De  acordo  com Carlos 

113 BACHELARD, Gaston. A poética do espaço. São Paulo Martins Fontes, 1993. 114 MISSÃO FRANCESA. Cf. Zanini. Op. Cit.  

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Zilio115  “a  arte  brasileira  sistematiza uma posição  em  relação  à  cultura  brasileira”. 

[imagens 22, 23 e 24: p. 173] 

Dessa  forma, a  temática do popular  e do nacional,  se  tornam uma presença 

constante na trajetória epistemológica da noção de cultura,  presentes na história da 

cultura brasileira. A busca da essência brasileira,  sobre o que é nacional, define‐se, 

segundo Renato Ortiz, “como a conservação daquilo que é nosso,  isto é, a memória 

nacional  seria  um  prolongamento  da  memória  coletiva  popular.”116  A  memória 

nacional entendida como história que está além do sujeito, pois não se concretiza no 

seu cotidiano, e a memória coletiva como sendo da ordem da vivência.  

Na segunda fase do modernismo, os artistas buscavam representar suas obras 

apropriando‐se das práticas populares e apresentado‐as como expressões da cultura 

nacional, mas sempre no espaço do  indivíduo. Ou seja, o modernismo brasileiro se 

volta  a um movimento  social  e  aos problemas  sócio‐políticos  e  se  estrutura numa 

figuração de cunho mais social, onde o papel da imagem tem um poder central.  

O Modernismo  então  promoveu  uma  re‐interpretação  da  identidade  e  da 

cultura nacional, pois se a principal característica do modernismo foi a ruptura com a 

tradição, esse fato se revela nos manifestos que querem romper com quase todas as 

concepções anteriores de Brasil, por outro lado, os modernistas não querem formular 

uma  imagem  de  Brasil  que  não  fosse  tributária  aos  seus  trabalhos.  Por  isso  eles 

buscam  compreender  a  “brasilidade”  através  de  um  mergulho  na  realidade. 

Estabelecendo  assim  uma  concepção  do  nacional  cuja  tônica  também  pode  ser 

resumida  em:  “Para  atingir  o  ideal  de  nacionalidade  basta  conquistar  o  que  não 

temos. “ 

Nesse  sentido,  os  modernistas  pensavam  que  bastava  encontrar  algo  que 

distinguisse  e  particularizasse  o  Brasil.  Dentro  dessa  busca,  se  estabelecem  dois 

olhares,  do modernismo para a modernidade: o primeiro que buscava ser moderno e 

o  segundo  que  buscava  ser  brasileiro.  Dessa  forma,  os  olhares  modernistas  se  115 ZILIO, Carlos. A querela do Brasil: a questão da identidade da arte brasileira: a obra de Tarsila, Di Cavalcanti e Portinari. Rio de Janeiro: Relume‐Dumará, 1997. 116 ORTIZ, Renato. Cultura Brasileira e Identidade Nacional. São Paulo: Brasiliense, 1998. 

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afastam  da  concepção  da  identidade  brasileira  vigente, mergulhando  no  passado 

para revisar a história e buscar um outro olhar. Olhar esse que acabou por suavizar 

(mesmo  que  superficialmente),  o  peso  da  compreensão  racista  e  determinista, 

característica mais evidente no Brasil do período, no que se referia à nacionalidade. 

[imagens 27, 54, 55 e 64: pp. 174, 184 e 187] 

 

A leitura da cidade por outros olhares 

  A  cidade  é  vista  de  diferentes  maneiras,  mas  dentro  da  referência 

determinante,  da  construção  das  memórias  oficiais,  faz‐se  necessária  uma  breve 

incursão  sobre  o  que  pensavam  os  legisladores,  os  políticos,  os  urbanistas,  os 

arquitetos e os construtores da cidade na década de 30.   Embora não seja o objetivo 

dessa pesquisa, mesmo assim faz‐se necessária uma reflexão sobre a importância da 

cidade sob a perspectiva administrativa, pois esses aspectos irão refletir diretamente 

sobre a questão do patrimônio cultural.   

A  exemplo  dos  diferentes  olhares,  podemos  perceber  que  há  um  leque 

bastante  diversificado  nas  esferas  de  poder.  Por  exemplo,  os  juristas  brasileiros 

olham  para  a  cidade  a  partir  da  perspectiva  do  lote  privado  quando  muito, 

justificavam  a  aplicação  de  algumas  restrições  administrativas  ao  exercício  da 

propriedade  urbana,  culminando  num  processo  de  reforma  jurídica  que  começa, 

justamente, na década de 1930117.   Os conceitos de herança cultural e o princípio de 

função social da propriedade, referem‐se à parcela desse patrimônio apropriado por 

um determinado segmento cultural que passa a ter para a sociedade um significado. 

Por  isso  a  cidade  de  30    em  sua  transição  e  na  definição  de  uma  face  e  na 

consolidação dos mitos, revela  os discursos da época através do estudo das imagens 

e  também da  arte pública  e nesse  sentido,  também dos processos de urbanização, 

sobretudo  os  que  visavam    o  “embelezamento”    da  cidade  e  da  criação  de  uma 

estética alinhada aos interesses vigentes.  Considerando que produção dos discursos 

117 Cf. ROLNIK, Raquel. São Paulo. São Paulo: Publifolha, 2003. 

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institui uma memória dominante  regida por uma  lógica de progresso,  as  imagens 

escolhidas para  ser o  cartão de visitas da  cidade, ou melhor,  as  representações da 

“chegada do progresso”, visam o resgate das tradições em que se nota um ferrenho 

regionalismo, que produz imagens com a finalidade de estabelecer marcos.  

Através  da  análise  de  conjuntos  iconográficos  compostos  por  retratos, 

paisagens, cenas urbanas, alegorias realizadas para festas públicas, esculturas, dentre 

outros,  evidencia‐se  como  o  caráter  das  representações  se  diversificava  naquele 

momento.   Nas  representações  do  período,  as  imagens  da  cidade  se  estabelecem 

como  uma  categoria  do  fenômeno  urbano,  e  o  espaço  urbano  torna‐se  um  dos 

suportes da memória social da cidade.  

Na  leitura  da  cidade,  as  identidades  impressas  nas  experiências  estéticas 

requerem reflexão. Nesse panorama, o artista  traduz a dimensão de seu  tempo. As 

artes da cidade traduzem o indizível, revelando sutilezas de nossa cultura e nela as 

identidades  impressas. No grande momento da modernidade  as  tensões  tendem  a 

ser  compreendidas  como  construções  históricas  –  conscientes  ou  inconscientes  – 

através de um projeto político que condiciona o pensamento: 

A  modernidade  latino  americana  é  uma  adaptação antropofágica dos modelos europeus que começou na colônia como um  anti‐mecanismo  de  dominação  e  depois  se  transformou  em mecanismo de hegemonia. A arte latino americana é uma arte que se safa  (escapa)  do  modelo  e  se  desloca,  fica  diferente.  Essa  é  uma característica  da  arte  latino  americana,  sempre. Nós  somos  sempre excluídos.118  

 

O modelo de identidade como construção histórica é muito interessante, posto 

que as cidades são reveladoras, são o palco das mudanças históricas, nelas o que se 

preserva  ou  o  que  se modifica,  são  referências para  entender  seus habitantes  e  as 

mudanças  históricas  que  se  perpetraram.  Sendo  que,  a  possibilidade  de 

entendimento das raízes que originam nossa cultura e os entremeios que a dissolvem 

podem ser dimensionados através da arte. 

118 ESCOBAR, Tício. A  resistência da  arte nos  tempos  globais Palestra proferida  no  Seminário da ABCA – Associação Brasileira de Críticos de Arte em 28/09/2004. 

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A arte é uma realidade social. A sociedade precisa do artista, este  supremo  feiticeiro,  e  tem  o  direito  de  pedir‐lhe  que  ele  seja consciente de sua função social. Mesmo o mais subjetivo dos artistas trabalha  em  favor  da  sociedade.  Pelo  simples  fato  de  descrever sentimentos,  relações  e  condições  que  não  haviam  sido  descritos anteriormente  [...],  representa um  impulso na direção de uma nova comunidade cheia de diferenças e  tensões, na qual a voz  individual não se perde em uma vasta unissonância.119 

 

Nas  formas  representacionais  da  cidade,  buscou‐se  delinear  um  universo 

criado  por  imagens,  visando  identificar  a  construção  de  significados.  O 

aprofundamento  se  estabeleceu na análise da  representação da  cidade, verificando 

que a iconografia urbana impõe uma extraordinária variação de sentidos.  

A idéia de nação e de produção cultural foram princípios para a compreensão 

da  elaboração  da  metrópole,  que  como  vimos,  nasce  permeada  de  identidades 

criadas para uma idéia de modernização – ou seja de progresso e todos outros clichês 

que  permeiam  a  “invenção  das  tradições”  no  universo  paulista.  O  período  em 

questão  é marcado por  vários  acontecimentos  significativos,  como  o  aparecimento 

das inovações tecnológicas, que repercutiram não só no cotidiano das pessoas, como 

também no  campo das artes. Com a  introdução das mudanças  tecnológicas, muito 

semelhante a que estamos vivendo atualmente, os anos 30 vivenciaram a difusão das 

facilidades  da  “vida  moderna”  e  os  avanços  tecnológicos  da  época  que  têm  na 

imagem difundida em sua força legitimadora: 

A cultura de massas dos anos 30 permeou‐se na intimidade da vida  cotidiana  como  nunca  havia  acontecido  em  processos civilizatórios  anteriores,  provocando  um  grande  deslocamento  na forma  de  conceber  as  artes  visuais  até  então.  Sendo  que  a representação  tornou‐se  mais  importante  que  a  experiência  e  a realidade  começou  a  ser  vista  pela  ótica  legitimadora  da  imagem registrada.120   

 

 

119 FISHER ERNEST. A necessidade da arte, pp. 56‐57 120 BECHARA FILHO, Gabriel.  Imagem e Sociedade nos anos 30. Conc.  João Pessoa, v.5, n7, p‐188 Jan/jun.2002 

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Moderna, Nacional e Estrangeira 

O  repertório  de  imagens  de  São  Paulo,  na  década  de  30,  foi  justamente 

construído  nesse  processo  da  grande  urbanização  e  representou  o  imaginário 

regionalista que elegeu São Paulo como o cartão de visitas do Brasil.121   

Os beneficiários e artífices desse processo de urbanização enxergavam a nova 

cidade  como  reflexo  de  seu  imaginário.  Por  isso,  toda  a  produção  dos  discursos 

instituiu uma memória dominante, regida por uma lógica de progresso. As imagens 

escolhidas , ou melhor,  as representações da “chegada do progresso” resgatam essas 

tradições.  

A partir desse processo, uma profusão   de monumentos  serão  erigidos pela 

cidade  com o propósito de  reforçar os mitos. Assim  como os  edifícios  serão  como 

metáforas do crescimento da cidade, com destaque para a verticalização que aparece 

valorizada  como  referência  de  crescimento,  como  por  exemplo,  na  divulgação 

promovida  acerca da  inauguração do  edifício Martinelli122,  e  também das questões 

envolvidas na busca de uma imagem de metrópole. [imagens 21, 22, 27: pp. 172, 173 e 174] 

Nessa pesquisa,  a  cidade do  olhar  se  volta para  aspectos da  vida urbana  e 

busca resgatar uma cidade humanizada, em meio às máquinas e o “rolo compressor 

do  Estado”.  É  esse  olhar  que  vai  buscar  o  desvelamento  da  paisagem  urbana, 

procurando nesses espaços da memória, os lugares das memórias encobertas.123 

121   SCHPUN RAISA, Mônica. Luzes e Sombras: São Paulo na obra de Mário de Andrade. Artigo originalmente publicado em Rivista di Studi Portoghese i brasiliani II Pisa/Roma. Instituti  Editoriali e Poligrafici Internazionali, 2000, p.105‐123. 122 Edifício Martinelli inaugurado em 1929. O Edifício Martinelli, foi o primeiro arranha‐céu da cidade de São Paulo, além de ter sido o prédio mais alto da América Latina no final da década de 1920. O seu proprietário  chamava‐se  Giuseppe  Martinelli,  imigrante  italiano  que  fez  fortuna  no  Brasil.  Construído entre 1925 e 1929, totalmente de concreto armado, o Edifício Martinelli, com 30 andares e 130 metros  de  altura,  revela  uma mistura  de  estilos  europeus  tão  ao  gosto  da  época.  Tinha  1.267 dependências entre salões, apartamentos, restaurantes, cassinos, night clubs, o  famoso Cine Rosário, barbearia,  lojas,  uma  igreja  e  o  luxuoso Hotel  São  Bento.  Para  provar  que  o  prédio  era  seguro,  o proprietário  instalou‐se  na  cobertura.  Era  o  início  do  movimento  de  verticalização  da  cidade. Disponível em: www.aprenda450anos.com.br. Consulta em 1312/2006. 123 Se as representações revelam contradições sobre o  imaginário, por outro  lado são os museus que revelam o confronto entre os artistas do Brasil e de fora. Essa análise se restringe a São Paulo, onde podemos observar que os primeiros museus se consagram sobretudo à questão do esquecimento na história, a questão do lapso, dos egos e da construção de um memorial do esquecimento. 

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Colocar a arte como linguagem nacional sobrepõe a questão da nacionalidade, 

ou natio, posto que a cultura tem sempre uma ligação com o local, assim com a cidade 

com sua origem. Porém, a arte pode transcender tanto o lugar quanto a origem.  

Em São Paulo podemos verificar a contribuição de diferentes etnias e culturas  

na  formação do  imaginário. Mas nos anos  30,  toda uma  simbologia  construída  re‐

significará essa questão. E vários projetos e modificações no espaço vão  segregar e 

excluir os incômodos e ameaças (como misérias, loucuras, e ideologias contrárias). 

O entendimento da cidade de São Paulo, dentro dessa análise, buscou desvelar 

o  imaginário   da “metrópole fabricada” que se revela antes mesmo de São Paulo se 

transformar  em  uma  cidade  cosmopolita.  A  elaboração  da metrópole  Paulista  se 

estrutura com a finalidade bem delineada de representar a  idéia de modernização, de 

progresso e crescimento ‐ cânones estadonovistas ‐ que definiram o Rio de Janeiro como 

o lugar das tradições e São Paulo como o lugar das inovações.  

Dentro da definição de  cultura utilizada pelos  intelectuais  estadonovistas,  o 

sentido de construir a nacionalidade e de retornar às “raízes do Brasil” pôde  forjar 

uma “unidade cultural” fundindo cultura e regime no quadro nacionalista.  

Na  tentativa  de  “desconstrução”  da  história  oficial  da  cidade  no  período, 

buscou‐se visualizar fragmentos de memórias esquecidas; através das narrativas, das 

imagens e da literatura considerada marginal, que revelam outros ângulos.  

Através  de  aspectos  da  memória  popular  encontrou‐se  a  contra‐mão  dos 

padrões criados para representar a metrópole, ou seja, através do imaginário, tentou‐

se aproximação com memórias e culturas excluídas do projeto modernizador.  

As analogias entre o oficial e canônico, tiveram o objetivo de identificar o que 

escapou  a  essa  regra,  para  entrar  nos  recônditos  dessas  culturas,  desse  universo 

fragmentário de textos e imagens paralelos.  

Nesse sentido,  imaginário e a representação, podem ser vistos como universos 

que se inter‐relacionam, da mesma forma que a indústria cultural se utiliza tanto de 

elementos  da  cultura  erudita  como  da  cultura  popular. Analisou‐se    aspectos  da 

urbanidade,  verificando  fragmentos  de  memórias  esquecidas,  na  invenção  das 

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tradições na cidade como um organismo vivo, para tentar entender como funcionam 

essas  articulações  onde  os  determinismos  culturais  criam  falsas  tradições  ou 

tradições  parciais,  revelando  que,  a  maioria  dos  projetos  urbanísticos,  foram 

violentando a cidade em um momento que emergia um discurso de novas tradições. 

No  período,  entre  20  e  40,  São  Paulo  é  remodelada  por  surtos  urbanísticos 

dentro  de  padrões  forjados  e  inautênticos. Muitas  transformações  vão  ocorrer  na 

perspectiva  urbanística,  revelando  suas  ambigüidades  e  fazendo  modificações 

substanciais  no  panorama  urbano.124 Nessas modificações  estruturais  dos  espaços 

serão removidos os chamados incômodos e dessa forma ocorrerá um  deslocamento 

dos sentidos. [imagens  14, 20: pp. 169 e 172] 

E  ficam  as perguntas: Para  onde  foram  as memórias  que  escaparam? Onde 

estão as memórias que, embora não tenham sido legitimadas por instâncias de poder, 

de alguma forma, sobreviveram?   

Se  considerarmos  que  a  identidade  brasileira,  foi  sendo  construída  sempre 

privilegiando  um  setor  social,  dado  que  é  revelado  nas  imagens  produzidas 

oficialmente, assim como no olhar romântico que perdurou tanto. As imagens oficiais 

ainda estão presas, vinculadas ao romantismo e ao simbolismo. É portanto, esse olhar 

oficial que dissemina uma  linguagem para se retratar a cidade como paradigma do 

progresso.  

Mas, onde estão as imagens que revelam a cidade que esse ideal progressista 

tentou encobrir, se as fotografias e monumentos são registros de temporalidade e de 

construções? Estão nas  chamadas  produções marginais, que  escaparam,  inclusive,  às 

mudanças  estéticas  e  rupturas  fabricadas  no modernismo  e  se  estabeleceram  em 

esferas que não tiveram grande visibilidade, como na obra de ilustradores, de artistas 

considerados menores, e na produção  literária  considerada  inferior. Também estão 

124 O mais invasiva, será o Surto Urbanístico de Prestes Maia  (1937). Projeto que sob a égide do Estado Novo  desenvolve  cenários  para  a  cidade  de  São  Paulo,  utilizando  uma  gama  de  intelectuais  em posição de funcionários públicos a serviço desse mesmo Estado e da consolidação de corporações (de engenheiros, arquitetos, advogados) Cf. TOLEDO, Benedito L. Prestes Maia e o Projeto das Grandes Avenidas. Op. Cit. 

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presentes nos reclames publicitários e nos ritos do cotidiano, que sobreviveram e que 

escaparam  à massificação.  Por  isso,  através  de  uma  arqueologia  de  imagens  (não 

canônicas) da cidade, elas se revelam e revelam aspectos de uma outra cidade, que 

também  existiu  concomitante  a  essa  cidade  ideal.  Para    Walter  Benjamin125,  “a 

experiência é o arcabouço dos momentos da vida em que o  sujeito  se  inteira de  si 

mesmo, por meio da atualização de um tempo perdido na memória ‐ a qual retorna 

para  redimensionar o presente, abrindo novas perspectivas para o novo”. Assim, a 

narrativa é uma forma de alimentar o sujeito de experiência, já que nela é resgatada 

uma memória coletiva, vinda de lugares distantes ou de um tempo longínquo que é 

incorporada à memória daquele que ouve e que, portanto, pode transmití‐la a outros 

‐  os  quais,  por  sua  vez,  a  ouviram  recontada  de maneira  diversa.  Portanto,  cada 

ouvinte  que  narra  uma  história  é  seu  co‐autor,  pois  ao  narrar  vai  somando  a  ela 

elementos próprios de sua experiência pessoal: ʺA experiência propicia ao narrador a 

matéria narrada, quer esta experiência seja própria ou relatada. E, por sua vez, essa 

transforma‐se em experiência daqueles que ouvem a estória. 126 

 

A memória da cidade 

A  memória  da  cidade  perpassa  por  vários  momentos  de  vivência  e 

esquecimento,  relacionadas  ao  espaço‐temporal  e  características  políticas  inseridas 

nesse contexto. São essas dimensões que engendram o processo histórico da cidade. 

Os  símbolos  urbanos  podem  ser,  apagados,  demolidos  e  reinventados.  Em  geral, 

tendem  a  dissolver  grupos  sociais  e  culturais,  incompatíveis  com  a  época  e  a 

representação buscada: 

Decifrar a escrita das cidades é resgatar o perdido no espaço urbano. Tornar a cidade legível torna‐se uma tarefa difícil [...] Apagar os  traços  que  caracterizam  uma  cidade,  arte,  arquitetura, planejamento urbano, praças e monumentos, significa esmigalhar  os símbolos do espaço urbano que coloca em risco as diversas criações da  dimensão  cultural  gerada  pela  cidade.  A  escrita  das  cidades 

125 BENJAMIN. Walter. Op.Cit. 126 Idem.Ibidem. 

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coloca‐se  sob  diferentes  formas  de  manifestação  representativa.  A literatura, o urbanismo, a política, a arte e a economia, constituem‐se especificações da produção de conhecimentos nas cidades. 127. 

 

As mudanças urbanísticas e sanitaristas ao mesmo tempo em que remodelam 

o espaço, deslocam os indesejados. As cidades são feitas por camadas sobrepostas em 

que um tempo muitas vezes aniquila o outro. As estruturas de poder e de dominação 

cultural se revelam em cenários onde as identidades foram construídas – imaginadas 

e  representadas  –  quando  o  nacionalismo  brasileiro  elegeu  São  Paulo  como 

representante do novo, da tecnologia, a “Locomotiva do Brasil.” [imagem 11: p. 169]. 

Essa  “locomotiva”  passou  sobre  espaços  sociais  que  emergiam  da  cultura 

popular, suprimindo do cenário oficial, os    lugares, histórias, memórias e essências. 

Dessa forma, criou estruturas calcificadas em controle, poder, legitimação de valores 

e  imbricamentos  com  a  chamada  cultura  erudita  que  se  proliferou  calando 

expressões  espontâneas  e  ao  mesmo  tempo  criando  mecanismos  legitimizadores 

desse poder, em camadas, começando pelos   mecanismos de reprodução e controle 

do Estado.  

Essas estruturas de poder e de dominação cultural  foram  tão enraizadas em 

preconceitos  e  estratificações  que  segregaram  expressões  culturais  legítimas  e  de 

raízes  antropológicas.  Ao  criar  mecanismos  de  padronização  do  pensar  e  de 

aculturações  contemporâneas autorizadas, a cultura chamada erudita mudou o tom 

e incorporou elementos numa exaltação nativista, valendo‐se das imagens e de mitos 

para disseminar uma  ideologia nacional que se sustentou em  teorias evolucionistas  

fragmentando  a  sociedade  em  estratos  primitivos,  arcaicos  e  modernos  que  no 

universo  da  cultura  dominante  se  enredou  pelo  viés  do  preconceito,  a  ponto  de 

rejeitar  tudo  o  que  pareça  popular,  interpretando  de  forma  etnocêntrica  e 

colonizadora  os modos  de  viver  do  primitivo,  do  rústico  e  do  suburbano. Nesse 

sentido, as tradições populares, ficaram como um universo paralelo da cidade de São 

Paulo, cada vez mais alinhada aos interesses de modernização.   127 FONSECA, Luiz Arrovani .in: Ensaios de História. Franca: Unesp, 1996 

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O  significado  de  um  nacionalismo  brasileiro  da  perspectiva  unificadora, 

apesar  de  pedagógico  é  superficial.  Como  também,  o  paradigma  do  homem 

brasileiro foi idealizado e as tradições inventadas.  Porém, temos que considerar que 

o   modernismo  travou  um  diálogo  tenso  com  essa  tradição  estando  imerso  nela, 

vivendo em um ambiente europeu e querendo olhar o Brasil de fora,  por mais que se 

buscasse  referências  para  se  reinventar  o  Brasil.  O  período  é  marcado  por 

transformações e o cenário não escapou à regra  ‐   sendo modificado por aspirações 

européias  –  dissociando  portanto  a  proposta  de  revolução  estética  do  panorama 

geral,  que  exclui  a  arquitetura,  o  urbanismo  e  os monumentos,  que  por  sua  vez 

sofreram outras transformações. 

O modernismo mostrou  que  o  plano  cultural  e  político  são indissociáveis:  transformar uma nação‐latente em uma nação‐sujeito supõe  um  empreendimento  em  ambos  os  níveis.  Raros  foram  os participantes da semana de arte moderna que não se alinharam, logo depois com militantes do terreno do nacionalismo: seja conservador, progressista, patriótico ou  esclarecido. Menotti Del Picchia, um dos que optaram pelo nacionalismo conservador, menciona a Semana da Arte Moderna como o  “primeiro sintoma espiritual da transmutação de nossa consciência” 128 

 

Daniel Pecáut nos alerta para a questão da  legitimidade do poder  intelectual 

que se  fundamenta nesse período  ‐ embora os  intelectuais se  firmassem como uma 

“categoria  social  sem vínculos”  ‐ pertenciam a uma  classe que ostentava um  saber 

sobre o social, reconhecido e valorizado. Fator que lhes davam um poder legitimador 

sobre elaborações e análises sociais, por sua vez, preso a vínculos institucionais e sem 

engajamento e  compromisso  com o público. Eram  representantes de uma elite que 

agia legitimada pela ciência e por instâncias do poder, combinando o “cientificismo” 

com  o  nacionalismo  e  nessa  tendência  tirando  partido  para  definições  de 

especificidades nacionais, conforme suas interpretações e tendências.  Daí surgiam as 

128 PÉCAUT, Daniel. A geração   dos anos 1920‐1949. In:   Os  intelectuais e a política do Brasil. São Paulo: Ática, 1989 . p. 27  

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correntes  e manifestos  que,  embora  em  ordem  antagônica,  situavam‐se  dentro  de 

uma mesma tônica. 

Na  verdade  o  intelectual  brasileiro,  apresentava  comumente três  perfis:  o  de  advogado  (eram  numerosos  os  doutrinários  de tendência  autoritária  com  formação  jurídica);  o  de  engenheiro (freqüentemente caracterizado pelo positivismo e inclinado para uma visão técnica do poder) e do homem de cultura. 129 

 

A  cópia  cultural,  a  legitimidade,  a  ideologia  eram  estruturas  que 

amalgamavam os  tijolos da  construção dessa brasilidade que  se  fundamentava  em 

construções históricas utilizando elementos de força popular. Um bom exemplo está 

na  publicidade  e  nos  estereótipos  que  são  carregados  de  ideologia.  Uma 

peculiaridade pode ser assinalada em Mário de Andrade e sua busca com conotações 

parcializadas – a viagem da redescoberta do Brasil, transcende São Paulo. Porém, há 

um outro lado, que buscava raízes e acabava por construir memórias: 

O que se via em São Paulo nesse momento era uma correria sôfrega  para  escavar  raízes  tradicionais  e  restabelecer  uma “memória”  de  tinturas  coloniais;  um  empenho  pelo  resgate  e identificação  com  uma  cultura  popular,  mormente  de  recorte “sertanejo”;  uma  busca  das  áreas  periféricas  ao  centro,  à  busca  de espaços  livres  para  corridas  e  esportes  do  público  para  façanhas  e animação  popular  para  o  Carnaval  e  as  novas  celebrações;  e  um curioso modernismo  parisiense,  que  ensinava  a  desprezar  a  velha Europa moribunda e a amar a América e a magia dos trópicos 130 

 

Se por um lado,  o olhar modernista se torna importante quando se afasta da 

compreensão  de  identidade  brasileira mergulhada  no  passado,  buscando  retirar  o 

peso da compreensão racista e determinista – característica mais visível no Brasil, no 

que  se  refere  à  nacionalidade.  Por  outro  lado,  quem  patrocina  eventos  do 

modernismo são os políticos: 

Para  se  pensar  a  invenção  da  tradição  nacional‐popular brasileira,  pois  nele  figuram  os  principais  elementos  a  serem analisados:  as  relações  entre  intelectuais/  elite  e  “populares”;  a valorização do popular; a criação de uma nova  identidade nacional; 

129 PÉCAUT, 1989. Op. Cit. P. 34 130 SEVECENKO, op.cit. p. 255 

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as teorias de mestiçagem racial e cultural, a “redescoberta do Brasil” pelo modernistas, a unidade da pátria construída a partir do Rio de Janeiro  e  suas  relações  com  o  regionalismo  de  várias  vertentes  do discurso nacional. 131 

 A elite precisa reconstruir uma hegemonia paulista – pois até então era o Rio 

de Janeiro a referência de brasilidade. E o que irá construir essa hegemonia paulista é 

a  profusão  de monumentos  que  reforçam  cânones  e  que  são  produções  artísticas 

modernistas, como no caso de Brecheret e outros modernistas. Nesse período a crítica 

literária nasce seduzida pelo gesto renovador do modernismo. Os estudos que foram 

feitos  estão  impregnados por visões  transmitidas pelos próprios agentes da  época. 

Na construção da memória o tom é polêmico e controverso. Os intelectuais buscavam 

compreender a  chamada “brasilidade” através de um mergulho na  realidade. Mas 

qual realidade era essa: 

[...]  os  sentidos    de  modernidade  e  modernização  tem  sido,  com bastante  freqüência,  reduzidos  a  esquemas  ideológicos desenvolvimentistas  do  Estado  Brasileiro  pós  1930,  os  sentidos  do modernismo,  como  uma  tendência  geral,  foram  também homogeneizados a  partir de valores, temas e linguagens do grupo de intelectuais  e artistas que fizeram a semana da arte moderna de 1922. Boa  parte  da  crítica  e  de  histórias  culturais  literárias,  produzidas desde  então,  construíram modelos  de  interpretação,  periodizaram, releram o   passado cultural do país, com lentes desse movimento de 1922, atados em demasia em uma “noção” de vanguarda (vanguardas estéticas,  revolucionárias,  vanguarda  do  pensamento  nacional  ou consciência  do  nacional  popular),  tais  esquemas,  em  flagrante anacronismo,  ocultaram  processos  culturais  relevantes  que  se gestavam na sociedade brasileira a rigor, desde a primeira semana do século XIX. 132 

 

Ou  seja,    pode‐se  dizer  que  já  havia  um  “pré‐modernismo  antes  do marco 

oficial”.  Nesse  contexto  são  considerados  como  aspectos  negativos  a  análise  que 

periodiza o processo, negando a contribuição do universo social, cultural, religioso e 

político  que  não  se  enquadravam  nos  cânones  de  22. Assim  como  a  redução  das 

131 VIANA, Hermano. O samba da minha terra. In: O mistério do samba. Rio de Janeiro: Zahar, 1995, p.36 132 HARDMAN, 1989,  Op.Cit. p. 290 

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relações  internacionais  na  cultura  brasileira  a  eventuais  contatos  entre  artistas 

brasileiros a movimentos estéticos europeus. A definição estética, para o sentido de 

modernismo, abandonou outras dimensões culturais e sociais, políticas e filosóficas, 

que alteram significados e concepções antigo/moderno muito antes de 1922, como se 

as mesmas não tivessem existido, e como se o “modernismo” não prescindisse de um 

processo. 

Hardman133 analisa essa questão, acrescentando que, desde o século XIX, uma 

série  de  pensadores  já  se  inscrevia  num movimento  sociocultural  estruturado  em 

filosofias  positivistas,  darwinistas  e materialistas,  um  amplo mosaico  literário  que 

abrigou também outras esferas, como movimento operário, que foram responsáveis 

por  mudanças,  inclusive  lingüísticas,  estéticas  e  temáticas  da  literatura  pré‐

modernista.  Porém,  se  o  modernismo  no  exterior  foi  uma  revolução  estética  e 

tecnológica,  no  Brasil  continuou  insistindo  na  ambigüidade  do  chamado  “pré‐

modernismo”. Sendo que, o cosmopolitismo, o urbanismo, o erotismo, os mitos da 

civilização  moderna,  os  elementos  que  afirmavam  um  estilo  novo  “fabricado”, 

sugeria impasses entre arte/natureza e arte/indústria: 

[...]  a  configuração  de  imagens  e  representações  relacionadas  ao universo do maquinismo moderno na cultura brasileira da virada de século,  no  interior  do  continuum  mental  feito  de  múltiplas  e contraditórias  combinações.  Nesse  processo,  diferentes correspondências  poderiam  ser  pesquisadas;  por  exemplo,  as afinidades  entre  o  discurso modernizador  de  setores  do  Estado  (a engenharia  de  obras  públicas  ocupando,  aí,  um  lugar  de “vanguarda”),  o  discurso  evolucionista‐progressista  da  imprensa operária  emergente  (seja  na  orientação  social‐democrata,  seja  na vertente   anarco‐sindicalista) e o discurso estético‐literário moderno de  literatos,  ensaístas  e  críticos  de  estilo,  aparentemente  tão dispares.134 

 

O  modernismo  se  integra  na  face  ambígua  do  discurso,  na  contramão 

modernizadora  do  Brasil.  Porém,  na  história  social,  as  coisas  continuavam  as 

mesmas. A ambigüidade do modernismo está na ruptura e na reinvenção e todos os 

133 HARDMAN, 1989,  Op.Cit. p. 290 134 Idem.Ibidem. p.292 

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desdobramentos  da  dicotomia  tradição/modernidade. Os  nacionalismos mediados 

pelos  intelectuais  credenciados marcam  o movimento  integralista, mas  também  o 

antropofágico. 

Essa  tomada de consciência de  raízes culturais não excluía a intervenção do intelectual no sentido de fazer o povo ingressar na era da  civilização.  Pelo  contrario,  a  senha  era,  como definiu Otávio de Faria,  “civilizar  por  cima”.  Esta  constituiu  outra  vertente  da construção da identidade nacional. 135 

 

Nessa estrutura os urbanistas participam intensamente, representando o lado 

positivista  e  atuando  largamente  nas  intervenções  urbanas,  praticamente 

reconstruindo a  cidade ou autorizando práticas “modernizantes” que por  sua vez, 

eliminavam  o  que  não  deveria  ser  lembrado.  Além  de  medidas  que  visavam 

“controle  social”  eram  justificativas  para  pura  xenofobia,  observada  em medidas 

saneadoras,  e  que  também  tinham  como  objetivo,  tirar  do  cenário  da metrópole 

idealizada,  os mais  desfavorecidos  e  as memórias  “desagradáveis”. A  cidade  que 

segrega  e  exclui,  é  um  palco  de  ações  políticas  e  interpretações  tendenciosas.  A 

expressão  “Ideologia  do  Estado”  revela  que  o  Estado  é  o  agente  da  construção 

nacional e não a sociedade civil.  Muitos dos intelectuais deixaram nas entrelinhas de 

seus trabalhos visões parciais muito reveladoras, como analisa Daniel Peucot: 

Em  seu  romance  O  Estrangeiro  de  1926,  Plínio  salgado ridiculariza e maltrata os russos e italianos que vão abrindo caminho em  São  Paulo  em  detrimento  dos  brasileiros.  Em  Amar  Verbo Intransitivo,  Mário  de  Andrade  não  fica  atrás,  lamentando  a proliferação  de  estrangeiros  de  todos  os  tipos  “na  pátria  dos bandeirantes.” 136 

 Pouco  espaço  também  no  período  para  intelectuais  imigrantes  que 

“desapareciam do  cenário” ou  eram obrigados a uma  sobrevivência difícil. Porém, 

eles formavam entidades de contestação à margem dessa elite.  

135 PECAUT, 1989. Op. Cit. p.39 136  [apud] PÉUCOT, 1989, p.41. Cf. Mário de Andrade. Amar, verbo  intransitivo. A obra  tem como finalidade a crítica aos costumes burgueses, com suas mazelas e hipocrisias. Escrita entre 1923 e 1924, foi publicada em 1927, e seu texto caracteriza‐se pela violação dos hábitos narrativos vigentes à época. 

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Embora tenham tido, em período anterior, muita força para ir contra todas as 

correntes,  intervir  em  aspectos  sócio‐culturais  e  políticos,  mesmo  às  avessas  os 

anarquistas  e  comunistas  eram  perseguidos  exaustivamente,  pois  tinham 

mecanismos para divulgar outros olhares – não autorizados.  

Na  cidade  as  formas  de  controle  e  dominação  se  proliferavam  de  várias 

formas,  era  a  cidade  das  medidas  preventivas,  do  olhar  vigilante  e  do  olhar 

autorizado, desde que se reforçassem cânones da representação oficial.  

Dentro dessa análise, também nota‐se o intenso envolvimento dos intelectuais 

com  a  fundação  de  corporações  (OAB,  Academia  de  Medicina,  Conselho  de 

Arquitetura) que foram criados na década de 1930, conferindo às elites as condições 

para  criar  todas  regras  e  ter  o  controle  “das  tradições  institucionalizadas”. Dessa 

forma o intelectual se insere na estrutura orgânica da sociedade e do poder que tem 

como  pressuposto  combater  estruturas  –  o  regime  pós  30  era  anticomunista 

obsessivo. E excluía os “nacionalistas progressistas” dos círculos cooperativos com a 

organização nacional. Esse  regime manteve  controle  total  sobre o espaço público e 

sobre a vida social em todas as suas esferas utilizando‐se, largamente, do “poder da 

imagem” para sua difusão: 

O  reconhecimento  dado  pelo  regime  de  30  ao  papel  dos intelectuais na “redescoberta do Brasil” e na construção científica da identidade brasileira, não estava menos propenso ao realismo do que os  pensadores  sociais  –  mas  necessitava  destes  para  fazer  a propaganda nacionalista. 137 

 

Segundo Pécaut, são o nacionalismo e a organização, duas noções inseparáveis 

que compõem a arquitetura de um regime político. E essa organização é o vínculo do 

Estado  com  o  povo.  A  organização  é  também  a  consagração  de  um  Estado  de 

compromisso e da promoção de intervencionismos em nome do “bem comum”. Mas, 

na realidade essa organização era a negação da democracia política, pois era um fim 

nela mesma. O apelo de uma organização social sob a égide do Estado.  

137 PÉCAUT,1989. Op. Cit. p.39 

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A  administração  e  controle  locais  na  cidade  nega  a  democracia,  pois  nem 

todos são cidadãos, posto que nessa cidade da vigilância e do controle, os cidadãos 

são selecionados por requisitos pré‐estabelecidos: 

O  modernismo,  especialmente  na  sua  versão  paulista  ou concentrada em São Paulo, trabalhou a relação entre cultura erudita e cultura  popular  segundo  um  vetor  decididamente  mitopoético. Cultura popular é entendida pelo autor de Macunaíma e pelo autor de Manifesto Antropofágico,  como  expressão de  sensibilidade  tupi, articulada em  lendas, mitos e  ritos  recontados pelos cronistas, pelos jesuítas e por alguns antropólogos contemporâneos.138 

  

O Imaginário Nacional e suas várias fases na idealização da Metrópole Paulista 

Uma  cidade  de  gosto  europeu  e  costumes  parisienses  onde  tudo  fosse 

afrancesado como sinal de sofisticação. A  ideologia de branqueamento, assim como 

todas as  terríveis  teorias evolucionistas estão presentes no século XIX e adentram o 

século XX numa evidente contradição.  

Embora  busquem  um  discurso  de  retorno  às  origens  e  rupturas  com  as 

tradições, o  ideal da paulicéia dos anos 20 é  ser uma cidade modernizada, e dessa 

forma  ela  vai  negar  seu  passado  escravagista,  e  se  apresentar  como  erudita, 

afrancesada, veloz, movimentada,  com prédios altos e  fluxo  intenso de homens de 

negócios  e  oportunidades.  Com  uma  arquitetura  refinada,  dentro  dos  padrões 

europeus, do neoclássico ao eclético ou historicista. A cidade seguia construindo seus 

espaços  como  também  apagando  histórias  e  memórias,  erigindo  assim  uma 

metrópole  dentro  dos  paradigmas  da  modernidade,  para  se  transformar  na 

representação da modernidade, do alinhamento cultural com as  forças dominantes, 

do progresso e da industrialização. Embora a literatura e as artes ansiassem por uma 

identidade  particularista,  ela,  a  cidade,  era  sempre  espelhada  nos  moldes 

considerados civilizados: Tupi or not tupi...139 

138 BOSI, Ecléa. Memória e Sociedade: lembrança de velhos. São Paulo: Cia das Letras ,1996.  p.333 139 Alusão ao Manifesto Pau Brasil,  referente a  trocadilho  com  frase de Shakespeare. Cf. AMARAL, Aracy. 

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  Como vimos, a    tradição da  representação do nacional  teve várias  fases e se 

desenvolveu  em moldes  reproduzidos  nos períodos  romântico/naturalista  onde  se 

buscava o êxtase diante da natureza, porém sempre pelo olhar do outro. O exótico 

como  marca  registrada  é  exatamente  o  que  o  europeu  seleciona  por  exótico,  a 

diferença  se  estabelece  ainda  pelo  viés  de  fora.  A  exemplo  disso  é  interessante 

observar  como  os  viajantes  fazem  sucesso  e  como  muitos  “nacionais”  vêem  a 

natureza de acordo com a representação do europeu.  

Nesse paradigma de “tradição” e fazendo uma retrospectiva, temos a imagem 

do índio utilizada como emblema naturalista. Essa imagem singular que se criou do 

índio  é  uma  imagem  forjada  pelo  europeu.  A  Imagem  de  Moema,  de  Victor 

Meirelles,  é  um  bom  exemplo  dessa  representação  dentro  de    padrões  europeus. 

Assim como é significativo o fato da  marinha mercante, posteriormente, adotar esse 

emblema  –  sendo  representada  como  uma  índia,  mas  uma  índia  de  “feições 

renascentistas.”140  

O  estereótipo  persiste;  a  forma  como  a  nação  fabrica  o  nacional  pode  ser 

percebida  como  uma  fala  persistente.  As  metáforas  são  fortes  e  muitas  vezes 

impedem que a  realidade  seja vista. Essa  é a  fórmula da  representação que vai  se 

disseminar nos mecanismos de “publicização”. 

Dentro  do  panorama  da  nacionalidade,  as  representações  têm  o  poder  de 

refletir quando não temos palavras. Por isso, se estabelece na esfera de uma tradição 

histórica. A “invenção”, dentro de uma  concepção pragmática,  cria a  realidade: “o 

mundo é minha vontade e minha representação”. A criação da realidade através da 

linguagem tem a percepção como um reflexo da realidade. Nesse sentido, verifica‐se 

uma  tendência para a  construção de  identidades  individuais onde alguns aspectos 

devem  ser  considerados:  a  linguagem  como  mediadora  do  conhecimento  e  a 

memória coletiva. Assim como a questão da  legitimidade e o efeito da socialização 

140  Referência  ao  símbolo  da  marinha  mercante  brasileira  (grifo  meu)  Cf.  NOVAIS,  Fernando, ALENCASTRO, Felipe  (org). História da Vida privada no Brasil  .vol 2  . São Paulo: Cia das Letras, 1999.  

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do conhecimento. A produção do conhecimento histórico relaciona‐se quase sempre 

a questões voltadas à religiosidade, por oferecerem uma transcendência rápida. Por 

exemplo, a ciência como verdade está sempre associada a um poder. 

As cidades brasileiras vão se formando sob essas tendências relacionadas aos 

nacionalismos, que  se  fundem as  culturas “superviventes”  criando um mosaico de 

brasilidades. Nesses moldes  a  cidade  de  São  Paulo,  surge  carregada  de  um  ideal 

progressista, uma contra‐resposta, uma auto‐afirmação dentro de um panorama de 

complexos de  inferioridades  reforçados pelas  teorias  evolucionistas do  século XIX.  

Busca‐se como referência urbanística, cidades projetadas como Paris de Haussman, e 

até  os  projetos  urbanísticos  arquitetônicos  surgem  carregados  de  uma  ideologia 

eurocêntrica;  imitar a França é  tentar se  igualar ao modelo – e  isso se reproduz em 

escalas  variadas141. No  projeto  de Vargas,  os  ideais  de modernização  irão  ensaiar 

alguns  passos  no  campo  da  arquitetura  e  dos  projetos.  Mas  é  o  neo‐clássico  a 

arquitetura  que  o  poder  escolhe  para  estabelecer  seus monumentos  e  esse  é  um 

marco tradicionalista e conservador que revela a estética dominante. 

 

A  nação como artefato cultural – construções de memórias 

É na narrativa oficial da nação que se produzem as instituições da memória: os 

documentos, os monumentos e as  imagens. A nação é um artefato cultural e como 

artefato pode ser utilizado. Nesse sentido, o nacionalismo se apropria do chamado 

“residual”, e reinventa tradições partindo dos elementos presentes na esfera social.   

Nessa  “nação‐mosaico”,  as  peças  são  selecionadas  de  acordo  com  o  que  se 

pretende  e  as  imagens  são  composições  dirigidas.  Esse  “mosaico”  é  composto  de 

141 Georges Haussmann  (1809‐1891), prefeito de Paris,  responsável pela  implementação de um dos primeiros  planos  urbanísticos  (moderno).  Caracterizado  como  grandes  operações  cirúrgicas,  as transformações  urbanas  lideradas  por Haussmann  que  seguiam  um  conceito  de  “embelezamento estratégico”.  Dentre  diversas  modificações  também  marcadas  pela  criação  de  vários  parques  na cidade,  sendo  estes  desenvolvidos  pelo  seu  colaborador  Jean  Charles  Adolphe  Alphand.  –  foi referência de Prestes maia em seu projeto urbanístico para São Paulo. Cf. TOLEDO, Benedito Lima. Prestes Maia e as origens do urbanismo em São Paulo. São Paulo, Empresa das Artes, 1996. 

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estratégias: a narrativa da nação (história, literatura); as imagens da nação; o discurso 

musical; os estudos do cotidiano e a construção do imaginário.  

Os rituais e a cultura popular são incorporados ou subtraídos de acordo com 

as conveniências, origens e tradições. Os mitos e as mitologias políticas são utilizados 

no  sentido de  reforçar  estruturas de poder. No  contexto de produção de  imagens, 

importam alguns fatores, como por exemplo, a comunidade religiosa, que tem uma 

estratégia  de  narrativa  da  história  nacional,  onde  enfatiza  as  tradições  e 

atemporalidades  e  também  cria  ícones  sobre  a  natureza  das  coisas,  a  criação  do 

tempo e o improviso. O imaginário nacional se reforça nas imagens canônicas. Dessa 

forma  a  imagem  individual  é manipulada.  Uma  curiosidade  é  que  dentro  desse 

imaginário, no ângulo  coletivo, a  imagem  se atrela à manipulação. Por exemplo: a 

imagem  de  Tiradentes  imberbe,  esvaziada  desse  conteúdo,  pode  exercer  um 

estranhamento. Nesse  sentido, a  imagem não canônica  fica destituída de valor. Na 

invenção das tradições o que funciona é a repetição. A força da imagem está na carga 

narrativa embutida e nas aproximações imagéticas. Por exemplo: Cristo e Tiradentes.  

Na  relação entre  identidades nacionais e memórias, um  fator preponderante 

está  na  questão  da  produção  de  imagens  como  reflexo  do  nacionalismo,  que  se 

estabelece  no  processo  de  criação/fabricação  dessas  memórias.  Nação  e  narração 

estão imbricadas na visão dos intérpretes.  

Dentro  desse  panorama,  a  cidade  de  São  Paulo  foi  um  projeto  que  se 

concretizou  como  uma  metrópole  através  de  imagens  produzidas  com  um  foco 

direcionado, ou seja,    foi uma metrópole  inventada por  imagens oficiais. Dentro de 

um  ideal  de  busca  por  uma  representação  da  cidade  futurista,  os  símbolos  do 

progresso destituíram (e destruíram) os lugares da memória “não oficial”. Apagando 

do mapa,  igrejas,  povoados,  bairros,  lugares  de  fé,  reminiscências  da  escravidão, 

marcos de natureza espontânea, como lugares de festas populares, entre outros. 

São Paulo, portanto, se expandiu em um projeto idealizado de cidade, que se 

ajustava  em medidas  de  exclusão,  de  eliminação  de marcos  e  elementos  que  não 

interessam, dando  total visibilidade a uma  forma  ideal de cidade, que por sua vez, 

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estava  em  consonância  com  a  representação  da  modernização,  da  novidade,  da 

máquina,  da  tecnologia,  das  fábricas  e  verticalização  dos  edifícios.  Ou  seja,  da 

construção dos espaços públicos dentro de ideais privados. Essa idéia de cidade será 

disseminada  no  projeto  de  “modernização  do  Brasil”.  Esse  conceito  carregado  de 

simbologias e narrativas nacionalistas estabeleceu graves desequilíbrios sociais, pois 

foi justamente esse ideal de cidade fabricada e disseminada que acabou funcionando 

como um grande  imã, que  atraiu  ilusões. A busca pelos  ideais  tão propagados de  

progresso e crescimento foi a construção do lugar das utopias. A cidade de São Paulo 

passa a ser o “El dorado” de outros estados. A cidade das utopias: 

No  Brasil,  onde  imperou  desde  os  tempos  remotos,  o  tipo primitivo da  família patriarcal, o desenvolvimento da urbanização – que não resulta unicamente do crescimento das cidades, mas também do  crescimento  dos  meios  de  comunicação,  atraindo  vastas  áreas rurais  para  a  esfera  de  influência  das  cidades  –  ia  acarretar  um desequilíbrio social, cujos efeitos permanecem vivos ainda hoje. 142 

 

A DissemiNação das  IdentiCidades 

Sobre os critérios da construção cultural no nacionalismo e o conceito de nation 

ness143 que se estabelecem as particularidades citadinas. A cidade de São Paulo, ao se 

consolidar  como metrópole,  não  se  estabelece  como  um  espaço  público,  nem  de 

minorias, mas como um espaço das elites, “dos homens bons”, dos automóveis e das 

avenidas  que  privilegiam  a  circulação  de  veículos,  das  instituições,  do  comércio 

autorizado. A cidade que disciplina os corpos  tem na arquitetura um de seus mais 

fortes mecanismos de controle e segregação que se reproduz no espaço – sobretudo 

no espaço público (o hospital, a escola, o presídio, o hospício, o cemitério). 

 Essa estrutura urbana se estabelece em uma malha criada para colocar cada 

qual no seu lugar. Nessa esfera, a cultura popular sucumbe à cultura de massas que 

142 HOLANDA, Sérgio Buarque. Raízes do Brasil. 1936  p.105. 143  Nation‐Ness,  bem  como  nacionalismo,  são  artefatos  culturais  de  um  tipo  peculiar.  Para compreendê‐los  é  preciso  considerar  com  cuidado,  como  se  tornaram  entidades  históricas, de  que modo  seus  significados  se  alteraram no decorrer do  tempo,  e por que.  inspiram uma  legitimidade emocional  tão profundaʺ p. 12 A nação é uma comunidade política  imaginada  ‐ e  imaginada como implicitamente limitada e soberana.” Cf. ANDERSON, Benedict. Op. Cit. p. 14. 

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está  se  consolidando, pois as  representações  legitimadas pelos mecanismos oficiais 

autorizam o que deve ser lembrado através da produção de memórias disseminadas 

na localidade. Homi Bhabha fala sobre a sensação de pertencimento que o nation ness 

dissemina e também sobre a questão emocional que suscita essa apropriação: 

A nação preenche o vazio deixado pelo desenraizamento de comunidades e parentescos, transformando essa perda na linguagem da  metáfora.  A  metáfora,  como  sugere  a  etimologia,  transporta  o significado de casa e de sentir‐se em casa através da meia passagem (...)  através  das  distâncias  e  diferenças  culturais  que  transpõem  a comunidade imaginada de povo‐nação. 144 

 

A cultura constrói a nacionalidade brasileira, e esse processo de construção do 

estado‐nacional ocorre concomitante à criação da historiografia enquanto instituição. 

As concepções nacionais serão criadas e vão permanecer através de estereótipos e de 

imagens  representativas.  A  difusão  da  cultura  se  dará  através  da  comunicação. 

Dentro de um discurso que perpassa pelo nacionalismo, Bhabha descreve  a nação 

ocidental como uma  forma obscura, porém universal, de viver o que ele chama de 

localidade  da  cultura  e  que  se  estabelece  em  torno  da  temporalidade,  cria  o 

pertencimento e articula as diferenças e as  identificações culturais do que pode ser 

representado. Esse autor procura  formular as estratégias de  identificação cultural e 

de  “interpelação  discursiva”  que  funcionam  em  nome  de  um  conjunto  (povo  ou 

nação), que foram sujeitos a uma série de narrativas sociais e literárias.  

Dentre os aspectos que devem ser enfatizados, situa‐se a dimensão  temporal 

dentro  das  identidades  políticas,  assim  como  as  poderosas  fontes  simbólicas  e 

afetivas  da  identidade  cultural,  que  constroem  significados  enquanto  categoria 

sociológica  e  entidade  cultural  –  os  seus  intérpretes  têm  o poder de disseminação 

desses valores. Nessa análise, a narrativa  sempre  carrega uma  carga  imagética – a 

localidade  e  a  espacialização  do  tempo  histórico,  que  são  fontes  para  uma 

humanização da localidade: 

144 BHABHA, Homi.  O local da Cultura. Belo Horizonte: UFMG, 1998. p. 199. 

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A metáfora  recorrente  da  paisagem  como  paisagem  interior (inscape)  da  identidade  nacional  enfatiza  a  qualidade  da  luz,  a questão  da  visibilidade  social,  o  poder  do  olho  de  naturalizar  a retórica da afiliação nacional e suas formas de expressão coletiva. (...)  tempo nacional torna‐se concreto e visível no cronotópo do local, do particular, do gráfico, do princípio ao fim.145 

 

Nessa  narrativa  nacional,  os  retalhos,  os  restos  da  vida  cotidiana  são 

transformados em signos de uma cultura nacional coerente, porém na produção da 

nação como narração ocorrem rupturas na temporalidade: 

O  processo  histórico  antropológico  a  ser  analisado prioritariamente  (...)  pode  ser  pensado  como  um  exemplo  de “invenção  da  tradição”  ou  de  “fabricação  de  autenticidade”  brasileiras (..) a autenticidade não é um traço inerente ao objeto ou ao acontecimento  que  se  declara  autentico;  trata‐se  de  fato  de  uma construção social que deforma parcialmente o passado. 146 

 

É  através  dessa  deformação  que  a  ambivalência  conceitual  da  sociedade 

moderna se torna o lugar de escrever a nação – ou reescrever.  Nessa representação 

existem ambivalências, de diferenças culturais e formas de vidas que lutam para ser 

representadas  e  que  podem  ser  associadas  aos  retalhos  da  vida  cotidiana  que  se 

estabelecem  em  construções  de  signos  nacionais  e  de  sujeitos  históricos, 

fundamentadas numa pedagogia, que tem sua autoridade narrativa na “tradição do 

povo.”: 

As  “Comunidades  Imaginárias”  recebem    identidades essencialistas.  Isto  porque  a  unidade  política  da  nação  consiste  em um  deslocamento  da  ansiedade  do  espaço  moderno irremediavelmente  plural  –  a  representação  da  territorialidade moderna  da  nação  se  transforma  na  temporalidade  arcaica  do tradicionalismo, convertendo  território em  tradição e convertendo o povo em um. 147 

 

Analisar as formas de identidade cultural a partir dos que estão na periferia ou 

na  contramão  dessa  história,  pode  revelar  essências,  dentro  da  perspectiva 

145 BHABHA, op.cit. p. 205 146 VIANA, Oliveira. 1995. Op. Cit.p 35 147 Idem.Ibidem. p.211 

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foucaltiana148, e abrir um caminho para analisar a exclusão social como o substrato 

revelador  de  significados  ou  de memórias,  como  uma  possibilidade  para  rever  o 

processo simbólico, partindo do  imaginário social – nação, cultura e comunidade – 

para  o  viés  das memórias  esquecidas,    dentro  do  processo  de  individuação,  para 

tentar  compreender  a  contradição  social  e  resgatar  os  espaços  esquecidos  no 

desenvolvimento da urbanização. Em outras palavras  seria: verificar as  sobras dos 

retalhos que foram esquecidos e não entraram na colcha. Verificar o que escapou às 

identidades  desenvolvidas  pelo  poder,  por  sua  vez,  tem  raízes  na  Cultura  do 

Romantismo.  “Os  intelectuais  que  estudam  em  universidades  européias  são  uma 

geração formada pela cultura iluminista”. Por isso, as lacunas nessa tradição podem 

estar,  como  revela  Elias  Saliba  149  “à  margem  das  fontes  tradicionais,  como  por 

exemplo nos  ilustradores  brasileiros  que  eram  liberais  e não  tinham  compromisso 

com a cultura romântica. 150 

É  possível  lembrar  através  do  que  foi  esquecido,  pois  é  através  do 

esquecimento que a identificação problemática de um povo nacional se torna visível. 

Nessa  dinâmica,  é  preciso  esquecer  dos  lugares  de  outrora;  das  marcas;  da 

simbologia;  do  pelourinho;  do  espaço  da  forca;  da  escravidão.  É  uma  tradição  de 

negações  –  negar  nossa  africanidade  cultural,  nossa mestiçagem  étnica,  negar  que 

temos  ligações  que  sobrevivem  (ou  supervivem),  apesar  de  nossa  cultura  se 

fundamentar  em  memórias  autorizadas.  Dentro  desse  pensar,  verificamos  um 

deslocamento dos lugares da cidade de acordo com os critérios do lembrar/esquecer: 

Ser obrigado a esquecer – na construção do presente nacional, não  é  uma  questão  de  memória  histórica;  é  a  construção  de  um discurso  sobre  a  sociedade  que  desempenha  a  totalização problemática  sobre  a  vontade  nacional.  Aquele  tempo  estranho  – esquecer para lembrar – é um lugar de “identificação parcial” inscrita no plebiscito diário que representa o discurso performativo do povo. 151 

  148 Cf. FOUCAULT. Michel. Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Graal, 1979. 149 SALIBA. Elias. Raízes do Riso. São Paulo: Cia das Letras, 2002. 150  Idem.Ibidem 151  BHABHA,1998. Op. Cit. p. 226 

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Na narrativa da nação, as pedagogias de vida contestam as histórias perplexas 

de  povos  vivos,  culturas  de  resistência,  territórios  da  memória  popular  que 

sobrevivem e ficam à margem – na diferença cultural: 

Há que se  lembrar ainda que todas as referências urbanas de São Paulo eram utilizadas pelos cronistas macarrônicos de uma forma totalmente anárquica e desordenada. Apegavam‐se às denominações antigas,  desdenhando  as  oficiais;  gostavam  sobretudo  dos sobrenomes  rebarbativos  que  permaneciam  numa  espécie  de memória  popular. Moacyr  Piza  chamava  o  largo  Sete  de  Setembro pelo antigo e  inoportuno nome de Pelourinho  (...) Galeão Coutinho chamava  a  avenida  Liberdade  pelo  seu  nome  mais  antigo,  de caminho para o sítio do Quebra‐Bunda”, também um antigo local de suplício  de  escravos  recalcitrantes;  a  praça  da  Liberdade  era designada por “Largo da Forca”  ,  também  lembrando o  local onde, algumas vezes, foram executados alguns condenados à morte. 152 

 

O  viés  do  humor  é  uma  resistência  dessas memórias  desautorizadas, mas 

muito  reveladoras,  inclusive uma  forma de  resistência  e de  contestação. Como no 

caso da narrativa de um cronista do período: 

Silvio  Floreal  (...)  tornou‐se  logo  inconveniente,  pois  num momento  em  que  toda  cidade  elogiava  o  viaduto  do  Chá,  como esplendor da vitória urbanística de São Paulo, filtrado pelo projeto de Jules Martin,  ele  concluía numa  crônica que na verdade,  tinha  sido construído um autêntico “suicidouro municipal”.  153 

 

Porém em relação a esses problemas de auto‐estima nacional, que por sua vez 

se construiu numa busca de paradigmas de superioridade, analisamos que segundo 

Schwars,154 nosso complexo de inferioridade, de sentimento de cópia e periferia está 

na tônica do sentimento de inquietação que perpassa pela baixa auto‐estima. 

A  cópia  é  secundária  em  relação  ao  original,  depende  dela, vale menos etc. Essa perspectiva coloca um sinal de menos diante do conjunto dos esforços culturais do continente e está na base do mal estar intelectual (..) Por que dizer que o anterior prima pelo posterior, o  modelo  sobre  a  imitação,  o  central  sobre  o  periférico,  a  infra‐estrutura econômica sobre a vida cultural e assim por diante? (...) O 

152  SALIBA,2002. Op.Cit. p.186 153 Idem, Ibidem. p.187 154 Cf. SCHWARS, Roberto. Nacional por Subtração.  In: Que horas são? Ensaios. São Paulo: Cia das Letras, 1987. 

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espetáculo  que  a  avenida  paulista  oferece  ao  contemplativo  pode servir  de  comparação:  a  feiúra  repulsiva  das mansões  em  que  se pavoneava o capital da  fase passada parece perversamente  tolerável ao pé dos arranha‐céus da  fase atual, por uma questão de escala, e devido também à poesia que emana de qualquer poder quando ele é passado para trás. 155 

 

Uma das buscas de todos os nacionalismos era o ideal de que passaríamos de 

“atrasados  ao  sentimento de  adiantados”,  com  ou  sem  o  sentimento de  ser  cópia. 

Esse rompimento com o primado da origem poderia nos levar a combater relações de 

subordinação.  Essas  questões  se  sustentam  e  também  se  agravam  com  as  teorias 

evolucionistas,  que  criam  categorizações  e  conseqüentemente,  complexos  de 

inferioridade e superioridade, como observado no texto de meados do século XX  de 

Manuel Bonfim, chamado: A Inferiorização do Brasil ‐ onde esse autor discorre sobre 

teorias  evolucionistas  e  reforça  recalques  nessas  categorizações156. No  Brasil,  esses 

critérios  totalmente revelados em anúncios publicitários, ou reclames, mostram que 

as  sociedades  almejavam  o  ideal  de    branqueamento  atrelado  à  beleza,  à  saúde  e 

respeitabilidade. Mesmo que na forma cosmética. “O Estado Novo mesmo mudando 

para uma  retórica  racial disfarçada de democracia  racial, não havia  abandonado  a 

tese de branqueamento [apud]”.157   

Mas o que se estabeleceu como uma estética brasileira? Existe uma  forma de 

entender a cultura brasileira ou os preciosismos de uma identidade nacional?  

Existe uma razão nacional peculiar ao Brasil, onde a periodização pode ser um 

guia, não uma prisão para estudar os registros literatos e iconográficos. Por exemplo, 

ao  se  falar  em  romantismo  no  Brasil,  deve‐se  referir  a  uma  forma  de  olhar  que 

atravessa vários períodos.  Como vimos, é no período Romântico que se criam ícones 

de brasilidade, mas  eles perduram num  esforço  em encontrar “raízes”  e unificar a 

155 Iden.Ibidem.p.34. 156 Cf. Manuel Bonfim. A Inferiorização do Brasil. In: A América latina: Males de Origem, de 1905 e  Efeitos do Parasitismo  sobre as Novas Sociedades  In: O Brasil na História de 1930;    fragmentos de textos. [S.L: s.n]. 157 Seyferth 1991:. p.171 . [apud] por VIANA,1995 p. 73 

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própria  elite,  sobrevivem,  até  mesmo  após  a  “revolução  estética”  proposta  pelo 

modernismo.  

No  âmbito  da  territorialidade,  as  cidades  sofrem  adequações  de  estilos, 

preocupam‐se em seguir tendências estéticas. Porém, não se cria um espaço público 

legítimo, pois a elite não acredita no espaço da cidade como “público” na acepção do 

termo. A  legitimidade  e  o  reconhecimento  de  valores  que  formam  um  círculo  de 

regras  próprias  de  legitimação  desapropriam  espaços,  destroem  referências, 

modificam    lembranças  sem  se preocupar  com  a  essência dos  lugares  e  tampouco 

com a memória deles. Nesse sentido, as memórias inventadas são imortalizadas em 

obras de referência, tanto na literatura do período quanto nas imagens produzidas.  

Na dimensão da  imagem,  onde  estão presentes  elementos do  sagrado  e do 

profano, o  imaginário é  revelado, quer seja em  ilustrações  religiosas ou erotizadas. 

Por  isso  também, a propaganda e a  ilustração são muito significativas em um país 

com grande contingente de analfabetos. 

Dentro  das  condições  gerais  de  produção  e  difusão  cultural,  através  da 

reprodutibilidade,  da modernização  da  imprensa,  que  se  instaura  em meados  do 

século, um novo jornalismo, também estabelecerá temas de identidade cultural. Essa 

forma  de  difusão  apropriada    pelo  Estado Novo  irá  utilizar  o  cientificismo  como 

legitimador  de  identidades.  Essa  força  utilizará  o  impacto  da  ciência  na  vida 

cotidiana das pessoas, desde o século XIX é legitimizadora e provedora do bem‐estar, 

por  difundir  confortos  tecnológicos  associados  a  medidas  salutares  em  questões 

como: o surgimento da luz, do transporte, ou seja, de toda revolução tecnológica com 

poder transformador no cotidiano das pessoas.  

A tecnologia altera a percepção humana e as explicações “naturalistas” vêm a 

tona.  Porém, o naturalismo tinha um viés reacionário que justificava o racismo pelas 

teorias  evolucionistas.  Reforçando  e  justificando  preconceitos  que  eram 

“cientificamente” difundidos como verdades absolutas. 

 

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Capítulo 3

O olhar da Memória 

MULTIPLICIDADES

“O tempo é que é matéria do entendimento.” (ROSA, G.).   

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Mapas da Memória e do Esquecimento 

O  que  ativa  a  memória  dos  imaginários  pertence  a  ordem  das  matrizes 

culturais.  Por  isso,  por mais  que  haja  um  “direcionamento”  do  olhar  através  da 

propaganda dirigida, sempre haverá também uma forma de “escapar” ao controle.   

Se o olhar, em sua característica de alusão imaginária e desejo, desencadeia a 

fantasia (individual ou coletiva), então é possível “ver além” do que foi estabelecido, 

através dos elementos da expressão popular.  

Dessa forma, se o vínculo de um indivíduo com a cidade é sempre intenso, e 

gerador de múltiplas possibilidades de leituras, as imagens construídas e imaginadas 

também  são,  sobretudo a partir dos  fenômenos de ordem de uma  cidade e da  sua 

realidade. Para averiguar o processo de construção de imaginários da cidade de São 

Paulo  foram selecionados alguns  textos e  imagens do período estudado, que  foram 

analisados, estabelecendo um estudo do  registro visual das narrativas contidas nas 

imagens. A metodologia adotada  foi embasada na experiência de Armando Silva158 

que  forneceu parâmetros para mapear os  significados  e  construções do  imaginário 

urbano nos anos 30. Em “Imaginários Urbanos”, Armando Silva, nos dá o caminho 

desse  olhar  na  contemporaneidade,  que  por  sua  vez  remete  a  toda  uma  rede  de 

significados: 

O  estudo  sobre  o  olhar  levou‐me  a  compreender  que  o  que qualifica  o  ponto  de  vista  urbano  é  a  exposição  pública  (...)  daí  se depreendem  conseqüências  importantes,  pois  tais  conjuntos iconográficos  não  apenas  cumprem  a  função  de  mostrar‐se,  mas, simultaneamente,  definem  uma  cidade:  trata‐se  de  uma  definição societal, na qual a cidade é vista por seus cidadãos, mas em também os  cidadãos  são  recebidos  e  inscritos  por  sua  própria  cidade  como exercício de escrita e hieróglifo urbano” 159 

   Como  vimos,  o  território  pode  ser  tanto  o  lugar  da  origem,  como  do 

pertencimento,  o  espaço  em  que  habitamos  com  os  nossos,  ou  distante  deles. 

Portanto,  o  lugar  sempre  se  relaciona  com  o  sentimento de  identidade. Porém, na 

158 SILVA, Armando. Imaginários Urbanos. Trad. Mariza Bertolli. São Paulo: Perspectiva, 2001. 159 Idem. Ibidem.   

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formação da identidade cultural se o lugar de pertencimento for visto como definidor 

das  referências,  poderá  surgir  uma  lacuna  nesse  sentido,  considerando  que  a 

identidade  cultural pode  ser “produzida”. Por  exemplo,  se a nação  for vista  como 

uma coesão social, que oculta e reprime diferenças em favor do “estado nacional”  e a 

afirmação  territorial  se  estabelecer  como  uma  conquista  desse  espaço  nacional 

teremos, portanto, em primeiro plano a questão das referências ao status do lugar e 

em  segundo da  etnia. Nesse  sentido, percebe‐se que o  território  é uma  elaboração 

simbólica  e  o  conceito  de  nação  uma  construção  política.  Portanto,  o  território 

relaciona‐se à representação: 

O  território  tem  um  umbral  a  partir do  qual me  reconheço. Dentro  dos  seus  horizontes  posso  defini‐lo  como  “eu  com  meu entorno”. Assim o território vive seus limites (...) o território funciona como  mapa  mental  e  daí  o  seu  grande  e  diversificado  poder  de representação. 160 

 

Para pensar a  respeito   da  identidade  cultural de maneira  consciente,  temos 

que considerar que ela pode ser vista como uma construção, um estratagema político 

como se deu nos anos 30,  que se conformou num projeto estético.  Por outro lado, o 

imaginário pode “desconstruir”  esses paradigmas, posto que a  experiência  estética 

também se situa no campo das representações. Então a cultura pode ser vista através 

da experiência estética, e pode ser compreendida como uma função, que se cumpre 

dentro  e  fora  da  arte,  na  cidade  ou  no  paisagismo  e  “no  ver  o mundo”.   Nesse 

sentido,  as  narrativas  e  suas  estratégias  de  representação  são  definidoras  de 

memórias. Como nas palavras de Armando Silva:  “o homem produz arte como um 

terceiro, que interfere sobre si mesmo para imaginar‐se”161. 

A arte então, se situa no campo simbólico, sendo o artista um “leitor cultural”. 

Por isso, o artista tem o desejo do símbolo, ele é o contador do mito que pode revelar 

os códigos psico‐sociais.  

160  SILVA. Armando. Op.Cit. p.18. 161  Idem. Ibidem.p.66. 

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Embora a arte possa, como vimos, estar a serviço de um controle político, na 

instância da difusão  ela  também pode  escapar, pois o  território  cultural  também  é 

penetrável  pela  arte.  Através  do  imaginário  podemos  ir  ao  simbólico,  que  está 

sempre presente nas lembranças afetivas: 

O imaginário afeta, filtra e modela a nossa percepção da vida e  tem  grande  impacto  na  elaboração  dos  relatos  da  cotidianidade, contada  pelos  cidadãos  diariamente,  e  tais  pronunciamentos,  a fabulação, o segredo ou a mentira, constituem três outras estratégias de narração do  ‘’ser urbano. Os  relatos urbanos  focalizam  a  cidade gerando vários pontos de vista. 162 

 

O processo de  compreensão do  símbolo urbano  como expressão possível de 

ser  deduzida  da  imagem  da  cidade,  entendida  como  construção  social  de  um 

imaginário, prescinde de uma separação das categorias: mito, rito e constructo. 

 Ou  seja,  para  compreender  o  aspecto  urbano  de  uma  cidade  é  necessário 

passar pelo  entendimento de  certos  sentidos de urbanização, pois  a  cidade não  só 

significa,  mas  ritualiza,  estabelecendo  diversas  mediações  entre  o  público  e  o 

privado, que se interpenetram. Por exemplo: na toponímia as diversidades ao longo 

do  tempo se revelam. As mudanças e re‐significações podem ser um caminho para 

entender a cidade através de sua relação com os ritos e os lugares de memórias, tanto 

coletivas quanto individuais. 

Uma cidade não é só topografia, mas também utopia e delírio. Uma cidade é local, aquele lugar privilegiado por uso, mas é também o  local excluído, aquele  local despojado da normalidade social. Uma cidade  é  dia,  o  que  fazemos  e  percorremos, mas  dentro  de  certos cuidados e certas emoções. Uma cidade é limite, até onde chegamos, mas é também abertura, desde onde entramos, uma cidade é imagem abstrata, a que nos faz evocar algumas de suas partes, mas também é iconografia no cartel surrealista ou uma vitrina que nos faz vivê‐la a partir de  uma  imagem  sedutora. Uma  cidade  pois  é  uma  soma de opções  de  espaços,  desde    físico,  o  abstrato  e  o  figurativo,  até  o imaginário. 163  

162  SILVA. Armando, passim. 163 Idem. Ibidem. p.78 

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Segundo Armando Silva, “refletir sobre os comportamentos sociais, desde os 

imaginários,  implica  em  perceber  matizes  pré‐conceituais  a  partir  dos  quais  se 

percebe o mundo. O parentesco entre imaginários e estruturas  é o mesmo que entre 

a linguagem e sociedade ou entre liberdades individuais e expressões coletivas”.   

O autor  chama de “constructos  imaginários”, a percepção das aproximações 

entre os “fantasmas coletivos e os sentidos e saberes sociais”, que por sua vez, podem 

ser  percebidos  na  relação  estética  entre  os  cidadãos  com  a  cidade.  Estabelecendo 

possibilidades de transcender o urbanismo e penetrar  num imaginário que se revela 

nos lugares da memória que se relaciona aos desejos e aos códigos grupais de ver, e 

de  viver  e  habitar  as  cidades.  Portanto,  os modos  grupais  de  ver  e  representar  a 

cidade  através  da  arte  são  os  sentidos  que  revelam  realidades  e  culturas, muitas 

vezes esquecidas. 

Os movimentos  artísticos,  surgidos  com  as  vanguardas  no  inicio do  século, 

embora  tenham  sido  introjetados  por  uma  elite,  podem  revelar  caminhos  de 

expressão baseados em estratégias estéticas e na busca de significações, ao longo da 

história. Esse olhar busca entender a cidade, como uma construção  imaginária, por 

suas  expressões,  pois  a  cidade  é  também  a  construção  dessa  uma  mentalidade 

urbana: 

O que faz uma cidade diferente da outra não é só a capacidade arquitetônica que  ficou para  trás após o modernismo unificador em avançada  crise,  mas  os  símbolos  que  seus  próprios  habitantes constroem para representá‐la. E os símbolos mudam com as fantasias que  uma  coletividade  elabora  para  fazer  a  urbanização  de  uma cidade. 164 

 

  Nessa reflexão conduzida a partir do pensamento de Armando Silva, percebe‐

se que a construção da imagem urbana é estabelecida pela projeção imaginária que, 

por  sua  vez,  ultrapassa  sua  extensão  física  e  as  diferentes  representações  visuais. 

Portanto,  a  urbanização  passa  pela  dimensão  estética  e  os  ‘fantasmas  sociais’  têm 

participação  na  construção  do  espaço  físico  e  dos  símbolos  urbanos. Assim  como 

164 SILVA. Armando .Op.Cit 

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memória  é  também  um  elemento  constitutivo  do  espaço  urbano,  posto  que  o 

recordar e representar são atributos que revelam as metáforas coletivas.  

Assim, as  representações podem nascer  tanto da geometria de uma cidade e 

da construção física do espaço, bem como, de um mundo cromático da cor urbana ou 

de símbolos e modos de viver a cidade.  

Por isso, a cidade é arte em seu sentido espacial, pois a arquitetura é uma arte 

visual  e  a  história  das  formas  corresponde  à  história  da  arte  na  cidade.  Já  os 

imaginários urbanos revelam as formas como os habitantes  inventam formas de vida 

para criar sua cidade, na qualidade do acontecimento estético e político. As  formas 

externas da cidade encontram elos com o ser coletivo urbano.  

Para entender as dimensões culturais da cidade, buscamos  as influências  do 

período na dimensão histórica, interpretando a cidade como uma forma de arte, quer 

dizer, como uma forma inventada que rivaliza, interroga e dialoga com os arquitetos, 

projetistas e operadores físicos. Mas tal forma só será validada se for assimilada por 

seus habitantes que são os responsáveis por fazer da cidade uma experiência estética 

construída a partir do viver cotidiano. Portanto, o sentido da arte é uma construção e 

o sentido estético também se constrói historicamente. 

Estudar a cidade, sob os signos da arte,  transcende o mapeamento simbólico 

das arquiteturas para um reconhecimento da construção das formas imaginárias que 

habitam a mente de seus cidadãos pela interiorização dos espaços vividos. Por isso, 

observar a cidade a partir de dimensões culturais consideradas abstratas e simbólicas 

é uma possibilidade de olhar sem o direcionamento do “ver oficializado”. 

A  memória  urbana  se  constrói  através  de  suas  metáforas. Compreender o urbano de uma cidade passa, por assim dizer, pelo entendimento de certos sentidos de urbanização. A compreensão do símbolo urbana, entendida como construção social de um imaginário, requer  um  esforço  de  observação  e  segmentação  enquanto experiências que emergem da própria cotidianidade165.  

165 SILVA, Armando. Op. Cit. p. 225. 

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Com o objetivo de relacionar arte e cidade no período de 30, foram construídas 

algumas  redes de pensamento, uma  espécie de mapeamento das memórias que  se 

estabeleceram  através  dos  lugares  das  lembranças  impressos  na  cidade.  Buscando 

contextualizar aspectos da memória,  literatura e imagens.  

Foram analisados,  como  fontes dentro dos  critérios apontados nesse  estudo, 

dois  trabalhos, sendo o primeiro, a sensível obra de Ecléa Bosi166,   cuja pesquisa na 

área de psicologia social, tornou‐se uma referência para a questão da memória e do 

imaginário. A pesquisa se valeu dos dados colhidos em dinâmicas de oralidades, do 

trabalho de  campo dessa autora,  e  esses dados  foram utilizados  como  fonte. Esses 

registros, chamados pela autora de “lembranças de velhos”, foram analisados e deles 

foram  selecionados  alguns  elementos  narrativos  que  possibilitaram  uma  leitura 

imagética da cidade de São Paulo, no período de 20 a 40. Dessa forma, elementos de 

história oral, embora por um viés terciário, foram utilizados como fontes primárias.  

Nos depoimentos afetivos cujos  fragmentos  foram selecionados, a cidade é a 

referência da memória, ou seja, toda memória das narrativas apresenta‐se pontilhada 

de localizações no espaço urbano. Porém, muitas dessas referências, dizem respeito a 

lugares que  já não  existem mais. Os  lugares,  como veremos mais  adiante,  ficaram 

apenas  na  lembrança,  por  esse  motivo,  também  foi  possível  estabelecer  alguns 

pressupostos  acerca  da  questão  do  patrimônio.  Paralelamente,  e  numa  ordem  de 

entrecruzamentos  das  informações,  foram  trabalhadas  as  narrativas  literárias  de 

Sylvio Floreal167, que é o segundo  trabalho utilizado   na pesquisa. Esse autor é um 

cronista do final dos anos 20, considerado escritor marginal, ou  inferior, pela moral 

da  época. No  livro,  Ronda Noturna  168  o  referido  autor  contextualiza  seus  contos 

sobre  a  boemia  paulistana,  revelando  o  universo  dos  excluídos  das  memórias 

“desautorizadas”.  

166 BOSI, Ecléa. Memória e Sociedade: Lembranças de Velhos. São Paulo: Cia das Letras, 1994. Várias informações que se seguem são extraídas desse livro, sobretudo a parte de Lembranças. 167 Sylvio Floreal, pseudônimo de Domingos Alexandre, que  foi pedreiro, depois do  funcionário do correio e jornalista. Nascido na cidade de Santos, em data incerta. Teve parte de sua formação através de núcleos de organização anarquista. 168 FLOREAL, Sylvio. Ronda Noturna. Op. Cit. 

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Após o levantamento de dados significativos para esse estudo, buscou‐se, nos 

registros  de  interpretações  metafóricas,  a  localização  dos  lugares,  personagens  e 

imagens, com as quais se  identificavam as  lembranças e os acontecimentos da vida 

da  cidade,  pela  perspectiva  de  lugares  esquecidos  e/ou  proibidos.  Estabeleceu‐se,  

portanto,  dois  mapas  de  memórias  afetivas,  classificados  como:  Mapa  das 

Recordações,  com  os  depoimentos  do  livro  de  Ecléa  Bosi  e  Mapa  dos 

Esquecimentos,  com  dados  levantados  da  obra  de  Sylvio  Floreal,  que  revelou 

particularidades da boêmia paulistana e dos excluídos das memórias. 

Através do  entrecruzamento dos dados  selecionados  e mapeados, das duas 

obras  e  dos  aspectos  narrativos  referentes  aos  lugares  da  memória  e  do 

esquecimento, foi realizado um estudo, no sentido de tentar uma aproximação com 

os significados culturais do período e tentar entrar no universo imaginário através de 

ilações com as imagens.  

A  finalidade dessa amostragem  foi  levantar questões acerca do  imaginário e 

das circunstâncias culturais da cidade nos anos 30. Estabelecendo confrontações de 

memórias, narrativas e representações que revelavam a cidade do período. Buscou‐

se, posteriormente, uma aproximação da malha  simbólica a partir das narrativas  e 

das  estruturas  criadas  nas  lembranças dos  lugares,  com  o  objetivo de  entender  as 

passagens, estruturas e referências das lembranças reveladas e dos lugares do cenário 

urbano  e  dos modos  de  viver  na  cidade.  Nesse  universo  polissêmico,  buscou‐se 

entender aspectos  relacionados à  construção da memória  individual e da memória 

coletiva.  

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Mapa das Recordações 

“Recordar é passar duas vezes pelo coração.” (GALEANO).169 

 

Os aspectos da dimensão do imaginário na representação social e da memória 

são os  sentidos que  revelam os significados dos  lugares e se organizam através da 

morfologia urbana. Foram recolhidos das narrativas, recortes e frases, escolhidas pela 

referência aos espaços da cidade relacionados a aspectos da memória, do imaginário 

e das  representações. Algumas passagens das “lembranças de velhos”, do  livro de 

Ecléa Bosi, permitiram dimensionar a cidade dentro de um mapa afetivo.  

Para um entendimento mais pontual, algumas frases que remetem a lugares e 

fatos  foram recortadas e analisadas. O agrupamento se deu através de uma seleção 

de categorias e dos conceitos utilizados para análise.  

 

1. No espaço urbano, os monumentos são representações de uma história oficial 

Nas  narrativas,  as  citações  sobre  marcos  históricos,  prescindem  de  memórias 

afetivas  e  se  confundem  na  finalidade  da  obra  e  no  sentido  do  espetáculo  ou 

através da relação com o local e pessoas próximas: 

[...] no Centenário da  independência, quando começou o Monumento do Ipiranga: quem fez foi o escultor espanhol Jimenez, amigo de meu pai. O rei da Bélgica veio na época do Centenário e se hospedou no Hotel Terminus, atrás do Teatro Municipal. (p.163) 

 

2. As ruas revelam dimensões do imaginário 

 O  espaço  rua  é  o  lugar  das  crianças,  das  brincadeiras,  das  festas  populares  e 

religiosas (São Vito, Acheropita), dos vendedores de ruas. [imagem 13: p. 169] 

A  Rua  Conselheiro  Nébias  era  uma  maravilha  por  que  a  gente brincava de amarelinha, pegador, de  lenço atrás, podia atravessar a rua correndo...( p.96)   

169 GALEANO, Eduardo. O livro dos Abraços. Porto Alegre: L&PM, 2005.  

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Na  frente  da  casa  passavam  os  vendedores  de  castanhas, cantarolando.  E  o  pizzaiolo  com  latas  enormes,  que  era  muito engraçado e vendia o produto dele cantarolando...(p.98) 

 

3. Espaços do campo na cidade  

Referem‐se a paisagens sem definições como “espaços de outrora” (referência de 

um universo rural em meio à metrópole) e toponímia também aparece de forma 

poética: [imagem 14: p. 169] 

A rua não tinha calçada. As crianças ficavam à vontade naquelas ruas antigas. Eram ruas de lazer (...) Os terrenos baldios grandes sempre se faziam  parques  para  a  meninada.  Meus  irmãos  jogavam  futebol juntos. (p. 125)  Na Bela Vista,  os  carroceiros  calabreses  se  recolhiam  as  seis  horas. Quando chegavam, guardavam os animais nas cocheiras na rua Treze de Maio, na Rua Rui Barbosa e na Pereira Barreto, que antigamente se chamava  Rua  do  Sol.  Aí  tinham  seus  cortiços  e  suas  baias  onde punham ração para os animais (...) Liam o Fanfulla e usavam brincos de ouro numa orelha só. (p. 227) 

 

4. A casa e o bairro, relaciona‐se a condição social 

Separações  étnicas,  espaços de  ascensão  e de declínio,  revelam preconceitos. O 

lugar  da  identidade,  o  endereço  como  referência  de  classe  social.  Lugares  de 

profissões, ofícios que agregam grupos. As diferenças  revelam que  já nascemos 

inseridos em uma cultura: [imagem 46: p.181] 

Eu não morava numa casa, morava num quarto numa vila...( p.96)   Aquele bairro  ficou horrível,  era uma maravilha os  campos  elíseos, aquelas ruas quietas, aqueles jardins...( p. 99)  Nasci no Brás, na  rua Carlos Garcia, 26, no dia 30 de novembro de 1906. Meus pais vieram da  Itália, meu pai era  toscano e minha mãe veneta, meu pai era alfaiate e minha mãe costureira. (p.124)   Essa rua Carlos Garcia é nas  imediações do comércio de cereais, no Brás,  perto  da  Santa  Rosa,  Benjamin  de Oliveira,  Cantareira...‐ Na minha  infância  o  bairro  fino  mesmo  era  a  avenida  Paulista  e  a avenida  Angélica  e  imediações  [...]  Para  esse  lado  de  cá  do  Brás, Cambuci, Belenzinho, Mooca, Pari,  tudo era uma pobreza, ruas sem calçadas, casas antigas, bairros pobres, bem pobres...(p.151) 

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Nasci na Avenida Paulista em 1900 numa travessa chamada Antonio Carlos [..] Meus pais vieram para cá como imigrantes da Europa. Da hospedaria de imigrantes eles  já eram tratados para uma fazenda no Estado de S.Paulo (p.154)  Nasci no Largo da Sé onde ainda existe a Casa Baruel ...(p. 177)  Aluguei uma casa no Paraíso, rua Abílio Soares, 165. Ali eu era Dona Risoleta, todos me chamavam de Dona Risoleta. (p. 390) 

 

5. Modos  de Morar  –  Referências  de  condições  societárias  e  de modos  de  viver 

revelam as relações afetivas e familiares, impressas na organização do cotidiano e 

na conformação dos lugares: [imagem 44: p.180] 

Meu  marido  construiu  uma  casa  num  terreno  que  tinha  na  Rua Jerônimo de Albuquerque, essa casa tinha dois dormitórios e um bom banheiro, meu marido desenhou  a mobília  (...) As pinturas  ficaram lindas (afrescos): na parede da sala de jantar havia painéis formando quadros  (...)  a  sala  em  cima  tinha  uma  barra  de  rosas  amarelas pintadas  pelo  colega  de  fábrica  do meu marido,  chamado Alfredo Volpi (p.114)   Essa é uma  casa de recordações, porque meus filhos nasceram nela, é a casa da primeira comunhão, noivado, casamento... (p. 98)  [...]  a  casa  dava  pra  rua,  mas  tinha  quintal;  lembro  da  sala,  dos dormitórios. (p.152)  

Papai construiu a cada da Rua Barão de Tatuí, esquina com a Alameda Barros, em 1905, para onde mudamos e ficamos até 1926. Foi a casa que marcou minha vida, em todo sonho ou pesadelo, volto para lá. (p. 297) 

 

6. Lugares da divisão social revelam os deslocamentos, a xenofobia, o racismo  

Nessas narrativas percebe‐se claramente que os deslocamentos reforçam e criam 

preconceitos  e  a  tradição  de  negação  de  origens  consideradas  inferiores  está 

sempre presente. [imagem 29: p. 175] 

Pretos  no  Brás  tinha  muito  pouco.  A  maior  parte  eram descarregadores  de  sacos  lá  no mercado  pequeno,  um mercado  de peixe na Ladeira do Empório Toscano, perto do Parque D.Pedro. Nós não sabíamos onde moravam aqueles pretos. Deviam morar no alto da Mooca [...] Eram lugares descampados depois do monumento. (p. 144) 

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 Na  Rua  São  Bento  ficava  a  Leiteria  Ferreira,  uma  leiteria  chique. Gente de cor só podia comprar no balcão, não deixavam entrar e se sentar, mesmo que fosse mulato bem claro. (p. 388)  

 

7. As fábricas, as oficinas, os espaços do trabalho 

Revelam as relações do mundo do trabalho e das diferenças sociais e também um 

universo onde o trabalho infantil é muito comum: [imagem 35 p.177] 

Com dez anos comecei a trabalhar numa oficina de costura da rua Apa (imagem)...  Lá  na  Santa  Cecília  [...]  Com  doze  anos  trabalhei  numa oficina na Rua Duque de Caxias [...] eu saia da José Paulino e ia até lá a pé, tudo era calmo...(p.103)  

Quando trabalhava nem para o centro da cidade eu ia, minha vida era da Marques de  Itu para o Bom Retiro  (...) meu marido  trabalhava no Cambuci, na Masucci, Petrarcco e Nicoli – uma oficina de gravação de metal. ”(p.140)   

8. Organizações e sindicatos – festas públicas 

Observa‐se a dimensão do privado e do particular na esfera da vida pública, onde se 

confundem as memórias oficiais com as memórias “desautorizadas”: [imagem 40: p. 179] 

Os  operários  do  Brás,  festejavam  o  Primeiro  de  Maio,  fazendo piqueniques no Parque Antártica, as  famílias  se  reuniam na grama, cantavam, brincavam. A maior parte do primeiro de maio na praça eram  paulada. Quando  os  comícios  alteravam  chegava  a  cavalaria [..]e desmanchavam o comício com cassetete...(pag.124)  O primeiro de Maio era muito  festejado pelos operários. O governo não queria que os operários  fossem para a  rua e que o Primeiro de Maio  fosse muito  festejado.  Então  quando  eles  faziam  as  grandes manifestações,  que  eu me  lembro, mandava  as patas de  cavalo  em cima do povo pra dispersar. O povo  se  reunia na Praça da Sé  e os soldados batiam com as espadas. (p. 161) 

 

 

 

 

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9. A cidade, vista como bucólica, com moças nas janelas  

Diferentemente da metrópole do  crescimento  e da velocidade,  a narrativa  é quase 

sempre voltada a aspectos bucólicos da cidade: 

[...]  as moças  das  casas  que  ficavam  nas  janelas  da Rua Rodrigo  e Silva, esquina com Tiradentes. (p.59)    [...] quando eu era pequeno só havia sobrados na cidade. Para se  ir até o centro era preciso atravessar um matagal, que é hoje onde está o Parque D.Pedro [...].” (p.147) 

 

10.   As ruas de comércio, as vitrines, a moda, os espaços de compras  

A referência de status, na dimensão do consumo e a eficácia da propaganda voltada 

para esse fim, ficam claros. O anúncio como medida de qualidade já revela aspectos 

do poder da cultura de massas na indução ao consumo: 

Um  dia  seu  Eugênio  trouxe  para  mim  um  par  de  sapatos  e  um vestido do Ao Bom Marche, achei aquilo uma glória...(p.99)   Quando  conheci  as  lojas da  cidade,  era uma maravilha,  a Barão de Itapetininga  com  as  lojas  finas,  a Rua Direita  com  a  Sloper,  a Casa Alemã. (p.100) 

 

11.   A Escola, as oficinas de artes, os professores 

Revelam aspectos do ensino, lembranças dos colégios e do aprendizado: 

Aprendi a Ler no Grupo Escolar do Triunfo, na Alameda Cleveland, ali, depois da ponte do Bom Retiro (p.100).   No  Brás  tinha  a  Escola  Regina  Margherita  que  alfabetizava  em italiano. Eu aprendi a  ler no Grupo Escolar do Carmo  [...]. A Escola era no fim da avenida Rangel Pestana, perto da praça Clóvis. ” (p.147)  

 

12.   O espaço das festas públicas 

A  dimensão  das  festas  de  rua,  sagradas  e  profanas,  como  o  carnaval,  as  festas 

religiosas, as procissões, e serestas:   [imagem 15: p.170]  

Lembro  das  serenatas  lá  na  Rua  Serpa  Pinto,  lá  no  Bom  retiro... (p.105)  

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Íamos aos piqueniques no Parque Antártica com a família, depois do almoço íamos passear no jardim da Luz, que era uma beleza. (p.109)   Ainda  fui  com  meu  marido  nos  bailes  de  carnaval  da  praça  da república.  Faziamos  corso  na Avenida  Paulista  [...]  depois  tinha  o corso  na  Avenida  Rangel  Pestana,  naquela  avenida  grande,  ela  ia quase na Penha [...]passava pelo Arouche, pela Rua Rego Freitas [...] todos os sábados na Avenida Paulista tinha corso... (p.110)  Os  mocinhos  e  as  mocinhas  passeavam  à  noite  no  Largo  da Concórdia e na Rangel Pestana, de um  lado os  rapazes do outro as moças. (p. 140)  [...] havia no Brás uma festa de Rua, a de São Vito Mártir. Iluminavam a  rua  do  Gasômetro,  a  Santa  Rosa,  a Assunção,  as  imediações  da Igreja. Armavam palanques para um  concurso de bandas. Os  fogos eram uma coisa extraordinária. A imagem de São Vito ficava na Igreja do Lucas. Tinha também a festa de São Cosme e São Damiano. (p.149)   

13.   A moda – distintivos sociais e de gostos e culturas 

As  mulheres  andavam  de  chapéu  e  luva  na  cidade,  como  num passeio... (p.107)    

14.   A “Semana de Arte Moderna” como um evento restrito a elite  

Pouco soube dos modernistas porque estava completamente desligada da alta sociedade. (p. 293) 

 Corriam muitos  boatos  em  São  Paulo  sobre  os modernistas.  Fomos espiar na calçada um baile do Clube Spam (Sociedade Paulista de Arte Moderna)  e  vimos  a  entrada  das  amizades  de Dona Olívia,  a  gran‐finagem de São Paulo. (p.296) 

 

15.   Calamidades públicas 

Curiosamente narradas quase  sempre numa  representação  romântica:  [imagem  56: 

p.184] 

Quando  chovia  muito  a  Baixada  do  Bom  Retiro  virava  a  Veneza brasileira.  A  enchente  tomava  conta  de  tudo.  As  famílias  todas tinham  barco  e  durante  a  noite  passeavam  nas  ruas  inundadas. (p.108)   

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O rio Tamanduateí enchia fácil, era muito estreito [...]No Cambuci a enchente era uma brincadeira...” (p.143) 

 

16.   Esferas da diversão pública ‐ cinema, teatros, cafés [imagem 42 p.179] 

Toda  semana  íamos  ao  cinema  que  tinha  no  Bom  Retiro  –  O Marconi... e também no Cine Rosário na São Bento. (p.109)   Desde  pequeno  gostava  de  teatros,  operetas,  o  teatro  sempre  foi minha maior paixão. Era o teatro do Cassino Antártica, o Boa Vista, o Santana. E o circo. O circo hoje  tem mais  luxo, mas o circo daquele tempo era o verdadeiro circo onde existia Chicharrão, Piolim, Irmãos Queirollo que faziam a ponte humana... (p.144)  Com uns doze anos fui pela primeira vez ao cinema, lá na rua Major Diogo. (p. 154).  Quando  eu  trabalhava  na Confeitaria  Fasolli,  existia  na  Praça  João Mendes  um  cinema,  chamava‐se  Cine  Congresso,  pagava‐se oitocentos réis a entrada. (p.168). 

 

17.   Lugares da Fé –  igrejas, espaços de cultos, sacralizações do urbano  [imagem  41: 

p.179] 

Levei  a menina  na  capelinha do  Sumaré,  na Avenida Dr. Arnaldo, capela milagrosa de Nossa Senhora de Fátima... Fomos ao primeiro Congresso Eucarístico no Anhangabaú... (p.117)  Fiz primeira comunhão com os padres beneditinos na  Igreja de São Bento. (p.149)  

18.   Medidas Sanitaristas  

Nunca  se  referem  ao  lugar,  pois  eram  destinadas  a  profilaxia  e  remoção  de 

indesejáveis: 

Perto da minha casa (Brás) vinham duas vezes por semana os mata‐mosquitos, fardados de amarelo e com bonezinho. ” (p.150) 

 

19.   As revistas, jornais e as noticias de grande impacto [imagem 69 p.188] 

 O acesso à informação as notícias veladas, e as “re‐velações”: 

[...] mas lia as revistas, eu sei tudo, A cigarra, as crianças liam O Tico‐Tico, não lia jornal mas lembro do crime da mala... (p. 103)  

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Na época lia muita revista de cinema A Scena Muda,  Eu Sei Tudo. E os folhetins da Fanfulla. [...] No Brasil houve uma revolta comunista em 22 que abafaram, sei que fuzilaram muita gente. (p. 163) 

 

20.   Revolução – espetáculos de conflitos bélicos na cidade  

Vai explodir o depósito de pólvora do hospício da Rua Tabatinguera – onde tinha um quartel.,(atravessamos todo Cambuci). (p.111)   Na Revolução de 24 o povo assaltou o Mercado Municipal. O povo em geral, eles saquearam os armazéns do bairro, lá na Mooca. (p.116)  Quando eu servia no bar, os gaúchos entravam de bota e bombacha e gritavam: Bota ai uma garrafa de vinho! Vocês paulistas não prestam, vocês deviam ser fuzilados! (p.128)  

21.   Impressões da Era Vargas – os “efeitos” da campanha Getulista [imagens 8,9,10 p.p 

168] 

O  Getúlio  fez  leis  que  se  executam  até  hoje  para  o  movimento operário.  Ele  foi  um  dos melhores  presidentes  que  o  Brasil  já  teve (p.146)  Não tínhamos direitos [...] só depois que veio o Getúlio, que Deus o abençoe! Ele lutou contra a classe patronal, capitalista... (p. 167)  São Paulo  era  contra Getúlio,  os  revolucionários  lutavam  contra  os legalistas, mas eu era a favor do Getúlio. Achava ele bom. As coisas que ele criou para os pobres vigoram até hoje. (p.385).  

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Mapa dos Esquecimentos 

Os lugares e as memórias proibidas 

Sylvio Floreal e a crônica do  lugar. Em “Vícios, misérias e esplendores da cidade de 

São Paulo170 “o  imaginário urbano é narrado pela perspectiva da chamada boemia. 

As  crônicas  desse  autor  possuem  uma  narrativa  reveladora  de  um  universo  de 

imagens de uma cidade esquecida, mas que ainda existe e ainda continua esquecida. 

Revela  a  cidade por ângulos diversos. São Paulo,  como  lugar de anseios  e buscas, 

memórias da exclusão. Os  lugares dos boêmios, dos miseráveis, das prostitutas. As 

imagens  com  as  quais  se  identificam  as  ruas,  as  lembranças  e  os  acontecimentos 

dramáticos da vida da cidade. Nesses  fragmentos, a cidade  foi mapeada pelos seus 

lugares de esquecimento, de memórias incômodas. 

 

1. Os cabarés e casas de prostituição – o consumo de drogas e outros vícios 

Hoje  graças  a  civilização  que  tudo  transforma,  melhorando  aqui, piorando  acolá,  temos,  além  daquelas  casas,  em  número  infinito, vários cabarés localizados em diferentes pontos da cidade... (p. 33)  O uso da cocaína, vício da elite; o jogo, os bordéis ‐ 270 bordéis e 1770 prostitutas de todas as idades. (p.38)  A cocaína, esse olímpico veneno  (...) é de há muitos anos usada nas atmosferas penumbrosas das garçonieres por alguns  indivíduos que se  desgraçaram  em  Paris,  torrando  fortunas  na  aquisição  desses vícios... (p.33) 

 

2. Dos  usos  “diferenciados”  dos  lugares  públicos  e  dos  nomes  dos  lugares 

[imagem 37: p. 178] 

O  viaduto  do  Chá,  o  suicidouro  construído  pela municipalidade... (p.34)  Na explanada Municipal, os lampiões espalhavam seus brilhos de um vermelho irritante, empastando o ar encinzeirado da noite. Homens e mulheres desses  que  trocam  a  luz do dia pelas  trevas, partiam  em peregrinagem aos cabarés e as casas do vício. (p.36)  

170 FLOREAL.Sylvio. passim. 

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3. Dos coronéis que resistiram ao tempo 

São Paulo,  lugar das ambições desmedidas, do enriquecimento, a cidade barões 

do café, dos coronéis, e dos golpistas. 

Contudo  ainda  não  desapareceram  da  tela  da  vida  deste  vasto cinematógrafo de povos, que é São Paulo uns tipos interessantes, com certas tintinhas de bizarrice, que tiveram suas origens no seio da casta tradicional  de  fazendeiros.  Ainda  perduram,  porém, metamorfoseados  através  de  sérias  transformações  e  modificados pelo antigo feitio pelas influencias morais de nossos dias (p. 38)  O coronel é o que protege e garante a manutenção da fêmea chique, “mamífero de luxo” verdadeiro escoadouro de dinheiro... (p.38)  São pródigos os  coronéis de puro  sangue que descendem  em  linha reta de uma fidalguia coronelífica. Mas há também entressachada nos que são verdadeiros e puros, uma cáfila de pseudos‐coronéis que se impingem  artimanhosamente por verdadeiros  e  fintam,  caloteiam  e passam calota na maciota. (p.39) 

 

4. Da prostituição em todas as esferas sociais [imagem 38 p.178] 

As  donas  de  pensões  chiques,  cabarés  e  outros  antros  onde  a evanidade  se  berganha  santamente  por  cédulas  da  caixa  de conversão.(p. 39)  (...) as aves de arribação e luxúria, as filhas de Eva, que fizeram votos de  viver  a  custa  de  sexo,  explorando  Abéis  e  Cains,  seus desventurados  irmãos. As  ilustres  fulanas quase sempre  loiras, para atrair o ouro, fascinadas pela rubínea fama há muito criada pelo café; deslocam‐se  até  do  recanto  mais  ignorado  do  mundo  e  vem  até aqui(...)  Profissionais  do  madalenismo,  industriadas  no  mister  de subtrair dinheiro com a gazua do sorriso, astutas aparecem, instalam‐se esplendidamente e lançam seu nome felino na praça. (p.45) 

 

5. Dos sonhos de enriquecimento e ideais de progresso 

São Paulo tem a desdita de gozar fama de cidade rica e perdulária! (p. 43)  A opulência de São Paulo conglorada atraiu e atrairá levas de gentes vindas  das  mais  remotas  plagas  do  mundo,  cuja  ambição  é  mais funda que o lendário tonel das Daiades... (p. 43) 

 

 

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6. Dos Albergues ‐ lugar dos excluídos, dos párias, de ex‐escravos 

Os  freqüentadores  do Albergue Noturno  e  do Albergue Municipal,  lugares  da 

mendicância  e  dos  que  buscam  o  abrigo  para  passar  as  noites.  Estrangeiros, 

bêbados  e  desempregados  mas,  sobretudo,  muitas  mulheres,  ex‐escravas  que 

citam o nome das famílias a que pertenciam e que as abandonaram. 

Rua Asdrúbal do Nascimento, n. 28 – Albergue noturno – sete horas da noite. Desfilam os párias, os hilotas, os mendigos, os malandrinhos por ofício, vagabundos por tara e bêbedos por fatalidade(...) mulheres ruínas  ambulantes  carcomidas  pela  sífilis  (...)  pretas  e  mulatas esfarrapadas, encarquilhadas  (...)  fui escrava da  família  tal,  fulano e sicrano mamaram em meu peito e hoje passam na rua e fingem que não me conhecem (p.53) 

  

7. Dos lugares da aristocracia, das galerias, da fusão de gentes [imagem 42: p.179] 

Sobre os  lugares do  luxo e da opulência: Higienópolis, Avenida Paulista, Bailes 

do Trianon, Automóvel Club , Mappin 

[...]  venerandas  famílias  que  moram  na  Avenida  Paulista, Higienópolis  e  outros  arrabaldes  aristocráticos.  Freqüentam  o automóvel club e os Bailes do Trianon, as  festas de rigor em que os velhos  e  matronas  ostentam  sua  indumentária  (...)  gastam  seu precioso  tempo; os  rapazes no Bar Municipal, de parceria com  suas amantes, e as meninas casadoiras no Mappin e outros lugares chiques onde se toma chá (p.53).  O  Triangulo  durante  o  dia  é  uma  quermesse  de  tipos  exóticos, arrogantes,  jactanciosos,  que  dissimulam    cinicamente  a  origem plebéia...(p. 57)  Evoco os bairros materialmente  limpos, onde habita de mistura com uma  casta  de  sangue  levemente  azul  de  fazendeiros,  a  legião  de banqueiros  e  industriais  de  sangue  violentamente  vermelho.  E desfilam em cardumes encardidos, logo após, os bairros da miséria – as suburras. Se os bairros aristocráticos são  interessantes na  fachada (...) os bairros pobres (...) das fábricas, são interessantes nas minúcias, nas reentrâncias e na alma. (p. 58)  É tarde de um sábado na Rua Direita (...) uma avalanche de homens, mulheres que fixaram esse dia em seus hábitos, para dar um ar de sua graça e infinita vaidade, aflui para esse trecho do triângulo. (p. 93)   

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Passam elegâncias  improvisadas, atitudes berrantes, postiças, gestos imitados e decalcados, maneiras forçadas, exóticas, e mesuras, tiques, sestros  e  cacoetes  plagiados  de  afogadilho,  de  outras  civilizações  e diferentes povos...(p.93)  A Rua Direita reorgita de povo. Entro na Confeitaria Fasoli. O vasto salão sempre cheio de homens e mulheres, delira entusiasticamente, animado pela música que  toca  sempre uns pout pourris nervosos e fox trots saltitantes à jazz band. (p.97) 

 

8. Lugares dos estrangeiros  

Os espaços das diferenças culturais e dos preconceitos. Aborda e a miscigenação e 

os  lugares  de  estrangeiros  que  vivem  à margem  de  uma  sociedade,  sobre  os 

aglomerados de raças, que ele chama de “deslocados de sua origem.” 

Tipos que foram escroques em Paris, batedores de carteira de Monte Carlo e San Sebátian, contrabandistas de Havre e Gênova, falsários de Londres e Nova York, cáftens da Rússia Polônia e adjacências (...) dos aventureiros esporádicos que apeiam (...) na estação da Luz, já temos o necessário para merecer o epíteto de “capital artística”. (p.57)  Os  filhos do Sol Levante, os  japoneses,  já  construíram  seu bairro, o seu minúsculo Japão em São Paulo. (p. 58).  Na  Rua  Conde  de  Sarzedas  onde  os  japoneses  vivem  mui japonesamente infringindo todas as leis de higiene. (p. 59). 

 

9. Tabernas e outros lugares de vícios e encontros 

Os  profissionais  das  tabernas  desobrigam‐se  cumprindo  sua  fé  de ofício. Começam a  sórdida paz das  tascas a beber de  tudo  (...) E os bas‐fonds,  onde  essa  corja  se  reúne,  fervilham  como  pântanos  em combustão. Acotovelam se aos guinchos, aos berros, dejetando ditos obscenos, do mais baixo calão... (p.63)  Na rua 25 de Março, na baixada do Mercado e nas ruas São Nicolau, Maria  Beneditta,  Lourenço  Gnecco  e  outras  travessas  escuras  e fedorentas,  funciona  uma  chusma  de  botequins  pestilenciais,  cada qual contando na sua folha corrida, uma esplendida legenda negra de rolos, forrobodós e assassinatos. (p. 65)  As  travessas  e  becos  adjacentes  ao mercado,  à  noite,  quando  essa corja se dispõe a beber e perturbar o silencia de quem dorme, dão a impressão pavorosa,... (p.65). 

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As  tabernas  que  existem  na  rua Anhangabaú,  Seminário, Quintino Bocaiúva, esquina com Senador Feijó, Largo do Riachuello e Piques (...) gozam da  freqüência de uma  clientela mais polida. De mistura com negralhões, mestiços, mulataços e “fêmeas” desbocadas e sujas, vêem‐se  os  chauffers,  carroceiros,  carregadores,  garçons,  guarda‐cívicos e secretas, postos em disponibilidade (...) para confabular com escroques, cáftens, ladrões e desordeiros. (p..66)  Nas tascas da Rua Riachuelo e circunvizinhanças , se agrupam outros terroristas  do  copo  que  medem  suas  forças  com  a  polícia constantemente... (p.66)  No largo dos Piques, os botequins cheios de sua gente (...) a porta das tabernas, jaziam bêbados dormindo no solo... (p.67). 

 

10.   Os corpos disciplinados: a prisão e o hospício 

Avenida  Tiradentes  n.  5  cadeia  pública(...)  é  um  casarão  colonial, austero,  decrépito,  cansado  (...)  construído  em  1851,  e  pelos inestimáveis serviços que tem prestado, trabalhando dia e noite, já lhe assiste o direito de ser uma ótima e galharda ruína. (p. 71)  O  Juqueri  (...)De  esfuziada  desfilam  corpos  imprecisos,  envoltos numa plúmbea  cerração de malefício, pelos horizontes  (..) há gritos de lamentos, estertores, desfalecimentos, delírios, convulsões. (p. 83)  E o hospício de Juqueri, surgiu aos meus olhos tal como ele é (...) os loucos  em  suas  mis‐en‐scenes  da  demência,  calmos,  resignados, pareciam  personagens  da  arte  do  silêncio,  filmando  uma  película cômica.(p.84) 

 

11.   As feiras livres e dimensões da cultura no espaço público [imagem 13 p. 169] 

Os  pregões dos  vendedores  ambulantes  eram  algumas marcas das  novas  sonoridades 

urbanas. O pregão  “Batat’assat’ô  furnunn! Foi  reproduzido por Mário de Andrade no 

poema “Noturno” do livro Paulicéia Desvairada (1921) [imagens 17, 18, 19, 20: pp. 171 e 172] 

Todos os bairros, os  sujos e até mesmo os presuntivamente  limpos, possuem  os  seus  grupos  de  garotos,  composto  em  sua maioria  de pretinhos  e mulatinhos  que,  de  gargantas  rebeldes,  ao  entrave  da mais forte rouquidão, berram cabritescamente, anunciando as delícias e gulodices que trazem em seus samburás e vasilhames. (p.113)  Os  vendedores  dessas  indígenas  iguarias  (pipoca,  pinhão  e amendoim), depois da meia‐noite, e após  terem calcorreado as ruas, onde  contam  com  fregueses  certos,  e  não  havendo mais  função  de 

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circo de cavalinhos e cinema, escolhem como ponto de encontro, um botequim no Largo do Piques,...(p.114)  Entre os vários pontos onde  as  feiras  livres  se  instalam, o  largo do Arouche  é  o mais  interessante,  devido  a  sua  topografia.. Diversos bairros  aristocráticos  confinam  nesse  largo.  E  aos  sábados,  quando funciona a  feira, uma grande quantidade da população  chique vem até  ela,  acompanhadas  de  criadas  que  sobraçam  desbeiçados samburás, sovadíssimas cestas e gastos balainhos. (p. 120.)  [...] paro em frente a um herbanário. Há uma desordenada mistura de folhas secas, raízes, cascas de pau, frutas esquisitas e exóticas, figas de todos os tamanhos e cores, chifres de veado e bode, unhas de cabra, couros  de  animais,  pêlos  e  uma  infinidade  de  outras  bugigangas milagrosas que servem para bruxaria e maléficos. (p. 122)  

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Referência dos lugares das Narrativas  

O Viaduto do Chá – Projetado pelo engenheiro francês Jules Martin e inaugurado em 1892, o 

viaduto ligava a encosta do velho centro, das ruas São Bento e Direita, com o morro do Chá. 

O  costume de atirar‐se do Viaduto  sobre a Rua Formosa  foi  relatado por vários  cronistas, 

dentre eles há o registro de um bilhete de um suicida, nos seguintes termos: “Bendito sejas, 

Viaduto Paulista! Sem tu não poderia eu passar desta para melhor, embalado pela brisa que 

te  circunda.  Adeus!  Até  para  a  eternidade  és  o  passadiço  de  útil  eficiência!” 

 

Automóvel Club  –  fundado  em  1908  e  instalado  no  Palacete Martinico  à  rua  São  Bento. 

Tinha  por  finalidade  promover  o  automobilismo,  organizar  concursos  e  conseguir  dos 

poderes públicos a abertura de novas estradas e conservação das antigas. Sua sede  foi um 

dos centros de convivência da elite paulistana. 

 

Belvedere  Trianon  –  projetado  pelo  escritório  do  arquiteto  Ramos  de  Azevedo,  foi 

inaugurado em 1916 por Washington Luís. Com seu restaurante e sua confeitaria, converteu‐

se em ponto de encontro da sociedade paulistana para festas, homenagens políticas e bailes 

de carnaval.  

 

Bar Municipal  –  Instalado  no  hall  lateral  do  teatro municipal  (1911),  o  bar  funcionava 

mesmo  sem  a  apresentação de qualquer  sessão de  teatro. Acabou por  adquirir  a  fama de 

promover  “muitos  danos morais”  à  juventude  dourada,  ou  ainda,  uma  “feira  de  amores 

caros” por se consagrar como a passarela e a vitrine das cortesãs, suplantando o palco dos 

velhos cafés‐concertos. 

 

Mappin Stores – Loja de departamentos localizada à rua XV de Novembro n.26, inaugurado 

em 1913. Estava a  serviço de uma  elite enriquecida pela economia  cafeeira que procurava 

moldar o seu gosto e padrão de consumo, de acordo com os ditames das capitais européias. 

Em  1919  inaugurava  sua  instalaçoes  na  Praça  do  patriarca  num  edifício  reformado  pelo 

escritório Ramos Azevedo. Possuía também um salão de chá, ricamente ornamentado. 

 

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Ponte Grande – construída em estrutura metálica e inaugurada em 1866, cruzava o Rio Tietê 

e promovia a  ligação entre a avenida Tiradentes e a Rua Voluntários da Pátria. Depois que 

concluíram a Ponte das Bandeiras (1942) a Ponte Grande foi demolida. 

 

O Triângulo – localizava‐se na confluência das ruas São Bento, Direita e XV de Novembro. O 

local foi o centro comercial e político de São Paulo até a Segunda Guerra, reunindo as lojas 

mais chiques e os cinemas, os melhores hotéis e restaurantes, bancos e escritórios, além das 

sedes do Partido  republicano Paulista  (PRP)  e do partido democrático  (PB)  bem  como  as 

redações dos principais jornais: O Estado de São Paulo, Diário Popular e Correio Paulistano. 

 

O  largo dos Piques ou baixada dos Piques, correspondia à atual Praça da Bandeira e era 

constituído de duas partes distintas: o  largo do Bexiga e o Largo dos Piques. No primeiro 

desembocavam as ruas do Bexiga (atual Santo Antônio) e Santo Amaro e a travessa de Santo 

Amaro (atual Travessa do Ouvidor), no segundo as ladeiras de São Francisco e do Ouvidor 

(atual José Bonifácio) as ruas de Santo Antônio (atual Rua Dr. Falcão Filho) e formosa. Além 

da Ladeira da Memória e do Piques (atual Rua Quirino de Andrade). Na virada do século o 

local era densamente povoado por imigrantes italianos. 

 

Confeitaria Fasoli – Confeitaria Paulicéia e Rotisserie Sportsman –  localizadas na rua XV 

de Novembro, era um local freqüentados pela sociedade paulistana. 

 

Asylo dos Alienados de Juquery – Hospital Psiquiátrico, projetado por Ramos de Azevedo 

em 1898. A primeira colônia agrícola do Asylo dos Alienados de Juquery, abria suas portas 

para abrigar os mais diversos  tipos excluídos da sociedade de então: mendigos, marginais, 

negros  e  doentes  mentais.  O  nascimento  do  Juquery  inaugura  a  medicina  alienista  de 

aviltamento científico e ocorre num cenário republicano ligado ao mercado, transparecendo 

a característica higienista do momento – que tem como conceito de limpar as ruas, sanear a 

imagem  e  o  espaço  urbano,  tirando  da  vista  tudo  que  implique  estorvo:  prostitutas, 

mendigos, pobres, negros, enfim, um grupo de pessoas que não correspondiam a produção, 

representante de um “proletariado degenerado”.  

 

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A experiência estética na representação da cidade 

Se  o  espaço  é  capaz  de  exprimir  a  condição  do  ser  no  mundo,  a 

memória  escolhe  os  lugares  privilegiados  de  onde  retira  sua  seiva. 

Merleau Ponty. 

 

O cruzamento de elementos narrativos dos trabalhos que foram selecionados e 

mapeados  referem‐se, de modo geral,    a  aspectos da  cidade. Os dados  levantados 

para  análise  de  aspectos  do  lembrar/esquecer,  forneceram  elementos  para  vários 

questionamentos  acerca  da  função  social  da  memória.  As  considerações  sobre 

identidade cultural, tais como: a lembrança de gerações passadas, a forma como são 

transmitidos os conhecimentos pela oralidade e a forma como a história oficial tenta 

suplantar ou se utilizar dessas memórias, foram os dados analisados.  

Essas  referências,  muitas  vezes  revelaram  aspectos  surpreendentes, 

oferecendo um panorama das  “memórias  esquecidas”. Nesse  contexto percebeu‐se 

que as memórias oficiais são celebrativas e, geralmente, se sobrepõem as memórias 

afetivas, além do que a moralidade dos costumes, também cria lacunas e hiatos nas 

narrativas cotidianas. 

Na  crônica  urbana  de  Sylvio  Floreal,  a  cidade  se  revela  em  recônditos    de  

segredos  que,  por  pudores  da  época  são  apagados  do  contexto  das  memórias 

autorizadas, são assuntos proibidos pela moralidade da época. 

Por  outro  lado,  os  recordadores,  de  Ecléa  Bosi,  situam  a  cidade  vista  da 

perspectiva de diferentes origens, que se estabelecem em São Paulo através de suas 

vivências e lembranças.   

Nessa  “costura”  dos  lugares  da  memória  de  idosos  e  da  memória  de 

narrativas marginais, pode‐se mapear uma cidade com contornos diferentes, mas que 

muitas vezes convergem.   Porém é pertinente observar, que os suportes materiais da 

memória,  são  geralmente  destruídos,  e  um  dos  fatores  encontra‐se    nos 

deslocamentos criados por reformas urbanísticas que acabam por “apagar” o espaço 

da  geração  anterior  ao  promover  deslocamentos  culturais.  ”Lembrando  que,  a 

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memória das sociedades antigas se apoiava na estabilidade espacial e na confiança 

em que os seres da nossa convivência não se perderiam. Constituíam valores ligados 

a práxis coletiva” [apud].  

Nos depoimentos analisados, por várias vezes os narradores, se referiam aos 

lugares que situavam suas memórias com a constatação ou com o desconhecimento 

que esses  lugares não mais existiam. Nas palavras de Marilena Chauí, prefaciadora 

do  trabalho de Ecléa Bosi,  encontramos uma definição para  as  angústias  sobre  os 

remanejamentos dos lugares de outrora:  

Já não existe mais (....) essa frase dilacera lembranças como um punhal  e  cheios  de  temor  ficamos  esperando  que  cada  um  dos lembradores não realize o projeto de buscar uma rua, uma casa, uma árvore, guardadas na memória, pois sabemos que não irão encontrá‐las nessa cidade onde os preconceitos da  funcionalidade demoliram paisagens de uma vida inteira”.[apud] 

 

A memória social, assim como a pessoal, apresenta o que Ecléa Bosi chamou 

de pontos de amarração, como algo que  se aproxima das  relações  transversais não 

localizáveis. Entre os paulistanos, o “vôo do zepellin sobre o viaduto... As festas de São Vito 

e Nossa Senhora Aquiropita... [imagens 21 e 54: pp. 172 e 184]  

 Experiências de várias gerações que carregam memórias da cidade e que se 

referem aos velhos  lugares, que são  inseparáveis dos eventos que neles ocorreram. 

Percebe‐se  com  isso,  que  os  acontecimentos  e  lugares  participam  da  trama  da 

memória.  Há  uma  certa  convergência,  que  a  autora  denomina  como  focos  de 

memória, em certas referências e  lugares. Por exemplo, em São Paulo, os  ícones da 

urbanidade paulista  são citados por quase todos os narradores, tais como: o Viaduto 

do Chá, a Rua Direita, o Museu do Ipiranga, o Parque Siqueira Câmpos, o Trianon,  

Teatro  Municipal,  a  Avenida  Paulista,  a  Avenida  Angélica,  o  Jardim  da  Luz,  a 

Cantareira... 

Essa  constatação  resume  o  que  foi  observado  por muitas  vezes  durante  o 

percurso dessa pesquisa, que a memória oficial oprime e modifica os espaços, tirando 

com isso as bases materiais da lembrança e criando os deslocamentos culturais, para 

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se criar uma história prótese, oficial e celebrativa. Nesse sentido, a memória política 

nos dá a dimensão da introjeção de  juízos de valor, que são usados como referência 

para  a  releitura  do  passado,  sempre  com  a  predominância  de  uma  visão  que  é 

invadida por uma memória que tira da outra o sentido. Fato que não deixa de ser um 

processo de “transculturação” disfarçado em projeto educativo, como vimos, ou em 

planos urbanísticos, com suas medidas “profiláticas e embelezadoras”. 

Dentro  do  pensamento  que  cria  a  dicotomia  dominante/dominado,  é 

interessante destacar a narrativa de  fatos  relacionados às  comemorações populares 

do  “Primeiro de Maio”,  que  eram protestos  e  festas populares  sempre  “invadidas 

pela polícia” para dispersar o povo.  Percebe‐se nesse contexto como a estratégia do 

governo se utilizou desse rito popular para criar seus contextos de dominação, posto 

que, na Era Vargas, a mesma data passa a ser uma celebração estruturada nas esferas 

políticas do governo, que “institui” a mesma data para  celebrar as “benesses” das 

políticas públicas para os trabalhadores. Ou seja, o aparelho de controle do governo 

se  apropria da  esfera da  tradição popular, para  estabelecer  e  implantar  ideologias 

contrárias  e  seus métodos de dominação, usando a mesma  forma ou  raiz  cultural. 

Mas isso acabava se desvanecendo, quando o lembrador registra o fato pela memória 

afetiva  e pela  vivência. Nesse  sentido,  a memória  busca  a  expressão da dimensão 

emocional dos acontecimentos. Como bem registra Eclea Bosi, pensando na questão 

das permanências, quando diz: “Fica o que significa...”[apud]. 

   Porém, verificamos que  a perda da  totalidade do  espaço  e do  tempo  leva  à 

perda do  lugar  e  com  isso do  “direito”  à memória. Ao questionar  as  contradições 

ideológicas  e  estéticas  na  dimensão  das  narrativas  analisadas,  define‐se  a  cena 

pública, misturando memórias pessoais com as oficiais e revelando imaginários.  

A substância social da memória revela que o lembrar é tanto individual como 

social. Mas, o  tempo da memória  é marcadamente  social, o  tempo  se  estrutura na 

oficialidade  das  cronologias  estabelecidas. Nas  lembranças,  os  espaços  da  cidade, 

têm vários  tempos, revelando uma cidade de dimensões humanas e  temporalidade 

cíclica. Nesses  fragmentos de  narrativas,  as  representações do  imaginário  revelam 

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forte carga  simbólica, que  se estabelecem nas  representações  imagéticas vinculadas 

pelo  simbólico,  onde  o  imaginário  é  o  condutor  das  emoções:  “ouvir  é  sentir”  e 

“lembrar é rever”. 

A questão da transmissão cultural é um fato digno de registro, os imigrantes e 

filhos, que recebem seus valores e crenças pela oralidade, muitas vezes reproduzem 

em  suas  narrativas  um  processo  de  grande  nostalgia  pelos  lugares  de  origem,  ou 

mesmo da busca pela  representação do  lugar de origem dos pais  imigrantes. Esse 

fato  é  muito  interessante,  sobretudo,  quando  verificamos  em  representações  do 

período,  ou  mesmo  lugares  de  utopia,  de  cidades  imaginadas  como  suas,  por 

pertencimento ou legado.  

Outro fator relevante está na toponímia da cidade, pois os nomes são muitas 

vezes  referências  de  lugares  que  já  não  são mais  encontrados.  São  os  lugares  do 

esquecimento. As  representações urbanas  também  revelam  estratificações  sociais  e 

percebemos  que  as  rupturas  e mudanças  que  acontecem  com  as  vanguardas  não 

atingem sequer uma esfera de cidadãos letrados, se resumindo a uma elite.  

Sobre  as narrativas, podemos  interpretar  instâncias da  vida  social  e  afetiva, 

que se estrutura no espaço  e relaciona os modos de vida com as origens e instâncias 

da vida coletiva. É  interessante  ressaltar que na questão das desigualdades  sociais, 

considerando que os lembradores de Ecléa Bosi, eram de diferentes origens, porém, 

quase  todos de  classe média  e  alguns de origem operária, porém, para  todos  sem 

distinção,  a  semana  da  arte  moderna  de  22,  foi  narrada  sempre  com  grande 

distanciamento,  coisa  de  “gran‐finos”,  como  muitos  diziam.  Até  mesmo  pelos 

freqüentadores do teatro e das óperas do municipal era fato isolado. Esse dado, por 

sua  vez,  revela  uma  faceta  da  vida  social  onde  a  cultura  erudita  se  estabelece  na 

esfera popular e não o contrário. Percebe‐se tanto nos relatos quanto nos silêncios, as 

divisões de  classes  e a ausência popular nos  eventos da  elite. Sobre os  teóricos da 

memória171,  devemos  considerar  que  a  pesquisa  se  estrutura  na  fenomenologia  e 

171  Cf. Bérgson, Halbswachs, Bartllet, Stern. Para maior aprofundamento nos temas abordados, esses os autores são as  fontes que estruturam as análises   sobre memória. Dentre as  teorias  fundamentais 

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dialoga  com questões do  tempo  e da percepção nas  representações. É  interessante 

apontar que, nas narrativas, foram registrados os lugares que identificam a cidade de 

São  Paulo  pelo  olhar  individual,  que  percorre  os  símbolos  urbanos,  toponímias, 

iconografias,  compostas  de  imagens  construídas  e  imaginadas  a  partir  dos 

fenômenos de ordem, registros de interpretações metafóricas, localização dos lugares 

e personagens da  lembrança, misturando acontecimentos da memória coletiva com 

as lembranças pessoais. 

Estabelecendo  uma  analogia,  sobre  os  modos  de  imaginar  a  cidade  e  os 

lugares da memória,  foram mapeados  os  lugares da  construção  social da  imagem 

urbana  e  dessa  forma  se  obteve  referências  para  pensar  as  representações  e  os 

elementos para selecionar e interpretar algumas imagens, que foram as portas para se 

penetrar na malha simbólica, objetivando verificar nas narrativas desse  tempo, nos 

recônditos da memória e do esquecimento.  

Nesse sentido, o artista é o um  tradutor dessa dimensão do simbólico, posto 

que,  se  a  interpretação  parte  das  representações  narrativas,  estabelece,  em  um 

segundo momento, uma representação visual da cidade,  buscando nas experiências 

estéticas,  estabelecer  e  pontuar  as  reflexões  desenvolvidas  a  partir  da  carga 

imagética. Com esse objetivo,  tentou‐se uma aproximação e percepção das estéticas 

simbólicas,  através  do  entrecruzamento  das  informações  extraídas  dessas 

lembranças, que foram os critérios usados na seleção das imagens. A  intenção foi de 

tentar através da arte os elos culturais da comunidade, nas memórias reveladas.  

Buscou‐se,  portanto,  emprestar  uma  linguagem  à  imagem  e  desta  forma 

adentrar no território cultural. Ou seja, do imaginário ao simbólico e do simbólico ao 

real. A partir desse caminho se iniciou um exercício de crítica, no sentido de buscar 

elementos para as interpretações das imagens. 

 

que estruturam o trabalho, destacam‐se as de  Bérgson, que, relaciona o princípio central da memória com a conservação do passado que por sua vez, sobrevive quer chamado pelo presente, quer pelas formas  de  lembranças,  quer  em  si mesmo  em  estado  inconsciente.  Cf: Henry  Bergson. Matéria  e Memória. São Paulo: Martins Fontes, 1999. 

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Imagens dos Lugares – o campo simbólico 

O artista como revelador dos campos simbólicos também pode ser  intérprete 

ou  “fabricante”  da  realidade  social,  ao  traduzir  o  imaginário  para  o  campo  das 

representações e dessa forma re‐significar, e também atuar no campo semântico. 

Na produção de  imagens, é preciso conectar o processo cultural de um dado 

momento histórico ao trabalho da memória, diretamente relacionado aos registros da 

história pessoal  e oficial, que alinha  estereótipos  e mitos  e perpassa por diferentes 

esferas da cultura e das questões do poder. Porém,  lembrando que arte e a política 

estão imbricadas desde a origem, assim como mito e linguagem.  

Sendo  assim,  a  memória  como  função  social  exige  desdobramentos  de 

intencionalidades sobre a função da lembrança. Porém, temos que considerar que as 

tradições  podem  ser  inventadas172  e  as  memórias  sobreviventes  podem  ser 

consideradas inúteis. Ou seja, existe uma memória voltada para a ação e uma outra 

que apenas revive o passado:173 

A memória  é  faculdade  épica  por  excelência. Não  se  pode perder  no  deserto  dos  tempos,  uma  só  gota  da  água  irisada  que, nômades, passamos do côncavo de uma para outra mão. A história deve reproduzir‐se de geração em geração, gerar muitas outras, cujos fios se cruzem, prolongando o original, puxados por outros dedos. 174 

 

Em sociedades antigas os guardadores da tradição eram os velhos, pois essas 

sociedades  se  estruturavam  na  oralidade  e  na  lembrança.  Em  nossa  sociedade  os 

velhos  são  quase  excluídos de participação. Nesse  sentido,  é  impossível não  fazer 

uma  analogia  sobre  as  circunstâncias  da  história  em  que  há  grandes  rupturas  e  

invenção  de  tradições,  onde  é  conveniente  que  esses  “elos”  com  o  passado,  não 

tenham  voz.  Isso  talvez  possa  explicar  as  sociedades  que  desconsideram  seus 

172 HOBSBAUWM. E. A Invenção das tradições. São Paulo: Paz e Terra, 1984. 173 O conceito de velho como ultrapassado e inútil se dá tanto na esfera da cultura material, como do elemento humano. Os velhos são o continuum, são o elo com o outro tempo. Sendo que na diáspora africana, cada velho que morre e uma biblioteca que se apaga. Porém nas sociedades  industriais, os velhos como categoria social, são vistos como desnecessários, pois não podem mais trabalhar.  174 BOSI, Ecléa. Op.Cit. 

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lembradores. E dessa  forma,  ignoram a memória dos velhos, que passam a não  ter 

voz, por não se inserirem no mercado. 

A função da memória é resguardar o conhecimento do passado, que se organiza e 

ordena o tempo.   Na arte de narrar pela arte, temos que considerar o conhecimento 

passado  através da matéria trabalhada e organizada.  O sentido da memória também 

inclui o trabalho das mãos, a tradição da manufatura, ou  seja,  no trabalho ou na arte 

a  arte de narrar, há  sempre uma  relação  entre  alma,  olho  e mão. O narrador  está 

presente  ao  lado  do  ouvinte  e  a  sustentação  da  história  está  na  organização  da 

matéria e da vida humana.   

A  arte  também  relaciona  o  ato  de  lembrar  através  da matéria.  Para  “lembrar 

através  da  arte”,  devemos  considerar  que, mesmo  quando  a memória  coletiva  se 

desenvolve a partir da  troca e dos  laços de convivência, é o  individuo que recorda, 

em suma, “cada memória individual é um ponto de vista sobre a memória coletiva” 

[apud].175  

Nas  lembranças, os espaços sociais são mapeamentos dos  lugares da memória e 

do  esquecimento. Na  divisão  da  cidade,  os  lugares podem  ser  relacionados  como 

espaços da memória coletiva e os lugares das lembranças afetivas.  

Embora, na questão do  tempo a memória se confunda em muitas  instâncias. Os 

“lugares da memória urbana” podem ser divididos da seguinte forma: 

1. Os lugares do poder: Monumentos: os heróis, os marcos de feitos políticos: 

documentos; edifícios; nomes de Ruas e Praças  (toponímia); Lugares cívicos; 

Símbolos do Poder: a águia, a serpente, o condor... 

2. Os  lugares  da  Cultura,  dos  costumes,  da memória  afetiva: Os  lugares  da 

criança – a  rua como  lugar das brincadeiras; espaços de outrora – paisagens 

sem  definição  de  lugar;  as  festas  de  rua;  o  povo  nas  ruas:  vendedores 

ambulantes,  feirantes,  crianças;  a moda;  a  organização  das  casas, mesas,  e 

cotidiano. 

175 [apud] BOSI, Ecléa. 

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3. Os  lugares  do  Esquecimento:  os  lugares  proibidos,  que  não  estão  em 

consonância com a moral da época, os lugares da manifestação dos operários, 

os lugares dos símbolos do que o estado tentou reprimir, marcas de locais de 

agremiações  proibidas,  lugares  da  exclusão,  lugares  da  perplexidade,  de 

guerras e tortura etc. 

Para  localizar uma  lembrança não basta um  fio de Ariadne; é preciso desenrolar  fios de meadas diversas, pois ela é um ponto de encontro de vários caminhos, é um ponto complexo de convergência dos  muitos  planos  do  nosso  passado.  Como  transmitiríamos  aos nossos filhos o que foi a outra cidade, soterrada embaixo da atual, se não existem mais as velhas  casas, as árvores, os muros e os  rios de outrora? 176 

 

Na  narrativa da memória  coletiva,  a  relação de  afetos  se  estabelece  com  os 

objetos  como  se  fossem  elos,  ou  testemunhas  de  outro  tempo  e  quando  há 

cumplicidade,  ou  seja,  quando  se  divide  a  lembrança,  ela  se  transforma  em  uma 

realidade social.  Um grupo é, portanto, o suporte da memória quando se estabelece 

a identificação: 

Cada  geração  tem,  de  sua  cidade,  a  memória  de  seus acontecimentos,  que  permanecem  como  pontos  de  demarcação  em sua história. O caudal das lembranças, correndo sobre o mesmo leito –  a  cidade  de  São  Paulo  –  guarda,  esses  episódios  notáveis,  que ouvimos sempre retomados na fabulação de seus moradores. 177 

 

Na  relação  tempo e memória, as etapas do  lembrar  são dividas por marcos, 

onde  a  significação  da  vida  se  concentra:  a  cidade,  a  casa,  o  lugar,  um  rito  de 

passagem,  as  festas.   Mas  o  tempo  social  absorve  o  tempo  individual.  Porém  a 

memória individual parte do olhar e do ver , do que se viu e ouviu. Nesse sentido, a 

memória grupal  se dá a partir das  construções de múltiplos olhares.   Se podemos 

reagrupar em nossa subjetividade lembranças de espaços sociais diferentes, podemos 

também sobrepor imagens no mesmo espaço social. 

176 BOSI, Ecléa, op. cit..p.413. 177 Idem. Ibidem. 

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Nos  espaços  da Memória,  a  casa  é  o  centro  do mundo  e  a cidade cresce a partir dela em todas as direções. “ Fixamos a casa com as dimensões que  ela  teve para nós  e  causa  espanto  a  redução que sofre quando vamos  revê‐la  com olhos de  adulto. Para  enxergar  as coisas nas  suas  antigas proporções,  como posso  tornar‐me de novo criança?  (...)  Algumas  pessoas,  em  geral  os  artistas,  guardam  essa possibilidade.178  

 

Os  objetos  que  se  relacionam  ao  campo  da memória  são  o  sustentáculo  do 

lembrar, são a cultura material, e eles transmitem noções de  identidade. Na cidade, 

temos na dimensão dos  lugares,  as marcas de nossos diferentes  tempos de vida  e 

passagens, e quando reencontramos os objetos das lembranças sentimos um grande 

conforto. Os velhos  lugares são  inseparáveis dos eventos neles ocorridos, como por 

exemplo: a  casa, as  ruas do  trajeto para a  escola, o bairro da  infância, o  centro da 

cidade  são descritos de modo dispersivo  nas  lembranças  várias, mas  sempre  com 

alguns focos ou lembradores que desencadeiam emoções. Por exemplo: o viaduto do 

chá,  a  catedral,  a  rua  direita,  o  Trianon,  a Avenida  Paulista,  o  Jardim  da  Luz,  a 

Cantareira.  São  lugares  descritos  sob  vários  pontos  de  vista.  Alguns  lugares  são 

evocados como  lugares da velha São Paulo: a Penha, centro de devoção, o Hotel D 

‘Oeste, a Confeitaria Fasolli, a Casa Alemã, a Farmácia Baruel, o Parque Antártica, 

onde os operários dançavam nas festas do Primeiro de Maio, o Anhangabaú, o Vale 

do Povo nos comícios, o Prédio Martinelli. Com todos esses pontos desenhamos um 

mapa afetivo da cidade. 

O  planejamento  funcional  combate  esses  recantos.  Na  sua preocupação contra os espaços  inúteis, elimina reentrâncias onde os párias  se  escondem  do  vento  noturno,  os  batentes  profundos  das janelas  dos ministérios  onde  os mendigos  dormem. Mas  a  cidade conserva seus terrenos baldios, seus desvãos, o abrigo imemorial das pontes onde se pode estar quando se é estrangeiro e desgarrado. 179 

 

178 BOSI, Ecléa, passim. 179 Idem.Ibidem.  

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Porém, mesmo com as mudanças espaciais e deslocamentos, os vínculos não 

se  desfazem  Nesse  sentido,  verifica‐se  a  força  da  tradição  local  da  imagem.  A 

memória devolve aos  lugares de outrora,  significados muitas vezes perdidos pelos 

deslocamentos, mas re‐significados no lembrar. Na memória política, ou ideológica, 

os juízos de valor entram nas narrativas, os lembradores querem definir seu lugar na 

história  dos  acontecimentos.  Porém,  nas  diferenças  entre  estratificações  sociais, 

percebe‐se inserção ou alheamento, de acordo com o lugar e o gênero.  

Na passagem temporal, podemos observar que grupos sociais que não tinham 

participação na esfera dos debates na República Velha, no Estado Novo encontram, 

de certa forma, um lugar, mesmo que um lugar de utopia, divulgado como ideal.   

Nesse  sentido,  a  década  de  30  é  o  marco  de  mudança  no  panorama  da 

divulgação,  que  “insere”  o  popular  através  de  medidas  difusoras  de  falácias  e 

simulacros.  Por  isso,  em  todas  as  narrativas  analisadas  na  esfera  da  memória 

individual,  a  ação  do  governo  Vargas  quase  sempre  está  carregada  de  aspectos 

positivos. É o  substrato de memória  coletiva,  construída, que por  sua vez mistura 

narrativas memorialistas  com marcações pessoais nas  identificações  ideológicas. O 

que nos chama a atenção nesse fato é que a “ilustração” também cria memórias. 

A  lembrança  de  certos  momentos  públicos  (guerras, revoluções,  greves...)  pode  ir  além  da  leitura  ideológica  que  eles provocam na pessoa que os recorda. Há um modo de viver os  fatos da história, um modo de sofrê‐los na carne que os torna indeléveis e mistura com o cotidiano, a  tal ponto que  já não seria fácil distinguir as memórias  históricas,  das memórias  pessoais  e  familiares  (...) As crises econômicas que  rondaram São Paulo no  fim da década de 20 nos  são pintadas  ao  vivo pelas  recordações de  aperturas  familiares que angustiam quase todos os entrevistados...”(BOSI, 464) 

 

 

 

 

 

 

 

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As Estéticas Simbólicas 

  Como  se  reconhece  uma  cidade?  Pode  ser  pela  paisagem  urbana  e  suas 

referências  físico‐naturais  e  também por  suas  construções. Uma  cidade  se  constrói 

por expressões da mentalidade urbana. Portanto, uma cidade do ponto de vista da 

construção  imaginária  deve  responder  por  condições,  tanto  naturais  quanto 

construídas para usos sociais. Nesse sentido, o que faz uma cidade diferente de outra 

são os símbolos que se constroem para representá‐la. E o que caracteriza a memória 

nacional, é o fato dela não ser propriedade particularizada de nenhum grupo social, e 

se definir como universal e dessa forma se impor a todos os grupos.  

Nesse  sentido,  segundo  Renato  Ortiz,  a  memória  coletiva  não  pode  ser 

particularizada ao passo que a memória nacional é universal. Por isso, o nacional não 

pode  se  constituir  como um prolongamento dos valores populares, mas  sim  como 

um  discurso  de  segunda  ordem.  Sendo  assim,  tanto  a memória  nacional  como  a 

identidade  nacional  são  construções  que  dissolvem  a  heterogeneidade  da  cultura 

popular  na  univocidade  do  discurso  ideológico.    Com  isso,  a memória  nacional 

“fabricada” opera uma  transformação simbólica da realidade social e por esse  fato, 

ela não  coincide  com a memória particular. É, portanto, através da  relação política 

que se constitui a identidade que se estrutura no jogo de interação entre o nacional e 

o  popular.  Embora  as  ideologias  culturais  se  defrontem  permanentemente, 

realizando  reordenamentos espaciais de acordo com suas orientações, onde o olhar 

político e o olhar histórico podem ocupar o mesmo ângulo na esfera da arte. 

A arte é o absoluto, mesmo quando trabalha com o passado. O retro,  o  revival  populista  podem  ser  programas  estéticos  cuja validade  só  pode  ser  julgada  pelo  repertório  de  respostas  aos problemas  semânticos  formais  que  propõem,  pelas  questões  que deixam em aberto e pela forma como se relacionam (...) A arte tem a sua  disposição  todas  as  delícias  da  arbitrariedade,  pode  praticar  a intransigência,  ser  a‐histórica  e  historicista  ao  mesmo  tempo, abominar a moda e  trabalhar  com ela: Baudelaire queria “o poético no histórico e o eterno no transitório” 180 

180  SARLO. Beatriz. Paisagens  Imaginárias:  intelectuais,  arte  e meios de  comunicação.  São Paulo: Edusp, 2005 .p.57. 

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O  intelectual  e  o  artista  são  os mediadores  simbólicos  dessas  construções. 

Tanto no campo das palavras, ou do universo literário, como também na construção 

imagética, mas essa, por sua vez, sempre se apóia na  interpretação que relaciona o 

particular e o universal, o singular e o global. Na questão da identidade entre cidade 

e arte, temos que observar que toda arte é atividade tipicamente urbana e não apenas 

inerente, mas constitutiva da cidade181.   Portanto, todo trabalho artístico, de alguma 

maneira dialoga com a cidade e também com emoções, memórias e culturas. A arte 

revela relações com a cidade numa multiplicidade de sentidos.  

A  partir  da  arte  e  suas  relações  com  a  cidade,  com  as  identidades,  a 

arquitetura  e  os  lugares  da  memória,  se  torna  possível  identificar  tensões  e 

aproximações em relação ao espaço/vida e as temporalidades históricas. Se o “ver é 

datado”  o  olhar  é  sempre  contemporâneo,  e  as  imagens  são  possibilidades  de 

entendimento de outros olhares e de outros tempos. 

O  espaço urbano  visto da perspectiva da  cidade de  São Paulo,  considerada 

como  a  mais  moderna  do  Brasil  e  palco  do  modernismo,  foi  analisado  em  um 

período da estruturação da indústria cultural, onde as imagens dessa cidade estavam  

sendo “reinventadas.” Os aspectos políticos  e  culturais do  espaço público  também 

revelam  as  multiplicidade  de  olhares  sobre  o  que  se  chamou  de  “Invenção  das 

Tradições.”182   Para verificar as  construções  ideológicas que dão  suporte à  idéia de 

nação  e  as  práticas  que  configuram  o  espaço  público,  deve‐se  observar  os 

monumentos e rituais, pois o que se delineia no momento de construção da imagem 

da cidade, perpassa pelo imaginário e por suas representações, para a construção dos 

marcos  culturais que, por  sua vez,  irão  sofrer  as  transformações do  cotidiano. Por 

isso, devemos entender o espaço público sempre pela perspectiva da prática social e 

de suas memórias: 

A memória  social  e os monumentos  são  como  resultados de um  complexo  conjunto  de  atividades,  que  –  embora  não  sendo redutíveis quase que exclusivamente a este aspecto – participam da 

181 ARGAN.G.C. A 1988, Op. Cit. 182 HOBSBAUWN. Eric. Op.Cit. 

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produção  de  várias  fases  da  nação  e  ganham  nesse  contexto,  uma importante significação política” 183 

 

Sendo assim, a construção social do espaço público se estabelece através das 

“reconfigurações”  das  fronteiras  simbólicas  e  através  da  vivência  urbana  e  das 

memórias.  

O sociólogo, Antonio Arantes184 indaga como se infiltram nos espaços políticos 

da cidade, os  lugares  tanto de moradia como de comércio e outras atividades, que 

são construídos pelas  inúmeras pessoas, que erguem nas ruas o seu principal  lugar 

de referência pessoal.  

Como se formam esses significados que carregam paisagens étnicas, históricas, 

e noções de território e de lugar, que são tradicionalmente inscritas no espaço urbano 

e passam  a  ser deslocadas ou  recolocadas pela mobilidade das pessoas na  relação 

tempo‐espaço?  

Nessa perspectiva, a nação  se atrela  também às  imagens do  lugar, às novas 

formas de  relacionamento na diferença e nas questões da  identificação à distância, 

tanto  pelas  imagens  quanto  pelas  representações  da  estética  do  lugar,  que  se 

estabelece no modo como se estrutura a vida social, as identidades e o sentimento de 

participar da nação através do espaço.   São os marcos de lugar ou de vida social os 

“constructos185”  identificadores  da  paisagem  e  dos  símbolos  que  constituem  os 

processos sociais. Verificamos que a formação da noção de lugar no espaço público, 

passa  por  processos  formadores  de  fronteiras  simbólicas  em  relação  à  paisagem  183  ARANTES,  Antonio  Augusto.  Paisagens  Paulistanas:  Transformações  do  Espaço  Público. Campinas: Unicamp e Imprensa Oficial, 2000. p. 10 184 ARANTES, A. Op. Cit. 185 Constructo, com origem etimológica no latim, pelo particípio passado do verbo construo, is, struxi, structum, ere, traduz: 1.  o que foi construído, o que foi enunciado, o que foi elaborado;  2. o que foi amontoado, acumulado. É  substantivo masculino, que  se  refere ao   que  é  elaborado ou  sintetizado com base em dados simples, especialmente um conceito.Em verdade, o verbete constructo sugere a adjetivação da forma de pensar resultante de uma somatória de linhas de pensar. Usa‐se em filosofia o verbete constructo com o significado de um conceito que está sendo verbalizado, que está em processo de construção discursiva.  O constructo, como resultado de um conjunto nem sempre mensurável de elementos discursivos  que integram a idéia, a linha ou a forma de pensar, pode ou não  ser adotado como elemento constitutivo  de uma crença justificada. Fonte: www.nest.com.br 

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urbana.  Com  isso,  a  “cara”  do  lugar,  se  dá  com  a  criação  de marcos  culturais  e 

configura o espaço público visto também como lugar político de celebrações oficiais e 

de ritos populares. Na paisagem urbana são os espaços que carregam as identidades: 

Uma  rua ou a  fachada de uma casa, uma montanha ou uma ponte ou um rio, o que quer que seja, são mais que um ‘último plano’. Eles  também  possuem  uma  história,  uma  personalidade,  uma identidade que deve ser levada a sério. Eles influenciam os caracteres humanos que vivem nesse último plano, criam uma atmosfera, uma noção de  tempo, uma  certa  emoção. Eles podem  ser  feios ou belos, jovens ou velhos; eles certamente estão presentes [...]186 

 

  Nessa reflexão sobre os “lugares”,  articulam‐se  a questão dos marcos físicos, 

que carregam sentimentos e memórias e que  territorializam as experiências sociais, 

fornecendo  referências  de  tempo  e  estabelecendo  na  visualização  da  cidade  a 

possibilidade de perceber a experiência humana, pois os lugares e os acontecimentos 

são retirados da memória. 

   

186 ARANTES. A. Augusto, Op.cit. 

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Capítulo 4

OLHARES

“[…] el artista es un hombre que bruscamente ve.” (BORGES, J. L.). 

 

 

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Arte e Política na cidade de 30  

O  tema  da  Cultura  Brasileira  e  da  Identidade  Nacional,  na  Era  Vargas, 

relacionados  a  aspectos  da  cidade,  com  lugar  das  expressões  e  referências,  foi  o 

recorte que se estabeleceu, para a seleção das imagens. Em uma análise que buscou 

relacionar  nas  representações  os  símbolos,  que  tanto  podem  revelar  diferentes 

imaginários  como  também  as  estruturas  das  ideologias  dominantes  refletidas  no 

panorama urbano.  Nesse contexto, os artistas e intelectuais do Brasil, revelaram em 

sua  produção,  diferentes  realidades,  relacionadas  a  aspectos  da  construção  e  da 

interpretação da identidade nacional. 

 A partir da intensificação da urbanização e da industrialização, o enfoque se 

amplia para definir o que viria a ser “o povo brasileiro” e por extensão qual seria o 

“lugar do povo”. Essa questão revela a busca por uma definição dos padrões ideais, 

tanto  do  brasileiro,  como  das  cidades  brasileiras.  Nesse  panorama  de  definições 

estéticas é que emerge uma  cultura de  caráter nacional,  com  seus desdobramentos 

nacionalistas.187 

Em áreas específicas do campo da cultura, como por exemplo, na produção de 

imagens,  o  que  rege  o  discurso  é  a  formação  de  uma  rede  para  divulgação  das 

estratégias do governo. Portanto, no universo  simbólico  as  relações  entre Estado  e 

Cultura,  desenvolvem  um  “mercado  de  bens  simbólicos”,  associando  identidade 

nacional  e  cultura  popular,  através  de  movimentos  políticos,  com  intensa 

participação de intelectuais. Essa relação entre o nacional e o popular se manifestará 

no Estado  e  também na  estrutura da  formação da  linguagem  ideal para  atingir  as 

massas.188  Os intelectuais do período,  buscam compreender  as crises e os problemas 

sociais e elaborar uma identidade “adequada” ao Novo Estado Nacional. Através da 

transformação da infra‐estrutura econômica  começam a pensar numa sociedade que 

se  moderniza.  Nessa  aproximação  entre  o  nacional  e  o  popular,  a  questão  da 

187 LEITE, Sebastião Uchoa, Cultura Popular: esboço de uma Resenha Crítica” Revista da Civilização brasileira, n.4. set 1965,pp.269‐289. 188 ORTIZ, Renato. Op. Cit. 

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memória  é muito  significativa  e,  se  insere  na  questão  abordada  sobre  a memória 

coletiva e a memória nacional.   Sendo que e a memória nacional se estabelece como 

um prolongamento da memória coletiva popular, como bem define Renato Ortiz: 

A  memória  coletiva  é  da  ordem  da  vivência,  a  memória nacional se refere a uma história que transcende os sujeitos e não se concretiza  imediatamente em seu cotidiano  [...] a memória nacional, por  outro  lado,  se  vincula  à  história  e  pertence  ao  domínio  da ideologia [...] A memória coletiva se aproxima do mito e se manifesta portanto, ritualmente. A memória nacional é da ordem da ideologia, ela é produto da história social, não da ritualização da tradição.189  

   Nas análises sobre a articulação entre arte e política nos anos 30, constatou‐se 

que,  se por um lado o efervescente modernismo, com seus manifestos e movimentos, 

traduziu a busca por inovações propondo rupturas190, no âmbito político se articulou 

o  golpe  e  os  projetos  culturais  políticos,  no  período  do  governo  provisório, 

reprimiram as expressões  consideradas  como afrontas à ordem  social e, ao mesmo 

tempo, divulgaram uma série de imagens produzidas com fins ideológicos. Porém, é 

fato  que, desde  a Revolução de  1930  em  São Paulo,  os  acontecimentos políticos  e 

189 ORTIZ, Op. Cit., p. 135. 190 Divisão do modernismo: após atingidas as metas da Semana, o grupo de 1922 entrou num processo de desagregação: estavam unidos em torno do repúdio ao que não queriam e agora dividiam‐se em correntes à procura de uma  identidade mais definida. As principais são as que se seguem: Corrente primitivista ou anarcoprimitivista, encabeçada por Oswald de Andrade, que propôs‐se remontar às fontes originais da  civilização brasileira, anterior  à  colonização portuguesa,  e  ao primitivismo,  sem compromisso com a ordem social estabelecida. Considerava a moral cristã uma moral de escravos e suas posições foram apresentadas inicialmente no ʺManifesto do Pau‐Brasilʺ (1924), com a divisa ʺTupi or not  tupiʺ, e retomadas na Revista de Antropofagia e no  ʺManifesto Antropofágicoʺ (1928), que se opôs  ao movimento Anta  (1927)  da Corrente  nacionalista,  que  se  posicionava  contra  a  influência européia  a  favor  de  uma  literatura  de  motivos  brasileiros,  folclóricos  e  indígenas.  Englobou  os seguintes movimentos:  o  verde‐amarelismo  (1925),  de  tendências  políticas  direitistas  e  que  via  na poesia  pau‐brasil  uma  imitação  mal‐feita  do  dadaísmo  francês;  o  movimento  Anta  (1927),  que, inspirado  nas  obras  de  Euclides  da  Cunha  e  Oliveira  Viana,  entre  outros,  buscava  analisar    os problemas da vida brasileira; derivou daí o movimento integralista de Plínio Salgado; o movimento da bandeira (1936), de filosofia autoritária, que desembocou no Estado Novo. Corrente desvairista, que preconizou a criação de uma língua nacional e a renovação da poesia por meio dessa língua, além de advogar a  liberdade da pesquisa estética. Teve como  figura central Mário de Andrade. Corrente do sentimentalismo  intimista  e  esteticista,  definida  no  próprio  nome  e  representada  pelos  poetas Guilherme de Almeida e Ribeiro Couto. Quando o modernismo chegou ao ponto decisivo de seu ciclo histórico,  por  volta  de  1930,  começaram  a  surgir  outras  orientações,  valores,  pesquisas,  buscas artísticas. Disponível em: br.geocities.com/edterranova/escola5.htm Consulta em 26/06/2006. 

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sociais  se  conjugaram  no  ambiente  artístico  e  cultural,  e  os  artistas  e  intelectuais 

começaram a participar mais ativamente da política. [imagens 65 a 69: pp. 187 e 188]  

Dentro desse panorama político e  social, a disputa pelo poder  repercutiu na 

agitação  criativa  que,  por  sua  vez,  tentou  formular    um  novo  rumo  para  o  país, 

buscando  encontrar  novas  expressões  artísticas.  Verificou‐se  que,  embora  as 

preferências  e  posições  adotadas  pelos  artistas  estivessem  longe  de  um  consenso, 

todos eles tenderam a uma busca de soluções para as lacunas entre arte e sociedade, 

premidos por uma necessidade de tomar posição frente aos problemas de seu tempo.  

As representações das associações de artistas e intelectuais 

As associações de artistas nos anos 30 visavam criar espaços para a promoção 

da Arte Moderna. Nesse recorte da produção intelectual e da produção de imagens, 

foram selecionadas três associações que se estruturam no período recortado. Em 1932 

surgem  respectivamente  a  Sociedade  Pró‐Arte  Moderna  (SPAM)  e  o  Clube  dos 

Artistas Modernos (CAM); em 1934, o Grupo Santa Helena.  

Os  dois  primeiros  grupos  eram  associações  que  reuniam  artistas  da  elite,  e 

tinham por objetivo a difusão da arte moderna, porém ambos ficavam restritos a um 

círculo da  intelectualidade  elitizada. Embora  com mais projeção do que  as poucas 

associações não institucionais de artistas, esses grupos contribuíram, de certa forma,  

para  a  continuidade  das  pesquisas  em  arte  e  mais  ainda  para  a  fomentação  de 

debates sobre temas relacionados à sociedade brasileira.  

Se  antes,  o  vínculo  entre  arte  e  circunstância  social  parecia  inexpressivo,  a 

partir do surgimento de associações de artistas   para   promoção da arte moderna, a 

arte passou a ser pensada em sua conexão com os acontecimentos sociais e políticos 

que  ocorriam  no  Brasil  e  no  mundo.  E  as  iniciativas  particulares,  por  sua  vez,  

tornaram possível maior liberdade de expressão, inclusive política, para os artistas de 

São Paulo. Segundo Mário Pedrosa, na interpretação de Otília Arantes [apud]: 

 

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As  idéias políticas  revolucionárias vieram à  tona com a crise das  instituições  e  a  crise  econômica  do  café  que  deram  por  um momento, sobretudo em São Paulo, ligeiros sintomas de vacância de poder. Oswald de Andrade, numa profissão de fé comunista, rompeu com  a  própria  classe,  a  aristocracia  do  café,  vencida  e  decadente, convertido  por  um momento  à  ideologia do  Partido Comunista de então  e  à  revolução proletária. Ao  lado  e  em  oposição  à  Sociedade Paulista  de  Arte  Moderna,  fundada  por  antigos  promotores  da Semana,  já  agora  acusados de  grã‐finos,  aristocratas  e  reacionários, lança‐se  o  Clube  de  Arte  Moderna,  Flávio  de  Carvalho,  seu organizador  e  animador,  intelectual  de  alta  têmpera,  artista  de múltiplas  possibilidades,  rico  e  desabusado  (...)  enche  o  meio paulistano  com  os  ecos  de  suas  atividades  e  seus  desafios.  (...)  O ambiente de  alta  tensão  social  e de  crise  institucional  não permitia mais as explosões puramente estéticas ou culturais da Semana. 191 

 

A Sociedade Pró‐Arte Moderna192 promovia atividades culturais em um tempo 

em que a crise política e  institucional assolava o Estado de São Paulo. Os sócios da 

SPAM, eram em sua maioria artistas e intelectuais pertencentes à elite paulistana, e já 

reconhecidos,  porém  não  houve  entre  eles  o  interesse  direto  por  temas  políticos. 

Embora,  suas  ações  e  manifestações  artísticas  modernas,  tenham  incomodado  e  

provocado reações indignadas de outra esfera modernista que compunha, sobretudo, 

o  staff  da  imprensa  conservadora  –  que  eram  os  integralistas.193  A  Sociedade 

191 ARANTES, Otília. Op.cit. 192 SPAM – A Sociedade Pró Arte Moderna era constituída por um grupo de artistas que promovia atividades  culturais  em um  tempo  em que a  crise política  e  institucional assolava o Estado de São Paulo. A  reunião de  inauguração da SPAM ocorreu na Casa de Gregori Warchavchik, no dia 23 de novembro de 1932. Eram membros do Spam: Paulo Mendes de Almeida, Paulo Prado, Olívia Guedes Penteado, Anita Malfatti, Tarsila do Amaral, Victor Brecheret, Lasar Segall, Antonio Gomide, Hugo Adami, Tarsila do Amaral. Guignard, DiCavalcanti e Portinari e Lasar Segall.Cf. MICELI, S. Nacional Estrangeiro. São Paulo: Cia das Letras, 2003.. 193  O  integralista  José  Bonifácio  de  Souza  Amaral,  que  já  condenara  publicamente  o  Teatro  da Experiência  de  Flávio  Carvalho  no  CAM,  escreveu  um  artigo  na  Secção  Livre  do  Diário  Popular denunciando as atividades subversivas dos membros da SPAM. Diz Paulo Mendes de Almeida: “(Em 21 de fevereiro de 1934), José Bonifácio publicou uma tremenda objurgatória contra a Sociedade, a que deu o título de ‘Os fins secretos da Spamolândia’, onde revelou traços de xenofobia ao colocar em seu artigo que a associação era um conglomerado de ‘estrangeiros de nacionalidade um pouco incerta’, e outros neo‐brasileiros desafetos de nossas  tradições, e outros ainda, embora pertencentes ao  tronco racial mais antigo’ – todos empenhados num programa de dissolução dos costumes. E terminava com um apelo às autoridades:  ‘No meu entender,a polícia de São Paulo devia  fechar a SPAM com mais razões do que teve para fechar o Teatro da Experiência’. [...]Cf. MICELI, S. Nacional Estrangeiro. São Paulo: Cia das Letras, 2003.. 

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produziu  duas  exposições:  a  primeira,  em  28  de  abril  de  1933,  trazia  peças  de 

coleções particulares194. A segunda exposição ocorreu no final de 1933 onde também 

participaram artistas residentes no Rio de Janeiro, entre eles: Guignard, Di Cavalcanti 

e Portinari.[imagens 25,  26, 27, 48 e 54:  pp. 174, 182 e 184]  

Essas  exposições  não  incomodaram  tanto  os  setores  conservadores,  mas 

mesmo assim há referências acerca de problemas com a SPAM que, de certa maneira, 

está  vinculado  ao  fato  de  Lasar  Segall  encabeçar  a  comissão  executiva  da 

Sociedade.195  Em  geral,  a  sociedade  de  SPAM,  cuja  sede  do  ficava  no  palacete 

Campinas, ao lado da Praça da República, promovia muitas festas com o objetivo de 

obter recursos para realizar exposições de artistas.  

Porém,  essas  festas  foram  alvo de  crítica  e protestos  indignados,  tanto pela 

polícia do Governo Provisório como pelos setores conservadores da sociedade civil. 

Consta que, o baile de carnaval em 1933, teve a intervenção da polícia em função de 

manifestos acerca da Revolução Constitucionalista que continha críticas ao Governo 

Provisório,  reveladas  em uma música de  carnaval. No  segundo baile,  realizado no 

início  de  1934,  houve  reações  indignadas  de  setores  conservadores,  que  viam  a 

SPAM como uma ameaça aos costumes, ou seja, a associação de artistas modernos 

era vista como contrária aos “valores da família, da religião e do civismo”.  

 E  esse  foi motivo  de muitos  protestos  contra  essa  Sociedade,  que  sofreu  a 

intolerância do meio  social paulista,  como  também pelas disputas políticas que  se 

abriam  no  contexto  histórico  e  social  colaborando  para  o  fim  de  suas  atividades. 

Dentre os motivos de ordem moral há  também um motivo político  relacionado ao 

fato  de  Lasar  Segall  (artista  que  esteve  à  frente  da  comissão  executiva  do  SPAM 

desde sua formação), ser estrangeiro. Fator esse que causou tensões e divergências no  194 Coleções de de Olívia Guedes Penteado, Samuel Ribeiro, Paulo Prado, Mário de Andrade e Tarsila do Amaral. Nela se podia ver Picasso, Léger, Brancusi, Lipchitz, DeChirico, Le Corbusier, entre outros artistas importantes e também nomes de destaque na cena paulista, tais como: Anita Malfatti, Victor Brecheret,  Lasar  Segall,  Antonio  Gomide,  Hugo  Adami,  Tarsila  do  Amaral.  Cf: www.macvirtual.usp.br 195 Nesse momento do Varguismo os estrangeiros já estavam sob suspeição. Cf. CARNEIRO, Maria Luiza Tucci. Livros Proibidos, Idéias Malditas: o DEOPS e as Minorias Silenciadas. São Paulo: Estação Liberdade,1997. 

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grupo, levando‐o a deixar a sociedade após uma série de acusações contra sua pessoa 

e  contra  o  expressionismo.  Após  a  saída  de  Segall,  os  membros  da  comissão 

executiva decretaram o fim da Sociedade, em 1934. 

O  Clube dos artistas Modernos, o CAM196,  “causou incômodos mais densos” 

e acabou sendo fechado pela polícia sob a acusação de difundir idéias subversivas. O 

CAM  foi alvo de perseguição sistemática dos   aparelhos do governo e  também dos 

integralistas,  sendo  muito  atacado  pelos  poderes  instituídos  e  pelas  forças 

reacionárias.  Porém,  difundiu  várias  idéias modernas  de  transformação  estética  e 

política da sociedade para a formação “do homem do futuro”.  

O Grupo Santa Helena, que se formou em 1934, era composto basicamente por 

operários  que  se  reuniam  em  um  edifício  da  antiga  Praça  da  Sé  n.  43  (e 

posteriormente  247)197,  chamado  Palacete  Santa  Helena,  local  onde  se  reuniam 

artistas  que  expressavam  suas  obras  através  do  contexto  de  sua  classe  social,  em 

aspectos da cena urbana e da paisagem em suas obras pictóricas, revelando a cidade 

em  suas  representações,  com  rigor  e  técnica  acadêmicas.  Foram  chamados  de 

“operários  da  pintura”  e  de  artistas  proletários,  em  sua maioria  estrangeiros  ou 

descendentes.  E  retrataram  a  cidade  pelo  olhar  dessa  condição.  Em  suas 

representações  deixaram  um  legado  simbólico  sobre  a  cidade  do  período, muitas 

vezes bem distintos das imagens da memória oficial, sobretudo se comparados com 

relação  às  representações  da metrópole,  revelando  em  seus  trabalhos,  uma  outra 

cidade e dimensões do  cotidiano. Algumas obras, desses grupos de artistas,  foram 

selecionadas para se ter um panorama das representações da cidade nos anos 30.  

196 O CAM foi fundado por Flávio de Carvalho, Antônio Gomide, Carlos Prado e Di Cavalcanti em um prédio da Rua Pedro Lessa, número 2, próximo ao Viaduto do Chá, região central de São Paulo no final do ano de 1932. Do início ao fim de sua curta existência, o CAM elaborou e executou propostas consideradas ousadas. O objetivo principal do Clube, como centro irradiador de cultura, foi veicular a produção artística moderna e propor debates sobre temas atuais no meio social e artístico da cidade de São Paulo. Em pouco tempo, o CAM ganhou fama nacional. Cf. MICELI, S.. Op.cit. 197 O Grupo  Santa Helena  era  formado por, Alfredo Volpi, Mário Zanini,  Francisco Rebollo,Fúlvio Penacchi, Aldo Bonadei, Clóvis Graciano, Penacchi, Humberto Rosa, Alfredo Ruzzo Rizzotti, Manuel Martins.Cf. AJZENBERG, Elza (org) Et. Al.. Operários na Paulista: MAC/USP e Artistas Artesãos. São Paulo: MAC/USP, 2002. 

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A  produção  artística  de  vários  artistas  desse  período,  sobretudo  acerca  de 

imagens  urbanas,  revelou  aspectos  simbólicos,  muito  diferentes  das  imagens 

divulgadas pelo aparelho estatal. A cidade de São Paulo, pelo olhar dos artistas do 

período,  independente das estruturas formalistas, no campo da produção simbólica 

revelam  uma  cidade,  cujo  cotidiano,  muitas  vezes  parece  revelar  outro  tempo 

histórico.  As  artes  visuais  relacionadas  à  cidade  nesse  período,  são  praticamente 

contrárias  às  imagens  da  cidade  do  poder.  Esses  artistas  abordam    aspectos  da 

cultura  popular  em  sua  produção  simbólica  muito  significativos.  Desde  os  ritos 

sociais, até representações do espaço. Nesse momento, se estabelece uma a ruptura 

com a  linguagem do poder do  totalitarismo, até mesmo  em obras que apresentam 

simples paisagens, preocupadas  com  linguagens  acadêmicas. Percebe‐se que,  atrás 

de um aparente exercício formal, se estabelece uma ruptura com os valores em voga. 

Nesse sentido, a função social da arte se estabelece na revelação de outras realidades 

que vai entrar nos  recônditos da vida e de esferas da sociedade, que  rompem com 

representações  burguesas  e  mostram  um  universo  proletário,  dos  operários,  das 

lavadeiras, dos varredores de rua, dos cortiços, das praças e feiras, filas, casamentos, 

enterros. Dimensões de uma vida privada, que  escapam  aos  ideais do poder  e de 

suas estratégias de difusão e controle, revelando um processo social distinto do que é 

divulgado  pela  propaganda  oficial.    Uma  produção  visual  que  historiciza  outros 

olhares e outras realidades. [imagens: 44, 45, 46 e 64: pp. 180, 181 e 187]. 

Dessa forma, a vanguarda no Brasil se revela,  além dos aspectos de libertação 

formalista, mas  sim  pelo  fato  de  escapar  à  coersão  e  ao  cerceamento  ideológico 

através da produção  simbólica. Ainda, que o  conteúdo das  formas não  se  libertem 

dos  suportes  e  expressões  mais  tradicionais,  a  ruptura  se  estabelece  através  da 

rejeição  aos  valores  que  estão  no  centro da dominação do pensamento  acerca das 

imagens e das memórias produzidas. Nesse sentido, a produção plástica rompe com 

as  estruturas  e  revela  outra  realidade. Numa  construção  plástica  impregnada  de 

símbolos e discussões sociais impressas. Que por sua vez, reflete um distanciamento 

dos modelos ideais de representação 

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Estratégias do projeto ideológico 

A  orientação  autoritária  do  governo  Vargas,  estabeleceu  estruturas  de 

repressão e também de doutrinação, para construir sua base de sustentação política. 

As técnicas de difusão da imagem e da propaganda nos meios de comunicação social 

foram os rituais da nova ordem, que se assentavam sobre a divulgação de imagens, 

que  criavam  um  apelo  sensorial  com  as  conotações  que  se  queriam  difundir, 

utilizando‐se, para  esses propósitos,  a  imagem  em  larga  escala. Essa  estratégia  foi 

muito funcional, pois também atingia um grande número de analfabetos, e também 

causava  comoção. O  resultado  foi muito  eficiente,  sobretudo  nas modelações  das 

expressões da vida social, influenciando idéias e valores, comportamentos e práticas. 

           Nesse  âmbito,  a  fotografia  no  panorama  da  cidade  e  do  imaginário  urbano 

entra  como  um  recorte  utilizado,  como  uma  poderosa  ferramenta  de  registro  e 

modernização  do  Estado,  conforme  observamos,  sua  presença  é  constante  na 

imprensa  e  mídias  em  geral.    O  contexto  de  produção  de  imagens  fotográficas 

propagandísticas das ações do Estado, ocorridas a partir de 1930, demonstra que a 

fotografia foi utilizada para a construção de uma idéia da nação e do regime político.  

 No Estado Novo  ocorre uma  sistematização do uso  e difusão da  fotografia 

encomendadas  pelo  governo  brasileiro.  Sendo  o  produto  mais  específico  dessa 

iniciativa,  os  álbuns  feitos  pelos  governos  estaduais,  em  edições  luxuosas, 

cuidadosamente  preparadas  e  impressas  na  Europa,  visando  a  propaganda  da 

administração  do  governo  do  estado  de  São  Paulo,  lançado  por  ocasião  da  III 

Conferência Nacional de Educação em 1929, com fotografias de fachadas de edifícios 

escolares,  com  as  quais  se  buscava  criar  uma  idéia  da  monumentalidade  das 

construções, relacionadas com a própria idéia da qualidade do ensino público, assim 

como as reformas urbanas ocorridas no início do século XX.198 

 

 

198 KOSSOY, Bóris. Origens e Expansão da Fotografia no Brasil:  século XIX. Rio de  Janeiro: MEC; Funarte, 1980. P. 95 

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As estruturas de controle e difusão da imagem 

Em  1931  foi  criado  o  Departamento  Oficial  de  Propaganda  (DOP), 

posteriormente  substituído  pelo Departamento  de  Propaganda  e Difusão Cultural 

(DPDC), em 1934, cuja finalidade consistia no controle da informação e da cultura, e 

no  uso  de  recursos  com  fins  políticos,  tais  como:  cinema,  radiotelegrafia  e  outros 

processos técnicos, no sentido de empregá‐los como instrumentos de difusão.  

Essa estrutura de controle  foi ampliada e  fortalecida através da estruturação 

de um projeto político‐ideológico de  combate  e  eliminação de  forças  contrárias  ao 

regime.  Buscava‐se  então, mais  do  que  nunca,  o  caminho  da  legitimação.  Nesse 

contexto,  a  propaganda  estatal  alcançou  um  grande  nível  de  produção  e 

sistematização  da  informação  e  tornou‐se  também  uma  importante  ferramenta  na 

esfera  da  defesa  nacional,  diretamente  ligada  à  idéia  de manutenção  da  ordem  e 

unidade  da  nação. Conciliando  sua  coercitiva  a  uma  “função  educativa”  junto  às 

massas.  E  dessa  forma,  divulgou  os  parâmetros  da  ʺnova  ordemʺ,  através  da 

publicidade  oficial  do  Estado,  além  de  um  rígido  controle  das  informações. 

Sobretudo  na  produção  e  divulgação  dos  discursos  direcionados  à  construção  da 

imagem do regime, de suas instituições e do chefe do governo, identificando‐os com 

o próprio país e o povo. [imagem 9: p. 168] 

 Todo esse aparelho era diretamente subordinado à Presidência da República e 

visava a centralização e fiscalização de todos os jornais e revistas do país, cerceando 

amplamente qualquer iniciativa de liberdade de expressão.              

 Além de orientar o  funcionamento  e o  conteúdo das mensagens veiculadas 

pelos meios  de  comunicação,  também  produzia  e  difundia  seus  produtos:  livros, 

folhetos,  cartazes,  cinejornais,  programas  de  rádio  com  noticiários  e  inúmeros 

musicais, além de fotografias para uso na imprensa, em publicações diversas ou em 

exposições, cerimônias cívicas etc. O DIP possuía as seguintes divisões: Divulgação, 

Radiodifusão, Cinema  e Teatro, Turismo,  Imprensa, além de Serviços Auxiliares.199 

199  Sobre  a  questão  da  imagem  no  estado  novo. Cf: ACHILLES, Aristheu.  1938.  ʺO Departamento Nacional de Propagandaʺ, Revista do Serviço Público. Rio de Janeiro, v.4, n.1, out., p. 54‐61. Estudos 

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Além de controlar toda difusão das imagens e fotografias, a Divisão de Divulgação, 

também  atuava  junto  à  imprensa  nacional  e  estrangeira  fornecendo  matérias  e 

imagens,  produzidas  nessa  estrutura  do  governo,  que  possuía  um  arquivo 

fotográfico e um laboratório para produzir e distribuir imagens para todos os jornais 

do  país,  além  de  estar  disponível  para  consulta  e  uso  dos  correspondentes 

estrangeiros.    As imagens difundidas tinham por objetivo produzir um cenário, cuja 

dinâmica de transformação justificava a produção de uma documentação fotográfica 

que  registrasse mudanças. Muitos  fotógrafos  eram  contratados pela  administração 

pública, e o  resultado de  seu  trabalho era a produção de um  conjunto de  imagens 

sobre  a  arquitetura  brasileira  nesse  período.  A  produção  de  imagens  da  cidade 

privilegiava as transformações urbanas, cenas do cotidiano, de costumes e de festas 

representando a visão que a administração pública do período e os seus fotógrafos, 

construíram  sobre  a  cidade. Portanto,  a produção  e o uso das  imagens da  cidade, 

produzidas pelo poder, consistem em uma etapa  fundamental para a compreensão 

das vias formativas do imaginário urbano da metrópole.  

 

A “Revista São Paulo” e a propaganda ideológica 

            Nessa  esfera  de  produção,  controle  e  distribuição  de  imagens  fotográficas: 

como veículo de  propaganda governamental. Destaca‐se, a “Revista São Paulo: orgam 

documental  das  realizações  paulistasʺ,  que  constituiu  um  dos  primeiros  veículos  de 

propaganda política com uma roupagem modernizadora, surgido no período. [imagem 

50: p. 182] 

A “Revista São Paulo”  tinha  em  sua  equipe de  redação: Cassiano Ricardo  e 

Menotti Del Picchia  (modernistas/integralistas). E prestava‐se,  sobretudo, à difusão 

dos feitos políticos do Governador Armando Salles de Oliveira. O formato de revista 

Históricos, Rio de Janeiro, vol. 7, n. 14, 1994, p.p. 241‐263. Cf:  CARVALHO, Maria Cristina Wolff de, e WOLFF, Sílvia Ferreira Santos. Arquitetura e fotografia no século XIX. In: FABRIS. Annateresa, (org). Fotografia: usos e funções no século XIX. São Paulo: Edusp, 1999. p.. 298     

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(44x30 cm), favorecia a apresentação de uma qualidade de imagens muito definida e 

se destacava por privilegiar a  imagem  em  relação ao  texto. Embora os  exemplares 

não  tragam  identificações  indicando uma participação direta da máquina estatal, a 

modernização administrativa e a atuação do Estado são alguns dos eixos  temáticos 

da  revista. Como  diferencial  e  traço  distintivo  da Revista  São  Paulo,  destaca‐se  a 

presença  da  fotomontagem.   Na  edição  das  imagens,  identificadas  pelas 

fotomontagens,  a  estrutura  era  composta  por  planos,  sendo  que  o  primeiro  e  o 

segundo planos, eram usados como uma ʺmolduraʺ de um elemento de maior valor 

visual  sobre  imagens  secundárias. Nesse  recurso,  a  justaposição  quase  nunca  era 

natural, pois os elementos possuíam vários  tamanhos. Porém, a estrutura utilizada 

na fotomontagem tinha o objetivo de conduzir e determinar a leitura do conjunto, e 

dessa forma destacar aspectos considerados mais relevantes. 200 

A Revista São Paulo, embora voltada para a difusão das atividades do Estado, 

enfatizando a presença de uma máquina administrativa ʺmodernaʺ, também centrou 

sua  atenção  sobre  a  cidade  enquanto  símbolo.  Nesse  sentido,  a  cidade  que  se 

apresentava  ao  leitor,  tinha  nos  elementos  de  repetição  a  tônica  do  símbolo  da 

modernização,  como  por  exemplo:  edifícios  em  obras,  instrumentos  de  ação  do 

Estado e multidões. No primeiro número, a capa apresenta uma fotomontagem com 

três  imagens  que  se  articulam  por  justaposição,  destacando  a  imagem  do 

bandeirante,  que  parece  observar  o  conjunto  formado  pelo  perfil  dos  telhados  de 

galpões industriais e suas chaminés (imagens secundarias).  [imagem 49: p 182]  

Nesse momento a figura do bandeirante, já se alinha ao tema da construção do 

Monumento  às Bandeiras201,  como  símbolo  eleito pelos  editoriais. Destaca‐se  como 

conceito da época, o valor da liderança, que por sua vez, é associado diretamente ao 

papel do Estado de São Paulo no desenvolvimento nacional,  tendo como marco as 

200  MENDES,  Ricardo.  A  revista  S.PAULO:  a  cidade  nas  bancas.  Unicamp,  1994.  (trabalho apresentado no V Congresso Brasileiro de História da Arte). 201 Monumento às Bandeiras

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realizações “modernizadoras” na cidade. Dentro de um projeto político nacional que 

ficará evidente com a publicação do “Manifesto do Movimento Bandeira.”202 

A cidade através desse “olhar” é articulada como um espaço de socialização e 

não de produção. As massas que ocupam as imagens são as que estão presentes em 

manifestações  políticas,  como  desfiles,  eventos  públicos,    até  mesmo  o  carnaval, 

desde  que  com  o  apoio  oficial  e  associados  à  presença  do  Estado. Dessa  forma  o 

“corpo” da cidade era figurado por suas instituições e  as multidões dispostas como 

objeto  de  sua  ordenação. Outro  símbolo  recorrente  na  publicação  da  Revista  São 

Paulo são os edifícios em obras: as construções e a  idéia de progresso, pelo viés da 

cidade em obras e do crescimento urbano. [imagens 64: p. 187] 

Por  isso, desde o primeiro número, a  imagem  inicial é  formada por obras de 

engenharia civil. A figura ʺedifício em obraʺ e referências à intensa verticalização são 

aspectos  importantes  associados  à  imagem  da  cidade.  Há  uma  profusão  de 

montagens com arranha‐céus, desde o primeiro número, que aparece sob a chamada: 

ʺO sentido paulista da vida brasileira quer dizer: organizaçãoʺ . 

O  destaque  para  as  obras,  ou  a  cidade  em  construção,  expressa  o  projeto 

político da  revista, que era a consolidação de uma  idéia da cidade em crescimento 

que  tinha  como  destaque  o  caráter  empreendedor  do  governo.  Toda  simbologia 

presente na  construção da  imagem da  cidade de  São Paulo, utilizada  e divulgada 

pela revista,   relaciona‐se a uma  idéia de natureza controlada, e da  identificação da 

cidade como um organismo, sendo o espaço urbano identificado como o universo do 

trabalho. A  cidade  de  São  Paulo  é  destacada  como  “o maior  centro  industrial  da 

América Latinaʺ, e esse dado será sempre presente nas matérias da revista associado 

ao intenso ritmo de crescimento da cidade e ao processo de modernização. Todos os 

números  da  revista,  sem  exceção,  destacam  o  crescimento  da  cidade  em  todos  os 

aspectos. A simbologia dessa representação de progresso é associada às máquinas, às 

ferrovias e ao porto. Na concepção da cidade como espaço de socialização, a revista 

sempre enfatiza o aparelho estatal.  [imagem 64: p. 187]   202 Movimento Bandeira de 1936 , de filosofia autoritária, que desembocou no Estado Novo.

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Raramente, o homem aparece, evita‐se a associação de crescimento ao trabalho 

humano,  sendo  essa uma  função de máquinas. Por  isso, nas  raras vezes em que o 

homem aparece, está sempre subordinado às máquinas . Nessa estrutura de destacar 

aspectos da velocidade e crescimento, a linguagem visual da revista se aproxima dos 

elementos valorizados pelos modernistas da década de 20. A revista também revela 

uma  exaltação ao  cinema,  expressa no próprio projeto gráfico,  apresentando  cenas 

urbanas na  forma de cartazes de  filmes e elege a  ferrovia como a representação da 

máquina do Estado, sendo “São Paulo a Locomotiva do Brasil.” A produção da visão 

urbana tem como fundo a mesma idéia do postal, que destaca a imagem de marcos 

da cidade e  nunca o uso social do espaço urbano. Na representação visual da cidade, 

a  revista  posiciona‐se  de  forma  significativa  na  produção  iconográfica  local  da 

primeira metade do século, tanto no campo da fotografia como da imagem impressa 

e  se  distingue  através  da  formação  de  um  repertório  visual  sobre  a  cidade, 

enfatizando a valorização de alguns símbolos urbanos, como velocidade e presença 

da  máquina  e  novas  tecnologias,  criando  uma  simbologia  de  modernização.  A 

Revista São Paulo  representa um marco dessa produção visual sobre a cidade, que 

destaca a paisagem urbana enquanto processo simbólico, relacionado à formação da 

“metrópole” e estabelece moldes para a fotografia urbana.  

 

A arte como reveladora de essências 

Percebe‐se que em todas essas esferas de representação, seja do artista plástico 

ou  do  fotógrafo,  existe  uma  camada  cultural  mais  especificamente  orientada  ou 

intencionada que determina o gosto, e compreende as idéias sobre arte e preferências 

artísticas, conhecimentos técnicos, modos convencionais de representação, normas e 

tradições  iconográficas e até  certas predileções estilísticas  comuns a artistas de um 

mesmo  círculo  cultural.  Embora  também  haja  casos  de  concepções  artísticas  que 

escapam  à  análise  conduzida  segundo  modelos  culturais  determinados,  e  que 

constitui  a  contribuição  pessoal  e  inovadora  do  artista.  Porém,  na  composição  do 

conteúdo cultural da obra, em relação aos esquemas culturais do tempo, a memória 

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visual do artista em seus processos retém, evoca e utiliza as imagens correspondentes 

a  fenômenos,  cujo  significado  já  se  reconheceu  na  ordem  do  conhecimento 

intelectual. Esses processos de estruturação cultural podem ser perceptíveis através 

da  arte.  No  processo  chamado  de  “redução  fenomenológica”,  coloca‐se  entre 

parênteses  os  conteúdos  culturais  enquanto  noções,  para    apreender  ao  vivo,  a 

estrutura  que  os  organiza  naquilo  que  se  pode  chamar  de  plano  ou  de  nível  da 

percepção  imediata. Por exemplo, o  lugar que diversas culturas destinam à arte em 

seus  sistemas  culturais  é  exatamente  aquele  que  destinam  a  “fenomenização”  ou 

visualização de seus valores.  Ou seja, existe uma espécie de narrativa visual na arte, 

correspondente ao processo histórico   que pode ser reveladora de processos. Nesse 

sentido,  o  ato  de  “fazer  arte”,  visto  como  uma  seqüência  de  operações mentais  e 

manuais, revela um conjunto de experiências culturais de diferentes origens, que se 

compendia  na  unidade  do  objeto  e  se  oferece  como  um  todo  à  percepção.  O 

dinamismo  estrutural  da  obra  de  arte    é  o  da  relação  funcional  entre  a  operação 

técnica e o mecanismo da memória e da  imaginação. Portanto, o processo artístico 

pode ser tão consciente como o processo intelectual e pode revelar através da forma, 

as estruturas do pensamento filosófico e científico de cada época. 

É sempre a arte avançada e nunca a tradicionalista que indica à historiografia novos campos e novas  linhas de pesquisa; é sempre um  problema  do  presente  que  determina  a  problematicidade  do passado. Não se faz história a não ser dos fenômenos que continuam; Entender  um  fenômeno  significa  reconstituir  uma  série  dos fenômenos que o precedem e o motivaram (...) A força da arte está em atingir  com interesse atual um ponto do passado e torná‐lo presente. O que se poderia tornar presente seria o passado? Na arte poder‐se ia dizer que nada se cria, tudo renasce.”  203 

 Nesse sentido,  temos no caminho da epistemologia o princípio do “ver para 

compreender”.  E  dessa  forma  podemos  buscar  mecanismos  para  identificar, 

interpretar e proteger a cultura, a memória e as identidades, impressas no lugar onde 

vivemos.  

203 ARGAN. Op.cit. p.37 

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Representações visuais da cidade 

            O imaginário urbano e seu suporte visual de representação da cidade  revela 

ao longo de uma tradição de imagens, vários processos históricos, que enfocam a 

cidade de acordo com os diferentes períodos. A representação do imaginário visual 

da cidade se dá através de cenas urbanas, que são mais do que representações dos 

espaços urbanos, pois representam as atividades características da cidade.  

Fazendo  uma  analogia  da  imagem  visual  de  São  Paulo  com  as  referências 

extraídas da  literatura  e das narrativas de  lembradores,    temos um  referencial das 

linguagens visuais da modernidade  (mas  sem enfoque na  imagem verbal e  sim na 

questão do imaginário). Por esse caminho, tentou‐se uma aproximação com a cidade 

no período de 1930, dentro das dissonâncias encontradas entre as questões estéticas e 

ideológicas.  Buscando  na  representação  artística,  todas  as  variáveis  da  identidade 

cultural impressas, através da morfologia urbana.  

Se a cidade, tendo na urbanização a revelação de seus processos sociais, deve  

ser  compreendida dentro da  esfera da história  social  e  cultural, a mesma deve  ser 

considerada  como  um  “ser  social”  e  com  isso  torna‐se  possível  buscar  o 

entendimento de  suas  representações pela própria  sociedade que a  institui e que a 

transforma continuamente.  

Por  isso,  a  cidade  em  permanente  transformação  tem  relação  direta  com  a 

morfologia da paisagem e se relaciona a um conjunto de significações que estabelece 

seu   universo simbólico.204 Ou seja, os atributos  formais do espaço/cidade estão em 

consonância direta com as relações sociais que se estruturam a partir do imaginário. 

A cidade portanto, deve ser entendida como artefato, como campo de forças e como 

imagem. Nesse sentido, podemos situar a cidade como um produto historicamente 

produzido, posto que e os espaços e as estruturas da cidade são resultados de esferas 

de poder. Considerando, que as relações de dominação produzem diferentes  forças 

econômicas, políticas, sociais e culturais, em permanente tensão, e a cidade como um 

204  MENESES,  Ulpiano  T.  Bezerra.  Morfologia  das  Cidades  Brasileiras:  Introdução  ao  Estudo Histórico da Iconografia Urbana. In: Revista USP, São Paulo (30)) Junho/Agosto 1996. p.p144‐155 

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produto é um vetor desse campo de forças, onde a cultura material é produzida pelas 

práticas sociais que se submetem a relações de poder.  

Mas, devemos  considerar que a  cidade  é  também  representação, por  isso as 

práticas sociais que produzem os artefatos também se reproduzem neles, através das 

representações sociais. Dessa forma pode se relacionar a complexidade das imagens 

com  o  imaginário  que  perpassa  pelas  questões  da  memória,  da  ideologia  e  da 

estética. Sendo assim, a imagem visual nem sempre coincide com a representação.  

Porém,  a  transformação  experimentada  na  cidade,  tanto  nas  atividades 

produtivas quanto nas relações sociais, apresenta a  imagem como quadros  fixos da 

memória. Nesse sentido a morfologia deixa de ser um componente da cidade como 

ser social, passando a ser apenas uma representação cosmética e artificial, tal qual um 

cenário.  

As  imagens  que  foram  selecionadas  para  esse  estudo,  são  suportes  das 

representações.  Porém,  não  se  buscou  nessa  seleção  de  imagens  registros  de  um 

suposto  real  externo  e  objetivo, para  avaliar  a  correspondência  com  as  narrativas,  

pois  isso seria utilizar as  imagens como  ilustração. A seleção  iconográfica objetivou 

estabelecer  uma  construção  discursiva  através  das  imagens  que,  por  sua  vez, 

dependem das formas históricas e da percepção dos conceitos e valores do período.  

 Para as  interpretações,  foram  consideradas algumas premissas,  sendo que a 

primeira é que não há polaridades entre real e imaginário, posto que a imaginação é 

sempre  considerada  como uma propriedade marginal  e  negativa,  cuja  justificativa 

pode estar relacionada a uma tradição do conhecimento.205  

Na questão da imagem utilizada como referencial, temos que considerar que o 

conceito de verdade é outro tópico, embora o valor da imagem tenha quase sempre  205  A  tradição  de  associar  o  imaginário  ao  desprestígio  tem  sua  origem  nos  gregos  antigos  que preocupados    em  conceituar  o  conhecimento,  liberando‐o  das  aparências    do  sensível,  associaram  imaginação  à  ilusão  e  engano. A dicotomia  real/imaginário  só  começou  a  ser  superada  quando    a imaginação  ganhou  foros  de  cidadania  em  fins  do  século  XIX,  com  os  horizontes  abertos  pela psicanálise, para além dos estados de consciência. Mais tarde, a psicologia, a sociologia, a filosofia e a antropologia viram na imaginação uma fonte geradora poderosíssima. Por isso não há como dissociar a imagem do real e as práticas de representações. Cf. artigo: MENESES, Ulpiano T. Bezerra:   Revista USP, São Paulo (30)) Junho/Agosto 1996. p.p 144‐155 

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um  caráter  probatório.  A  imagem  urbana  seria  mais  “histórica”  se  pudesse 

comprovar a coincidência de traços nela presentes com os dados objetivos da cidade. 

Porém, é um equívoco achar que o valor histórico esteja na fidelidade das imagens.  

O  valor  documental  das  imagens  deve  referir‐se  ao  universo  das 

representações sociais e pela possibilidade de entender o imaginário, e não apenas à 

capacidade  de  confirmação  de  traços  empíricos.  Porém  essa  questão  não  anula  a 

necessidade  de  registrar  na  imagem  traços  empíricos,  tais  como:  características 

específicas de um certo espaço, arquiteturas, indumentárias, narrativas de ações.  

Esse  universo  de  fatos,  embora  emblemático,  não  deve  substituir  de  forma 

alguma o universo das representações sociais.  

Por  isso,  a  cidade  não  pode  ser  conhecida  profundamente  apenas  pela 

documentação iconográfica, mas sim pelos diversos olhares que a focam por diversos 

ângulos e que revelam matizes tão dissonantes e ao mesmo tempo, polissêmicos.   

A  cidade  emerge,  por  inferências  e  o  olhar  pode  desvelar  universos  e 

diferenças.   O olhar, portanto,  institui  seu próprio objeto. Mas a  imagem não  só  é 

instituída historicamente, como é também referencial do dimensionamento histórico, 

estabelecido através do estudo do circuito de suas variáveis. Nesse sentido, o artista, 

pode  ser  tanto  um  interprete  como  um  construtor  da  realidade  social,  pois  ele 

consegue atingir os universos simbólicos que ordenam as histórias e que estabelecem 

as memórias em relação ao passado que serão partilhadas pela coletividade.  

Na  análise  das  imagens  selecionadas,  por  se  tratar  de  um  conjunto muito 

diversificado de estudos voltados ao entendimento da cidade de São Paulo nos anos 

30,  foi  necessário  estabelecer  cortes  na  investigação,  sem  que  isso  representasse 

perdas  na  confrontação  de  imagens  do  período  pela  vertente  modernista  e 

nacionalista, que esteve dos dois lados do poder, como atuante e como representante.  

Por  isso, optou‐se por um  recorte, que perpassa por algumas das principais 

vertentes que situam a questão da produção das imagens no período analisado.  

Porém,  não  foram  aprofundadas  as  investigações  acerca  das  fontes 

selecionadas, posto que as mesmas  foram apresentadas com o objetivo de somente 

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mapear a produção de imagens de origens diferenciadas, quer seja de associações de 

artistas, ou  relacionadas a um  ideário de difusão propagandística do Estado Novo. 

Sendo que o  critério de  seleção  foi   o mesmo para  todas  as  fontes:    a  temática da 

cidade de São Paulo, analisada sobre os contrastes da representação e suas diferentes 

nuances.  Na  seleção  das  imagens  procurou‐se  captar  a  ambiência  cultural  e  a 

dinâmica do cotidiano da cidade, para que dessa  forma  fosse possível  levantar um 

panorama de imaginários simbólicos sobre a cidade.  

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Imagens, Imaginários e Representações  

Imagem 1  MUSA, João. Pátio do Colégio ‐ s/d – fotografia p/b. Fonte: O centro de São Paulo. Catálogo da Bolsa de Mercadorias e Futuros, 1996. 

   

Imagem 2 BENEDITO, Nair . Rua Libero Badaró s/d ‐ Fotografia p/b O centro de São Paulo. Catálogo da Bolsa de Mercadorias e Futuros, 1996. 

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Imagem 3 BENEDITO, Nair. Pátio do Colégio ‐ s/d – Fotografia p/b Fonte: O centro de São Paulo. Catálogo da Bolsa de Mercadorias e Futuros, 1996. 

     

   

Imagem 4 ROSENTHAL. Hildegard. Praça Ramos de Azevedo , 1940. Monumento a Carlos Gomes. Pormenor Evocativo da Ópera Condor (Escultor Luigi Brizzolara). Fotografia p/b 

        

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Imagem 5 FIGUEIREDO, Fabiana. Praça da Sé s/d ‐ Fotografia p/b O centro de São Paulo. Catálogo da Bolsa de Mercadorias e Futuros, 1996. 

     

Imagem 6 FIALDINI. Rômulo. Rua 15 de Novembro s/d ‐ Fotografia p/b Fonte: O centro de São Paulo. Catálogo da Bolsa de Mercadorias e Futuros, 1996. 

     

Imagem 7 FIALDINI. Rômulo. Rua 15 de Novembro s/d ‐ Fotografia p/b Fonte: O centro de São Paulo. Catálogo da Bolsa de Mercadorias e Futuros, 1996. 

 

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Imagem 8 Getúlio pai dos pobres Fonte: CPDOC/ FGV 

    

Imagem 9  Fonte: CPDOC/ FGV 

    

Imagem 10 Álbum Getúlio para crianças Fonte: CPDOC/ FGV  

 

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Imagem 11 ROSENTHAL. Hildegard. Bonde na Praça do Correio , 1940. ‐ Fotografia p/b Fonte: Cenas Urbanas. Catálogo do Instituto Moreira Salles. s/d 

    

Imagem 12 s/a. Brincadeiras na Rua, s/d Reprodução fotográfica: autoria desconhecida 

  

 

Imagem 13 fotografia – homem da vassoura Fonte: NOVAIS, Fernando, ALENCASTRO, Felipe (org). História da Vida privada no Brasil – vol 2 . São Paulo: Cia das Letras, 1999. 

     

Imagem 14  [S.n] Rua da Abolição 124, São Paulo, s.d. Cortiço no Bexiga. Fonte: NOVAIS, Fernando, ALENCASTRO, Felipe (org). História da Vida privada no Brasil – vol 2. São Paulo: Cia das Letras, 1999.

 

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Imagem 15 VOLPI, Alfredo. Procissão – 1940 óleo sobre tela Reprodução fotográfica: autoria desconhecida 

     

   

Imagem 16 PRADO, Carlos. Procissão – 1941 óleo sobre tela Reprodução fotográfica: autoria desconhecida 

    

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Imagem 17 fotografia ROSENTHAL. Hildegard.  Zona Cerealista ‐ Ao fundo, o Mercado Municipal, 1940.  fotografia p/b. Fonte: Cenas Urbanas. Catálogo do Instituto Moreira Salles. s/d 

        

Imagem 18  fotografia ROSENTHAL. Hildegard . Pontos de Encontro ‐ Feira Livre, 1940. fotografia p/b.Fonte: Cenas Urbanas. Catálogo do Instituto Moreira Salles. s/d 

        

Imagem 19 fotografia ROSENTHAL. Hildegard . Zona Cerealista – á  esquerda, o Mercado Municipal. A feirante com suas compras aguarda o bonde , 1940. fotografia p/b. Fonte: Cenas Urbanas. Catálogo do Instituto Moreira Salles. s/d 

    

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Imagem 20 fotografia [s.n]. Largo da Memória, São Paulo, 1914. fotografia p/b. Piques. Lugar onde se organizavam os leilões de escravos.  Fonte: NOVAIS, Fernando, ALENCASTRO, Felipe (org). História da Vida privada no Brasil – vol 2 . São Paulo: Cia das Letras, 1999.

     

   

      

Imagem 21 fotografia [s.n].Edifício Martinelli e Zepellin. São Paulo, 1938 Fonte: NOVAIS, Fernando, ALENCASTRO, Felipe (org). História da Vida privada no Brasil – vol 2. São Paulo: Cia das Letras, 1999. 

      

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Imagem 22 AITA, Zina. Homens Trabalhando, 1922. 

        

Imagem 23 AMARAL, Tarsila. São Paulo [Gazo], 1924  Coleção Particular  Reprodução fotográfica: Romulo Fialdini 

        

Imagem 24 AMARAL, Tarsila. São Paulo, 1924  Acervo da Pinacoteca do Estado de São Paulo/Brasil  Reprodução fotográfica: Romulo Fialdini 

     

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Imagem 25 PORTINARI, Cândido. Mestiço, 1934. Óleo sobre tela.

    

 

Imagem 26 GUIGNARD. Família do Fuzileiro Naval, 1938. Óleo sobre tela. Coleção de Artes Visuais do Instituto de Estudos Brasileiros – IEB/USP 

    

 

Imagem 27 GUIGNARD. A. Os noivos, 1937. Óleo sobre tela. Museus Castro Maya ‐ IPHAN/MinC (Rio de Janeiro) 

 

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Imagem 28 SEGALL, Lasar. 1932 . Óleo sobre tela. Reprodução fotográfica: autoria desconhecida 

    

   

Imagem 29 SEGALL, Lasar. Mãe Negra, 1930. Óleo sobre tela. Reprodução fotográfica: autoria desconhecida 

    

   

Imagem 30 SEGALL, Lasar. Paisagem Brasileira , 1925. Óleo sobre tela. Museu Lasar Segall ‐ IPHAN/MinC (São Paulo, SP) Reprodução fotográfica: Romulo Fialdini 

  

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Imagem 31 VOLPI, Alfredo. Esquina, 1932. Óleo sobre tela. Reprodução fotográfica: autoria desconhecida 

     

  

Imagem 32 VOLPI, Alfredo. Feira do Cambuci , 1930. Óleo sobre tela Reprodução fotográfica: autoria desconhecida 

     

  

Imagem 33 REBOLLO, Francisco. Casa terraço, 1937. Óleo sobre tela Reprodução fotográfica: autoria desconhecida 

 

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Imagem 34 REBOLLO, Francisco. Praça Clóvis, 1944. Óleo sobre tela. Reprodução fotográfica: autoria desconhecida 

     

    

Imagem 35 REBOLLO, Francisco. Rua do Carmo, 1936. Óleo sobre tela. Reprodução fotográfica: autoria desconhecida 

     

    

Imagem 36 PENACCHI. O Circo, 1942. Óleo sobre tela Reprodução fotográfica: autoria desconhecida 

  

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Imagem 37 CARVALHO, Flávio de. Viaduto Santa Ifigênia à noite, 1934. Óleo sobre tela. Reprodução fotográfica: autoria desconhecida 

    

   

Imagem 38 CARVALHO, Flávio de. A Inferioridade de Deus, 1931. Óleo sobre tela. Coleção Gilberto Chateaubriand ‐ MAM RJ Reprodução Fotográfica: Paulo Scheuenstuhl 

    

   

Imagem 39 GRAZ, John – 1927. Óleo sobre tela. Reprodução fotográfica: autoria desconhecida 

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Imagem 40 AMARAL, Tarsila. Casamento, 1940. Óleo sobre tela.  Reprodução fotográfica: autoria desconhecida 

  

  

Imagem 41 PANCETTI. O Enterro, 1945.  Óleo sobre tela.  Reprodução fotográfica: autoria desconhecida 

  

  

Imagem 42 GOBBIS, Vittorio. Interior: Projeto de Decoração para Baile Carnavalesco em São Paulo, 1937. Reprodução fotográfica: autoria desconhecida 

 

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Imagem 43 ABRAMO. Vila Operária, 1935. Serigrafia. Reprodução fotográfica: autoria desconhecida 

   

  

Imagem 44 ABRAMO. Meninas de Fábrica, 1935. Serigrafia. Reprodução fotográfica: autoria desconhecida 

   

  

Imagem 45 PRADO, Carlos. Varredores de Rua, 1935. Reprodução fotográfica: autoria desconhecida 

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              Imagem 46 pintura REBOLLO. Lavadeiras, 1937.  Óleo sobre tela. Reprodução fotográfica: autoria desconhecida 

      

    

Imagem 47 pintura DI CAVALCANTI. Mulheres Protestando,  1941  Óleo sobre tela. Coleção Particular  Reprodução fotográfica: autoria desconhecida 

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Imagem 48 pintura ADAMI, Hugo Fábrica, 1930. Óleo sobre tela. Reprodução Fotográfica: autoria desconhecida 

     

 

Imagem 49 fotomontagem O Bandeirante ‐ Revista São Paulo ‐ 1936 (1ª Capa) Fonte: Arquivo CPDOC ‐ FGV 

     

 

Imagem 50 fotografia Sentido paulista da vida brasileiraʺ n.1 ‐ Revista São Paulo ‐  jan.1936 Fonte:Arquivo CPDOC/FGV 

  

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Imagem 51 pintura PRADO, Carlos. A Fila, 1943. Óleo sobre tela. Reprodução Fotográfica: autoria desconhecida. 

    

 

Imagem 52 ‐ pintura CARNICELLI, Mick. Rua Apa, 1944. Óleo sobre tela. Reprodução fotográfica: autoria desconhecida. Acervo da Pinacoteca do Estado de São Paulo/Brasil. 

    

Imagem 53 DI CAVANCANTI. Seresta, 1930 . Coleção Particular. Reprodução fotográfica: Romulo Fialdini. 

    

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Imagem 54 PRADO, Carlos. Violeiros, 1932. Óleo sobre tela. Reprodução Fotográfica: autoria desconhecida. 

     

  

Imagem 55 MARTINS, Manuel. Feira ‐ s/d. Reprodução Fotográfica: autoria desconhecida. 

     

  

Imagem 56 MARTINS, Manuel. Alto da Cantareira, 1937. Reprodução Fotográfica: autoria desconhecida. 

  

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Imagem 57 MARTINS, Manuel. Praça da Sé, 1940. Reprodução Fotográfica: autoria desconhecida. 

    

   

Imagem 58 ZANINI. Tietê, 1940. Reprodução Fotográfica: autoria desconhecida. 

    

   

Imagem 59 ZANINI. Rua com figuras, 1939. Reprodução Fotográfica: autoria desconhecida. 

   

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Imagem 60 PANCETTI. Paisagem de Rua de Santana, 1939. Reprodução Fotográfica: autoria desconhecida. 

     

Imagem 61 REBOLLO. Arredores de São Paulo, 1938. Óleo sobre tela. Reprodução Fotográfica: autoria desconhecida. 

     

Imagem 62 ZANINI. Vista da Ponte Grande, 1935. Óleo sobre tela. Reprodução Fotográfica: autoria desconhecida. 

     

Imagem 63 MARTINS, Manuel. Vista da Vila ‐ s/d. Óleo sobre tela. Reprodução Fotográfica: autoria desconhecida. 

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Imagem 64 fotografia  Cartões postais exaltando as realizações do governo Vargas,  editado pelo DIP, 1937/1945. Rio de Janeiro. CPDOC/ FGV. 

    

    

Imagem 65 Escolas desfilam na Quinta da Boa Vista comemorando o Dia da Pátria, 1943. Cartões postais exaltando as realizações do governo Vargas,  editado pelo DIP, 1937/1945.  Rio de Janeiro. CPDOC/ CDA Vargas. 

      

     

Imagem 66 Manifestação cívica, no Dia do Trabalho, em homenagem a Vargas, 1941. Cartões postais exaltando as realizações do governo Vargas,  editado pelo DIP, 1937/1945. Rio de Janeiro. CPDOC/ FGV. 

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Imagem 67 Cartões postais exaltando as realizações do governo Vargas,  editado pelo DIP, 1937/1945. Rio de Janeiro. CPDOC/ FGV. 

  

  

 

Imagem 68 Cartões postais do governo Vargas,  editado pelo DIP, 1937/1945. Rio de Janeiro. CPDOC/ FGV. 

  

  

 

Imagem 69 A Sinfonia da Metrópole ‐ Revista São Paulo. s/d. Fonte: NOVAIS, Fernando, ALENCASTRO, Felipe (org). História da Vida privada no Brasil – vol 2. São Paulo: Cia das Letras, 1999. 

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Considerações Finais O estudo das relações entre arte e sociedade, que se estruturou nessa pesquisa 

através  do  olhar,  foi  buscar  no  campo  simbólico  e  imaginário,  as  diferentes 

representações  da  cidade,  reveladas  através  da memória  narrativa  e  visual,  para 

interpretar a relação “lugar‐identidade” e a construção dos sentidos.  

Através  das  representações,  buscou‐se  adentrar  no  universo  simbólico  por 

atalhos do imaginário, encontrados na história “vista por dentro”, no cotidiano e nos 

diferentes olhares, que revelaram a cidade por diferentes realidades, através de uma 

incursão pelos espaços das memórias esquecidas.  

Buscou‐se entender esses diferentes “olhares”, por vários ângulos, dentro da 

perspectiva da história, da arte, do intelectual, do político, do artista e da diversidade 

de origens do habitante daquele espaço‐tempo que se transportam no tempo através 

da  lembrança.  Nessa  trajetória,  considerou‐se  a  memória  por  suas  vertentes: 

individual, coletiva e oficial (ou introjetada). Sendo que a individual parte de quem 

lembra; a coletiva  refere‐se ao  sentimento da  lembrança de  todos, ou da  referência 

comum, relativos a um grupo e uma temporalidade ou ciclo de vida; e a oficial, são 

as memórias produzidas e disseminadas pelo poder, sempre apoiadas em discursos 

dominantes e na formatação de verdades, que circulam como absolutas, geralmente,  

ancoradas em cientificismos.  

Essas  diferentes  facetas  da  memória  foram  confrontadas  na  tentativa  de 

interpretar aspectos da cidade, e revelaram uma rede de polimorfias e polissemias do 

espaço  urbano. Nesse  sentido,  a  construção  da  imagem  da  cidade  de  São  Paulo, 

apresentou  várias  fases  contrastantes, mesmo  estando  vinculada  a  um  projeto  de 

elaboração da identidade nacional. 

 Os critérios utilizados para a construção das idéias de unificação simbólica  se 

estabeleceram  a  partir  das  rupturas,  desencadeadas  pelas  chamadas  vanguardas 

artísticas.  Sendo que, a cidade de São Paulo se transformou no espaço “ideal”, ao se 

adequar a uma estética futurista, que correspondia tanto ao ideal modernista quanto 

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ao projeto modernizador:  se  conformando numa  imagem de  cidade do  futuro, do 

movimento, das máquinas e do crescimento.  

A  concepção  de  uma  identidade  coletiva  foi  elaborada  sistematicamente  a 

partir  da  ação  política  do  Estado,  que  se  valeu  amplamente  das  mudanças 

provocadas pelo modernismo, como a busca por referências nacionais, para elaborar 

seu  projeto modernizador  para  o  Brasil.  Com  isso,  a memória  coletiva  da  nação 

definiu‐se  estreitamente vinculada  à  construção de uma história  e de uma  estética 

brasileiras,  com  traços  distintivos,  porém  ambíguos.  Se  por  um  lado  buscou‐se 

encontrar traços que particularizassem o Brasil, tanto na simbologia passadista como 

na natureza e nos manifestos de retorno, por outro  lado,  foram desenvolvidos seus 

ícones particulares,  inspirados em cientificismos e modelos  ideais, na dinâmica das 

novidades  atreladas  à  concepção de modernidade. O  projeto de  (re)construção da 

história  nacional,  como  vimos,  envolveu  a  produção  cultural  entrelaçando 

“modernismos e nacionalismos”.   

No campo da representação e identificação do lugar, as representações oficiais 

desses  ideais  de  modernização,  desenvolveram‐se  pela  disseminação  da  idéia 

“progresso”,  voltada  para  uma  exaltação  do  urbano  e  da  metrópole  como  a 

representação do crescimento e das oportunidades.  

Na esfera dos modernismos e suas dissidências, vimos que todas as questões 

acerca  da  arte  e  da  cidade,  transitaram  entre  o  plano  estético  ligado  às 

transformações da  cidade,    e  os modos de vida urbano,  relacionados  a uma visão 

vinda  de  fora,  até  mesmo  para  estabelecer  diferenças.  Mesmo  no  processo  de 

reinvenção  do  nacional  e  no  desenvolvimento  de  traços  particulares,  o  olhar 

legitimador  era  sempre  “estrangeiro”. Com  isso, verificou‐se que,  a  já  consolidada 

“tradição de negação de raízes”, mesmo em plena busca por critérios particularistas 

nacionais,  foi reforçada pelo governo. Na esfera dessa rejeição dos valores que não 

interessavam, negavam‐se origens,  etnias,  lugares,  traços,  fatos,  artes, memórias. E 

uma nova memória era construída no espaço urbano, através dos deslocamentos e re‐

significações e dos marcos de lembranças  difundidos. 

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Olhando  todo  esse  quadro  cultural  pela  dicotomia  dominante/dominado, 

percebemos  que  a  cultura dominante  sempre  suprime  o  que  não  quer do  outro  e 

extrai  o  que  se  pode  “aproveitar”. Nesse  contexto,  percebemos  as  estratégias  de 

conformação social, nas políticas públicas e nos projetos de urbanização.  

Um dos exemplos mais claros dessa questão pode ser  revelado nas medidas 

adotadas  para  o  “branqueamento  da  população  brasileira”,  que  se  estabeleceu  no 

século XIX, e originou a vinda da mão‐de‐obra européia. Percebe‐se, no período, que 

ao mesmo  tempo  em  que  ocorre  a  abolição da  escravidão,  se  estabelece de  forma 

quase  imediata,  a  negação  da  mesma.    Isso  se  revela  nos  detalhes,  como,  por 

exemplo,  na  letra  do  Hino  da  República  em  1890,  carregado  por  emoções 

progressistas  e  sem  a menor  preocupação  com  a  realidade:  “Nós  nem  cremos  que 

escravos  tenha  havido  outrora,  em  tão  nobre  país”  [apud]  206.  Esse  dado  se  relaciona 

diretamente  a  primeira  fase  da  criação  dos  símbolos  nacionais,  alinhada  aos 

cientificismos que privilegiam  as  teorias  raciais  e que, por  sua vez,  embasaram os 

totalitarismos. Nesse período  já há uma clara negação do que não se deve  lembrar. 

Dentro  dessa  dinâmica,  que  chamamos  de  “tradição  de  negações”  na  Era Vargas, 

houve  uma  sistematização  do  que  veio  a  se  chamar:  “nacionalismo  pedagógico”, 

onde  vários  segmentos  no  aparelho  administrativo  governamental,  foram  os 

responsáveis pela disseminação de estratégias para a eliminação de  representações 

da chamada cultura popular, ao mesmo  tempo em que  se utilizaram de elementos 

desse mesmo universo popular, adaptados para a cultura de massas e estruturados 

em representações produzidas com finalidades coercitivas. Ou seja, ao mesmo tempo 

em  que  se  proíbe  manifestações  de  culto  africano,  o  mestiço  é  eleito  como  a 

representação do brasileiro e o samba como a música nacional.207  

Na  leitura  do  imaginário,  os  rituais  e  a  cultura  popular  foram,  em  alguns 

aspectos,  incorporados pela  ideologia coercitiva  implantada pelo poder público, de 

acordo  com as  conveniências de uso de origens  e  tradições. Nesse  sentido, muitos 

206 CANCLINI, op.cit. 207 Cf: VIANA, Hermano. O Mistério do Samba, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor/ UFRJ, 1989

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mitos  foram  resgatados  e utilizados no  sentido de  reforçar as  estruturas de poder. 

Por  isso, para  tentar entender aspectos do  imaginário,  foi necessário “desconstruir” 

essas idéias e imagens nacionais e buscar nas simbologias o que restou dessas fontes 

populares.  Foi  através  da  arte  que  escapou  ao  controle  e  também  das memórias 

afetivas, que a cultura popular pôde preservar suas referências.  

  Vimos,  portanto,  que  na  narrativa  oficial  da  nação,  as  instituições  da 

memória,  os  documentos,  os  monumentos  e  as  imagens  são,  em  sua  maioria, 

produtos  com  finalidades de  controle,  que  criaram uma dinâmica de  invenção de 

tradições, onde o que  funciona é a repetição do que é autorizado para  lembrar, e o 

que não interessa será excluído dos registros oficiais. Para exemplificar, verificamos 

que a memória afro‐brasileira quase não  tem  registros históricos na  cidade de São 

Paulo.  Os  espaços  da  escravidão,  assim  como  os  espaços  dos  ritos  afros,  foram 

proibidos,  apagados,  esquecidos. Não  faz  parte  da  tradição  historiográfica  oficial 

registros  sobre  o  local  do mercado  de  escravos,  o  pelourinho,  ou  onde  as  etnias 

africanas moravam e como se re‐inseririam numa sociedade em que foram excluídos 

e  negados.  Nesse  sentido,  o  que  foi  negado,  apagado,  reinventado,  somente 

sobreviveu  na  esfera  cultural,  nas malhas  do  simbólico  e  na  tradição  oral. Até  a 

toponímia das cidades é modificada de acordo com as intencionalidades. Mas, ainda 

assim,  sobrevive na memória popular. No urbanismo  esse  fator  se deu  através da 

supressão dos lugares de memória africana ou de aglomeração e miscigenação étnica, 

que  não  eram  aceitos  pelos  padrões,  e  que  foram  removidos  através  de medidas 

chamadas “higienistas”. Como  também dos estrangeiros  indesejáveis, e  toda a  leva 

dos que não “interessam” aos ideais de nação que estão sendo formatados. 

Sendo assim, os valores e memórias, desprovidos de forças, são os lugares do 

esquecimento e da transculturação. Muda‐se o nome do lugar, o contexto, deslocam‐

se os indesejados, inventam‐se memórias, constroem‐se tradições.208 

208 Ao contrário de parte dos registros iconográficos dos cenários urbanos dispostos sem que houvesse a  presença  de  gente,  as  imagens  das  habitações  populares  feitas  na  época[...]por  vezes  flagram detalhes das  construções  e das  atividades  cotidianas, no geral mulheres  envolvidas na  lavagem de roupas na espécie de quadrilátero central, e sugerem o que havia de mais significativo na organização 

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Dentro  desses  exemplos,  situa‐se  a  idealização  do  brasileiro,  elegendo  o 

mestiço, como a raça forte, o herói nacional, numa linguagem emblemática, diante da 

constatação da impossibilidade de realização do que se idealizou no século XIX, de se 

construir de uma  nação de  brancos,  (e para  isso  várias políticas  instauraram  seus 

métodos). A representação do brasileiro ideal passa a ser a do “mestiço com carimbo 

nacional”. Mas, ainda assim,  o preconceito resiste e transparece na forma cosmética, 

na publicidade, e mais uma vez revela essa tradição de negações de origens.  [imagem 

25: p. 174]  

Portanto, a identidade nacional foi disseminada dentro da idéia de uma nação 

que  tinha  um  povo  forte,  pacífico,  norteado  pelos  valores  e  qualidades  dos 

bandeirantes e unidos pelo mesmo governo. Sendo assim, o bom brasileiro deveria 

ser  branco  ou  o  “mestiço  ideal”,  desde  que  católico,  trabalhador,  pacífico,  forte, 

cordial, alienado e obediente.  

A estrutura da construção da  idéia de um universo de pertencimento, que se 

proliferou  criando  mecanismos  legitimizadores  do  poder,  foi  estabelecida  por 

camadas,  começando  pelos  mecanismos  de  reprodução  de  valores,  que  foram 

disseminados  e  controlados  pelo  Estado,  responsável  por  definir  e  difundir  as 

representações convenientes e as memórias autorizadas.   Essas camadas de poder e 

de  dominação  cultural  estavam  tão  enraizadas  em  preconceitos  que  segregaram 

expressões  culturais,  criando mecanismos  de  padronização  do  pensar,  e  com  isso 

promoveram uma espécie de “transculturação”. 209   

Mas, a cultura popular, mesmo assim, ainda resiste na segregação, na periferia 

e no isolamento, na  organização dos modos de viver e na tradição oral.  

de  suas  vidas:  o  convívio  apertado  pela  pobreza,  a mistura  de  gerações,  as  atividades  feitas  em conjunto  [...]  vislumbres de  uma  cultura urbana  e  popular  nascida  na  composição multiétnica das cidades  da  época.  Cf: WISSENBACH. M.  Cristina. Da  escravidão  à  liberdade  dimensões  de  uma privacidade possível. In: NOVAIS F. e SEVECENKO. N.(orgs.) Historia da Vida Privada. Vol. 3. São Paulo: Cia das Letras, 1998. 209 BOSI, Alfredo. Cultura Brasileira e culturas brasileiras. In: A Dialética da Colonização. São Paulo: Cia das Letras, 2000. 

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Na  concepção  antropológica  da  cultura  podemos  perceber  os  fenômenos 

simbólicos pelos quais se exprimem a   vida brasileira, que é o  imaginário do povo, 

desde os ritos indígenas, africanos, expressos nas festas populares e manifestações de 

religiosidade. Essas micro‐instituições culturais resistem e conseguem se estabelecer 

na contramão das culturas oficializadas, pois sobreviverem nos hábitos suburbanos e 

rústicos, nas culturas indígenas, negras, caboclas, escravas, na força das culturas que 

se produziram  sob o peso da dominação. São nessas memórias  sobreviventes, que 

encontramos os resíduos que resistem ao tempo e aos mecanismos de negação e de 

coerção,  impostos pelo sistema dominante.  

[...]  é  preciso  reter  o  conceito  antropológico do  termo  cultura 

como conjunto de modos de viver, de ser, pensar e falar, de uma dada 

formação social; e ao mesmo  tempo, abandonar o conceito de cultura 

como mundo da produção escrita provinda de instituições de ensino e 

pesquisa  superiores, pois a  cultura  restrita ao ambiente acadêmico  é, 

geralmente,  desprovida  de  vivências  situando‐se  numa  esfera  que 

produz discursos marcados, tematizados, tecnicistas e excludentes.210 

 

Nesse sentido, cabe repensar o processo de  formação da cultura erudita, que 

viveu e ainda vive sob o limiar da escrita e da vertente culta e de fundo colonizador, 

que acabou por estigmatizar a cultura popular como correspondente aos estados de 

primitivismo,  atraso,  demora,  subdesenvolvimento.  Esse  olhar  distanciado,  ainda 

persiste nas esferas do saber autorizado.   

Por sua vez, a cultura de massas é o que rege a sociedade de consumo e dita 

padrões  de  comportamento  através  da  difusão  da  informação,  onde  os  bens 

simbólicos  são  fetichizados  e  o  desejo  é  incentivado  pelos  meios  de  difusão.  A 

imagem e a comunicação do que vem de fora são consumidas maciçamente (e o olhar 

de  fora ainda é  legitimador do  ideal), e determina os modos de  comportamento, a 

moda, a organização do  cotidiano. Por  isso, a  cultura para as massas  também  tem 

210 BOSI, Alfredo. Passim. 

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como  estratégia  negar  origens  e  raízes  etnicamente  dominadas  e  criar  escalas  de 

valores de acordo com critérios de padrões de vida considerados “melhores” numa 

escala medida  pelos  padrões  de  consumo.    Essa  indústria  cultural  se  estruturou 

através  de  instituições  do  próprio  Estado,  cuja  finalidade  era  transmitir 

conhecimento  e  proporcionar  um  lazer  controlado  que  selecionava,  segregava  e 

incentivava a produção industrial e o consumo de bens, aceleradamente. Mas faz‐se 

necessário  considerar  as  imbricações  entre  essas duas  culturas  (popular  e  erudita) 

dentro de esferas ideológicas e carregadas de preconceitos. Nesse panorama, criou‐se 

uma representação forjada da cidade e do cotidiano, com uma iconografia fabricada e 

superficial.   Porém,  fora dessa  “oficialidade” das memórias permitidas,  temos um 

universo  a  ser  desvelado  que  “supervive”  fora  da  padronização,  e  que  pode  ser 

interpretado  por  detrás  das  aparências,  pois  se  encontra  no  imaginário,  ou  no 

conceito antropológico de cultura: 

Uma  teoria da cultura brasileira, se um dia simbólica cultura existir,  terá  como  sua matéria prima  o  cotidiano  físico,  simbólico  e imaginário dos homens que vivem no Brasil,   Nele sondará  teores e valores.  Na  cultura  popular  não  existem  divisões  entre  a  esfera material  da  existência  e  a  esfera  espiritual  ou  popular  implica  os modos de viver, o alimento, o vestuário, a relação homem‐mulher, a habitação, os hábitos de  limpeza, as práticas de cura, as  relações de parentesco,  a  divisão  das  tarefas  durante  a  jornada  e simultaneamente, os cantos, as danças, as crenças, os  jogos, a caça, a pesca, o fumo, os provérbios, os modos de cumprimentar, as palavras tabus, os eufemismos, o modo de olhar, o modo de sentar, o modo de andar, o modo de visitar e ser visitado, as romarias, as promessas, as festas do padroeiro, o modo de  criar galinha  e porco, os modos de plantar  feijão, milho, mandioca, o  conhecimento do  tempo, o modo de rir e chorar, de agredir e consolar. (211) 

 

Porém, na atualidade, a cultura popular em muitas instâncias foi reduzida em 

macumba  pra  turistas, na  expressão de Oswald de Andrade212. Esse dado, na  esfera 

211 BOSI, Alfredo. 2000, op. cit. p.324. 212 Expressão de Oswald de Andrade na crônica ʺBilhete abertoʺpublicada no Correio da Manhã, nos anos 40. O C. R., a quem ele se dirige, é nada mais nada menos que o poeta Cassiano Ricardo, então diretor do DIP, departamento de imprensa e propaganda do governo getulista, que exercia a função de censor dos meios de comunicação.

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contemporânea, aparece claramente na produção de “souvenirs made in Brasil”, pois 

o  poder  econômico  parece  ter  abolido  manifestações  reduzindo‐as  à  função  de 

“folclore/espetáculos para  turismo” e de  ter “industrializado” até o artesanato. Mas 

ainda há um caminho, apesar do uso abusivo que a cultura de massas faz da cultura 

popular,  ela  ainda  não  foi  capaz  de  interromper  o  dinamismo  da  vida  arcaico 

popular,  que  resiste  na  re‐interpretação  dos  elementos  do  imaginário.  E  nesse 

caminho,  é  possível  re‐estabelecer  relações  entre  o  artista  e  a  vida  popular  pelas 

estéticas simbólicas.  

Segundo a análise de Canclini213, a modernidade considera que as divergências 

político‐ideológicas  estão  no  acesso  desigual  aos  bens.  Esse  questionamento  se 

estabelece na incerteza, em relação ao sentido e ao valor da modernidade, que deriva 

dos cruzamentos socioculturais em que tradição e modernidade se misturam. Sendo 

assim, a modernização passa a ser uma força dominadora que opera por substituição 

do tradicional e se reflete nos processos políticos.  Nessa dinâmica analítica, percebe‐

se que tanto na esfera das tradições quanto da modernização, buscou‐se a construção 

de  “objetos puros”. Ou  seja,  os  tradicionalistas pensaram  a  cultura da perspectiva 

nacional  e  popular,  vista  como  autêntica,  procurando  preservá‐la.  Já  os 

modernizadores  conceberam  a  arte  pela  arte,  o  saber  pelo  saber,  sem  fronteiras 

territoriais e confiando à experimentação suas fantasias de progresso. As diferenças 

entre esses campos e a estrutura de organização de bens e  instituições criaram uma 

divisão  dos  lugares  da  cultura.  O  resultado  disso  está  na  constatação  de  que  o 

processo  de modernização  fortaleceu  a  indústria  cultural  e  diminuiu  o  papel  das 

culturas,  tanto  erudita  quanto  popular,  promovendo  transformações  através  do 

modernismo  cultural  e da modernização  social,  que  foi um  estratagema usado  na 

formatação das metrópoles. Porém,  é  fato que a  cultura de massas promove   uma 

espécie de fusão do erudito com o popular para criar a raiz de uma força coercitiva. 

213 CANCLINI, Nestor Garcia. Culturas Hibridas: Estratégias para entrar e sair da Modernidade. Trad. Heloísa Cintrão. São Paulo: Edusp, 1997. 

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Nesse  sentido  buscamos  olhar  para  o  “lugar  da  cultura”  para  questionar  as 

categorias e tentar entender as diferentes e contrastantes concepções da modernidade 

que se reflete nas artes, na arquitetura e na economia.  

A modernidade é vista como uma máscara. Um simulacro urdido pelas elites e pelos aparelhos estatais, sobretudo, os que se ocuparam da arte e  da  cultura, mas  que  por  isso mesmo  os  torna  irrepresentativos  e inverossímeis.  As  oligarquias  liberais  que  no  final  do  século  XIX  e início  do  XX,  teriam  feito  de  conta  que  constituíam  Estados,  mas apenas  organizaram  algumas  áreas da  sociedade para promover um desenvolvimento  subordinado  e  inconsistente;  fizeram  de  conta  que formavam  culturas  nacionais  e  mal  construíram  culturas  de  elite, deixando  de  fora  enormes  populações  indígenas  e  camponesas  que evidenciam  sua  exclusão  e  em  mil  revoltas  e  na  migração  que “transtorna”  a  cidade.  Os  populismos  fizeram  de  conta  que incorporavam  esses  setores  excluídos, mas  sua política  igualitária na economia  e  na  cultura,  sem mudanças  estruturais,  foi  revertida  em poucos anos ou se diluiu em clientelismos demagógicos. 214 

 

Porém,  o  caminho  do  entendimento  tem  que  perpassar  pela  desconstrução 

dessa tradição de negações, que dissemina “cegueiras” e tentar viabilizar condições 

para que memórias apagadas se manifestem e encontrem seu espaço, assim como as 

questões  identitárias  sejam  desmascaradas,  e  as  diferenças  e  desigualdades  sejam 

revistas por um  olhar  atento,  sensível  e  revelador  que permita  ver  o  outro  sem  a 

máscara  da  indiferença  ou  da  competitividade. Nesse  caminho,  a  arte  é  um  dos 

grandes  tipos de estrutura cultural e sua análise deve dizer respeito à matéria e ao 

processo, pois em cada objeto se reconhece um sentimento das noções que o artista 

tem em comum com a sociedade da qual faz parte. Ainda que a arte seja usada como 

instrumento político,  ela  será  sempre  reveladora. Assim  como  a  cidade, palco das 

mudanças históricas, onde o que se preservou e/ou se modificou são referências para 

entender  as  mudanças  que  se  perpetraram  ao  longo  dos  tempos.  Por  isso,  a 

preservação  das  diferenças  e  das  identidades  da  cidade,  são  aspectos  muito 

importantes. A  cidade  apesar  de  ser  um  produto  cultural  não  é  uma mercadoria, 

como tem sido vista na contemporaneidade, pelos que não se atêm ao fato de que, o 

214 CANCLINI.Nestor Garcia. Op.Cit. p‐23

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deslocamento/expulsão  da  população  dos  lugares  empobrece  a  identidade  dos 

bairros  e  gera  deslocamentos  irreversíveis.  Desse  modo,  criam‐se  operações  que 

transcendem  a  questão  da  arte  na  esfera  estética,  e  passam  por  estratégias  que 

definem  posições,  através  de  construções  culturais  que  são  condicionadas  por 

agentes que  transcendem o artístico e o  simbólico. Se o processo de modernização 

diminuiu  o  papel  do  erudito  e  do  popular  tradicionais,  na  atualidade  isso  se 

repercutiu  intensamente na  lógica de mercado,  que  tem  como  tônica dominante  a 

espetacularização que a mídia promove, e a arte passa da esfera do estético para uma 

esfera mercadológica  e vai  sendo moldada por diversas  estratégias,  seja da ordem 

culta  ou popular, de  acordo  com  a  forma que  seus próprios  teóricos  a projetam  e 

definem seu  lugar social. A cultura de massas, por sua vez, origina a obsessão pelo 

consumo,  por  promover  a  substituição  e/ou  barganha  dos  afetos  e  do 

reconhecimento, e se transmuta no poder da aquisição de bens e na competitividade, 

causando uma rede de equívocos e de violências, que são geradas por essa vertente 

do pensamento contemporâneo e que se refletem de forma “trágica” em todo quadro 

social. Nesse sentido, as cidades sob domínio do capital e desprovidas de memória 

poderão  se  transformar  em  enormes  shopping  centers,  dominadas  pela  arquitetura 

capitalista  e  pelo  rito  do  consumo.  Embora,  a  fidelidade  das  representações  da 

cultura e da arte popular  tenham se comprometido em  face as  inúmeras  fusões do 

erudito  e da  cultura de massas,  elas  revelam uma  sociedade  onde  as diferenças  e 

dissonâncias estão na regência das interações. Por isso, não podemos perder o olhar 

que apreende as  transformações do mundo  e que  refaz as  identidades muito mais 

sob  o  elo  das  vizinhanças  e  das  afinidades  do  que  por  fidelidade  às  origens  e 

tradições. Através das possibilidades abertas pelo caminho da transdisciplinaridade 

as cidades, a cultura, a identidade, a memória e conseqüentemente o patrimônio, têm 

que ser repensados215.  

215 Cf. MORIN, Edgar. A  cabeça bem‐feita: Repensar  a  reforma  e  reformar o pensamento. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004. 

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Acesso em: 12/09/2006 

 

Linha do tempo década de 30 

Disponível em: http://sampacentro.terra.com.br/linhadotempo.asp  

Acesso em: 18/09/2006 

 

A criatividade na propaganda 

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